Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
20962/18.0T8SNT.L1-2
Relator: NELSON BORGES CARNEIRO
Descritores: ARRESTO
REQUISITOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/23/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I – Quando a decisão cautelar é proferida na ausência do requerido, este quando notificado do decretamento da providência, pode recorrer da decisão, se a discordância se fundamentar em razões puramente jurídicas, ou, deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova suscetíveis de infirmar os fundamentos da anterior decisão ou de levar à redução dos seus limites.
II – Para que o arresto possa ser decretado, torna-se necessário o preenchimento cumulativo de dois requisitos, isto é, a probabilidade de existência de um direito de crédito e o justo receio de perda da garantia patrimonial desse direito. 
III – Quanto ao requisito da probabilidade da existência de um direito de crédito, o legislador não exige a prova da verificação efetiva desse crédito, mas tão-só que seja provável a existência do mesmo.
IV – O justo receio de perda da garantia patrimonial consubstancia-se no perigo de serem praticados atos de ocultação, disposição, alienação ou oneração do património do devedor.
V – Apesar da apelada ter um crédito de € 127 765, 76 sobre a apelante, ter esta dívidas no montante de € 602 000,00 para com terceiros, e ter alterado o local da sua sede social, tal não nos permite concluir pelo receio de perda da garantia patrimonial, pois não há qualquer outro circunstancialismo fáctico que faça antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito, nomeadamente suspeitando da atuação do devedor quanto à dissipação do seu património.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 2ª secção (cível) do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. RELATÓRIO
METALOCARDOSO – CONSTRUÇÕES METÁLICAS E GALVANIZAÇÃO, S.A., com sede na Rua da Igreja, n.º 1207 – Apartado 55, 4600-596 – Fregim – Amar, como preliminar de ação a propor, intentou procedimento cautelar de arresto contra RAL – RODOVIAS DO ALGARVE LITORAL, ACE, com sede na Avenida Quinta Grande, n.º 53 e 53-A, 4º B, Edifício Prime, 2610 – 156 Alfragide, requerendo o arresto dos bens móveis existentes na atual sede desta, saldos bancários de que a mesma seja titular, assim como de créditos de que seja titular junto da sociedade Rotas do Algarve Litoral S.A., até ao valor de € 140 000,00.
Foi proferido despacho[1] que decretou o arresto dos bens móveis propriedade do requerido existentes na sede sita na Av. da Quinta Grande n.º 53 e 53ª,4º B, Edifício Prime, 2610 Alfragide; o arresto do saldo das contas bancárias da titularidade do requerido nas instituições bancárias indicadas a fls. 10v, e o arresto do direito de crédito que o requerido seja titular sobre a sociedade Rotas do Algarve Litoral S.A., tudo até ao limite de € 140 000,00.
Inconformado, veio o requerido apelar do despacho, tendo extraído das alegações[2] que apresentou as seguintes
CONCLUSÕES[3]:
I. A decisão ora recorrida enferma de vício de erro de julgamento, ao ter considerado que se encontravam preenchidos os requisitos de que depende o decretamento da providência cautelar.
II. O decretamento de providência cautelar de arresto, nos termos do artigo 391.º, n.º 1, do CPC depende do preenchimento cumulativo dos requisitos designados pela doutrina e jurisprudência como (i) fumus boni iuris ou aparência da existência do direito e (ii) periculum in mora ou fundado receio de frustração do crédito.
III. A decisão ora recorrida considerou determinante para efeitos de decretamento da providência cautelar os seguintes aspetos:
(i) Vencimento das faturas emitidas pela Recorrida superior a 6 (seis) meses;
(ii) Não cumprimento por parte do Recorrente, apesar de interpelado pela Recorrida para o efeito;
(iii) Mudança da sede do Recorrente para instalações de uma das suas agrupadas;
(iv) Existência de outros credores.
IV. As faturas a que a Recorrida se refere no Requerimento Cautelar não são, à presente data, exigíveis.
V. Decorre da Cláusula Quinta, n.º 1, do Contrato de Subempreitada, que a Recorrida assumiu perante o Recorrente todas as obrigações, riscos e responsabilidades a que este Recorrente se encontra adstrito e sujeito perante a Subconcessionária nos termos do Contrato de Projeto e Construção (celebrado entre o Recorrente e a Subconcessionária) conexionadas com o objeto do Contrato de Subempreitada (princípio de back-to-back entre o Contrato de Subempreitada e o Contrato de Projeto e Construção).
VI . Por força do princípio de back-to-back entre o Contrato de Subempreitada e
o Contrato de Projeto e Construção, os pagamentos a realizar pelo Recorrente nos termos do Contrato de Subempreitada serão exigíveis somente, se, quando e na medida em que a Subconcessionária, nos termos do Contrato de Projeto e Construção proceder ao pagamento dos
montantes devidos ao Recorrente que se refiram aos trabalhos executados pela Recorrida nos termos do Contrato de Subempreitada.
VII. Daqui decorre, que enquanto a Subconcessionária não proceder, nos termos do Contrato de Projeto e Construção, ao pagamento dos montantes devidos ao Recorrente, que se refiram aos trabalhos executados pela Recorrida, titulados pelas faturas por esta invocadas, não é exigível a realização do pagamento dos montantes reclamados pela Recorrida.
VIII. Nenhuma das cláusulas do Contrato de Subempreitada afasta esta condição no que toca à exigibilidade, pela Recorrida, dos pagamentos a receber nos termos desse mesmo contrato.
IX. Até à presente data, não foram pagas pela Subconcessionária as faturas emitidas pelo Recorrente, nos termos do Contrato de Projeto e Construção, onde se encontram considerados os montantes titulados pelas faturas emitidas pela Recorrida.
X. Deste modo, não sendo exigíveis os pagamentos reclamados pela Recorrida, não existe um risco de perda de garantia patrimonial do direito ao pagamento das faturas identificadas no Requerimento Cautelar e em consequência, não se encontra preenchido o requisito do “periculum in mora”.
XI. A alegação da Recorrida que o Recorrente não respondeu às suas interpelações para pagamento é falsa, uma vez que o Recorrente respondeu através de carta datada de 28.08.2019 e rececionada pela Recorrida em 31.08.2019.
XII. Nessa resposta, o Recorrente apresenta o enquadramento contratual relevante no sentido de esclarecer, entre outros aspetos, que não se encontra preenchido o requisito de que depende a exigibilidade dos pagamentos reclamados.
XIII. Ora, a circunstância de o Recorrente ter respondido às interpelações apresentadas pela Recorrida impede que se possa considerar preenchido o requisito do “periculum in mora”.
XIV. A circunstância de a sede do Recorrente se encontrar localizada nas instalações da sede da Agrupada que detém a maior percentagem das participações estatutárias corresponde à prática adotada no seio do Recorrente, visando uma gestão mais eficaz dos recursos e não a frustração da satisfação dos créditos das contrapartes, ao invés do que a Recorrida pretende fazer crer.
XV. Por sua vez, a Recorrida tenta sustentar o preenchimento do requisito do “periculum in mora” com base na circunstância de supostamente o Recorrente dever montantes às empresas Lopes, Azevedo e Filhos, Limitada, Intervega - Sinalização e Segurança, Limitada e Masitrave Limitada.
XVI. Ignora – ou pretende ignorar - a Recorrida que os contratos celebrados entre o Recorrente e as empresas referidas pela Recorrida (Lopes, Azevedo e Filhos, Limitada, Intervega - Sinalização e Segurança, Limitada e Masitrave Limitada), à semelhança do que acontece com o Contrato de Subempreitada celebrado entre o Recorrente e a Recorrida, foram celebrados em regime de back-to-back em relação ao Contrato de Projeto e Construção.
XVII. Deste modo, à semelhança do que acontece com os montantes titulados pelas faturas referidas pela Recorrida no Requerimento Cautelar, o pagamento dos montantes devidos pelo Recorrente às empresas mencionadas só serão exigíveis por estas empresas, nos termos dos
respetivos contratos de subempreitada, se, quando e na medida em que o Recorrente receber, nos termos do Contrato de Projeto e Construção, os montantes que lhe sejam devidos pela Subconcessionária, que se refiram aos trabalhos realizados por aquelas empresas nos termos dos respetivos contratos de subempreitada.
XVIII. Uma vez que, até à presente data, o Recorrente não recebeu os montantes que lhe são devidos, pela Subconcessionária, nos termos do Contrato de Projeto e Construção, referentes aos trabalhos executados, quer pela Recorrida como pelas empresas Lopes, Azevedo e Filhos, Limitada, Intervega - Sinalização e Segurança, Limitada e o Recorrente e Masitrave Limitada, nos termos dos respetivos contratos de subempreitada celebrados entre estas e o Recorrente, não se encontra preenchida a condição de cujo preenchimento depende a exigibilidade da realização dos pagamentos pelo Recorrente.
XIX. Em relação aos outros aspetos invocados pela Recorrida, a saber (i) a
circunstância de não terem sido adjudicadas obras de construção civil de relevo ao Recorrente, (ii) as alegadas dificuldades financeiras do Recorrente e (iii) a existência de processos judiciais contra o Recorrente.
XX. Porém, tais argumentos não servem para que se considere verificado o requisito do “periculum in mora”.
XXI. O objeto estatutário do Recorrente é a execução dos trabalhos associados à Subconcessão do Algarve Litoral, bem como o cumprimento das demais obrigações a que se encontra vinculada nos termos do Contrato de Projeto e Construção.
XXII. Assim, não deve provocar estranheza a circunstância de não serem adjudicadas obras de construção civil ao Recorrente uma vez que a não adjudicação de obras ao Recorrente é consentâneo com o objeto estatutário do Recorrente, não servindo assim para se considerarem
preenchidos os requisitos de que depende o decretamento da providência cautelar de arresto.
XXIII. Como mencionado pelo Recorrente na carta datada de 28.08.2018, a
circunstância de o Recorrente, até ao presente momento, não ter recebido os montantes que lhe são devidos no âmbito do Contrato de Projeto e Construção não é imputável ao Recorrente, decorrendo das vicissitudes que têm atravessado a Subconcessão do Algarve Litoral nos últimos anos, em particular o processo de renegociação.
XXIV. Sem prejuízo, importa referir que, uma vez que a exigibilidade do pagamento das faturas mencionadas pela Recorrida no Requerimento Cautelar se encontra condicionada ao prévio recebimento pelo Recorrente, dos montantes que lhe são devidos, nos termos do Contrato de Projeto e Construção, pela Subconcessionária, que se refiram aos trabalhos executados pela Recorrida, titulados por essas faturas, essas dificuldades financeiras não assumem relevância de molde a poder considerar-se que existe uma situação de periculum in mora.
XXV. Quanto aos processos em relação aos quais a recorrida juntou certidões, importa referir que esses processos foram iniciados em 2016, o que obstaculiza a que esses processos possibilitem retirar conclusões adequadas sobre a situação do Recorrente, além de que há muito transitaram em julgado.
XXVI. Na presente data, o Recorrente não tem qualquer dívida com referência aos factos subjacentes aos mencionados processos.
XXVII. A alegação vã por parte da Recorrida em relação à existência de processos instaurados contra o Recorrente não permite fundamentar que o requisito do "periculum in mora” se encontra preenchido.
XXVIII. Ora, tendo em consideração que, para efeitos de decretamento de uma providência cautelar deve verificar-se o preenchimento cumulativo dos requisitos do “fumus boni iuris” e do “periculum in mora”, faltando um dos requisitos – como é o caso – soçobra o fundamento para o decretamento da providência cautelar (e para a manutenção desse decretamento).
XXIX. Devendo ser revogada a decisão de decretamento de providência cautelar e esta decisão ser substituída por decisão que considere não preenchidos os requisitos de que depende o decretamento da providência cautelar de arresto.
A requerente contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação do requerido.
Colhidos os vistos[4], cumpre decidir.
OBJETO DO RECURSO[5]
Emerge das conclusões de recurso apresentadas por RAL – RODOVIAS DO ALGARVE LITORAL, ACE, ora apelante, que o seu objeto está circunscrito à seguinte questão:
1.) Saber se estão verificados os requisitos necessários para ser decretado o procedimento cautelar de arresto.    
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. FACTOS PROVADOS NA 1ª INSTÂNCIA
1. A requerente é uma sociedade comercial sob a forma de sociedade anónima que tem sede na Rua da Igreja, n.º 1207, 4600-591 Fregim Amarante e que se encontra matriculada na Conservatória de Registo Comercial de Amarante sob o n.º 501972170.
2. O seu objeto social consiste no exercício da atividade de construções metálicas,
nomeadamente estruturas metálicas, serralharias, caixilharias, pontes e viadutos metálicos, tetos e pavimentos falsos e divisórios, condutas de adução de água, oleodutos e gasodutos, comportas para barragens de águas, sinalização não elétrica e dispositivos de proteção e segurança, outras construções mecânicas, tratamentos superficiais, nomeadamente pintura e galvanização por imersão a quente, quer em obras particulares quer em obras públicas.
3. A requerente exerce a atividade comercial com habitualidade, permanência e intenção de obter lucro.
4. O requerido constitui um agrupamento complementar de empresas que tem sede na
Av. da Quinta Grande, n.º 53 e 53ª, 4.º B, Edifício Prime, 2610 Alfragide e está registada na Conservatória de Registo Comercial da Amadora sob o n.º 508 940 702.
5. E tem por objeto “melhorar as condições de exercício de resultado de cada uma
das suas agrupadas no desenvolvimento das atividades de conceção, projeto, construção e requalificação no âmbito do contrato de projeto e construção das obras integradas na subconcessão de lanços de estrada e conjuntos viários associados designada por subconcessão do Algarve Litoral.
6. A requerente e o requerido estabeleceram relações comerciais entre si, pelas quais
a requerente se obrigou à execução de trabalhos de fornecimento e montagem de guardas de segurança metálicas, nos lanços integrantes no contrato de empreitada que o requerido celebrou com a sociedade Rotas do Algarve Litoral S.A., relativamente à Autoestrada do Algarve Litoral.
7. O valor global do contrato celebrado foi de 836 554,00.
8. A requerente executou todas as obras e forneceu todos os bens e serviços contratados com o RAL, dentro dos prazos previstos e em obediência ao contratado.
9. O RAL vistoriou, recebeu e aceitou todos os trabalhos efetuados sem qualquer
reclamação apresentadas.
10. A requerente emitiu e entregou ao RAL, que aceitou e recebeu, as faturas referentes ao fornecimento de bens e serviços e ao valor total dos trabalhos efetuados.
11. O requerido nunca devolveu à requerente a fatura emitida.
12. Não obstante, apenas procedeu ao pagamento de parte das mesmas, permanecendo
em dívida a fatura 18S2/45, no valor de € 102 980,92, emitida em 28-02-2018 e vencida em 28-04-2018, assim como a fatura 18S2/100, no valor de € 24 784,84, emitida em 30-04-2018 e vencida em 30-06-2018.
13. Por carta datada de 12-06-2018 a requerente solicitou ao requerido o pagamento da Fatura 18S2/45, tendo igualmente interpelado os representantes e colaboradores do requerido por telefone.
14. Sendo que a resposta transmitida sempre foi a que o pagamento seria efetuado quando houvesse disponibilidade, sem nunca se terem comprometido com qualquer data.
15. Posteriormente o requerido passou a não dar qualquer resposta às chamadas
telefónicas da requerente.
16. Tendo recentemente deixado de atender chamadas telefónicas ou de responder a
interpelações por escrito.
17. Novamente por carta de 28-06-2018 o mandatário da requerente interpelou o
requerido para o pagamento da dívida, não tendo obtido qualquer resposta.
18. Não têm sido adjudicadas ao requerido obras de construção civil de relevo.
19. É voz corrente no ramo da construção civil que o requerido está a passar por
dificuldades financeiras que impossibilitam de cumprir os seus compromissos.
20. O requerido tem outras dívidas para com terceiros ligados à construção civil,
nomeadamente:
– Lopes, Azevedo & Filhos Lda., no valor de cerca de € 195 000,00;
– Intervega Sinalização e Segurança Lda., no valor de cerca de € 320 000,00;
– Masitrave Lda., no valor de cerca de € 87 000,00.
21. O requerido é/foi réu em diversos processos judiciais para cobrança de dívidas,
nomeadamente:
– …/…YIPRT a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este,
juízo local cível de Penafiel;
– …/…T8PNF, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este,
Juízo Central Cível de Penafiel (2);
– …/…T8LSB, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Cível de
Lisboa (1);
– …/…YIPRT, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, juízo
Central Cível (7).
22. No final de 2017 o requerido alterou a sua sede social para um local que partilha com outra empresa Evolution Engenharia S.A.
23. Os únicos proveitos conhecidos ao requerido são os eventuais créditos que a mesma terá a receber por força do contrato de Projeto e Construção que celebrou com a sociedade Rotas do Algarve Litoral S.A.
2.2. O DIREITO
Delimitada a matéria de facto, que não vem impugnada, importa conhecer o objeto do recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso.          
1.) REQUISITOS NECESSARIOS PARA SER DECRETADO O PROCEDIMENTO CAUTELAR DE ARRESTO.
O apelante recorreu do despacho que decretou a providência cautelar de arresto, alegando que não estando preenchido o requisito de periculum in mora ou fundado receio de frustração do crédito, não se verifica fundamento para o decretamento da providência.
Vejamos a questão.
Quando o requerido não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência, é-lhe lícito, em alternativa, na sequência da notificação prevista no n.º 6 do artigo 366.º, recorrer, nos termos gerais, do despacho que a decretou, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida, ou, deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinem a sua redução, aplicando-se, com as adaptações necessárias, o disposto nos artigos 367.º e 368.º - art. 372º, nº1, als. a) e b), do CPCivil.
Confrontado com a decisão cautelar, cabe ao requerido optar pelo meio de defesa que, face às circunstâncias do caso, considera legalmente mais adequado.
Estas duas formas de impugnação são alternativas e têm fundamento diferente: o recurso visa impugnar a decisão, em si mesma, enquanto a oposição é uma forma de reclamação que tem lugar "quando o arrestado pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução"[6].
Recurso, se entende que, face ao processo da providência e dos factos ali apurados, a providência não devia ter sido decretada; oposição, se entende que dispõe de outros factos ou provas não tidas em conta pelo tribunal, com peso suficiente para determinarem o afastamento dos fundamentos da providência decretada ou a redução do âmbito desta[7].
Assim, quando a decisão cautelar é proferida na ausência do requerido, este quando notificado do decretamento da providência, pode recorrer da decisão, se a discordância se fundamentar em razões puramente jurídicas, ou, deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova suscetíveis de infirmar os fundamentos da anterior decisão ou de levar à redução dos seus limites.
No caso, o apelante recorreu da decisão que decretou o arresto, por entender, que face aos elementos apurados, ela não devia ter sido proferida, isto é, a sua discordância fundamenta-se em razões puramente jurídicas.
Vejamos, pois, se no caso estão verificados os pressupostos necessários para ser decretado o procedimento cautelar de arresto.
O credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor – art. 391º, nº1, do CPCivil.
O arresto constitui uma providência cautelar de natureza especificada, que se destina a garantir um direito de crédito sempre que o credor tenha o fundado receio de que o devedor possa alienar, ocultar ou dissipar o seu património, frustrando, dessa forma, a satisfação patrimonial desse direito[8].
Para que o arresto possa ser decretado, torna-se necessário o preenchimento cumulativo de dois requisitos, isto é, a probabilidade de existência de um direito de crédito e o justo receio de perda da garantia patrimonial desse direito. 
Quanto ao requisito da probabilidade da existência de um direito de crédito, o legislador não exige a prova da verificação efetiva desse crédito, mas tão-só que seja provável a existência do mesmo, nem tão-pouco que a obrigação seja certa, exigível e líquida ou que já se encontre reconhecida pelos tribunais[9].
Pelo contrário, a lei contenta-se com a mera aparência do direito de crédito, podendo tratar-se de um crédito ilíquido ou sujeito a condição ou a termo[10].
Quanto ao fundado receio de perda da garantia patrimonial consubstancia-se no perigo de serem praticados atos de ocultação, disposição, alienação ou oneração do património do devedor – não sendo necessária a prova de qualquer conduta dolosa ou fraudulenta nesse sentido – até que o credor obtenha um título executivo que lhe permita atingir o património do devedor[11].
O justo receio da perda de garantia patrimonial pressupõe a alegação e prova, ainda que perfunctória, de um circunstancialismo fáctico que faça antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito[12].
Assim, o receio de perda da garantia patrimonial do crédito mostra-se justificado quando “está criado um perigo de insatisfação do crédito, por o seu titular se deparar com a ameaça de estar a ser lesado aquilo que lho garantia: o património do devedor”[13].
Na fórmula genuína do "justo receio de perder a garantia patrimonial" cabe uma variedade de casos, tais como os de receio de fuga do devedor, de sonegação ou ocultação de bens e de situação deficitária, não bastando que o requerente se limite a alegar meras convicções, desconfianças ou suspeições de tais situações, antes invoque as razões objetivas, convincentes, em que se fundam[14].
E, estarão verificados nos autos tais pressupostos, isto é, a probabilidade da existência de um crédito, e o fundado receio de perda da garantia patrimonial do crédito?
A requerente e o requerido estabeleceram relações comerciais entre si, pelas quais a requerente se obrigou à execução de trabalhos de fornecimento e montagem de guardas de segurança metálicas, nos lanços integrantes no contrato de empreitada que o requerido celebrou com a sociedade Rotas do Algarve Litoral S.A., relativamente à Autoestrada do Algarve Litoral, sendo o valor global do contrato celebrado foi de 836 554,00 – factos provados nºs 6 e 7.
A requerente emitiu e entregou ao RAL, que aceitou e recebeu, as faturas referentes ao fornecimento de bens e serviços e ao valor total dos trabalhos efetuados, mas não obstante, apenas procedeu ao pagamento de parte das mesmas, permanecendo em dívida a fatura 18S2/45, no valor de € 102 980,92, emitida em 28-02-2018 e vencida em 28-04-2018, assim como a fatura 18S2/100, no valor de € 24 784,84, emitida em 30-04-2018 e vencida em 30-06-2018 – factos provados nºs 10 e 12.
Por carta datada de 12-06-2018 a requerente solicitou ao requerido o pagamento da Fatura 18S2/45, tendo igualmente interpelado os representantes e colaboradores do requerido por telefone – facto provado nº 13.
Assim, perante tais factos, mostra-se provável a existência de um direito de crédito da apelada sobre o apelante, e resultante de valores faturados e não pagos relativos a um contrato de empreitada entre ambas celebrado[15].
E, está verificado o requisito do periculum in mora, isto é, a concreta situação de perigo que se poderá consumar se essa apreensão não for decretada?
Pensamos que não.
O receio de perda da garantia patrimonial do crédito deve ser valorado em função da ponderação de diversos fatores, tais como “o montante do crédito, a maior ou menor capacidade de solvabilidade do devedor, a forma da sua atividade, a sua situação económica e financeira, a natureza do seu património, a dissipação ou extravio de bens, a ocorrência de procedimentos anómalos que revelem o
propósito de não cumprir, o próprio montante do crédito”[16].
Resultou provado que a apelada tem um crédito de € 127 765, 76 sobre a apelante, que esta tem dívidas para com terceiros no montante de € 602 000,00, e que alterou o local da sua sede social[17] - factos provados nºs 12, 20 e 22.
Ora, tais factos não nos permitem concluir pelo receio de perda da garantia patrimonial, pois, por um lado, não se pode dizer ser elevado o montante da dívida (para além de não se conhecer da capacidade económica da apelante, esta não estando inativa e mantendo a sua atividade, sempre potencia a obtenção de novos rendimentos), por outro, por ser irrelevante o ter alterado o local da sua sede social (nem se sabendo dos motivos que motivaram tal mudança), pelo que não há qualquer outro circunstancialismo fáctico que faça antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito, nomeadamente suspeitando da atuação do devedor (no caso, a apelante) quanto à dissipação do seu património[18].
Por carta datada de 12-06-2018 a requerente solicitou ao requerido o pagamento da Fatura 18S2/45, tendo igualmente interpelado os representantes e colaboradores do requerido por telefone, sendo que a resposta transmitida sempre foi a que o pagamento seria efetuado quando houvesse disponibilidade, sem nunca se terem comprometido com qualquer data – factos provados nºs 13 e 14.
Posteriormente o requerido passou a não dar qualquer resposta às chamadas
telefónicas da requerente, tendo recentemente deixado de atender chamadas telefónicas ou de responder a interpelações por escrito, e novamente por carta de 28-06-2018 o mandatário da requerente interpelou o requerido para o pagamento da dívida, não tendo obtido qualquer resposta – factos provados nºs 15 a 17.
Tais factos também não revelam uma conduta intencional, desadequada e anómala da apelante, tendente ao não cumprimento da obrigação, e justificativa da existência do necessário justo receio de perda da garantia patrimonial.
O arresto mostra-se injustificado quando, v.g, não estiver demonstrado que o devedor pretendeu alienar, dissipar ou ocultar o seu património[19]; que está em situação de insolvência[20]; que atravessa dificuldades económicas[21]; que se recusa a cumprir a obrigação[22], e que a sociedade evidencia problemas de organização e financeiros, sendo executada em oito ações judiciais[23].
Concluindo, não se mostrando verificado o justo receio de perda da garantia patrimonial do direito, como estatuído no art. 391º, nº1, do CPCivil, não há fundamento para o decretamento da providência cautelar de arresto.
Destarte, procedendo o recurso de apelação, há que revogar o despacho proferido pelo tribunal a quo, e que decretou o arresto.
3. DISPOSITIVO
3.1. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (2ª) do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso de apelação e, consequentemente, revoga-se o despacho recorrido.3.2. REGIME DE CUSTAS
Custas pela apelada, porquanto a elas deu causa por ter ficado vencida[24].
                           
Lisboa, 2020-01-23
Nelson Borges Carneiro
Pedro Martins
Inês Moura
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[1] A lei é omissa quanto à natureza e estrutura da decisão em procedimento cautelar. Alberto dos Reis qualifica a decisão como “despacho” quando é decretada sem ouvir o requerido, reservando a designação de “sentença” para as restantes situações em que é respeitado o contraditório - ANTÓNIO ABRANTES GERALDES, Temas da Reforma do Processo Civil, III volume, 2.ª edição, p. 216.
[2] Para além do dever de apresentar a sua alegação, impende sobre o recorrente o ónus de nela concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – ónus de formular conclusões (art. 639º, nº 1) – FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 503.
[3] O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar, as normas jurídicas violadas; o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, e invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada – art. 639º, nºs 1 e 2, do CPCivil.
[4] Na sessão anterior ao julgamento do recurso, o processo, acompanhado com o projeto de acórdão, vai com vista simultânea, por meios eletrónicos, aos dois juízes-adjuntos, pelo prazo de cinco dias, ou, quando tal não for tecnicamente possível, o relator ordena a extração de cópias do projeto de acórdão e das peças processuais relevantes para a apreciação do objeto da apelação – art. 657º, n.º 2, do CPCivil.
[5] Todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
Vem sendo entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.
[6] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 1998-07-09, Relator: FRANCISCO LOURENÇO,  http://www.dgsi.pt/jstj.
[7] Ac. Tribunal Relação do Porto de 1999-03-09, Relator: EMÉRICO SOARES,  http://www.dgsi.pt/jtrp.
[8] MARCO CARVALHO GONÇALVES, Providências cautelares, 4ª ed., p. 222.
[9] MARCO CARVALHO GONÇALVES, Providências cautelares, 4ª ed., p. 227.
[10] MARCO CARVALHO GONÇALVES, Providências cautelares, 4ª ed., p. 228.
[11] MARCO CARVALHO GONÇALVES, Providências cautelares, 4ª ed., p. 230.
[12] ABRANTES GERALDES, Temas da Reforma do Processo Civil, IV volume, p. 175.
[13] MARCO CARVALHO GONÇALVES, Providências cautelares, 4ª ed., p. 230.
[14] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2000-01-20, Relator: DIONÍSIO CORREIA,  http://www.dgsi.pt/jstj.
[15] Sendo por isso irrelevante que tal crédito seja ou não exigível, bastando a alegação e prova da provável existência desse direito. Acresce dizer que tendo a apelante recorrido do despacho que decretou a providência, e não deduzido oposição, não podendo impugnar os factos dados por assentes pelo tribunal a quo, a questão da divida estar ou não vencida, não poderia ser apreciada neste recurso.
[16] MARCO CARVALHO GONÇALVES, Providências cautelares, 4ª ed., p. 233; Ac. Tribunal da Relação de Coimbra de 2009-02-10, Relator: ÍSAIAS PÁDUA, ,  http://www.dgsi.pt/jtrc, e Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2002-06-12, Relator: ANTÓNIO SANTOS,  http://www.dgsi.pt/jtrl.
[17]  Quanto a outros factos provados relativos ao receio de perda de garantia patrimonial, os mesmos são conclusivos ou irrelevantes:
- O facto nº 18 é conclusivo, pois não se sabe o que são obras de construção civil de relevo;
- O facto nº 19, é irrelevante e conclusivo, pois “voz corrente” refere-se a meras suposições sem qualquer concretização factual, e “está a passar por dificuldades financeiras” é conclusivo, pois importava saber, v.g., se o passivo era maior que o ativo, se houve despedimentos, se não tem pago as suas dívidas aos fornecedores, se vai encerrar a sua atividade económica, etc.;
- O facto nº 21, mostra-se irrelevante por não constar se a apelante foi ou não condenada por decisões transitadas em julgado, e caso o tenha sido, em que quantias.
[18] Não é necessário que os atos lesivos se tenham já desencadeado, mas, ao menos, que se evidenciem manobras ou ameaças de preparação desses atos – Ac. Tribunal da Relação de Coimbra de 2007-05-15, Relator: FREITAS NETO,  http://www.dgsi.pt/jtrc.
[19] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 1996-12-12, Relator: FIGUEIREDO DE SOUSA, http://www.dgsi.pt/jstj.
[20] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 1997-05-28, Relator: MÁRIO CANCELA, http://www.dgsi.pt/jstj.
[21] Ac. Tribunal da Relação de Évora de 2006-07-04, Relator: MARIA SANTOS, http://www.dgsi.pt/jtre.
[22] Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2011-11-30, Relator: EZAGÜY MARTINS, http://www.dgsi.pt/jtrl.
[23] Ac. Tribunal da Relação de Évora de 2019-03-28, Relator: MANUEL BARGADO, http://www.dgsi.pt/jtre.
[24] A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito – art. 527º, nº 1, do CPCivil.