Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
| ||
| Relator: | NELSON BORGES CARNEIRO | ||
| Descritores: | OPOSIÇÃO AO PROCEDIMENTO DE DESPEJO PAGAMENTO DE CAUÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 01/26/2023 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | I – Se o arrendatário deduzir oposição, o BNA apresenta os autos à distribuição, convolando-se o procedimento em processo declarativo especial, prestada que seja caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas e paga a taxa de justiça. II – Para deduzir oposição ao procedimento especial de despejo, o arrendatário tem de apresentar caução do valor das rendas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, mesmo tendo um motivo legítimo, ainda que de ordem formal. III – O princípio da igualdade, consagrado no art. 13º da Constituição da República Portuguesa, é um princípio estruturante do Estado de direito democrático e postula, como o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente. IV – Não são inconstitucionais as normas do art. 15º-F/3/4 do NRAU. V – A imposição ao requerido da prestação de caução, nos termos daquelas normas, no valor das rendas em atraso, para lhe ser admitida a oposição ao procedimento especial de despejo fundado na falta de pagamento de rendas, não lhe coarta o seu direito de defesa, previsto no art. 20º da CRPortuguesa. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes da 2ª secção (cível) do Tribunal da Relação de Lisboa: 1. RELATÓRIO STRANGE MIRROR – UNIPESSOAL, LDA, requereu procedimento especial de despejo contra FA__ & A__ – ACTIVIDADES HOTELEIRAS, LDA. Foi proferida sentença que, dando sem efeito a oposição por não se mostrar satisfeita a caução, julgou procedente o procedimento especial de despejo e, consequentemente, decretou o imediato despejo. Inconformada, veio a ré apelar da sentença, tendo extraído das alegações[1],[2] que apresentou as seguintes CONCLUSÕES[3]: 1ª. O requerimento de despejo foi apresentado no BNA no dia 21 de Março de 2022 e com o fundamentação de que a Requerida se encontrava em mora quanto ao pagamento das rendas respeitantes aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2020 e Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto e Setembro de 2021, que perfaziam o montante global de 7959,48 Euros, 2ª. A Recorrente, na Oposição deduzida a 23 de Maio de 2022, alegou ter pago todas as rendas com o acréscimo de 20% a título de indemnização e juntou documentos comprovativos do pagamento. 3ª. Ficou provado que no dia 22 de Fevereiro de 2022 a requerente informou, via e-mail, a requerida, ora recorrente, que o valor em dívida - referente às duas lojas arrendadas e identificadas por “GORE- … e GORE.- …, esta com a renda de 663,29 € - totalizava a importância de 16 931,52 €, já acrescidas de 20%, incluídas as rendas de Fevereiro de 2022, conforme e-mail que foi junto com a Oposição como Doc. I. 4ª. Apesar das rendas de Fevereiro de 2022 terem sido pagas pontualmente (Doc. II e III); 5ª. Na sequência da informação facultada a requerida acordou com a requerente, na pessoa da Srª. SM, o pagamento do valor apurado [16 931,52 €] em 2 prestações, sendo a 1ª no valor de 8000,00 €, a liquidar no dia 10/03/2022, por transferência bancária e 2ª no valor de 8931,52 € a liquidar no dia 30/03/2022. 6ª. O acordado foi cumprido, no dia 10/03/2022 com a transferência de 8000,00€ (Doc. IV junto com a oposição) e no dia 30/03/2022 com a transferência de 8931,52 € (Doc. V também junto com a oposição), para pagamento da totalidade das rendas e indemnização de 20% que, no tocante ao arrendado em causa – loja n.º 53 – na identificação da Requerente “unidade GORE - …”- perfaziam o montante de 9867,83 €, conforme resulta do Doc. I emitido pela Requerente. 7ª. À data entrada do requerimento de despejo – dia 21 de Março de 2022 – e à data da entrega da Oposição -23-05-2022 - já não ocorria o caso previsto no n.º 3 do artigo 1083.º do C.C., porquanto não existiam quaisquer rendas em mora. E 8ª. Tendo a Recorrente posto termo à mora dentro do prazo contado da data de 17 de Fevereiro de 2022, a resolução ficou sem efeito, conforme dispõe o n.º 3 do Artº. 1084.º CC. 9ª. Dispõe o n.º 3 do artº. 15.º - F do NRAU que com a oposição, deve o requerido proceder … nos casos previstos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 1083.º do Código Civil, ao pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas … 10ª. Ora, à data da entrega da Oposição -23-05-2022 – não existiam rendas, encargos nem despesas em atraso, porquanto, 11ª. As rendas em mora e indemnização de 20% foram integramente pagas pelos montantes transferidos para a conta da A., do dia 14-01-2022, 3000,00 €, no dia 15-02-2022, 3000,00 €, no dia 10-03-2022, 8 000,00 € e dia 30-03-2022, 8931,52 €, conforme acordado entre as partes. 12ª. Não havendo rendas em atraso à data da entrega da Oposição -23-05-2022 – não estava a Recorrente obrigada a proceder ao pagamento de uma caução no valor das rendas reclamadas pela A. e que já tinham sido pagas há mais de dois meses. 13ª. Acresce que a Requerente não formulou, nem quantificou o pedido para pagamento de rendas, encargos ou despesas, nem discriminou o valor do capital, juros vencidos e outras quantias devidas, como vem disposto no nº. 2 al. g) do artº. 15º-B do NRAU. 14º. Não tendo a requerente formulado o pedido para pagamento de rendas, encargos ou despesas, nem discriminado o valor do capital, juros vencidos e outras quantias devidas, não está a, ora, recorrente obrigada a prestar caução. 15ª. É que, a prestação da caução destina-se a acautelar o pedido do pagamento de rendas, encargos ou despesas, juros vencidos e outras quantias devidas. 16ª. Não tendo sido formulado o pedido para pagamento de rendas, encargos e outras despesas, carece de fundamento e não tem aplicação a exigência do pagamento da caução, por ausência de direito exercido pela recorrida. 17ª. A Recorrente impugnou os factos essenciais que a recorrida alegou como causa de pedir e, por seu lado, excecionou, provando o pagamento das rendas em mora e indemnização de 20%, apesar da locadora não ter emitido os correspondentes recibos de quitação. 18.ª O Tribunal “a quo”, erradamente, não considerou os factos articulados pela Recorrente, designadamente os documentos juntos, nem os factos notórios que resultam dos, também, alegados, para dar “a oposição sem efeito”. 19ª. Impunha-se, a bem da Justiça, e atento o conteúdo da Oposição, e docs. juntos, que, nos termos do art.º 15.º- H, n.º 2 do NRAU, o prosseguimento dos autos para apreciação do mérito da causa. 20ª. A douta decisão recorrida fez errada interpretação do disposto nos arts. 1083.º, n.º 3 e 1084.º, n.º 3 do C.C. e artºs. 15.º-B, n.º 2, al, g), 15.º F n.º 4 do NRAU e violou, de forma flagrante, os princípios da igualdade e proporcionalidade consagrados na Constituição Portuguesa, inconstitucionalidade que desde já se invoca. NESTES TERMOS, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente e, em consequência ser revogada a decisão recorrida que julgou a Oposição “sem efeito”, com a consequente admissão da Oposição deduzida, determinando-se o prosseguimento dos autos. A requerente contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação da réu. Colhidos os vistos[4], cumpre decidir. OBJETO DO RECURSO[5],[6] Emerge das conclusões de recurso apresentadas por FA__ & A__ – ACTIVIDADES HOTELEIRAS, LDA, ora apelante, que o seu objeto está circunscrito às seguintes questões: 1.) Saber se estando alegado na oposição ao procedimento especial de despejo que foram pagas as rendas em atraso, para os efeitos do art. 15º-F/3, do NRAU, o arrendatário estará dispensado do pagamento de uma caução até ao valor máximo correspondente a seis rendas. 2.) Saber se o pagamento de uma caução pelo valor correspondente a seis rendas, viola, os princípios constitucionais da igualdade e proporcionalidade. 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. FACTOS 1.) O requerimento de despejo foi apresentado no BNA em 21-03-2022 e com o fundamento em resolução do contrato de arrendamento por não pagamento de rendas. 2.) A Requerida, na oposição deduzida, alegou ter pago todas as rendas com o acréscimo de 20% a título de indemnização. 3.) A Requerida, na oposição deduzida, não procedeu ao pagamento de uma caução no valor das rendas até ao valor máximo correspondente a seis rendas. 3.) Foi proferida decisão que deu a oposição sem efeito, por não se mostrar satisfeita a caução. 2.2. O DIREITO Importa conhecer o objeto do recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso[7] (não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto). 1.) SABER SE ESTANDO ALEGADO NA OPOSIÇÃO AO PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DESPEJO QUE FORAM PAGAS AS RENDAS EM ATRASO, PARA EFEITOS DO ART. 15º-F/3, DO NRAU, O ARRENDATÁRIO ESTARÁ DISPENSADO DO PAGAMENTO DE UMA CAUÇÃO ATÉ AO VALOR MÁXIMO CORRESPONDENTE A SEIS RENDAS. A apelante alegou que “As rendas em mora e indemnização de 20% à data da notificação por carta datada de 17 de Fevereiro de 2022, foram integramente pagas”. Mais alegou que “não havendo rendas em atraso, não estava obrigada a proceder ao pagamento de uma caução no valor das rendas que já tinham sido pagas há mais de dois meses”. Assim, concluiu que “Não tendo a requerente formulado o pedido para pagamento de rendas, encargos ou despesas, nem discriminado o valor o valor do capital, juros vencidos e outras quantias devidas, não está obrigada a prestar caução”. Vejamos a questão. O procedimento especial de despejo é um meio processual que se destina a efetivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que este se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes – art. 15º/1, do NRAU. O requerido pode opor-se à pretensão no prazo de 15 dias a contar da sua notificação – art. 15º-F/1, do NRAU. Com a oposição, deve o requerido proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e, nos casos previstos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 1083.º do Código Civil, ao pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, salvo nos casos de apoio judiciário, em que está isento, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça – art. 15º-F/3, do NRAU. Não se mostrando paga a taxa ou a caução previstas no número anterior, a oposição tem-se por não deduzida – art. 15º-F/4, do NRAU. No procedimento especial de despejo, é obrigatória a constituição de advogado para a dedução de oposição ao requerimento de despejo – art. 15º-S/3, do NRAU. As formas de apresentação da oposição, bem como o modo de pagamento da caução devida com a apresentação da oposição nos termos do n.º 3 do artigo 15.º-F da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, são definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça – art. 9º/1, do DL n.º 1/2013, de 07-01 (Procede à instalação e à definição das regras do funcionamento do Balcão Nacional do Arrendamento e do procedimento especial de despejo). Compete exclusivamente ao tribunal, para o qual o BNA remete o processo após a apresentação da oposição, a análise dos requisitos da oposição, nomeadamente os previstos no n.º 4 do artigo 15.º-F da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro – art. 9º/2, do DL n.º 1/2013, de 07-01. O pagamento da caução devida com a apresentação da oposição, nos termos do n.º 3 do artigo 15.º-F da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, é efetuado através dos meios eletrónicos de pagamento previstos no artigo 17.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, após a emissão do respetivo documento único de cobrança – art. 10º/1, da Portaria 9/3, de 10-01 (Regulamenta vários aspetos do Procedimento Especial de Despejo). O documento comprovativo do pagamento referido no número anterior deve ser apresentado juntamente com a oposição, independentemente de ter sido concedido apoio judiciário ao arrendatário – art. 10º/2, da Portaria 9/3, de 10-01. É inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora igual ou superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário ou de oposição por este à realização de obra ordenada por autoridade pública, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 3 a 5 do artigo seguinte – art. 1083º/3, do CCivil. É ainda inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento no caso de o arrendatário se constituir em mora superior a oito dias, no pagamento da renda, por mais de quatro vezes, seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses, com referência a cada contrato, não sendo aplicável o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo seguinte – art. 1083º/4, do CCivil. Para deduzir oposição validamente, tem o requerido de constituir mandatário judicial, proceder ao pagamento da taxa de justiça devida e, ao pagamento de uma caução nos casos previstos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 1083.º do Código Civil, salvo nos casos de apoio judiciário, tudo de modo a evitar oposições meramente dilatórias[8]. A apelante deduziu “Oposição”, ao procedimento judicial de despejo, constituiu mandatário judicial, pagou a taxa de justiça devida, mas não prestou caução[9] até ao valor máximo de 6 (seis) rendas. Ora, estatui o art. 15º-F/4, do NRAU, que não se mostrando paga a taxa de justiça ou a caução previstas no número anterior, a oposição tem-se por não deduzida. Assim, o pagamento da taxa de justiça e o pagamento de uma caução, são requisitos ou condições necessárias da admissibilidade da oposição ao procedimento judicial de despejo[10]. Temos, pois, que a dedução de uma oposição desacompanhada dos comprovativos de pagamento da taxa de justiça (ou pedido de apoio judiciário), e de caucionamento de rendas, determina a não aceitação da mesma[11]. E, independentemente, do motivo que leva o arrendatário a apresentar a oposição, deve apresentar caução do valor das rendas em atraso, até ao limite de seis rendas[12]. Assim, na hipótese de ter havido resolução extrajudicial por falta de pagamento de rendas, nos termos do art.1083º, nºs 3 e 4, do CCivil, o arrendatário tem o dever de prestar uma caução no valor das rendas ou encargos em atraso, até ao valor de seis meses de rendas, exceto tendo apoio judiciário[13]. Nestes casos, o arrendatário terá de apresentar caução do valor das rendas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, mesmo tendo um motivo legítimo, ainda que de ordem formal, para deduzir oposição ao procedimento especial de despejo[14]. A apelante alegou que “na data da entrega da oposição não existiam rendas, encargos nem despesas em atraso, porquanto integralmente pagos”, e que “a comunicação de resolução do contrato contém uma rubrica sob a palavra “Procurador”, pelo que, não reconhece legitimidade ao subscritor da referida comunicação, que aliás, ignora, para representar a, ora, requerente”[15]. Assim, alegar como fundamentos do não pagamento da caução, o “não existirem rendas, encargos nem despesas em atraso, porquanto integralmente pagos” e, que “não reconhece legitimidade ao subscritor da comunicação de resolução”, não permitindo, consequentemente, este despejo, não tem base legal, em face ao estatuído no art. 15º-F/3, do NRAU. Será, pois, irrelevante a alegação da apelante de que não havendo rendas em atraso, não estava obrigada a proceder ao pagamento de uma caução ou, que “não reconhece legitimidade ao subscritor da comunicação de resolução”[16]. Por outro lado, a alegação na instância recursiva de que a apelada “não formulou, nem quantificou o pedido para pagamento de rendas, encargos ou despesas, nem discriminou o valor do capital, juros vencidos e outras quantias devidas, como vem disposto no nº. 2 al. g) do artº. 15º-B do NRAU”, nunca foi suscitada ao tribunal a quo, razão pela qual, este tribunal ad quem está impedido dela conhecer. Ora, tendo havido resolução extrajudicial por falta de pagamento de rendas, a apelante não juntou documento comprovativo do pagamento da caução, mesmo tendo alguma razão para não proceder a esse pagamento, pelo que, foi dada a oposição sem efeito. Concluindo, mesmo podendo ter um motivo legítimo (v.g., que pagou as rendas devidas ou qualquer outro facto ou circunstância que impeçam a resolução do contrato de arrendamento) para deduzir oposição ao procedimento especial de despejo, mas não procedendo ao pagamento de uma caução pelo valor correspondente a seis rendas, atento o estatuído no art. 15º-F/4, do NRAU, a oposição tem-se, como o foi, por não deduzida. Destarte, improcedem, nesta parte, as conclusões 1) a 19), do recurso de apelação. 2.) SABER SE O PAGAMENTO DE UMA CAUÇÃO PELO VALOR CORRESPONDENTE A SEIS RENDAS, VIOLA, OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA IGUALDADE E PROPORCIONALIDADE. A apelante alegou que “a decisão recorrida violou, de forma flagrante, os princípios da igualdade e proporcionalidade consagrados na Constituição Portuguesa”. Vejamos a questão. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos – art. 18º/2, da Constituição da República Portuguesa. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos – art. 20º/1, da Constituição da República Portuguesa. São inconstitucionais as normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados – art. 277º, da Constituição da República Portuguesa. O direito de acesso aos tribunais é “o direito a ver solucionados os conflitos, segundo a lei, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência, e perante o qual as partes se encontrem em condições de plena igualdade no que diz respeito à defesa dos respetivos pontos de vista”[17]. E um tal direito de acesso aos tribunais é dominado por uma imanente ideia de igualdade, uma vez que o princípio da igualdade vincula todas as funções estaduais, a jurisdicional incluída[18]. A vinculação da jurisdição ao princípio da igualdade, a mais do que significar igualdade de acesso à via judiciária, significa igualdade perante os tribunais, de onde decorre que “as partes têm que dispor de idênticos meios processuais para litigar, de idênticos direitos processuais”. É o princípio da igualdade de armas ou da igualdade das partes no processo, que constitui uma das essentialia do direito a um processo equitativo[19]. O princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: (a) princípio da adequação, isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei; (b) princípio da exigibilidade; (c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa «justa medida», impedindo-se a adoção de medidas restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos[20]. O arrendatário tem o dever de prestar uma caução no valor das rendas em atraso, mas não podendo ultrapassar o valor máximo correspondente a seis rendas, como condição para que a sua oposição possa ser apreciada. Estamos, pois, perante uma caução que, como tal, se destina, apenas, a garantir a posição do senhorio, pelo que, o que for despendido a esse título, não implica, necessariamente, que o arrendatário fique desapossado do respetivo valor em definitivo. Por outro lado, se este tiver apoio judiciário, fica isento do pagamento da aludida caução[21]. Assim, cumpre apreciar se o direito de defesa do arrendatário lhe é coartado, com a imposição daquela caução, como condição para que a oposição à pretensão de despejo seja apreciada, tornando insuportável ou inacessível para a generalidade das pessoas o acesso aos tribunais? Ora, o direito de defesa do arrendatário não fica coartado com aquela norma, mas apenas restringido, e na medida estritamente necessária a acautelar um outro direito, também ele constitucionalmente protegido, do senhorio[22]. Ao impor a obrigatoriedade da prestação de uma caução para deduzir oposição à rescisão do contrato que lhe é feita pelo senhorio, a norma em causa restringe (ou comprime) apenas o seu direito de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, que lhe são constitucionalmente consagrados no art. 20°, da CRPortuguesa[23],[24]. A referida compressão revela-se adequada e proporcional, enquanto contraponto ao grau limitado de proteção conferido ao direito de propriedade do senhorio, num contexto integrado já pela aparência de violação da mais básica obrigação contratual do inquilino - a do pagamento das rendas contratadas -, prevenindo que o exercício do direito de defesa possa constituir um expediente dilatório, em resultado do qual, com o retardamento da devolução do locado, se agrave ou frustre a realização do direito do senhorio[25],[26]. Os valores em causa (valor das rendas em atraso, num máximo de seis rendas), fixados a título de caução, não se revelam manifestamente excessivos e desproporcionados, não pondo em risco o acesso à justiça[27],[28]. Atente-se que tais valores nunca serão perdidos pelo caucionante, pois que, das duas uma: ou a oposição procede e os mesmos são recuperados pelo arrendatário; ou a oposição improcede e os mesmos são destinados ao senhorio, livrando-se o arrendatário, nessa medida, da respetiva obrigação de pagamento[29],[30]. Assim sendo, a fixação da caução, nos termos legalmente previstos, não constitui um fator inibitório do exercício do direito de oposição[31],[32],[33]. Concluindo, as normas constante do art. 15º-F/3/4, do NRAU, não são inconstitucionais, já que não violam o direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no art. 20º/1, da Constituição da República Portuguesa, não afetando de forma irreversível o direito à via jurisdicional[34],[35],[36]. Destarte, improcede, nesta parte, a conclusão 20), do recurso de apelação. Improcedendo as conclusões do recurso de apelação, há que confirmar a decisão proferida pelo tribunal a quo. 3. DISPOSITIVO 3.1. DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (2ª) do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, em confirmar-se a decisão recorrida. 3.2. REGIME DE CUSTAS Custas pela apelante, porquanto a elas deu causa por ter ficado vencida[37]. Lisboa, 2023-01-26[38],[39] Nelson Borges Carneiro Paulo Fernandes da Silva Pedro Martins _______________________________________________________ [1] Para além do dever de apresentar a sua alegação, impende sobre o recorrente o ónus de nela concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – ónus de formular conclusões (art. 639º/1) – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 503. [2] As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 639º/3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que o recorrente pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 795. [3] O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar, as normas jurídicas violadas; o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, e invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada – art. 639º/1/2, do CPCivil. [4] Na sessão anterior ao julgamento do recurso, o processo, acompanhado com o projeto de acórdão, vai com vista simultânea, por meios eletrónicos, aos dois juízes-adjuntos, pelo prazo de cinco dias, ou, quando tal não for tecnicamente possível, o relator ordena a extração de cópias do projeto de acórdão e das peças processuais relevantes para a apreciação do objeto da apelação – art. 657º/2, do CPCivil. [5] Todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas, não podendo de elas conhecer o tribunal de recurso. [6] Vem sendo entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir. [7] Relativamente a questões de conhecimento oficioso e que, por isso mesmo, não foram suscitadas anteriormente, a Relação deve assegurar o contraditório, nos termos gerais do art. 3º/3. A Relação não pode surpreender as partes com uma decisão que venha contra a corrente do processo, impondo-se que as ouça previamente – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 829. [8] ISABEL ROCHA – PAULO ESTIMA, Novo Regime do Arrendamento Urbano, 5ª ed., p. 68. [9] O pagamento da caução será efetuada por meios eletrónicos, após a emissão do respetivo documento único de cobrança, o qual deve ser apresentado juntamente com a oposição, independentemente de ter sido concedido apoio judiciário ao arrendatário (art.º 10.º da Portaria n.º 9/2013 de 10-01). [10] Procedimentalmente, exprime-se como uma condição de admissibilidade da oposição…Portanto a prestação de caução não tange o fundo da questão, i. e., o direito à resolução – RUI PINTO, Manual da Execução e Despejo, p. 1187 apud Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2015-06-18, Relator: TOMÉ RAMIÃO, http://www.dgsi.pt/jtrl. [11] A prestação da caução exigida no art.º 15.º- F, n.º3, do Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro de 2006, na redação introduzida pela Lei 31/2012 de 14/08, não está condicionada à existência de mora no pagamento das rendas devidas e funciona como condição necessária ao exercício do direito de oposição a apresentar pelo arrendatário no âmbito do Procedimento Especial de Despejo (PED), que corre termos no Balcão Nacional do Arrendamento (BNA). Não sendo apresentado documento comprovativo do pagamento dessa caução juntamente com a oposição, esta considera-se por não deduzida nos termos do n.º4 do apontado preceito legal – Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2015-06-18, Relator: TOMÉ RAMIÃO, http://www.dgsi.pt/jtrl. [12] No articulado de oposição que apresente, o requerido pode defender-se, expondo as suas razões, nomeadamente que pagou as rendas devidas ou qualquer outro facto ou circunstância que impeçam a resolução do contrato de arrendamento, ou, invocar “qualquer fundamento que possa ser invocado no processo de declaração”. Mas, exige-se no n.º3 desse preceito legal que, entre outros, com a entrega da oposição o requerido proceda á junção do documento comprovativo do pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas – Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2015-06-18, Relator: TOMÉ RAMIÃO, http://www.dgsi.pt/jtrl. [13] Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2018-10-11, Relatora: TERESA PAIS, http://www.dgsi.pt/jtrl. [14] Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2018-10-11, Relatora: TERESA PAIS, http://www.dgsi.pt/jtrl. [15] É clara a previsão normativa quanto à ausência de condicionalidade da caução, ou seja, a necessidade do seu pagamento não depende da existência do reconhecimento, por banda do arrendatário, de rendas em dívida, o mesmo é dizer que ainda que inexista, segundo o arrendatário, mora quanto ao pagamento das rendas, é devido pagamento da caução pela apresentação de oposição ao despejo – Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2015-06-18, Relator: TOMÉ RAMIÃO, http://www.dgsi.pt/jtrl. [16] Não faz sentido, pois, a interpretação defendida pela recorrente de que não havendo rendas em dívida e, consequentemente, não haver mora, não tem de efetuar o pagamento da referida caução – Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2015-06-18, Relator: TOMÉ RAMIÃO, http://www.dgsi.pt/jtrl. [17] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 346/92, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 23°, pp. 451 e seguintes. [18] Acórdão do Tribunal Constitucional n.°147/92, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 21°, p. 623. [19] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 223/95, in Diário da República, II série, de 27-06-1995. [20] GOMES CANOTILHO – VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4ª ed., pp. 392/93. [21] Face ao preceito legal em causa, apenas fica sujeito ao pagamento da caução o inquilino que tenha solvabilidade económica, tendo-se salvaguardados os casos de omissão de prestação de caução por dificuldade económica, motivadora, paralelamente, da concessão de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de custas – Ac. Tribunal da Relação de Guimarães de 2019-05-30, Relatora: MARIA AMÁLIA SANTOS, http://www.dgsi.pt/jtrg. [22] Ac. Tribunal da Relação de Guimarães de 2019-05-30, Relatora: MARIA AMÁLIA SANTOS, http://www.dgsi.pt/jtrg. [23] Ac. Tribunal da Relação de Guimarães de 2019-05-30, Relatora: MARIA AMÁLIA SANTOS, http://www.dgsi.pt/jtrg. [24] Há uma efetiva compressão do direito de defesa do inquilino, resultante da regra do nº 4 do art. 15º-F do NRAU, na medida em que lhe exige a prestação de uma caução pelo valor das rendas em dívida, como condição da dedução de oposição ao procedimento especial de despejo fundado na falta de pagamento de rendas – Ac. Tribunal da Relação do Porto de 2017-10-26, Relator: RUI MOREIRA, http://www.dgsi.pt/jtrp. [25] A compressão ou restrição desse direito é desde logo aceite e permitida pela Constituição, nomeadamente pelo artº 18º nº2 (ainda que de uma forma implícita), limitando-se a mesma ao estritamente necessário para salvaguarda de outro direito ou interesse constitucionalmente protegido (o direito de propriedade privada e de livre iniciativa económica, direitos expressamente previstos nos artºs 61º e 62º da CRP) – Ac. Tribunal da Relação de Guimarães de 2019-05-30, Relatora: MARIA AMÁLIA SANTOS, http://www.dgsi.pt/jtrg. [26] A compressão do direito de defesa resultante da regra do nº 4 do art. 15º-F do NRAU, que de forma alguma resulta numa solução de indefesa ou sequer de profunda restrição ao direito de tutela judiciária, se revela proporcional ao grau – também limitado - de proteção de outros interesses que consegue alcançar, num contexto integrado já pela aparência de violação da mais básica obrigação contratual do inquilino: a do pagamento de rendas – Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2015-07-09, Relator: ROQUE NOGUEIRA, http://www.dgsi.pt/jtrl. [27] Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2015-07-09, Relator: ROQUE NOGUEIRA, http://www.dgsi.pt/jtrl. [28] Ac. Tribunal da Relação do Porto de 2017-10-26, Relator: RUI MOREIRA, http://www.dgsi.pt/jtrp. [29] Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2015-07-09, Relator: ROQUE NOGUEIRA, http://www.dgsi.pt/jtrl. [30] Ac. Tribunal da Relação do Porto de 2017-10-26, Relator: RUI MOREIRA, http://www.dgsi.pt/jtrp. [31] Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2015-07-09, Relator: ROQUE NOGUEIRA, http://www.dgsi.pt/jtrl. [32] Ac. Tribunal da Relação do Porto de 2017-10-26, Relator: RUI MOREIRA, http://www.dgsi.pt/jtrp. [33] A caução normativamente exigida no artº 15º-F nºs 3 e4 do NRAU não constitui um fator inibitório do exercício do direito de oposição do requerido, não sendo também a mesma manifestamente desproporcional, excessiva e injustificadamente redutora da extensão e alcance do conteúdo essencial do direito fundamental albergado no artº 20º nº1 da Lei Fundamental, não violando também nenhum outro preceito constitucional, nomeadamente o artº 18º nº 2 da Constituição – Ac. Tribunal da Relação de Guimarães de 2019-05-30, Relatora: MARIA AMÁLIA SANTOS, http://www.dgsi.pt/jtrg. [34] Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2015-07-09, Relator: ROQUE NOGUEIRA, http://www.dgsi.pt/jtrl. [35] Ac. Tribunal da Relação do Porto de 2017-10-26, Relator: RUI MOREIRA, http://www.dgsi.pt/jtrp. [36] Ac. Tribunal da Relação de Guimarães de 2019-05-30, Relatora: MARIA AMÁLIA SANTOS, http://www.dgsi.pt/jtrg. [37] A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito – art. 527º/1, do CPCivil. [38] A assinatura eletrónica substitui e dispensa para todos os efeitos a assinatura autógrafa em suporte de papel dos atos processuais – art. 19º/2, da Portaria n.º 280/2013, de 26/08, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09. [39] Acórdão assinado digitalmente. |