Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | JOSÉ FETEIRA | ||
| Descritores: | TRABALHO IGUAL SALÁRIO IGUAL INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 11/02/2016 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | N | ||
| Texto Parcial: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | ALTERADA A SENTENÇA | ||
| Sumário: | i.Estabelece-se no n.º 5 do art. 25º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009 de 12-02 uma clara inversão do ónus de prova face ao princípio geral previsto no art. 342º n.º 1 do Código Civil; ii.Todavia, uma tal inversão só tem lugar quando o trabalhador que invoca a existência de discriminação por parte do empregador, alegar e demonstrar factos que possam, de algum modo, inserir-se na categoria de fatores característicos de discriminação referidos nos artigos 24º e 25º do Código do Trabalho; iii.Não tendo o trabalhador alegado e demonstrado factos que, de algum modo, se mostrem suscetíveis de integrar tais fatores de discriminação, compete-lhe, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, alegar e provar factos que, referindo-se à natureza, qualidade e quantidade de trabalho prestado por trabalhadores da mesma empresa e com a mesma categoria profissional, permitam concluir que o pagamento de diferentes remunerações viola o princípio de “para trabalho igual salário igual”, sob pena de ver soçobrar as pretensões fundadas na violação de tal princípio. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
| Decisão Texto Parcial: | Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa. Relatório: AA, NIF (…), residente na Rua (…), instaurou a presente ação emergente de contrato de trabalho, com processo comum, contra a sociedade CTT – Correios de Portugal, S.A., NIPC 500077568, com sede na Av.ª D. João II, n.º 13, 1999-001 Lisboa. Pede que a Ré seja condenada a: -Reconhecer a existência de violação do princípio constitucional e universal da igualdade de “para trabalho igual salário igual” e consequentemente, reconhecer o direito do Autor AA a receber o mesmo valor que os restantes trabalhadores nível 4; -Reconhecer que o que foi contratado – e que era a legítima expetativa do trabalhador – era um vencimento de nível 4 igual aos outros trabalhadores que exerçam iguais funções; -Ordenar o pagamento do valor em dívida, resultante da diferença salarial desde Abril de 2010, incluindo o valor que deveria ter sido pago a título de subsídio de férias e subsídio de Natal, até efetivo e integral pagamento; -Acrescido de juros de mora à taxa legal desde que esses valores eram devidos e não foram pagos. Como fundamento invoca as razões de facto e de direito que constam da sua petição inicial, que são conhecidas das partes e que aqui se dão por reproduzidas, razões que no essencial tem a ver com a violação do princípio constitucional de, “para trabalho igual salário igual” face às funções de Chefe de Equipa de Tratamento no COCS de Nível 4 que se encontra a exercer em comissão de serviço no COCS – Centro Operacional dos Correios do Sul com efeitos desde 23/03/2010 e diferenças salariais daí decorrentes. Designada data para audiência das partes e realizada esta, não foi obtida a conciliação entre as mesmas como forma de se por termo ao presente litígio. Contestou a Ré invocando as razões de facto e de direito que constam desse seu articulado e que são igualmente conhecidas das partes, razões que aqui se dão por reproduzidas e que, no essencial, se prendem com a discordância quanto ao valor da presente ação, quanto ao cálculo das diferenças remuneratórias pedidas pelo Autor, com a pretensão de juros moratórios sobre as mesmas e sua prescrição e com os fundamentos atinentes à pretensão das reclamadas diferenças remuneratórias. Concluiu que: a)Deve ser julgado procedente o incidente relativo ao valor da ação; b)Deve ser julgada procedente a exceção de prescrição de juros; c)Deve ser julgada improcedente a ação, devendo, em consequência, a Ré ser absolvida dos pedidos formulados pelo Autor. d)Pede que o Autor seja condenado como litigante de má-fé em montante a fixar pelo tribunal. Respondeu o Autor às exceções deduzidas pela Ré no sentido de as mesmas deverem ser julgadas improcedentes até porque se mantém em vigor entre as partes o contrato de trabalho que as une. Foi proferido despacho saneador do processo, no qual, apreciando-se a questão do valor da causa se fixou que este era de 35.904,00€ correspondente ao valor do pedido deduzido pelo Autor. Relegou-se para a sentença final a apreciação da questão da prescrição dos juros de mora. Foi dispensada a convocação de audiência preliminar, bem como a fixação da matéria de facto assente e a elaboração de base instrutória. Fixaram-se como temas de prova a violação do princípio da igualdade, a fixação da retribuição do Autor em valor idêntico ao dos demais colegas de nível 4 e a prescrição dos juros de mora. Designou-se data para audiência de discussão e julgamento. Na data designada para esta audiência e uma vez que as partes declararam pretender chegar a acordo quanto à matéria de facto, as mesmas prescindiram da audição de testemunhas e de alegações de direito, requerendo prazo para apresentação desse acordo, prazo que lhes foi concedido, considerando-se, desse modo, prejudicada a realização da audiência de discussão e julgamento. Seguidamente foi proferida sentença a qual culminou com a seguinte decisão: «O tribunal considera a acção procedente porque provada e em consequência: a)Declara verificada a violação do princípio da igualdade de tratamento e da proibição da discriminação, na vertente do sub-princípio “para trabalho igual salário igual”; b)Condena a Ré a pagar ao A. As diferenças retributivas entre o que vinha auferindo e o correspondente ao nível 4, fazendo repercutir tais diferenças nas férias, subsídios de férias e de natal desde abril de 2010 até à data da propositura da acção (sendo aquele valor o constante do anexo 8 junto com a contestação da Ré); c)Declarar improcedente a excepção de prescrição dos juros de mora; d)Condenar a Ré a pagar juros de mora, sobre as quantias devidas em b), desde o seu vencimento, até integral e efectivo pagamento; Custas a cargo da Ré, atento o integral decaimento. Valor: 35.904,00€» A Ré requereu a reforma desta sentença quanto a custas e, inconformada com a mesma, dela interpôs recurso para este Tribunal da Relação, apresentando alegações que termina com a formulação das seguintes conclusões: (…) Nestes termos, nos melhores de Direito e sempre com o Douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser considerado procedente, com a consequente revogação da decisão recorrida, como é de inteira JUSTIÇA!. Contra-alegou o Autor deduzindo as seguintes conclusões: (…) Nestes termos e nos demais de direito e sempre com o mui suprimento dos VENERANDOS JUÍZES DESEMBARGADORES, deverá ser confirmada a douta Sentença do Tribunal a quo, condenando-se a Ré, ora Recorrente, nos exactos e precisos termos constantes daquela, por assim ser de inteira JUSTIÇA! Apreciado o requerimento de reforma da sentença quanto a custas, foi o mesmo julgado improcedente. Foi proferido despacho admitindo o recurso interposto pela Ré/apelante na espécie própria e com adequado regime de subida e efeito. Remetidos os autos a esta 2ª instância e mantido o recurso, o relator determinou que fosse dado cumprimento ao disposto no n.º 3 do art. 87º do C.P.T., tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido douto parecer no sentido da procedência do recurso. Não houve resposta de qualquer das partes. Pelas razões que constam de fls. 262, foram dispensados os vistos dos Exmos. Adjuntos. Cumpre, agora, apreciar e decidir. Apreciação. Dado que, como se sabe, são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto, coloca-se à apreciação deste Tribunal da Relação a questão de saber se, no caso em apreço, ocorreu ou não violação dos princípios da igualdade e de não discriminação na vertente de “para trabalho igual salário igual” e se, como consequência, são ou não devidas ao Autor/apelado as diferenças remuneratórias por ele reclamadas através dos presentes autos. Fundamentos de facto: Em 1ª instância considerou-se provada a seguinte matéria de facto: 1.O Autor, CRT, foi admitido nos quadros da Ré em 3 de Dezembro de 2001 mas tem a sua antiguidade na empresa reportada a 28 de Setembro de 2000; 2.Após ter sido exonerado, em 1 de Março de 2015, o Autor foi nomeado para exercer em comissão de serviço, concretamente as funções de Responsável pela Divisão Automatizada, nível 0 - conforme Doc que se juntou em audiência de julgamento; 3.Com a nomeação supra, o Autor foi exonerado do cargo de Responsável pela Área de Produção e Logística, nível 4, que vinha exercendo em comissão de serviço – conforme Doc supra; 4.De acordo com o concurso interno promovido pela Ré foram indicados os seguintes requisitos da contratação (cfr. Doc. 1 junto com a PI): -conhecimento da estrutura da empresa; -conhecimento do ciclo produtivo dos Correios, nomeadamente, da missão do COC; -bom conhecimento dos produtos e serviços comercializados pelos Correios, bem como dos padrões globais e parciais da qualidade de serviço; -capacidade de organização, planeamento e programação de trabalho; -capacidade de liderança, dinamização e envolvimento de equipas de trabalho; -disponibilidade para trabalhar por turnos; 5.Na sequência do referido concurso, o Autor foi selecionado para o desempenho das funções de Chefe de Equipa do Tratamento, Nível 4, no COCS; 6.Tendo, depois, sido nomeado em comissão de serviço para o cargo em questão (Chefe de Equipa de Tratamento); 7.A nomeação em comissão de serviço produziu efeitos desde 23 de Março de 2010; 8.O Autor submeteu-se ao concurso cujo aviso consta de fls., que pretendia recrutar Chefe de Equipa, nível 4 (cfr. Doc. 1 junto com a PI que se dá por integralmente reproduzido); 9.Ao longo do tempo em que foram exercidas tais funções e até 31 de Dezembro de 2014, o Autor apenas auferiu e aufere de retribuição base €788,00; 10.A partir de Janeiro de 2015, fruto das atualizações salarias, o Autor passou a auferir uma retribuição base de € 803,00; 11.BB Chefe de Nível 2) tinha, até ser exonerado, uma retribuição base de € 1.316,00 (desde Janeiro de 2015, fruto das atualizações salariais, aufere uma retribuição base de € 1.342,30); 12.CC (Chefe Nível 4) tem uma retribuição base de € 1.316,00 (desde Janeiro de 2015, fruto das atualizações salariais, aufere uma retribuição base de € 1.342,30); 13.DD (Chefe de Nível 4) tinha, até ser exonerado, uma retribuição base de € 1.316,00 (desde Janeiro de 2015, fruto das atualizações salariais, aufere uma retribuição base de € 1.342,30); 14.Enquanto Chefe de Equipa, nível 4, incluíam-se nas funções do Autor, bem como dos demais Chefes de Equipa, nível 4: -garantir a execução das operações previstas em cada linha e área de tratamento; -garantir a agregação do tráfego de acordo com o plano de encaminhamento e segundo critérios de hierarquização de velocidades; -garantir o cumprimento dos padrões de qualidade estabelecidos; -assegurar a coordenação das respetivas equipas; -assegurar a recolha de dados necessários ao controle de atividade; 15.A Ré não incluiu as diferenças salariais, a título de retribuição base e reclamadas pelo Autor, nos subsídios de férias e de Natal nos anos de 2010 a 2014; 16.Em 7 de Dezembro de 2009 a Ré abriu concurso interno para recrutamento de Chefe de Equipa de Tratamento (nível 4), sendo que o Autor se candidatou ao mesmo; 17.O Autor foi um dos candidatos selecionados, tendo sido nomeado, em comissão de serviço, para o exercício de tais funções (cfr. Docs. 3 e 4 da Contestação); 18.O exercício do cargo em comissão de serviço iniciou-se em 23 de Março de 2010 tendo sido atribuído ao Autor, enquanto no desempenho de tal cargo, um subsídio de chefia no valor de € 195,00 (cfr. Doc. 5 junto com a Contestação) bem como um telemóvel de serviço com um plafond mensal de € 20,00; 19.Ainda antes da sua nomeação em comissão de serviço para o exercício das funções de Chefe de Equipa de Tratamento (CET), nível 4, o Autor exerceu essas mesmas funções, em regime de interinidade/substituição, ainda que não ininterruptamente, entre Fevereiro de 2008 e Março de 2010; 20.Pelo exercício de funções em regime de interinidade/substituição, entre janeiro e outubro de 2008, durante o período de sobrevigência do AE2006, por cada dia útil de exercício efetivo, o Autor recebeu o diferencial entre o seu vencimento e o vencimento de nível 0 e 4, consoante os casos, de acordo com a tabela de 01/05/2007; 21.Pelo exercício destas funções em regime de interinidade/substituição o Autor auferiu entre Maio de 2009 e até Março de 2010, por cada dia útil de exercício efetivo, o diferencial entre o seu subsídio de chefia nível 0 (€ 70,00) e o do subsídio de chefia de substituição, in casu, nível 4 (€ 195,00); 22.Em 1 de Março de 2013, em virtude da reorganização da Direção de Operações e Distribuição, o Autor foi nomeado, em comissão de serviço – com manutenção das condições remuneratórias que vinha auferindo -, responsável de Área de Produção e Logística (APL), nível 4, no CPLS – Centro de Produção e Logística Sul (ex-COCS)- cfr. Docs. 6 e 7 da Contestação; 23.Até 28 de Fevereiro de 2015 o Autor foi APL, nível 4, no CPLS, auferindo uma retribuição base de € 788,00 (€ 803,00 desde Janeiro de 2015), acrescido de um subsídio de chefia no valor de € 195,00; 24.O valor da remuneração de nível 4, em 08 de Agosto de 2007, com efeitos a 01 de Maio de 2007 é o que consta do documento 8 da Contestação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido; (redação alterada conforme decidido infra) 25.O Autor é associado do Sincor desde 31 de Outubro de 2011; 26.O AE 2006, e precedentes, previa uma tabela de remunerações mínimas mensais de direção e chefia; 27.O Autor aderiu individualmente ao AE 2008 em Abril de 2008; 28.O AE 2008 entrou em vigor em 20 de Abril de 2008 (BTE 14, de 15 de Abril de 2008); 29.O AE 2008 deixou de prever a tabela de remunerações mínimas mensais de quadros de direção e chefia para os vários níveis de cargo; 30.Os trabalhadores BB e DD foram nomeados Chefes de Equipa de nível 4 com efeitos a 25 de Setembro de 2006 (cfr. Doc. 9 da Contestação); 31.A trabalhadora CC foi nomeada Chefe de Equipa de nível 4 em 21 de Junho de 2001 (cfr. Doc. 10 da Contestação); Esta matéria de facto não foi objeto de impugnação. No entanto e em relação à que consta do ponto 24. a mesma não poderá deixar de ser oficiosamente alterada, porquanto, na enunciação da matéria de facto provada discorda-se da técnica de se dar por reproduzido o teor de documentos juntos ao processo, os quais, como se sabe, não constituem factos mas meros meios de prova. Deste modo e tendo em consideração o teor do documento n.º 8 junto com a contestação da Ré e que ali se faz referência, alterando-se a redação do aludido ponto, consigna-se como assente que: 24.O valor da remuneração de nível 4 da Tabela de Remunerações Mínimas de Quadros de Direção e Chefia aprovada em 8 de agosto de 2007, com efeitos a partir de 1 de maio de 2007 era de 1.252,50€. No mais mantém-se como definitivamente assente a matéria de facto tida por provada pela 1ª instância e que anteriormente reproduzimos. Fundamentos de direito. Como se referiu supra, a questão colocada à apreciação deste Tribunal da Relação, consiste em saber se, no caso em apreço, ocorre ou não a violação dos princípios da igualdade e de não discriminação na vertente de “para trabalho igual salário igual” por parte da Ré/apelante em relação ao Autor/apelado e se, como consequência, aquela deve a este as diferenças remuneratórias por este reclamadas através da presente ação. Como fundamento e em defesa da sua posição, alega o Autor/apelado e muito em síntese que, em relação a si, se verificou a violação de tais princípios por parte da Ré/apelante, porquanto, tendo participado em concurso interno aberto por esta para recrutamento de um Chefe de Equipa de Tratamento (Nível 4) para o Centro Operacional de Correio do Sul, ao ter sido selecionado e nomeado para esse cargo, criou a legítima expetativa de que a tal cargo corresponderia um vencimento de chefia de nível 4, uma vez que era essa a situação que se verificava com todos os outros trabalhadores da Ré que tinham a mesma categoria profissional e exerciam idênticas funções, designadamente os trabalhadores BB, CC e DD, sendo que, para além de terem todos a mesma categoria, exerciam as mesmas funções e tarefas em termos de natureza, duração, intensidade, dificuldade, quantidade, qualidade, penosidade e perigosidade, tinham a mesma aptidão escolar e funcional para a categoria em causa, tinham boas avaliações e as habilitações do Autor, 12º ano de escolaridade, estavam a par das dos referidos trabalhadores. Acrescenta, por outro lado, que ele e os referidos trabalhadores faziam regularmente troca de sectores, de turnos e serviços, as quais apenas poderiam ser feitas entre trabalhadores com a mesma categoria profissional e com funções e tarefas iguais, pelo que divergindo entre si apenas quanto ao valor da retribuição base, já que a do Autor era de 788,00€ e a dos referidos trabalhadores era de 1.316,00€, valores entretanto atualizados, não se mostra legítima uma tal discriminação negativa a nível salarial entre trabalhadores da mesma empresa. A Ré/apelante, por seu turno e igualmente em síntese, defende que a progressão na carreira do Autor é muito diferente da dos trabalhadores com que ele se quer comparar, sobretudo no que respeita ao início da comissão de serviço. Todos tiveram evoluções profissionais distintas, sendo, por isso, diversos os fatores determinantes das diferenças na sua retribuição, nomeadamente a sua antiguidade, data de admissão, promoções antecipadas, atribuições no vencimento, momento de início no exercício dos cargos de chefia em comissão de serviço, etc., pelo qua a Mma. Juiz do Tribunal a quo, ao considerar que não são razão plausível para se pagar retribuições diferentes, apenas considera uma variável para aferir da licitude do tratamento diferenciado que, a esse nível, foi praticado pela Ré, sendo que o corolário do princípio da igualdade assenta na obrigação de tratamento igual para as situações que sejam efetivamente iguais e na obrigação de tratamento diferenciado das situações que sejam diferentes, como aconteceu no caso concreto. A Mma. Juíza do Tribunal a quo, por sua vez, estribando-se na circunstância de a Ré ter alegado que o AE aplicável ao caso e que à data da abertura do concurso interno já se encontrava em vigor na empresa – AE de 2008 publicado no BTE n.º 14 de 15 de abril de 2008 – não contemplava as tabelas de remunerações mínimas mensais de quadros de direção e chefia para os vários níveis de cargo, concluiu que uma tal argumentação não poderia proceder à luz de uma correta hermenêutica legal, na medida em que iria causar situações de desigualdade retributiva, quando estão em causa funções materialmente idênticas, em violação do princípio da igualdade de tratamento e da proibição de discriminação, argumentando ainda que a intenção do legislador relativamente à vigência dos instrumentos de regulamentação coletiva é a de que estes se coadunem com a regulamentação da lei geral e sejam com esta compatíveis ao abrigo do princípio do “favor laboratoris”, só assim se conseguindo uma interpretação compatível com a unidade e coerência do sistema jurídico que o legislador pretendeu consagrar nas normas dos artigos 476º e 478º n.º 1 al. A) do CT e o princípio ínsito no art. 23º n.º 1 als. A) e b) do mesmo diploma. Como consequência e em face da matéria de facto provada, em particular a que consta dos pontos 9. a 15. (e não 32. a 38. como, seguramente por mero lapso, se mencionou na sentença recorrida), concluiu pela existência de uma clara violação do princípio constitucional de “para trabalho igual salário igual”, razão pela qual e em seu entender, o Autor tinha direito a haver da Ré as quantias peticionadas relativamente à retribuição base da categoria de nível 4, que estava em vigor desde abril de 2010 até à propositura da presente ação, ou seja, a constante do documento 8 anexo à contestação, valores que deveriam integrar as férias, subsídios de férias e de Natal desse período, acrescidos de juros de mora, à taxa legal em vigor, contabilizados desde a data do vencimento de cada uma das prestações em dívida até efetivo pagamento. Vejamos, porém, se assim é e de que lado estará a razão! Antes de mais importa referir que, como resulta da matéria de facto provada, a questão suscitada na presente ação decorre dos efeitos resultantes de um concurso interno levado a efeito no seio da Ré/apelante em 7 de dezembro de 2009 e ao qual o Autor se candidatou e foi selecionado, razão pela qual a análise da mesma deve ser levada a efeito à luz das normas da Constituição da República Portuguesa, do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009 de 12-02 e do Acordo de Empresa (AE) estabelecido entre a Ré CTT – Correios de Portugal, S.A., o SINDETELCO – Sindicato Democrático dos Trabalhadores das Comunicações e dos Média e outros, publicado no BTE n.º 14 de 15/4/2008, este último em virtude de o Autor a ele haver aderido individualmente, como demonstrado ficou (v. ponto 27. dos factos provados). De acordo com o estabelecido no art. 59º n.º 1 al. a) da Constituição da República «[t]odos os trabalhadores, sem distinção de idade, de sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas têm direito: a) À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna». Este preceito constitui, sem dúvida, uma das concretizações do princípio da igualdade estabelecido no art. 13º do mesmo diploma, mais precisamente no que diz respeito à retribuição do trabalho. Em conformidade com tais princípios constitucionais, estipulou-se, por sua vez, no art. 25º n.º 1 do Código do Trabalho a que fizemos referência que «[o] empregador não pode praticar qualquer discriminação, directa ou indirecta, em razão nomeadamente dos factores referidos no n.º 1 do artigo anterior», sendo que de acordo com o estipulado no n.º 1 do art. 23º do mesmo Código, considera-se existir discriminação direta sempre que, em razão de um fator de discriminação, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável e discriminação indireta, sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutro seja suscetível de colocar uma pessoa, por motivo de um fator de discriminação, numa posição de desvantagem comparativamente com outras, a não ser que essa disposição, critério ou prática seja objetivamente justificado por um fim legítimo e que os meios para o alcançar sejam adequados e necessários. Por sua vez, os fatores a que se alude na parte final do n.º 1 do aludido art. 25º são os enunciados no n.º 1 do art. 24º do mesmo Código, ou seja, a ascendência, a idade, o sexo, a orientação sexual, a identidade de género, o estado civil, a situação familiar, a situação económica, a instrução, a origem ou condição social, o património genético, a capacidade de trabalho reduzida, a deficiência, a doença crónica, a nacionalidade, a origem étnica ou a raça, o território de origem, a língua, a religião, as convicções políticas ou ideológicas e a filiação sindical. Importa ainda considerar que, de acordo com a al. c) do n.º 1 do art. 23º do referido Código, se entende por trabalho igual aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são iguais ou objetivamente semelhantes em natureza, qualidade e quantidade. Finalmente, também importa ter presente que, contrariamente ao que se verificava no AE/2006 publicado no BTE n.º 27 de 22/07/2006, o AE/ 2008 publicado no BTE n.º 14 de 15/04/2008 e ao qual o Autor/apelante aderiu individualmente, para além de deixar de consagrar uma hierarquização de cargos de direção e de chefia, deixou de prever uma tabela de remunerações mínimas mensais de quadro de direção e de chefia para os vários níveis de cargo. Posto isto e revertendo ao caso em apreço, tendo-se provado que a partir de janeiro de 2008 e até março de 2010, embora de forma não contínua e em regime de interinidade/substituição, o Autor/apelante desempenhou as funções de Chefe de Equipa de Tratamento (CET) nível 4 – sendo que, por cada dia útil de exercício efetivo de funções e entre janeiro e outubro de 2008 (durante o período de sobrevigência do AE/2006) recebeu o diferencial entre o seu vencimento e o vencimento de nível 0 e 4 consoante os casos e de acordo com uma tabela de 01/05/2007 e entre maio de 2009 e março de 2010 recebeu o diferencial entre o seu subsídio de chefia de nível 0 (70,00€) e o subsídio de chefia de nível 4 (195,00€), igualmente por cada dia útil de exercício efetivo de funções (v. pontos 19. a 21. dos factos provados) –, também se demonstrou que, na sequência da abertura, em 07/12/2009, de um concurso interno para recrutamento de Chefe de Equipa de Tratamento (CET) nível 4, o Autor candidatou-se a esse concurso e foi um dos candidatos selecionados, tendo sido nomeado em comissão de serviço para o exercício das funções desse cargo, exercício de funções que se iniciou em 23 de março de 2010, tendo-lhe sido atribuído um subsídio de chefia no valor de 195,00€ enquanto no desempenho de tais funções, bem como um telemóvel de serviço com um plafond mensal de 20,00€ (v. pontos 4. a 7. e 16. a 18. dos factos provados). Para além disso, também se demonstrou que ao longo do tempo em que foram exercidas tais funções pelo Autor/apelante e até 31 de dezembro de 2014 o mesmo apenas auferiu uma retribuição base de 788,00€ – retribuição que a partir de janeiro de 2015 e fruto de atualizações salariais passou a ser de 803,00€ – enquanto os seus colegas BB (Chefe de Nível 2), CC (Chefe de Nível 4) e DD (Chefe de Nível 4) tinham, respetivamente e até serem exonerados, uma retribuição base de 1.316,00€ – retribuição que a partir de janeiro de 2015 e fruto de atualizações salariais passou a ser de 1.342,30€ (v. pontos 9. a 13. dos factos provados). Por outro lado, demonstrou-se que, enquanto Chefe de Equipa, nível 4, incluíam-se nas funções do Autor, bem como dos demais Chefes de Equipa, nível 4: -garantir a execução das operações previstas em cada linha e área de tratamento; -garantir a agregação do tráfego de acordo com o plano de encaminhamento e segundo critérios de hierarquização de velocidades; -garantir o cumprimento dos padrões de qualidade estabelecidos; -assegurar a coordenação das respetivas equipas; -assegurar a recolha de dados necessários ao controle de atividade (v. ponto 14 dos factos provados). A questão que se coloca é, portanto, a de saber se estes factos revelam ou não a existência de uma violação dos invocados princípios da igualdade e de não discriminação na vertente de “para trabalho igual salário igual” por parte da Ré/apelante em relação ao Autor/apelado quando em comparação com os referidos colegas de trabalho e enquanto no desempenho das funções de Chefia de Nível 4. Ora, depois de referirmos que os fatores a que se alude na parte final do n.º 1 do art. 25º do Código do Trabalho são os enunciados no n.º 1 do art. 24º desse mesmo diploma, ou seja, a ascendência, a idade, o sexo, a orientação sexual, a identidade de género, o estado civil, a situação familiar, a situação económica, a instrução, a origem ou condição social, o património genético, a capacidade de trabalho reduzida, a deficiência, a doença crónica, a nacionalidade, a origem étnica ou a raça, o território de origem, a língua, a religião, as convicções políticas ou ideológicas e a filiação sindical, dispõe o n.º 5 daquele primeiro preceito legal que «[c]abe a quem alega discriminação indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação a quem se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer factor de discriminação». Estabelece-se, pois, este normativo legal uma clara inversão do ónus de prova face ao princípio geral previsto no art. 342º n.º 1 do Código Civil. Contudo, como se vem afirmando na jurisprudência dimanada do Supremo Tribunal de Justiça, uma tal inversão só tem lugar quando o trabalhador que invoca a existência de discriminação por parte do empregador, alegar e demonstrar factos que possam, de algum modo, inserir-se na categoria de fatores característicos de discriminação referidos nos artigos 24º e 25º do Código do Trabalho. Cfr. neste sentido o douto Acórdão de 18-12-2013 proferido no processo n.º 248/10.0TTBRG.P1.S1 e, embora reportados a idênticas normas do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27-08 e que, por isso, mantêm toda a sua pertinência, os doutos Acórdãos do referido Tribunal de 22-04-2009 proferido no processo n.º 08P3040 e de 19-02-2013 proferido no processo n.º 5/11.6TTGRD.C1.S1 e todos eles acessíveis em www.dgsi.pt. Ora, como expressivamente se escreveu a esse propósito no mencionado Acórdão de 22-04-2009, «isto significa que a presunção de discriminação não resulta da mera prova dos factos que revelam uma diferença de remuneração entre trabalhadores da mesma categoria profissional, ou seja, da mera diferença de tratamento, pois, exigindo a lei que a pretensa discriminação seja fundamentada com a indicação do trabalhador ou trabalhadores favorecidos…, naturalmente, tal fundamentação há-de traduzir-se na narração dos factos que reportados a características, situações e opções dos sujeitos em confronto, de todo alheias ao normal desenvolvimento da relação laboral, atentem, directa ou indirectamente, contra o princípio da igual dignidade sócio-laboral, que inspira o elenco de factores característicos da discriminação exemplificativamente consignados na lei». Sucede que no caso vertente o Autor/apelado não alegou e, consequentemente, não demonstrou factos integradores de qualquer dos fatores característicos de discriminação a que se alude no art. 25º n.º 1 por reporte ao art. 24º n.º 1, ambos do Código do Trabalho, pelo que, como bem se refere no citado Aresto do Supremo Tribunal de Justiça de 22-04-2009, «numa acção em que se não invocam quaisquer factos que, de algum modo, possam inserir-se na categoria de factores característicos de discriminação, no sentido referido, não funciona a aludida presunção, por isso que compete ao autor, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, alegar e provar factos que, referindo-se à natureza, qualidade e quantidade de trabalho prestado por trabalhadores da mesma empresa e com a mesma categoria, permitam concluir que o pagamento de diferentes remunerações viola o princípio para trabalho igual salário igual, pois que tais factos, indispensáveis à revelação da existência de trabalho igual, se apresentam como constitutivos do direito a salário igual, que se pretende valer». É certo que, como já referimos supra, o Autor/apelado alegou na presente ação que tinha a mesma categoria profissional e exercia as mesmas funções e tarefas que os seus colegas BB, CC e DD, em termos de natureza, duração, intensidade, dificuldade, quantidade, qualidade, penosidade e perigosidade sendo que, para além disso, tinham a mesma aptidão escolar e funcional para a sua categoria profissional, tinham todos boas avaliações e as habilitações do Autor (12º ano de escolaridade) estavam a par das dos referidos trabalhadores, alegando ainda que ele e os seus colegas faziam regularmente troca de sectores, de turnos e serviços, as quais apenas poderiam ser feitas entre trabalhadores com a mesma categoria profissional e com funções e tarefas iguais. Sucede que da matéria de facto provada e a que fizemos anterior referência, apenas se poderá concluir que o Autor/apelado e os demais trabalhadores da Ré/apelante no desempenho de funções de Chefe de Equipa de Nível 4 desempenhavam funções da mesma natureza, já que todos eles tinham por funções as mencionadas no ponto 14. dos factos provados. Nada se demonstrou, porém, em relação às demais alegadas características de desempenho de tais funções, designadamente quanto à circunstância de prestação das mesmas ser feita em termos qualitativa e quantitativamente iguais. Nesta medida e contrariamente ao que se concluiu na sentença recorrida, de modo algum se pode afirmar que, perante a matéria de facto provada, estamos perante uma clara violação do princípio constitucional de “para trabalho igual salário igual” perpetrada pela Ré/apelante face ao Autor/apelado e quando em comparação com os demais Chefes de Equipa de Nível 4 ao serviço daquela. Na verdade, para que pudéssemos extrair uma tal ilação, seria necessário que o Autor/apelado tivesse alegado e demonstrado factos reveladores de uma prestação de trabalho ao serviço da Ré/apelante e enquanto no desempenho das funções de Chefe de Equipa de Nível 4 que fosse não só de igual natureza, mas também de igual qualidade e quantidade que a dos seus colegas de trabalho com a mesma categoria profissional e isso não sucedeu no caso em apreço. Deste modo e embora por razões bem diversas das apresentadas pela Ré/apelante, não poderemos deixar de considerar e concluir que se não pode manter a sentença recorrida, não se podendo deixar de se reconhecer razão à Ré/apelante quanto a pretendida procedência do recurso por si interposto. Decisão. Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente e, em consequência, alterando a sentença recorrida, julgam a presente ação improcedente e absolvem a Ré do pedido deduzido pelo Autor/apelado. Sem custas a cargo do Autor/apelado em ambas as instâncias, já que o mesmo se mostra isento do seu pagamento por força do disposto no art. 4º n.º 1 al. h) do RCP como decorre de documentação junta pelo mesmo ao processo (declaração emitida pelo sindicato de que é associado e declaração de IRS juntas com a petição inicial). Lisboa, 02-11-2016 José António Santos Feteira Filomena Maria Moreira Manso José Manuel Duro Mateus Cardoso | ||
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