Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
214835/09.2YIPRT-A.L1-7
Relator: LUÍS LAMEIRAS
Descritores: INJUNÇÃO
FALTA DE PAGAMENTO DA TAXA DE JUSTIÇA
RECURSO
ADMISSIBILIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/28/2010
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I – A acção declarativa transmutada do procedimento de injunção carece, para poder ter seguimento, do pagamento de taxa de justiça pelo autor, no prazo de 10 dias, a contar da distribuição (artigo 7º, nº 4, do RCP);
II – O despacho do juiz que julgue extinta a instância, por omissão desse pagamento, é sempre passível de recurso até à Relação, por aplicação devidamente adaptada da regra que emerge do artigo 475º, nº 2, do CPC.
(sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: I – Relatório

1. Dá-se notícia de que S suscitou procedimento de injunção contra R tendo esta vindo a deduzir oposição.
Notificado o requerente e distribuído o processo na Pequena Instância Cível de Lisboa, efectuou aquele o pagamento da taxa de justiça.
Mas o tribunal a quo, entendendo que o dito pagamento não podia ser considerado, a coberto dos artigos 20º do Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro, e 7º, nº 4, do Regulamento das Custas Processuais, ordenou o desentranhamento do requerimento injuntivo; e, por vislumbrar aí excepção dilatória inominada de conhecimento oficioso, absolveu a ré da instância (fls. 13).

2. Não conformado, interpôs o requerente recurso de apelação (fls. 6 a 8). Mas o tribunal a quo, com fundamento em irrecorribilidade, atento o valor da causa de 971,88 €, não admitiu o recurso interposto (fls. 15).

3. É desta decisão que o requerente reclama para o tribunal da Relação (fls. 3 a 4). Alega, sumariamente, que o recurso de apelação interposto sufraga-se do nº 1 do artigo 691º do C.P.C. e que não tinha por objecto a decisão final do mérito da causa mas sim a não admissão da junção aos autos do comprovativo do pagamento da taxa de justiça, dentro dos três dias subsequentes ao términos do prazo, com multa; donde, por o despacho proferido não ter decidido sobre o mérito da causa, mas haver posto termo ao processo, não se lhe aplicariam os artigos 678º, nº 1, do Código de Processo Civil, e 24º, nº 1, da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro.

4. A requerida não respondeu.

5. Questão a decidir.
É a seguinte a questão decidenda:
É admissível, em acção cujo valor seja inferior à alçada da primeira instância, a interposição do recurso de apelação da decisão que aí haja posto termo ao processo, com o fundamento na omissão do pagamento da taxa de justiça pelo autor?


II – Fundamentos

            1. Segundo se crê, está-se no contexto de uma acção transmutada, a partir de um procedimento de injunção e atenta oposição a este deduzido, a correr termos nos Juízos de Pequena Instância Cível de Lisboa.
            Portanto, um procedimento de tipo declarativo.
            O procedimento tem o valor de 971,88 €.
            É nesse, precisamente, que o tribunal, por razões de omissão de taxa de justiça, ordena que se desentranhe o requerimento da injunção e, por consequência, aí reconhecendo uma excepção dilatória, absolve a ré da instância.
            E é interposta a questionada apelação.

            2. O regime normativo aplicável, como resulta dos autos, é o emergente das alterações que foram introduzidas no Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto (artigo 12º, nº 1, deste DL).
            Nesse contexto, dispõe o artigo 678º, nº 1, do CPC, além do mais, que «o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e ... »; e o artigo 691º, nº 1, do mesmo diploma, que «da decisão do tribunal de 1ª instância que ponha termo ao processo cabe recurso de apelação».
            Pois bem. A interpretação de ambos estes normativos é simples e pacífica, não havendo particulares dúvidas a seu respeito.
            Assim. O recurso de apelação é um recurso ordinário (artigo 676º, nº 2, do CPC), que compete de decisões proferidas pelo tribunal de primeira instância. Um desses tipos de decisões, entre outros, é aquela que ponha termo ao processo (citado nº 1, do artigo 691º) – entenda-se: que lhe ponha termo, seja conhecendo do mérito da causa, seja por meras razões de forma.[1]  Significa que tanto ali cabem as sentenças condenatórias ou absolutórias do pedido; como qualquer tipo de absolvição da instância por algum motivo adjectivo.
O essencial é tratar-se de uma decisão final.
Mas isso não basta para tornar a decisão passível de recurso de apelação. Bem pode tratar-se de um despacho ou sentença produzidos na primeira instância e aí pondo fim ao processo, mas que, contudo, não logrem assumir aquela virtualidade recursória; é ainda necessário para tanto e em regra que reunam os necessários requisitos, em particular, que sejam proferidos no contexto de uma causa de valor superior à alçada daquele tribunal (artigo 678º, nº 1); e que, ao que importa, é o de 5.000,00 € (artigo 24º, nº 1, da Lei nº 3/99, de 3 de Janeiro, redacção do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto).
Nem toda a decisão final da 1ª instância, mesmo de forma, é passível de apelação; por regra só o será aquela que for produzida numa acção de valor superior ao que ficou indicado.
É a natureza da decisão que a torna em tese passível de recurso; mas no concreto a recorribilidade só é concedida se reunidas condições particulares.[2]  Por conseguinte, na óptica da sua argumentação, o reclamante carece de razão.

3. O caso vertente, porém, merece-nos uma outra reflexão.
A situação alicerça-se na disposição do artigo 16º, nº 1, do Regime Anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro; a saber, por haver sido deduzida oposição, o procedimento  transmutou-se em acção declarativa de condenação. [3]  Nesta hipótese é – além do mais – devido o pagamento de taxa de justiça pelo autor ..., no prazo de 10 dias a contar da data da distribuição (artigo 7º, nº 4, do Regulamento das Custas Processuais). Decorrentemente, o acto de distribuição como acção do procedimento de injunção devia – como foi – ser notificado, para o efeito, ao respectivo requerente.[4]  Nesse prazo impunha-se ao requerente / autor proceder ao pagamento da requerida taxa de justiça como acto de impulso à transmutada acção, condição necessária para o avanço da correspectiva instância.
Quer-nos, então, parecer que a situação apresenta semelhanças com aquela em que também se exige o pagamento da taxa para desencadear a normal acção declarativa. O que então acontece é que o autor procede ao pagamento e junta à petição inicial o comprovativo (artigos 14º, nº 1, do RCP, e 467º, nº 3, do CPC); e caso o não faça a secretaria rejeita o recebimento daquela (artigo 474º, alínea f), do CPC), com reclamação para o juiz e, caso confirmado, com recurso desse despacho sempre até à Relação (artigo 475º, nº 1 e nº 2, do CPC).
Como aqui, em que se pretende desencadear uma instância declaratória, também na acção transmutada é esse o objectivo que se visa. É que precedentemente do que se tratava era de um mero mecanismo administrativo, sem cariz jurisdicional.[5]  Os contornos da transmutação, que o artigo 17º do RA ao DL nº 269/98 contém, e a sua nova natureza, já jurisdicional, de acção declarativa no quadro do capítulo I daquele RA, mostram que, como ali, se está na fase inicial, perfeitamente liminar, dessa acção.
A justificação do recurso até à Relação em qualquer caso estabelecida no artigo 475º, nº 2, do CPC, radica no objectivo de controle de toda a decisão que liminarmente inviabilize o florescimento de uma causa.[6]  E este objectivo faz igualmente sentido na acção declarativa transmutada por ocasião da satisfação inicial das obrigações tributárias, em particular, do autor.
Naturalmente que, dada a especificidade da situação, se trata de um regime que lhe tem de ser devidamente adaptado; não é a secretaria a receber ou não a petição, que já supõe o pagamento da taxa, mas de outro modo a distribuição e – apenas – a subsequente notificação, de que se conta o prazo para aquele cumprimento. Por isso se percebe que, ao invés dali, seja ao próprio juiz que logo caiba apreciar o caso que se apresente e decidir em conformidade, na hipótese de omissão do pagamento devido.
Em suma, nos parece que, para a hipótese do procedimento de injunção, e no caso de este se ver transmutado em acção declarativa especial, a decisão do juiz que julgue extinta a instância por causa da omissão pelo autor do pagamento da taxa de justiça devida deva ser sempre passível de recurso até à Relação, mesmo que o valor da causa seja inferior ao da alçada da primeira instância e por aplicação do princípio emergente do artigo 475º, nº 2, do CPC.

4. E é esse o caso dos autos.
O valor da acção é o de 971,88 €; e o juiz absolveu a ré da instância por entender não haver o autor procedido ao pagamento da taxa de justiça devida.
Esta decisão é portanto, nos termos expostos, passível de apelação; que subirá nos próprios autos e com efeito devolutivo (artigos 691º-A, nº 1, alínea a), e 692º, nº 1, do Código de Processo Civil).

5. As custas da reclamação são da responsabilidade da reclamada, que decaiu (artigo 446º, nº 1 e nº 2, do CPC).[7]

            6. Síntese conclusiva.
            É a seguinte a síntese conclusiva que pode ser feita, a propósito do que fica de essencial quanto ao mérito da presente reclamação:

            I – A acção declarativa transmutada do procedimento de injunção carece, para poder ter seguimento, do pagamento de taxa de justiça pelo autor, no prazo de 10 dias, a contar da distribuição (artigo 7º, nº 4, do RCP);
            II – O despacho do juiz que julgue extinta a instância, por omissão desse pagamento, é sempre passível de recurso até à Relação, por aplicação devidamente adaptada da regra que emerge do artigo 475º, nº 2, do CPC.


III – Decisão
           
            Pelo exposto, e se bem que por razões distintas daquelas que constam da motivação do reclamante, decide-se julgar procedente a reclamação e, em consequência:
            Revogar o despacho reclamado;
            Substitui-lo por outro que receba liminarmente o recurso de apelação interposto da decisão proferida que, na acção declarativa transmutada, ordenou o desentranhamento da peça processual do autor e julgou extinta a instância;
            Fixar ao recurso o modo de subida nos próprios autos e o efeito devolutivo.
xxx
            Custas a cargo da reclamada.
xxx
            Notifique-se.
            E, oportunamente, requisite-se o processo principal à primeira instância (artigo 688º, nº 6, do Código de Processo Civil).

Lisboa, 28 de Outubro de 2010

Luis Filipe Brites Lameiras
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[1] Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes, “Código de Processo Civil anotado”, volume 3º, tomo 1, 2ª edição, página 79, e Armindo Ribeiro Mendes, “Recursos em Processo Civil (reforma de 2007)”, página 125.
[2] António Abrantes Geraldes, “Recursos em processo civil (novo regime)”, 2ª edição, página 178.
[3] Salvador da Costa, “A injunção e as conexas acção e execução”, 6ª edição, página 270
[4] Acórdãos da Relação do Porto de 7 de Novembro de 2005, proc.º n.º 0554986, e da Relação de Lisboa de 20 de Abril de 2010, proc.º n.º 208271/08, ambos em www.dgsi.pt. Ainda, Salvador da Costa, obra citada, página 297.
[5] No sentido de que a injunção é um procedimento a-jurisdicional realizado no quadro de um serviço público que colabora na formação de um determinado título executivo à semelhança de um notário, se pronuncia Maria Rita Moniz, “Notas teórico-práticas em torno do regime jurídico da injunção” in Revista da Ordem dos Advogados, ano 61 (Janeiro de 2001), página 445.
[6] A razão de ser desta excepção ao limite geral do artigo 678º, nº 1, é poder estar em causa uma denegação básica de justiça (Lebre de Freitas, Montalvão Machado, Rui Pinto, “Código de Processo Civil anotado”, volume 2º, 2001, página 249).
[7] Não se encontra no Regulamento das Custas Processuais normativo semelhante àquele que, no precedente Código das Custas, constava do artigo 2º, nº 1, alínea g).