Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANTÓNIO SANTOS | ||
Descritores: | PROPRIEDADE HORIZONTAL EMBARGOS DE EXECUTADO DESPESAS DE CONDOMÍNIO EXCEPTIO NON ADIMPLETI CONTRACTUS ADMISSIBILIDADE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/11/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I - As despesas condominiais, apesar de constituírem obrigações propter rem, que decorrem do estatuto de um direito real , consubstanciam em última análise e no plano dogmático “verdadeiras obrigações”, razão porque, desde que reunidos os necessários pressupostos, nada obsta a que os condóminos possam invocar quanto ao seu pagamento a exceptio non adimpleti contractus. II – Para que lícito seja ao condómino devedor invocar a exceptio non adimpleti contractus para suspender o pagamento de prestações/contribuições condominiais vencidas, necessário é que entre estas últimas e as prestações das quais se arroga credor em relação ao condomínio, exista uma relação de sinalagma funcional, ou seja, estejam ambas ligadas por um nexo de correspectividade e interdependência. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 6ª Secção CÍVEL Do Tribunal da Relação de LISBOA * 1.- Relatório Na sequência da instauração de acção executiva movida por A [ Condomínio do Prédio sito na Rua ….] , em Carcavelos, contra, B e C, e com vista à cobrança coerciva da quantia de €9.501.92, proveniente de montantes devidos a título de condomínio e titulados por ACTAS de Assembleias de condóminos, vieram os executados deduzir oposição à execução, pugnando pela respectiva “absolvição do pedido”. 1.1. - Para tanto, alegaram os executados B e C, e em síntese, que : - Desde o ano de 2002 que existem litígios entre exequente e executados relacionados com diversos assuntos do interesse do condomínio, designadamente com as portas de emergência do cinema que constitui a fracção de que são titulares, litígios esses que se têm traduzido no bloqueio dessas portas, com a consequente limitação dos executados ao gozo da sua fracção e das partes comuns do edifício, razão porque invocam a excepção de não cumprimento ; - Acresce que, também os ora executados já intentaram diversas acções de impugnação das assembleias de condóminos realizadas nos anos de 2006, 2007, 2008, e 2013, estando as mesmas ainda pendentes, razão porque não podem tais deliberações vincular os ora executados ; - Por último, certo é que , podendo a dívida exequenda ( com todas as despesas e honorários de Agente de Execução ), quando muito, atingir o valor total de €12 501,92, a verdade é que já se encontram penhorados na execução valores mobiliários que atingem o valor de €25.000,00, valor este que se afigura de todo excessivo em face do valor da quantia exequenda. 1.2.- Admitidos liminarmente os embargos de executado e, uma vez regularmente notificado para, querendo, os contestar, veio a exequente A, fazê-lo, apresentando defesa por excepção [invocando a excepção de litispendência ] e por impugnação motivada, impetrando que os embargos deduzidos pelos executados sejam julgados improcedentes [ caso não seja julgada procedente a excepção da litispendência ] e , em última instância, sejam os executados condenados como litigantes de má fé. 1.3. - De seguida, proferido despacho convidando o exequente a prestar concreta informação referente a execução por si também intentada, e, vindo o exequente a satisfazer o determinado, foram as partes “alertadas” da possibilidade de o mérito dos embargos de executado ser apreciado e decidido logo em sede de Despacho-Saneador, e sem a realização de uma audiência prévia, não tendo sido apresentada qualquer oposição. 1.4. - Finalmente, conclusos os autos para o efeito, foi proferido Saneador-Sentença que pôs termo à instância dos embargos de executado, e sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor: “(…) DECISÃO: Em face de todo o exposto: Julgo improcedentes os embargos de executado, e, em consequência, determino o prosseguimento da execução. Porém, determino que a penhora concretizada nos autos principais, documentada no auto de penhora elaborado a 21.11.2017, seja reduzida ao valor da quantia exequenda e despesas da execução mencionado em tal auto, devolvendo-se o excesso ao executado. Custas pelos embargantes - art. 527°, n°s 1 e 2, do CPC. Registe e notifique. Oeiras, d.s. “ 1.5.- Inconformados com a sentenciada improcedência dos embargos de executado, da referida decisão vieram então os executados/embargantes interpor recurso de apelação, que admitido foi e com efeito devolutivo, formulando na respectiva peça recursória as seguintes conclusões: A) Recorre-se da douta decisão que julgou improcedentes os embargos de executado em causa; B) Ao contrário do que decidiu o Tribunal recorrido, tem sido entendido pela jurisprudência que a invocação da excepção de não cumprimento pode ser invocada por condóminos nas relações com o condomínio, no que concerne ao pagamento das contribuições devidas ao condomínio ( cfr., designadamente, o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 12/07/2017, in http://www.dgsi.pt e o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 3/11/2016, in http://www.dgsi.pt ; C) Crendo-se ser necessário, em ordem a recolher a prova da alegada excepção de não cumprimento invocada pelos ora recorrentes em sede de oposição à execução e face à impugnação dos factos que supostamente a integram por parte do exequente, que se realize o julgamento, contrariamente ao que foi entendido na douta decisão recorrida ; D) Quanto aos seus pressupostos, pelo menos no campo teórico e sem prejuízo da prova a produzir, crê-se estarem cumpridos ; Se não, vejamos: E) Conforme refere o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8/11/2007, in http://www.dqsi.pt "[...] II - São pressupostos desta excepção a existência de um contrato bilateral, não cumprimento ou não oferecimento do cumprimento simultâneo da contraprestação ; F) Quanto à existência de um contrato bilateral, conforme foi entendido nos Acórdãos supra citados, a relação entre condómino e condomínio e os direitos reais inerentes podem ser entendidos como um contrato bilateral; G) No que concerne ao segundo pressuposto supra citado - não cumprimento ou não oferecimento do cumprimento simultâneo da contraprestação - os recorrentes alegaram que não cumpriram ainda com a obrigação de pagamento das contribuições pelos motivos melhor discriminados na sua oposição à execução e penhora ; H) Ou seja, apenas por factos praticados pela exequente e que alegadamente não lhes podem ser imputados é que os recorrentes não cumpriram com a obrigação de pagamento das contribuições em causa nestes autos, tais como a alteração do sentido das portas de emergência sitas no piso -2 do Centro Comercial de …; bloqueio das portas corta-fogo com barras de ferro, bem como da saída de emergência da sala 2 do cinema explorado na fracção autónoma de que os ora recorrentes são proprietários; construção de uma parede de madeira, em frente à saída de emergência da mencionada sala 2 ; colocação de um tapume na porta da sala de cinema 2 que dá acesso para a garagem, de cerca de 11m de comprimento e bloqueio de acesso ao local onde se encontra o aparelho de ar condicionado, impedindo a sua reparação ; I) Crê-se que tal actuação por parte da exequente, a provar-se, impediu a utilização normal que deve ser feita de uma fracção autónoma ou os acessos a espaços comuns, prejudicando e causando danos aos ora recorrentes; J) Afigurando-se que tal incumprimento, a provar-se, pode consubstanciar uma situação de excepção de não cumprimento, prevista no art. 428° do CC, a qual deveria ser objecto de maior indagação por parte do douto Tribunal a quo, mediante a realização de julgamento e posterior decisão perante a prova que venha a ser produzida; K) Não devendo, sem mais, terem sido julgados improcedentes os embargos de executado apresentados pelos ora recorrentes; L) Ao entender o contrário, o douto despacho recorrido viola, designadamente, por erro de interpretação, o disposto no art. 428° do CC; M) Em face do exposto, deve a presente apelação ser julgada procedente, revogando-se a douta sentença recorrida que julgou improcedentes os embargos de executado, substituindo-se a mesma por outra que determine a remessa dos autos à primeira instância com vista à realização de julgamento, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA 1.4.- Respondendo ao Recurso interposto por B e C , veio o apelado A , apresentar contra-alegações, nas mesmas deduzindo as seguintes CONCLUSÕES: 1.ª A excepção do não cumprimento como fundamento ou argumento para o não pagamento de dívidas de natureza condominial, não é admissível, uma vez que o art.º 428.º, n º 1 do Cód. Civil, expressamente prevê como pressuposto de facto para a sua aplicação a existência de “ … 'contratos bilaterais….. ", o que não é configurável nas relações de condomínio e entre os condóminos. 2ª Da relação de compropriedade vigente entre os condóminos pelas partes comuns de um edifício tem a decorrente obrigação de comparticipar nas despesas para a conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, não se estabelece de forma directa, imediata e sinalagmática ( genética ou funcional ), o direito ao uso das partes comuns. 3ª Podendo até acontecer, como o será em grande parte dos casos, que e Justamente em função ou na sequência do percebimento daquelas receitas, só em resultado do seu pagamento/recebimento prévio, que pode gerar-se a ulterior e plena efectividade de direito ao uso regular das partes comuns . 4ª Processar-se o imediato paralelismo das obrigações e desta feita arvorar-se a aplicação do regime da «exceptio non adempli contractus» nas obrigações em apreço, configuraria um deslindar de justificações para o não cumprimento atempado por parte dos condóminos, provocando a ineficácia da celeridade da cobrança judicial prosseguida pelo decreto-lei que atestou a força de título executivo à acta. 5. - E com acrescida gravidade fomentar-se-ia o desgoverno das partes comuns do edifício e o seu consequentemente abandono e desleixo, num permanente Circulo ininterrompível e perverso . 6.ª- De facto o condómino não pagaria por alegada falta ou privação da fruição das partes comuns, o condomínio não realiza obras ou outras operações de manutenção por falta de pagamentos , o condómino não paga por alegar aquelas circunstâncias ou seja, de novo por falta de fruição das partes comuns e afinal tudo se sucedendo num vortice Imparável de abandono da administração da conservação e do bom uso das partes comuns. 7.ª Donde , razões teleológicas, a exceção de não cumprimento não pode ser invocável em execução para o cumprimento das obrigacões condominiais «propter rem» 8.ª E se efectivarnente fosse de aceitar aquela exceção como legitima estratégia de defesa na execução que acompanhamos, desde logo teria efectivamente de tratar-se de uma real alegação de factos tendentes a ponderar a privação das partes comuns por facto imputável ao condomínio e com alguma gravidade, o que não acontece. 9.ª Casos mais comuns de obras a cargo do condomínio para impedir a ocorrência de infiltrações, de avarias de condutas de águas, canos, instalações elétncas, gás, «i.e» causas verdadeiramente e relevantemente impeditivas da fruição das partes comuns em especial quando reflexamente afectam o uso da fracão. 10ª Nada na situação concreta que seguimos é alegado pelos embargantes como requisito para a excepção concitada. 11.ª Nos artigos 1ª a 37º dos embargos, os embargantes alegam circunstâncias relacionadas com o sentido de abertura das portas de emergência do centro comercial . Mas o que fica nos autos e se regista, é que nada sequer é alegado quanto a algum impedimento ou não uso das partes comuns do edifício. 12.ª Pelo contrário, a matéria neste cerne desenvolvida pelos embargantes, consistantes em invocar eventuais futuros e imaginários danos sem beliscar aquele efectivo uso diário das partes comuns por parte dos embargantes. 13.ª Nos artigos 44º a 63º dos embargos, é suscitada matéria atinente ao acesso ao local onde se encontra o ar condicionado, de modo a obter a sua reparacão. Mas logo nos artigos 51º e 52 º os embargantes esclarecem que apesar das alegadas vicissitudes já o fizeram sem portanto de novo se vislumbrar qualquer facto, pelo menos actual, impeditivo de uso e fruição das partes comuns. 14.ª Nos artigos 64.º a 71º. os embargantes insurgem-se pelo não empréstimo de umas escadas ou um escadote pertença do condomínio para o seu uso pessoal . No que de novo nos deixa concluir que não está em crise o uso das partes comuns do prédio, 15.ª Por último nos artigos 72º a 76º os embargantes alegam ações de impugnação de assembleias que no entanto em nada se intersectam ou conflituam com as assembleias e actas que titulam as dívidas reclamadas na presente execução, a douta sentença confirmou a validade do título executivo e neste âmbito, os recorridos nada adiantam nas alegações ou no objeto do recurso 16.ª Em suma, de todo o exposto, parece ademais poder e dever concluir-se que sequer são alegados fundamentos ou factos reais aptos a preencher os requisitos da excepção do não cumprimento não havendo também por isso qualquer motivo para a alteracão da decisão revidenda. 1.5. – Ainda no âmbito das contra-alegações indicadas em 1.4., enxerta a apelada A as seguintes CONCLUSÕES [ direccionadas para pretenso RECURSO SUBORDINADO ] : I7ª Dão-se por reproduzidas os factos e as razões insertas na contestação aos embargos – artº 1º a 11º, supra transcritas no corpo das alegações, 18ª A douta sentença prolatada, na parte em que indeferiu a Invocada exceção de Litispendência, porquanto, por relação com uma outra ação anterior melhor Identificada nos autos, considerou haver distanciamento ou descoinciclência do pedido e da causa de pedir, violou por errada Interpretação e aplicação o pertinente regime processual. 19ª A causa de pedir enxertada na ação anterior ( com exceção dos números dos artigos, ou seja, deve ser lida a partir do art º 17 º sob o proémio “ DA EXCEPÇÃO DO NÃO CUMPRIMENTO”), é uma autêntica cópia da deduzida nos presentes autos inclusivamente,como se referiu na contestação aos embargos, no que toca aos documentos Juntos e aos exatos enunciados protestos para Junção de documentos. 20ª No que toca ao pedido, naqueloutra, os embargantes formularam a pretensão de " absolvição dos executados do pedido" e na demanda que seguimos expressaram-se, pela absolvição dos executados do pedido", sem nunca indicarem quaisquer valores . 21ª Donde poderia cogitar-se, que na primeira ação o pedido incide sobre uma execução para pedido de dividas vencidas no valor de € 86.932 59, enquanto na nova demanda, que agora curamos, destinar-se-à à absolvição de um pedido diferente, já que é uma nova execução 22.ª Todavia, no que realmente Importa ou na substância das coisas não será de todo assim . A oposição à execução ou a petição de embargos exerce uma função declarativa enxertada no processo de execução, equivale a uma petição inicial para acção declarativa estruturalmente extrínseca e autónoma da execucão 23.ª E se neste sentido se justifica a sua leitura de forma autónoma da execucão em que se insere , a realidade que se nos depara como incontornavel, é que os embargantes almejam sempre e tão só em ambas as demandas atingir o mesmo desiderato e único efeito prático-Jurídico o não pagamento das prestações condominiais a que estão vinculados. 24.ª Porque assim se denota o pedido é sempre o mesm e absoluta a coincidência das peças, pelo que, nos termos do disposto nos artigos 580º e 581º do Cod. Proc. Civil, deveria a litispendência ser atestada nesta segunda ação com a correspondente decisão da absolvição da Instância, art,º 576º, 577 º, al. i) e 278º, nº 1, todos do mesmo compêndio processual. 25.ª Até porque se constata o critério do risco ou perante a alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior . 26.ª Embora discutível, assim poderia não ocorrer se porventura os embargantes houvessem mencionado alguma espécie de valores ou, nos segundos embargos, alegassem que o valor dos putativos danos, excediam a importância de €86932,59 da primeira execução e, por consequência, ostentarem a legitimidade para reproduzirem a sua causa de pedir com diferente finalidade . 27.ª Mas não o fizeram porque o único intento é poderem manter «ad Infinitum» a estratégia de defesa em se arrogarem sucessivamente cio direito a nada pagar ao condomínio desde o ano 2005 , sempre com os mesmos e repetidos argumentos já deduziram embargos na anterior execução para a cobrança de € 86932,59, fazem-no na presente por dívidas de condomínio do ano de 2015, fizeram-no numa outra ação que sob o numero 4723/17 7T80EF corre termos no JUIZO de Execução 1 do mesmo Tribunal de Oeiras ( dividas ao condomínio de 2016) e decerto se prestam para o fazer em novas ações, uma vez que perrnanecem obstinadamente relapsos. 28ª Mas não pode ser assirn, pelo menos perante a realidade processual com que hoje já convivemos, os tribunais estão por ora e para já em condições de contradizer ou reproduzir, três distintas decisões sobre a exata e mesma relação material controvertida e pretensão dos embargantes de não contribuírem para as despesas e encargos do condomínio 29.ª Por diferente entendimento, o tribunal «a quo» violou e fez errada interpretação do regime Instituído nos artigos 580.º e 581º, art.º 576ª, 577º, al. i) e 278º, nº 1 , al e), do Cod Proc Civil. Termos em que e nos mais de direito que como habitual tão doutamente serão supridos, deve o recurso interposto pelos recorrentes desmerecer, mantendo-se a douta decisão recorrida ou, em caso de diferente entendimento, o recurso subordinado ser admitido, prevalecer, concluindo-se pela confirmação da litispendência e desta, a absolvição da instância do embargado e prosseguimento da execução, assim se vazendo a acostumada, JUSTIÇA. 1.6. - Satisfeito o contraditório, proferiu o relator despacho de não admissão do recurso subordinado enxertado pelo exequente A nas contra-alegações direccionadas para a Apelação interposta pelos executados/embargantes B e C * Thema decidendum 1.7. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões recursórias a apreciar e a decidir são as seguintes : I - Se deve a sentença apelada ser revogada, sendo substituída por decisão que determine o prosseguimento dos autos/embargos e tendo em vista a realização da audiência de discussão e julgamento, e isto porque : i) Ao contrário do decidido pelo tribunal a quo, a excepção de não cumprimento pode ser invocada por condóminos nas relações com o condomínio, no que concerne ao pagamento das contribuições devidas ao condomínio; ii) No seguimento do referido em i), e existindo subjacente matéria de facto controvertida, importa determinar o prosseguimento dos embargos , com vista a possibilitar-se a produção de prova. II - Aferir se, em razão da pertinência dos fundamentos invocados na Apelação dos executados/embargantes B e C , importa apreciar do acerto da decisão proferida pelo tribunal a quo no tocante à excepção de litispendência pela exequente invocada, convolando-se assim o recurso subordinado rejeitado em mera ampliação do âmbito do recurso a requerimento da recorrida [ nos termos do artº 636º, do CPC ]. * 2.- Motivação de Facto. No Saneador/Sentença recorrido foi julgada PROVADA a seguinte FACTUALIDADE : 2.1.- O exequente instaurou a acção executiva a que esta está apensa em 01.11.2017 visando o pagamento, pelos executados, enquanto proprietários da fracção A, correspondente à loja 1 , das quantias devidas ao condomínio, a título de comparticipação nas partes comuns e contribuições para o fundo comum de reserva, nos meses de Janeiro a Dezembro de 2015, no valor de € 8.698,36, acrescido de juros; 2.2 - O exequente apresentou como título executivo a acta n° 42, da Assembleia de Condomínio que teve lugar no dia 03.03.2017, na qual se fixou a importância devida pelos executados no período temporal referido em 1.; 2.3 - Mais juntou o exequente ao requerimento executivo as actas n°s 10 (de 27.03.1998), 15 (de 16.03.2001), 19 (de 07.03.2003), 22 (de 30.01.2004) e 24 (de 28.01.2005), nas quais se deliberou os valores das quotas de condomínio e contribuições para o fundo comum de reserva relativos à fracção dos executados; 2.4 - Os executados não pagaram as contribuições referidas em 2.1; 2.5 - Encontram-se penhorados nos autos principais, através do auto de penhora de 21.11.2017, Valores Mobiliários- Registados na CMVM, da Galp Energia, S.A., e da Fundimo, titulados pelo embargante, no valor total de € 25.000,00; 2.6 - A quantia exequenda e as despesas previsíveis da execução ascendem ao valor total de € 12501,92. * 3.- Se deve a sentença apelada ser revogada, sendo substituída por decisão que determine o prosseguimento dos autos/embargos e tendo em vista a realização da audiência de discussão e julgamento. Analisada a petição inicial dos embargos de executado deduzidos pelos apelantes, constata-se que o fundamento essencial, senão mesmo o único que nos mesmos se mostra alegado com o desiderato de obstar à produção dos efeitos dos títulos executivos [ actas de assembleia de condóminos ] dados à execução, é a alegação por parte dos executados da excepção do não cumprimento, para tanto invocando os oponentes, designadamente : a) Factos ocorridos em Março de 2003 [ artºs 1º a 9º da petição ], relacionados com portas tipo corta-fogo, mas já ultrapassados, porque resolvida a situação; b) Factos ocorridos em Maio de 2005 [ artºs 9º a 28 º da petição ], relacionados com uma porta de emergência e portas de vidro que delimitam a zona do Centro Comercial da zona do Cinema; c) Factos ocorridos em Agosto de 2012 [ artºs 29º a 38º da petição ], relacionados com o bloqueamento das portas corta-fogo e saídas de emergência da sala de cinema, os quais , sendo do conhecimento público, implicam a diminuição da clientela cinéfila ; d) Factos ocorridos em Abril de 2013 [ artºs 39º a 40º da petição ], relacionados com a colocação de um tapume na porta do cinema 2 e que dá acesso à garagem ; e) Factos ocorridos em 2014 [ artºs 44º a 63º da petição ], relacionados com a impossibilidade de proceder à pronta reparação do aparelho do ar condicionado das salas de cinema, situação que foi já resolvida, mas que causou prejuízos aos executados em face da redução do número de espectadores no período que decorreu até à efectiva reparação; f) Factos ocorridos há mais de 5 anos [ artºs 64º a 71º da petição ], relacionados com a não disponibilização de uma escada que possibilite aos executados aceder à cobertura do edifício de forma a colocar a publicidade dos filmes ; g) A existência de sentença já transitada em julgado e que condena o exequente a pagar aos executados uma indemnização a liquidar em incidente próprio e relacionada com os prejuízos sofridos pela perda de clientes enquanto determinada situação de corte de energia eléctrica se manteve. Considerando o tribunal a quo, no saneador-sentença, que pacifico era que as actas dadas à execução, por estabelecerem os montantes das contribuições a pagar por cada condómino, e por estabelecerem o montante das contribuições em falta pelos executados no ano de 2015, constituem títulos executivos, a questão recursória [ a da excepção de não cumprimento ] foi resolvida, recorda-se, nos seguintes termos : “(…) A excepção de não cumprimento encontra-se prevista no artigo 428°, n° 1 do Código Civil. Decorre do aludido normativo que «Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo». A excepção de não cumprimento do contrato, como refere José João Abrantes, in "A Excepção de Não Cumprimento do Contrato no Direito Civil Português", Almedina, Coimbra, 39, é a faculdade que, nos contratos bilaterais, cada uma das partes tem de recusar a sua prestação enquanto a outra, por seu turno, não realizar ou não oferecer a realização simultânea da sua prestação. Conforme se considerou no Acórdão da Relação de Lisboa de 07-04-2016, proferido no proc. 2816/12.6TBCSC-A.L1-2, disponível em www.dgsi.pt «O exercício da exceptio pressupõe a existência de um contrato bilateral, a simultaneidade do prazo e a mora de um dos contraentes. Constitui um mecanismo compulsório, instigando o obrigado a cumprir essa sua obrigação a fim de que possa receber a contraprestação. Para que haja lugar à excepção é necessário, por conseguinte, não só que o sinalagma contratual ligue as prestações essenciais do contrato bilateral e não todos os deveres de prestação dele emergentes, mas sobretudo que uma dessas prestações essenciais objecto do sinalagma esteja ainda por cumprir e que o respectivo cumprimento seja ainda possível, visto que se o incumprimento já não for possível, a excepção não pode actuar - v. a título meramente exemplificativo, Ac. R.C. de 08.06.93, CJ 1993, t. 3, 55.». Porém, como é notório, no caso concreto não está em causa qualquer contrato bilateral, com obrigações sinalagmáticas, nem se verificam os demais requisitos subjacentes à exceptio non adimpleti contractus, dado que que a comparticipação devida pelos executados se funda em deliberação de assembleia de condóminos que não lograram alegar ou provar ter impugnado ( de facto, é despicienda a afirmação de que impugnaram judicialmente deliberações tomadas em assembleias que tiveram lugar nos anos de 2006, 2007, 2008 e 2013, relativas aos orçamentos aprovados para vigorar nos anos dessas assembleias, bem como relativas às prestações de condomínio em dívida, quando é certo que na execução está em causa deliberação tomada em 2017, quanto ao valor total em dívida pelo ano de 2015, tendo por referência deliberações aprovadas em assembleias ocorridas em 1998, 2001, 2003 2004 e 2005, relativas aos montantes das contribuições mensais de cada fracção ). Ainda que se admitisse que é invocável, pelo condómino, a excepção de não cumprimento da obrigação propter rem que sobre si impende ( como se admitiu, por exemplo, no Ac. da Relação de Lisboa de 08-05-2008, proferido no proc. 1824/2008-8, disponível em www.dgsi.pt ), ainda assim necessário se tornava a alegação de que, por facto imputável ao Condomínio, os executados se encontravam privados da fruição das partes comuns do edifício, o que justificaria a verificação do sinalagma funcional a que alude, como requisito de verificação da invocada excepcio, o art. 428°, n° 1, do Código Civil. Porém, limitando-se os embargantes a alegar que mantêm litígios com o exequente relativos às portas de emergência do cinema que constitui a fracção de que são titulares, litígios esses que se têm traduzido no bloqueio dessas portas, com a consequente limitação ao gozo da sua fracção e das partes comuns do edifício, não se configuram, manifestamente, preenchidos os requisitos da excepção dilatória de direito material oposta ao exequente, não se verificando, por conseguinte, uma recusa legítima de não pagamento das contribuições devidas relativas à comparticipação nas despesas das partes comuns e fundo comum de reserva. Nestes termos, improcedem os embargos apresentados.” Aqui chegados, cumpre pois apreciar e decidir se, em rigor, e tal como o defendido pelos apelantes, e em face do ALEGADO da petição inicial dos embargos de executado, obrigado estava o tribunal a quo a prosseguir a acção [ nos termos do artº 596º, nº1, ex vi do artº 732º,nº2, ambos do CPC ] tendo em vista a prova da factualidade controvertida e subjacente à excepção que invocaram [ nos termos do disposto do artº 731º, do CPC ]. Vejamos. Mostrando-se o instituto da excepção de não cumprimento do contrato regulado no art. 428.º, n.º1, do Código Civil, disposição legal esta onde se estatui que “se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo”, manifesto e pacífico é que pressupõe ele, para poder ser invocado, a presença de um contrato do qual emergem para os respectivos outorgantes a sujeição/vinculação a “prestações correspectivas ou correlativas, isto é, interdependentes, sendo uma o motivo determinante da outra”. (1) A exceptio non adimpleti contractus, vigora/actua portanto em sede de contratos tradicionalmente chamados de bilaterais ou sinalagmáticos, e no âmbito das obrigações que, no interior da economia contratual, impendem sobre cada um dos contraentes, funcionando ela/s como contrapartida ou como contrapeso da outra (2). Dito de uma outra forma, pressupondo/exigindo a exceptio non adimpleti contractus, precisamente, a existência de um contrato bilateral , ou , a constatação de uma relação sinalagmática que se produz entre as respectivas obrigações típicas, é outrossim no âmbito das obrigações que integram o vínculo sinalagmático [ a prestação exigida e a que é invocada pela contraparte para fundamentar a recusa são causa e razão de ser uma da outra, são prestação e contraprestação (3) ] que actua a excepção material dilatória em apreço, pois que fora do vínculo sinalagmático não há lugar à excepção (4). É que, como bem nota ainda José João Abrantes (5), a excepção de não cumprimento mais não visa, em sede de contratos bilaterais, do que sancionar o dever de cumprimento simultâneo das obrigações compreendidas no sinalagma , traduzindo em última análise a concretização de um elementar princípio de justiça que se exprime em que ninguém deve ser compelido a cumprir deveres contratuais, enquanto o outro não cumprir os seus já vencidos. Ou seja, como bem refere António Menezes Cordeiro (6), “ a excepção do contrato não cumprido visa satisfazer a justiça comutativa, impedindo que alguém seja obrigado a prestar sem ter recebido a contraprestação“. Em suma, dir-se-á assim que, como corolário das supras apontadas interdependência e reciprocidade das obrigações contratuais emergentes de vínculos sinalagmáticos, e como ensina João Calvão da Silva (7), a exceptio non adimpleti contractus desempenha, em rigor, uma dupla função: a função de garantia e a função coercitiva. A primeira, explica Calvão da Silva, porque permite ao excipiens garantir-se contra as consequências, presentes ou futuras do não cumprimento da(s) obrigação(s) recíprocas(s) do devedor e, a segunda porque constitui também um meio de pressão sobre o contraente inadimplente, para este cumprir. Isto dito, ou seja, estando efectivamente o instituto da exceptio non adimpleti contractus pensado para actuar privilegiadamente no campo dos contratos bilaterais ou sinalagmáticos , a verdade é que vem a doutrina admitindo que pode/deve outrossim o mesmo instituto ser aplicado a situações em que se esteja perante obrigações que se justifiquem reciprocamente, não necessariamente por um sinalagma genético, mas tão só funcional ( caso em que a correspectividade se refere a obrigações já constituídas), o que ocorre designadamente no âmbito das obrigações reais ou propter rem, ou seja, com obrigações não decorrentes de negócio jurídico obrigacional/contratual, mas antes resultantes de um determinado direito real e que, ainda assim, não deixam por isso de consubstanciar também verdadeiras relações obrigacionais. (8) Admitindo e pugnando pela referida aplicação fora do campo contratual/obrigacional, também há muito que Pires de Lima e Antunes Varela vieram expressis verbis (9) dizer que a “exceptio” tem ainda aplicação nos casos em que, por força da própria lei, embora contra a vontade das partes, se cria entre elas uma situação análoga à proveniente de um contrato bilateral“, entendimento este que mereceu da parte de Mário Júlio de Almeida e Costa pronta adesão (10), ao acrescentar também que, sendo verdade que os contratos bilaterais constituem o âmbito natural da excepção de não cumprimento, tal não pode significar que não se possa ir mais além. De resto, sendo igualmente pacifico que a obrigação do condómino de contribuir para as despesas das partes comuns é uma típica obrigação propter rem, obrigação esta que se define como “aquela cujo sujeito passivo (o devedor) é determinado não pessoalmente (“intuitu personae”), mas realmente, isto é, determinado por ser titular de um determinado direito real sobre a coisa” (11) , a verdade é que, como ensina Manuel Henriques Mesquita (12)“O entendimento de que as obrigações “propter rem” fazem parte do conteúdo do “ius in re” não significa que, por esse motivo, elas devam ser qualificadas como relações de natureza real, ou de natureza mista, ou como figuras de fronteira entre os “iura in re” e as obrigações. Estruturalmente, é de verdadeiras obrigações que se trata, ou seja, de vínculos jurídicos por virtude dos quais uma pessoa, na qualidade de titular de um direito real, fica adstrita a realizar uma prestação em benefício de outra. Sucede apenas que estas obrigações se encontram enxertadas, incluídas ou incrustadas no conteúdo de um ius in re, de cujo estatuto promanam.” No seguimento do entendimento doutrinal acabado de expor, não é assim de estranhar que, o entendimento maioritário da jurisprudência da 2ª instância (13), seja o da admissibilidade da exceptio non adimpleti contractus no âmbito dos encargos que recaem sobre os condóminos em sede de despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum, desde que verificados os respectivos pressupostos [ vg. o nexo de correspectividade e a interdependência ], de poderem os condóminos lançar mão da exceptio non adimpleti contractus, qual verdadeira excepção [ peremptória ] material dilatória [ porque fundada em razões de direito substantivo, e porque mera defesa temporária - que não exclui definitivamente o direito do autor - e subordinada à execução simultânea da contra-obrigação ] (14) Aqui chegados importa portanto, de seguida, aferir se em face da factualidade pelos executados alegada no requerimento inicial dos embargos, se exigia ao tribunal a quo – necessariamente - prosseguir com a acção com vista a possibilitar a prova da factualidade subjacente à invocada [ pelos embargantes/executados ] exceptio non adimpleti contractus . Ora bem. Como resulta do acima transcrito art. 428.º, n.º1, do Código Civil, e pressupondo estarem as “partes” vinculadas por contrato bilateral, exige a actuação da exceptio non adimpleti contractus que o contraente que a invoca não esteja obrigado a cumprir em primeiro lugar , que aquele que demanda o cumprimento ainda não cumpriu, ou não ofereceu o cumprimento simultâneo da obrigação por ele assumida ( desrespeitando assim a regra das execução simultânea das obrigações sinalagmáticas imposta pela sua interdependência funcional ) e , ainda, que o recurso à exceptio não seja contrária à boa fé [ porque o principio obrigacional enunciado no artº 762º, do CC, deve funcionar como limite ao exercício do direito de defesa que consubstancia a exceptio non adimpleti contractus ].(15) Pensada/configurada portanto com ligação a vínculos sinalagmáticos, tal obriga a que a exceptio non adimpleti contractus assente na ideia de interdependência entre obrigações que dos contraentes reciprocamente emergem para ambas as partes . (16) Ainda como ensina o Prof. João Abrantes, é a referida “ correspectividade existente entre a obrigação assumida por cada um dos contraentes e a que é assumida pelo outro que constitui a nota caracterizadora destes contratos : neles " há uma obrigação e a respectiva contra-obrigação, uma prestação e a respectiva contraprestação” ( artº. 795º do C. Civil ). Significa isto que, acrescenta João Abrantes, que “ a obrigação de cada um dos contraentes funciona como contrapartida ou como contrapeso da outra. A obrigação de cada um dos contraentes aparece como equivalente da assumida pelo outro : as prestações trocadas têm igual valor, «de tal modo que um e outro (dos contraentes) recebem pela sua própria prestação o valor correspondente da contraprestação contrária» (17) Em suma, pressupondo a excepção de não comprimento que existe uma correspectividade ou equivalência substancial entre as prestações em confronto, é ainda o vínculo de reciprocidade existente entre as duas obrigações que explica [ no entender do Prof. João de Matos Antunes Varela (18)], as soluções consagradas nos artigos 793º e 802º para a hipótese de impossibilidade parcial, no primeiro caso quando a impossibilidade não seja imputável ao devedor [ em que se prevê a redução parcial da contraprestação ] e, no segundo, quando o facto lhe seja imputável [ em que, sem prejuízo do direito à indemnização, se volta a admitir a redução correspondente da contraprestação ] . Por último, e ainda com pertinência relativamente ao pressuposto da correspectividade ou equivalência substancial entre as prestações, importa atentar que prima facie não é de exigir que exista uma absoluta equivalência/correspondência real e objectiva entre as prestações, bastando [ como refere Karl Larenz (19) ] “ que cada parte veja, na prestação da outra, uma compensação suficiente à sua própria prestação (…). O que interessa é o juízo subjectivo de cada parte contratante, o que é decisivo é que cada um deles se obrigue a uma prestação em virtude de uma contraprestação ” . Seguindo-se a análise – em traços largos - do pressuposto/requisito dos prazos de cumprimento, e dispondo o nº1, do artº 428º, do CC, que “se não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações”, o que essencialmente releva é que “o excepcionante não se encontra obrigado a cumprir antes da contraparte”, razão porque “a diversidade de prazos apenas obsta à invocação da «exceptio» pelo contraente que primeiro deve efectuar a sua prestação, mas já nada impede o outro de opô-la” (20) E, mesmo aquele que esteja obrigado a cumprir em primeiro lugar, pode, legitimamente recusar ( invocando a excepção ) a respectiva prestação, caso se verifique o condicionalismo do artº 429º, do CC, a saber, quando ocorram as circunstâncias que, nos termos do artº 780º, do CC, importam a perda do benefício do prazo, vg uma alteração da situação patrimonial da contraparte posterior á celebração do vínculo. Já relativamente ao requisito do “não cumprimento ou não oferecimento do cumprimento simultâneo da contraprestação”, o que importa deixar claro é que carece o excipiens de ser confrontado com um incumprimento [ mas não definitivo, porque ainda possível e o credor continua interessado na prestação ] do “outro”, e , ademais, não revele este último estar pronto para cumprir ou ofereça o cumprimento em simultâneo, pois que, a tal suceder, atenta contra a boa-fé o excipiens que persiste em invocar a excepção. É que, como refere João Abrantes (21), a razão de ser da excepção, que é levar a contraparte a cumprir a sua obrigação, cessa desde logo que esta realize a sua prestação ou ofereça a sua realização simultânea com a da contra-prestação “. Por outra banda, podendo ainda e também o incumprimento com que se depara o excipiens (22) ser meramente parcial e/ou tão só defeituoso [ ou não correspondente à conduta devida ] , porque do disposto nos artºs 406º e 763º,nº1, ambos do CC, decorre que deve a prestação ser efectuada integralmente e sem vícios, a verdade é que tal modalidade de incumprimento, para justificar a invocação da «exceptio», há-de revestir-se de uma tal gravidade que em termos de proporcionalidade e em coerência com o princípio da boa fé ( artº 762º,nº2, do cc ) confira total “legitimidade/adequação” a um tal tipo de reacção. Na verdade, como salienta João Abrantes (23), o “ nosso meio de defesa deve ser proporcionado á gravidade da inexecução”, pois que “ se não é justo ficar a parte que recebe um cumprimento parcial ou defeituoso impedida de alegar a excepção, também não o é responder a uma falta insignificante do ponto de vista da economia contratual com a recusa total da sua prestação “. Em termos conclusivos, e como assim já o decidiu o STJ (24) “ A invocação da excepção de não cumprimento do contrato, nas hipóteses de cumprimento defeituoso ou parcial, deve ser restringida aos casos em que não contrarie o princípio geral da boa fé consagrado nos arts. 227.º e 762.º, n.º 2 do Código Civil e desde que sejam observados critérios de proporcionalidade a aferir segundo as circunstâncias do caso, tendo em conta não só o valor da prestação que ficou por pagar, mas também as relações negociais entre as partes, a gravidade do incumprimento na economia do contrato, a atitude do demandado e do demandante, as causas da execução parcial ou defeituosa, a tolerância ou intolerância revelada por cada uma das partes no contrato, os seus interesses, etc.” Finalmente, qual último pressuposto da «exceptio», fundamental é que as partes procedam de boa-fé, princípio geral este que estando plasmado no art. 762º, nº 2 do CC , deve outrossim considerar-se extensivo a todos os outros domínios onde existam relações de vinculação entre sujeitos (25), e , especificamente no caso do meio de defesa que vimos analisando, deve funcionar como limite ao seu exercício, nomeadamente impedindo que ele se desvie do seu fim, mesmo fora dos casos de execução parcial ou defeituosa .(26) Valendo o aludido principio, tanto para o credor como para o devedor, já especificamente no que concerne ao direito de excepcionar o cumprimento da sua obrigação, obriga o seu cumprimento que antes de mais pondere a parte se tal invocação cumpre as regras da boa-fé , máxime se não é abusiva, não existindo um nexo de causalidade ou de interdependência causal entre o incumprimento da outra parte e a suspensão da prestação do excipiente. É que se vg o comportamento objectivamente considerado e manifestado pelo excipiente indicia que existem outras motivações [ daí que, vg em sede de avaliação da proporcionalidade da exceptio nos casos de incumprimento parcial, aconselhe JÚLIO MANUEL VIEIRA GOMES (27) “ que o valor insignificante da prestação que ficou por pagar seja apenas um dos factores a considerar, e que se tenha em conta as relações negociais entre as partes, o passado entre elas, a gravidade do incumprimento na economia do contrato e a dinâmica da relação entre as partes, através de uma valoração comparativa dos interesses e comportamentos destas no decurso da execução do contrato ] para a invocação da exceptio, que não o incumprimento da contraprestação, então a invocação da exceptio é ilegítima. (28) Ainda com ligação e outrossim decorrente do princípio da boa fé, exige-se que exista uma relação de equivalência, correspondência e/ou proporcionalidade entre as inexecuções, ou seja, a recusa do excipiens deve ser proporcionada à recusa da contraparte que reclama o cumprimento , sob pena de o recurso à excepção ser ilegítimo, ou , à luz da boa fé, dever considerar-se abusivo. (29) Aqui chegados, apetrechados dos considerandos de natureza doutrinal e jurisprudencial acabados de explanar, e esmiuçando de seguida a factualidade pelos embargantes/apelantes invocada no requerimento inicial dos embargos e supra identificada, a primeira nota que importa realçar é a de que, alguns dos factos pelos executados invocados em sede de justificação para o não pagamento dos montantes/quotas reclamados pelo exequente/condomínio, porque relacionados com querelas/divergências já ultrapassadas, não podem portanto servir para ancorar a invocada exceptio non adimpleti contractus. Estamos a falar, mais precisamente, dos factos alegadamente ocorridos em Março de 2003 [ artºs 1º a 9º da petição ] e relacionados com portas tipo corta-fogo, e , bem assim, dos factos alegadamente ocorridos em 2014 [ artºs 44º a 63º da petição ] e relacionados com a impossibilidade de proceder à pronta reparação do aparelho do ar condicionado das salas de cinema. Por outra banda, já a factualidade pelos apelantes/embargantes alegada e prima facie ocorrida há mais de 5 anos [ cfr artºs 64º a 71º da petição ], relacionados com a não disponibilização de uma escada que possibilite aos executados aceder à cobertura do edifício de forma a colocar a publicidade dos filmes, além de prima facie não impossibilitar ou impedir a colocação da publicidade [ antes meramente perturbadora da aludida colocação ] , não se relaciona outrossim com qualquer perturbação grave de utilização pelos executados de partes comuns essenciais do edifício, como o são designadamente as que se mostram identificadas na alínea c), do nº1, do artº 1421º, do CC . Daí que, a invocação pelos apelados da referida factualidade , mostra-se de todo claramente desproporcionada para ancorar a exceptio, de resto já ela própria de alguma forma algo excepcional ,porque não tem lugar no âmbito de típico contrato bilateral ou sinalagmático. Por último, já a factualidade alegada e relacionada com uma porta de emergência e portas de vidro que delimitam a zona do Centro Comercial da zona do Cinema , com o bloqueamento das portas corta-fogo e saídas de emergência da sala de cinema e com a colocação de um tapume na porta do cinema 2 e que dá acesso à garagem, ainda que prima facie tenham por objecto espaços de uso e/ou de passagem comum no e do condomínio, não é a mesma demonstrativa de implicar e afectar de forma relevante e grave a utilização/exploração pelos executados da sua fracção. Dir-se-á que, em confronto com uma contra-prestação no valor de €9.501.92, e num quadro circunstancial que aponta para um passado já “longínquo” entre executados e exequente de permanentes disputas e/ou conflitos, pertinente é concluir que com a invocação da exceptio nos embargos mais não visam os apelantes, com muita probabilidade, do que obstar ao cumprimento do dever que sobre ambos recai em função do disposto no artº 1424º, nº1, do CC . Em última análise, não se descobre na factualidade pelos executados alegada nos embargos [ em razão da respectiva importância e gravidade, e tendo em consideração o princípio da boa fé - art. 762º, nº. 2, do C.C ], a necessária correspectividade ou equivalência substancial e funcional entre as prestações em confronto e capaz, em consequência, de fundamentar e legitimar a invocação da excepção de não cumprimento de forma a obstar ao prosseguimento da execução. Acresce que, se atentarmos à real qualidade e natureza das “prestações” alegadamente incumpridas pelo condomínio [ o exequente ] e das quais se arrogam “credores” os executados/embargantes, além de não ancoradas – ainda - numa qualquer deliberação tomada pela Assembleia de condóminos [ órgão este que detém a legitimidade em sede de administração das partes comuns do edifício , cfr nº1, do artº 1430º, do CC ], a ponto de estar o administrador “obrigado” a executá-la [ cfr. alínea h), do artº 1436º, do CC ], não se encontram outrossim em relação de sinalagma funcional com a prestação que o condomínio lhes reclama/exige e que como sabemos tem como desiderato custear as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse como – cfr nº1,do artº 1424º, do CC. Em suma, em rigor, e entre a prestação exigida pelo exequente e a pretensa prestação da qual se arrogam credores os executados, não se vislumbra existirem os pressupostos da correspectividade e interdependência, os quais como vimos supra são essenciais e imprescindíveis para que seja pertinente e lícito lançar mão da exceptio non adimpleti contractus. Em conclusão, bem andou a primeira instância, e logo em sede de Saneador-sentença, em julgar os embargos de executado como improcedentes, determinando o prosseguimento da execução. * 4.- Se importa apreciar do acerto da decisão proferida pelo tribunal a quo no tocante à excepção de litispendência pela exequente invocada, convolando-se assim o recurso subordinado rejeitado em mera ampliação do âmbito do recurso a requerimento da recorrida [ nos termos do artº 636º, do CPC ]. Reza o artº 636º, do CPC [ sob a epígrafe de ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido ], nos respectivos nºs 1 e 2, que : “ No caso de pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação “, e que , “ Pode ainda o recorrido, na respectiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas.” A pertinência da ampliação do âmbito do recurso, perante a redacção dos nºs 1 e 2, do aludido artº 636º, pressupõe, portanto, por um lado, que o recorrido tenha sido desatendido ( na sentença apelada ) em concreto fundamento invocado em sede de defesa, e , por outro, que a 2ª Instância venha a reconhecer pertinência a concretos fundamentos e ou questões suscitadas pelo recorrente na apelação pelo mesmo interposta . A essencialidade da distinção entre a interposição dos recursos e a sua mera ampliação, tem assim que ver com a circunstância de, o primeiro, pressupor o decaimento do recorrente relativamente ao ou aos pedidos, e , o segundo, incide tão só sobre os fundamentos. Ou seja, tal como se conclui em douto Ac. do STJ e de 26/5/2015 (30) “ Sendo formulado pedido de ampliação, mas improcedendo os fundamentos da apelação, nos termos dos arts. 608º, nº 2 e 615º, nº 1 al. d), segunda parte, do Cód. de Proc. Civil, não pode essa ampliação do âmbito do recurso ser conhecida”. Dir-se-á que, como bem explica Abrantes Geraldes (31), não se estando perante um verdadeiro recurso, porque sempre falta ao recorrido a qualidade de parte vencida, então “ O tribunal apenas terá que se pronunciar sobre a ampliação se, acolhendo os argumentos suscitados pelo recorrente ou de que oficiosamente puder reconhecer, tal se repercutiu na modificação do resultado declarado na decisão impugnada em termos de prejudicar o recorrido”. Isto dito, porque como decorre do item 3 do presente acórdão, ocorre que in casu não reconheceu e/ou atendeu o ad quem, ainda que parcialmente, a quaisquer dos argumentos invocados pelos recorrentes B e C, não tendo quaisquer das questões recursórias suscitadas sido acolhidas, então, prejudicado se mostra a possibilidade de se conhecer da excepção – invocada pela recorrida - julgada improcedente no saneador-sentença e no pressuposto de o recurso subordinado não admitido ser convolado para mera ampliação do recurso a requerimento da recorrido A . EM CONCLUSÃO, a apelação, portanto, improcede forçosamente. *** 4 - Concluindo ( cfr. nº 7, do artº 663º, do CPC): 4.1.- As despesas condominiais, apesar de constituírem obrigações propter rem, que decorrem do estatuto de um direito real , consubstanciam em última análise e no plano dogmático “verdadeiras obrigações”, razão porque, desde que reunidos os necessários pressupostos, nada obsta a que os condóminos possam invocar quanto ao seu pagamento a exceptio non adimpleti contractus. 4.2 – Para que lícito seja ao condómino devedor invocar a exceptio non adimpleti contractus para suspender o pagamento de prestações/contribuições condominiais vencidas, necessário é que entre estas últimas e as prestações das quais se arroga credor em relação ao condomínio, exista uma relação de sinalagma funcional, ou seja, estejam ambas ligadas por um nexo de correspectividade e interdependência. * 5.- Decisão Em face de tudo o supra exposto, acordam os Juízes na 6ª Secção Cível, do Tribunal da Relação de LISBOA, em , não concedendo provimento à apelação interposta por B e C; 5.1. - Confirmar o saneador-sentença da primeira instância. * Custas pelos executados/apelantes . *** (1) Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in CC Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 2.ª Edição, pág. 356. (2) Cfr. José João Abrantes, in “ A Excepção de Não cumprimento do Contrato no Direito Civil Português - Conceito e fundamento “ , Almedina, 1986, pág. 40. (3) Cfr. José João Abrantes, ibidem, pág. 52. (4) Cfr. José João Abrantes, ibidem, pág. 53. (5) Ibidem, pág. 54. (6) In Estudos de Direito Civil, Vol. I, Almedina, 1987, pág. 140. (7) Cfr. Prof. João Calvão da Silva, in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Coimbra, 2.ª edição, pág. 337/338. (8) Cfr. Rui Pinto Duarte, in Curso de Direitos Reais, Edição Principia, pág. 21. (9) In CC Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 2.ª Edição, pág. 357. (10) In Direito das Obrigações, Almedina, 3º edição, 1979, pág. 271, nota 3 . (11) Cfr Henrique Mesquita in “A Propriedade Horizontal no Código Civil Português”, RDES, XXIII, pág. 130, e Menezes Cordeiro, in Direitos Reais, Reprint, 366-367. (12) In Obrigações Reais e Ónus Reais, Colecção TESES, Almedina, 1990, pág. 102 e 103. (13) Vide, vg., os Acs. do Tribunal da Relação do Porto [ de 12-07-2017 e proferido no Proc. nº 17/14.8THPRT.P1 ] e do Tribunal da Relação de Guimarães [de 3-11-2016 e proferido no Proc. nº 555/13.0TBVLN.G1], ambos in www.dgsi.pt. (14) Cfr. José João Abrantes, ibidem, pág. 154. (15) Cfr. José João Abrantes, ibidem, pág. 119. (16) Cfr. José João Abrantes, ibidem, pág. 39. (17) Ibidem, pág. 40. (18) In Das Obrigações em Geral, I , 3ª edição, Almedina, pág. 298. (19) Citado por José João Abrantes, Ibidem, pág. 41. (20) Cfr. Mário Júlio de Almeida e Costa, in Direito das Obrigações, Almedina, 12ª edição revista e actualizada, 2ª reimpressão, Coimbra, 2013, pág. 365. (21) Ibidem, pág. 92. (22) Vide Ac de 22/1/2013, proferido do Proc. nº 4871/07.1TBBRG.G1.S1, e disponível in www.dgsi.pt. (23) Ibidem, pág. 110. (24) Vide Ac de 17/11/2015, proferido do Proc. nº 2545/10.5TVLSB.L1.S1, e disponível in www.dgsi.pt. (25) Cfr. JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA, in Das Obrigações em Geral, Vol. II, Almedina, Coimbra, pág 11 , citado por José João Abrantes, Ibidem, pág. 119, nota 145. (26) Cfr. José João Abrantes, ibidem, pág. 121. (27) In Da excepção de não cumprimento parcial e da sua invocação de acordo com a boa fé, Anotação ao Acórdão do TRP de 10.3.2008, Cadernos de Direito Privado , 2009, n.º 25, pág. 65-66. (28) Cfr. José João Abrantes, ibidem, pág. 125/6. (29) Cfr. v.g. o Prof. Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil, IX, Direito das Obrigações, Cumprimento e não cumprimento, Almedina, Coimbra, 2014, pág. 141. (30) No Proc. nº 169/13.4TCGMR.G2.S1, sendo Relator JOÃO CAMILO e in www.dgsi.pt. (31) In Recursos em Processo Civil, Almedina, Novo Regime, 2010, 3ª Edição , Revista e Actualizada, Pág. 111. *** LISBOA, 11/4/2019 António Manuel Fernandes dos Santos ( O Relator) Eduardo Petersen Silva ( 2º Adjunto) Cristina Isabel dos Santos Neves ( 2ª Adjunta) |