Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | VERA ANTUNES | ||
Descritores: | OBJECTO DO RECURSO CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA CONDIÇÃO SUSPENSIVA COMISSÃO CLÁUSULA DE NÃO EXCLUSIVIDADE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/10/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I - O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso. II – No caso dos autos não se retira da factualidade assente que as partes tivessem convencionado (ainda que verbalmente) uma condição suspensiva para a produção de feitos do contrato de mediação imobiliária. III – À data da denúncia do contrato pelos RR. não foi celebrado o contrato de compra e venda, pelo que não chegou a haver concretização do negócio, donde decorre que a remuneração não seria devida à A., tendo o contrato sido celebrado em regime de não exclusividade IV- Uma cláusula com o teor: “Foi convencionado entre as partes que a remuneração seria devida mesmo que a venda fosse concretizada até 12 meses após a vigência do contrato de mediação imobiliária, desde que o comprador fosse formal ou materialmente apresentado pela Autora” tem a função de prevenir a actuação ilícita dos contraentes que, após celebrar um contrato de mediação imobiliária, façam cessar aquele contrato após ter conhecimento da identidade de eventuais interessados, mercê da actividade desenvolvida pela empresa de mediação imobiliária, e venham posteriormente a celebrar o contrato em causa com esses interessados, procurando dessa forma eximir-se ao pagamento da comissão acordada, o que não foi o caso dos autos. V - Na execução de qualquer contrato, as partes estão também obrigadas a deveres acessórios de conduta (protecção, informação e lealdade) que surgem no âmbito das relações específicas, pelos quais tanto o devedor como o credor devem obedecer a princípios de correcção e colaboração recíprocas, por forma a permitir a plena satisfação do interesse do credor sem sacrifícios excessivos para qualquer das partes - princípio da boa fé, tal como plasmado no art.º 762º do Código Civil. VI - A A. violou com a sua actuação os deveres a que está sujeita, desde logo, de informação (de que são exemplo os previstos os previstos pelo art.º 17º, n.º 1, c) e d) da Lei 15/2013), ao celebrar um contrato de mediação fazendo constar que o imóvel estava livre de ónus ou encargos; a A., incompreensivelmente, redige um documento totalmente em língua inglesa, que os RR. não dominam, sem que faculte imediatamente aos RR. a pertinente tradução; é legitimo considerar que a A. manifestamente pretendeu pressionar os RR. à celebração do contrato promessa, pelo que legitimamente os RR. perderam a confiança na A. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório: R... Lda., intentou a presente ação declarativa de condenação, que corre termos sob a forma de processo comum, contra S… e M…, pedindo que os mesmos sejam condenados a pagar-lhe a quantia de €23.250,00 (vinte e três mil duzentos e cinquenta euros) acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor a contar da citação e até integral pagamento. Alegou, em síntese, que é uma sociedade comercial que se dedica à prestação de serviços de mediação imobiliária e que celebrou com os réus um contrato nos termos do qual promoveu a venda de um determinado imóvel, em regime de não exclusividade. Conseguiu um interessado na compra do imóvel, mas, por motivo imputável aos réus, a venda não se concretizou. * Os réus contestaram impugnado os factos. * Foi realizada audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador onde foi identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova e realizou-se audiência final, em que foi apresentado articulado superveniente pela autora, tendo o mesmo sido admitido e os réus exerceram o contraditório, tendo a final sido proferida Sentença onde se decidiu: “Face ao exposto, o Tribunal julga a ação totalmente improcedente e, em consequência: A) Absolve os réus S… e M… do pedido formulado pela autora; B) Condena a autora no pagamento das custas processuais.” * Desta Sentença recorre a A., formulando as seguintes Conclusões: “1) A recorrente não se conforma com a douta decisão que considera que os réus condicionaram a venda a um determinado acontecimento futuro e incerto: a emissão de alvará de utilização. Pelo que a condição suspensiva suspende a eficácia do negócio e o mesmo só produzirá os seus efeitos se vier a verificar-se o evento visado; 2) Este entendimento viola a lei e a prova obtida e enunciada na decisão recorrida; 3) Viola a lei porque a Mma. Juíza a quo refere na própria sentença que o contrato de mediação imobiliária é um contrato formal nos termos do artigo 16.º, n.º 1 do Regime Jurídico da atividade de Mediação Imobiliária e que o mesmo é obrigatoriamente reduzido a escrito gerando tal inobservância a sua nulidade. Se assim é como pode o Tribunal considerar válida uma suposta cláusula verbal que nem sequer foi alegada pelos RR., não foi confirmada por qualquer documento ou sequer reconhecida pela A.? 4) É contrária à prova produzida porque a aludida cláusula nunca foi alegada por nenhuma das partes, foi ficcionada pelo Tribunal e mesmo os factos em que assenta a decisão judicial foram invocados apenas pelo R. S… em depoimento de parte, nunca tendo sido reconhecidos ou admitidos pela A. ou sequer alegados por escrito pelos RR.; 5) Ignora também a prova produzida porque reconhece que a A. exerceu atividade em cumprimento do contrato de mediação, que arranjou compradores para o imóvel, que reuniu com os RR e que estes aceitaram a proposta de compra e venda, que foi assinado um contrato promessa pelos compradores, que foram levadas a cabo inúmeras diligências para venda, quer pela A. quer pelos RR (designadamente a obtenção da licença de utilização, presença em reuniões com os compradores, aceitação de propostas), o que não se coaduna de todo com a ideia de um contrato de efeitos suspensos até à verificação de uma condição, o suposto levantamento da licença de utilização pelos RR; 6) Contraria ainda a prova produzida ao desvalorizar um documento essencial junto aos autos que é um alvará de utilização de edificação com o nº 196/21 no qual consta que, por despacho de 9 de Novembro de 2021, foi autorizada a habitação do prédio dos autos e emitido o respectivo alvará de licença de utilização. Este documento prova manifestamente que, mesmo que tivesse sido convencionada a suposta condição suspensiva no contrato de mediação dos autos, esta se teria verificado na vigência do mesmo e desta forma o contrato teria produzido efeitos, contrariamente ao que pretende a sentença recorrida; 7) Finalmente a sentença dos autos falha ao ignorar uma cláusula fundamental do contrato, transcrita aliás na sentença recorrida e que diz claramente que “Foi convencionado entre as partes que a remuneração seria devida mesmo que a venda fosse concretizada até 12 meses após a vigência do contrato de mediação imobiliária, desde que o comprador fosse formal ou materialmente apresentado pela Autora.”; 8) Ora não restam dúvidas que o comprador foi formal e materialmente apresentado pela A., como a própria sentença recorrida refere. Pelo que a única conclusão lógica e possível a retirar é que seria devida a comissão à A. nos termos contratualmente estabelecidos, sendo perfeitamente indiferente para a decisão, se os RR. recorreram ou não a outra imobiliária posteriormente à A.. Quem arranjou o comprador foi a A. logo é justo que receba a prestação decorrente do cumprimento escrupuloso do contrato. Outra coisa seria um manifesto abuso de direito por partes do RR. Nestes termos e nos mais de direito aplicável, deve ser anulada ou alterada a sentença recorrida, condenando os RR. nos precisos termos constantes da petição inicial, com as legais consequências.” * Contra-alegaram os RR. Concluindo: “1.ª São as conclusões que delimitam o objecto do recurso, não podendo o Tribunal “ad quem” conhecer de questão que dela não conste. 2.ª Pela leitura das conclusões do recurso apresentadas pela recorrente, verificamos que as mesmas se apresentam obscuras e deficientes não dando o cabal cumprimento às exigências estipuladas no n.º 2 do artigo 639 do C.P.C., tornando desta forma mais difícil o exercício do contraditório. 3.ª Contudo da leitura do corpo da peça apresentada, verificamos que a recorrente impugna a decisão proferida por a considerar nula, sendo que no seu entendimento, a mesma viola o disposto no artigo 615, n.º 1 alíneas c) e d) do C.P.C. 4.ª Sendo as questões decidendas as seguintes: A. Analisar se existe efectivamente nulidade da sentença, por contradição entre os fundamentos e a decisão, nos termos do artigo 615, n.º 1, alínea c) do C.P.C.; B. Analisar se se verifica nulidade da sentença, por a Juiz ter deixado de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, nos termos do artigo 615, n.º 1, alínea d) do C.P.C. 5.ª No que concerne à primeira questão decidenda importa referir que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que a torne inteligível. – artigo 615, n.º 1 alínea a) do C.P.C. 6.ª Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica, se na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade de sentença. 7.ª Esta oposição não se confunde com erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos com erro na interpretação desta: quando embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação ou dela decorre, encontramo-nos perante um erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade, mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja juridicamente correcta, a nulidade verifica-se. 8.ª Ora analisada a estrutura da decisão e as várias conexões existentes entre os motivos de facto e de direito a que faz apelo a decisão final verifica-se a existência de lógica na construção e arquitectura da sentença pelo que a invocada nulidade não existe. 9.ª É Jurisprudência constante, que o erro de julgamento por alegada subsunção errada dos factos ao direito ou erro na determinação do próprio facto não integra a nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão prevista no artigo 615, n.º 1, alínea c) do C.P.C. 10.ª Carece assim de fundamento a arguição invocada. 11.ª Importa agora analisar se, inexistindo a oposição alegada, que a existir feriria de nulidade a sentença, foi efectivamente mal aplicada a lei pelo Tribunal “ a quo” no que concerne à subsunção da norma aos factos, quando considera que as partes condicionaram a venda a uma condição suspensiva, a da emissão de alvará de utilização, e se tal condição é ou não valida. 12.ª Relativamente à eventual dependência da venda do imóvel, da emissão do respectivo alvará de utilização defende a recorrente que sendo o contrato de mediação imobiliária um contrato formal, necessariamente reduzido a escrito, o facto de a referida condição não constar de tal documento escrito implicaria necessariamente a sua nulidade. 13.ª De acordo com a sentença, (matéria de facto não impugnada no recurso), ficou provado nestes autos que os imóveis de que os réus eram proprietários, tinham integrado um processo de reconversão urbana e existiam situações que não estavam regularizadas, nomeadamente a moradia que se encontrava em fase de licenciamento, existindo ónus não cancelados e discrepâncias de áreas entre a certidão de registo predial e caderneta predial. 14.ª Ficou ainda provado que tal situação foi comunicada à autora. 15.ª Resulta da lei que não podem ser celebradas escrituras públicas que envolvam a transmissão de prédios urbanos ou de suas fracções sem que se faça perante o notário prova da existência da correspondente licença de utilização. 16.ª A condição acordada que a recorrente diz não ter sido provada, sem fundamentar, resulta afinal da lei. 17.ª Não era o contrato de mediação que estaria sujeito à condição suspensiva mas o contrato de compra e venda, sendo que integrava o contrato de mediação a obtenção por parte da mediadora de toda a documentação necessária à concretização do negócio, o que a autora não cuidou atempadamente. 18.ª Por outro lado, a condição traduz uma cláusula acessória de um negócio jurídico. 19.ª De acordo com o estipulado no artigo 221, n.º 1 do Código Civil as estipulações acessórias anteriores ao documento legalmente exigido para a declaração negocial ou contemporâneas dele são nulas, salvo quando a razão determinante da forma lhes não seja aplicável e se prove que correspondem à vontade do autor. 20.ª Deste preceito resulta que as cláusulas acessórias anteriores a documento escrito ou contemporâneas dele têm de satisfazer essa forma, sob pena de serem nulas, salvo verificando-se três requisitos: d) Tratar-se de estipulações acessórias; e) Não serem abrangidos pela razão de ser da exigência do documento; f) Provar-se que correspondem à vontade das partes. 21.ª Ora a condição em causa é uma estipulação acessória. 22ª Quanto às razões de ser da exigência do documento escrito, prendem-se elas essencialmente, por um lado com a protecção dos consumidores e com a moralização do exercício da actividade de mediação. 23.ª Prendem-se ainda com a necessidade de identificação do imóvel objecto do contrato, com as condições de remuneração, mormente o montante ou percentagem e com o tipo de mediação que se pretende. 24.ª Por outro lado, a inobservância da forma legal acarreta uma invalidade mista, nulidade atípica, já que não pode ser invocada pela empresa mediadora. 25.ª Entendemos assim, que aquela estipulação não está abrangida pela razão de ser do documento não se encontrando ferida de nulidade pelo facto de não ter sido reduzida à forma escrita. 26.ª Alega ainda a recorrente que ao contrário do descrito na sentença, a licença de utilização foi emitida a 9 de Novembro de 2021 e não a 8.02.2022, pelo que e apesar de tal licença não existir aquando da assinatura do documento de reserva, prevendo este um prazo para outorga da escritura de compra e venda de 90 (noventa) dias, estabelecia tempo mais que suficiente para a respectiva emissão, pelo que não foi a falta de licença de utilização a razão pela qual o negócio não foi celebrado. 27.ª Foram juntos pelos réus dois documentos relativos à emissão do alvará de utilização sendo que o referido pela recorrente, alvará n.º 196/21 emitido a 9 de Novembro de 2021, não se encontrava correctamente emitido tendo sido objecto de retificação. 28.ª Deste modo o alvará de utilização correcto e que permitiu a transmissão dos imóveis apenas ficou pronto a 8.02.2022, data da respectiva emissão. 29.ª Assim entendemos não assistir razão à recorrente no vicio alegado, 30.ª Quanto à alegada nulidade da sentença por falta de pronúncia importa referir que a sentença é nula quando o Juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. 31.ª A nulidade da decisão por omissão de pronúncia só acontece quando o acto decisório deixa de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida à apreciação do Tribunal. 32.ª Situação diferente constituem as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, as quais se traduzem em diferente valoração da prova e não constituem questões na dimensão valorativa estipulada no artigo 615, n.º 1, alínea d) do C.P.C. 33.ª Na verdade, são coisas bem diferentes: deixar de conhecer de questões de que devia conhecer e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. 34.ª O que importa é que o Tribunal decida a questão colocada, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos ou razões em que as partes se apoiam para sustentar as suas pretensões. 35.ª Tomadas estas considerações, verificamos que a arguida nulidade é totalmente descabida, pois a respectiva argumentação não constitui mais que uma simples consideração ou argumento lateral criado pela recorrente sem qualquer interesse para a boa decisão da causa. Não ocorre, pois, qualquer omissão de pronuncia. 36.ª Embora não se verificando a alegada omissão, na perspectiva da recorrente consistiria a mesma, na desconsideração por parte do Tribunal “ a quo” de um documento emitido pela Câmara Municipal de …, a 9 de Novembro de 2021, intitulado de alvará de utilização com o n.º 196/21 e cuja referencia e valoração já foi efectuada pelos recorridos, na questão anterior e, que conforme então referido, e decorre do resto da prova documental, se encontrava incorrectamente emitido, tendo sido objecto de rectificação, a qual apenas ficou concluída em 08/02/2022. 37.ª Para além deste documento, a recorrente acusa ainda a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” de ter ignorado por completo uma cláusula fundamental do contrato de mediação imobiliária, apesar de a mesma constar dos factos considerados provados: “Foi convencionado entre as partes que a remuneração seria devida mesmo que a venda fosse concretizada até 12 meses após a vigência do contrato de mediação imobiliária, desde que o comprador fosse formal ou materialmente apresentado pela autora. 38.ª Salvo o devido respeito, e apesar de tal facto não constituir como atrás referido uma omissão por parte do Tribunal, consideramos que, mesmo em termos de erro de julgamento não assiste razão à recorrente. 39.ª Em primeiro lugar resulta da prova produzida que o contrato de mediação celebrado entre as partes foi em regime de não exclusividade. 40.ª A venda não foi celebrada por falta de licenciamento, e não por qualquer conduta imputável aos réus. 41.ª Tendo a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” chegado a esta conclusão, fica prejudicada a análise da referida clausula a qual só fazia sentido se estivéssemos perante um incumprimento contratual por parte dos réus, o que não se verificou. 42.ª Para além de que, ficou provado que os réus rescindiram o contrato de mediação com justa causa. 43.ª No ponto 31) considera-se provado que, nas circunstâncias referidas em 30) os réus informaram a autora de que haviam perdido a confiança nos seus serviços, pelo que tinham deixado de estar interessados na mediação realizada pela autora. Comunicação que efectuaram por escrito a 6.12.2021. – Facto provado 32). 44.ª As circunstâncias determinantes da resolução contratual por parte dos réus constantes da matéria de facto provada prenderam-se com o facto de os imóveis pretendidos vender terem integrado uma AUGI, facto que tinha sido comunicado à autora. 45.ª Os réus não pretenderem assinar contrato promessa sem que a situação registal e de licenciamento estivesse resolvido. 46.ª Por outro lado, depositando confiança na autora, os réus assinaram um documento em inglês, que pensavam tratar-se de uma simples reserva e cujo teor efectivamente desconheciam por não entenderem a língua. 47.ª Só após várias tentativas para lhes ser fornecido uma cópia do documento sem sucesso, é que o mesmo lhes foi entregue e se aperceberam então, do alcance do documento assinado: “Reservation Form”. 48.ª Encontra-se pois perfeitamente justificada a rescisão do contrato, a qual aliás não foi colocada em causa pela autora. 49.ª Por outro lado a venda dos imóveis efectuada em 4/05/2022, a X e Y, através de uma outra mediadora, que tratou de toda a documentação necessária para a respectiva alienação foi em moldes e circunstâncias completamente díspares, quer quanto ao preço quer quanto ao objecto do negócio, não se podendo dizer que existe em concreto um nexo de causalidade entre a actividade desenvolvida pela autora e o negócio efectivamente celebrado. 50.ª Pelo que muito bem decidiu a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo”, devendo manter-se a decisão recorrida, não tendo o Tribunal violado os artigos 615, n.º 1, alínea c) e d) do C.P.C.” *** O Recurso foi devidamente admitido com efeito e modo de subida adequados. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. *** Questões a decidir: Como resulta do disposto pelos artigos 5º; 635º, n.º 3 e 639º n.º 1 e n.º 3, todos do Código de Processo Civil (e é jurisprudência consolidada nos Tribunais Superiores) para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente. Dispõe o art.º 635º do Código de Processo Civil que: “1 - Sendo vários os vencedores, todos eles devem ser notificados do despacho que admite o recurso; mas é lícito ao recorrente, salvo no caso de litisconsórcio necessário, excluir do recurso, no requerimento de interposição, algum ou alguns dos vencedores. 2 - Se a parte dispositiva da sentença contiver decisões distintas, é igualmente lícito ao recorrente restringir o recurso a qualquer delas, uma vez que especifique no requerimento a decisão de que recorre. 3 - Na falta de especificação, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente. 4 - Nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objeto inicial do recurso. 5 - Os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo.” Decorre do n.º 4 desta norma que o objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso. Como pode ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no Proc. 2861/22.3T8BRR.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt: “I - As conclusões exercem a importante função de delimitação do objeto do recurso, e como tal sobre o recorrente recai o ónus de ali sintetizar a argumentação que apresente na motivação do recurso, procedendo à enunciação dos fundamentos de facto e/ou de direito que constituem as premissas essenciais do encadeamento lógico que conduzirá à pretendida alteração ou a anulação da decisão recorrida. II - Devem corresponder à identificação, clara e rigorosa, dos fundamentos que justificam a pretensão formulada, e que não se confundem com os argumentos que possam ser apresentados na motivação ou corpo das alegações, de ordem jurisprudencial ou doutrinal. III - A forma sintética como devem ser apresentadas as conclusões, permite ao recorrido responder de modo adequado, no cabal exercício do contraditório, mas também facilita a delimitação do objeto do recurso ao tribunal ad quem, potencializando uma maior eficácia na realização da Justiça. IV - Tal formulação deve ser interpretada, todavia, de forma flexível, deixando a aplicação da cominação somente para aqueles casos em que não é de todo possível, ou for muito difícil, determinar as questões submetidas à apreciação do tribunal superior, ou não haja qualquer síntese, não se conseguindo assim vislumbrar qualquer conteúdo útil nas alegações/conclusões, pressupondo desse modo a ininteligibilidade das questões suscitadas no recurso.” No caso dos autos, pese embora faça referência a nulidades da Sentença, nada consta a este respeito nas Conclusões formuladas pela Recorrente, pelo que, nos termos da fundamentação supra, não constitui tal alegação objecto do Recurso. Desta forma, observadas as Conclusões formuladas pela Recorrente, são as seguintes as questões a apreciar: - Dos pressupostos para uma eventual reapreciação da matéria de facto; - Do erro de julgamento, nomeadamente, se o Tribunal decidiu com fundamento numa cláusula acessória (condição suspensiva) nula nos termos do artigo 16.º, n.º 1 do Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliária. *** Fundamentação de Facto: Na 1ª instância proferiu-se a seguinte Decisão sobre a Matéria de Facto: “1. Factos Provados 1) A A. e os RR. outorgaram um escrito intitulado “contrato de mediação imobiliária”, em 23 de julho de 2021. 2) O aludido escrito referido em 1) respeita a um imóvel urbano sito na …, do qual os réus eram proprietários. 3) Autora e Réus acordaram que aquela promoveria a venda do imóvel identificado em 2), em regime de não exclusividade, pelo preço mínimo de €410.000,00. 4) No contrato identificado em 1) foi referido que o imóvel se encontrava livre de ónus ou encargos. 5) As partes acordaram que a remuneração devida à A. pelos seus serviços seria na quantia correspondente a 5% do preço da venda do imóvel, acrescida de IVA à taxa legal em vigor, com um valor mínimo de 6.000,00€. 6) Foi convencionado entre as partes que a remuneração seria devida mesmo que a venda fosse concretizada até 12 meses após a vigência do contrato de mediação imobiliária, desde que o comprador fosse formal ou materialmente apresentado pela Autora. 7) Foi acordada uma validade de nove meses, contados da data da sua celebração, para a vigência do contrato, podendo as partes denunciá-lo por carta registada com aviso de receção, até 15 dias antes do seu termo, renovando-se o contrato automaticamente e por iguais períodos de tempo, caso nenhuma das partes o denunciasse. 8) Em agosto de 2021, a Autora obteve uma proposta de compra pelo valor de 465.000,00€ (quatrocentos e sessenta e cinco mil euros), valor que os réus aceitaram. 9) A proposta referida em 8) foi efetuada por X e Y, casal, o primeiro de nacionalidade canadiana e a segunda de nacionalidade britânica. 10) Em 9.8.2021, os réus e os potenciais compradores, identificados em 9), assinaram um documento intitulado “Reservation Form”, integralmente redigido em idioma inglês. 11) Na sequência do vertido em 10), os potenciais compradores procederam à transferência do montante de 2.500,00€ (dois mil e quinhentos euros) para a autora. 12) Na sequência do vertido em 10), os potenciais compradores emitiram um cheque bancário, no montante de €70.000,00, à ordem do réu S…, datado de 20.8.2021. 13) A A. procedeu à marcação da data para a assinatura da promessa de compra e venda e somente os potenciais compradores compareceram e assinaram um escrito intitulado “Contrato Promessa Compra e Venda”, datado de 13.8.2021. 14) A autora diligenciou pela obtenção de certidões junto da Câmara Municipal de …. 15) Através da apresentação número 2555, de 2022/05/04, foi registada no imóvel identificado em 2) a aquisição por X e Y. A venda foi realizada com a intervenção da agência imobiliária CM… e os réus pagaram a esta agência o valor de € 29.520,00 a título de remuneração. 16) Em julho de 2021, em data não concretamente apurada, os réus, após alguns contactos prévios informais com a autora, a propósito de uns imóveis que tinham para venda, foram contactados por uma consultora imobiliária na sua residência. 17) À data da celebração do contrato de mediação imobiliária, os Réus eram proprietários do prédio urbano situado na…, lote de terreno destinado a construção, com área total de 681,3 m2, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da União das freguesias da…, concelho de …, descrito na Primeira Conservatória de Registo Predial de … sob o n.º…, no qual se encontra implantada uma moradia unifamiliar em alvenaria, composta de garagem, casa de banho, varanda, rés-do-chão com três divisões, cozinha, casa de banho, vestíbulo, despensa, varanda e primeiro andar com três divisões, duas casas de banho, corredor e três varandas. 18) À data da celebração do contrato de mediação imobiliária, os réus eram proprietários do prédio urbano sito na …, lote de terreno destinado a construção, com a área total de 351,00 m2, inscrito na matriz predial urbana da União das freguesias da…, concelho de … sob o artigo …. 19) Os imóveis identificados em 17) e 18) são contíguos. 20) Os réus pretendiam proceder à venda dos dois imóveis referidos em 17) e 18). 21) Os réus informaram a autora, na pessoa da consultora que se deslocou à sua residência, que pretendiam vender os dois prédios pelo valor de €490.000,00 (quatrocentos e noventa mil euros). 22) Os imóveis em causa integraram um processo de reconversão urbanística. 23) Em face do vertido em 22), a moradia encontrava-se ainda em fase de licenciamento, existiam ónus registados ainda não cancelados e discrepância de áreas entre a certidão de registo predial e a caderneta predial. 24) Os réus informaram a autora de que os imóveis tinham integrado um processo de reconversão urbana e existiam situações que ainda não estavam regularizadas. 25) O réu tem 84 anos de idade e o 4.º ano de escolaridade. 26) O réu não compreende o idioma inglês. 27) A ré tem 80 anos de idade e o 2.º ano de escolaridade. 28) A ré não compreende o idioma inglês. 29) Após a assinatura do documento intitulado “Reservation Form”, os réus deslocaram-se à agência imobiliária a fim de solicitarem uma cópia do documento, o que conseguiram apenas após várias deslocações (em número não concretamente apurado). 30) Quando os réus foram contactados telefonicamente pela autora com vista à assinatura do contrato promessa de compra e venda, informaram que a situação registal e de licenciamento não estava resolvida, pelo que não iriam assinar tal contrato. 31) Nas circunstâncias referidas em 30), os réus informaram a autora de que haviam perdido a confiança nos seus serviços, pelo que tinham deixado de estar interessados na mediação realizada pela autora. 32) Através de carta enviada em 6.12.2021, os réus comunicaram à autora, designadamente, o seguinte: “vimos por este meio comunicar a V. Exas. formalmente, pois já vos havíamos comunicado presencialmente, depois de inúmeras tentativas de obtermos os documentos que tinham nossos. Por falta de confiança deslocámo-nos à loja, pois não me deram qualquer prova documentada contratual e o único papel que consegui obter encontra-se em inglês, idioma que desconhecemos na totalidade, assim mais uma vez e por escrito, rescindimos o contrato de Mediação Imobiliária ou qualquer outro que nos ligue a esta empresa” (sic). * 1. Factos não provados a) Que, quando assinaram o documento intitulado “Reservation Form”, os réus tivessem compreendido que as suas cláusulas previam: i) Que o contrato promessa de compra e venda seria celebrado no prazo máximo de 15 dias; ii) Que, caso não fosse outorgada promessa de compra e venda, a escritura deveria ser marcada no prazo máximo de 10 dias; iii) Que, uma vez aceite a proposta e entregue o valor de reserva, o vendedor se obriga a devolver ao proponente comprador o dobro do valor recebido em caso de incumprimento; iv) Que aquele documento produz efeitos entre as partes até à assinatura do contrato promessa ou da escritura ou título particular de compra e venda. b) Que a autora tivesse diligenciado pela obtenção da caderneta predial e do certificado energético. c) Que, quando a autora contactou os réus telefonicamente a propósito da assinatura do contrato promessa de compra e venda, estes tivessem informado que não iriam comparecer e que desistiam da venda porque já não tinham interesse na concretização do negócio e por entenderem que o imóvel tinha um valor superior. d) Ao declinarem a assinatura do contrato promessa de compra e venda mediado pela autora, os réus pretenderam evitar o pagamento da comissão, tendo optado por negociar diretamente com os compradores que lhes foram apresentados pela autora. e) Que o teor do contrato referido em 1) não tivesse sido explicado aos réus. *** IV. Da Reapreciação da Matéria de Facto. Nas suas Conclusões de recurso a Recorrente insurge-se contra o entendimento sobre a prova produzida, nomeadamente relativamente ao entendimento que considera que os réus condicionaram a venda a um determinado acontecimento futuro e incerto - a emissão de alvará de utilização, referindo: “4) É contrária à prova produzida porque a aludida cláusula nunca foi alegada por nenhuma das partes, foi ficcionada pelo Tribunal e mesmo os factos em que assenta a decisão judicial foram invocados apenas pelo R. S…, em depoimento de parte, nunca tendo sido reconhecidos ou admitidos pela A. ou sequer alegados por escrito pelos RR.; 5) Ignora também a prova produzida porque reconhece que a A. exerceu atividade em cumprimento do contrato de mediação, que arranjou compradores para o imóvel, que reuniu com os RR e que estes aceitaram a proposta de compra e venda, que foi assinado um contrato promessa pelos compradores, que foram levadas a cabo inúmeras diligências para venda, quer pela A. quer pelos RR (designadamente a obtenção da licença de utilização, presença em reuniões com os compradores, aceitação de propostas), o que não se coaduna de todo com a ideia de um contrato de efeitos suspensos até à verificação de uma condição, o suposto levantamento da licença de utilização pelos RR; 6) Contraria ainda a prova produzida ao desvalorizar um documento essencial junto aos autos que é um alvará de utilização de edificação com o nº 196/21 no qual consta que, por despacho de 9 de Novembro de 2021, foi autorizada a habitação do prédio dos autos e emitido o respectivo alvará de licença de utilização. Este documento prova manifestamente que, mesmo que tivesse sido convencionada a suposta condição suspensiva no contrato de mediação dos autos, esta se teria verificado na vigência do mesmo e desta forma o contrato teria produzido efeitos, contrariamente ao que pretende a sentença recorrida;(…)”. Do que decorre que pretende a Recorrente pôr em causa o que ficou decidido quanto à factualidade em causa e que genericamente invoca. O actual Código de Processo Civil introduziu um duplo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, sujeitando a sua admissão aos requisitos previstos pelo art.º 640º do Código de Processo Civil. Embora tal reapreciação tenha alcançado contornos mais abrangentes, não pretendeu o Legislador que se procedesse, no Tribunal Superior, a um novo Julgamento, com a repetição da prova já produzida nem com o mesmo limitar de alguma forma o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção, face ao qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção firmada acerca de cada facto controvertido. Posto isto, para que o Tribunal Superior assim se possa pronunciar sobre a prova produzida e reapreciar e decidir sobre a matéria de facto, sem que tal acarrete na verdade todo um novo julgamento e repetição da prova produzida, impõe-se à parte que assim pretende recorrer que cumpra determinados requisitos, previstos no citado art.º 640º do Código de Processo Civil: “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto 1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.” Na reapreciação da matéria de facto há que levar em consideração ainda o que dispõe o art.º 662º do Código de Processo Civil, tendo a Relação autonomia decisória “competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com a observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia” (conf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª Ed., pg. 287). Como sintetiza ainda este Autor, ob. cit., pg. 165 e 166, o Recorrente deve: - Indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com a enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; - Especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; - Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considera oportunos; - O recorrente pode sugerir à Relação a renovação da produção de certos meios de prova, nos termos do artigo 662º, n.º 2, a), ou mesmo a produção de novos meios de prova nas situações referidas na alínea b); - O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente. Concomitantemente, o recurso deve ser rejeitado, total ou parcialmente, sempre que se verifique alguma das seguintes situações: - Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto, conf. art.º 635º, n.º 4 e 641º, n.º 2, b); - Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados – art.º 640º, n.º 1, a); - Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados; - Falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; - Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação. Finalmente, a inobservância destes requisitos leva à rejeição (total ou parcial) do recurso para reapreciação de matéria de facto sem possibilidade de aperfeiçoamento (como defendido por Abrantes Geraldes, ob. cit., pg. 167). Estas regras são a concretização do espirito que presidiu à criação de um verdadeiro segundo grau jurisdição na apreciação da matéria de facto levado a cabo pelo DL nº 39/95, de 15/2 em cujo preâmbulo se pode ler(…), “a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso. Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido.” Nesse sentido, impôs-se ao recorrente um “especial ónus de alegação”, no que respeita “à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação”, em decorrência “dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos das relações (resultante da nova redacção do artigo 712º [actual 662º]) – e a consequente ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1ª instância – possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito e julgado de uma decisão inquestionavelmente correcta. Daí que se estabeleça”, continua o mesmo preâmbulo, “no [então] artigo 690º-A, que o recorrente deve, sob pena de rejeição do recurso, além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, impunham diversa decisão sobre a matéria de facto.” A parte que impugna a decisão proferida sobre matéria de facto tem, assim, um duplo ónus: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente qual a parcela ou segmento da decisão proferida que considera viciada por erro de julgamento; fundamentar, em termos concludentes, as razões por que discorda do decidido, indicando ou concretizando os meios probatórios (constantes de auto ou documento incorporado no processo ou de registo ou gravação nele realizada) que implicavam decisão diversa da tomada pelo tribunal, quanto aos pontos da matéria de facto impugnados - veja-se Carlos Lopes do Rego, Comentários ao Código do Processo Civil, Almedina, pág. 465 e ss. Com as alterações introduzidas pelo NCPC foi acrescido outro ónus ao recorrente: a obrigação de indicar a decisão que preconiza para as concretas questões de facto impugnadas, conf. al. c) do n.º 1 do art.º 640.º Não basta dizer que as quer ver modificadas, haverá que dizer em que sentido pretende essa modificação. De “provado” deve passar a “não provado”, ou de “não provado” a “provado” ou “provado apenas que…”. Na análise do recurso de facto importa, por um lado, atender a que a regra do nosso sistema de recurso é o da reponderação e não de reexame e que, por outro, vigora entre nós o princípio da livre convicção do julgador, mas essa aquisição de convicção tem que ser ponderada e fundamentada, como decorre do art.º 607º do Código de Processo Civil. O julgador tem liberdade para formar a sua convicção sobre os factos, mas o que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique “os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente” - Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2.ª ed., pág.348. O que ao tribunal de segunda jurisdição compete é, então, apurar da razoabilidade da convicção probatória do primeiro grau dessa mesma jurisdição, face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos. Quanto aos poderes do tribunal da Relação, no âmbito da modificação da matéria de facto rege o art.º 662.º, do Código de Processo Civil, onde se dispõe no seu n.º 1: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.” Daqui se extrai que não basta que da prova produzida seja possível extrair outra convicção; antes decorre que a alteração só poderá ocorrer se houver elementos que “imponham” outra resposta, ou seja, se se denotar um erro na resposta dada. É este o sentido a dar à exigência que se impõe ao recorrente - não só de indicar quais os meios probatórios que impõem uma decisão diferente, também fazer a análise crítica dos mesmos; ou seja: apontar as razões pelas quais os meios que o juiz indicou, como tendo estado na base da sua convicção e que fundamentam a resposta, devem ceder perante os elementos que o recorrente indica no recurso. Cabe-lhe assim indicar, de forma fundamentada, apoiada em meios de prova diversos ou dando-lhes outra interpretação, por que razão os meios de prova invocados pelo julgador, como suporte da sua decisão, devem sucumbir em face dos elementos de prova indicados pelos recorrentes ou ser diversamente interpretados. No caso, a Recorrente, apesar de alegar discordância sobre a fundamentação de facto constante da Sentença, não cumpriu com o ónus que se lhe impunha, nomeadamente, não indicou os concretos pontos de facto que considerou incorrectamente julgados (por referência, naturalmente, aos pontos da matéria de facto assentes ou dos factos não provados constantes da Sentença); nem, por consequência, especificou relativamente a cada facto qual os meios de prova que, em seu entender, fundamentariam decisão diversa; nem faz a análise crítica das provas e convicção do julgador nem formulou a decisão que, em seu entender, seria ser aquela que o Tribunal deveria ter tomado em relação aos concretos pontos de facto sobre os quais discordaria. No seu recurso, a Recorrente limita-se a formular as razões da sua discordância de um modo genérico e vago, não sendo da competência desta Relação tentar delimitar o que assim ficou exposto, nem proceder na íntegra a um segundo julgamento, analisando toda a prova produzida e toda a factualidade em causa. Deste modo, impõe-se a rejeição do recurso sobre a reapreciação da matéria de facto. *** V. Do Direito. Inalterada a fundamentação de facto constante da Sentença, vejamos se mal andou o Tribunal de 1ª Instância ao decidir como decidiu. Resultou assente nos autos e não foi posto em causa no presente Recurso que entre A. e RR. foi celebrado um contrato de mediação imobiliária, tendo por objecto obter interessado para a compra e venda do imóvel, então propriedade dos RR., imóvel urbano sito na …. Autora e Réus acordaram que aquela promoveria a venda do imóvel em regime de não exclusividade, pelo preço mínimo de €410.000,00. A este contrato aplica-se a Lei 15/2013, de 8 de fevereiro, que estabelece o regime jurídico a que fica sujeita a atividade de mediação imobiliária, conformando-o com a disciplina constante do Decreto-Lei n.º 92/2010, de 26 de julho, que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2006/123/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno, com as alterações do Decreto-Lei n.º 102/2017, de 23 de agosto. Nos termos do art.º 2º da Lei 15/2013: “1 - A atividade de mediação imobiliária consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objeto bens imóveis. 2 - A atividade de mediação imobiliária consubstancia-se também no desenvolvimento das seguintes ações: a) Prospeção e recolha de informações que visem encontrar os bens imóveis pretendidos pelos clientes; b) Promoção dos bens imóveis sobre os quais os clientes pretendam realizar negócios jurídicos, designadamente através da sua divulgação ou publicitação, ou da realização de leilões. 3 - Considera-se empresa de mediação imobiliária a pessoa singular ou coletiva cujo domicílio ou sede se situe em qualquer Estado do Espaço Económico Europeu e, sendo pessoa coletiva, tenha sido constituída ao abrigo da lei de qualquer desses Estados e se dedique à atividade de mediação imobiliária, referida nos números anteriores. 4 - As empresas de mediação imobiliária podem ainda prestar serviços que não estejam legalmente atribuídos em exclusivo a outras profissões, de obtenção de documentação e de informação necessários à concretização dos negócios objeto dos contratos de mediação imobiliária que celebrem. 5 - Considera-se destinatário do serviço, para efeitos do número anterior, a pessoa ou entidade que celebra com o cliente da empresa de mediação imobiliária qualquer negócio por esta mediado. 6 - É designada por cliente a pessoa ou entidade que celebra com uma empresa habilitada nos termos da presente lei um contrato visando a prestação de serviços de mediação imobiliária.” Quanto à forma prevista para o contrato estipula o art.º 16º da Lei 15/2013 que: “1 - O contrato de mediação imobiliária é obrigatoriamente reduzido a escrito. 2 - Do contrato constam, obrigatoriamente, os seguintes elementos: a) A identificação das características do bem imóvel que constitui objeto material do contrato, com especificação de todos os ónus e encargos que sobre ele recaiam; b) A identificação do negócio visado pelo exercício de mediação; c) As condições de remuneração da empresa, em termos fixos ou percentuais, bem como a forma de pagamento, com indicação da taxa de IVA aplicável; d) A identificação do seguro de responsabilidade civil ou da garantia financeira ou instrumento equivalente previsto no artigo 7.º, com indicação da apólice e entidade seguradora ou, quando aplicável, do capital garantido; e) A identificação do angariador imobiliário que, eventualmente, tenha colaborado na preparação do contrato; f) A identificação discriminada de eventuais serviços acessórios a prestar pela empresa; g) A referência ao regime de exclusividade, quando acordado, com especificação dos efeitos que do mesmo decorrem, quer para a empresa quer para o cliente. 3 - Quando o contrato for omisso quanto ao respetivo prazo de duração, considera-se celebrado por um período de seis meses. 4 - Os modelos de contratos com cláusulas contratuais gerais de mediação imobiliária só podem ser utilizados pela empresa após aprovação prévia dos respetivos projetos pelo Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção, I. P. (IMPIC, I. P.). 5 - Para a aprovação prévia prevista no número anterior, a empresa submete o projeto de modelo de contrato ao IMPIC, I. P., por via preferencialmente eletrónica. 6 - Sempre que a empresa utilize o modelo de contrato com cláusulas contratuais gerais aprovado por portaria dos membros do Governo das áreas da justiça, do imobiliário e da defesa do consumidor, está dispensada da aprovação prévia prevista no n.º 4, devendo depositar o modelo de contrato, por via preferencialmente eletrónica, junto do IMPIC, I. P. 7 - O incumprimento do disposto nos n.ºs 1, 2, 4 e 6 determina a nulidade do contrato, não podendo esta, contudo, ser invocada pela empresa de mediação. 8 - O disposto nos números anteriores aplica-se apenas a contratos sujeitos à lei portuguesa. 9 - Quando, por motivo de indisponibilidade técnica, não for possível o cumprimento do disposto nos n.ºs 5 e 6, pode ser utilizado qualquer outro meio legalmente admissível.” Ao celebrar um contrato de mediação imobiliária, impõe a Lei à Mediadora os seguintes Deveres para com os clientes e destinatários, conforme resulta do art.º 17º: “1 - A empresa de mediação é obrigada a: a) Certificar-se, no momento da celebração do contrato de mediação, que os seus clientes têm capacidade e legitimidade para contratar nos negócios que irá promover; b) Certificar-se da correspondência entre as características do imóvel objeto do contrato de mediação e as fornecidas pelos clientes; c) Propor aos destinatários os negócios de que for encarregada, fazendo uso da maior exatidão e clareza quanto às características, preço e condições de pagamento do imóvel em causa, de modo a não os induzir em erro; d) Comunicar imediatamente aos destinatários qualquer facto que possa pôr em causa a concretização do negócio visado. 2 - Está expressamente vedado à empresa de mediação: a) Receber remuneração de clientes e destinatários no mesmo negócio; b) Intervir como parte interessada em qualquer negócio que incida sobre imóvel compreendido no contrato de mediação de que seja parte; c) Celebrar contratos de mediação imobiliária quando as circunstâncias do caso permitirem, razoavelmente, duvidar da licitude do negócio cuja promoção lhe for proposta; d) Proceder à avaliação imobiliária dos imóveis objeto da mediação, bem como de todos os imóveis integrados nas carteiras das mediadoras imobiliárias com as quais mantenha qualquer relação de domínio ou de grupo ou daquelas que se apresentem no mercado sob a mesma marca comercial. 3 - A proibição contida na alínea b) do número anterior aplica-se igualmente no caso de o interessado no negócio ser sócio ou representante legal da empresa de mediação, ou ser cônjuge, ascendente ou descendente no 1.º grau de qualquer daqueles. 4 - O disposto nos números anteriores aplica-se apenas a contratos sujeitos à lei portuguesa.” Finalmente e para o que aqui interessa, quanto à remuneração da empresa estabelece o art.º 19º: “1 - A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra. 2 - É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel. 3 - Quando o cliente for um potencial comprador ou arrendatário, a empresa, desde que tal resulte expressamente do respetivo contrato de mediação imobiliária, pode cobrar quantias a título de adiantamento por conta da remuneração acordada, devendo as mesmas ser devolvidas ao cliente caso o negócio não se concretize. 4 - O direito da empresa à remuneração cujo pagamento caiba ao cliente proprietário de imóvel objeto de contrato de mediação não é afastado pelo exercício de direito legal de preferência sobre o dito imóvel. 5 - O disposto nos números anteriores aplica-se apenas a contratos sujeitos à lei portuguesa.” Ora, decorre dos preceitos supra referidos; - que a mediação, em sentido técnico ou estrito, é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a conseguir interessado para um dos negócios mencionados na Lei incidente sobre bens imóveis e a aproximar esse interessado da outra parte; - que a função do mediador (mero intermediário que desenvolve uma actividade somente material e preparatória) consiste em aproximar duas ou mais partes que desejam realizar um negócio, actuando em nome próprio (e não em representação daquelas), facilitando-lhes a conclusão do negócio pretendido; - que o mediador, devido ao risco/álea inerente à actividade comercial da mediação, apenas tem direito a ser remunerado quando a sua actuação determine a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação, o que significa que tem que existir um nexo de causalidade adequada entre a sua actividade e a realização do negócio pretendido, de modo a que possa afirmar-se que a concretização deste foi o corolário ou a consequência daquela actuação (cfr., quanto ao que se deixou dito, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3/4/2008, processo n.º 07B4498, disponível em www.dgsi.pt e, ainda, Pedro Pais de Vasconcelos, in Direito Comercial, Volume I, 2011, Parte Geral, Contratos Mercantis, Almedina, pág. 197, Menezes Cordeiro, in Do Contrato de Mediação, O Direito, ano 139, III, págs. 516 e segs.). Deste modo, tem sido entendimento que se trata de um contrato de prestação de serviços, pelo que, para que o mediador cumpra a sua prestação contratual, não é suficiente que desenvolva determinada actividade, mas que através dela proporcione à outra parte um determinado resultado - art.º 1154.º do Código Civil (cfr., entre outros, os acórdãos da Relação do Porto de 2/6/2011, processo n.º 141/09.9TBMAI.P1 e de 8/9/2011, processo n.º 340957/10.2YIPRT.P1 disponíveis em www.dgsi.pt). A Lei prevê uma excepção a este entendimento; no caso do contrato seja celebrado em regime de exclusividade é igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário do bem imóvel. Ainda assim, para além da celebração do negócio em regime de exclusividade e do estabelecimento de um nexo de causalidade entre a conduta do próprio vendedor e o facto de o negócio visado não ter sido celebrado, continua a exigir-se “(…) que a mediadora cumpra a sua prestação contratual e pratique actos de mediação e promoção adequados e suficientes à conclusão do negócio” – conf. Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 14/6/2012, Proc. n.º 4620/05.9YXLSB.L1-6. No caso não estamos perante um contrato celebrado em regime de exclusividade, pelo que o direito à remuneração apenas ocorre com a conclusão do negócio, i. é, com a compra e venda do imóvel nos termos que entre A. e RR. ficou estabelecido. A exigência do nexo causal, a respeito do direito à remuneração no contrato de mediação em geral, é enunciada na doutrina do seguinte modo: - “(…) só o negócio cuja celebração advenha (exclusivamente ou não) da actuação do mediador relevará, para este efeito. A prestação do mediador terá de ser causal, em relação ao negócio celebrado entre o comitente e o terceiro. Todavia, o mediador não assume já o risco da boa execução do contrato promovido, sendo indiferente, para o efeito, o cumprimento ou incumprimento contratual.” (Carlos Lacerda Barata, Contrato de Mediação, cit., pág. 203). - “(…) cabe apurar em que consiste e como se identifica esse nexo causal. O critério determinante deverá ser o da ligação psicológica entre a actividade do mediador e a vontade de o terceiro concluir um contrato com o comitente – e a afirmação dessa ligação não deve ser posta em causa pelo lapso temporal entretanto decorrido entre o exercício da actividade e a conclusão do contrato, nem pelos factos ocorridos nesse período de tempo, v. g., a intervenção de um novo mediador.” (Maria de Fátima Ribeiro, O contrato de mediação, cit., pág. 101). - “A necessidade de um nexo causal entre a atividade do mediador e o evento de que depende a sua remuneração – normalmente a celebração do contrato desejado – tem sido consistentemente afirmada pela doutrina e pela jurisprudência. A atividade do mediador deve ter contribuído de forma decisiva ou importante para a conclusão do contrato, não tendo, porém, que ser a única causa. É visível a consciência da importância do nexo de causalidade na solução de vários problemas: desfasamento temporal entre a vigência do contrato de mediação e a conclusão do contrato visado; contribuição de vários mediadores; celebração do contrato com interessado diferente do angariado pelo mediador. (…) [É necessário] “que a atividade do mediador tenha contribuído para essa celebração, ou seja, que se verifique um nexo entre a sua atividade e o contrato a final celebrado, aferindo-se o cumprimento do mediador pela existência desse nexo. A necessidade de um tal nexo decorre dos compromissos assumidos pelas partes no âmbito da relação contratual de mediação imobiliária e é incansavelmente lembrada pela jurisprudência. Tem por função afastar a retribuição quando o nexo causal não se estabelece, mas também mantê-la quando, após o seu estabelecimento, actos alheios ao comportamento do mediador conduzem à sua aparente quebra” (Higina Orvalho Castelo, O Contrato de Mediação, Almedina, Coimbra, 2014, págs. 298-299). Feito este enquadramento, insurge-se a A. no presente recurso contra o entendimento efecutado na Sentença sobre a existência de uma condição suspensiva para a vigência do contrato de mediação imobiliária celebrado, entendendo a Juiz a quo que “… resultou provado que os réus condicionaram a venda a um determinado acontecimento futuro e incerto: a emissão de alvará de utilização.” Ora, da matéria de facto assente não resulta que tenha sido estipulada entre as partes tal cláusula acessória. O que resultou assente a este respeito foi que “4) No contrato identificado em 1) foi referido que o imóvel se encontrava livre de ónus ou encargos. (…) 14) A autora diligenciou pela obtenção de certidões junto da Câmara Municipal de Almada. (…) 22) Os imóveis em causa integraram um processo de reconversão urbanística. 23) Em face do vertido em 22), a moradia encontrava-se ainda em fase de licenciamento, existiam ónus registados ainda não cancelados e discrepância de áreas entre a certidão de registo predial e a caderneta predial. 24) Os réus informaram a autora de que os imóveis tinham integrado um processo de reconversão urbana e existiam situações que ainda não estavam regularizadas. (…) 30) Quando os réus foram contactados telefonicamente pela autora com vista à assinatura do contrato promessa de compra e venda, informaram que a situação registal e de licenciamento não estava resolvida, pelo que não iriam assinar tal contrato.” Não se retira desta factualidade que as partes tivessem convencionado (ainda que verbalmente) uma condição suspensiva para a produção de feitos do contrato de mediação imobiliária. O que resulta desta factualidade é que existia uma condição objectiva que impedia que o contrato de compra e venda fosse celebrado sem que as questões de índole administrativa e registral estivessem regularizadas. O contrato entrou imediatamente em vigor na data da sua celebração - em 23 de julho de 2021, tendo ficado estipulado pelas partes que o mesmo teria uma validade de nove meses – ou seja, até 23 de abril de 2022 - contados da data da sua celebração, para a vigência do contrato, podendo as partes denunciá-lo por carta registada com aviso de receção, até 15 dias antes do seu termo, renovando-se o contrato automaticamente e por iguais períodos de tempo, caso nenhuma das partes o denunciasse. O contrato veio a ser denunciado pelos RR. em 6/12/2021 (Facto 32), o que não é posto em causa na acção pela A. Nesse período de tempo não foi celebrado o contrato de compra e venda, pelo que não chegou a haver concretização do negócio, donde decorre que a remuneração não seria devida à A. Pretende, porém a A. que ao caso deve ter aplicação a cláusula assente em 6): “Foi convencionado entre as partes que a remuneração seria devida mesmo que a venda fosse concretizada até 12 meses após a vigência do contrato de mediação imobiliária, desde que o comprador fosse formal ou materialmente apresentado pela Autora.” Resultou provado que a A. em agosto de 2021 obteve uma proposta de compra pelo valor de 465.000,00€ (quatrocentos e sessenta e cinco mil euros), valor que os réus aceitaram; a proposta foi efetuada por X e Y, casal, o primeiro de nacionalidade canadiana e a segunda de nacionalidade britânica, que chegaram a assinar, juntamente com os RR., um documento intitulado “Reservation Form”, integralmente redigido em idioma inglês. A A. procedeu à marcação da data para a assinatura da promessa de compra e venda e somente os potenciais compradores compareceram e assinaram um escrito intitulado “Contrato Promessa Compra e Venda”, datado de 13.8.2021; os RR. não compareceram tendo nessa data informado a A. que a situação registal e de licenciamento não estava resolvida, pelo que não iriam assinar tal contrato. Resultou ainda assente que a compra e venda em causa veio a realizar-se entre RR. e os potenciais compradores, tendo sido registada através da apresentação número 2555, de 2022/05/04. A venda foi realizada com a intervenção da agência imobiliária CM… e os réus pagaram a esta agência o valor de €29.520,00 a título de remuneração. A venda ocorreu no período de um ano após a vigência do contrato de mediação imobiliária. Cumpre apreciar se a cláusula invocada pela A. deve ter aplicação. A cláusula em causa tem a função de prevenir a actuação ilícita dos contraentes que, após celebrar um contrato de mediação imobiliária, façam cessar aquele contrato após ter conhecimento da identidade de eventuais interessados, mercê da actividade desenvolvida pela empresa de mediação imobiliária, e venham posteriormente a celebrar o contrato em causa com esses interessados, procurando dessa forma eximir-se ao pagamento da comissão acordada. Sucede que resultou Não Provado nos presentes autos que “d) Ao declinarem a assinatura do contrato promessa de compra e venda mediado pela autora, os réus pretenderam evitar o pagamento da comissão, tendo optado por negociar diretamente com os compradores que lhes foram apresentados pela autora”, o que desde logo afastava esta situação do âmbito do escopo e finalidade da cláusula em causa, determinando a sua inaplicabilidade ao caso. Mas mais. Na execução de qualquer contrato, as partes estão também obrigadas a deveres acessórios de conduta (protecção, informação e lealdade) que surgem no âmbito das relações específicas, pelos quais tanto o devedor como o credor devem obedecer a princípios de correcção e colaboração recíprocas, por forma a permitir a plena satisfação do interesse do credor sem sacrifícios excessivos para qualquer das partes - princípio da boa fé, tal como plasmado no art.º 762º do Código Civil. A A. violou com a sua actuação os deveres a que está sujeita, desde logo, de informação (de que são exemplo os previstos os previstos pelo art.º 17º, n.º 1, c) e d) da Lei 15/2013), ao celebrar um contrato de mediação fazendo constar que o imóvel estava livre de ónus ou encargos, face ao que se provou em 16) a 24); a A., incompreensivelmente, redige um documento totalmente em língua inglesa, que os RR. não dominam, sem que faculte imediatamente aos RR. a pertinente tradução; é legitimo considerar que a A. manifestamente pretendeu pressionar os RR. à celebração do contrato promessa – veja-se o que consta em 25) a 29) e o lapso temporal que mediou entre 10) e 13), pelo que legitimamente os RR. perderam a confiança na A. – Facto 31). Verificando-se ainda que os RR. se socorreram de outro mediador imobiliário, constando da escritura o pagamento da comissão devida, não há fundamento ou pressuposto fáctico que leve à aplicação da cláusula em causa, atento o escopo da mesma. Eventualmente a questão que se poderia colocar era entre a A. e o outro Mediador imobiliário, encontrando-se, porém, esta questão fora do âmbito deste processo e recurso. Pelo exposto, deve manter-se a Sentença proferida, mas com a fundamentação supra. * VI. Das Custas. Vencida na causa é a Recorrente a responsável pelo pagamento das custas devidas, nos termos do art.º 527, n.º 1 e n.º 2 do Código de Processo Civil. *** DECISÃO: Por todo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o Recurso interposto, mantendo-se, embora com fundamentação diversa, a Sentença Recorrida. Custas pela Recorrente. * Registe e notifique. Lisboa, 10/10/2024 Vera Antunes Adeodato Brotas António Santos |