Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | SÉRGIO ALMEIDA | ||
Descritores: | CONTRATO DE TRABALHO TEMPORÁRIO CONTRATO DE UTILIZAÇÃO DE TRABALHO TEMPORÁRIO CONCORRÊNCIA DE NULIDADES INDEMNIZAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/09/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I. Sendo nulos, nos termos previstos no art.º 180.º do Código do Trabalho, o contrato de utilização de trabalho temporário (arts. 175.º e ss. CT) celebrado entre a 1.ª e a 2.ª R., esta na qualidade de utilizadora, e o contrato de trabalho celebrado entre a autora e a 1.ª R., considera-se que o trabalho é prestado ao utilizador em regime de contrato de trabalho sem termo. II. Pretendendo o trabalhador ser indemnizado por despedimento, cabe-lhe alegar e provar que foi despedido pelo empregador, no caso, o utilizador. III. A indemnização prevista nos arts. 180.º, n.º 3, e 173.º, n.º 6, do CT, deve ser demandada no prazo de 30 dias seguintes ao início da prestação da atividade. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO Autora (A.) e recorrente: AA Rés (RR.) e recorridas: Randstad Recursos Humanos – Empresa de Trabalho Temporário, S. A. e Randstad II – Prestação de Serviços, Lda[1]. A A. propôs a presente acção declarativa, sob a forma comum, contra as RR. identificadas, alegando que celebrou com a 1ª Ré contrato de trabalho, o qual a Ré fez cessar em 08.05.2022. Como justificação para o recurso à contratação a termo foi invocado um contrato de prestação de serviços com a NOS Madeira. O número de renovações excedeu as seis previstas e para a inexistência ou ausência de motivos para o CUTT é responsável a 2ª Ré. E pelas demais irregularidades é responsável a 1ª Ré. Quanto à matéria pecuniária a responsabilidade das Rés é solidária. E a Autora foi despedida sem justa causa. Foi designada e realizada a audiência de partes, frustrando-se a conciliação. Com estes fundamentos pediu que seja declarado ilícito o despedimento efectuado, dada a ausência de justa causa e inexistência de processo disciplinar. Consequentemente, tem direito à reintegração no posto de trabalho que vinha exercendo na 2ª Ré ou, se assim não se entender, ao serviço da 1ª Ré, em qualquer caso com o inerente pagamento dos salários vencidos e vincendos até decisão final, reservando-se ainda a Autora, o exercício de direito de opção pela indemnização prevista no art.º 391º do Código do Trabalho, sendo neste caso as Rés solidariamente condenadas. * Não havendo acordo, contestaram as RR., impugnando o alegado e reconhecendo os contratos celebrados com a Autora. Negam ter sido ultrapassado o limite máximo das seis renovações, pois o contrato inicial foi de 3 meses e a contratação teve como único motivo o CUTT celebrado. E ainda que da matéria alegada se pudesse concluir pela nulidade dos contratos, a única consequência seria a conversão do contrato directamente para a esfera da 2ª Ré. A Autora nunca foi despedida. Nem alega sequer qualquer facto que permita concluir pela recusa do trabalho e por um despedimento. Ainda que não tenha sido peticionado o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho sem termo na esfera da utilizadora, a 2ª Ré, declara que está disponível para admitir a Autora no seu serviço, com a mesma categoria profissional de operadora de call center. * Saneados os autos, o Tribunal julgou a final a acção improcedente por não provada e absolveu as Rés Randstad Recurso Humanos – Empresa de Trabalho Temporário, S. A. e Randstad II – Prestação de Serviços, Lda., do pedido. * Inconformada, a A. apelou, tendo apresentado motivação e formulado as seguintes conclusões: 1 – Tal como bem se entendeu na sentença recorrida, quer o contrato de trabalho temporário celebrado entre a A. e a 1.ª R., quer o contrato de utilização celebrado entre ambas as R.R., padeciam de nulidades evidentes, estando sujeitos às consequências legalmente previstas. 2 – Por isso, a cessação do contrato decretada pela 1.ª R. era manifestamente ilícita, acarretando o direito à indemnização, pela qual a A. optou. 3 – Tal como foi entendido pela sentença recorrida, não existia qualquer vínculo contratual directo entre a 2.ª R. e a A. 4 – Mas a cessação decretada pela 1.ª R implicava forçosamente a cessação da relação entre a A. e a 2.ª R. 5 – Face à ilicitude da relação contratual por responsabilidade da 2.ª R., nada pode opor-se a que esta seja condenada a indemnizar a A. 6 - Sendo bem evidente que, no texto do art.º 176 do CT, nada existe que exclua o direito do trabalhador a optar pela indemnização por despedimento ilícito. 7 – Tendo a decisão recorrida feito errada aplicação deste art.º 176.º. 8 – E violado o disposto nos art.º 390.º e 391.º do CT. Remata pedindo a procedência do recurso, reconhecendo-se à A. os peticionados direitos decorrentes da ilicitude do seu despedimento. * A ré contra-alegou, não tendo, porém, formulado conclusões, concluindo, de todo o modo que “bem andou o Tribunal a quo, ao julgar a ação totalmente improcedente, em virtude de não se ter verificado qualquer «despedimento» da Autora/Recorrente e por se encontrar ultrapassado o prazo previsto no art.º 387.º, n.º 2, do Código do Trabalho, não merecendo qualquer censura tal decisão, que deve assim manter-se (…)”. * O MºPº teve vista e emitiu parecer no sentido da confirmação da sentença. A A. respondeu ao parecer. Defendeu, nesta sede, que o n.º 2 dos factos assentes deverá ter o sentido de que a 1ª ré fez cessar o contrato “invocando a caducidade”, sob pena de ter um conteúdo meramente de direito, declarou pretender limitar o âmbito do seu recurso às questões colocadas quanto a esta Ré Randstad Recursos Humanos e consequentemente desistir do recurso relativamente à 2ª R. As RR. não se pronunciaram quanto a este requerimento, o qual foi homologado pelo relator. Foram colhidos os vistos legais. * * FUNDAMENTAÇÃO Cumpre apreciar neste recurso – considerando que o seu objecto é definido pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e exceptuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras, art.º 636 e 639, todos do Código de Processo Civil –, na sequencia do decidido quanto às nulidades dos contratos de trabalho temporário (entre autora e primeira ré) e de utilização (entre as rés), o acerto da decisão quanto à inexistência de despedimento sem justa causa e com que consequências na esfera jurídica da primeira ré (Randstad Recursos Humanos – Empresa de Trabalho Temporário, S.A.) e da autora. * * Questão prévia. Alega a recorrente, na resposta ao parecer da Sr.ª Procuradora geral adjunta do Ministério Público, que a resposta dada ao n.º 4 (por mero lapso de escrita escreve n.º 2), deve referir-se à invocação da caducidade e não diretamente a esta forma de cessação. Tem razão. Primeiro, a caducidade é uma modalidade de cessação (jurídica) do contrato de trabalho (art.º 340, al. a), e 343 a 345, do Código do Trabalho, CT), e como tal não corresponde a um facto. É certo que, por vezes, determinadas noções jurídicas adquirem um conteúdo corrente ou vulgar, podendo ser utilizados nesse sentido com uma maior liberdade enquanto expressões também naturalísticas. Pode dizer-se, que amiúde é este o caso do termo “despedimento”; mas em bom rigor não acontece o mesmo com a caducidade, cujo sentido não se pode dizer que seja bem apreendido na linguagem alheia ao direito. Depois, tal até corresponde a matéria controvertida nos autos, como resulta do n.º 11 da petição inicial e, em especial, do pedido, que se funda na pretensa existência de despedimento sem justa causa, pelo que não existe qualquer acordo nesta sede (e tanto assim é que as rés esgrimem na contestação pela inexistência de despedimento) e nem tal matéria poderia assim ser dada por assente. Embora, de todo o modo, resulte da sentença que esta não pretendeu resolver na decisão da matéria de facto questões de direito - e daí que tenha equacionado na parte final a existência do alegado despedimento -, altera-se o n.º 4 dos factos provados, ficando nele a constar, correspondendo ao ocorrido no mundo naturalístico, que a 1ª R. invocou a caducidade como forma de cessação (alteração que se insere infra a cheio). * São estes os factos apurados nos autos: 1. No dia 1 de Setembro de 2021, a 1ª Ré celebrou com a Autora um contrato de trabalho a termo certo com início a 01.09.2021 e termo a 30.11.2021, tendo como utilizador a 2ª Ré com a menção “podendo renovar-se, enquanto se mantiver a causa justificativa da sua celebração, (…) até ao limite máximo legal de duração fixado no art.º 182º”. 2. E consta neste que “é justificada pelo seguinte motivo, respeitante ao Utilizador acima identificado com quem foi celebrado contrato de utilização de trabalho temporário (CUTT): Execução de serviço determinado e precisamente duradouro da Empresa Utilizadora (Randstad Serviços) decorrente de um contrato de prestação de serviços na área de Assistência a Clientes / Call Center, celebrado entre esta e o seu cliente NOS Madeira, Comunicações, S. A., de duração limitada e sem garantia de renovação”. 3. E consta quanto aos motivos “execução e tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro, do n.º 2, do art.º 140º, do Código do Trabalho”. 4. A 1ª Ré fez cessar este contrato, invocando caducidade, a 31.05.2023. 5. A Autora auferia a retribuição mensal base de 785€. * * No caso é pacífica a existência de um contrato de utilização de trabalho temporário, CUTT (art.º 175 e ss. CT) celebrado entre a 1ª e a 2ª R., esta na qualidade de utilizadora; e de um contrato de trabalho celebrado entre a autora e a 1ª R. No âmbito deste relacionamento A. prestou a sua atividade à empresa utilizadora (a R. Randstad II). Também é pacífico que os dois contratos padeciam de nulidade. Considerou a sentença recorrida, nessa sequência, que concorrendo as duas nulidades, dispõe o art.º 180, n.º 3, do Código do Trabalho que o trabalho é prestado à empresa utilizadora, ou seja, à 2ª R. Randstad II, em regime de contrato de trabalho sem termo”. As questões suscitadas pela recorrente situam-se a jusante: a cessação do contrato da autora redunda em despedimento? Cabe-lhe receber indemnização de antiguidade? Do documento n.º 2 junto aos autos pela autora extrai-se que a 1ª R. quis efetivamente invocar a figura da caducidade como modalidade de extinção do vínculo, remetendo inclusivamente para a al. a) do art.º 343 do CT (que respeita à verificação do termo do contrato); e não recorrer ao despedimento, que consiste na resolução pelo empregador com fundamento em motivo imputável ao trabalhador (art.º 343, al. c), CT). Quanto à segunda ré, nada consta relativamente à cessação do contrato. Entendeu a sentença recorrida que: (…) Foi comunicada a cessação do contrato de trabalho pela 1ª Ré à Autora e esta comunicação, conforme bem apontam as Rés, apenas vincula aquela 1ª Ré e nada foi apurado que permita afirmar por qualquer declaração negocial extintiva da 2ª Ré, esta sim, titular da relação laboral com a Autora, por força do disposto no art.º 180º, n.º 3, do Código do Trabalho. (…) Não foi alegada ou provada factualidade que permita concluir pela verificação de um despedimento, designadamente por parte da 2ª Ré Randstad II ou sequer de recusa de recebimento da prestação laboral da Autora. Com efeito, sendo a relação laboral uma relação angular, sujeita a um regime tripartido, há, ainda assim, efeitos que apenas decorrem dos actos perpetrados por cada uma das partes, pelo que a declaração de caducidade enviada pela 1ª Ré não pode repercutir-se na esfera jurídica da 2ª Ré, empresa utilizadora, sobre a qual recai o ónus de se considerar o contrato celebrado sem termo (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.º 7379/20.6T8LSB.L1-4, de 22/06/2022, www.dgsi.pt). A conclusão pela ocorrência de um despedimento depende da demonstração de uma conduta do empregador que tenha inequivocamente esse sentido e possa ser interpretada pelo trabalhador como traduzindo uma vontade do empregador de fazer cessar o contrato de trabalho, sem esquecer que cabe ao trabalhador o ónus da prova da existência de um despedimento. E no caso dos autos não podemos retirar essa conclusão”. A autora insurge-se considerando que desta sorte isenta-se a ré Recursos Humanos de quaisquer consequências das nulidades (note-se que a autora desistiu do recurso quanto à segunda ré, pelo que nos concentraremos no que respeita à 1ª); além de que o que existia verdadeiramente era um contrato de trabalho temporário entre a autora e a primeira R. Nos termos do disposto no art.º 180, n.º 3, do Código do Trabalho, “caso a nulidade prevista no número anterior concorra com a nulidade do contrato de utilização de trabalho temporário, prevista no número 2 do artigo 176 ou no número 5 do artigo 177, considera-se que o trabalho é prestado ao utilizador em regime de contrato de trabalho sem termo, sendo aplicável o disposto no número 6 do artigo 173”. Deste preceito resulta, assim, que, concorrendo as duas nulidades, como é o caso, “o trabalho é prestado ao utilizador em regime de contrato de trabalho sem termo” (anotando neste sentido veja-se por exemplo Guilherme Dray, Código do Trabalho Anotado, 13ª ed., nota III ao art.º 180) Não há dúvida aqui que o utilizador é a Randstad II. E quem comunica a cessação do contrato é a primeira ré, a ETT. A autora pretende nas suas alegações que isto basta, porquanto “até à prolação da sentença recorrida nada existiu que transformasse o contrato de trabalho temporário que tinha sido celebrado entre a autora e a primeira ré em contrato de trabalho típico celebrado com a segunda ré”. Mas da factualidade assente resulta provada a existência da relação tripartida entre a empresa de trabalho temporário, o trabalhador e o utilizador, como o define designadamente o art.º 172 do CT. É a lei que determina as consequências da verificação de nulidades cumulativas. Deste modo, existindo o contrato de trabalho sem termo, nele são partes a autora e a 2ª R., que seria quem a poderia despedir. E esta não o fez. Assim, a conclusão da sentença de que não se demonstrou existir despedimento não merece censura. O que prejudica a pretensão da A. * A 1ª ré esgrime uma alegada excepção dilatória, invocando o art.º 387, n.º 2, por terem decorrido mais de 60 dias a partir da recepção da comunicação de despedimento, o que a seu ver obstaria à impugnação da cessação do contrato. Salvo o devido respeito, porém, o argumento não colhe, sabido como é que tal forma processual tem subjacente a assunção pelo empregador, comunicada por escrito, da decisão de despedir (art.º 98-C, n.º 1, CPT), o que manifestamente não ocorre nos autos, em que, como se viu, é afirmada forma de cessação diversa (a caducidade). Questão diversa é a de saber se a autora neste âmbito, e tendo como fundamento a cessação do contrato, pode pedir indemnização de antiguidade (na petição pediu reintegração, salários intercalares e indemnização de antiguidade, e a final optou pela indemnização). O art.º 180, n.º 3, remete para o disposto no n.º 6 do art.º 173, o qual dispõe que “o trabalhador pode optar, nos 30 dias seguintes ao início da prestação da atividade, por uma indemnização nos termos do art.º 396”. Tratando-se de consequências que têm por fundamento os aludidos preceitos legais e não qualquer base convencional, cumpre interpretar o seu sentido, o qual desde logo se restringe ao período de 30 dias seguidos ao início da prestação da atividade, não consagrando outras faculdades, nomeadamente após a cessação do contrato (neste sentido cfr. o acórdão de 8/11/2023 desta Relação de Lisboa, rlt. MJ Costa Pinto: “A remissão a que procede o n.º 3 do art.º 180 para a opção indemnizatória prevista no n.º 6 do art.º 173 reporta-se aos 30 dias seguintes ao início da prestação de atividade, não podendo dela extrair-se ter o trabalhador igualmente a possibilidade de, após a cessação do contrato de trabalho temporário, optar pela indemnização a que alude o indicado preceito e, muito menos, escolher a entidade sobre a qual incidiria a inerente obrigação indemnizatória”). Ou seja, também por aqui a sentença não poderia ser censurada, uma vez que a autora, atenta a concreta concorrência de nulidades, só teria direito à reparação destes vícios, no período e nas circunstancias em causa. Improcede, pois, o recurso. * * Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e confirma-se a decisão recorrida. Custas pela recorrente. Lisboa, 09 de abril de 2025 Sérgio Almeida Leopoldo Soares Susana Silveira _______________________________________________________ [1] A A. desistiu do recurso quanto a esta R. |