Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | SANDRA FERREIRA | ||
Descritores: | EXCECIONAL COMPLEXIDADE FUNDAMENTAÇÃO CRIMINALIDADE ALTAMENTE ORGANIZADA PRAZO DA PRISÃO PREVENTIVA | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/18/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | (da responsabilidade da relatora): I - O prazo supletivo estabelecido no art. 105º, nº 1 do Código de Processo Penal, não pode ser entendido como um prazo mínimo intransponível, admitindo-se a fixação judicial de prazo inferior desde que este permita o efetivo exercício do contraditório. II - Não padece de irregularidade o despacho que notifica os arguidos e o Ministério Público para em 5 dias exercerem o contraditório quanto à intenção de oficiosamente declarar a excecional complexidade dos autos, quando nesse despacho são desde logo dadas a conhecer as razões que fundamentam essa opção, pois que, atenta a natureza urgente dos autos, tal prazo é proporcional e adequado e não inviabiliza ou coarta o exercício do contraditório, que acabou por ser exercido, já que o arguido, apesar de arguir a irregularidade do prazo concedido, não deixou de se pronunciar sobre a referida excecional complexidade. III - A fundamentação de um ato decisório deve estar devidamente exteriorizada no respetivo texto, de modo que se perceba qual o seu sentido, designadamente os factos que acolheu e a interpretação do direito que perfilhou, permitindo o seu controlo. IV - O despacho que declarou a excecional complexidade dos autos é claro e objetivo e contém as razões de facto e de direito que suportam a decisão tomada, cumprindo, assim, o dever de fundamentação que é imposto pelo art. 205º da Constituição da República Portuguesa e 97º, nº 5 do Código de Processo Penal. V - Estando perante criminalidade altamente organizada, nos termos do disposto no art. 1º, al. m) do Código de Processo Penal, perante oito arguidos, três dos quais com necessidade de intervenção de intérprete e tradutor, vasta documentação, incluindo transcrição de escutas telefónicas, documentação bancária e outra, e considerando o número de sessões da audiência de julgamento e a existência de intensa atividade processual resultante dos diversos recursos e incidentes que vêm sendo suscitados - que embora no uso de direitos consagrados não deixam de adensar a complexidade dos autos -, não há que censurar a declaração de excecional complexidade, nos termos do disposto no art. 215º, nº 3 do Código de Processo Penal, efetuada pelo Tribunal a quo. VI - O alargamento dos prazos de prisão preventiva por efeito da declaração da “excecional complexidade” do processo, não viola o preceituado nos arts. 18º, 27º, 28º e 32º da CRP, já que devendo os arguidos ser julgados no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa, tal não pode ser feito a qualquer custo, nomeadamente sacrificando a boa realização da justiça, sobretudo, quando a complexidade decorre de uma exclusiva ponderação sobre a real atividade processual verificada. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: I- RELATÓRIO No âmbito do Processo comum coletivo nº 419/22.6JELSB que corre termos Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 11, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa pelo Mmº Juiz foi proferido a 20.09.2023 o seguinte despacho [transcrição]: “(…) Por despacho datado de 05.09.2023 e com os fundamentos no mesmo aduzidos, foi operado o contraditório ao Ministério Público e aos arguidos, a que alude o artigo 215º, nº 4, do Código de Processo Penal, atinente à declaração da excecional complexidade dos presentes autos. Apenas o Ministério Público e os arguidos AA e BB vieram tomar posição, o primeiro declarando nada a ter a opor, enquanto que os referidos arguidos, ao invés, deduziram oposição, tudo conforme consta respetivamente sob as referências 428360499, 37008311 e 37020601, que se dão por reproduzidas. Apreciando. Os presentes autos são compostos, neste momento, por doze volumes (mais de 3400 páginas) e sete apensos (entre os quais, transcrições telefónicas e informações bancárias, assim como uma carta rogatória das autoridades judiciárias do ...), tendo a acusação, constituída por 576 artigos, sido deduzida contra oito arguidos, sendo que sete deles estão sujeitos à medida de coação de prisão preventiva. Em causa, segundo descrito na acusação, encontra-se desde logo a imputação do crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21º, nº 1, e 24º, alínea c), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro, bem como do crime de associação criminosa a que respeita o artigo 28º, desse mesmo diploma legal, num quadro factual de âmbito internacional, em que o produto estupefaciente (cocaína) veio remetido do ... para ..., dissimulado no interior de pacotes de café, num total de 881 embalagens, com o peso líquido global de 220.972 (duzentas e vinte mil novecentas e setenta e duas) gramas, a envolver a articulação de alguns dos arguidos com várias sociedades na expedição e receção dessa mercadoria, sendo que alguns arguidos já se encontravam em ... e outros que aqui se deslocaram para receber a mercadoria, naturais e nacionais da .... Acresce que, no âmbito da atuação entre os próprios coarguidos, está ainda em causa o crime de rapto, previsto e punido pelo artigo 161º, nº 1, alínea c), e nº 2, alínea a), por referência à alínea a), do nº 2, do artigo 158º, ambos do Código Penal, o crime de sequestro, previsto e punido pelo artigo 158º, nº 1, do Código Penal, e o crime de coação agravada, previsto e punido pelos artigos 154º, e 155º, nº 1, alínea a), do Código Penal. E, por outro lado, resulta imputado a alguns dos arguidos o crime de acesso ilegítimo, previsto e punido pelo artigo 6º, da Lei 109/2009, de 15 de setembro, e o crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1, alínea d), da Lei nº 5/2006, de 23 de fevereiro. Ressalta-se, ainda, que três dos arguidos presos preventivamente, naturais e nacionais da ..., não dominam a língua portuguesa, a implicar que se mantenha a nomeação de intérprete em língua sérvia no decurso do julgamento, o que importa, olhando a situações similares, maiores delongas no decurso das sessões de julgamento. Por outro lado, cotejando os elementos probatórios apresentados, desde logo pelo Ministério Público, temos como indubitável a extensão documental dos autos, mormente decorrente do apenso das transcrições telefónicas e dos dois volumes do apenso das informações bancárias, bem como do apenso recentemente criado e respeitante à carta rogatória recebida das autoridades judiciárias do ... já depois de produzida a acusação (apenso CR, com 372 páginas), estando ainda protestado juntar pelo Ministério Público os relatórios de exame dos equipamentos telefónicos apreendidos aos arguidos (estando em causa dezasseis telemóveis e um tablet, melhor identificados no termo de entrega de fls. 2564), o que em situações similares ocorridas noutros processos, mesmo que de natureza urgente, têm importado consideradas demoras na obtenção de uma resposta da parte da Unidade de Perícia Tecnológica e Informática da Polícia Judiciária, desde logo, pelos mecanismos técnicos que, regra geral, se impõem operar para aceder às informações contidas nesses equipamentos, através da necessidade de desbloqueio de códigos de segurança, a par do subsequente tratamento dos dados que serão recolhidos, os quais, em alguns desses equipamentos, estarão indubitavelmente em língua estrangeira. Em relação aos róis de testemunhas, ascendendo até ao presente a cerca de 20 (vinte) testemunhas, urge não olvidar que aquelas mencionadas como órgãos de polícia criminal terão necessariamente conhecimento da extensa factualidade que vem imputada aos arguidos, mormente quanto aos trajetos que seguiram e contactos mantidos entre si. Ora, tendo em conta o referido circunstancialismo, com evidentes reflexos na complexidade dos presentes autos, é de antever, nesta fase de julgamento, a delonga na produção de todos os meios probatórios (em particular das perícias a equipamentos telefónicos – sendo, frise-se, dezasseis os telemóveis – que ainda não estão realizadas), sem olvidar as demais diligências/julgamentos de natureza urgente já anteriormente agendadas, presididas pelo signatário, pelo que se justifica plenamente a declaração da excecional complexidade do processo, nos termos do artigo 215º, nºs. 3 e 4, do Código de Processo Penal. Assim, de harmonia com todo o exposto, declara-se a excecional complexidade dos presentes autos. Notifique.” * I.2 Recurso da decisão que declarou a excecional complexidade dos autos Inconformados com tal decisão, dela interpuseram recurso os arguidos CC, DD e EE, BB e AA para este Tribunal da Relação, com os fundamentos expressos nas respetivas motivações, das quais extraíram as seguintes conclusões [transcrição]: I.2.1 – Recurso dos arguidos CC, DD e EE “CONCLUSÕES: 1. 1. O artigo 215º, nº3 não define o conceito de excecional complexidade do procedimento. Deixando, antes, ao julgador como que uma “clausula geral” em jeito de orientação para o preenchimento desse conceito. Esta “clausula geral” deverá ser preenchida através de uma avaliação casuística, mais criteriosa à luz dos princípios penais, designadamente do princípio da legalidade; 2. Importa, desde já, deixar bem claro que não bastam a existência de especiais dificuldades; exige-se que as dificuldades sejam especialmente acrescidas; 3. Não se invoca o caracter altamente organizado do crime, e não se explicita a sua relação com a necessidade de declarar o processo de excecional complexidade; 4. A narrativa fáctica da pronúncia deixa antever que estamos perante transporte de produto estupefaciente da ... para .... Não vislumbramos que este caso ultrapasse a dificuldade normal dos casos de importação de cocaína dos países da .... O modus operandi aqui caracterizado não foge ao que é comum ver-se neste tipo de ilícito. Ora, não pode tornar- se em especial, muito menos em excecional, aquilo que não foge ao rito comum deste tipo de transportes; 5. A especial complexidade dos autos não depende da quantidade de folhas e de apensos, como flui da jurisprudência; 6. O despacho incorre num erro de interpretação da lei. As dificuldades do processo – muitos volumes e muitos apensos – não se confundem com as dificuldades dos procedimentos que se prendem, fundamentalmente, com a intensidade dos meios de prova e sua deslocalização. Impressivamente decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa (5.4.11), “III. O juízo sobre a complexidade assume-se, assim, como juízo prudencial, de razoabilidade, de critério da justa medida na apreciação e avaliação das dificuldades suscitadas pelo procedimento. Mas, dificuldades do procedimento e não estritamente do processo; as questões de interpretação e de aplicação da lei, por mais intensas e complexas, não atingem a noção.” 7. É que os 12 volumes e os cerca de 7 apensos não vão ser analisados em julgamento; 8. Contrariamente ao argumentado no douto despacho por muitas dificuldades que a aplicação dos factos ao direito os autos suscitem, tal circunstância em nada releva para a verificação da excecional complexidade do processo, conforme, de resto, conforme jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça. 9. A que acresce, não poder ser imposto à liberdade dos arguidos, a falta de meios ou excesso de processos em fase de julgamento no tribunal central criminal de lisboa. Violou-se: - O artigo 28º da CRP; - O artigo 215º nº3 e nº4 do CPP. Nestes termos e demais de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso com todas as consequências legais. V. EXAS FARÃO CONTUDO MELHOR JUSTIÇA!” * I.2.2 – Recurso do arguido AA Extraiu este arguido da sua motivação as seguintes conclusões [transcrição]: “EM CONCLUSÃO I - Os despachos proferidos pelo Tribunal a quo em 20/09/2023 e 03/10/2023 padecem de Nulidades ou Irregularidades. II -Confrontado com o despacho de 05/09/2023 o Recorrente suscitou a Irregularidade do mesmo, o que fez, nos termos do artigo 107º. A do C.P.P., no segundo dia útil com multa. III - O Tribunal a quo considerou o requerimento de Arguição de Irregularidade extemporâneo e, em consequência não se pronunciou sobre o mesmo. IV - Estipula o Artigo 139º do C.P.C., n.º 6, do C.P.C., aplicável nos termos do artigo 107º-A do C.P.P., que: “Praticado o ato em qualquer dos três dias úteis seguintes sem ter sido paga imediatamente a multa devida, logo que a falta seja verificada, a secretaria, independentemente de despacho, notifica o interessado para pagar a multa, acrescida de uma penalização de 25% do valor da multa, desde que se trate de ato praticado por mandatário.” V - Tendo o Tribunal a quo constatado, como tinha que constatar, que o mandatário do Arguido remeteu o seu requerimento, onde suscita irregularidades, no 2º dia útil posterior ao termo do prazo, deveria ter imediatamente determinado que a secretaria liquidasse a respetiva multa para pagamento e só após constatar que esta não foi liquidada deveria ter considerado extemporânea a irregularidade suscitada. VI - Assim, ao ter, sem mais, considerado extemporânea a irregularidade invocada, o Tribunal a quo violou os artigos 107ºA do C.P.P. e 139º, n.º 6 do C.P.C., cometendo assim, pelo menos, uma Irregularidade prevista no artigo 123º do C.P.P., a qual foi invocada em tempo. VII - O despacho de 20/09/2023, que decidiu pela extemporaneidade do requerimento apresentado pelo Arguido e, em consequência, decidiu a declaração de excecional complexidade dos autos é Irregular, com as legais consequências. Mas mais, VIII - Se analisarmos o despacho de 05/09/2023 e o despacho de 20/09/2023 constatamos que, aquilo que se escreveu num e noutro, é exatamente o mesmo, com uma diferença, em 05/09/2023 o Tribunal a quo pretendia declarar o processo de especial complexidade e em 20/09/2023 declarou o processo de excecional complexidade. IX - O Arguido pensando que o Tribunal, efetivamente, o pretendia ouvir sobre esta matéria (infelizmente não tinha qualquer interesse nisso), apesar do curto e ilegal prazo que lhe foi concedido para o efeito, em 9 (nove) humildes páginas tentou esgrimir alguns argumentos onde defendeu que mesmo que o processo se considerasse de especial complexidade nunca poderia ser considerado de excecional complexidade. X - O Tribunal a quo tinha já a sua decisão tomada e a audição do Arguido não passava de uma impertinente obrigação processual. E, por isso, sobre os argumentos esgrimidos pela defesa do AA, o Tribunal a quo não escreveu uma única palavra. XI - O Tribunal a quo limitou-se a reproduzir, integralmente, em 20/09/2023, o despacho que tinha proferido em 05/09/2023. XII - O Tribunal a quo não especificou quais os concretos factos que lhe permitiram declarar o processo de excecional complexidade, mas mais, não se pronunciou sobre nenhuma das concretas questões colocadas pelo Arguido no seu requerimento de 18/09/2023, sendo certo que, aparentemente, nessa parte o mesmo não seria “extemporâneo”. XIII - Assim, mostra-se, também, por este motivo, o referido despacho ferido, senão de Nulidade por falta de fundamentação, nos termos do artigo 379º do C.P.P., pelo menos, de irregularidade, nos termos do artigo 123º do C.P.C., a qual foi arguida em devido tempo. XIV - Como tem vindo a revelar-se, na prática jurídica, a declaração de excecional complexidade mais não serve do que um formalismo para sujeitar os Arguidos à medida de coação de prisão preventiva por longos períodos de tempo, no caso sub judice isso é por demais evidente basta atender no seguinte: - No dia 24/07/2023 teve lugar o Debate Instrutório; - Atenta a simplicidade das matérias em apreciação nos presentes autos, a Senhora Juíza de Instrução, no próprio dia, proferiu a sua Decisão Instrutória, por simples requerimento para a ata; - No dia 28/07/2023 foi proferido despacho nos termos do artigo 311º do C.P.P.; - No dia 01/08/2023 foram os Arguidos notificados para apresentarem as respetivas contestações; - No dia 24/08/2023, o Arguido GG apresentou a sua Contestação oferecendo o Merecimento dos autos e arrolou 4 (quatro) testemunhas; - No dia 14/09/2023, o BB, apresentou a sua Contestação, oferecendo o merecimento dos autos e arrolou 2 (duas) testemunhas; - Nenhum dos outros 6 (seis) arguidos apresentou contestação ou arrolou testemunhas. - No dia 20/09/2023 o Tribunal a quo profere despacho declarando os presentes autos de Excecional Complexidade!!! - No dia 03/10/2023 designa para audiência de discussão e julgamento os dias 29 de novembro, 06, 13 e 20 de dezembro de 2023. XV - O despacho proferido pelo Tribunal a quo limita-se a tecer vagas e obscuras considerações genéricas, que caberiam em um qualquer procedimento, sem que exista uma verdadeira fundamentação, de facto e com factos, que justificam a dita excecional complexidade. XVI - A existência de 8 (oito) arguidos nunca se poderá considerar excecional, é, aliás, comum nos nossos tribunais existirem processos com mais de uma dezena de arguidos e, nem por isso lhes é atribuído o caráter de Excecionais. XVII - O facto de três desses Arguidos falarem FF, não acrescenta, em si, qualquer excecional complexidade, será necessário apenas um único tradutor / intérprete. XVIII - Apesar do número de volumes se atendermos ao que consta dos mesmos constatamos que, mais de 70% (setenta por cento) do que aí se encontra, é completamente inócuo. Os volumes são constituídos por cópias sistemáticas de ofícios e diligências que se vão copiando de uns volumes para os outros… XIX - Os volumes de escutas telefónicas não assumem uma dimensão significativa e sobre a matéria com interesse para os presentes autos, não encontramos nos mesmos qualquer relevância, desde logo porque as escutas que aí constam estavam a ser realizadas no âmbito de um processo de contrabando de tabaco. XX - O tipo de crime em investigação nos presentes autos integra o catálogo da considerada “criminalidade altamente organizada” (alínea m) do artigo 1.º do CPP), pelo que, os prazos de duração máxima da prisão preventiva, previstos no n.º 1 do artigo 215.º do CPP, são automaticamente elevados, conforme consta do n.º 2 do artigo 215.º do CPP. XXI - Estamos, portanto, perante crimes que pela sua natureza impõem já uma agravação dos prazos máximos de prisão preventiva. XXII - Como é do conhecimento público, em todos os processos em que está em causa o tráfico, nomeadamente, de cocaína, está implícito um caracter transnacional, pois que, tal droga é cultivada e produzida fora do território nacional. XXIII A Acusação Romanceada que é apresentada, circunscreve-se a factos ocorridos num curto período temporal. XXIV - No caso sub judice não está em causa a investigação de crimes de natureza financeira ou de igual similitude que envolvam a análise de vasta documentação. Se existem crimes onde a prova documental é irrisória os presentes autos são um exemplo disso… XXV - Os Arguidos que apresentaram contestação ofereceram o merecimento dos autos… XXVI - A prova testemunhal indicada pelo Ministério Público, 17 testemunhas, não ultrapassa sequer o número indicado no artigo 283º, n.º 7 do C.P.P… XXVII - Não tendo, aparentemente, o Tribunal conhecimento daquilo que as testemunhas sabem ou não sobre os factos em investigação nos presentes autos, pela análise dos mesmos, sempre podemos concluir que, atenta a reduzida investigação efetuada e os concretos factos investigados, nunca terão um conhecimento direto muito extenso… XXVIII - Aliás, é incompreensível e injustificável, que faltando cerca de sete meses para os Arguidos atingirem o prazo máximo de prisão preventiva, pretenda, desde já, oficiosamente, o Tribunal a quo, prolongar essa mesma prisão preventiva, situação que entende o Arguido é suscetível de gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade. XXIX - É, pois, manifesto que não estamos perante um procedimento excecional, do ponto de vista da sua complexidade, quer quanto aos factos em si, quer quanto ao número de arguidos, dispersão geográfica, fluxos financeiros, prova testemunhal, cruzamentos de dados e procedimentos transfronteiriços a realizar. Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. mui doutamente suprirão deve o presente Recurso obter integral provimento. Assim, decidindo farão V.Exas. a esperada JUSTIÇA!” * I.2.3 – Recurso do arguido BB Extraiu este arguido da sua motivação as seguintes conclusões [transcrição]: “CONCLUSÕES 1.ª O presente recurso versa sobre o Despacho de 20SET2023 (ref.ª 428705535), o qual decide declarar a excepcional complexidade dos presentes autos. 2.ª Em face dos concretos elementos objectivos que são ciência dos autos, impõe-se decisão diversa porquanto se constata: A) – Vício por falta de verificação dos pressupostos subjacentes à declaração de excepcional complexidade e violação dos art.ºs 215º n.ºs 1, 2 e 3, 218º n.º 2 do CPP, bem como as normas dos art.ºs 18º n.ºs 2 e 3, 27º n.º 1, 32º n.ºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e art.º 6º n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH). B) – Vício por falta de verificação dos pressupostos subjacentes à declaração de excepcional complexidade e violação dos art.ºs 215º n.ºs 1, 2 e 3, 218º n.º 2 do CPP, bem como as normas dos art.ºs 18º n.ºs 2 e 3, 27º n.º 1, 32º n.ºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e art.º 6º n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH). – 3.ª Não existe qualquer especial complexidade e o Despacho recorrido enferma de vício por falta de verificação dos pressupostos subjacentes à declaração de excepcional complexidade e violação dos art.ºs 215º n.ºs 1, 2 e 3, 218º n.º 2 do CPP, bem como as normas dos art.ºs 18º n.ºs 2 e 3, 27º n.º 1, 32º n.ºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e art.º 6º n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH). 4.ª Os pressupostos que devem estar subjacentes à declaração de excepcional complexidade não têm adesão nem paralelo correspondente válido no Despacho recorrido. 5.ª O Despacho recorrido, sem a validade legal do seu lado, apenas permite e acarreta, necessariamente, períodos de prisão preventiva mais extensos. 6.ª Os autos tiveram o seu início com uma “Comunicação de Notícia do Crime” em 7OUT2023 (vd. fls. 1 e ss dos autos). 7.ª Volvidos 9 (nove) dias, ou seja, em 16OUT2023, o Recorrente foi detido e constituído arguido nos autos. 8.ª Antes de decorridos integralmente 6 (seis) meses de inquérito, ou seja, em 14ABR2023, o MºPº deduziu Acusação contra o aqui Recorrente, de entre outros acusados. 9.ª Pelo que, o objecto processual dos presentes autos foi cristalizado com o Despacho que encerrou inquérito e deduziu acusação contra os Arguidos. 10.ª Durante a fase de inquérito, o MºPº, dominus da acção penal, investigou como melhor lhe aprouve e teve por mais adequado e conveniente, não tendo demonstrado, em momento algum, carecer de mais tempo para apurar os factos que tinha por pertinentes e bem assim, formular a acusação que teve por adequada e nos termos que entendeu. 11.ª Ou seja, os autos não exibiram (como continuam a não exibir) qualquer indício de que o MºPº tivesse, por alguma forma, manifestado que os autos revestissem excepcional complexidade. 12.ª No prazo legal cominado para o encerramento do inquérito (art.º 276º CPP), o MºPº formulou o libelo acusatório que teve por mais acertado, designadamente, imputando aos diferentes arguidos crimes de tráfico de estupefacientes, associação criminosa, rapto, sequestro, coacção agravada, acesso ilegítimo, detenção de arma proibida. 13.ª Os autos, já com o seu objecto cristalizado, prosseguiram para a fase de instrução, na qual, como já anteriormente ficou suscitado e demonstrado nos autos (matéria que está em apreciação no recurso interposto para o TRL), o BB não teve oportunidade nem lhe foi permitido ser assistido pelo Mandatário que constituíra. 14.ª Segundo foi possível apurar apenas em momento posterior ao termo da fase de instrução (dado que o Tribunal de Instrução não convocou o Mandatário do Arguido para a referida fase), conhecimento que adveio do teor da notificação datada de 22AGO2023 (dirigida ao Mandatário do Arguido/Recorrente – já os autos se encontravam na fase de julgamento!), os autos haviam sido remetidos para instrução em 23MAI2023. 15ª A instrução fora declarada aberta nos autos e o debate instrutório teve lugar no dia 24JUL2023. E o Despacho de Pronúncia foi proferido no mesmo dia 24JUL2023. 16.ª Também nesta fase processual, do que resulta dos autos, não parece que se tivesse suscitado qualquer dúvida ou questão acerca da excepcional complexidade dos autos. 17.ª E, de imediato, em 25JUL2023, os autos foram distribuídos ao Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 11, e três dias volvidos, i.é, em 28JUL2023, o Tribunal a quo profere Despacho (ref.ª 427819412) recebendo a acusação e ordenando as notificações para efeitos dos art.ºs 311º-A e 311º-B do CPP. 18.ª Os autos foram tramitados com tal celeridade e agilidade, sem qualquer complexidade, que nem houve tempo nem necessidade de notificar o Mandatário do Arguido/Recorrente da abertura da fase de instrução e nem houve necessidade de o notificar para participar, como é lei, no debate instrutório. 19.ª Ademais, sobre o concreto estado do processo, nos autos, vieram a ser atravessadas contestações dos arguidos: em 02AGO2023, Contestação dos Arguidos CC, DD e EE, que numa singela página, oferece o merecimento dos autos, e faz suas as 17 testemunhas arroladas pelo MºPº. 20.ª E 15AGO2023, ficou suscitado nos autos nulidade (Requerimento do Arguido/Recorrente ref.ª 36770792) posto que os autos haviam sido tramitados com tamanha celeridade e agilidade, que se preteriram normas legais imperativas, nomeadamente, a presença do Mandatário do Arguido aqui Recorrente, para o debate instrutório. 21.ª O Tribunal a quo dá-se conta da omissão. Sem embargo, indefere a nulidade suscitada nos autos e ordena, então, a notificação ao Mandatário do Arguido/Recorrente para efeitos dos art.ºs 311º-A e 311º-B do CPP, em 22AGO2023 (ref.ª 428131626). 22.ª Em 24AGO2023, nova Contestação, agora pela mão do arguido GG, oferecendo o merecimento dos autos e arrolando 4 (quatro!) testemunhas. 23.ª Em 14SET2023, Contestação do BB (aqui Recorrente), oferecendo o merecimento dos autos, relegando a defesa para julgamento, fazendo suas as 17 testemunhas arroladas pelo MºPº, e arrolando 2 (duas!) testemunhas. 24.ª Pelo que, não tivesse sido o vício de nulidade insanável suscitado nos autos, e verifica-se que os mesmos tiveram o seu curso normal, sem que viesse à liça qualquer indício ou marca de excepcional complexidade. 25.ª E tanto mais assim é que, no corrente mês de OUT2023, mais concretamente, em 03OUT2023, o Tribunal a quo profere despacho (ref.ª 429100637) designando as datas para realização do julgamento já a partir de NOV2023. 26.ª O Tribunal a quo procedeu ao agendamento nos seguintes termos: . 29NOV2023, 09h15 – identificação e tomada de declarações aos arguidos (caso estes pretendam prestá-las); . 06DEZ2023, 09h15 – continuação da tomada de declarações aos arguidos e inquirição das testemunhas indicadas de 1. e 2. do rol apresentado pelo Ministério Público, com eventual continuação pelas 13h45; . 13DEZ2023, 09h15 – inquirição das testemunhas indicadas de 3. a 6. do rol apresentado pelo Ministério Público; . 20DEZ2023, pelas 09h15 – inquirição das testemunhas indicadas de 7. a 10. do rol apresentado pelo Ministério Público; e pelas 13h45 – audição das testemunhas de 11. A 17. do rol apresentado pelo Ministério Público. 27.ª Restando, portanto, a inquirição das 2 testemunhas de defesa arroladas pelo Arguido/Recorrente e das outras 4 testemunhas arroladas pelo arguido GG. 28.ª Como bem se verifica, não foi nem o quadro factual recortado nem a qualificação jurídica que imprimiu ou trouxe à colação a excepcional complexidade dos autos. 29.ª E não deixa de ser manifestamente contraditório por um lado, a projecção do agendamento levado a cabo pelo Tribunal a quo, que em 4 dias, no espaço de 3 semanas produzirá praticamente toda a prova da acusação, e por outro lado, o argumento adiantado no Despacho recorrido de que “os órgãos de polícia criminal terão necessariamente conhecimento de extensa factualidade que vem imputada aos arguidos”, como forma de defender a excepcional complexidade. 30.ª A declaração de excepcional complexidade não opera ope legis, ou seja, não é pelo facto de o objecto do processo versar sobre os crimes de catálogo que a excepcional complexidade é automaticamente accionada. 31.ª A apreciação não é nem pode ser meramente formalista, exigindo-se uma apreciação judicial casuística. 32.ª No caso sub iudice, os autos correram os respectivos termos na fase de inquérito e de instrução com a normalidade processual que se lhe vê. Nunca se mostraram de excepcional complexidade: nem pelo recorte factual formulado pelo MºPº na acusação, nem pela qualificação jurídica, nem pelo JIC, no despacho de pronúncia. 33.ª E da transição da instrução para a fase de julgamento, nenhuma circunstância ou ocorrência se verificou que venha agora imprimir aos autos o carácter de excepcional complexidade. 34.ª Ou seja, a imagem global que vinha da fase de inquérito e da fase de instrução não se alterou e nenhuma ênfase se colocou nem destacou nos autos. 35.ª E tanto assim mais é, que o próprio Tribunal a quo que, pela sua clara e indesmentível previsão, calendariza o agendamento do julgamento, com previsão de produção de toda a prova da acusação, em 3 manhãs de três dias e mais um dia (de manhã e de tarde). 36.ª Fica bem evidente que a declaração de excepcional complexidade apenas visará estender os prazos máximos da prisão preventiva. Nenhuma outra razão se apresenta válida. 37.ª O processo que era, continua a sê-lo. Sem alteração. E menos ainda de natureza processual ou substancial. 38.ª Pelo que, a declaração de excepcional complexidade mostra-se arbitrária e ilegal, visando exclusivamente dar uma alegada e aparente cobertura para estender os prazos máximos de prisão preventiva. 39.ª Não colhe a linha de argumentação de que três dos arguidos presos preventivamente são estrangeiros e que, portanto, carecem de intérprete no decurso do julgamento. Como também falecem os argumentos sustentados na pretensa extensão dos elementos probatórios apresentados pelo MºPº na acusação e no número de testemunhas arroladas. 40.ª Afinal, é pela mão do próprio Tribunal a quo que resulta a previsão da produção de prova em pouco mais de 3 manhãs de três dias e mais um dia (de manhã e de tarde). Tudo a realizar ainda antes das férias judiciais do Natal de 2023. 41.ª E o facto de 3 dos arguidos presos preventivamente serem estrangeiros e carecerem de interprete, já existia na fase de inquérito e de instrução. 42.ª E não foi daí que adveio qualquer excepcional complexidade. Trata-se, aliás, de uma circunstância com verificação frequente nos julgamentos que os tribunais portugueses vêm realizando: julgamento de estrangeiros, em que se exige e necessita de intérprete. 43.ª O acervo documental que vem elencado na acusação do MºPº foi reunido no inquérito e para a sua análise não resulta que tivesse decorrido qualquer excepcional complexidade. 44.ª Que também não adveio na fase de instrução, onde tiveram que ser analisados e escrutinados o mesmo recorte factual e os mesmos elementos probatórios constantes dos autos. 45.ª O julgamento e a produção de prova ainda não começou. Pelo que, não se compreende de onde resulta para o Tribunal que “os órgãos de polícia criminal terão necessariamente conhecimento de extensa factualidade que vem imputada aos arguidos”. (sublinhado nosso) 46.ª Não tendo a produção de prova tido início, como ou de onde resulta que os OPC terão necessariamente extenso conhecimento da factualidade imputada aos arguidos? 47.ª Tal asserção apenas poderá derivar de um préjuízo acerca da culpabilidade do Arguido e de um juízo condenatório antecipado. O que não tem qualquer respaldo legal. 48.ª No todo e em qualquer circunstância, é de recordar que o Tribunal a quo prevê realizar a produção de toda a prova da acusação em 3 manhãs de três dias e mais um dia (de manhã e de tarde) no espaço de 3 semanas. 49.ª Não colhe, por falta de fundamento legal, o argumento exarado no Despacho de 05SET2023 (ref.ª 428283356) consubstanciado “(n)as demais diligências/julgamentos de natureza urgente já anteriormente agendadas, presididas pelo signatário”. 50.ª A excepcional complexidade de um processo não se mede pelo maior ou menor número de outros processos urgentes que também estejam a ser julgados. 51.ª Fosse assim, e todos os processos-crime teriam de ser declarados de excepcional complexidade, atendendo aos atrasos na/da Justiça tão propaladamente divulgados e do conhecimento público. 52.ª O objecto do processo foi fixado e cristalizado com a dedução da acusação, totalmente despojado de qualquer complexidade. Prosseguiu o curso legal normal, mantendo-se assim e sem qualquer alteração, na fase de instrução. E nenhuma alteração ocorreu que modificasse esta realidade processual na transição para a fase de julgamento. 53.ª No caso sub iudice, não se coloca a questão da impossibilidade de cumprimento dos prazos legais, porquanto é o próprio Tribunal a quo que prevê que o julgamento ficará com toda a prova da acusação produzida em 3 manhãs de 3 dias e mais um dia (manhã e tarde), no espaço de 3 semanas. 54.ª De referir também, que a inquirição de 6 testemunhas de defesa não é expectável e não configura complexidade anormal do processo, o mesmo sucedendo com a apresentação das contestações dos arguidos que a apresentaram, e que, em suma, oferecem, todas, o merecimento dos autos. 55.ª Em suma, o processo que era, continua a sê-lo. Sem alterações. E menos ainda de natureza processual ou substancial. 56.ª A imagem global que vinha da fase de inquérito e da fase de instrução não se alterou e nenhuma ênfase se colocou nem destacou nos autos. 57.ª Nenhuma imagem global se erige que imponha um especial relevo e, portanto, uma qualificação de especial ou excepcional. 58.ª A declaração de excepcional complexidade acarreta, no presente caso, unicamente, períodos de prisão preventiva mais extensos. 59.ª O Despacho recorrido enferma de vício por falta de verificação dos pressupostos subjacentes à declaração de excepcional complexidade e violação dos art.ºs 215º n.ºs 1, 2 e 3, 218º n.º 2 do CPP bem como as normas dos art.ºs 18º n.ºs 2 e 3, 27º n.º 1 e 32º n.ºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e art.º 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH). **** Assim, por tudo quanto se elaborou, que é a Motivação, os fundamentos e as Conclusões do presente Recurso do Aresto de 20SET2023, E sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., Deve ser concedido provimento ao Recurso interposto pelo ora Arguido Recorrente BB, nos exactos termos apresentados na Motivação e Conclusões de Recurso e, em consequência, A) Proceder-se à reparação dos vícios indicados e escalpelizados na Motivação e Conclusões, revogando-se, consequentemente, o Despacho que declarou a excepcional complexidade dos autos. Ao assim decidir, fará este Venerando Tribunal a devida e tão esperada JUSTIÇA!”. *** O arguido AA interpôs ainda recurso dos despachos proferidos nos autos a 20.10.2023 e 26.10.2023, concernentes à incompetência territorial suscitada. *** Os recursos foram admitidos nos termos dos despachos proferidos a 02.11.2023. * I.2.4 Resposta ao recurso Efetuada a legal notificação, a Ex.mª Procuradora da República junto da 1.ª instância respondeu aos recursos interpostos pelos arguidos, pugnando pela sua improcedência, apresentando as seguintes conclusões [transcrição]: “Conclusões: Do expendido podem retirar-se as seguintes conclusões: I. Os Arguidos CC, DD, EE, AA e BB interpuseram recurso do despacho proferido pelo Mmº Juiz, datado de 20.09.2023, por não se conformarem com a decisão ali tomada, concernente à declaração de excepcional complexidade dos autos. II. O arguido AA recorre ainda da competência territorial deste Juízo Central para julgar os factos e também do despacho datado de 20.10.2023, no qual se considerou o requerimento de arguição de irregularidade extemporâneo. Da posição dos Recorrentes: III. Posição dos arguidos CC, DD, EE: Dizem os recorrentes, nas conclusões que formulam que para que o processo seja considerado de excecional complexidade não basta que existam especiais dificuldades, antes se exigindo que as dificuldades sejam especialmente acrescidas, sendo que nem sequer se invoca o caracter altamente organizado do crime e não se explicita a sua relação com a necessidade de declarar o processo de excecional complexidade. O despacho incorre num erro de interpretação da lei, já que as dificuldades do processo – muitos volumes e muitos apensos – não se confundem com as dificuldades dos procedimentos que se prendem, fundamentalmente, com a intensidade dos meios de prova e sua deslocalização. Contrariamente ao argumentado no douto despacho por muitas dificuldades que a aplicação dos factos ao direito os autos suscitem, tal circunstância em nada releva para a verificação da excecional complexidade do processo. A que acresce, não poder ser imposto à liberdade dos arguidos, a falta de meios ou excesso de processos em fase de julgamento no tribunal central criminal de lisboa. Desta forma, violou-se o disposto no artigo 28º da CRP e no artigo 215º nº 3 e nº 4 do CPP. IV. Posição do arguido AA: Os despachos proferidos pelo Tribunal a quo em 20/09/2023 e 03/10/2023 padecem de Nulidades ou Irregularidades. O despacho de 20/09/2023, que decidiu pela extemporaneidade do requerimento apresentado pelo Arguido e, em consequência, decidiu a declaração de excecional complexidade dos autos é irregular, com as legais consequências. Entende que suscitou em tempo a irregularidade do despacho datado de 05/09/2023, tendo-o feito no segundo dia útil posterior ao termo do prazo, pelo que a secretaria deveria ter liquidado a multa, o que não aconteceu e só após tal liquidação, caso a multa não fosse paga, poderia o requerimento ser considerado extemporâneo. O Tribunal a quo considerou o requerimento de Arguição de Irregularidade extemporâneo e, em consequência não se pronunciou sobre o mesmo, violando desta forma os artigos 107ºA do C.P.P. e 139º, n.º 6 do C.P.C., cometendo assim, pelo menos, uma Irregularidade prevista no artigo 123º do C.P.P., a qual foi invocada em tempo. O Tribunal a quo não especificou quais os concretos factos que lhe permitiram declarar o processo de excecional complexidade, mas mais, não se pronunciou sobre nenhuma das concretas questões colocadas pelo Arguido no seu requerimento de 18/09/2023, sendo certo que, aparentemente, nessa parte o mesmo não seria “extemporâneo”, pelo que o referido despacho mostra-se ferido, senão de Nulidade por falta de fundamentação, nos termos do artigo 379º do C.P.P., pelo menos, de irregularidade, nos termos do artigo 123º do C.P.C., a qual foi arguida em devido tempo. A declaração de excecional complexidade mais não serve do que um formalismo para sujeitar os arguidos à medida de coação de prisão preventiva por longos períodos de tempo. O despacho proferido pelo Tribunal a quo limita-se a tecer vagas e obscuras considerações genéricas, que caberiam em um qualquer procedimento, sem que exista uma verdadeira fundamentação, de facto e com factos, que justificam a dita excecional complexidade. A existência de 8 (oito) arguidos nunca se poderá considerar excecional, é, aliás, comum nos nossos tribunais existirem processos com mais de uma dezena de arguidos e, nem por isso lhes é atribuído o caráter de excecionais. O facto de três desses Arguidos falarem sérvio, não acrescenta, em si, qualquer excecional complexidade, será necessário apenas um único tradutor/intérprete. Apesar do número de volumes, mais de 70% (setenta por cento) do que aí se encontra, é completamente inócuo, são constituídos por cópias sistemáticas de ofícios e diligências que se vão copiando de uns volumes para os outros Os volumes de escutas telefónicas não assumem uma dimensão significativa e sobre a matéria com interesse para os presentes autos, não encontramos nos mesmos qualquer relevância, desde logo porque as escutas que aí constam estavam a ser realizadas no âmbito de um processo de contrabando de tabaco. O tipo de crime em investigação nos presentes autos integra o catálogo da considerada “criminalidade altamente organizada” (alínea m) do artigo 1.º do CPP), pelo que, os prazos de duração máxima da prisão preventiva, previstos no n.º 1 do artigo 215.º do CPP, são automaticamente elevados, conforme consta do n.º 2 do artigo 215.º do CPP. A prova testemunhal indicada pelo Ministério Público, 17 testemunhas, não ultrapassa sequer o número indicado no artigo 283º, n.º 7 do C.P.P. É incompreensível e injustificável, que faltando cerca de sete meses para os Arguidos atingirem o prazo máximo de prisão preventiva, pretenda, desde já, oficiosamente, o Tribunal a quo, prolongar essa mesma prisão preventiva, situação que entende o Arguido é suscetível de gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade. Por outro lado, o arguido recorre ainda do despacho proferido em 20/10/2023, na sequência do requerimento apresentado em 14/10/2023, no qual suscita a incompetência territorial do Juízo Central Criminal de Lisboa para apreciar os presentes autos. Em 25/10/2023, por entender que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a concreta questão que lhe foi colocada, o Recorrente arguiu a Nulidade / Irregularidade do despacho proferido por omissão de pronúncia. Entende o recorrente que nos termos do disposto nos artigos 32º, n.º 2, alínea b) e 329º, n.º 3, ambos do C.P.P., não tendo o tribunal conhecido da incompetência oficiosamente, pode o arguido suscitar esta questão até o juiz presidente declarar aberta a audiência de julgamento. Não se pronunciando o Senhor Juiz Presidente sobre uma matéria que podia e devia apreciar, cometeu a Nulidade prevista no artigo 379º, n.º1, alínea c) do C.P.P, ou caso assim não se entenda uma irregularidade, nos termos do artigo 123º do C.P.P., a qual, por dever de patrocínio, à cautela também se invoca. Com efeito, analisando a informação da Polícia Judiciária constatamos que, não só a notícia do crime como a alegada consumação do mesmo ocorreram na localidade de ..., a qual pertence ao concelho de ..., pelo que o Tribunal territorialmente competente para julgar os presentes autos é o Juízo Central Criminal de Loures, e não o Juízo Central Criminal de Lisboa. Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou os artigos 19º, 21º do C.P.P., bem como a Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto e os artigos 32º, n.º 9, da Constituição da República Portuguesa. V. Posição do arguido BB: Entende o recorrente que não se mostram verificados os pressupostos subjacentes à declaração de excepcional complexidade e como tal foram violados os art.ºs 215º n.ºs 1, 2 e 3, 218º n.º 2 do CPP, bem como as normas dos art.ºs 18º n.ºs 2 e 3, 27º n.º 1, 32º n.ºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e art.º 6º n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH). A declaração de excecional complexidade não opera ope legis, ou seja, não é pelo facto de o objeto do processo versar sobre os crimes de catálogo que a excecional complexidade é automaticamente acionada. A apreciação não é nem pode ser meramente formalista, exigindo-se uma apreciação judicial casuística. No caso sub iudice, os autos correram os respectivos termos na fase de inquérito e de instrução com a normalidade processual que se lhe vê. Nunca se mostraram de excecional complexidade: nem pelo recorte factual formulado pelo MºPº na acusação, nem pela qualificação jurídica, nem pelo JIC, no despacho de pronúncia, sendo que da transição da instrução para a fase de julgamento, nenhuma circunstância ou ocorrência se verificou que venha agora imprimir aos autos o carácter de excecional complexidade. E tanto assim mais é, que o próprio Tribunal a quo que, pela sua clara e indesmentível previsão, calendariza o agendamento do julgamento, com previsão de produção de toda a prova da acusação, em 3 manhãs de três dias e mais um dia (de manhã e de tarde). Fica bem evidente que a declaração de excepcional complexidade apenas visará estender os prazos máximos da prisão preventiva. Nenhuma outra razão se apresenta válida. Da nossa posição: VI. Face às conclusões extraídas pelos recorrentes são, no nosso entender, as seguintes questões a apreciar e decidir: - Não verificação de pressupostos que sustentem a declaração de excepcional complexidade/falta de fundamentação do despacho; - Extemporaneidade do requerimento apresentado pelo arguido AA em 18/09/2023, - Incompetência territorial do Juízo Central Criminal de Lisboa para apreciar e julgar os factos. Vejamos: VII. Excecional complexidade dos autos/falta de fundamentação do despacho: - Vem o recorrente AA arguir a nulidade decorrente da alegada falta de fundamentação da decisão em crise. O dever genérico de fundamentação dos actos decisórios expresso no artigo 97º, nº 5 do CPP, encontra particular explicitação e desenvolvimento no artigo 374º, nº 2 do mesmo diploma legal, o que se percebe dada a natureza da peça processual a que se reporta. Como qualquer despacho, até por imperativo constitucional [artigo 205º da CRP], a decisão que declara a excepcional complexidade do procedimento tem de ser fundamentada – [cf. nº 4 do artigo 215º do CPP, o que já decorria do citado artigo 97º, nº 5], cumprindo-se, por seu intermédio, simultaneamente, uma função de carácter objectivo – pacificação social, legitimidade e autocontrolo das decisões – e uma função de carácter subjectivo – garantia do direito ao recurso, controlo da correcção material e formal das decisões pelos seus destinatários – [cf. Jorge de Miranda e Rui de Medeiros, “Constituição Portuguesa Anotada”, pág. 71]. Ora, ao invés do que defende o recorrente, não ocorre, no caso a omissão do dever de fundamentação porquanto o despacho em crise é claro e objectivo e contém as razões de facto e de direito que suportam a decisão, cumprindo, cabalmente, tal dever, o qual, tratando-se de decisão interlocutória, não tem paralelo com o que é exigível na sentença, que a final conhece do mérito. Acresce que a omissão do dever de fundamentação - onde se inclui a insuficiente fundamentação - não sendo cominada com a nulidade – posto que de sentença se não trata -, apenas acarretaria uma irregularidade, a arguir nos termos e prazos previsto no artigo 123º do CPP, o que não sucedeu. Como tal, e sem necessidade de maiores delongas, por inúteis, entendemos que terá que improceder a suscitada nulidade. Quanto à questão de fundo - que se traduz em saber se, no caso em apreço, encontra fundamento o juízo que suportou a decisão, isto é, se os autos consentem a declaração de excepcional complexidade, aspecto, naturalmente, contrariado pelos recorrentes. Se atentarmos expressamente no teor do n.º 3 do artigo 215º do CPP, facilmente percebemos que o legislador processual penal não definiu o que entende por excecional complexidade, limitando-se a indicar, a título exemplificativo, circunstâncias que podem conduzir à sua declaração e que se prendem com o número de arguidos ou de ofendidos ou com o carácter altamente organizado do crime. Por isso se diz que o juízo sobre a especial complexidade constitui um juízo de razoabilidade e da justa medida na apreciação das dificuldades do procedimento, tendo em conta nomeadamente, as dificuldades da investigação, o número de intervenientes processuais, a deslocalização de actos, as contingências procedimentais das intervenções dos sujeitos processuais, ou a intensidade da utilização dos meios. O juízo sobre a excepcional complexidade depende do prudente critério do juiz na ponderação de elementos de facto … - [cf. o Acórdão do STJ de 26.01.2005, proc. n.º 05P3114]. Conforme bem elucida o Ac. TRL, de 25.05.2023, relatora Cristina Santana, O Código de Processo Penal não estabelece, assim, uma definição legal de "especial complexidade", e "a jurisprudência tem convergido no entendimento de que o juízo sobre a complexidade do processo deve consistir numa ponderação conjugada das concretas dificuldades suscitadas pelo procedimento já realizado e pelo que será expectável se venha a seguir, segundo critérios de razoabilidade e de proporcionalidade, num processo justo e equitativo."[ Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11/07/2018, proferido no processo 128/15.2JBLSB-G11‑ 3, disponível em www.dgsi.pt.] "A especial complexidade constitui, no rigor, uma noção que apenas assume sentido quanto avaliada na perspectiva do processo, considerado não nas incidências estritamente jurídico-processuais, mas na dimensão factual de procedimento enquanto sequência e conjunto de actos e revelação externa e interna de acrescidas dificuldades de investigação, composição e sequência com refracção nos termos e nos tempos do procedimento. (...) O juízo sobre a complexidade assume-se, assim, como juízo prudencial, de razoabilidade, de critério da justa medida na apreciação e avaliação das dificuldades suscitadas pelo procedimento. Mas, dificuldades do procedimento e não estritamente do processo; as questões de interpretação e de aplicação da lei, por mais intensas e complexas, não atingem a noção. As dificuldades de investigações (técnicas, com intensa utilização dos leges cortis da investigação), o número de intervenientes processuais, a deslocalização dos actos, as contingências procedimentais provenientes das intervenções dos sujeitos processuais, a intensidade de utilização dos meios, tudo serão elementos a considerar, no prudente critério do juiz, para determinar que um determinado procedimento apresenta, no conjunto ou, parcelarmente, em alguma das suas fases, uma especial complexidade com o sentido, essencialmente de natureza factual, que a noção funcionalmente assume no artigo 215, nº 3 do CPP. A especial complexidade é, por isso, uma noção de facto". [Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 26/01/2005, no processo 05P3114, disponível em www.dgsi.pt.] Este entendimento tem vindo a ser sufragado pelo Tribunal da Relação de Lisboa —como é exemplo o acórdão já citado, datado de 11/07/2018, ou o acórdão datado de 09/05/2019, proferido no âmbito do processo n.º 257/18.0GCMTJ- AV.L1-9 —, assim como por outros tribunais da Relação — sendo exemplo os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, datado de 18/12/2013, proferido no âmbito do processo n.º 1420/11.0T3AVR-C.P1; do Tribunal da Relação de Coimbra, de 01/04/2009, proferido no processo 142/07.1PAMGR-B.C2; e do Tribunal da Relação de Évora, datado de 17/03/2015, e proferido no processo 1245/13.9GBABF-A.E1.[ Todos disponíveis em www.dgsi.pt] Não fornecendo a lei um conceito de especial complexidade, impõe-se a integração possível e desenvolvida através da análise e da ponderação das especificidades próprias do processo, minudenciando o número de intervenientes, o tipo de diligências probatórias exigíveis e a realizar, as intervenções processuais plasmadas, entre outros factores que possam contender com esta natureza e que tornem o processo especialmente complexo - cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-01-2005, proferido no processo n.º 05P3114 (Henriques Gaspar), disponível em www.dgsi.pt. Os recorrentes estão indiciados pela prática, em co-autoria, do crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21º, nº 1, e 24º, alínea c), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro, bem como do crime de associação criminosa a que respeita o artigo 28º, desse mesmo diploma legal. Acresce que, no âmbito da atuação entre os próprios coarguidos, está ainda em causa o crime de rapto, previsto e punido pelo artigo 161º, nº 1, alínea c), e nº 2, alínea a), por referência à alínea a), do nº 2, do artigo 158º, ambos do Código Penal, o crime de sequestro, previsto e punido pelo artigo 158º, nº 1, do Código Penal, e o crime de coação agravada, previsto e punido pelos artigos 154º, e 155º, nº 1, alínea a), do Código Penal. E, por outro lado, resulta imputado a alguns dos arguidos o crime de acesso ilegítimo, previsto e punido pelo artigo 6º, da Lei 109/2009, de 15 de setembro, e o crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1, alínea d), da Lei nº 5/2006, de 23 de fevereiro., com pena de prisão de 4 a 12 anos. Porque o limite máximo da pena aplicável é superior a 8 anos de prisão, e porque o art. 1º, m), do C. Processo Penal considera «criminalidade altamente organizada» as condutas integradoras de crimes de associação criminosa, tráfico de pessoas, tráfico de armas, tráfico de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas, corrupção, tráfico de influência ou branqueamento, são os crimes cuja autoria pelos recorrentes se indicia, subsumível à previsão do nº 2, do art. 215º, do C. Processo Penal. E assim, a possibilidade de alargamento do prazo máximo de prisão preventiva para os limites previstos no nº 3, do art. 215º, do C. Processo Penal depende apenas de o procedimento se revelar de excecional complexidade. Relativamente à circunstância «carácter altamente organizado do crime» prevista na lei como apta a objectivar o conceito de excepcional complexidade, cabe relembrar que o art. 1º, m), do C. Processo Penal integra na definição de «criminalidade altamente organizada», além do mais, a conduta que preencha o tipo do crime de tráfico de estupefacientes. Quer pela moldura penal abstracta, quer porque se trata de crime integrado no conceito de criminalidade altamente organizada, o respectivo procedimento cai na alçada do nº 3, do art. 215º, do C. Processo Penal. Existem nos autos elementos objectivos cuja conjugação aponta, decisivamente, para a excepcional complexidade do processo. Os crimes, por força da lei, constituem em si mesmo um indício do carácter altamente organizado pressuposto no nº 3, do art. 215º, do C. Processo Penal. E a indiciada estratificação dos arguidos em distintos níveis de actividade, bem como a sua componente internacional, aliadas às relevantes quantidades de droga traficadas, aponta efectivamente para o preenchimento daquele conceito. Por outro lado ainda, e não obstante a desvalorização efectuada pelos recorrentes, que a todo o custo querem fazer crer que nos presentes autos se julga não mais do que um mero tráfico quase de aeroporto, a verdade é que, ao contrário do alegado, até aos olhos do simples cidadão comum não é este, de todo, um processo que possa ser tido como normal ou semelhante à maioria dos que pendem nos tribunais portugueses, justificando, por isso, um adequado e mais aturado tratamento. E este é um facto notório, do que a respectiva análise técnica mais não faz do que confirmar! VIII. Por isso, contrariamente ao referido pelos arguidos/recorrentes, a declaração da excecional complexidade processual, pese embora a fase processual em que nos encontramos, o certo é que especiais circunstâncias, mormente as aludidas no despacho proferido pelo Mmo Juiz a quo, com especial enfoque no fato de não se mostrarem ainda efectuadas perícias informáticas a todos os telemóveis apreendidos (16) demandam que os autos sejam efectivamente considerados excecionalmente complexos com todas as suas inerentes consequências, mormente o alargamento do prazo da prisão preventiva, mas esta é uma consequência legal que apenas depende do legislador e o Tribunal não legisla. Enquanto a decisão recorrida faz apelo ao procedimento processual considerado no seu todo e centra o juízo de prognose formulado no volume dos autos, na prova e na intensidade da actividade processual, os recorrentes questionam a validade da declaração de especial complexidade alegando que a dimensão dos autos, extensão da acusação pública, número de arguidos, quantidade e natureza das infracções imputadas e rol de testemunhas da acusação, não são de molde a serem considerados excecionalmente complexos, tanto mais que em nenhuma das anteriores fases processuais tal questão se levantou e tais factores já eram conhecidos nas anteriores fases. Mas o que é certo é que são imputados aos arguidos factos que se subsumem claramente às definições de criminalidade especialmente violenta e altamente organizada, consagradas no art. 1º, als. l) - com referência à alínea j) - e m), do Cód. Proc. Penal. Consequentemente, mostra-se verificado o requisito objectivo de elevação do prazo da prisão preventiva - que, aliás, os recorrentes não questionam -, visto estarmos em presença de crimes que integram o catálogo legalmente estatuído para o efeito. Importa recordar que o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 683/2014, publicado no DR, Série II, de 27/11/2014, págs. 29851 a 29854, decidiu «não julgar inconstitucional a norma extraída do art. 215º, n.ºs 3e 4, do Código de processo penal (CPP), quando interpretada no sentido de que “pode ser declarada a excepcional complexidade do processo já depois de terminada a fase de julgamento e depois de depositado o acórdão final condenatório”». Acresce que até à conclusão do julgamento em primeira instância, poderá, sempre, haver lugar a novas diligências probatórias, as quais haverão de ser compreendidas e ajustadas à natureza do processo, principalmente quando, como se verifica no caso dos autos, o número de arguidos é elevado, os crimes revelam um acentuado grau de organização e as provas a analisar são vastas, de demorada e complexa interpretação, suscitando, por isso, diferentes valorações, justificadas dúvidas e acesas discussões. A dimensão, o carácter altamente organizado e transnacional dos factos, as diligências em curso (exame pericial aos telemóveis apreendidos) e sua conhecida morosidade, a própria complexidade e manancial da prova colhida nos autos, documental e pericial, o facto de existirem três arguidos de nacionalidade ... que não falam português tendo necessariamente que ser assistidos por tradutor, são tudo factores que apontam de forma inexorável para a necessária e bem determinada declaração da excecional complexidade dos presentes autos Com efeito, as dificuldades apontadas revelam-se, não só mas também, na grande maioria das vezes, na criminalidade altamente organizada, com envolvimento de vários arguidos e recurso a meios sofisticados reveladores de elevada perigosidade, sendo que, naturalmente, em casos deste tipo é sempre suscitada uma ponderação entre os valores de justiça prosseguidos e os direitos dos arguidos sujeitos a prisão preventiva que justificam um aumento proporcionado dos prazos da prisão preventiva, pelo que necessariamente e ao contrário do alegado, não é contrário à Constituição, de acordo com um parâmetro de proporcionalidade, que nessas situações especiais um certo alargamento dos prazos se verifique. Mas não se esgotam nos casos referidos, porventura paradigmáticos, as possibilidades de aplicação do preceito em causa, podendo circunstâncias várias do processo justificar idêntica ponderação. Os autos não podem ser vistos de forma singular, nem tão pouco as especificidades dos autos podem ser vistas parcelarmente, é que reunidas todas as singulares circunstâncias e conjugando-as com a variedade de incidentes e toda uma panóplia de reclamações, recursos e invocação reiterada de nulidades e irregularidades, a demandar actividade processual muito intensa, facilmente se intui que um procedimento que poderia ser apenas complexo alcançou o patamar seguinte. Os processos não nascem excecionalmente complexos, tornam-se excecionalmente complexos! Foi o que aconteceu nos presentes autos em que a reunião de uma série de circunstâncias que, por si só, implicariam apenas um labor esforçado, ditou uma complexidade anormal do processo, que justifica, no nosso entender, a declaração de excecional complexidade nos autos. Assim sendo, por estes motivos, entendemos que bem andou o Tribunal ao decidir da forma como decidiu no despacho impugnado, não merecendo qualquer reparo. IX. Extemporaneidade do requerimento apresentado pelo arguido AA em 18/09/2023: Os arguidos foram notificados conforme consta dos autos, sendo o arguido AA em 07.09.2023, referência 428355087. A notificação presume-se feita no terceiro dia posterior ao do seu envio, quando seja útil, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja – art.º 113º do C. P. Penal. Dia 07.09.2023 foi quinta feira. A 18.09.2023 (segunda feira), 11 dias depois, o arguido juntou requerimento aos autos (refª 37008311), invocando a irregularidade do despacho proferido porquanto o Tribunal apenas facultou o prazo de 5 dias para que o mesmo se pronunciasse sobre a eventual declaração de excecional complexidade dos autos, sendo que o prazo geral para a pratica de actos é de 10 dias, conforme estabelece o artigo 105º, n.º 1 do CPP, e não existindo qualquer dispositivo legal a encurtar o prazo terá que ser atendível o prazo legal de 10 dias. Com efeito, dispõe o artigo 123º, n º1, do Código de Processo Penal que a irregularidade só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em qualquer acto nele praticado. Ora, daqui decorre que quando o arguido entende que o ato praticado pelo Tribunal padece de irregularidade, se à mesma não tiver assistido, como é o caso, deve invocá-la no prazo de 3 dias, o que não foi manifestamente o caso, como supra podemos verificar bastando para tanto atentar na data da notificação do despacho e na data em que o arguido invoca a referida irregularidade. Desta forma, facilmente se verifica que o arguido invocou a referida irregularidade extemporaneamente, ou seja, depois do prazo de 3 dias e nem os três dias de multa faz reverter a extemporaneidade do acto que praticou. Assim, entendemos que bem andou o Tribunal no despacho que proferiu, declarando extemporânea a invocada irregularidade. X. Incompetência territorial: Como bem refere o Mmo Juiz no despacho que proferiu em 20.10.2023, sobre a questão da competência territorial já havia sido proferido o despacho datado de 28.07.2023. Ora, da simples leitura dos despachos de 28.07.2023 e de 20.10.2023, facilmente concluímos que, ao contrário do que na maioria das vezes acontece aquando do recebimento da acusação em que é proferido despacho tabelar, neste caso no despacho proferido em 28.07.2023 o Tribunal desde logo se pronunciou expressamente sobre a competência territorial do Juízo central criminal de Lisboa para julgar os presentes autos. Por via disso, tendo o Tribunal expressamente se pronunciado sobre a competência territorial e não tendo sido interposto recurso de tal decisão nem da mesma se tendo reclamado nos prazos legalmente estabelecidos, facilmente se concluí que o despacho proferido em 28.07.2023 transitou em julgado, ou seja, cristalizou-se na ordem jurídica. (cfr. art. 628º do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 4º do CPP e artigos 668° e 669°também do CPC.) Posto isto, ou seja, tendo transitado em julgado a decisão sobre a competência territorial deste Tribunal, facilmente se compreende o despacho proferido nos autos em 20.10.2023, porque no fundo nada havia a decidir sobre tal questão porquanto sobre a mesma já havia sido proferido despacho transitado em julgado, sendo certo que no momento em que o recorrente suscita a questão da competência, através do requerimento que atravessa em 14.10.2023, a mesma legalmente já não poderia ser suscitada, sendo por isso, extemporânea. Alega também o recorrente que o despacho de 20.10.2023 padece de falta de fundamentação, mas também aqui carece de razão. Face ao trânsito em julgado do despacho que fixou a competência, nada de facto havia a decidir e por tal motivo nada havia mais que fundamentar do que o no mesmo se deixou explanado, pelo que ao invés do que defende o recorrente, não ocorre, no caso a omissão do dever de fundamentação, cumprindo o despacho, cabalmente, tal dever, o qual, tratando-se de decisão interlocutória, não tem paralelo com o que é exigível na sentença, que a final conhece do mérito. Acresce que a omissão do dever de fundamentação - onde se inclui a insuficiente fundamentação - não sendo cominada com a nulidade – posto que de sentença/Acordão se não trata -, apenas acarretaria uma irregularidade, a arguir nos termos e prazos previsto no artigo 123º do CPP, o que não sucedeu. Como tal, e sem necessidade de maiores delongas, por inúteis, entendemos que terá que improceder a suscitada nulidade. Por outro lado, sempre se dirá que neste momento, em face do disposto no artigo 32.º, n.ºs 1 e 2, al. b), do CPP, tendo-se iniciado no dia de ontem (06.12.2023) o julgamento tal impossibilita, sempre e em qualquer caso, a dedução e declaração da incompetência territorial do tribunal, pelo que sempre terá que improceder o peticionado. Assim sendo, por estes motivos, entendemos que bem andou o Tribunal ao decidir da forma como decidiu nos despachos impugnados. Porém, Vossas Excelências farão, como sempre, o que melhor for de JUSTIÇA! * I.4 Parecer do Ministério Público Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, nos seguintes termos [transcrição]: “I. OBJETO DOS RECURSOS Os arguidos CC, DD, EE, AA e BB recorrem do despacho proferido em 20 de setembro de 2023 pelo Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 11, e pelo qual, na parte aqui relevante, foi decidido: (…) Assim, de harmonia com todo o exposto, declara-se a excecional complexidade dos presentes autos. (…) O arguido AA recorre, ainda: a) do despacho proferido em 03 de outubro de 2023 pelo mesmo Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 11, e pelo qual, na parte aqui relevante, foi decidido: (…) Considerando o já decidido por despacho datado de 20.09.2023, em que se entendeu ser extemporânea a irregularidade invocada, e que a mesma inexiste, tendo o exercício do contraditório sido já operado e exercido, cumpre apenas referir que não só o Ilustre requerente admite tal invocação para além do prazo legal e que não procedeu ao "pagamento imediato" da multa que seria devida (cfr. artigo 139º, nº 5, do Código de Processo Civil), como, disso ciente, nem posteriormente o veio fazer, donde, nada há a determinar. No mais, relativamente a todas as demais considerações tecidas quanto à fundamentação do despacho que declarou a excecional complexidade do processo, diga-se, apenas, que a impugnação dos termos e fundamentos desse concreto despacho estará sujeita ao regime previsto nos artigos 399º e seguintes do Código de Processo Penal, sendo que se entende inexistir qualquer das irregularidades invocadas, quando o despacho é claro e objetivo naqueles que são os fundamentos subjacentes ao decidido. (…) b) do despacho proferido em 20 de outubro de 2023 pelo mesmo Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 11, e pelo qual, na parte aqui relevante, foi decidido: (…) Olhando ao teor do despacho proferido nos presentes autos em 28.07.2023 e que expressamente tomou posição quanto à competência territorial deste Juízo Central Criminal de Lisboa, nada cumpre decidir. (…) c) e do despacho proferido em 26 de outubro de 2023 pelo mesmo Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 11, e pelo qual, na parte aqui relevante, foi decidido: (…) Tendo presente o teor do despacho proferido em 20.10.2023, que remete para um outro em que a questão suscitada se mostra expressa e concretamente decidida (e não de forma meramente tabelar), sendo que, notificado desse outro despacho, nada foi requerido pelo arguido, urge considerar que inexiste qualquer nulidade ou irregularidade. (…) II. POSIÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA 1.ª INSTÂNCIA A Magistrada do Ministério Público junto da 1.ª instância respondeu aos recursos interpostos manifestando-se no sentido de ser negado provimento aos mesmos e mantidas as decisões recorridas. III. POSIÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NESTA 2.ª INSTÂNCIA Confrontados os fundamentos dos recursos e as doutas decisões recorridas, em consonância com a bem elaborada resposta do Ministério Público junto da 1.ª instância, a qual corretamente identifica e escalpeliza as diversas questões suscitadas, sou do entender que as mesmas devem ser mantidas. Por conseguinte, acompanhando a resposta do Ministério Público junto da 1.ª instância, sou de parecer que aos recursos interpostos pelos arguidos CC, DD, EE, AA e BB deve ser negado provimento, julgando-os improcedentes e confirmando-se as doutas decisões impugnadas, nos termos do qual aderiu à posição da Ex.mª Procuradora da República da 1.ª instância. * Remetidos os autos à conferência foi proferido acórdão a 20.02.2024 que decidiu: 1 – Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA a 28.10.2023, julgando inexistir qualquer nulidade ou irregularidade do despacho exarado a 20.10.2023, por omissão de pronúncia. 2 - Não conhecer da Competência Territorial do Juízo Central Criminal de Lisboa, por tal não ter sido objeto do despacho de que se recorre. 3 - Julgar procedente o recurso interposto pelo arguido AA, e assim, julgar verificada a irregularidade do art. 123º, nº 1 do Código de Processo Penal, invocada a 18.09.2023 e, em consequência, declarar inválido o despacho de 20.09.2023, que considerou extemporânea a irregularidade invocada quanto à concessão do prazo de 5 dias para exercício do contraditório, bem como o proferido a 03.10.2023, que considerou inexistir qualquer irregularidade, devendo estes ser substituídos por outro que determine a notificação do ora recorrente para, nos termos do disposto no art. 107.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, artigo 139.º, n.ºs 6 do CPC e 107.º-A, alínea b), do Código de Processo Penal, proceder ao pagamento da multa devida acrescida da penalização de 25% do valor da multa e, sendo tal multa e penalização pagas, pronunciar-se fundamentadamente acerca da irregularidade invocada. 4 - A procedência do mencionado recurso impede o imediato conhecimento dos recursos interpostos quanto à excecional complexidade interpostos por AA, CC, DD, EE e BB, por estarem dependentes da apreciação da mencionada irregularidade e da subsequente tomada de posição do Tribunal a quo quanto à manutenção ou não do despacho que declarou a excecional complexidade. * Veio o arguido AA arguir a nulidade do mencionado acórdão e suscitar inconstitucionalidades, tendo sido proferido novo acórdão a 09 de abril de 2024 onde foi decidido indeferir o requerimento de arguição de nulidade/irregularidade do acórdão proferido por esta Relação em 20 de fevereiro de 2024 e não o conhecer da inconstitucionalidade invocada nos pontos 22º e 30º do referido requerimento. * Por certidão datada de 11.03.2024 verificou-se que o arguido AA efetuou já o pagamento da multa nos termos do disposto no art. 107º-A do Código de Processo Penal; e de acordo com a certidão remetida pelo Tribunal a quo a 08.05.2024 foi já proferido despacho conhecendo da irregularidade invocada. * Tal despacho foi proferido a 11.03.2024 (refª 433731671) e tem o seguinte teor [transcrição]: “Por requerimento entrado na presente data, sob a referência 38745568, apresentou-se o arguido AA a proceder ao pagamento da multa processual, em resposta ao decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão datado de 20.02.2024. Nesse seguimento e ainda em obediência a esse mesmo acórdão, passa-se a proferir o seguinte despacho: Invocou o arguido AA a irregularidade do despacho proferido em 05.09.2023 que, notificando o Ministério Público e os arguidos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 215º, nº 4, do Código de Processo Penal, concedeu um prazo de contraditório de 5 (cinco) dias, em suma, por entender que tal prazo deveria ser antes de 10 (dez) dias. Apreciando. Dispõe o artigo 215º, nº 4, do Código de Processo Penal: “A excecional complexidade a que se refere o presente artigo apenas pode ser declarada durante a 1.ª instância, por despacho fundamentado, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, ouvidos o arguido e o assistente”. Como decorre expressamente do preceito citado, está em causa o exercício do contraditório. Nenhuma dúvida subsistirá que esse contraditório não só foi facultado, como também exercido por todos os intervenientes processuais que nisso revelaram interesse, inclusivamente pelo arguido requerente, o qual, frise-se, a par da irregularidade suscitada, não deixou de nisso tomar posição efetiva, quando, notificado do despacho por ofício datado de 07.09.2023 (data em que até consta certificado pelo citius que “leu” essa notificação), se presumiu do mesmo notificado em 11.09.2023, tendo o termo do prazo concedido ocorrido em 18.09.2023, data em que deu entrada a respetiva pronúncia. Não fixando a lei prazo específico para o exercício do contraditório previsto na citada norma, poderá lançar-se mão, como regra, do prazo supletivo a que respeita o artigo 105º, nº 1, do Código de Processo Penal. Na esteira do expendido pelo acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 04.04.2017, processo nº 12/13.4SVLSB-J.E1, disponível em www.dgsi.pt, urge considerar se esse prazo supletivo, “aplicável quando inexista disposição legal que fixe um determinado prazo para a prática de um ato processual, é imperativo em todos os restantes casos ou, se, ao invés, pode ser encurtado, necessariamente através da fixação expressa de um outro prazo, em função da natureza urgente do processo e/ou da urgência pontual na decisão de uma determinada questão.” Conforme resulta à evidência da leitura do texto do aludido aresto, a jurisprudência não tem dado resposta uniforme, dividindo-se entre os que consideram que o prazo de 10 (dez) dias não pode ser encurtado e os que, ao invés, admitem prazo diverso, ainda que mais curto. Diga-se desde já que, seguindo o entendimento daqueles que admitem o seu encurtamento, como foi o caso não só do acórdão citado, como ainda do acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28.10.2010, no processo nº 98/08.3PESTB-C.E1, e do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.10.2007, no processo nº 07P3852, estes também disponíveis em www.dgsi.pt, conclui-se que não enferma de irregularidade o despacho judicial que, estando o processo na fase de julgamento, concedeu um prazo inferior ao supletivo de 10 (dez) dias. De facto, considera-se que razões de celeridade processual, necessidade, adequação e proporcionalidade podem determinar que o prazo para exercer o contraditório, no caso do artigo 215°, nº 4, do Código de Processo Penal, possa ser reduzido (neste sentido, também na doutrina, admitindo um prazo de 24 horas, temos PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, in “Comentário do Código de Processo Penal”, 3a Edição, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2009, pág. 596). Doutra face, como se expõe na decisão do Tribunal Constitucional, processo nº 361/05, de 25.05.2005, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, “[um] prazo só seria desadequado e desproporcionado se inviabilizasse de todo ou tornasse particularmente oneroso seu exercício”. Ora, ao conceder-se um prazo de 5 (cinco) dias, o que teve lugar em momento em que os autos já se encontravam na fase de julgamento, estando pendente o prazo das contestações, a isso se seguindo a calendarização das sessões de julgamento, num processo de natureza urgente, em que sete dos arguidos se encontravam, como permanecem, em prisão preventiva, não se afigura nem desadequado, nem desproporcionado, face àquele que é o sobredito prazo supletivo, o qual, a ter sido observado imporia que, no caso, em vez do respetivo termo ocorrer em 18.09.2023, antes ocorreria em 21.09.2023. Tenha-se ainda presente que o despacho que operou o exercício do contraditório fez, desde logo, exarar quais seriam os fundamentos centrais da eventual declaração de excecional complexidade, o que necessariamente não deixa de facilitar esse mesmo contraditório, quando, no limite, conforme teve já ocasião de decidir o Tribunal Constitucional (em acórdão nº 688/2023, datado de 12.10.2023, disponível em www.tribunalconstitucional.pt), o despacho que: “em fase de julgamento, ordena a notificação do arguido para se pronunciar sobre uma eventual declaração oficiosa de excecional complexidade do processo, pode limitar-se a ordenar essa notificação nos termos e para os efeitos do disposto naquele preceito, sem apresentação de fundamentos adicionais”. Conclui-se, pois, que o arguido requerente teve a efetiva oportunidade de tomar expressa posição previamente à declaração de excecional complexidade, como de facto empreendeu, inexistindo assim qualquer irregularidade, nem muito menos que a mesma tenha afetado o valor do ato praticado, nos termos previstos no artigo 123º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Penal. V. Exas., contudo, como sempre sucede, melhor decidirão. Dê conhecimento do presente despacho ao arguido visado e, de imediato, remeta certidão do mesmo ao Tribunal da Relação de Lisboa, a fim de ser junto ao recurso que subiu desta instância sob o apenso “M”. Dado cumprimento ao disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, os arguidos recorrentes apresentaram resposta ao sobredito parecer, reafirmando a posição já expressa no requerimento recursivo. * 1.5 – Recurso do arguido AA do despacho exarado a 11.03.2024 Notificado daquele despacho veio o arguido AA a 09.04.2024 interpor dele recurso apresentando as seguintes conclusões [transcrição]: “EM CONCLUSÃO I - Concedeu o Tribunal a quo um prazo de 5 (cinco) dias para que o Arguido se pronunciasse sobre uma eventual declaração de EXCEPCIONAL COMPLEXIDADE dos presentes autos. II - O prazo de 5 dias concedido pelo Tribunal ao Arguido para se pronunciar sobre a EXCEPCIONAL COMPLEXIDADE dos presentes autos é irregular, uma vez que determina a prática de um acto num prazo que a lei não admite, a não ser que o arguido dele prescinda. III - No CPP não existe dispositivo legal que estabeleça prazo para que o arguido se pronuncie sobre a EXCEPCIONAL COMPLEXIDADE dos autos, pelo que, será aplicado in casu, o prazo geral de 10 dias previsto no artigo 105º do C.P.P. IV - A defesa do Arguido suscitou, em tempo, a referida Irregularidade. V - Assim, em face do exposto, deveria o Tribunal a quo ter declarado a referida notificação como irregular, nos termos do artigo 123.º do CPP, o que aqui se suscita. Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. mui doutamente suprirão deve o presente Recurso obter provimento considerando-se, em consequência, o despacho proferido pelo Tribunal a quo de 05/09/2023, irregular, com as legais consequências. Assim decidindo farão V. Exas. a esperada JUSTIÇA” * I.5.1 Resposta ao recurso Efetuada a legal notificação, a Ex.mª Procuradora da República junto da 1.ª instância respondeu ao recurso interpostos pelos arguidos, pugnando pela sua improcedência, apresentando as seguintes conclusões [transcrição]: “V. Conclusões: Do expendido podem retirar-se as seguintes conclusões: 1- Nos termos do disposto no artigo 215.º, n.º 4 do CPP a excecional complexidade a que se refere o presente artigo apenas pode ser declarada durante a 1.ª instância, por despacho fundamentado, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, ouvidos o arguido e o assistente. 2- Conforme se afere, a referida norma não estabelece qualquer prazo legal para a prática do acto, e não o fazendo, tendemos a acolher a jurisprudência que defende que o juiz pode fixar um prazo mais curto que o prazo supletivo de 10 dias a que alude o artigo 105º, n.º 1 do mesmo diploma legal, assim como também pode, em circunstâncias que excecionalmente o exigem conceder prazo mais alargado. 3- Nos presentes autos, urgentes com arguidos presos, razões de celeridade processual, necessidade, adequação e proporcionalidade impunham que o prazo para exercer o contraditório quanto à excecional complexidade dos autos pudesse como foi ser reduzido sem que daí saíssem os interesses ou a defesa dos arguidos prejudicadas. 4- O contraditório aqui em causa é um contraditório limitado ao aumento do prazo máximo da prisão preventiva relacionado com a excecional complexidade do processo que, no momento da decisão, deve resultar de todos os elementos já constantes dos autos, como o foi, razão pela qual não seria necessário, como não foi, sendo inclusivamente desproporcional o prazo alargado de 10 dias para que a defesa se pronunciasse sobre tudo quanto já tinham conhecimento dos autos, tanto mais que nos presentes autos existem arguidos em prisão preventiva e os mesmos já passaram pela fase instrutória sem que nada se tivesse alterado. 5- Seria de todo desrazoável que perante uma questão tão relativamente simples se aplicasse o prazo do artigo 105°, nº 1, do CPP, designadamente atento o efeito de retardamento da definição da situação jurídico-processual dos arguidos sujeitos à prisão preventiva, pelo que o Mmo Juiz mais não fez do que acautelar, também, a urgência do despacho que visaria a eventual declaração de excecional complexidade, sob pena de preterição desse prazo máximo, à luz da ponderação que o juiz faça de todos os interesses a proteger. 6- Entendemos que não se verifica qualquer irregularidade processual por não ter sido concedido o prazo supletivo de 10 dias a que alude o artigo 105º, n.º 1, do CPP, para o arguido se pronunciar nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 215º do mesmo diploma legal, uma vez que o mesmo pôde exercer cabalmente o seu direito de defesa, in casu, de se pronunciar sobre a excecional complexidade do processo, como exerceu 7- Sem embargo de diferentes posições que se conhecem, mormente, dos acórdãos citados, cuja argumentação, apesar de importante, não se nos apresenta como decisiva, entendemos inexistir irregularidade do despacho proferido pelo Mmo Juiz a quo, que tenha afectado os direitos do arguido e que inquine os termos subsequentes. (em conformidade com entendimento supra vertido, vejam-se, entre outros, os Ac. TRE, proferido no processo 98/08.3PESTB-C.E1, em 28/01/2010, Ac. STJ, proferido no processo 98/11.6GACDV-B.S1, em 09/09/2015, Ac TRE proferido no processo 12/13.4SVLSB-J.E1, em 04/04/2017, todos disponíveis em www.dgsi.pt) 8- Assim sendo, por estes motivos, entendemos que bem andou o Tribunal ao decidir da forma como decidiu nos despachos impugnados. * 1.5.2 - I.4 Parecer do Ministério Público Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, nos seguintes termos [transcrição]: “O arguido AA recorre do despacho proferido em 05 de setembro de 2023 pelo Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 11, e pelo qual, na parte aqui relevante, foi decidido: (…) Assim, de harmonia com o citado preceito legal, determino que se proceda à notificação do Ministério Público, bem como dos arguidos, para, querendo, e em 5 (cinco) dias, se pronunciarem sobre a (eventual) declaração de especial complexidade do processo. (…) Suscitada a irregularidade de tal despacho, veio tribunal a quo manter o mesmo por despacho de 11-03-2024. II. POSIÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA 1.ª INSTÂNCIA A Magistrada do Ministério Público junto da 1.ª instância respondeu ao recurso manifestando-se no sentido que bem andou o Tribunal ao decidir da forma como decidiu nos despachos impugnados. III. POSIÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NESTA 2.ª INSTÂNCIA A questão que se suscita no presente recurso é a de saber se o tribunal pode encurtar o prazo previsto no n.º 1 do artigo 105.º do Código de Processo Penal para a prática de um ato processual. A referida norma dispõe que: 1 – Salvo disposição legal em contrário, é de 10 dias o prazo para a prática de qualquer acto processual. Decorre de tal norma que o prazo regra para a prática de qualquer ato processual é de 10 dias, podendo este ser mais curto ou mais longo nos casos em que houver disposição legal que fixe prazo diferente. A título de exemplo, o prazo para requerer a abertura da instrução – 20 dias (artigo 287.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), o prazo para recorrer – 30 dias (artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), prazo para arguir certas nulidades dependentes de arguição – 5 dias (artigo 120.º, n.º 3, alíneas b) e c), do Código de Processo Penal), etc. Desde logo nota-se que do despacho recorrido não se alcança qual a disposição legal em que o tribunal fundamenta a decisão de fixar o prazo para os arguidos, querendo, se pronunciarem em 5 (cinco) dias. E o despacho recorrido não cita ou faz referência a qualquer norma porque a mesma não existe, tal como se refere no acórdão de 08-01-2008 deste Tribunal da Relação de Lisboa (1): 4. Não se extrai do Código de Processo Penal qualquer norma ou princípio que atribuam ao juiz o poder de reduzir, unilateralmente e contra a vontade expressa do arguido, um prazo fixado na lei para ele exercer os seus direitos de defesa. Diga-se, s.m.o., que se tem por admissível a fixação de prazo mais curto que aqueles 10 dias, mesmo em situações não previstas em disposição legal, quando razões de manifesta urgência impõem uma especial celeridade. Mas tais razões têm de constar expressamente da fundamentação do despacho que fixa tal prazo. Do despacho recorrido nada discorre que justifique ou manifeste uma especial urgência não compatível com o prazo geral para a prática do ato processual. Aliás, o tribunal a quo refere no próprio despacho antever uma especial delonga na produção de todos os meios probatórios, pelo que não se alcança qualquer necessidade de encurtar para metade o prazo para o arguido exercer o seu direito de se pronunciar. Em suma, acompanho o entendimento vertido no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa, já acima citado, e em cujo sumário se refere: 1. Nos termos do n.º 4, do artigo 215º, do Código de Processo Penal, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, o arguido tem o direito de se pronunciar sobre a declaração de excepcional complexidade do processo. 2. Não dizendo o n.º 4 do artigo 215º, do Código de Processo Penal qual o prazo de que goza o arguido para exercer este direito, vale o prazo supletivo de 10 dias previsto pelo n.º 1 do artigo 105º, do Código de Processo Penal. 3. Concedendo a lei, ao arguido, um prazo de 10 dias para ele se pronunciar sobre a excepcional complexidade do processo, só o arguido - pessoa em benefício da qual o prazo foi estabelecido - podia renunciar ao decurso do prazo ou praticar o acto processual antes de o mesmo se esgotar. 4. Não se extrai do Código de Processo Penal qualquer norma ou princípio que atribuam ao juiz o poder de reduzir, unilateralmente e contra a vontade expressa do arguido, um prazo fixado na lei para ele exercer os seus direitos de defesa. Deve, pois, o recurso ser julgado procedente. Por conseguinte, sou de parecer que ao recurso interposto pelo arguido AA deve ser dado provimento. * 1.5.3 – Resposta AA, notificado do douto parecer do Senhor Procurador Geral Adjunto, veio manifestar a sua concordância com o mesmo. * I.6. Concluído o exame preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento do recurso em conferência, nos termos do artigo 419.º do Código de Processo Penal. Cumpre, agora, apreciar e decidir: *** II- FUNDAMENTAÇÃO II.1- Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objeto do recurso: Conforme decorre do disposto no n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Penal, bem como da jurisprudência pacífica e constante [designadamente, do STJ], são as conclusões apresentadas pelo recorrente que definem e delimitam o âmbito do recurso e, consequentemente, os poderes de cognição do Tribunal Superior, sem prejuízo das nulidades e questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º do Código de Processo Penal. Assim, face às conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação dos recursos interpostos nestes autos as questões a apreciar e decidir consistem no seguinte: - Da irregularidade da concessão de um prazo de 5 dias para exercício do contraditório relativamente à matéria da excecional complexidade. - Da nulidade por omissão de pronúncia nos termos do disposto no art. 379º do Código de Processo Penal, ou da irregularidade por falta de fundamentação do despacho que declarou a excecional complexidade do processo. - Do preenchimento dos pressupostos para a declaração de excecional complexidade do processo. * II.2 – Do recurso do arguido AA relativo ao despacho exarado a 11.03.2024 Invocou o arguido a irregularidade do despacho proferido a 05.09.2023 que, notificando os arguidos e o Mº Público, concedeu o prazo de 5 dias para contraditório entendendo que lhe deveriam ter sido concedidos 10 dias. A 11.03.2024, o tribunal a quo conheceu a irregularidade invocada (refª 433731671) exarando o seguinte despacho [transcrição]: “Por requerimento entrado na presente data, sob a referência 38745568, apresentou-se o arguido AA a proceder ao pagamento da multa processual, em resposta ao decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão datado de 20.02.2024. Nesse seguimento e ainda em obediência a esse mesmo acórdão, passa-se a proferir o seguinte despacho: Invocou o arguido AA a irregularidade do despacho proferido em 05.09.2023 que, notificando o Ministério Público e os arguidos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 215º, nº 4, do Código de Processo Penal, concedeu um prazo de contraditório de 5 (cinco) dias, em suma, por entender que tal prazo deveria ser antes de 10 (dez) dias. Apreciando. Dispõe o artigo 215º, nº 4, do Código de Processo Penal: “A excecional complexidade a que se refere o presente artigo apenas pode ser declarada durante a 1.ª instância, por despacho fundamentado, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, ouvidos o arguido e o assistente”. Como decorre expressamente do preceito citado, está em causa o exercício do contraditório. Nenhuma dúvida subsistirá que esse contraditório não só foi facultado, como também exercido por todos os intervenientes processuais que nisso revelaram interesse, inclusivamente pelo arguido requerente, o qual, frise-se, a par da irregularidade suscitada, não deixou de nisso tomar posição efetiva, quando, notificado do despacho por ofício datado de 07.09.2023 (data em que até consta certificado pelo citius que “leu” essa notificação), se presumiu do mesmo notificado em 11.09.2023, tendo o termo do prazo concedido ocorrido em 18.09.2023, data em que deu entrada a respetiva pronúncia. Não fixando a lei prazo específico para o exercício do contraditório previsto na citada norma, poderá lançar-se mão, como regra, do prazo supletivo a que respeita o artigo 105º, nº 1, do Código de Processo Penal. Na esteira do expendido pelo acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 04.04.2017, processo nº 12/13.4SVLSB-J.E1, disponível em www.dgsi.pt, urge considerar se esse prazo supletivo, “aplicável quando inexista disposição legal que fixe um determinado prazo para a prática de um ato processual, é imperativo em todos os restantes casos ou, se, ao invés, pode ser encurtado, necessariamente através da fixação expressa de um outro prazo, em função da natureza urgente do processo e/ou da urgência pontual na decisão de uma determinada questão.” Conforme resulta à evidência da leitura do texto do aludido aresto, a jurisprudência não tem dado resposta uniforme, dividindo-se entre os que consideram que o prazo de 10 (dez) dias não pode ser encurtado e os que, ao invés, admitem prazo diverso, ainda que mais curto. Diga-se desde já que, seguindo o entendimento daqueles que admitem o seu encurtamento, como foi o caso não só do acórdão citado, como ainda do acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28.10.2010, no processo nº 98/08.3PESTB-C.E1, e do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.10.2007, no processo nº 07P3852, estes também disponíveis em www.dgsi.pt, conclui-se que não enferma de irregularidade o despacho judicial que, estando o processo na fase de julgamento, concedeu um prazo inferior ao supletivo de 10 (dez) dias. De facto, considera-se que razões de celeridade processual, necessidade, adequação e proporcionalidade podem determinar que o prazo para exercer o contraditório, no caso do artigo 215°, nº 4, do Código de Processo Penal, possa ser reduzido (neste sentido, também na doutrina, admitindo um prazo de 24 horas, temos PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, in “Comentário do Código de Processo Penal”, 3a Edição, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2009, pág. 596). Doutra face, como se expõe na decisão do Tribunal Constitucional, processo nº 361/05, de 25.05.2005, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, “[um] prazo só seria desadequado e desproporcionado se inviabilizasse de todo ou tornasse particularmente oneroso seu exercício”. Ora, ao conceder-se um prazo de 5 (cinco) dias, o que teve lugar em momento em que os autos já se encontravam na fase de julgamento, estando pendente o prazo das contestações, a isso se seguindo a calendarização das sessões de julgamento, num processo de natureza urgente, em que sete dos arguidos se encontravam, como permanecem, em prisão preventiva, não se afigura nem desadequado, nem desproporcionado, face àquele que é o sobredito prazo supletivo, o qual, a ter sido observado imporia que, no caso, em vez do respetivo termo ocorrer em 18.09.2023, antes ocorreria em 21.09.2023. Tenha-se ainda presente que o despacho que operou o exercício do contraditório fez, desde logo, exarar quais seriam os fundamentos centrais da eventual declaração de excecional complexidade, o que necessariamente não deixa de facilitar esse mesmo contraditório, quando, no limite, conforme teve já ocasião de decidir o Tribunal Constitucional (em acórdão nº 688/2023, datado de 12.10.2023, disponível em www.tribunalconstitucional.pt), o despacho que: “em fase de julgamento, ordena a notificação do arguido para se pronunciar sobre uma eventual declaração oficiosa de excecional complexidade do processo, pode limitar-se a ordenar essa notificação nos termos e para os efeitos do disposto naquele preceito, sem apresentação de fundamentos adicionais”. Conclui-se, pois, que o arguido requerente teve a efetiva oportunidade de tomar expressa posição previamente à declaração de excecional complexidade, como de facto empreendeu, inexistindo assim qualquer irregularidade, nem muito menos que a mesma tenha afetado o valor do ato praticado, nos termos previstos no artigo 123º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Penal. V. Exas., contudo, como sempre sucede, melhor decidirão. Dê conhecimento do presente despacho ao arguido visado e, de imediato, remeta certidão do mesmo ao Tribunal da Relação de Lisboa, a fim de ser junto ao recurso que subiu desta instância sob o apenso “M”. Vejamos então: Nos termos do disposto no art. 215º, nº 4 do Código de Processo Penal, a excecional complexidade pode ser declarada durante a 1ª instância, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Publico, ouvidos o arguido e o assistente. Este artigo não estabelece um qualquer prazo para o exercício do contraditório. Porém, estabelece o art. 105º, nº 1 do Código de Processo Penal que, salvo disposição em contrário, é de 10 dias o prazo para a prática de qualquer ato processual. A questão da possibilidade de encurtamento deste prazo supletivo não é pacífica, existindo jurisprudência dos tribunais superiores que entende que tal não é possível, salientando-se nesta o Acórdão do TRL de 08.01.2008 [processo 10110/2007-5, disponível in www.dgsi.pt] que o recorrente cita e, bem assim, o acórdão do TRL de 08.10.2009, disponível in CJ Ano XXXIV, T. IV, 2009, pág. 139 a 142, este com um voto de vencido. Em sentido contrário, o Acórdão do STJ de 11.10.2007 [processo nº 07P3852, disponível in www.dgsi.pt] e os Acórdãos do TRE de 28.10.2010 e de 04.04.2017 [proferidos no processo nº 98/08.3PESTB-C.E1 e no processo nº 12/13.4SVLSB-J.E1, ambos disponíveis in nwww.dgsi.pt]. Cremos que a fixação deste prazo supletivo não imporá, por si só, a impossibilidade de o Juiz, na ponderação do caso concreto, poder fixar um prazo inferior, desde que, naturalmente, esse prazo permita assegurar o cumprimento efetivo do direito ao contraditório. Aliás, no Acórdão do STJ de 11.10.2017 acima referido, admite-se que o prazo do contraditório, se razões ponderosas o justificarem (como sejam a de estar a findar o prazo de prisão preventiva) possa ser reduzido a 24 horas. Isto é, o prazo supletivo não pode ser entendido, a nosso ver, como um prazo mínimo intransponível. Intransponível será aquele prazo que obsta ao efetivo exercício do contraditório, que como vimos já, pode até ser (em situações extremas) o de 24 horas. Aliás, como é salientado no voto de vencido aposto no acórdão do TRL de 08.10.2009 (acima mencionado): “Não indicando o nº 4 , do art. 215º o prazo para o arguido e se pronunciarem sobre a excecional complexidade do processo, assinalando a lei no art. 105º nº 1 do Código de Processo Penal, 10 dias o prazo para a prática de qualquer ato processual, haverá que ajuizar se o encurtamento de tal prazo não confere uma efetiva oportunidade para o exercício do contraditório. (…) Não indicando a lei processual penal qual o prazo mínimo para a prática de u ato processual, sendo que exemplificativamente , nos casos prevenidos no art. 358º, nº 1 do Código de Processo Penal (comunicação ao arguido de alteração não substancial dos factos descritos na acusação, verificados em audiência para preparação da defesa), esse prazo estritamente necessário para preparação da defesa pode ser inferior ao prevenido no art. 105º do Código de Processo Penal, o prazo supletivo previsto neste, pode ceder no caso do art. 215º, nº 4 do Código de Processo Penal, impor determinação do juiz desde que estejam postos em causa os interesses relevantes da prossecução da acção penal e do dever funcional de não exceder os prazos de prisão preventiva, exercido que se mostre o direito de audição do arguido”. E assim é, porque, em processo penal, para além dos direitos de defesa, há outros princípios não menos importantes como os da celeridade e da prossecução do interesse público em investigar e punir os seus responsáveis. Como se escreve no suprarreferido acórdão do TRE de 28.01.2008: “ Nada impede, a nosso ver, que o juiz de instrução, ponderadas em concreto essas finalidades ( no caso as finalidades a que se dirigia o inquérito) e no confronto com as garantias de defesa do arguido, venha, pois, a conceder, para o efeito, diferente prazo do previsto supletivamente, sendo que este último só é diretamente aplicável quando outro não seja judicialmente fixado. Não significa isto que o juiz deva menosprezar a relevância da obrigatória audiência do arguido, bem pelo contrário; mas tão só que a adeque ao processo em concreto e ao que a decisão a proferir tenha em vista, sem postergar o necessário face à salvaguarda das garantias de defesa daquele”. Por outro lado, concordamos com o tribunal a quo quando refere, citando a decisão proferida pelo Tribunal Constitucional, no processo nº 361/05 de 25.05.2005 (disponível in www.tribunalconstitucional.pt) que “um prazo só seria desadequado e desproporcional se inviabilizasse de todo ou tornasse particularmente oneroso o seu exercício”. No despacho recorrido escreveu-se: “Ora, ao conceder-se um prazo de 5 (cinco) dias, o que teve lugar em momento em que os autos já se encontravam na fase de julgamento, estando pendente o prazo das contestações, a isso se seguindo a calendarização das sessões de julgamento, num processo de natureza urgente, em que sete dos arguidos se encontravam, como permanecem, em prisão preventiva, não se afigura nem desadequado, nem desproporcionado, face àquele que é o sobredito prazo supletivo, o qual, a ter sido observado imporia que, no caso, em vez do respetivo termo ocorrer em 18.09.2023, antes ocorreria em 21.09.2023. Tenha-se ainda presente que o despacho que operou o exercício do contraditório fez, desde logo, exarar quais seriam os fundamentos centrais da eventual declaração de excecional complexidade, o que necessariamente não deixa de facilitar esse mesmo contraditório, quando, no limite, conforme teve já ocasião de decidir o Tribunal Constitucional (em acórdão nº 688/2023, datado de 12.10.2023, disponível em www.tribunalconstitucional.pt), o despacho que: “em fase de julgamento, ordena a notificação do arguido para se pronunciar sobre uma eventual declaração oficiosa de excecional complexidade do processo, pode limitar-se a ordenar essa notificação nos termos e para os efeitos do disposto naquele preceito, sem apresentação de fundamentos adicionais”. Conclui-se, pois, que o arguido requerente teve a efetiva oportunidade de tomar expressa posição previamente à declaração de excecional complexidade, como de facto empreendeu, inexistindo assim qualquer irregularidade, nem muito menos que a mesma tenha afetado o valor do ato praticado, nos termos previstos no artigo 123º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Penal.” Concordamos com esta posição e, ponderando a natureza urgente dos autos decorrente da situação de prisão preventiva dos arguidos, os prazos em curso e a necessária calendarização da audiência de julgamento, parece-nos que um prazo de cinco dias para se pronunciar sobre a possibilidade de declaração de excecional complexidade, onde são já expressos os argumentos que se entendem integrar essa mesma excecional complexidade, é proporcional e adequado e não inviabiliza ou coarta o exercício do contraditório - como efetivamente não coartou, já que o arguido, apesar de arguir a irregularidade do prazo concedido, não deixou de se pronunciar sobre a referida excecional complexidade. E não se argumente que o prazo o impediu de o fazer de diferente forma, pois, se fizermos um exercício de comparação dos argumentos apresentados pelo arguido quando exerceu o contraditório e quando apresentou o recurso daquele despacho (com um prazo de recurso de 30 dias) vemos que este é maioritariamente sobreponível ao primeiro, o que adensa e sustenta a conclusão de que, na situação presente, o prazo de cinco dias concedido não inviabilizou o exercício do contraditório por parte do arguido, que efetivamente o exerceu. E esta conclusão leva-nos a outra que é a de que, mesmo a entender-se que teria ocorrido uma irregularidade por via da fixação do prazo de 5 dias (o que não se entende) sempre tal irregularidade estaria sanada, porquanto o arguido não se limitou a argui-la mas, para além disso, exerceu efetivamente o direito ao contraditório relativamente à possibilidade de ser declarada a excecional complexidade dos autos. Entende o recorrente que serão inconstitucionais os arts. 105º nº 1 e 215º, nº 4 do Código de Processo Penal interpretados no sentido de que pode o juiz no despacho que ordena a notificação do arguido para se pronunciar sobre uma eventual declaração oficiosa de excecional complexidade do processo e determinar o prazo que entender para essa pronúncia, por violação dos arts. 20º, 32º, 202º, 203º 205º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa Reiterando o expresso no acórdão do Tribunal Constitucional prolatado no processo nº 361/05, da 1ª Secção, “[um] prazo só seria desadequado e desproporcionado se inviabilizasse de todo ou tornasse particularmente oneroso seu exercício” [disponível in www.tribunalconstitucional.pt].. Como se refere no Acórdão do TRE de 04.04.2017 [processo 12/13.4SVLSB-J.E1, disponível in www.dgsi.pt] citando Vieira de Andrade (in Os Direitos Fundamentais na Constituição da República Portuguesa de 1976, Coimbra, 1987, p. 228, nota 2) “a distinção entre condicionamento e restrição é fundamentalmente prática, já que não é possível definir com exactidão, em abstracto, os contornos das duas figuras. Muitas vezes, é apenas um problema de grau ou de quantidade”. Mais acrescentando “o limite da possibilidade judicial de determinação de um prazo para a prática de ato processual está no não inviabilizar o exercício do contraditório. Nesse sentido, devendo ser assegurado aos sujeitos processuais o exercício do direito ao contraditório o mesmo não pode ter a faculdade de ser exercido para além dos dois dias facultados no caso subjudice, porquanto tal seria desnecessário, desadequado e desproporcional (sob o crivo do artigo 18.º, da CRP). Na verdade, o contraditório aqui em causa é um contraditório limitado ao aumento do prazo máximo da prisão preventiva relacionado com a especial complexidade do processo, especial complexidade essa que, no momento da decisão, deve resultar de todos os elementos já constantes dos autos. Assim, o contraditório está circunscrito a essa questão em concreto e, por esse facto, não podem os sujeitos processuais reclamar um prazo superior ao supra referido para se pronunciarem quanto à mesma como se estivesse em causa o exercício do contraditório face a um despacho ou a uma sentença. (…) Como assim, a interpretação do art.215º, nº.4, do CPP não pode perder de vista a sua inserção sistemática no preceito a que respeitam os prazos de duração máxima da prisão preventiva, atenta a necessária correlação destes com a declaração de excepcional complexidade, pelo que naturalmente haverá que perspectivar esta pelos efeitos que decorrem para aqueles (em abono de todo o exposto, por todos, Acórdão do TRE de 28-01-2010, proferido no processo n.º 98/08.3PESTB-C.E1, disponível em www.dgsi.pt). E se assim é, não é menos real que, encontrando-se nos autos arguidos em prisão preventiva, sempre haverá que acautelar a urgência que o despacho que vise a eventual declaração de excepcional complexidade deva merecer, sob pena de preterição desse prazo máximo, à luz da ponderação que o juiz faça de todos os interesses a proteger. Deste modo, porque na situação em apreço a redução do prazo a 5 dias não inviabilizou o exercício do contraditório e foi fundada na natureza urgente do processo, na fase processual e prazos em curso e, bem assim, na comunicação aos arguidos dos argumentos que se entendiam sustentar essa mesma decisão, entendemos que não foi uma decisão meramente arbitrária. Assegurando o processo criminal todas as garantias de defesa e, por via disso, o exercício do contraditório, nos termos do art. 32º, nºs.1 e 5, da CRP, resulta que ao arguido/recorrente foi dada a oportunidade de se pronunciar em prazo consentâneo com a celeridade e com a necessidade que os autos revelam, sem exceder a natural compressão justificada pelo tipo de decisão a proferir e pelas finalidades impostas pela especificidade encerrada nos autos, e desse modo, inexistiu qualquer violação dos arts. 20º, 32º, 202º, 203º 205º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa. Improcede, pois, o recurso interposto. * III. 1 Do – recurso do arguido AA invocando a nulidade /irregularidade do despacho que declarou a excecional complexidade do processo. Entende o arguido recorrente que o Tribunal a quo não especificou os concretos factos que permitem declarar o processo de excecional complexidade, nem se pronunciou sobre nenhumas das concretas questões colocadas pelo arguido no seu requerimento de 18.09.2023 ( através do qual exerceu o contraditório sobre tal matéria) e assim entende que tal despacho está ferido de nulidade por falta de fundamentação, nos termos do art. 379º do Código de Processo Penal ou pelo menos de irregularidade, nos termos do disposto no art. 123º do Código de Processo Civil O tribunal a quo, apreciando a referida irregularidade, proferiu a 03.10.2023 o seguinte despacho: “No mais, relativamente a todas as demais considerações tecidas quanto à fundamentação do despacho que declarou a excecional complexidade do processo, diga-se, apenas, que a impugnação dos termos e fundamentos desse concreto despacho estará sujeito ao regime previsto no art. 399º e seguintes do Código de Processo Penal, sendo que se entende inexistir qualquer das irregularidades invocadas quando o despacho é claro e objetivo naqueles que são os fundamentos do decidido”. O art. 379º, nº 1 al. c) do Código de Processo Penal, que prevê a nulidade da sentença quando esta (entre o mais) deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar. Como bem se salienta no Acórdão do TRL de 01.03.2021 [processo nº 401/19.02PLLRS.L1-9, disponível in www.dgsi.pt]: “Ao contrário do regime recursivo em sede de sentença final, em que é permitido invocar a nulidade decorrente da falta de fundamentação nos termos do disposto no artigo 379.º n.º 2 do Código Processo Penal, a eventual falta ou insuficiência de fundamentação de um despacho judicial, constituindo uma irregularidade, não é idóneo para ser invocado como fundamento de um recurso, antes devendo ser suscitada perante o tribunal que a praticou, sob pena de se considerar sanada nos termos do artigo 123.º do Código de Processo Penal”. A eventual omissão de pronúncia que tal despacho padeça tem de ser apreciada nos termos do disposto no art. 97º, nº 4 e 5 do Código de Processo Penal, dado que inexiste para as nulidades uma norma semelhante àquela consagrada no artigo 380º, nº 3 do Código de Processo Penal. Assim, o que a lei exige “é que o juiz indique, de forma compreensível, os factos e o direito relevantes para o que decidiu, relativamente à questão concreta apreciada no acto decisório, sendo esta questão concreta que deve ser objecto do seu [do juiz] discurso argumentativo, sob pena de irregularidade, sujeita ao regime do artigo 123.º do mesmo código, arguível no prazo de três dias previsto no seu n.º 1, sob pena de sanação ” acrescentando-se “Quando tal não acontece, quando este discurso não contemplou a questão concreta submetida ao conhecimento do julgador, foi cometida omissão de pronúncia, desrespeitando aquele o comando ínsito no nº 4 do art. 97º do C. Processo Penal, assim gerando uma irregularidade, sujeita ao regime do art. 123º do mesmo código, portanto, arguível no prazo de três dias, previsto no seu nº 1, sob pena de sanação”. Feito este percurso, e tendo por certo que ao despacho em causa não se aplica o disposto no art. 379º, 1 al. c) do Código de Processo Penal, vejamos então se existe a irregularidade prevista no art. 123º do Código de Processo Penal que o arguido oportunamente invocou e que o Mmº Juiz a quo entendeu não se verificar. Dispõe o art. 205º da Constituição da República Portuguesa que as decisões dos Tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. Por seu turno estabelece o art. 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal que: “Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”. Como afirma Paulo Pinto de Albuquerque [Comentário ao Código de Processo Penal, pag.268] a fundamentação “é um raciocínio argumentativo que possa ser entendido e reproduzido (nachvollziehbar) pelos destinatários da decisão”. Escreve-se no acórdão do TRP de 15.02.2019 [processo nº 108/10.4PEPRT-H.P1, disponível in www.dgsi.pt], que a fundamentação de um acto decisório deve estar devidamente exteriorizada no respetivo texto, de modo que se perceba qual o seu sentido, ainda que não se deva exigir que “no acto decisório fiquem exauridos todos os possíveis posicionamentos que se colocam a quem decide, esgotando todas as questões que lhe foram suscitadas ou que o pudessem ser”, pois “não pode escamotear-se que, a ser assim, ou seja, a exigir-se uma tão exaustiva fundamentação a todos os despachos judiciais como a imposta para as sentenças finais, estar-se-ia a postergar a almejada celeridade processual que, como é consabido, é pedra de toque no nosso processo penal.” A fundamentação de um ato decisório deve estar devidamente exteriorizada no respetivo texto, de modo que se perceba qual o seu sentido, designadamente os factos que acolheu e a interpretação do direito que perfilhou, permitindo o seu controlo pelos interessados e, se for caso disso, por uma instância jurisdicional distinta daquela. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal", III Vol., p. 290 , escreve "É hoje entendimento generalizado que um sistema de processo penal inspirado nos valores democráticos não se compadece com decisões que hajam de impor-se, apenas, em razão da autoridade de quem as profere, mas, antes, pela razão que lhes subjaz ou argumentos que a sustentam. (...) A fundamentação dos actos é imposta pelos sistemas democráticos com finalidades várias. Permite o controle da legalidade do acto, por uma parte e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é, ainda, um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando, por isso, como meio de autocontrole. A ratio da exigência de fundamentação é a de submeter a decisão judicial a um maior controle por parte da colectividade e é, também, consequência da importância que assume no novo processo o direito à prova e à contraprova, nomeadamente o direito de defender-se, provando". Importa, pois, que a fundamentação seja objetiva e clara, por forma a que se perceba o raciocínio seguido e o acerto da decisão tomada. Como se diz ainda no AC TRP de 21.06.2023 [processo nº 764/12.9TXPRT-U.P1, disponível in www.dgsi.pt]: “Esta exigência de fundamentação das decisões judiciais cumpre, como é sabido, várias funções. Ela destina-se, desde logo, a comunicar aos demais sujeitos e intervenientes processuais as razões (de facto e de direito) pelas quais o Tribunal decidiu como decidiu, de modo a que possam ajustar correspondentemente a sua futura intervenção no processo, mas também a permitir aos Tribunais Superiores, em caso de recurso, verificar se a decisão tomada é fundada, tanto do ponto de vista fáctico como jurídico, nessa medida obrigando também o Tribunal que a profere a um exercício de autocontrolo sobre o teor e sentido da mesma; para além disso, a fundamentação da decisão pode ainda ser relevante para a ulterior atividade de outros Tribunais ou autoridades que a ela possam ter de se referir, designadamente no âmbito de um processo de revisão, ou no contexto do processo de execução do julgado (assim, Kirsten Graalmann-Scheerer, em Löwe/Rosenberg, Die Strafprozeßordnung und das Gerichtsverfassungsgesetz, 27. Aufl., § 34, n. m. 1, pág. 920, que fala, a este propósito, das funções de «definição», «controlo» e «informação», respetivamente)”. Porém, este dever de fundamentação não impõe que o tribunal esgrima todos os argumentos apresentados pelos sujeitos processuais. O tribunal tem de conhecer a questão que se coloca e adequadamente exteriorizar os respetivos fundamentos, mas não tem que se debruçar sobre todos os argumentos que eventualmente sejam colocados pelos sujeitos processuais. Questões a conhecer são coisa diversa de argumentos invocados. Ora, no despacho proferido a 20.09.2023 o Tribunal a quo indicou as razões/fundamentos porque entendeu que se verificava uma situação suscetível de enquadrar a excecional complexidade e assim o declarou, nele se fez menção aos volumes do processo, aos respetivos apensos e seu conteúdo, à dimensão da acusação ao número de arguidos, aos crimes imputados, à nacionalidade dos arguidos e necessidade de intervenção de intérprete/tradutor, à extensão da prova documental, aos relatórios que se previam receber e sua previsível dimensão e ao número de testemunhas a inquirir. Na oposição deduzida (requerimento apresentado pelo arguido recorrente a 18.09.2023) este, fundamentalmente, contrapôs a sua visão àquela apresentada pelo Tribunal, no sentido de que o exposto pelo tribunal não seria – na sua perspetiva suficiente para declarar o processo de excecional complexidade. Assim, analisando o despacho recorrido entendemos que este se mostra suficientemente fundamentado, sendo perfeitamente percetíveis as razões que levaram o Tribunal a tomar tal decisão, não se verificando, pois, a irregularidade invocada. O despacho em crise é claro e objetivo e contém as razões de facto e de direito que suportam a decisão, cumprindo cabalmente tal dever, o qual, tratando-se de decisão interlocutória, não tem paralelo com o que é exigível na sentença, que a final conhece do mérito. Em suma, tal como o defendeu o Tribunal a quo entendemos não se verificar qualquer irregularidade do mencionado despacho, designadamente por falta de fundamentação nos termos em que esta é exigível, nos termos do disposto no art. 97º, do Código de Processo Penal Improcede, pois, o recurso interposto. * IV.1 - Do recurso interposto quanto à declaração de excecional complexidade do processo. Decorre do artigo 215.º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe “prazos de duração máxima da prisão preventiva” e no que aqui releva que: “(…) 3 - Os prazos referidos no n.º 1 são elevados (…) quando o procedimento for por um dos crimes referidos no número anterior e se revelar de excepcional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime. (…)”. [sublinhado nosso]. No nosso ordenamento jurídico não existe qualquer definição legal do que se deve entender por “excepcional complexidade”, pelo que teremos de nos valer da letra do mencionado preceito legal [artigo 215.º, n.º3, do Código de Processo Penal], cujos critérios paradigmáticos ali fornecidos com vista a densificar o conceito de “excepcional complexidade”, apontam para o número de arguidos ou de ofendidos ou para o carácter altamente organizado do crime, sem excluir, porém, a possibilidade de outras situações que possam conduzir a essa declaração, atenta a ali ínsita expressão “nomeadamente”. Como se assinala no acórdão do STJ de 26-01-2005 [processo n.º 05P3114, disponível in www.dgsi.pt/jstj.]: “a especial complexidade constitui, no rigor, uma noção que apenas assume sentido quando avaliada na perspectiva do processo, considerado não nas incidências estritamente jurídico-processuais, mas na dimensão factual do procedimento enquanto conjunto e sequência de actos e revelação interna e externa de acrescidas dificuldades de investigação com refracção nos termos e nos tempos do procedimento. O juízo sobre a especial complexidade constitui um juízo de razoabilidade e da justa medida na apreciação das dificuldades do procedimento, tendo em conta nomeadamente, as dificuldades da investigação, o número de intervenientes processuais, a deslocalização de actos, as contingências procedimentais provenientes das intervenções dos sujeitos processuais, ou a intensidade de utilização dos meios”. No mesmo sentido se pronuncia o Tribunal da Relação de Lisboa, salientando-se o acórdão de 09-05-2019 [processo n.º 257/18.0GCMTJ-AV.L1-9, disponível in www.dgsi.pt], onde se escreve: “Nada na lei processual penal define o que dever ser entendido por “excecional complexidade”, limitando-se a mesma a indicar, a título exemplificativo, circunstâncias que eventualmente podem conduzir à sua declaração e que se prendem com o número de arguidos ou de ofendidos ou com o carácter altamente organizado do crime (cfr. art. 215.º, n.º 3, do C. Proc. Penal). O juízo sobre a especial complexidade constitui um juízo de razoabilidade e da justa medida na apreciação das dificuldades do procedimento, tendo em conta nomeadamente, as dificuldades da investigação, o número de intervenientes processuais, a deslocalização de atos, as contingências procedimentais das intervenções dos sujeitos processuais, ou a intensidade da utilização dos meios. O juízo sobre a excepcional complexidade depende do prudente critério do juiz na ponderação dos elementos de facto em concreto, que perante si se apresentam em determinado processo” [sublinhado nosso]; e O acórdão datado de 11-07-2018, proferido no processo n.º 128/15.2JBLSB-G.L1-3, acessível in www.dgsi.pt, de onde decorre que: “A jurisprudência tem convergido no entendimento de que o juízo sobre a complexidade do processo deve consistir numa ponderação conjugada das concretas dificuldades suscitadas pelo procedimento já realizado e pelo que será expectável se venha a seguir, segundo critérios de razoabilidade e de proporcionalidade, num processo justo e equitativo. Neste âmbito, devem ser ponderados em conjunto, além do número de arguidos e do nível de organização do crime, também outros factores, onde se incluem o número de intervenientes processuais a inquirir ou a examinar, a dispersão geográfica dos acontecimentos em investigação, a dimensão transnacional dos indícios com eventual necessidade de recurso a pedidos de cooperação internacional, a verificação de fluxos financeiros, o volume e complexidade das perícias técnicas, bem como a necessidade de se proceder a tradução de actos processuais”. [sublinhado nosso] In casu, atenta a fase processual em que o processo se encontra não será atentando na perspetiva investigatória que a excecional complexidade se alcançará, tendo todos os recorrentes invocado que nas fases anteriores à de julgamento não foi declarada a excecional complexidade. Porém, essa circunstância não constitui óbice a que, verificando-se os respetivos requisitos, a excecional complexidade possa vir a ser declarada na fase de julgamento. Como se refere no Acórdão do TRP de 07.02.2018 [processo nº 881/16.6JAPRT-AP.P1, disponível in www.dgsi.pt]: “A declaração de especial complexidade tem campo de aplicação privilegiado na fase de inquérito, mas pode ser proferida em momento diverso incluindo após o julgamento posto que os autos se encontrem na 1ª instância”. Ora, os recorrentes foram pronunciados nestes autos pela prática, em coautoria, do crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21º, nº 1, e 24º, alínea c), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro, bem como do crime de associação criminosa a que respeita o artigo 28º, nº 2 desse mesmo diploma legal, puníveis com uma pena de 5 a 15 anos de prisão. Estão ainda em causa o crime de rapto, previsto e punido pelo artigo 161º, nº 1, alínea c), e nº 2, alínea a), por referência à alínea a), do nº 2, do artigo 158º, ambos do Código Penal, o crime de sequestro, previsto e punido pelo artigo 158º, nº 1, do Código Penal, e o crime de coação agravada, previsto e punido pelos artigos 154º, e 155º, nº 1, alínea a), do Código Penal. E, por outro lado, resulta imputado a alguns dos arguidos o crime de acesso ilegítimo, previsto e punido pelo artigo 6º, da Lei 109/2009, de 15 de setembro, e o crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1, alínea d), da Lei nº 5/2006, de 23 de fevereiro, com pena de prisão de 4 a 12 anos. Mesmo tendo em conta apenas os crimes de tráfico de estupefacientes agravado e de associação criminosa, previstos respetivamente nos arts. 21º, e 24º al. c) e 28º, nº 2 do DL nº 15/93 de 22.01, (pelos quais o arguido AA veio a ser condenado por acórdão não transitado em julgado, tendo os restantes recorrentes sido condenados (por acórdão não transitado em julgado) pelo crime de associação criminosa, estamos perante crimes que têm uma moldura penal que tem como limite mínimo 5 anos de prisão e como limite máximo 15 anos de prisão; caindo, portanto, no disposto no art. 1º, m), do Código de Processo Penal, que considera «criminalidade altamente organizada» as condutas integradoras de crimes de associação criminosa, tráfico de pessoas, tráfico de armas, tráfico de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas, corrupção, tráfico de influência ou branqueamento, e consequentemente integrados no disposto no nº 2 do art. 215º, do Código de Processo Penal. Por outro lado, lendo a factualidade que constitui o objeto do processo esta é integrada – como referido no despacho recorrido – por uma acusação que contém 576 artigos – tendo sido deduzida contra oito arguidos, sete dos quais em prisão preventiva. O processo, à data em que o despacho foi proferido, era composto por doze volumes e sete apensos contendo transcrição de escutas e documentação bancária, sendo um deles composto por uma carta rogatória das autoridades do ... (apenas rececionada após a acusação e contendo 372 páginas). Invocou o Tribunal a quo para além da extensão dos documentos a analisar, os elementos que ainda viriam a ser recolhidos relativos aos exames aos equipamentos telefónicos e informáticos apreendidos. Relativamente aos róis de testemunhas ascendiam à data a 20 testemunhas, sendo que a menção a que os órgãos de polícia criminal “terão necessariamente conhecimento da extensa factualidade que vem imputada aos arguidos” não pode ser entendida - como o fazem alguns dos recorrentes – no sentido da afirmação de uma antecipada condenação. É antes e apenas a expressão da normalidade do acontecer, isto é que, em face da prova documental junta os autos os órgãos de polícia criminal, com intervenção ativa em diligências, possuam conhecimento da factualidade imputada e que, presumivelmente a acusação e defesa queiram esgrimir argumentos sobre determinados aspetos, diligências e formalidades. O que ocorre na situação em apreço é que “enquanto a decisão recorrida faz apelo ao procedimento processual considerado no seu todo e centra o seu juízo de prognose formulado na intensidade da atividade processual, os recorrentes questionam na validade da declaração da excecional complexidade alegando a dimensão dos autos, extensão da acusação pública número de arguidos, quantidade e natureza da infrações apontadas e rol de testemunhas da acusação, eram já fatores conhecidos” [Cf. o já referido Acórdão do TRP de 07.07.2018 [processo nº 881/16.6JAPRT-AP.P1, disponível in www.dgsi.pt]. Ora, dos factos decorre que o objeto processual diz respeito a um quadro de tráfico de estupefacientes transnacional e associação criminosa com vista ao tráfico de estupefacientes, com a deslocação de alguns dos arguidos do estrangeiro para ..., que objetivamente integram a criminalidade altamente organizada, dados os distintos níveis de atividade, bem como a sua componente internacional, aliadas às relevantes quantidades de droga traficadas e que resultam descritas no processo. Decorre também dos autos que os arguidos de nacionalidade ..., em número de três, não falam a língua portuguesa necessitando, portanto, de intérprete e tradutor. Como salienta o Mº Público na resposta apresentada, há a considerar também o volume de interceções efetuadas que, em parte foram faladas em linguagem codificada, ou seja, não clara e cifrada, havendo um número muito ínfimo de exceções em que temos diálogos de simples e imediata apreensão, o que acarreta maiores delongas na sua apreciação e confrontação, não podendo a mesma ser efetuada com base numa análise individual e isolada, antes tendo que ter em conta todas as circunstâncias globais que rodeiam a situação, incluindo conversas anteriores e posteriores bem como todas as movimentações anteriores e posteriores dos arguidos. A considerar ainda a extensa investigação proveniente do ..., com o pedido de declaração de perda alargada de bens, e bem assim a tramitação que os autos espelham, com vários recursos interpostos pelos arguidos, reclamações de despachos e vários requerimentos apresentados invocando nulidades e irregularidades (de que este apenso M é exemplo). Analisando o processo principal, apesar da inicial calendarização, com quatro datas ( 29.11.2023, 06.12.2023, 13.12.2023 e 20.12.2023), vemos que a audiência de julgamento se prolongou por 16 sessões, que apenas terminaram a 04.04.2024, seguindo-se a leitura de acórdão a 17.04.2024, verificando-se que houve um esforço de concentração do agendamento e de celeridade (sendo disso exemplo a marcação efetuada a 06.12.2023 apesar da indisponibilidade de agenda de alguns dos ilustres mandatários). Diremos, com verdade, que o elevado número de documentos e a dimensão processual, por si só, não fazem distinguir este processo de outros processos semelhantes, nem isoladamente o número de arguidos ou a necessidade de intérprete e tradutor. Mas, a conjugação de todos estes elementos, isto é, da natureza dos crimes em apreço, que integram o conceito de criminalidade altamente organizada (e objetivamente assim o são), a circunstância de serem oito arguidos, três dos quais com necessidade de intervenção de intérprete e tradutor (veja-se que da consulta dos autos principais se verifica que foi suscitada mais uma questão relativa à tradução do acórdão condenatório e do início do respetivo prazo para recurso), bem como os diversos recursos e incidentes que vêm sendo suscitados (no uso dos direitos que a Lei Processual Penal, consagra, mas que não deixam de adensar a complexidade dos autos), bem como a necessidade de 16 sessões de julgamento, tudo conjugado, leva-nos a concluir, como o fez o Tribunal a quo, que estamos perante um processo de excecional complexidade, nos termos do disposto no art. 215º, nº 3 do Código de Processo Penal. E, na verdade, pelas razões expostas, não vemos que o despacho recorrido tenha violado o disposto no art. 215º, nº 1 a 3 e 218º, nº 2 do Código de Processo Penal, ao assim decidir. O despacho recorrido não viola igualmente qualquer norma ou princípio e natureza constitucional, nomeadamente os indicados pelos recorrentes CC, DD e EE (art. 28º da Constituição da República Portuguesa, mas sem qualquer concretização) e pelo recorrente BB na conclusão 59º extraída da motivação do recurso arts. 18º, n.º 2 e 3, 27º, nº 1 e 32º, nº 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa, e artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem). O alargamento dos prazos de prisão preventiva por efeito da declaração da “excecional complexidade” do processo não viola o preceituado no artigo 28º da Constituição da República Portuguesa, e concretamente no nº 4 deste preceito, já que este confere ao legislador uma margem de liberdade de conformação larga e suficiente, observado o princípio da proporcionalidade, para diferenciar os ditos prazos em função da gravidade objetiva dos crimes e da complexidade dos processos. Por outro lado, devendo os arguidos ser julgados no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa, tal não pode ser feito a qualquer custo, nomeadamente prejudicando, intoleravelmente, a produção da prova e a tramitação processual, sobretudo, quando a complexidade decorre de uma exclusiva ponderação sobre todos os elementos da configuração processual concreta, e da real atividade processual verificada, o que pode traduzir-se na violação de um outro direito constitucionalmente protegido - o direito à segurança (artigo 27º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa). Acresce que estabelecendo, efetivamente, a Constituição da República Portuguesa (no seu artigo 32º, nº 2) que: “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa” (normativo que se identifica, no que é essencial, com o art. 6º da CEDH, citado pelo recorrente BB). Esta exigência constitucional, que impõe a obrigatoriedade de julgamento no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa não pode implicar o sacrifício despropositado dos direitos dos cidadãos, também constitucionalmente consagrados, e não pode implicar o sacrifício absoluto da boa realização da justiça. Como resulta do disposto no art. 18º, nºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa, as normas constitucionais relativas a direitos liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas, só podendo a lei restringir direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo estas restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos. Assim, as normas que disciplinam a excecional complexidade, numa interpretação conforme, têm que ser entendidas no sentido de que esta deve ser decretada quando se revele necessária para que o Estado assegure o direito à administração da justiça, com respeito pelo princípio da proporcionalidade. Sabemos que esta realidade implica a compressão de alguns direitos para a satisfação de outros igualmente constitucionalmente garantidos, mas a lei permite expressamente a restrição de um direito fundamental com vista à realização da justiça, salvaguardando os princípios da legalidade e da proporcionalidade. Cremos, pois, que a declaração da “excecional complexidade” deste processo não viola os princípios constitucionais invocados pelos recorrentes na medida em que não viola o princípio da proporcionalidade ou o princípio da proibição do excesso, bem como não constringe, de forma inaceitável, o direito a uma decisão em prazo razoável. Como se refere no Acórdão do TRE de 17.03.2015 [processo nº 1245/13.9GBABF-A.E1, disponível in www.dgsi.pt] “ponderadas todas as suas circunstâncias, a declaração da “excecional complexidade” do procedimento, nos termos e com os fundamentos constantes do despacho revidendo, não se mostra desproporcional ou excessiva, antes se contendo, claramente, no justo equilíbrio entre a necessidade de combate ao crime (sobretudo face à natureza dos crimes de que o recorrente está acusado) e a salvaguarda dos direitos e garantias do arguido (estando este, não esquecemos, na situação de prisão preventiva)” Deste modo concluímos que inexistiu qualquer violação dos preceitos constitucionais invocados ou do art. 6º da CEDH. Improcedem pois, os recursos interpostos. *** V - Decisório: Em face de todo o exposto, acordam as Juízas da 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em: 1 - Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA do despacho exarado a 11.03.2024, julgando inexistir qualquer nulidade ou irregularidade do mesmo. 2 - Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA do despacho exarado a 20.09.2023 (que declarou a excecional complexidade dos autos) julgando inexistir qualquer nulidade ou irregularidade do mesmo por omissão de pronúncia ou falta de fundamentação. 3 - Julgar improcedentes os recursos interpostos pelos arguidos AA, CC, DD, EE e BB, mantendo o despacho recorrido que declarou a excecional complexidade dos autos. Custas pelos recorrentes, fixando a taxa de justiça em 4 UC [artigos 513º, n.ºs 1 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº 9, do RCP, com referência à Tabela III]. Notifique. Lisboa, 18 de junho de 2024 [Elaborado e revisto pela relatora - artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal] Sandra Ferreira Alda Tomé Casimiro Carla Francisco |