Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | GUILHERMINA FREITAS | ||
Descritores: | ABUSO SEXUAL DE MENORES LENOCÍNIO DE MENORES PERÍCIAS SOBRE A PERSONALIDADE JUIZ NATURAL CASO JULGADO ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/23/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO EM PARTE | ||
Sumário: | I – Se a testemunha em crime sexual for menor de 16 anos de idade (actualmente menor de 18 anos de idade) existe um poder-dever por parte da autoridade judiciária em ordenar perícia sobre a sua personalidade, tendo em vista não só a descoberta da verdade, mas também a própria protecção da criança ou jovem. II – Enquanto que o caso julgado formal pretende evitar que a mesma questão processual seja debatida e apreciada por diversas vezes no âmbito do mesmo processo, já o caso julgado material procura obstar à repetição da mesma causa em diferentes processos. III – De acordo com a doutrina, uma alteração de factos que se reporte ao tempo e ao lugar será não substancial se não se referir aos elementos constitutivos do tipo de crime e se do ponto de vista social continuar a ser possível identificar aquela unidade factual histórica como sendo a mesma. IV – Quando a factualidade dada como provada no acórdão condenatório consiste numa mera redução daquela que foi indicada na acusação ou pronúncia, por não se terem dado como assentes todos os factos aí descritos, não existe uma alteração dos factos integradora do art. 358.º, do CPP. V – O bem jurídico que se pretende proteger com a incriminação do art. 166.º do CP é a liberdade sexual de pessoas internadas e, ainda, se bem que de forma subsidiária, a incolumidade do exercício de funções no estabelecimento. VI – Na previsão do art. 175.º, do CP, o que está em causa é a exploração de um menor por outra pessoa, fundada no comércio do corpo da criança ou do jovem por parte de outrem (o agente). E não é exclusivamente o aspecto estrito de liberdade e autodeterminação sexual, como bem pessoal, que subjaz à criminalização do lenocínio de menores. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em audiência, na 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa I. Relatório 1. No âmbito do Proc. 1718/02.9JDLSB, (…) foram os arguidos A, (…), filho de B, (…); C, (…) filho de D, (…); E, (…), filho de F e de G, (…); H, (…), filho de I e de J, (…); K, (…) filho de L e de M, (…); N, (…), filho de O e de P, (…); Q, (…), filha de R e de S, (...); pronunciados pelos factos constantes do despacho de pronúncia de fls. 20828 a 21014 da forma seguinte: - Arguido A: a) Com referência ao capítulo 2.1. do despacho de pronúncia: 31 (trinta e um) crimes de abuso sexual de pessoa internada, então p.p. pelo art. 166.º n.º 1 do CP (na redacção do Dec.- Lei n.º 48/95, de 15 de Março); b) Com referência ao capítulo 2.2. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de abuso sexual de pessoa internada, p.p. pelo art. 166.º n.ºs 1 e 2 do CP (então na redacção do Dec.- Lei n.º 48/95, de 15 de Março); c) Com referência ao capítulo 2.3. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de abuso sexual de pessoa internada, p.p. pelo art. 166.º n.ºs 1 e 2 do CP; d) Com referência ao capítulo 2.4. do despacho de pronúncia: 48 (quarenta e oito) crimes de abuso sexual de pessoa internada, p.p. pelo art. 166.º n.ºs 1 e 2 do CP; e) Com referência ao capítulo 2.5. do despacho de pronúncia: 3 (três) crimes de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.ºs 1 e 2 do CP; f) Com referência ao capítulo 2.6. do despacho de pronúncia: 109 (cento e nove) crimes de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.º 1 do CP; 157 (cento e cinquenta e sete) crimes de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.ºs 1 e 2 do CP; e 84 (oitenta e quatro) crimes de abuso sexual de pessoa internada, p.p. pelo art. 166.º n.ºs 1 e 2 do CP; g) Com referência ao capítulo 2.7. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.º 1 do CP; h) Com referência ao capítulo 2.8. do despacho de pronúncia: 3 (três) crimes de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.ºs 1 e 2 do CP (então na redacção do Dec.- Lei n.º 48/95, de 15 de Março); i) Com referência ao capítulo 2.9. do despacho de pronúncia: 3 (três) crimes de abuso sexual de pessoa internada, p.p. pelo art. 166.º n.º 1 do CP e 2 (dois) crimes de abuso sexual de pessoa internada, p.p. pelo art. 166.º n.ºs 1 e 2 do CP; j) Com referência ao capítulo 4.1.3. do despacho de pronúncia: 2 (dois) crimes de lenocínio, p.p. pelo art. 176.º n.ºs 1 e 3 do CP; k) Com referência ao capítulo 4.1.4. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.º 1 do CP; l) Com referência ao capítulo 4.3.1. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.º 1 do CP; m) Com referência ao capítulo 4.4.1. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.º 1 do CP; n) Com referência ao capítulo 4.4.2. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.º 1 do CP; o) Com referência ao capítulo 4.4.3. do despacho de pronúncia: 7 (sete) crimes de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.º 1 do CP; p) Com referência ao capítulo 5.1. do despacho de pronúncia: 5 (cinco) crimes de lenocínio, p.p. pelo art. 176.º n.ºs 1 e 2 do CP (então na redacção do Dec. Lei n.º 48/95, de 15 de Março) e ou pelo art. 176.º n.ºs 1 e 3 do CP; q) Com referência ao capítulo 5.2.1. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de lenocínio, p.p. pelo art. 176.º n.ºs 1 e 2 do CP (então na redacção do Dec. Lei n.º 48/95, de 15 de Março); r) Com referência ao capítulo 5.2.2. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de lenocínio, p.p. pelo art. 176.º n.ºs 1 e 2 do CP (então na redacção do Dec. Lei n.º 48/95, de 15 de Março); s) Com referência ao capítulo 5.2.3. do despacho de pronúncia: 2 (dois) crimes de lenocínio, p.p. pelo art. 176.º n.ºs 1 e 2 do CP (então na redacção do Dec. Lei n.º 48/95, de 15 de Março) e ou pelo art. 176.º n.ºs 1 e 3 do CP; t) Com referência ao capítulo 5.2.4. do despacho de pronúncia: 2 (dois) crimes de lenocínio, p.p. pelo art. 176.º n.ºs 1 e 2 do CP (então na redacção do Dec. Lei n.º 48/95, de 15 de Março) e ou pelo art. 176.º n.ºs 1 e 3 do CP; u) Com referência ao capítulo 5.2.5. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de lenocínio, p.p. pelo art. 176.º n.ºs 1 e 2 do CP (então na redacção do Dec.- Lei n.º 48/95, de 15 de Março); v) Com referência ao capítulo 5.3. do despacho de pronúncia: 2 (dois) crimes de lenocínio, p.p. pelo art. 176.º. n.ºs 1 e 3 do CP; w) Com referência ao capítulo 6.2.1. do despacho de pronúncia: 12 (doze) crimes de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.º 1 do CP; x) Com referência ao capítulo 6.3.1. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de lenocínio, p.p. pelo art. 176.º n.ºs 1 e 3 do CP; y) Com referência ao capítulo 6.3.2. do despacho de pronúncia: 2 (dois) crimes de lenocínio, p.p. pelo art. 176.º n.ºs 1 e 3 do CP; z) Com referência ao capítulo 6.4.1. do despacho de pronúncia: 4 (quatro) crimes de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.º 1 do CP; aa) Com referência ao capítulo 6.5.1. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de lenocínio, p.p. pelo art. 176.º n.ºs 1 e 3 do CP; bb) Com referência ao capítulo 6.7.1. do despacho de pronúncia: 2 (dois) crimes de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.º 1 do CP; cc) Com referência ao capítulo 6.7.2. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.º 1 do CP; dd) Com referência ao capítulo 7.1. do despacho de pronúncia: 2 (dois) crimes de lenocínio, p.p. pelo art. 176.º n.ºs 1 e 3 do CP; ee) Com referência ao capítulo 7.2. do despacho de pronúncia: 5 (cinco) crimes de lenocínio, p.p. pelo art. 176.º n.ºs 1 e 3 do CP; ff) Com referência ao capítulo 7.3. do despacho de pronúncia: 3 (três) crimes de lenocínio, p.p. pelo art. 176.º n.ºs 1 e 3 do CP; gg) Com referência ao capítulo 7.4. do despacho de pronúncia: 2 (dois) crimes de lenocínio, p.p. pelo art. 176.º nº.s 1 e 3 do CP; hh) Com referência ao capítulo 9.1. do despacho de pronúncia: 2 (dois) crimes de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.ºs 1 e 2 do CP e 2 (dois) crimes de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.º 3 al. a) do CP; ii) Com referência ao capítulo 9.2. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de abuso sexual de pessoa internada, p.p. pelo art. 166.º n.ºs 1 e 2 do CP; jj) Com referência ao capítulo 9.3. do despacho de pronúncia: 14 (catorze) crimes de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.º 1 do CP; e 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.ºs 1 e 2 do CP; kk) Com referência ao capítulo 9.4. do despacho de pronúncia: 5 (cinco) crimes de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.º 1 do CP; ll) Com referência ao capítulo 9.5. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º, n.º 1, do CP; 2 (dois) crimes de violação agravados, p.p. pelos arts. 164.º n.º 1 e 177.º n.º 4 do CP; e 1 (um) crime de violação agravado, sob a forma tentada, p.p. pelos arts. 164.º n.º 1, 177.º n.º 4, 22.º, 23.º e 73.º do CP; mm) Com referência ao capítulo 9.6. do despacho de pronúncia: 2 (dois) crimes de abuso sexual de pessoa internada, p.p. pelo art. 166.º n.º 1 do CP e 32 (trinta e dois) crimes de abuso sexual de pessoa internada, p.p. pelo art. 166.º n.ºs 1 e 2 do CP; nn) Com referência ao capítulo 9.7. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.º 1 do CP; oo) Com referência ao capítulo 9.8. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.º 3 al. b) do CP; pp) Com referência ao capítulo 9.9. do despacho de pronúncia: 3 (três) crimes de abuso sexual de pessoa internada, p.p. pelo art. 166.º n.º 1 do CP; e 1 (um) crime de abuso sexual de pessoa internada, p.p. pelo art. 166.º, n.ºs 1 e 2 do CP; qq) Com referência ao capítulo 9.10. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de abuso sexual de pessoa internada, p.p. pelo art. 166.º n.º 1 do CP e 3 (três) crimes de abuso sexual de pessoa internada, p.p. pelo art. 166.º n.ºs 1 e 2 do CP; rr) Com referência ao capítulo 9.11. do despacho de pronúncia: 9 (nove) crimes de abuso sexual de pessoa internada, p.p. pelo art. 166.º n.º 1 do CP e 5 (cinco) crimes de abuso sexual de pessoa internada, p.p. pelo art. 166.º n.ºs 1 e 2 do CP; ss) Com referência ao capítulo 9.12. do despacho de pronúncia: 2 (dois) crimes de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.º 3 al. b) do CP; tt) Com referência ao capítulo 9.13. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.º 1 do CP; e 5 (cinco) crimes de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.ºs 1 e 2 do CP; uu) Com referência ao capítulo 9.14. do despacho de pronúncia: 3 (três) crimes de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.ºs 1 e 2 do CP; e 2 (dois) crimes de abuso sexual de pessoa internada, p.p. pelo art. 166.º n.ºs 1 e 2 do CP; vv) Com referência ao capítulo 9.15. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.º 1 do CP; e 3 (três) crimes de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.ºs 1 e 2 do CP; ww) Com referência ao capítulo 9.16. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de abuso sexual de pessoa internada, p.p. pelo art. 166.º n.º 1 do CP e 1 (um) crime de abuso sexual de pessoa internada, p.p. pelo art. 166.º n.ºs 1 e 2 do CP; xx) Com referência ao capítulo 9.17. do despacho de pronúncia: 4 (quatro) crimes de abuso sexual de pessoa internada, p.p. pelo art. 166.º n.ºs 1 e 2 do CP; yy) Com referência ao capítulo 9.18. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de abuso sexual de pessoa internada, p.p. pelo art. 166.º n.º 1 do CP; 16 (dezasseis) crimes de abuso sexual de pessoa internada, p.p. pelo art. 166.º n.ºs 1 e 2; e 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.º 1 do CP; zz) Com referência ao capítulo 10. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de peculato de uso, p.p. pelo art. 376.º n.º 1 do CP. - Arguido C: a) Com referência ao capítulo 4.1.1. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de abuso sexual de pessoa internada, p.p. pelo art. 166.º n.ºs 1 e 2 do CP; b) Com referência ao capítulo 4.1.2. do despacho de pronúncia: 37 (trinta e sete) crimes de abuso sexual de pessoa internada, p.p. pelo art. 166.º n.ºs 1 e 2 do CP; c) Com referência ao capítulo 4.1.3. do despacho de pronúncia: 2 (dois) crimes de abuso sexual de pessoa internada, p.p. pelo art. 166.º n.ºs 1 e 2 do CP; d) Com referência ao capítulo 4.1.4. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.ºs 1 e 2 do CP; e) Com referência ao capítulo 6.2.1. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.º 1 do CP; e 2 (dois) crimes de abuso sexual de crianças, por omissão, p.p. pelos arts. 10.º e 172.º n.º 1 do CP; f) Com referência ao capítulo 6.3.1. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de abuso sexual de pessoa internada, p.p. pelo art. 166.º n.ºs 1 e 2 do CP; g) Com referência ao capítulo 6.3.2. do despacho de pronúncia: 2 (dois) crimes de abuso sexual de pessoa internada, p.p. pelo art. 166.º n.ºs 1 e 2 do CP; h) Com referência ao capítulo 6.7.1. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.º 1 do CP; i) Com referência ao capítulo 7.2. do despacho de pronúncia: 2 (dois) crimes de lenocínio, p.p. pelo art. 176.º n.º 1 do CP; j) Com referência ao capítulo 10. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de peculato de uso, p.p. pelo art. 376.º n.º 1 do CP. - Arguido E: a) Com referência ao capítulo 4.2.1. do despacho de pronúncia: 2 (dois) crimes de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.ºs 1 e 2 do CP e um crime de lenocínio, p.p. pelo art. 176.º n.ºs 1 e 3 do CP; b) Com referência ao capítulo 5.2.5. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de lenocínio, p.p. pelo art. 176.º n.ºs 1 e 2 do CP (então na redacção do Dec. Lei n.º 48/95, de 15 de Março); c) Com referência ao capítulo 6.2.1. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.º 1 do CP; d) Com referência ao capítulo 6.4.1. do despacho de pronúncia: 4 (quatro) crimes de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.ºs 1 e 2 do CP; e) Com referência ao capítulo 6.7.1. do despacho de pronúncia: 2 (dois) crimes de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.º 1 do CP. - Arguido H: a) Com referência ao capítulo 4.3.1. do despacho de pronúncia: 2 (dois) crimes de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.ºs 1 e 2 do CP; b) Com referência ao capítulo 6.2.1. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.º 1 do CP; c) Com referência ao capítulo 6.5.1. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de actos homossexuais com adolescentes, p.p. pelo art. 175.º do Código Penal; d) Com referência ao capítulo 6.7.1. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.º 1 do CP; e) Com referência ao capítulo 6.7.2. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.ºs 1 e 2 do CP; - Arguido K: a) Com referência ao capítulo 4.4.1. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.ºs 1 e 2 do CP; b) Com referência ao capítulo 4.4.2. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.ºs 1 e 2 do CP; c) Com referência ao capítulo 4.4.3. do despacho de pronúncia: 7 (sete) crimes de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.ºs 1 e 2 do CP; d) Com referência ao capítulo 4.4.4. do despacho de pronúncia: 7 (sete) crimes de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.º 1 do CP; e) Com referência ao capítulo 6.2.1. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.º 1 do CP; f) Com referência ao capítulo 6.7.1. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.º 1 do CP; - Arguido N: a) Com referência ao capítulo 6.2.1. do despacho de pronúncia: 12 (doze) crimes de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.ºs 1 e 2 do CP; b) Com referência ao capítulo 6.3.1. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de lenocínio, p.p. pelo art. 176.º n.º 1 do CP; c) Com referência ao capítulo 6.3.2. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de lenocínio, p.p. pelo art. 176.º n.º 1 do CP e 1 (um) crime de lenocínio, p.p. pelo art. 176.º n.ºs. 1 e 3 do CP; d) Com referência ao capítulo 6.4.1. do despacho de pronúncia: 4 (quatro) crimes de lenocínio, p.p. pelo art. 176.º n.ºs 1 e 3 do CP; e) Com referência ao capítulo 6.5.1. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de lenocínio, p.p. pelo art. 176.º n.º 1 do CP; f) Com referência ao capítulo 6.7.1. do despacho de pronúncia: 2 (dois) crimes de lenocínio, p.p. pelo art. 176.º n.ºs 1 e 3 do CP e 2 (dois) crimes de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.º 1 do CP; g) Com referência ao capítulo 6.7.2. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de lenocínio, p.p. pelo art. 176.º n.ºs 1 e 3 do CP; h) Com referência ao capítulo 7.1. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de lenocínio, p.p. pelo art. 176.º n.º 1 do CP; i) Com referência ao capítulo 7.2. do despacho de pronúncia: 5 (cinco) crimes de lenocínio, p.p. pelo art. 176.º n.º 1 do CP; j) Com referência ao capítulo 7.3. do despacho de pronúncia: 2 (dois) crimes de lenocínio, p.p. pelo art. 176.º n.ºs 1 e 3 do CP e um crime de lenocínio, p.p. pelo art. 176.º n.º 1 do CP; k) Com referência ao capítulo 7.4. do despacho de pronúncia: 2 (dois) crimes de lenocínio, p.p. pelo art. 176.º n.ºs 1 e 3 do CP; - Arguida Q: a) Com referência ao capítulo 6.2.1. do despacho de pronúncia: 12 (doze) crimes de lenocínio, p.p. pelo art. 176.º n.ºs 1 e 3 do CP; b) Com referência ao capítulo 6.3.1. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de lenocínio, p.p. pelo art. 176.º n.ºs 1 e 3 do CP; c) Com referência ao capítulo 6.3.2. do despacho de pronúncia: 2 (dois) crimes de lenocínio, p.p. pelo art. 176.º n.ºs 1 e 3 do CP; d) Com referência ao capítulo 6.4.1. do despacho de pronúncia: 4 (quatro) crimes de lenocínio, p.p. pelo art. 176.º n.ºs 1 e 3 do CP; e) Com referência ao capítulo 6.5.1. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de lenocínio, p.p. pelo art. 176.º n.ºs 1 e 3 do CP; f) Com referência ao capítulo 6.7.1. do despacho de pronúncia: 2 (dois) crimes de lenocínio, p.p. pelo art. 176.º n.ºs 1 e 3 do CP; g) Com referência ao capítulo 6.7.2. do despacho de pronúncia: 1 (um) crime de lenocínio, p.p. pelo art. 176.º n.ºs 1 e 3 do CP; h) Com referência ao capítulo 7.1. do despacho de pronúncia: 2 (dois) crimes de lenocínio, p.p. pelo art. 176.º n.ºs 1 e 3 do CP; i) Com referência ao capítulo 7.2. do despacho de pronúncia: 5 (cinco) crimes de lenocínio, p.p. pelo art. 176.º n.ºs 1 e 3 do CP; j) Com referência ao capítulo 7.3. do despacho de pronúncia: 3 (três) crimes de lenocínio, p.p. pelo art. 176.º n.ºs 1 e 3 do CP; k) Com referência ao capítulo 7.4. do despacho de pronúncia: 2 (dois) crimes de lenocínio, p.p. pelo art. 176.º n.ºs 1 e 3 do CP. 2. No âmbito do Proc. nº 3137/01.5JDLSB foi, ainda, o arguido A acusado da prática, como autor material, na forma consumada e em concurso real, de: a) relativamente a T: - 13 (treze) crimes de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º, n.º 1 e 2 do CP; - 2 (dois) crimes de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º, n.º 1, do CP; - 2 (dois) crimes de abuso sexual de pessoa internada, p.p. pelo art. 166.º, n.º 1 e 2, do CP; b) relativamente a U: - 12 (doze) crimes de abuso sexual de pessoa internada, p.p. pelo art. 166.º, n.º 1, do CP; - 2 (dois) crimes de abuso sexual de pessoa internada, p.p. pelo art. 166.º, n.º 1 e 2, do CP; c) relativamente a V: - 1 (um) crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, p.p. pelo art. 165.º, n.º 1 e 2, do CP; - 1 (um) crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, p.p. pelo art. 165.º, n.º 1, do CP; d) relativamente a W: - 2 (dois) crimes de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º, n.º 3, al. c), do CP; Por despacho proferido a fls. 22129, em 3/09/04, foi determinada a apensação deste processo nº 3137/01.5JDLSB, (…), aos autos n.º 1718/02.9JDLSB, tendo passado a ser identificado como Pº 1718/02.9 JDLSB-F (Processo Apensado). 3. A fls. 14517 a 14534, o assistente X apresentou pedido de indemnização cível contra os arguidos A, C, E, H, K, N e Q, pedindo a condenação destes no montante de: - relativamente ao arguido A, o quantitativo de 120.000,00€ (cento e vinte mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelo demandado ao demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB; - relativamente ao arguido C, o quantitativo de 90.000,00€ (noventa mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelo demandado ao demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB; - relativamente ao arguido K e, solidariamente com o arguido A, o quantitativo de 90.000,00€ (noventa mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelo demandado ao demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB; - relativamente aos arguidos H e N e solidariamente com os arguidos A, C, E, K e Q, o quantitativo de 90.000,00€ (noventa mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelo demandado ao demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB; Acrescida da indemnização pelos danos que se vierem a apurar em sede de execução de sentença, quantias essas actualizadas à data do seu efectivo pagamento através da incidência da taxa de juro legal. Por despacho de fls. 22551 a 22552, ponto 5, foi admitido o pedido de indemnização cível constante de fls. 14517 a 14534, quanto aos arguidos A, C, E, K, N e Q. Por despacho de fls. 22666 a 22667 não foi admitido o pedido de indemnização cível constante de fls. 14517 a 14534, quanto ao arguido H, dado que o mesmo não fora pronunciado quanto a tais factos. A fls. 14538 a 14556, o assistente Y apresentou pedido de indemnização cível contra os arguidos A, C, E, H, K, N e Q, pedindo a condenação destes no montante de: - relativamente ao arguido A, o quantitativo de 192.200,00€ (cento e noventa e dois mil e duzentos Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelo demandado ao demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB; - relativamente ao arguido C, solidariamente com o arguido A o quantitativo de 24.800,00€ (vinte e quatro mil e oitocentos Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelo demandado ao demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB; - relativamente aos arguidos C, H, N, K e E, solidariamente com os arguidos A e Q, o quantitativo de 93.000,00€ (noventa e três mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelo demandado ao demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB; Acrescida da indemnização pelos danos que se vierem a apurar em sede de execução de sentença, quantias essas actualizadas à data do seu efectivo pagamento através da incidência da taxa de juro legal. Por despacho de fls. 22551 a 22552, ponto 5, foi admitido o pedido de indemnização cível constante de fls. 14538 a 14556, quanto aos arguidos A, C, E, K, N e Q. Por despacho de fls. 22666 a 22667 não foi admitido o pedido de indemnização cível constante de fls. 14517 a 14534, quanto ao arguido H, dado que o mesmo não fora pronunciado quanto a tais factos. A fls. 14560 a 14572, o assistente Z apresentou pedido de indemnização cível contra o arguido A, pedindo a condenação deste no montante de 200.000,00€ (duzentos mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelo demandado ao demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB. Acrescida da indemnização pelos danos que se vierem a apurar em sede de execução de sentença, quantias essas actualizadas à data do seu efectivo pagamento através da incidência da taxa de juro legal. Por despacho de fls. 22551 a 22552, ponto 5, foi admitido o pedido de indemnização cível constante de fls. 14560 a 14572. A fls. 14575 a 14587, o assistente AA apresentou pedido de indemnização cível contra o arguido A, pedindo a condenação deste no montante de 75.000,00€ (setenta e cinco mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelo demandado ao demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB. Acrescida da indemnização pelos danos que se vierem a apurar em sede de execução de sentença, quantias essas actualizadas à data do seu efectivo pagamento através da incidência da taxa de juro legal. Por despacho de fls. 22551 a 22552, ponto 5, foi admitido o pedido de indemnização cível constante de fls. 14575 a 14587. A fls. 14592 a 14603, o assistente AB apresentou pedido de indemnização cível contra o arguido A, pedindo a condenação deste no montante de 150.000,00€ (cento e cinquenta mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelo demandado ao demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB. Acrescida da indemnização pelos danos que se vierem a apurar em sede de execução de sentença, quantias essas actualizadas à data do seu efectivo pagamento através da incidência da taxa de juro legal. Por despacho de fls. 22551 a 22552, ponto 5, foi admitido o pedido de indemnização cível constante de fls. 14592 a 14603. A fls. 14608 a 14620, o assistente AC apresentou pedido de indemnização cível contra os arguidos A e K, pedindo a condenação destes no montante de: - relativamente ao arguido A, o quantitativo de 120.000,00€ (cento e vinte mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelo demandado ao demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB; - relativamente ao arguido K e, solidariamente com o arguido A, o quantitativo de 70.000,00€ (setenta mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelo demandado ao demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB. Acrescida da indemnização pelos danos que se vierem a apurar em sede de execução de sentença, quantias essas actualizadas à data do seu efectivo pagamento através da incidência da taxa de juro legal. Por despacho de fls. 22551 a 22552, ponto 5, foi admitido o pedido de indemnização cível constante de fls. 14608 a 14620. A fls. 14625 a 14635, o assistente AD apresentou pedido de indemnização cível contra o arguido A, pedindo a condenação deste no montante de 50.000,00€ (cinquenta mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelo demandado ao demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB. Acrescida da indemnização pelos danos que se vierem a apurar em sede de execução de sentença, quantias essas actualizadas à data do seu efectivo pagamento através da incidência da taxa de juro legal. Por despacho de fls. 22551 a 22552, ponto 5, foi admitido o pedido de indemnização cível constante de fls. 14625 a 14635. A fls. 14640 a 14652, o assistente AE apresentou pedido de indemnização cível contra o arguido A, pedindo a condenação deste no montante de 2.500,00€ (dois mil e quinhentos Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelo demandado ao demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB. Acrescida da indemnização pelos danos que se vierem a apurar em sede de execução de sentença, quantias essas actualizadas à data do seu efectivo pagamento através da incidência da taxa de juro legal. Por despacho de fls. 22551 a 22552, ponto 5, foi admitido o pedido de indemnização cível constante de fls. 14640 a 14652. A fls. 14657 a 14663, o assistente AF apresentou pedido de indemnização cível contra o arguido A, pedindo a condenação deste no montante de 120.000,00€ (cento e vinte mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelo demandado ao demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB. Acrescida dos juros compensatórios devidos à taxa legal aplicável desde a data da prática de cada um dos factos e até efectivo e integral pagamento. Por despacho de fls. 22551 a 22552, ponto 5, foi admitido o pedido de indemnização cível constante de fls. 14657 a 14663. A fls. 14668 a 14678, o assistente AG apresentou pedido de indemnização cível contra o arguido A, pedindo a condenação deste no montante de 30.000,00€ (trinta mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelo demandado ao demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB. Acrescida da indemnização pelos danos que se vierem a apurar em sede de execução de sentença, quantias essas actualizadas à data do seu efectivo pagamento através da incidência da taxa de juro legal. Por despacho de fls. 22551 a 22552, ponto 5, foi admitido o pedido de indemnização cível constante de fls. 14668 a 14678. A fls. 14683 a 14693, o assistente AH apresentou pedido de indemnização cível contra o arguido A, pedindo a condenação deste no montante de 50.000,00€ (cinquenta mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelo Demandado ao Demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB. Acrescida da indemnização pelos danos que se vierem a apurar em sede de execução de sentença, quantias essas actualizadas à data do seu efectivo pagamento através da incidência da taxa de juro legal. Por despacho de fls. 22551 a 22552, ponto 5, foi admitido o pedido de indemnização cível constante de fls. 14683 a 14693. A fls. 14697 a 14707, o assistente AI apresentou pedido de indemnização cível contra os arguidos A, K, N, H e C, pedindo a condenação destes no montante de: - relativamente ao arguido A, o quantitativo de 30.000,00€ (trinta mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelo demandado ao demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB; - relativamente ao arguido A, solidariamente – entre o mais, pois incluiu demandado(s) que não foi(foram) pronunciado(s) - com os arguidos K, N, H e C o quantitativo de 140.000,00€ (cento e quarenta mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelo(s) demandado(s) ao demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB. Acrescida dos juros compensatórios devidos à taxa legal aplicável desde a data da prática de cada um dos factos e até efectivo e integral pagamento. Por despacho de fls. 22551 a 22552, ponto 5, e de fls. 22666 a 22667, foi admitido o pedido de indemnização cível constante de fls. 14697 a 14707, contra os arguidos/demandados acima identificados e não admitido quanto aos demais demandados não pronunciados. A fls. 14712 a 14721, o assistente AJ apresentou pedido de indemnização cível contra – entre o mais, pois incluiu demandado(s) que não foi(foram) pronunciado(s) - o arguido A, pedindo a condenação deste no montante de 2.500,00€ (dois mil e quinhentos Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelo demandado ao demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB. Acrescida da indemnização pelos danos que se vierem a apurar em sede de execução de sentença, quantias essas actualizadas à data do seu efectivo pagamento através da incidência da taxa de juro legal. Por despacho de fls. 22551 a 22552, ponto 5, foi admitido o pedido de indemnização cível constante de fls. 14712 a 14721, delimitado ao arguido/demandado que foi pronunciado. A fls. 14725 a 14732, o assistente AK apresentou pedido de indemnização cível contra o arguido E, pedindo a condenação deste no montante de 160.000,00€ (cento e sessenta mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelo demandado ao demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB. Acrescida dos juros compensatórios devidos à taxa legal aplicável desde a data da prática de cada um dos factos e até efectivo e integral pagamento. Por despacho de fls. 22551 a 22552, ponto 5, foi admitido o pedido de indemnização cível constante de fls. 14725 a 14732. A fls. 14737 a 14747, o assistente AL apresentou pedido de indemnização cível contra o arguido A, pedindo a condenação deste no montante de 190.000,00€ (cento e noventa mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelo demandado ao demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB. Acrescida da indemnização pelos danos que se vierem a apurar em sede de execução de sentença, quantias essas actualizadas à data do seu efectivo pagamento através da incidência da taxa de juro legal. Por despacho de fls. 22551 a 22552, ponto 5, foi admitido o pedido de indemnização cível constante de fls. 14737 a 14747. A fls. 14751 a 14754, o assistente AJ apresentou pedido de indemnização cível contra o arguido A, pedindo a condenação deste no montante de 150.000,00€ (cento e cinquenta mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelo Demandado ao Demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB. Acrescida dos juros compensatórios devidos à taxa legal aplicável desde a data da prática de cada um dos factos e até efectivo e integral pagamento. Por despacho de fls. 22551 a 22552, ponto 5, foi admitido o pedido de indemnização cível constante de fls. 14751 a 14754. A fls. 14761 a 14771, o assistente AM apresentou pedido de indemnização cível contra o arguido A, pedindo a condenação deste no montante de 15.000,00€ (quinze mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelo Demandado ao Demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB. Acrescida da indemnização pelos danos que se vierem a apurar em sede de execução de sentença, quantias essas actualizadas à data do seu efectivo pagamento através da incidência da taxa de juro legal. Por despacho de fls. 22551 a 22552, ponto 5, foi admitido o pedido de indemnização cível constante de fls. 14761 a 14771. A fls. 14776 a 14786, o assistente AN apresentou pedido de indemnização cível contra os arguidos A, K, C, H, E e Q, pedindo a condenação destes solidariamente no montante de 175.000,00€ (cento e setenta e cinco mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelos demandados ao demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB. Acrescida dos juros compensatórios devidos à taxa legal aplicável desde a data da prática de cada um dos factos e até efectivo e integral pagamento. Por despacho de fls. 22551 a 22552, ponto 5 e de fls. 22666 a 22667, foi admitido o pedido de indemnização cível constante de fls. 14776 a 14786. A fls. 14791 a 14802, o assistente AO apresentou pedido de indemnização cível contra o arguido A, pedindo a condenação deste no montante de 40.000,00€ (quarenta mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelo demandado ao demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB. Acrescida da indemnização pelos danos que se vierem a apurar em sede de execução de sentença, quantias essas actualizadas à data do seu efectivo pagamento através da incidência da taxa de juro legal. Por despacho de fls. 22551 a 22552, ponto 5, foi admitido o pedido de indemnização cível constante de fls. 14791 a 14802. A fls. 14807 a 14828, o assistente AP apresentou pedido de indemnização cível contra os arguidos A, C, E, H, K, N e Q, pedindo a condenação destes no montante de: - relativamente ao arguido A, o quantitativo de 5.000,00€ (cinco mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelo demandado ao demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB; - relativamente ao arguido C solidariamente com o arguido A, o quantitativo de 10.000,00€ (dez mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelo demandado ao demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB; - relativamente ao arguido K e, solidariamente com o arguido A, o quantitativo de 35.000,00€ (trinta e cinco mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelo demandado ao demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB; - relativamente ao arguido H, solidariamente com os arguidos A e E, o quantitativo de 100.000,00€ (cem mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelo demandado ao demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB; - relativamente ao arguido H, solidariamente com os arguidos A, C, E, K, N e Q, o quantitativo de 100.000,00€ (cem mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelo demandado ao demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB; Acrescida da indemnização pelos danos que se vierem a apurar em sede de execução de sentença, quantias essas actualizadas à data do seu efectivo pagamento através da incidência da taxa de juro legal. Por despacho de fls. 22551 a 22552, ponto 5 e de fls. 22666 a 22667, foi admitido o pedido de indemnização cível constante de fls. 14807 a 14828. A fls. 14833 a 14847, o assistente AQ apresentou pedido de indemnização cível – entre o mais, pois incluiu demandado(s) que não foi(foram) pronunciado(s) - contra o arguido A, pedindo a condenação deste no montante de 37.500,00€ (trinta e sete mil e quinhentos Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelo demandado ao demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB. Acrescida da indemnização pelos danos que se vierem a apurar em sede de execução de sentença, quantias essas actualizadas à data do seu efectivo pagamento através da incidência da taxa de juro legal. Por despacho de fls. 22551 a 22552, ponto 5, foi admitido o pedido de indemnização cível constante de fls. 14833 a 14847, mas delimitado ao arguido/demandado pronunciado. A fls. 14851 a 14861, o assistente AR apresentou pedido de indemnização cível contra o arguido A, pedindo a condenação deste no montante de 50.000,00€ (cinquenta mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelo demandado ao demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB. Acrescida da indemnização pelos danos que se vierem a apurar em sede de execução de sentença, quantias essas actualizadas à data do seu efectivo pagamento através da incidência da taxa de juro legal. Por despacho de fls. 22551 a 22552, ponto 5, foi admitido o pedido de indemnização cível constante de fls. 14851 a 14861. A fls. 14866 a 14872, o assistente AS apresentou pedido de indemnização cível contra o arguido A, pedindo a condenação deste no montante de 100.000,00€ (cem mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelo demandado ao demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB. Acrescida dos juros compensatórios devidos à taxa legal aplicável desde a data da prática de cada um dos factos e até efectivo e integral pagamento. Por Despacho de fls. 22551 a 22552, ponto 5, foi admitido o pedido de indemnização cível constante de fls. 14866 a 14872. A fls. 14876 a 14896, o assistente AT apresentou pedido de indemnização cível contra os arguidos A, C, E, H, K, N e Q, pedindo a condenação destes no montante de: - relativamente ao arguido A, o quantitativo de 30.000,00€ (trinta mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelo Demandado ao Demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB; - relativamente ao arguido H, solidariamente com o arguido A, o quantitativo de 60.000,00€ (sessenta mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelo demandado ao demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB; - relativamente ao arguido K, solidariamente com o arguido A, o quantitativo de 30.000,00€ (trinta mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelo demandado ao demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB; - relativamente aos arguidos H, N e K, solidariamente com os arguidos A, C, E e Q, o quantitativo de 80.000,00€ (oitenta mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelo demandado ao demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB. Acrescida da indemnização pelos danos que se vierem a apurar em sede de execução de sentença, quantias essas actualizadas à data do seu efectivo pagamento através da incidência da taxa de juro legal. Por despacho de fls. 22551 a 22552, ponto 5 e de fls. 22666 a 22667, foi admitido o pedido de indemnização cível constante de fls. 14876 a 14896. A fls. 14901 a 14908, o assistente AU apresentou pedido de indemnização cível contra – entre o mais, pois incluiu demandado(s) que não foi(foram) pronunciado(s) - os arguidos A, E e K, pedindo a condenação destes no montante de: - relativamente ao arguido A, o quantitativo de 30.000,00€ (trinta mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelo demandado ao demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB; - relativamente ao arguido A, solidariamente – entre o mais, pois incluiu demandado(s) que não foi(foram) pronunciado(s) - com os arguidos E e K, quantitativo de 170.000,00€ (cento e setenta mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelo demandado ao demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB. Acrescida dos juros compensatórios devidos à taxa legal aplicável desde a data da prática de cada um dos factos e até efectivo e integral pagamento. Por despacho de fls. 22551 a 22552, ponto 5, foi admitido o pedido de indemnização cível constante de fls. 14901 a 14908, delimitado aos arguidos/demandados pronunciados. A fls. 14913 a 14933, o assistente AV apresentou pedido de indemnização cível – entre o mais, pois incluiu demandado(s) que não foi(foram) pronunciado(s) - contra os arguidos A, C, E, H, K, N e Q, pedindo a condenação destes no montante de: - relativamente ao arguido A, o quantitativo de 3.000,00€ (três mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelo demandado ao demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB; - relativamente ao arguido C, solidariamente com o arguido A o quantitativo de 247.000,00€ (duzentos e quarenta e sete mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelo demandado ao demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB; - relativamente ao arguido K, solidariamente com o arguido A, o quantitativo de 25.000,00€ (vinte cinco mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelo demandado ao demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB; - relativamente aos arguidos – entre o mais, pois incluiu demandado(s) que não foi(foram) pronunciado(s) - C, N, H e K, solidariamente com os arguidos A, E e Q, o quantitativo de 45.000,00€ (quarenta e cinco mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelo demandado ao demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB; Acrescida da indemnização pelos danos que se vierem a apurar em sede de execução de sentença, quantias essas actualizadas à data do seu efectivo pagamento através da incidência da taxa de juro legal. Por despacho de fls. 22551 a 22552, ponto 5 e de fls. 22666 a 22667, foi admitido o pedido de indemnização cível constante de fls. 14913 a 14933, delimitado aos arguidos/demandados pronunciados. A fls. 14937 a 14947, o assistente AW apresentou pedido de indemnização cível contra o arguido A, pedindo a condenação deste no montante de 50.000,00€ (cinquenta mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelo demandado ao demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB. Acrescida da indemnização pelos danos que se vierem a apurar em sede de execução de sentença, quantias essas actualizadas à data do seu efectivo pagamento através da incidência da taxa de juro legal. Por despacho de fls. 22551 a 22552, ponto 5, foi admitido o pedido de indemnização cível constante de fls. 14937 a 14947. A fls. 14952 a 14982, a assistente AX apresentou pedido de indemnização cível contra – entre o mais, pois incluiu demandado(s) que não foi(foram) pronunciado(s) - os arguidos A, C, E, H, K, N e Q, pedindo a condenação destes no montante de: - relativamente aos arguidos A e C, solidariamente, o quantitativo de 8.323,79€ (oito mil, trezentos e vinte e três Euros e setenta e nove cêntimos), correspondendo 6.989,63€ (seis mil novecentos e oitenta e nove Euros e sessenta e três cêntimos) ao montante de capital e 1.334,16€ (mil trezentos e trinta e quatro Euros e dezasseis cêntimos) aos juros de mora já vencidos até à data em que deduziu pedido de indemnização cível, em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelo demandado ao demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB; - relativamente aos demandados – entre o mais, pois incluiu demandado(s) que não foi(foram) pronunciado(s) - no seu conjunto, solidariamente, o quantitativo de 500.000,00€ (quinhentos mil Euros), em consequência dos danos de natureza física e moral causados pelo demandado ao demandante, com a prática dos factos a que se referem estes autos principais com o NUIPC 1718/02.9JDLSB; Acrescida da indemnização pelos danos que se vierem a apurar em sede de execução de sentença, quantias essas actualizadas à data do seu efectivo pagamento através da incidência da taxa de juro legal. Por despacho de fls. 22551 a 22552, ponto 5 e de fls. 22666 a 22667, foi admitido o pedido de indemnização cível constante de fls. 14952 a 14982, mas delimitado aos arguidos/demandados que foram pronunciados. 4. Realizado o julgamento foi proferida decisão que absolveu a arguida Q da prática de todos os crimes pelos quais estava pronunciada e condenou os demais arguidos nos termos seguintes: A - arguido A pela prática de: - (Processo Apensado, NUIPC nº 3137/01.5JDLSB) 1. Na pessoa de T: a) 1 (um) crime p.p. pelo art. 172.º, n.º 1 e 2, do CP, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 4 (quatro) anos de prisão. b) 1 (um) crime p.p. pelo art. 172.º, n.º 1 e 2, do CP, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 4 (quatro) anos de prisão. c) 1 (um) crime p.p. pelo art. 166.º, n.º 1 e 2, do CP, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 3 ( três) anos de prisão. d) 1 (um) crime p.p. pelo art. 172.º, n.º 1 e 2, do CP, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 4 (quatro) anos de prisão. e) 1 (um) crime p.p. pelo art. 166.º, n.º 1 e 2, do CP, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 3 (três) anos de prisão. 2. Na pessoa de U: f) 1 (um) crime p.p. pelo art. 164.º, n.º 1, do CP, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 4 (quatro) anos de prisão. 3. Na pessoa de V: g) 1 (um) crime p.p. pelo art. 166.º, n.º 1 e 2, do CP, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 3 (três) anos de prisão. - ( No Processo Principal - NUIPC 1718/02.9JDLSB ) 4. (Com referência ao capítulo 9.6, do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AH: h) 1 (um) crime p.p. pelo art. 166.º, n.º 1, do CP, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 9 ( nove) meses de prisão. i) 1 (um) crime p.p. pelo art. 166.º, n.º 1 e 2, do CP, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 3 (três) anos de prisão. j) 1 (um) crime p.p. pelo art. 166.º, n.º 1 e 2, do CP, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 3 (três) anos de prisão. l) 1 (um) crime p.p. pelo art. 166.º, n.º 1 e 2, do CP, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 3 (três) anos de prisão. 5. (Com referência ao capítulo 2.1., do Despacho de Pronúncia) na pessoa de X: m) 1 (um) crime p.p. pelo art. 166.º, n.º 1, do CP, na versão em vigor à data da sua prática ( DL 48/95, de 15/03, em vigor desde 1/10/95), na pena de 2 (dois) anos de prisão. n) 1 (um) crime p.p. pelo art. 166.º, n.º 1, do CP, na versão em vigor à data da sua prática ( DL 48/95, de 15/03, em vigor desde 1/10/95), na pena de 2 (dois) anos de prisão. o) 1 (um) crime p.p. pelo art. 166.º, n.º 1, do CP, na versão em vigor à data da sua prática ( DL 48/95, de 15/03, em vigor desde 1/10/95), na pena de 2 ( dois) anos de prisão. p) 1 (um) crime p.p. pelo art. 166.º, n.º 1, do CP, na versão em vigor à data da sua prática ( DL 48/95, de 15/03, em vigor desde 1/10/95), na pena de 2 ( dois) anos de prisão. q) 1 (um) crime p.p. pelo art. 166.º, n.º 1, do CP, na versão em vigor à data da sua prática ( DL 48/95, de 15/03, em vigor desde 1/10/95), na pena de 2 ( dois) anos de prisão. 6. (Com referência ao capítulo 5.1., do Despacho de Pronúncia) na pessoa de X: r) 1 (um) crime p.p. pelo art. 176.º, n.º 1 e 2, do CP, na versão em vigor à data da sua prática (DL 48/95, de 15/03), na pena de 3 (três) anos de prisão. s) 1 (um) crime p.p. pelo art. 176.º, n.º 1, do CP, na versão em vigor à data da sua prática (DL 48/95, de 15/03), na pena de 2 ( dois) anos de prisão. 7. (Com referência ao capítulo 2.6., do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AI: t) 1 (um) crime p.p. pelo art. 172.º, n.º 1, do CP, na versão em vigor à data da sua prática ( DL 48/95, de 15/03), na pena de 2 (dois) anos de prisão. u) 46 (quarenta e seis) crimes p.p. pelo art. 172.º, n.º 1 e 2, do CP, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09), na pena de 4 (quatro) anos de prisão, para cada um dos crimes. v) 6 (seis) crimes p.p. pelo art. 166.º, n.º 1 e 2, do CP, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09) praticados pelo arguido, na pena de 3 ( três) anos de prisão, para cada um dos crimes. x) 1 (um) crime p.p. pelo art. 172.º, n.º 1, do CP, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09), na pena de 2 (dois) anos de prisão, para cada um dos crimes. 8. (Com referência ao capítulo 4.1.4., do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AI: z) 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.º 1 do CP (Lei 65/98, de 2/09), na pena de 2 (dois) anos de prisão. 9. (Com referência ao capítulo 4.4.2, do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AI: aa) 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.º 1 do CP (Lei 65/98, de 2/09), na pena de 2 (dois) anos de prisão. 10. (Com referência ao capítulo 6.7.2, do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AI: bb) 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º n.º 1 do CP (Lei 65/98, de 2/09), na pena de 2 (dois) anos de prisão. 11. (Com referência ao capítulo 9.9, do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AG : cc) 1 (um) crime p.p. pelo art. 166.º, n.º 1 e 2, do CP (Lei 65/98, de 2/09), na pena de 3 (três) anos de prisão. dd) 1 ( um ) crime p.p. pelo art. 166.º, n.º 1, do CP (Lei 65/98, de 2/09), na pena de 1 (um) ano de prisão. 12. (Com referência ao capítulo 9.10, do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AA: ee) 1 (um) crime p.p. pelos arts. 166.º, n.º 1 e 2, 22.º, 23.º, 73.º (sob a forma tentada) do CP (Lei 65/98, de 2/09), na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão. ff) 1 (um) crime p.p. pelos arts. 166.º, n.º 1 e 2, 22.º, 23.º, 73.º ( sob a forma tentada) do CP (Lei 65/98, de 2/09), na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão. gg) 1 (um) crime p.p. pelo art. 166.º, n.º 1 e 2, do CP (Lei 65/98, de 2/09), na pena de 3 (três) anos de prisão. 13. (Com referência ao capítulo 9.14, do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AF: hh) 1 (um) crime p.p. pelo art. 172.º, n.º 3, al. b), do CP, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09), na pena de 6 (seis) meses de prisão. 14. (Com referência ao capítulo 9.2, do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AD: ii) 1 (um) crime p.p. pelo art. 166.º, n.º 1 e 2, do CP, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09), na pena de 3 (três) anos de prisão. 15. (Com referência ao capítulo 9.3, do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AW: jj) 1 (um) crime p.p. pelo art. 172.º, n.º 1, do CP, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09), na pena de 2 (dois) anos de prisão. ll) 1 (um) crime p.p. pelo art. 172.º, n.º 1 e 2, 22.º, 23.º e 73.º, (sob a forma tentada) do CP (Lei 65/98, de 2/09), na pena de 2 (dois) anos de prisão. 16. (Com referência ao capítulo 9.4, do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AM: mm) 3 (três) crimes p.p. pelo art. 172.º, n.º 1, do CP, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09), na pena de 2 (dois) anos de prisão. 17. (Com referência ao capítulo 9.11, do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AY: nn) 2 (dois) crimes p.p. pelos arts. 166.º, n.º 1, do CP, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 1 (um) ano de prisão, para cada um dos crimes. oo) 5 ( cinco ) crimes p.p. pelo art. 166.º, n.º 1 e 2, do CP, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 3 (três) anos de prisão, para cada um dos crimes. 18. (Com referência ao capítulo 9.5, do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AB: pp) 1 (um) crime p.p. pelo art. 172.º, n.º 1, do CP, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 2 (dois) anos de prisão. qq) 1 (um) crime de violação, agravado, p.p. pelo art. 164.º, n.º 1 e 177.º, do CP, na versão em vigor à data da sua prática ( Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98 ), na pena de 6 (seis) anos de prisão. 19. (Com referência ao capítulo 9.5, do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AR: rr) 1 (um) crime de violação, agravado, p.p. pelo art. 164.º, n.º 1 e 177.º, do CP, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 6 (seis) anos de prisão. 20. (Com referência ao capítulo 9.13, do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AS: ss) 1 (um) crime p.p. pelo art. 172.º, n.º 1, do CP, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 1 (um) ano de prisão. tt) 2 (dois) crimes p.p. pelo art. 172.º, n.º 1 e 2, do CP, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 4 (quatro) anos de prisão, para cada um dos crimes. 21. (Com referência ao capítulo 2.2, do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AP: uu) 1 (um) crime p.p. pelo art. 166.º, n.º 1 e 2, do CP, na versão em vigor à data da sua prática (DL 48/95, de 15/03), na pena de 3 (três) anos de prisão. 22. (Com referência ao capítulo 2.8, do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AU: vv) 2 (dois) crimes p.p. pelo art. 172.º, n.º 1 e 2, do CP, na versão em vigor à data da sua prática (DL 48/95, de 15 de Março), na pena de 4 (quatro) anos de prisão, para cada um dos crimes. 23. (Com referência ao capítulo 5.2.1. do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AP: xx) 1 (um) crime p.p. pelo art. 176.º, n.º 1, do CP, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 48/95, de 15/03), na pena de 3 (três) anos de prisão. 24. (Com referência ao capítulo 9.17. do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AC: zz) 1 (um) crime p.p. pelo art. 166.º, n.º 1 e 2, do CP, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 3 (três) anos de prisão. 25. (Com referência ao capítulo 2.3. do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AV: aaa) 1 (um) crime p.p. pelo art. 166.º, n.º 1 e 2, do CP, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 3 (três) anos de prisão. 26. (Com referência ao capítulo 2.4. do Despacho de Pronúncia) na pessoa de Y: bbb) 1 (um) crime p.p. pelo art. 166.º, n.º 1 e 2, do CP, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 3 (três) anos de prisão. ccc) 7 (sete) crimes p.p. pelo art. 166.º, n.º 1, do CP, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 2 (dois) anos de prisão para cada um dos crimes. 27. (Com referência ao capítulo 2.5. do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AT: ddd) 2 ( dois) crimes p.p. pelo art. 172.º, n.º 1 e 2, do CP, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 4 (quatro) anos de prisão, para cada um dos crimes. 28. (Com referência ao capítulo 4.4.1. do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AT: eee) 1 (um) crime p.p. pelo art. 172.º, n.º 1 , do CP, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 2 (dois) anos de prisão. 29. (Com referência ao capítulo 2.7. do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AN: fff) 1 (um) crime p.p. pelo art. 172.º, n.º 1, do CP, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 2 (dois) anos de prisão. 30. (Com referência ao capítulo 2.9. do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AQ: ggg) 1 (um) crime p.p. pelo art. 166.º, n.º 1 e 2, do CP, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 3 (três) anos de prisão. 31. (Com referência ao capítulo 4.1.3. do Despacho de Pronúncia) na pessoa de Y: hhh) 2 (dois) crimes p.p. pelo art. 176.º, n.º 1 e 2 do CP, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 3 (três) anos de prisão, por cada um dos crimes. 32. (Com referência ao capítulo 4.3.1. do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AT: iii) 2 ( dois ) crimes p.p. pelo art. 172.º, n.º 1, do CP, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 2 (dois) anos de prisão, por cada um dos crimes. 33. (Com referência ao capítulo 5.2.5.. do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AP: jjj) 1 (um) crime p.p. pelo art. 176.º, n.º 1 e 2, do CP, na versão em vigor à data da sua prática (DL 48/95, de 15/03, em vigor desde 1/10/95), na pena de 3 (três) anos de prisão. 34. (Com referência ao capítulo 6.2.1. do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AN: lll) 1 (um) crime p.p. pelo art. 172.º, n.º 1, do CP, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 2 (dois) anos de prisão. 35. (Com referência ao capítulo 6.5.1. do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AT: mmm) 1 (um) crime p.p. pelo art. 176.º, n.º 1 e 3, do CP, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 3 (três) anos de prisão. EM CÚMULO, foi o arguido A condenado na pena única de 18 (dezoito) anos de prisão. Relativamente aos restantes crimes que lhe eram imputados, quer no processo apensado, quer no processo principal, foi o arguido A absolvido. B - arguido C pela prática de: 1. (Com referência ao capítulo 4.1.4, do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AI: a) 1 (um) crime p.p. pelo art. 172.º, n.º 1 e 2, do CP, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão. 2. (Com referência ao capítulo 4.1.1, do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AP: b) 1 (um) crime p.p. pelo art. 166.º, n.º 1, na versão em vigor à data da sua prática (redacção introduzida pelo DL 49/85, de 15/03), na pena de 3 (três) anos de prisão. EM CÚMULO, foi o arguido C condenado na pena única de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão. Relativamente aos demais crimes pelos quais estava pronunciado foi o arguido C absolvido. C - arguido E pela prática: 1. (Com referência ao capítulo 4.2.1, do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AK: a) 2 (dois) crimes p.p. pelo art. 172.º, n.º 1 e 2, do CP, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, para cada um dos crimes. b) 1 (um) crime p.p. pelo art. 175.º, n.º 1, do CP, na versão introduzida pela Lei nº 59/2007, de 4/09, na pena de 2 (dois) anos de prisão. EM CÚMULO foi o arguido E condenado na pena única de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de prisão. Relativamente aos restantes crimes pelos quais estava pronunciado foi o arguido E absolvido. D - arguido H pela prática: 1. (Com referência ao capítulo 6.7.2. do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AI: a) 1 (um) crime p.p. pelo art. 172.º, n.º 1, do CP, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 3 (três) anos de prisão. 2. (Com referência ao capítulo 4.3.1., do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AT: a) 2 (dois) crimes p.p. pelo art. 172.º, n.º 1 e 2, do CP, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, para cada um dos crimes. EM CÚMULO, foi o arguido H condenado na pena única de 7 (sete) anos de prisão. Relativamente aos restantes crimes pelos quais estava pronunciado foi o arguido H absolvido. E - o arguido K pela prática: 1. (Com referência ao capítulo 4.4.2, do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AI: a) 1 (um) crime p.p. pelo art. 172.º, n.º 1 e 2, do CP, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão. 2. (Com referência ao capítulo 4.4.4, do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AC: b) 2 (dois) crimes p.p. pelo art. 172.º, n.º 1, do CP, na versão em vigor à data da sua prática (DL 48/95, de 15 de Março), na pena de 3 (três) anos de prisão, para cada um dos crimes. 3. (Com referência ao capítulo 4.4.1. do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AT: c) 1 (um) crime p.p. pelo art. 172.º, n.º 1 e 2, do CP, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão. Em CÚMULO, foi o arguido K condenado na pena única de 7 (sete) anos de prisão. Relativamente aos restantes crimes pelos quais estava pronunciado foi o arguido K absolvido. F - o arguido N pela prática: 1. (Com referência ao capítulo 6.2.1. do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AN: a) 1 (um) crime p.p. pelo art. 172.º, n.º 1 e 2, do CP, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão. 2. (Com referência ao capítulo 6.5.1. do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AT: b) 1 (um) crime p.p. pelo art. 176.º, n.º 1, do CP, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 2 (dois) anos de prisão. 3. (Com referência ao capítulo 6.7.2. do Despacho de Pronúncia) na pessoa de AI: c) 1 (um) crime p.p. pelo art. 176.º, n.º 1 e 3, do CP, na versão em vigor à data da sua prática (Lei 65/98, de 2/09, em vigor desde 7/09/98), na pena de 3 (três) anos de prisão. EM CÚMULO, foi o arguido N condenado na pena única de 6 (seis) anos e 2 (dois) meses de prisão. Relativamente aos restantes crimes pelos quais estava pronunciado foi o arguido N absolvido. Foram, ainda, os arguidos, com excepção da arguida Q, a qual foi absolvida dos pedidos civis contra si deduzidos, condenados a pagar aos demandantes civis indemnizações nos termos seguintes: - o arguido/demandado A, no pagamento a cada um dos demandantes AA, AB, AC, AD, AF, AG, AH, AI, X, AY, AM, AN, AP, AQ, AR, AS, AT, AU, AV, AW, da quantia de 15.000 (quinze mil) euros a título de indemnização por danos não patrimoniais. - o arguido/demandado K a pagar a cada um dos demandantes AC, AI e AT, o montante de 25.000 Euros, a título de indemnização por danos morais. - o arguido/demandado E a pagar ao demandante AK o montante de 25.000 Euros, a título de indemnização por danos morais. - o arguido/demandado N a pagar a cada um dos demandantes AI e AT, o montante de 25.000 Euros, a título de indemnização por danos morais. - o arguido/demandado H a pagar a cada um dos demandantes AI e AT, o montante de 25.000 Euros, a título de indemnização por danos morais. - o arguido/demandado C a pagar a cada um dos demandantes AI e AP, o montante de 25.000 Euros, a título de indemnização por danos morais. Tendo sido absolvidos relativamente aos demais pedidos de indemnização. 5. Inconformados com a decisão, dela recorreram os arguidos A, C, E, K, H, N, bem como o Ministério Público e os assistentes AX, Y, AN e AI. 6. Antes, porém, foram inter(...)s vários recursos interlocutórios, os quais foram mandados subir diferidamente com o recurso da decisão que viesse a pôr termo à causa, de entre os quais serão agora conhecidos aqueles que os recorrentes no cumprimento do dis(...) no n.º 5 do art. 412.º do CPP manifestaram manter interesse. 7. Nesta Relação, a Digna Procuradora Geral Adjunta tomou conhecimento do processo, nos termos e para os efeitos previstos no art. 416.º do CPP, pronunciando-se no que respeita à junção de documentos de fls. 72447 a 72471 pela sua não admissão. 8. Notificados os demais intervenientes processuais, nos termos do dis(...) no n.º 2 do art. 417.º do CPP, respondeu o arguido H, nos termos de fls. 72689 a 72719, pugnando pela tempestividade da junção dos documentos trazidos por si aos autos com a resposta ao recurso do MP e dos assistentes, fazendo a junção de novos documentos e solicitando “a renovação da prova relativamente às declarações prestadas em audiência de julgamento por A e AN”. Os arguidos C, E, K e N vieram aderir ao requerido pelo arguido H a fls. 72689 a 72719, nos termos constantes de fls. 72766, 72770 a 72772, 72777, 72791 a 72794. Mediante carta, por si redigida, dirigida a este processo, constante de fls. 72729, o arguido A veio requerer a este Tribunal da Relação para ser ouvido, a fim de transmitir de viva voz toda a verdade sobre os factos do processo, uma vez que se incriminou a si, bem como outras pessoas que também não cometeram qualquer crime. Também mediante carta, por si redigida, dirigida a este processo, constante de fls. 72750 a 72752 o assistente AN veio requerer para ser ouvido por este Tribunal da Relação, alegando ter prestado falsas declarações no decurso do processo, pretendendo agora contar a verdade. Igualmente mediante carta, por si redigida, dirigida a este processo, constante de fls. 72863, a testemunha AZ veio requerer para ser ouvido por este Tribunal da Relação, a fim de repor a verdade do processo, uma vez que as declarações que prestou anteriormente resultaram na condenação de algumas pessoas inocentes. Através de novo requerimento, constante de fls. 72866 a 72879, veio o arguido/recorrente H requerer a junção de mais cinco documentos, um dos quais um DVD, bem como a renovação da prova relativamente às declarações prestadas em audiência por AZ e BA. Notificados o MP, assistentes e demais arguidos vieram os arguidos C e E aderir, através dos requerimentos de fls. 73012 e 73014 ao requerido pelo arguido H a fls. 72866 a 72879. Também o arguido K, através do requerimento de fls. 73024 a 73026, se pronunciou no sentido de serem admitidos os documentos juntos aos autos pelo arguido H e de ser admitida a reinquirição de AN, AZ e BA. Por sua vez a AX e demais assistentes pronunciaram-se a fls. 73027 a 73031 no sentido de que não deviam ser admitidos os documentos juntos aos autos pelo arguido H, nem a renovação da prova requerida. No exame preliminar entendeu a relatora ser necessário conhecer previamente a questão suscitada pela Digna Procuradora Geral Adjunta, quanto à extemporaneidade da junção de documentos com a resposta aos recursos do MP e dos assistentes, bem como dos requerimentos para junção de novos documentos e pedido de renovação da prova apresentado pelo arguido H, a fls. 72689 a 72699 e 72866 a 72879, e, ainda, do requerido pelo arguido A, pelo assistente AN e testemunha AZ. Para o efeito determinou-se a remessa dos autos aos vistos para subsequente julgamento na conferência. 9. Após a conferência foi proferido acórdão indeferindo os requerimentos dos arguidos H, A, do assistente AN e da testemunha AZ. 10. Desse acórdão foi inter(...) recurso pelo arguido H para o Tribunal Constitucional, recurso que foi admitido com subida a final e efeito meramente devolutivo – fls. 73149. 11. Também o arguido K interpôs recurso desse acórdão, mas para o STJ, recurso esse que não foi admitido – fls. 73235. 12. Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, que havia sido requerida pelos arguidos H e N, com observância do legal formalismo. II. Fundamentação A. Recursos interlocutórios 1. Recurso inter(...) pelo arguido A do despacho de fls. 1264 a 1265 do processo apensado (3137/01.5JDLSB), proferido em 27/10/03, que indeferiu a documentação em acta, através da gravação vídeo, das declarações do assistente T No âmbito do Proc. n.º 3137/01.5JDLSB, apenso aos presentes autos, o arguido A requereu a documentação através de gravação áudio das declarações a prestar em sede de audiência de discussão e julgamento, com excepção das declarações a tomar ao assistente T, surdo mudo, a documentar em acta através da gravação vídeo dos seus gestos, devendo, em caso de indisponibilidade dos meios técnicos necessários para o efeito, ser oficiado o CEJ a fim de os colocar à ordem da (…). Por despacho datado de 27-10-2003 (cf. Vol. 7.º, fls. 1264), o Mmo. Juiz pronunciou-se quanto a este requerimento do seguinte modo (transcrição): “A documentação das declarações orais prestadas na audiência vai ser realizada com os meios técnicos habituais à disposição do Tribunal. No que toca à testemunha T vai proceder-se ao registo integral das declarações prestadas oralmente e só destas. É que a lei só refere as declarações prestadas oralmente (art. 363.º do CPP), não se exigindo, como é óbvio, o registo em vídeo dos gestos e das expressões da testemunha. Acresce que o tradutor será, como também é óbvio, ajuramentado. Pelo ex(...), determino a documentação das declarações oralmente prestadas em audiência pelos meios técnicos ao dispor da Vara, no mais se indeferindo o requerido”. Inconformado com o despacho proferido, o arguido A dele interpôs recurso (cf. Vol. 7.º do Proc. n.º 3137/01.5JDLSB, fls. 1300 a 1307, rematando-o com as seguintes conclusões (transcrição): “1 – O recorrente requereu a documentação em acta das declarações orais prestadas em audiência, através de meios áudio, com excepção das declarações prestadas pela testemunha T, que requereu fossem documentadas em acta através de meios vídeo, atento o facto de ser surdo-mudo; 2 – O tribunal "a quo", através do despacho recorrido, indeferiu a documentação em acta das declarações da testemunha T, por meios vídeo, com o argumento de que a lei, art° 363° do CPP, só refere as declarações prestadas oralmente; 3 – E que as declarações da testemunha T serão oralmente reproduzidas, através do interprete; 4 – Salvo o devido respeito o tribunal interpretou erradamente a lei, à luz dos princípios constitucionais abaixo indicados, efectuando mera interpretação literal, sem se ater na interpretação teleológica; 5 – De facto, o legislador ordinário, através da alteração do CPP deu vida ao princípio do duplo grau de jurisdição, insito na norma do art° 32° n° 1 da CRP e art° 6° n° 1 da CEDH, consagrando a possibilidade de recurso de facto e de direito, a cargo dos TR, dando assim também expressão prática aos compromissos internacionais assumidos; 6 – E, por essa via, honrando o direito da pessoa humana, a sua intocabilidade e dignidade, que se assegura no processo, também, pela via do recurso, de facto e de direito, tendente a minimizar ao máximo o erro; 7 – O legislador disse menos que queria dizer, ao prever apenas declarações orais prestadas em audiência, na medida em que seguiu critérios de normalidade, sendo normal as pessoas exprimirem-se por palavras e anormal – no bom sentido aliás, no sentido de ser menos frequente – as pessoas serem surdos mudos; 8 – No entanto, quando o arguido a testemunha ou outro interveniente processual não pode exprimir-se pela palavra, ou pela escrita, como acontece aos que não ouvem nem falam mas escrevem, a documentação em acta terá que ser a da sua linguagem, como é o caso da testemunha T, linguagem gestual; 9 – As declarações são da testemunha, sendo o interprete mero meio de passagem, de transformação da linguagem gestual em linguagem oral; 10 - O interprete pode, por erro de interpretação, ou por outro motivo não interpretar bem, mesmo ajuramentado, não podendo ser vedado ao arguido exercer o contraditório, ou sindicar pela via do recurso da matéria de facto, essa interpretação, através de outro parecer de outro interprete, ou de outra interpretação, e parecer e interpretação a apresentar no tribunal superior; 11 – Ora, as normas devem ser interpretadas literal e teleologicamente, devendo o interprete fazer interpretação actualista ou extensiva, nos casos, como é o presente, em que o legislador não previu expressamente, literalmente, mas os princípios vigentes, impõem que se interprete a norma do artº 363° do CPP no sentido de no caso de surdos mudos a documentação em acta dever ser por meio video, para assegurar as garantias de defesa; 12 – Se a testemunha for estrangeira, fica documentado em acta as suas declarações e pode sempre o próprio tribunal se entender a língua formar o seu juízo de valor, e o arguido pedir tradução, por outro interprete, e recorrer de facto, se for caso disso; 13 – O despacho recorrido violou o dis(...) nos art°s 363° e 327° n° 2, ambos do CPP, e as normas dos art°s 20° n° 1, 32° n° 1 e 5 da CRP e a norma do art° 6° da CEDH. 14 – O tribunal "a quo" efectua uma interpretação inconstitucional da norma do art° 363° do CPP, violando assim, na interpretação que dela faz, essa norma, tornando-a materialmente inconstitucional , por violação dos princípios da legalidade, da proporcionalidade, da garantia do contraditório e da igualdade de armas, do acesso ao direito, consagrados nos art°s 20° n° 1 e 32° n° 1 e 5 da CRP, inconstitucionalidade que expressamente se suscita, para todos os efeitos legais. 15 – O tribunal "a quo" interpretou as normas dos art°s indicados na conclusão 13 no sentido de não ser de deferir a documentação em acta das declarações prestadas pela testemunha, através de meios video, bastando-se com a tradução feita em tribunal pelo tradutor, por não estar expressamente prevista a linguagem gestual no art° 363° do CPP, mas deveria tê-las interpretado no sentido de estar prevista, através de uma interpretação teleológica, actualista, de harmonia com as normas e princípios constitucionais indicados supra.” Termina pedindo que seja dado provimento ao recurso e que, em consequência, seja revogado o despacho recorrido. O Exmo. Magistrado do MP junto do Tribunal a quo, na sua resposta, pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso, por falta de previsão legal e por inexequibilidade prática do pedido (cf. fls. 17 a 19 do Apenso F desse Proc.). Também a assistente AX pugnou pela improcedência do recurso. Subindo de imediato o recurso a esta Relação, o Exmo. Procurador-Geral (...) suscitou a questão prévia do regime de subida fixado pelo despacho que procedeu à sua admissão, entendendo a este propósito que “deve ser revogado e substituído por outro que fixe ao recurso “sub judice” regime de subida diferente, qual seja o de subida conjunta, a final, com o que for inter(...) da decisão que já conheceu o mérito da causa e lhe pôs termo”. Por acórdão datado de 14 de Setembro de 2004, esta Relação decidiu não conhecer de imediato do objecto do recurso, vindo a alterar o seu regime de subida e determinando que o mesmo subisse, diferidamente, nos próprios autos, nos termos do n.º 3 do art. 407.º do CPP (cf. Proc. n.º 3137/01.5JDLSB-F, fls. 44 a 48). Apreciando. Com este recurso interlocutório, o arguido A pretendia que as declarações que viessem a ser prestadas pelo assistente T, surdo mudo, em sede de audiência de julgamento, fossem documentadas em acta, através de gravação vídeo dos seus gestos e expressões corporais, por forma a garantir, na sua perspectiva, o duplo grau de jurisdição, já que o intérprete de linguagem gestual, mesmo ajuramentado, pode, por erro ou por qualquer outro motivo, não interpretar bem aquilo que lhe foi transmitido, vedando-se, deste modo, ao arguido o exercício do contraditório e a sindicância dessa interpretação pela via do recurso da matéria de facto. Conforme resulta dos autos (cf. Vol. 149, fls. 35341 a 35352), o assistente T foi ouvido na sessão da audiência de discussão e julgamento que teve lugar no dia 23 de Novembro de 2005, mostrando-se que as declarações que prestou, com a intermediação de um intérprete de linguagem gestual, devidamente ajuramentado, ficaram registadas no sistema áudio e vídeo ao dispor do tribunal (cf. DVD 1). Deste modo, independentemente do mérito das considerações tecidas, o arguido A acabou por atingir o objectivo visado pela interposição do recurso interlocutório em apreço, ou seja, as declarações do assistente T ficaram integralmente documentadas, os gestos e expressões corporais utilizados na comunicação foram documentadas em registo de imagem e a subsequente tradução oral efectuada pelo intérprete ficou documentada em registo áudio. Ou seja, de facto, mediante o registo audiovisual das declarações prestadas pelo assistente T, foram ultrapassados os óbices suscitados pelo arguido A quanto à salvaguarda das suas garantias de defesa, pelo que se mostra absolutamente inútil conhecer o mérito dos fundamentos invocados no recurso. Em face do ex(...), ao abrigo do art. 287.º, al. e), do CPC, ex vi do art. 4.º do CPP, acorda-se em declarar extinto o recurso interlocutório inter(...) pelo arguido A a fls. 1300 a 1307 do Proc. n.º 3137/01.5JDLSB, apenso aos presentes autos, com base na sua inutilidade superveniente. 2. Recurso inter(...) pelo arguido K do despacho do JIC de fls. 17020 a 17055, proferido em 1/3/2004, que julgou inexistentes as alegadas nulidades ou irregularidades relativas às perícias sobre a personalidade de testemunhas O arguido K no seu requerimento de abertura de instrução, constante de fls. 16307 a 16323, alegou terem sido praticadas, durante a fase de inquérito, nulidades ou irregularidades processuais, consubstanciadas na omissão da notificação aos arguidos da realização das perícias sobre a personalidade de testemunhas, determinante da invalidade do meio de prova em apreço, por força do dis(...) no art. 122.° do CPP, e no facto de, em seu entender, tais perícias sobre a personalidade só puderem ser realizadas às alegadas vítimas de abuso sexual quando estas forem menores de dezasseis anos, em conformidade com o dis(...) no art. 131.°, n.º 3, do CPP. Por despacho, proferido pelo Mmº Juiz de Instrução Criminal, em 1 de Março de 2004 e constante nos autos a fls. 17020 a 17055, foram aquelas alegadas nulidades ou irregularidades, que também foram suscitadas por outros arguidos, apreciadas, concluindo-se pela sua inexistência. Nesse despacho expendeu-se, e passamos a transcrever apenas o seu segmento ora em apreço, que: "Os vícios apontados pelos arguidos requerentes da abertura de instrução reconduzem-se a um total de nove: (…) 3. Violação do dis(...) no art. 154°, nºs 2 e 3, do Cód. Proc. Penal (arguidos E, K, N, (…) e H); (…) 5. As perícias sobre a personalidade das testemunhas não respeitaram o dis(...) no art. 131°, n.º 3, do Cód. Proc. Penal (arguidos K, N, (…) e H); (…) No entender dos arguidos K e N, as perícias sobre a personalidade e de natureza sexual determinadas pelo Ministério Público, em que os examinados foram testemunhas, são nulas ou, caso assim não se entenda, deverá ser declarada a sua irregularidade. De acordo com estes arguidos, não tendo o Ministério Público justificado aquando da determinação da realização de tais perícias a razão pela qual não procedeu à notificação da defesa e sendo o n.º 3 do art. 154° do Cód. Proc. Penal tão expresso ao definir as duas excepções que contempla, a falta de menção da sua verificação faz presumir a sua inexistência. Defendem que outra interpretação de tal normativo agrediria claramente as garantias de defesa que assistem ao arguido em processo penal por força do dis(...) no art. 32° da Constituição da República Portuguesa. Acrescentam ainda os arguidos que se se entender que o Ministério Público não está obrigado a fundamentar a razão pela qual não notifica a defesa da realização das perícias nos termos do art. 154° do Cód. Proc. Penal, no próprio despacho em que as ordena, podendo esta justificação fazer-se após a reacção do arguido, este nunca poderia arguir a nulidade (ou irregularidade) da omissão sub judice. No entanto, de acordo com os arguidos, no caso dos autos não se verificam as duas ressalvas à obrigatoriedade de notificação da defesa, previstas no art. 154°, n.º 3, do Cód. Proc. Penal, pelas razões que explicitam de fls. 16317 a 16319, alegando ainda que a omissão do Ministério Público, constitua ela uma nulidade ou uma irregularidade, jamais poderá vir a ser reparada, uma vez que as perícias em causa já se realizaram. (…) Cumpre apreciar e decidir. No caso sub judice, no decurso da fase de inquérito, o Ministério Público solicitou ao Instituto Nacional de Medicina Legal a realização de perícias (...)-legais sobre a personalidade e de natureza sexual a incidirem sobre diversas testemunhas (cfr. fls. 5836, 5867, 6837 e 9890). Estatui o art. 154°, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, que o despacho que ordena a perícia é notificado ao Ministério Público, quando este não for o seu autor, ao arguido, ao assistente e às partes civis, com a antecedência mínima de três dias sobre a data indicada para a realização da perícia. Ainda de acordo com o n. 3 do mesmo preceito legal, ressalvam-se do dis(...) no número anterior os casos: em que a perícia tiver lugar no decurso do inquérito e a autoridade judiciária que a ordenar tiver razões para crer que o conhecimento dela ou dos seus resultados, pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis poderia prejudicar as finalidades do inquérito [al. a)]: de urgência ou de perigo na demora [al. b)]. No entanto, de harmonia com o dis(...) no art. 40° do Dec.-Lei n.º 11/98, de 24-01, que estabelece o regime jurídico de organização (...)-legal e o âmbito material e territorial de actuação dos serviços (...)-legais, as perícias (...)-legais são ordenadas, nos termos da lei de processo, por despacho da autoridade judiciária competente, não lhes sendo, todavia, aplicável o dis(...) nos artigos 154º e 155º do Código de Processo Penal. Verifica-se assim que não assiste qualquer razão aos arguidos E, K, N, (…) e H, pois basta ler o último dispositivo legal citado para se perceber que o despacho do Ministério Público que ordenou a realização das perícias sobre a personalidade e de natureza sexual mencionadas não tinha que ser notificado aos arguidos. E não se diga, como o fazem os arguidos K e N que tal falta de notificação por parte do Ministério Público ofende as garantias de defesa que assistem ao arguido em processo penal por força do dis(...) no art. 32° da Constituição da República Portuguesa. Na verdade, o n.º 1 deste preceito da Lei Fundamental determina que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso. Mas acrescenta o n.º 5 do mesmo dispositivo que o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório. Ou seja, à luz das exigências Constitucionais, a audiência de julgamento é a sede própria para o exercício do contraditório, cabendo ao legislador ordinário estabelecer outros actos processuais em que tal exercício também tenha lugar, e foi precisamente o que sucedeu com o supra mencionado art. 154°, n.º 2, do Cód. Proc. Penal. A esta circunstância não terá sido alheio o facto de o juizo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial Se presumir subtraído à livre apreciação do julgador, conforme decorre do estatuído no art.163°, n.º 1, do Cód. Proc. Penal. No entanto, o mesmo legislador ordinário entendeu não abranger por esse regime as perícias (...)-legais, e compreende-se que assim seja, atenta a especial atribuição dos serviços (...)-legais de coadjuvação dos Tribunais na administração da justiça - cfr. art. 5°, al. a), do referido Dec,-Lei n.º 11/98. Por tudo o ex(...), julgo improcedente a arguição dos vícios (nomeadamente por não ter sido dado cumprimento ao dis(...) no art. 154º, n.ºs 2 e 3, do Cód. Proc. Penal) apontados pelos arguidos E, K, N, (…) e H às perícias sobre a personalidade e de natureza sexual realizadas em sede de inquérito. (…) - Alegaram os arguidos K, N, (…) e H que as perícias sobre a personalidade das testemunhas não respeitaram o dis(...) no art. 131°, n.º 3, do Cód. Proc. Penal. Entendem os arguidos K e N que de acordo como dis(...) no art. 131°, n.º 3, do Cód. Proc. Penal, as perícias sobre personalidade só podem ser realizadas à alegada vítima de abuso sexual quando esta for menor de dezasseis anos. Referem que alguns dos examinados eram já maiores de dezasseis anos aquando da realização das aludidas perícias sobre a personalidade. (…) Cumpre apreciar e decidir. No decurso do inquérito, por ordem do Ministério Público, foi determinado a realização de perícias sobre a personalidade de diversas testemunhas, sendo que aquando da realização de tais perícias alguns dos examinados eram já maiores de dezasseis anos de idade. Estatui o art. 131°, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, que a autoridade judiciária verifica a aptidão física ou mental de qualquer pessoa para prestar testemunho, quando isso for necessário para avaliar da sua credibilidade e puder ser feito sem retardamento da marcha normal do processo. Por seu turno, acrescenta o n.º 3 do mesmo preceito legal que tratando-se de depoimento de menor de dezasseis anos em crime sexual, pode ter lugar perícia sobre a personalidade. Os arguidos K. N, (…) e H interpretam este n.º 3 do art. 131° do Cód. Proc. Penal como querendo significar que a perícia sobre a personalidade para avaliar da credibilidade de testemunha em crime sexual só pode ser realizada se a testemunha for menor de dezasseis anos. No entanto, entendo que o verdadeiro significado de tal n.º 3, ao contrário do que os referidos arguidos defendem, é que as perícias sobre a personalidade para avaliar da credibilidade de testemunha em crime sexual podem ser realizadas ainda que a testemunha seja menor de dezasseis anos. Ou seja, o n.º 2 do referido art. 131º prevê que a autoridade judiciária verifique a aptidão física ou mental de qualquer pessoa para prestar testemunho, não estabelecendo de que forma. Por outro lado, de harmonia com o dis(...) no art. 151º do Cód. Proc. Penal, a prova pericial tem lugar quando a percepção ou a apreciação dos factos [in casu, credibilidade de testemunha] exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos. Assim, da conjugação do art. 131°, n.º 2, com o art. 151°, ambos do Cód. Proc. Penal, resulta que a aludida verificação da aptidão de uma pessoa para prestar testemunho pode ser feita por qualquer forma que se entenda conveniente, incluindo através de perícia sobre a personalidade. O n.º 3 do já citado art. 131º apenas pretende significar que mesmo que a testemunha em crime sexual seja menor de dezasseis anos também pode ser realizada perícia sobre a sua personalidade. É o que a própria redacção do n.º 3 do art. 131° do Cód. Proc. Penal inculca, pois se o legislador lhe tivesse querido dar o sentido que os arguidos K, N, (…) e H lhe dão teria feito constar que "tratando-se de depoimento de menor de dezasseis anos em crime sexual, pode ainda ter lugar perícia sobre a personalidade" ou "só em caso de depoimento de menor de dezasseis anos em crime sexual pode ter lugar perícia sobre a personalidade". Em suma, o n.º 3 do art. 131º do Cód. Proc. Penal, atenta a natureza da investigação dos crimes sexuais, traduz apenas uma preocupação especial de o legislador tornar claro que mesmo que o depoimento seja de menor de dezasseis anos pode ter lugar perícia sobre a personalidade, implicando mesmo uma sugestão para que a mesma tenha lugar. Pelas razões expostas, julgo improcedente o aludida vício apontado pelos arguidos K, N, (…) e H às perícias sobre a personalidade de testemunhas realizadas no decurso do inquérito." (fim de transcrição) Inconformados com o teor do despacho, na parte ora transcrita, os arguidos K e N, dele interpuseram recurso, pedindo a sua subida imediata e extraindo da sua motivação (cf. fls. 17678 e segs.) as seguintes conclusões: "1. O artigo 40° do Decreto-Lei nº 11/98 de 24 de Janeiro estabelece que as perícias (...)-legais não estão sujeitas ao regime preceituado nos artigos 154° e 155° do Código de Processo Penal (doravante designado apenas por CPP). 2. Com fundamento em tal dispositivo, o tribunal a quo decidiu não dar razão aos ora recorrentes, quanto à alegada sujeição das perícias sobre personalidade realizadas no âmbito do presente inquérito, a testemunhas do processo, a tais normativos. 3. Contudo, as perícias sobre personalidade realizadas não constituem perícias (...)-legais. 4. A perícia (...)-legal é, obrigatoriamente, realizada por um (...) (com conhecimentos (...)s e habilitado com o curso superior de medicina), seja ela dirigida à descoberta de uma causa de morte (autópsia), de uma patologia de ordem psiquiátrica (perícia psiquiátrica), ou de ofensas à integridade física (traumatologia). 5. Ora, tanto a BB, como o BC - os dois peritos que realizaram as perícias de personalidade às testemunhas - têm como formação superior um curso de psicologia e foi tão só nessa qualidade de psicólogos que intervieram neste caso. 6. Consequentemente, tais profissionais não dispunham dos conhecimentos (...)s essenciais à realização de uma perícia (...)-legal. 7. Por essa razão, a sua intervenção limitou-se à realização de entrevistas aos visados, cuja interpretação não assume qualquer carácter (...) e cujas conclusões não são, manifestamente, de ordem (...). 8. Pelo ex(...), não constituindo as perícias de personalidade realizadas no âmbito dos presentes autos, pelos psicólogos supra mencionados e identificados nos vários relatórios constantes do Apenso CC, perícias (...)-legais, mas tão só perícias sobre personalidade, a ressalva estabelecida pelo artigo 40° do Decreto-Lei nº 11/98 de 24 de Janeiro à sujeição ao regime prescrito nos artigos 154º e 155º do CPP, não lhes é aplicável. 9. O artigo 154º nº 2 do CPP impõe a notificação do despacho que ordena a realização de uma perícia aos restantes intervenientes processuais, com uma antecedência mínima de três dias da sua realização, por forma a que os mesmos possam indicar um consultor técnico da sua confiança, que assista ao exame em apreço, afira da sua fiabilidade e assuma até alguma intervenção na realização do mesmo, nos termos aos artigos 155º e 156º do CPP. 10. O Ministério Público não efectuou tal notificação à defesa e nem fundamentou nos despachos em que ordenou as perícias em causa, a razão de tal incumprimento. 11. No presente caso, não se verificam as excepções previstas no nº 3 do artigo 154° do CPP, não existindo qualquer urgência ou perigo na demora na realização da perícia, nem tão pouco razões para crer que o conhecimento da sua realização pela defesa poderia prejudicar as finalidades do inquérito. 12. Pelo ex(...), o Mmo Juiz do tribunal a quo, deveria ter reconhecido que o Ministério Público estava obrigado a notificar os arguidos da realização das perícias sobre personalidade, nos termos dos artigos 154° e 155° do CPP e, em consequência, declarado o vício de nulidade - ou no limite de irregularidade - que feriu tal prova, por omissão desses requisitos legais. 13. Não o tendo feito, a decisão recorrida violou os artigos 154° e 155º do CPP que impunham tal notificação e, ao fazer uso do artigo 40º do Decreto-Lei nº 11/98 de 24 de Janeiro, o qual não é aplicável ao presente caso, agrediu também este dispositivo. 14. Dispõe o nº 3 do artigo 131º do CPP que "tratando-se de depoimento de menor de 16 anos em crime sexual pode ter lugar a perícia sobre a personalidade". 15. Este normativo não prevê, assim, a realização de perícia de personalidade, em caso de depoimento de maior de 16 anos, o que implica a proibição da sua realização. 16. O Código de Processo Penal não integra qualquer outra norma que preveja a realização de perícia de personalidade a testemunhas, mas tão só ao arguido, no seu artigo 160º do CPP. 17. Pelo ex(...), e atenta a clareza da redacção do nº 3 do artigo 131º do CPP, é manifesto que a nossa lei processual penal não concebe e, por isso, não permite, a realização de perícia sobre personalidade a testemunhas, maiores de dezasseis anos, em caso de crime sexual. 18. Se o legislador pretendesse consagrar a realização de tais perícias a menores e a maiores de dezasseis anos, não faria constar na lei processual qualquer referência etária como seu requisito, antes a suprimindo por completo. 19. Acresce que a nossa Jurisprudência já esclareceu que a preocupação do legislador nesta matéria, foi permitir a realização de uma perícia de personalidade a menores de dezasseis, em casos de crimes sexuais, para que o Julgador pudesse avaliar da sua maturidade para a compreensão dos factos: "Com a perícia mencionada no artigo 131º nº 3 do CPP, visa-se determinar o estado de desenvolvimento do menor, especialmente no plano psíquico, o grau de maturidade, em ordem a detectar se possui ou não capacidade para compreender, avaliar e relatar factos que digam respeito a si ou a outrém; elementos esses coadjuvantes do tribunal, que lhe permitem avaliar da credibilidade que deve ser atribuída ao testemunho prestado ou a prestar". - Ac- STJ de 7 de Dezembro de 1999, proc. 530/99-5ª; SASTJ, n° 36, 58. 20. A credibilidade do testemunho de maiores de dezasseis anos, em crimes sexuais, é, assim, avaliada, como sucede em relação a qualquer testemunha maior, sem necessidade de realização de perícia de personalidade. 21. Pelo ex(...), as perícias realizadas à personalidade das testemunhas - AP; AT; AI; AK; AN; Y; AU; AV -; sendo estes já maiores de dezasseis anos quando as efectuaram são, em rigor, inexistentes, não podendo assumir qualquer valor probatório nos presentes autos. 22. Não tendo declarado a sua inexistência, antes admitindo o seu valor probatório, o Mmo Juiz do tribunal a quo violou o artigo 131° n° 3 do CPP, o qual não admite claramente a realização de tais perícias. Pelo ex(...), deve o presente recurso merecer provimento e, em consequência, ser declarada a nulidade de todas perícias sobre personalidade realizadas nos presentes autos, ou, caso assim não se entenda, a sua irregularidade - por violação dos artigos 151°, 154°, 155° e 156° do CPP -, bem como a inexistência das perícias sobre a personalidade, realizadas a testemunhas/ ofendidos maiores de dezasseis anos, por violação do artigo 131º nº 3 e 160º do CPP e, como consequência, a insusceptibilidade destes meios de prova e respectivos relatórios, virem a assumir qualquer valor probatório nos presentes autos, devendo proceder-se ao seu desentranhamento dos autos." (fim de transcrição) A fls. 18015 foi proferido despacho a admitir o recurso, decidindo-se pela sua subida diferida, com o recurso que pusesse termo à causa, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo. Respondeu o Ministério Público, a este recurso do arguido K, extraindo as seguintes conclusões (fls. 72328 a 72333): “64. - Quanto ao Recurso do Arguido K, ora respondido em “B).4.”, o Arguido veio interpor recurso do Despacho Judicial de fls. 17.018 a 17.056, que indeferiu a arguição da nulidade - ou no limite - irregularidade, da realização das Perícias à Personalidade, constantes do Apenso “CC”, porquanto, o MºPº estaria obrigado a notificar a sua realização ao Arguido, nos termos dos artºs 154º e 155º, do C. Penal; 65. - Por outro lado, e relativamente à realização de Perícias a maiores de 16 anos, não há nenhuma norma que o preveja - ao contrário do que acontece com os menores de 16 anos (artº 131º, nº 3, do CPP) - pelo que a realização das mesmas é proibida; 66. - Conclui pela inexistência das perícias à personalidade, realizadas aos Ofendidos AP, AT, AI, AK, AN, Y, AU e AV; 67. - Em síntese, o Arguido pede que seja declarada a inexistência das perícias realizadas aos Ofendidos maiores de 16 anos e a nulidade das perícias realizadas nos autos, por violação do dis(...) nos artºs 151º,154º,155º e 156º, 131º, nº 3 e 160º, do CPP; 68. - O Arguido FD requereu, a fls. 24.222 (Contestação), a realização de novas Perícias aos Assistentes AV, AT, AN, AP, AI, Y e X, bem como, AC, sendo certo que todos estes Assistentes tinham já mais de dezasseis anos; 69. - Mais requereu que a realização das mesmas fosse deferida ao Instituto Nacional de Medicina Legal, concretamente às suas Delegações de Coimbra e Porto; 70. - Assim, o próprio Arguido vem reconhecer, não só, que as Perícias à Personalida-de podem ser realizadas a maiores de 16 anos, mas, também, que as mesmas são da competência do Instituto Nacional de Medicina Legal; 71. - O Arguido FD invoca a pretensa nulidade das Perícias (...)-Legais à Personalidade das Testemunhas, uma vez que, em seu entender resultará dos artºs 160º e 131º, nº 1, do CPP, a contrario, estar vedada a sua realização, pelo que, as que foram realizadas, enfermariam de nulidade insanável, ou, no limite, de irregularidade, não tendo, no entanto, indicado de que nulidade se trata, omitindo qualquer referência aos artºs 119º a 123º, do CPP; 72. - Estatui o art. 154°, nº 2, do CPP, que o Despacho que ordena a Perícia é notificado ao Mº Pº, quando este não for o seu autor, ao Arguido, ao Assistente e às Partes Civis, com a antecedência mínima de 3 dias, sobre a data indicada para a realização da Perícia; 73. - Ainda de acordo com o nº 3, do mesmo preceito legal, ressalvam-se, do dis(...) no número anterior, os casos: em que a perícia tiver lugar no decurso do Inquérito e a Autoridade Judiciária que a ordenar tiver razões para crer que o conhecimento dela ou dos seus resultados, pelo Arguido, pelo Assistente ou pelas Partes Civis poderia prejudicar as finalidades do Inquérito - «a)» -, de urgência, ou de perigo, na demora «b)»; 74. - No entanto, de harmonia com o dis(...) no artº 40°, do DL nº 11/98, de 24 de Janeiro, que estabelece o regime jurídico de organização (...)-legal e o âmbito material e territorial de actuação dos serviços (...)-legais, as Perícias (...)-Legais são ordenadas, nos termos da lei de processo, por Despacho da Autoridade Judiciária competente, não lhes sendo, todavia, aplicável o dis(...) nos artigos 154° e 155º, do CPP; 75. - Verifica-se, assim, que não assiste qualquer razão ao Arguido, pois basta ler o último dispositivo legal citado para se perceber que o Despacho do Mº Pº, que ordenou a realização das perícias sobre a personalidade e de natureza sexual, mencionadas, não tinha que lhe ser notificado; 76. - E nem se diga que, tal falta de notificação, por parte do Mº Pº, ofende as garantias de defesa que assistem ao Arguido em processo penal por força do dis(...) no art. 32º, da Constituição da República Portuguesa; 77. - Na verdade, o nº 1, deste preceito da Lei Fundamental, determina que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso. Mas acrescenta o nº 5, do mesmo dispositivo, que o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório; 78. - Ou seja, à luz das exigências constitucionais, a audiência de julgamento é a sede própria para o exercício do contraditório, cabendo ao legislador ordinário estabelecer outros actos processuais em que tal exercício também tenha lugar, tendo sido precisamente o que sucedeu com o supra mencionado art. 154°, nº 2, do CPP. A esta circunstância não terá sido alheio o facto de o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial se presumir subtraído à livre apreciação do julgador, conforme decorre do estatuído no art. 163°, nº 1, do CPP; 79. - No entanto, o mesmo legislador ordinário entendeu não abranger por esse regime as Perícias (...)-Legais. E compreende-se que assim seja, atenta a especial atribuição dos serviços (...)-legais de coadjuvação dos Tribunais na administração da Justiça - cfr. art. 5°, a), do referido DL nº 11/98; 80. - Por outro lado, não se descortina o fundamento legal que suporta a alegação do Recorrente de que as perícias à personalidade não podem ser realizadas a Testemunhas maiores de 16 anos; 81. - Com efeito, da conjugação do dis(...) nos artºs. 151º e 131°, nºs 1, 2 e 3, ambos do CPP, resulta que a capacidade para ser testemunha pode ser verificada através de perícia sobre a personalidade. Destes dispositivos legais não se extrai em que se traduza em concreto uma perícia sobre a personalidade; 82. - O CPP prevê a realização deste tipo de perícia, mas na pessoa do Arguido e tendo em vista as finalidades a que se alude no nº 1, do art. 160°, do diploma em referência, podendo relevar, nomeadamente, para a decisão sobre a revogação da prisão preventiva, a culpa do agente e a determinação da sanção; 83. - No entanto, do mesmo preceito legal pode aproveitar-se algo para o entendi-mento do que seja a aludida perícia sobre a personalidade a incidir sobre testemunhas, pois sabe-se que tal perícia recai sobre as características psíquicas independentes de causas patológicas, bem como sobre o grau de socialização do Arguido. No nº 2, do referido preceito legal, prevê-se quem pode realizar as perícias sobre a personalidade, sendo que, não havendo serviços especializados, a Lei não estabelece qualquer ordem de deferimento que tenha necessariamente que ser seguida, sucessivamente, entre serviços de reinserção social, especialistas em Criminologia, em Psicologia, em Sociologia, ou, em Psiquiatria. Ou seja, qualquer um destes serviços ou especialistas pode realizar a perícia na ausência de serviços especializados; 84. - No caso dos autos, o Mº Pº deferiu a realização de tais perícias à Delegação de Lisboa, do Instituto Nacional de Medicina Legal (cujos relatórios periciais constam do Apenso “CC”); 85. - De harmonia com o dis(...) no art. 25°, nº 2, do DL nº 96/2001, de 26 de Março, são serviços técnicos das Delegações do Instituto Nacional de Medicina Legal: o Serviço de Tanatologia Forense «a)»; o Serviço de (...) (...)-Legal «b)»; o Serviço de Toxicologia Forense «c)»; o Serviço de Genética e Biologia Forense «d)»; o Serviço de Psiquiatria Forense «e)»; e o Serviço de Anatomia Patológica Forense «f)»; 86. - Estatui o art. 30°, nº 1, do referido DL, que ao Serviço de Psiquiatria Forense compete a realização de perícias e exames psiquiátricos e psicológicos, solicitados à Delegação; 87. - Ora, tendo a Delegação de Lisboa, do Instituto Nacional de Medicina Legal, com-petência para a realização de perícias e exames psiquiátricos e psicológicos, e podendo as perícias sobre a personalidade ser deferidas a especialistas em psicologia, ou em psiquiatria, não se verifica qualquer vício que afecte a validade das perícias, à personalidade, realizadas;” (fim de transcrição) O recorrente N veio entretanto aos autos informar não manter interesse neste seu recurso (vd. fls. 72767 a 72770). Apreciando. Atendendo às conclusões do recorrente K, já acima transcritas, este só alega que as notificações para as perícias sobre a personalidade tinham que ter lugar previamente à realização das mesmas por entender que estas não constituem perícias (...)-legais, pois, como do teor daquelas (conclusões) resulta, o recorrente conformar-se-ia com a omissão de notificação se estas (perícias de personalidade) tivessem tal natureza (de perícias (...)-legais), aceitando que nesse caso, face à ressalva estabelecida pelo artigo 40.° do Decreto-Lei n.º 11/98 de 24 de Janeiro, não haveria a sujeição ao regime prescrito nos arts. 154.º e 155.º do CPP. Portanto, a primeira questão que se coloca é a de saber se as perícias sobre a personalidade são perícias (...)-legais. Para o recorrente "A perícia (...)-legal é, obrigatoriamente, realizada por um (...) (com conhecimentos (...)s e habilitado com o curso superior de medicina), seja ela dirigida à descoberta de uma causa de morte (autópsia), de uma patologia de ordem psiquiátrica (perícia psiquiátrica), ou de ofensas à integridade física (traumatologia)", sendo que "tanto a BB, como o BC - os dois peritos que realizaram as perícias de personalidade às testemunhas – têm como formação superior um curso de psicologia e foi tão só nessa qualidade de psicólogos que intervieram neste caso", pelo que, para o recorrente, "tais profissionais não dispunham dos conhecimentos (...)s essenciais à realização de uma perícia (...)-legal" e "Por essa razão, a sua intervenção (…) não assume qualquer carácter (...)" e as suas "conclusões não são, manifestamente, de ordem (...)". Vejamos. Como ensina Mário R. Simões em "Relatórios psicológicos: Exercícios de aproximação ao contexto forense" in "Psicologia forense", obra coordenada por Carla Machado e Rui Abrunhosa Gonçalves, Ed. Quarteto, 2005, a pág. 58: "A perícia constitui um instrumento de assessoria técnica aos tribunais e tem como finalidade apoiar o juiz na tomada de decisão. A colaboração de psicólogos pode ser perspectivada, por exemplo, quer no âmbito da «perícia relativa a questões psiquiátricas» (Artigo 159.°, «Perícia (...)-legal e psiquiátrica»), quer da «perícia sobre a personalidade» (Artigo 160.°). «Para efeito de avaliação da personalidade e da perigosidade do arguido pode haver lugar a perícia sobre as suas características psíquicas independentes de causas patológicas, bem como sobre o seu grau de socialização. A perícia pode relevar, nomeadamente para a decisão sobre a revogação da prisão preventiva, a culpa do agente e a determinação da sanção. A perícia pode ser realizada por especialistas em criminologia, em psicologia ou em psiquiatria.. (Artigo 160.°, «Perícia sobre a personalidade»)." Por outro lado, como expende o Exmº Desembargador A. J. Latas em "Processo penal e prova pericial" in "Psicologia forense", obra coordenada por António Castro Fonseca, Ed. Almedina, 2006, a pág. 100 e segs.: "Nos termos do CPP, a perícia é ordenada pelo juiz de instrução ou pelo juiz de julgamento se o processo se encontrar nas fases de Instrução ou Julgamento, respectivamente, e pelo Ministério Público se o processo se encontrar na fase inicial de Inquérito, o qual, actualmente, pode delegar em autoridade de polícia criminal a competência para ordenar a realização de perícias em tipos determinados de crime, nos casos de urgência ou perigo na demora, exceptuando perícia que envolva a realização de autópsia (...)-legal (art. 270.° do CPP). Também uma alteração de 2001 à Lei Orgânica da Polícia Judiciária veio permitir que os seus funcionários qualificados como autoridades de polícia criminal possam ordenar a realização de perícias a efectuar por organismos oficiais, no âmbito de delegação genérica de competências (embora deva comunicá-lo imediatamente ao MP), excepto tratando-se de perícias relativas a questões psiquiátricas ou sobre a personalidade, para além de autópsia (...)-legal, as quais não podem ser solicitadas pelos OPC. Grande parte das perícias são ordenadas na fase de inquérito, assumindo importância crescente na própria configuração e rumo da investigação dos crimes na sua fase inicial, do mesmo modo que são essenciais, em cada vez maior número de casos, para que o MP fundamente a sua decisão de acusar ou não no termo do inquérito e possa sustentar a mesma nas fases jurisdicionais. Em regra, nesta fase é oficiosa a decisão de realizar a perícia, embora nada obste a que a mesma seja tomada a solicitação do arguido no âmbito do seu direito de requerer as diligências que entenda convenientes, em qualquer fase do processo, ou mesmo a sugestão do Assistente, como colaborador do MP. Na fase de Instrução cabe exclusivamente ao juiz ordenar a realização da perícia, quer oficiosamente, quer a solicitação do requerente de abertura da respectiva fase, seja ele o arguido ou o assistente, ou por sugestão de qualquer deles que o tribunal acatará ou não. Pelas razões aludidas, as perícias são realizadas na fase de Inquérito na generalidade dos casos, transmitindo-se os respectivos resultados às fases jurisdicionais, designadamente à fase de julgamento, pelo que, tal como a lei processual pressupõe, não é nesta fase processual que, em regra, tem lugar a realização de perícias. Nada impede, porém, que, apenas na fase de Julgamento seja ordenada a realização de perícia - oficiosamente ou a requerimento - o que sucederá sempre que a sua necessidade se torne evidente para o tribunal de julgamento ou para o juiz singular que dirige o processo, de acordo com o princípio da investigação ou da verdade material. (…) Nos termos do art, 154.° do CPP, as autoridades judiciárias ordenam a realização de perícia mediante despacho, contendo indicação sumária do objecto da perícia e o nome dos peritos (se for caso disso) e quando deve realizar-se. Este despacho deve ser notificado a todos os sujeitos processuais com interesse no respectivo resultado (MP se não for quem decide da mesma, o arguido o assistente e as partes civis), com antecedência mínima de três dias visando, desde logo, dar-lhes a possibilidade de designarem o seu consultor técnico, nos casos em que é admissível, como melhor veremos infra. Não haverá lugar à notificação em casos de urgência ou perigo na demora em qualquer fase processual, ou se, na fase de inquérito, o MP considerar que o conhecimento da realização da perícia ou dos seus resultados por parte do arguido, do assistente ou das partes civis, pode prejudicar as finalidades do inquérito, ou seja, no caso, o interesse público nas investigações dos crimes, o que nos remete para as razões que naquela fase processual justificam o segredo de justiça interno, isto é, a proibição de acesso ao processo por parte dos sujeitos processuais, maxime o arguido. (…) O regime legal das perícias (...)-legais expressamente afasta a aplicabilidade do art. 154.° do CPP, pelo que a autoridade judiciária se limita a ordenar a realização da perícia, cabendo ao Instituto Nacional de Medicina Legal (INML) a indicação dos peritos que em concreto a efectivarão. (…) O Código de Processo Penal e legislação avulsa regulam especialmente as perícias (...)-legais, ou seja, as perícias que supõem a aplicação de conhecimentos (...)s e biológicos à resolução de problemas jurídicos, designadamente jurídico-penais, cuja importância, no conjunto das perícias forenses, é indiscutível, conhecendo um elevado desenvolvimento científico e organizacional consentâneo com a importância que, do ponto de vista quantitativo e qualitativo, detém no nosso sistema processual penal. O actual sistema legal das perícias (...)-legais, incluindo as perícias de psiquiatria e psicologia forenses, resulta no essencial de três diplomas legais: o Código de Processo Penal, o Decreto-lei n.º 96/2001, de 26 de Março, que aprovou a lei orgânica do Instituto Nacional de Medicina Legal, e a Lei n.º 45/2004, de 19 de Agosto, que estabelece o regime jurídico da realização das perícias (...)-legais e forenses. Estas são, obrigatoriamente, da competência das delegações e dos gabinetes (...)-legais do INML, que é um instituto público sujeito à superintendência e tutela do Ministério da Justiça. Todavia, perante manifesta impossibilidade daqueles serviços, podem as perícias ser levadas a cabo por entidades terceiras, públicas ou privadas, contratadas ou indicadas para o efeito pelo INML. Nas comarcas não abrangidas pelas delegações ou gabinetes em funcionamento, as perícias podem ser ainda realizadas por (...)s a contratar directamente pelo INML segundo o procedimento burocrático estabelecido na lei. (…) Embora o Código do Processo Penal continue a referir-se autonomamente à perícia psiquiátrica, a perícia a realizar no âmbito desta especialidade médica é legalmente tratada em paridade com as restantes perícias (...)-legais. Deve ser solicitada à delegação do INML (Lisboa, Porto ou Coimbra) da área territorial do tribunal que os requer e é levada a cabo pelo serviço de Psiquiatria Forense, que é um dos serviços técnicos das delegações do INML, ao lado do serviço de tanatologia forense, (...) (...)-legal, toxicologia forense, genética e biologia forense e anatomia patológica forense, sem particularidades de relevo face às restantes especialidades. Se os serviços próprios das delegações não dispuserem de especialistas em número suficiente para todas as solicitações, podem deferir a realização das perícias a serviços especializados do Serviço Nacional de Saúde. (…) Distinção entre perícia psiquiátrica e perícias sobre a personalidade O Código de Processo Penal refere ainda autonomamente a perícia sobre a personalidade, a qual pode consistir na avaliação da personalidade e perigosidade do arguido, nos termos do art. 160.° do CPP, ou versar sobre a capacidade e credibilidade de testemunha menor de 16 anos (em processo penal, mesmo a vítima tem o estatuto processual de testemunha quando não se constitui assistente ou não é parte civil) em crime sexual (art. 131.° n.º 3 do CPP) e não se confunde, em qualquer dos casos, com a perícia psiquiátrica. A perícia sobre a personalidade a que se refere o art. 160.° do CPP consiste na avaliação de características psíquicas do arguido (e não de quaisquer outros intervenientes processuais), independentes de causas patológicas, bem como na avaliação do seu grau de socialização, e visa assessorar o tribunal na decisão de questões específicas, como a revogação da prisão preventiva, a culpa do agente e a determinação da sanção (…). A perícia sobre a capacidade e credibilidade de testemunha em crime sexual (art. 131.° CPP) consiste, essencialmente, na apreciação sobre a existência de morbosidade, imaturidade ou outras características psíquicas susceptíveis de porem em causa a capacidade de a testemunha depor de forma credível. As perícias sobre a personalidade devem ser deferidas a serviços especializados e na falta ou inadequação destes, a serviços de reinserção social ou, ainda, a especialistas em criminologia, psicologia, sociologia ou psiquiatria, sem prejuízo da solicitação de exames complementares entre si ou perante outras especialidades. Também quanto a estas perícias, o CPP expressamente prevê a contratação de entidades terceiras, nos moldes já aludidos. Na prática, estas perícias têm sido realizadas pelo Instituto de Reinserção Social ou pelo serviço de psiquiatria forense do INML que inclui entre as suas competências a realização das perícias de psicologia forense. Quanto à perícia psiquiátrica, o CPP não procede à sua definição e a Lei de 2004 apenas refere genericamente as perícias psiquiátricas e as perícias no âmbito da psiquiatria forense, o que bem pode ficar a dever-se a dificuldades em delimitar o seu objecto face à constante evolução científica na área. Em todo o caso, resulta suficientemente da regulamentação penal e processual sobre os temas respectivos, que a perícia, realizada por (...)s da especialidade e, eventualmente, com a participação de especialistas em psicologia e criminologia, destina-se, desde logo, a apurar se o arguido sofre de anomalia psíquica que determine a sua inimputabilidade. Pode ainda aquela perícia incidir sobre a pessoa da vítima, como sucede, por exemplo, quando se trate de averiguar se esta sofre de anomalia psíquica para efeitos de agravação do crime de lenocínio (art. 170.° n." 2 do Código Penal) ou se ficou afectada de anomalia psíquica grave em consequência de ofensa à integridade física (art. 144.° c) do Código Penal). Ainda que nem sempre se apresente clara a distinção entre psiquiatria e psicologia que, cada vez mais, operam em territórios comuns, parece que a distinção entre a perícia psiquiátrica e perícia sobre a personalidade assenta, sobretudo, na definição legal do objecto de cada uma das perícias e na atribuição da responsabilidade pela realização da perícia psiquiátrica a (...)s psiquiatras, ainda que admitindo a participação de especialistas em psicologia, a qual pode consistir na realização de exames psicológicos complementares, quer incidindo sobre aspectos cognitivos, quer sobre a personalidade." (fim de transcrição) Como se consignou no acórdão do STJ de 23 de Outubro de 2008, relatado pelo Exmº Cons. Simas Santos, proferido no proc. 08/P2869 e consultável in www.jusnet.pt: «Note-se que a veracidade do depoimento da ora assistente é corroborada pelo "Relatório de avaliação psicológica" elaborado pelo Instituto de Educação e Psicologia da UM, conforme permite o n° 2 do art° 131° do C.P.P., cuja finalidade é a verificação da aptidão psíquica da então menor para prestar testemunho relativamente aos graves factos de que acusava o arguido. A prova pericial tem lugar, de acordo com o art°151° do CPP, quando a percepção ou apreciação dos factos exigem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos, sendo a perícia, a actividade de percepção ou apreciação dos factos probandos efectuada por pessoas dotadas de especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos. (Marques da Silva - Curso de Processo Penal II, pág.197) O objecto da perícia é a percepção de factos ou a sua valoração. Embora o juiz pela formação que possui tenha capacidade para avaliar da credibilidade das testemunhas em geral, tratando-se de menores, porque a percepção da sua aptidão física e mental para prestar testemunho se toma mais difícil, permite e até aconselha a lei que se solicite a técnicos avalizados, com conhecimentos técnicos específicos, a realização de perícias destinadas a avaliar da sua credibilidade. O perito, pessoa dotada de especiais conhecimentos técnicos, está melhor preparado para percepcionar ou apreciar da credibilidade do depoimento, funcionando, assim, como auxiliar do juiz. É finalidade da perícia percepcionar e valorar factos (Germano Marques da Silva - Curso de Processo Penal II, pág. 198) constituindo prova que pode e deve ser considerada em julgamento. No caso dos autos a função do perito foi a de auxiliar do juiz apenas no que concerne à percepção da credibilidade da assistente Não se substitui ao juiz na avaliação do testemunho. Ou seja, o perito não "diz" ao juiz o que do depoimento deve ou não ser aproveitado. Apenas lhe indica, de acordo com os estudos que fez, se a testemunha ou declarante merece ou não credibilidade. Ora, de acordo com o art°163° do C.P.P. o relatório pericial impõe-se, em princípio, ao julgador, que o tem de acatar. Se dele divergir, essa divergência tem que ser devidamente fundamentada. No caso, a conclusão do relatório vai de encontro à percepção dos julgadores, corroborando-a.(…) O relatório não substitui as declarações da assistente.» E merecem estas considerações a nossa inteira concordância, sendo certo que a 1.ª instância se moveu nos limites traçados pela Lei, quer quanto à perícia em causa, quer quanto ao uso do princípio da livre convicção pelo Tribunal de 1.ª Instância, perante essa perícia. Escrevem sobre essa matéria Simas Santos e Leal-Henriques (CPP Anotado, I, pág. 938): «Fala o n.º 3 (…) em perícia da personalidade, o que nos remete para os art.ºs 160.º e 160.º-A, onde se dispõe sobre a perícia de personalidade. Ela deve ser deferida a serviços especializados, incluindo os serviços de reinserção social, ou, quando isso não for possível ou conveniente, a especialistas em criminologia, em psicologia, em sociologia ou em psiquiatria (n.º 2 do art.º 160.º), mas pode ainda ser realizada por entidades terceiras que para tanto tenham sido contratadas por quem as tivesse de realizar, desde que aquelas não tenham qualquer interesse na decisão a proferir ou ligação com o assistente ou com o arguido (n.º 1 do art.º 160.º-A). Enquanto a perícia de personalidade do arguido é realizada para efeito de avaliação da sua personalidade e perigosidade do arguido, incidindo sobre as características psíquicas independentes de causas patológicas, bem como sobre o seu grau de socialização (n.º 1 do art.º 160.º), aqui a perícia visa verificar a aptidão física e mental do menor de 18 para depor em crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, designadamente quando deles foi vítima, para avaliar da sua credibilidade (n.º 2 deste artigo).» E na verdade, a credibilidade prende-se necessariamente, pois, com a idade da testemunha e a natureza do crime e postula a obtenção de um discurso sobre a situação, pois não se trata de uma mera credibilidade geral e desligada da vida, tributária tão só de condicionantes psico-biológicas, mas sim da sua credibilidade relacionada com aquele pedaço de vida, que exactamente pela sua natureza autoriza a avaliação pericial da credibilidade da testemunha." (fim de transcrição) Por seu turno, no acórdão do TRP de 11 Junho de 2008, relatado pelo Exmº Desembargador Ferreira Ramos, proferido no proc. 0745662 e consultável in www.jusnet.pt, decidiu-se que: "A regra consagrada no Código de Processo Penal é a de que pode ser testemunha toda a pessoa com capacidade, art.º 131º do Código de Processo Penal. O único caso de incapacidade previsto na lei é a interdição por anomalia psíquica. Além deste caso pode acontecer que a pessoa esteja naturalmente incapacitada para testemunhar, por inaptidão física - a pessoa está em estado vegetativo - ou mental - distúrbio mental grave - incluindo a falta de maturidade própria da infância, v.g. criança de tenra idade. Nestes casos, a autoridade judiciária verificará da aptidão, usando dos meios que entender por convenientes e decidirá livremente sobre a credibilidade do depoimento (Germano Marquesa da Silva, Curso de Processo Penal, II vol, 4ª ed. 2008, p. 165). O meio por excelência para verificar a aptidão mental de um menor para prestar testemunho é a perícia de personalidade referida no art.º 131º do Código de Processo Penal. Se a menor tinha capacidade para testemunhar em observação psicológica, como aí se concluiu, em princípio também teria essa capacidade para depor em processo penal.(…) A perícia destinada a avaliar a credibilidade das declarações de testemunha só ganha relevo se a testemunha prestar depoimento no processo, normalmente depoimento em audiência ou que possa ser considerado em audiência, caso das declarações para memória futura. A narração constante da perícia sem depoimento na audiência ou que possa ser considerado em audiência, art.º 271º do Código de Processo Penal, nada vale. Finalmente o perito deve pronunciar-se sobre a capacidade ou incapacidade da pessoa sujeita a perícia conservar em memória e reproduzir acontecimentos que presenciou ou viveu, isto é sobre os aspectos perceptivos e cognitivos do depoimento, sendo que, quanto à credibilidade a última palavra é a do tribunal (Acórdão do TRL de 21 de Março de 2007, Carlos Almeida disponível no sítio da internet)." (fim de transcrição) O regime jurídico das perícias (...)-legais e forenses está hoje regulado pela Lei n.º 45/2004, de 19 de Agosto, que, nos termos da alínea a) do seu art. 33.º, revogou os arts. 40.º a 54.º e 78.º a 82.º do Decreto-Lei n.º 11/98, de 24 de Janeiro. Mas o art. 40.º do referido Decreto-Lei n.º 11/98, que anteriormente estabeleceu o "regime jurídico da organização (...)-legal e o âmbito material e territorial de actuação dos serviços (...)-legais" e estava em vigor à data em que as perícias dos autos foram ordenadas e realizadas, nele preceituava que: "As perícias (...)-legais são ordenadas, nos termos da lei de processo, por despacho da autoridade judiciária competente, não lhes sendo, todavia, aplicável o dis(...) nos artigos 154.º e 155.º do Código de Processo Penal". A aptidão da testemunha para depor - seja ela ou não vítima, seja maior ou menor de idade - pode ser verificada através de perícia sobre a sua personalidade, como se alcança da conjugação do dis(...) nos arts. 151.º e 131.º do CPP. Do teor destas indicadas normas não se extrai o que seja o exacto conteúdo e âmbito de uma perícia sobre a personalidade. A esta apenas se refere o art. 160.º do CPP. Do dis(...) neste preceito processual penal - e para o efeito é irrelevante que a norma se reporte às perícias sobre a personalidade dos arguidos, tendo em vista, "nomeadamente," "a decisão sobre a revogação da prisão preventiva, a culpa do agente e a determinação da sanção" – retira-se que uma perícia sobre a personalidade, seja de arguido, seja de testemunha, recairá sobre as "características psíquicas independentes de causas patológicas" do examinado. Por seu turno, sabendo-se que a prova pericial tem lugar quando a percepção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos (art. 151.º do CPP), o n.º 2 do preceito em apreço (art. 160.º do CPP) estabelece quem pode realizar as perícias sobre a personalidade. Não existindo "serviços especializados", a lei adjectiva não estabelece qualquer ordem de deferimento, podendo a realização da perícia ser atribuída aleatoriamente aos "serviços de reinserção social", ou a "especialistas em criminologia, em psicologia, em sociologia ou em psiquiatria". Qualquer um destes serviços ou especialistas pode realizar a perícia na ausência de serviços especializados. Nos presentes autos, o Ministério Público deferiu a realização de tais perícias à Delegação de Lisboa do Instituto Nacional de Medicina Legal (constando os respectivos relatórios periciais do apenso CC). As Delegações do Instituto Nacional de Medicina Legal comportam os seguintes serviços técnicos: Tanatologia Forense, (...) (...)-Legal, Toxicologia Forense, Genética e Biologia Forense, Anatomia Patológica Forense e Psiquiatria Forense, sendo que "ao Serviço de Psiquiatria Forense compete a realização de perícias e exames psiquiátricos e psicológicos solicitados à Delegação" (cf. arts. 25.°, n.º 2, e 30.°, n.º 1 do Dec.-Lei n.º 96/2001, de 26 de Março). Se atentarmos no Diário da República, 2.ª série, n.º 120, de 23 de Junho de 2010, e consultarmos a página electrónica do Instituto Nacional de Medicina Legal, verificaremos que este realiza, no quadro da (...) forense, "exames periciais complementares de outras especialidades" e, entre estes, exames psicológicos, como é o caso dos exames de personalidade. Para o efeito, na sequência de concursos documentais, celebra com psicólogos "Contratos de prestação de serviços para realização de perícias no âmbito da psicologia forense", os quais se destinam às "delegações e gabinetes (...)-legais, de acordo com as vagas existentes”, sendo "requisitos de admissão - ser licenciado em ciências psicológicas ou psicologia e estar inscrito na Ordem dos Psicólogos" e considerados, na avaliação curricular, como factores de valoração a ponderar no apuramento, entre outros: "a) Doutoramento em psicologia forense, psicologia legal ou ciências forenses; b) Mestrado em psicologia forense, psicologia legal, psicologia criminal, psicocriminologia, medicina legal e ciências forenses ou ciências forenses; c) Licenciatura em ciências psicológicas ou psicologia com especialização na área da psicologia (...) ou psicologia criminal; d) Experiência profissional comprovada na área da avaliação psicológica (...) e instrumental (questionários, inventários e testes psicométricos mais frequentemente utilizados); e) Acções de formação no âmbito das ciências (...)-legais e forenses, nomeadamente curso superior de medicina legal, ministradas no âmbito do INML, I. P." Só no procedimento concursal aberto em 2010, pelo e para o INML, estiveram a concurso 34 vagas para psicólogos a contratar para diversas Delegações e Gabinetes (...)-Legais. São psicólogos, como era o caso da BB e do BC, que no quadro das suas funções e no das atribuições do INML realizam perícias de personalidade como aquelas a que foram sujeitas as testemunhas dos autos em causa. Ora, tendo a Delegação de Lisboa do Instituto Nacional de Medicina Legal competência para a realização de perícias e exames psiquiátricos e psicológicos e podendo as perícias sobre a personalidade ser deferidas a especialistas em psicologia ou em psiquiatria, não tem razão o recorrente K quando defende que as perícias de personalidade não são perícias (...)-legais. Esta posição tem ainda mais força se atentarmos no n.º 5 aditado ao art. 156.º sob a epígrafe “Procedimento” do CPP pela Lei n.º 48/2007 em que se veio explicitar que "As perícias referidas no n.º 2 do artigo 154.º são realizadas por (...) ou outra pessoa legalmente autorizada (…)", na esteira do dis(...) no n.º 1 do art. 24.º da Lei n.º 45/2004 ("Os exames e perícias de psiquiatria e psicologia forense são solicitados pela entidade competente à delegação do Instituto da área territorial do tribunal que os requer."). Caso se entendesse que as perícias de personalidade em causa não são perícias (...)-legais, então colocar-se-ia a questão de saber se os arguidos tinham de ser notificados previamente da realização das perícias de personalidade às testemunhas/menores/vítimas de crimes sexuais nos autos. Estabelece o art. 154.º do CPP, na redacção da Lei n.º 48/2007 que: "1 — A perícia é ordenada, oficiosamente ou a requerimento, por despacho da autoridade judiciária, contendo o nome dos peritos e a indicação sumária do objecto da perícia, bem como, precedendo audição dos peritos, se possível, a indicação do dia, hora e local em que se efectivará. 2 — Quando se tratar de perícia sobre características físicas ou psíquicas de pessoa que não haja prestado consentimento, o despacho previsto no número anterior é da competência do juiz, que pondera a necessidade da sua realização, tendo em conta o direito à integridade pessoal e à reserva da intimidade do visado. 3 — O despacho é notificado ao Ministério Público, quando este não for o seu autor, ao arguido, ao assistente e às partes civis, com a antecedência mínima de três dias sobre a data indicada para a realização da perícia. 4 — Ressalvam -se do dis(...) no número anterior os casos: a) Em que a perícia tiver lugar no decurso do inquérito e a autoridade judiciária que a ordenar tiver razões para crer que o conhecimento dela ou dos seus resultados, pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis, poderia prejudicar as finalidades do inquérito; b) De urgência ou de perigo na demora." Também à data em que as perícias foram ordenadas nos autos era esta a redacção deste artigo, com excepção do seu n.º 2 que era então inexistente, sendo que os seus actuais n.ºs 3 e 4 eram então os seus n.ºs 2 e 3. Nos termos do preceito ora em apreço as perícias são ordenadas, oficiosamente ou a requerimento, por despacho da autoridade judiciária, sendo que naquela fase processual dos autos - inquérito - o Ministério Público era autoridade judiciária, como resulta da alínea b) do art. 1.º do CPP, cabendo-lhe a direcção do inquérito (arts. 263.º, n.º 1 e 267.º do CPP). A este propósito Maia Gonçalves na sua anotação 3. ao art. 154.º do CPP (pág. 362, 15ª Edição, 2005) explicita que: "Tendo a perícia que ser ordenada por despacho da autoridade judiciária, portanto por juiz, juiz de instrução ou MP, nos termos do art. 1.º, n.º 1, al. b), deverá sê-lo pelo MP durante o inquérito, por juiz de instrução durante esta fase ou pelo juiz do julgamento nas fases subsequentes. Quando ordenada a requerimento de quem tiver para tanto legitimidade deverá o requerimento ser dirigido à autoridade judiciária que no momento tiver a direcção do processo." A notificação a que alude o n.º 3 (anterior n.º 2) não tem que ter lugar no decurso do inquérito se a autoridade judiciária que ordenar a perícia tiver razões para crer que o conhecimento dela ou dos seus resultados, pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis, pode prejudicar as finalidades do inquérito. É certo que o Ministério Público nos despachos de fls. 5836, 6837 e 9890, proferidos, respectivamente, em 17 de Junho, 16 de Julho e 7 de Outubro de 2003 (requisições a fls. 5867, 6845 e 9891), em que ordenou as perícias sobre a personalidade aos menores vítimas de abuso sexual, não alegou urgência ou perigo na demora, nem explicitou que o prévio conhecimento da realização daquelas por parte dos arguidos poderia prejudicar as finalidades do inquérito. Ou seja, o Ministério Público não fundamentou aqueles seus despachos, mas a tanto não estava obrigado, pois que, estando o processo em fase de inquérito, vigorava ainda, à data, o segredo de justiça interno, face à redacção que tinha o art. 86.º do CPP (o processo penal só se tornava público a partir da decisão instrutória ou, se a instrução não tivesse lugar, do momento em que já não podia ser requerida). O que não só implicava que não fosse feita qualquer notificação aos arguidos no tocante à realização das perícias, sob pena de se estar a violar o segredo de justiça, como, igualmente, se tornaria destituída de qualquer razão lógica estar o MP a fundamentar para si próprio a sua tomada de decisão em ordenar oficiosamente as perícias sobre a personalidade aos menores vítimas de abuso sexual; jovens que tinham já prestado declarações em inquérito e iriam mais tarde ser ouvidos como testemunhas na audiência de julgamento. E aqui, convocamos de novo, a posição de A. J. Latas, acima transcrita, no que concerne à questão da não notificação dos arguidos para as perícias ordenadas pelo MP em inquérito: "… o que nos remete para as razões que naquela fase processual justificam o segredo de justiça interno, isto é, a proibição de acesso ao processo por parte dos sujeitos processuais, maxime o arguido." E não se nos afigura que esta interpretação de tal normativo (art. 154.º do CPP) viole as garantias de defesa que assistem ao arguido em processo penal por força do dis(...) no art. 32.° da CRP, porquanto o que importa é que seja ulteriormente assegurado, como o foi in casu, o contraditório quanto ao conteúdo de tais perícias. Perícias que são meio de prova, como o são, entre outros, os reconhecimentos aos locais, cuja realização também não foi em inquérito previamente notificada aos arguidos, podendo estes, no entanto, vir a rebatê-las posteriormente. Aliás foi isso que sucedeu nos autos no que tange ao arguido K e às perícias sobre a personalidade ora em apreço. Com efeito, o MP ao indicar, no final da acusação, que deduziu em 29/12/2003, os meios de prova, menciona, como se alcança de fls. 13789: "Prova pericial" "Apenso CC", sendo que é neste apenso que se encontram todos os exames sobre a personalidade efectuados durante o inquérito às vítimas a que temos vindo a aludir. Na sequência do que, o arguido K, no exercício do contraditório, viria, por um lado, no seu requerimento para abertura de instrução, constante de fls. 16307 a 16323, alegar terem sido praticadas, durante a fase de inquérito, nulidades ou irregularidades processuais relativas à realização de tais perícias de personalidade, e, por outro lado, viria a requerer, na sua contestação, a realização de novas perícias de personalidade aos ofendidos, nos termos que constam de fls. 24406 a 244408. Sendo que as novas perícias sobre a personalidade aos ofendidos, requeridas pelo arguido K, foram deferidas, como resulta da alínea b) do ponto 6. do despacho de 23 de Novembro de 2004 (a fls. 24737), do ponto 27. do despacho de 7 de Dezembro de 2004 (a fls. 25271 e segs.), do despacho de 12 de Agosto de 2005 (a fls. 33896 e vº), do ponto 7. do despacho de 26 de Setembro de 2006 (a fls. 39670), do ponto 4. do despacho de 27 de Outubro de 2006 (a fls. 40820) do ponto 6. do despacho de 30 de Outubro de 2007 (a fls. 48876), do ponto 11. do despacho de 12 de Novembro de 2007 (a fls. 49202) e do despacho de 1 de Abril de 2008 (a fls. 51794), todos proferidos pela Mmª Juíza Presidente da (…). A propósito do exercício do contraditório em sede de perícias, face à possibilidade de realização de nova perícia ou renovação de anterior, releva aqui o acórdão do TC n.º 133/2007, proferido em 27 de Fevereiro de 2007 e consultável in www.tribunalconstitucional.pt, aliás, prolatado no âmbito do presente processo - decidindo recurso inter(...) pelo arguido H -, onde, após muito interessante exposição histórica sobre a evolução das perícias (...)-legais, se expendeu: "Fica, porém, desde logo totalmente por demonstrar que a sindicância a posteriori do resultado das perícias não garante o exercício cabal e pleno do princípio do contraditório, assim como fica por explicar a razão pela qual o exercício do contraditório há-de necessariamente compreender a possibilidade de serem apresentadas, através de consultor técnico, as sugestões julgadas pertinentes, "que os peritos acolherão ou não"; ou a possibilidade de, durante o decurso da produção do meio de prova, ser "fiscalizada", através de consultor técnico, a "idoneidade da metodologia adoptada". São – como se verá – afirmações infundamentadas." (…) "Com efeito, o princípio do contraditório, na sua caracterização mais rigorosa, corresponde a uma concepção próxima do direito de audiência e da oportunidade processual de influenciar, através da sua audição pelo Tribunal, o resultado do processo. Ora o exercício deste contraditório para os intervenientes processuais – e, portanto, também para o arguido –, resulta aqui do direito que a lei lhes confere de pedir esclarecimentos aos peritos, e até de requerer ao tribunal que determine a realização de nova perícia, ou a renovação da anterior." (…) "O Tribunal Constitucional tem entendido que o princípio do contraditório im(...), quanto à audiência de julgamento em processo penal, pelo n.º 5 do artigo 32º da Constituição, exige que ao arguido seja garantido o poder de discutir, contestar, ou debater o valor probatório de qualquer prova utilizada na audiência.". Por último, vejamos se a realização das perícias sobre a personalidade efectuadas nos autos às testemunhas/vítimas de crimes sexuais maiores de 16 anos de idade, à data da sua realização, poderia ter tido legalmente lugar. Assinale-se que as perícias sobre a personalidade, ora em causa, foram realizadas: - à testemunha AP em (…) (cf. fls. 17 a 30 do 1.º Volume do Apenso CC), o qual nasceu em (…), pelo que contava (…); - à testemunha AT em (…) (cf. fls. 2 a 16 do 1.º Volume do Apenso CC), o qual nasceu em (…), pelo que contava (…); - à testemunha AI em (…) (cf. fls. 31 a 42-B do 1.º Volume do Apenso CC), o qual nasceu em (…), pelo que contava (…); - à testemunha AK em (…) (cf. fls. 55 a 68 do 1.º Volume do Apenso CC), o qual nasceu em (…), pelo que contava (…); - à testemunha AN em (…) (cf. fls. 69 a 80 do 1.º Volume do Apenso CC), o qual nasceu em (…), pelo que contava (…); - à testemunha Y em (…) (cf. fls. 98 a 109 do 1.º Volume do Apenso CC), o qual nasceu em (…) (cf. ponto dos factos provados no acórdão recorrido), pelo que contava (…); - à testemunha AU em (…) (cf. fls. 110 a 123-A do 1.º Volume do Apenso CC), o qual nasceu em (…), pelo que contava (…); e - à testemunha AV em (…) (cf. fls. 159-A a 170 do 1.º Volume do Apenso CC), o qual nasceu em (…), pelo que contava (…). Dispunha o art. 131.º do CPP, na versão vigente à data em que foram ordenadas pelo MP as referidas perícias sobre a personalidade, sob a epígrafe “Capacidade e dever de testemunhar”, que: “1. Qualquer pessoa que se não encontrar interdita por anomalia psíquica tem capacidade para ser testemunha e só pode recusar-se nos casos previstos na lei. 2. A autoridade judiciária verifica a aptidão física ou mental de qualquer pessoa para prestar testemunho, quando isso for necessário para avaliar da sua credibilidade e puder ser feito sem retardamento da marcha normal do processo. 3. Tratando-se de depoimento de menor de 16 anos em crime sexual, pode ter lugar perícia sobre a personalidade. 4. As indagações, referidas nos números anteriores, ordenadas anteriormente ao depoimento não impedem que este se produza.” Com as alterações introduzidas ao CPP pela Lei n.º 48/2007 de 29/8, o n.º 3 do preceito em análise passou a ter a redacção seguinte: “Tratando-se de depoimento de menor de 18 anos em crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores, pode ter lugar perícia sobre a personalidade.” Mantendo-se a redacção dos restantes números. A elevação para 18 anos da idade prevista no n.º 3 visou acolher a definição de “criança” constante do art. 1.º da Convenção Sobre os Direitos da Criança (adoptada pela Assembleia Geral nas Nações Unidas em 20 de Novembro de 1989 e ratificada por Portugal em 21 de Setembro de 1990) segundo o qual "criança é todo o ser humano menor de 18 anos, salvo se, nos termos da lei que lhe for aplicável, atingir a maioridade mais cedo." Quanto a nós é à luz da protecção da criança, no contexto da sua intervenção em actos processuais, em que estejam em causa crimes sexuais, que se deve colocar a tónica e razão de ser do n.º 3 do art. 131.º do CPP, quer na sua versão actual, quer na versão anterior. Entendemos, por isso, que o n.º 3 do art. 131.º do CPP, deverá ser interpretado no sentido de que se a testemunha em crime sexual for menor de 16 anos de idade (actualmente menor de 18 anos de idade) existe um poder-dever por parte da autoridade judiciária em ordenar perícia sobre a sua personalidade, tendo em vista não só a descoberta da verdade, relevante para a boa avaliação e decisão da causa, mas também a própria protecção da criança ou jovem. Porém, tal não exclui a possibilidade do MP, no inquérito, ou do Juiz, nas fases de instrução ou julgamento, determinarem a realização de perícias sobre a personalidade de testemunhas, com o propósito de avaliarem da sua aptidão para deporem e bem assim da sua credibilidade, sobretudo estando em causa crimes sexuais em vítimas maiores de 16 anos, mas menores de idade. E retiramo-lo da interpretação que fazemos do art. 131.º do CPP, muito em particular do seu n.º 2, onde, recorde-se, se preceitua que "A autoridade judiciária verifica a aptidão física ou mental de qualquer pessoa para prestar testemunho, quando isso for necessário para avaliar da sua credibilidade e puder ser feito sem retardamento da marcha normal do processo". Destarte não colhe a afirmação, como o faz o recorrente na sua 15.ª conclusão, que estava proibida a realização de perícia sobre a personalidade em caso de depoimento de maior de 16 anos. Não prever expressamente não significa proibir. Proibidas são, por exemplo, a confissão obtida sob tortura ou coacção, a busca sem mandado ou a escuta não autorizada, expressamente consagradas no art. 126.º do CPP, por constituírem ofensa à integridade física ou moral das pessoas ou intromissão no domicílio e nas telecomunicações do visado. Bem diversa é a situação ora em apreço, como se deixou demonstrado. Ou seja, nada legalmente inviabilizava, no caso concreto, a realização das perícias sobre a personalidade ordenadas pelo MP na fase de inquérito, atenta a idade dos ofendidos (todos já maiores de 16 anos de idade). Pelo ex(...), julga-se improcedente o recurso interlocutório inter(...) pelo arguido K do despacho de fls. 17020 a 17055, no que concerne à questão da obrigatoriedade de prévia notificação aos arguidos da realização das perícias sobre a personalidade de testemunhas (oficiosamente ordenadas pelo Ministério Público em inquérito, em segredo de justiça, e confiadas ao INML), bem como quanto à questão de as ditas perícias só poderem ser realizadas em vítimas de abuso sexual menores de dezasseis anos de idade. 3. Recurso inter(...) pelo arguido H do despacho do JIC de fls. 17020 a 17055, proferido em 1/3/2004, que julgou improcedentes as excepções arguidas de nulidade da acusação, ilegitimidade do MP para promover a acção penal e de violação do princípio do juiz natural Por despacho proferido pelo Senhor Juiz de Instrução Criminal em 01-03-2004, para além de ter sido admitida a instrução, foram simultaneamente decididas diversas questões suscitadas pelos arguidos nos requerimentos para abertura desta fase processual e atinentes a irregularidades, nulidades e inconstitucionalidades que, no entendimento dos mesmos, tinham sido cometidas durante a fase de inquérito (cf. fls. 17020 a 17055, Vol. 74.º). É este o teor desse despacho no segmento mais relevante (transcrição): “No entender dos arguidos (…) e H, a acusação do Ministério Público de fls. 13554 a 13806 é nula por na mesma não ter sido dado cumprimento ao dis(...) no art. 283°, n.° 3, al. b), do Cód. Proc. Penal.” (…) “Por último, o arguido H entende que a alegação na acusação do Ministério Público de uma determinada prática delituosa sua em dia e hora indeterminado, ocorrida um mês ou dois depois de uma outra actuação delituosa que se alega ter ocorrido em Dezembro de 1999 ou em Janeiro de 2000, pela sua excessiva vaguidade, impede um mínimo de defesa, o que gera a nulidade da acusação do Ministério Público, por ofensa do art. 283°, n.° 3, al. b), do Cód. Proc. Penal. Cumpre apreciar e decidir. Estatui o art. 283°, n.° 3, al. b), do Cód. Proc. Penal, que a acusação contém, sob pena de nulidade, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada. Como todas as outras disposições do Cód. Proc. Penal, esta tem também que ser interpretada à luz do que a Constituição da República Portuguesa consagrou sobre a matéria. E, a este propósito, há sobretudo que ter presente o dis(...) no art. 32°, n.° 1, da Lei Fundamental, nos termos do qual o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso. É a acusação que define o objecto do processo e, daí a sua importância fulcral no âmbito do processo criminal, pois é dos factos que de tal peça processual constam que o arguido tem que se defender. E, na sequência do comando constitucional, o legislador ordinário, no mencionado art. 283.°, n.° 3, al. b), distinguiu dois níveis relativos à narração dos factos na acusação do Ministério Público. Um primeiro nível, essencial, constituído pelos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança. Trata-se dos factos integradores do tipo de crime em causa, sendo que, obviamente, se não fossem descritos, o arguido não saberia do que se havia de defender. Mas da acusação do Ministério Público pode ainda constar um segundo nível de factos, este já acessório e que só deve constar do libelo acusatório quando tal se torne possível, relativo ao lugar, ao tempo e à motivação da sua prática, ao grau de participação que o agente neles teve e a quaisquer circunstancias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada. O aludido preceito do Cód. Proc. Penal, em conjugação com a referida norma constitucional, não pode também ser desligado do n.° 1 do já citado art. 283°. De acordo com este dispositivo legal, se durante o inquérito tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem foi o seu agente, o Ministério Público, na prazo de dez dias, deduz acusação contra aquele. Ou seja, só será nula uma acusação que não contenha os factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, pois é desses que se trata quando no n.° 1 se alude a recolha de indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem foi o seu agente. O juízo sobre se no decurso do inquérito foram também recolhidos indícios suficientes relativos ao lugar, ao tempo e à motivação da sua prática, ao grau de participação que o agente neles teve e a quaisquer circunstancias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada apenas cabe ao Ministério Público, como dominus do inquérito. A favor deste entendimento, basta ver que a sindicabilidade da acusação que é feita através da fase de instrução, nos termos do art. 286°, n.° 1, do Cód. Proc. Penal, apenas abrange os indícios mencionados no n.° 1 do art. 283°, ou seja, aqueles que se referem aos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança [cfr. art. 283°, n.° 3, al. b), 1 parte, do Cód. Proc. Penal]. In casu, não deixa de ser curioso pensar-se que, caso da acusação do MP constassem datas exactas (o que só sucede relativamente a um dos arguidos, que no é nenhum dos acima citados), atentos os tipos de crime em apreço nos autos, certamente os arguidos viriam alegar que os depoimentos das testemunhas não ofereciam qualquer credibilidade, pois ser-lhes-ia impossível recordar com rigor uma determinada data. Por tudo o ex(...), julgo improcedente a arguida nulidade da acusação do Ministério Público por parte dos arguidos (…) e H.” (…) “Como já acima se referiu, os arguidos (…) e H alegaram que o juiz de instrução que teve intervenção no inquérito no foi o que resultou da distribuição, para daí extraírem a consequência de que estamos perante uma nulidade insanável.” (…) “Por seu turno, entende a este propósito o arguido H que o juiz de instrução que teve intervenção no inquérito não foi aquele que resultou da distribuição aleatória que ocorreu a 7 de Janeiro de 2003 – que determinou que o processo fosse afecto ao (...)–, mas sim o juiz do 1.º Juízo, também deste Tribunal, que antes teria “despachado uma diligência urgente”. Defende que existiu assim um desaforamento concreto do processo, que não respeitou as condições previstas nos arts. 37° e 38° do Cód. Proc. Penal, o que implicou que, de forma ilícita e objectivamente arbitrária, estes autos tivessem ficado afectos a um juiz de instrução criminal que não o juiz legal ou natural. Concluiu que se trata de uma nulidade insanável, nos termos do art. 119°, ai. e), do Cód. Proc. Penal, cuja verificação implica a nulidade de todas os actos praticados pelo juiz de instrução, muito particularmente os que determinaram e mantiveram a sua prisão preventiva. Cumpre apreciar e decidir. Todos os arguidos estão de acordo que o Tribunal competente para a prática de actos judiciais em inquérito era o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa. Entendem no entanto que por força da distribuição a que se procedeu neste Tribunal o juiz de instrução competente para a prática daqueles actos era diferente daquele que efectivamente os praticou. Concluem que dessa forma foi violado o princípio constitucional do juiz natural. Estatui o art. 32°, n.° 9, da Constituição da República Portuguesa, que nenhuma causa pode ser subtraída ao Tribunal cuja competência esteja fixada em Lei anterior, o que não sucedeu no caso dos autos, pois o juiz de instrução que praticou actos judiciais em sede de inquérito era titular de um juízo deste Tribunal. Nos casos em que o volume de serviço o justifique, os Tribunais podem desdobrar-se em juízos, conforme resulta do dis(...) no art. 65.°, n.° 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.° 3/99, de 13-01, rectificada pela Declaração n.° 7/99, de 16-02. Por fim, e de acordo com o que resulta do dis(...) no art 209° do Cód. Proc. Civil, a distribuição tem como finalidade a repartição com igualdade do serviço do Tribunal. Conjugando todas as normas citadas, conclui-se que não foi violado o princípio do juiz natural, pois os actos judiciais em inquérito foram praticados por um juiz de instrução titular de um juízo do Tribunal competente. Por outro lado, a ter havido qualquer desrespeito pela distribuição, a consequência terá sido apenas uma repartição desigual do serviço do Tribunal (competente). Pelo ex(...), não se verifica o vício apontado pelos arguidos (…) e H, nomeadamente qualquer nulidade insanável.” (…) “Os arguidos (…) e H invocaram falta de exercício tempestivo do direito de queixa, inexistência de despacho do Ministério Público prévio ao procedimento criminal proferido ao abrigo do dis(...) no art. 178°, n.° 4, do Cód. Penal, ou inaplicabilidade deste ao caso dos autos por os ofendidos serem maiores de dezasseis anos quando o Ministério Público deu início ao procedimento criminal.” (…) “Por fim, relativamente à questão em apreço, o arguido H refere que os crimes dos autos são “semi-públicos” e que nenhuma das “supostas vitimas” - ou os seus representantes legais - apresentou queixa no prazo de seis meses previsto no art. 115, n.° 1, do Cód. Penal, a contar da data em que tiveram conhecimento dos alegados factos, sendo certo que, de acordo com o que entende, é inaplicável ao caso dos autos a situação do art. 178°, n.° 4, do Cád. Penal, uma vez que as “alegadas vítimas” eram todas maiores de 16 anos quando o Ministério Público deu início ao procedimento. Concluiu no sentido de falecer assim uma das condições de procedibilidade da acusação. Apreciando e decidindo.” “(…) Por fim, os crimes imputados ao arguido H no libelo acusatório revestem apenas natureza semi-pública. Mais concretamente, e para apreciação da questão em apreço, estão em causa os crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 172°, n°s 1 e 2, do Cód. Penal, e de actos homossexuais com adolescentes, p. e p. pelo art. 175° do Cád. Penal, que revestem a aludida natureza semi-pública, conforme resulta do dis(...) no art. 178°, n.° 1, do Cód. Penal, na redacção da Lei n.° 99/2001, de 25-08. Ainda de acordo com a acusação MP, há que ter presente o seguinte: (…) c) Os crimes de abuso sexual de crianças imputados ao arguido H tiveram como ofendidos os que estão identificados a fls. 561, 564 e 648, tendo o crime de actos homossexuais com adolescentes tido como ofendido o que está identificado a fls. 564. Os presentes autos tiveram início em 25-11-2002. Nesta data, o ofendido identificado a fls. 561 tinha 15 anos de idade, os ofendidos identificados a fls. 564 e 648 tinham 16 anos de idade e o ofendido identificado a fls. 6148 tinha 15 anos de idade. Estatui o art. 178°, n.° 4, do Cód. Penal, na sequência do previsto pelo art. 113°, n.° 6, também do Cód. Penal, que (...) quando os crimes previstos no t i forem praticados contra menor de 16 anos, pode o Ministério Público dar início ao procedimento se o interesse da vítima o impuser. Isto releva quanto aos ofendidos identificados a fls. 561 e 6148.” (…) “Não se pode esquecer a razão por que os crimes a que se vem fazendo alusão revestem natureza semi-pública. Tais ilícitos criminais não revestem esta natureza porque o legislador entendeu que o bem jurídico tutelado com as incriminações respectivas não tem gravidade suficiente para lhes ser atribuída natureza pública. A natureza semi-pública dos referidos crimes destina-se tão-só, e bem, a proteger os interesses da vítima. Só a esta cabe decidir se a prática do crime deve ser conhecida de outros que não sejam a própria e o agente do crime. Tudo isto para se dizer que, independentemente de qualquer despacho, se o Ministério Público procedeu criminalmente por factos praticados sobre ofendidos menores de dezasseis anos à data da instauração do procedimento foi porque entendeu que o interesse daqueles o justificava, pois o início do procedimento criminal já tem pressu(...) que o Ministério Público entende que o interesse da vitima o impõe. O Ministério Público proferiu o despacho de fls. 13552 a 13554, na “antecâmara da acusação” como se lhe refere o arguido BD, o que apenas pode ter o significado de que no momento em que se preparava para encerrar o inquérito entendeu que as razões que o levaram a iniciar o procedimento criminal se mantinham. No que tange aos ofendidos identificados a fls. 564 e 648, apresentaram queixa contra quem dos mesmos abusou sexualmente, respectivamente, em 16-01-2003 (cfr. fls. 571) e em 25-03-2003 (cfr. fls. 2976). A fls. 571 o primeiro daqueles menores declara que “deseja procedimento criminal contra o (...), o H, o (…) e todos os outros que praticaram actos sexuais consigo”. A fls. 2976 o segundo daqueles menores declara “desejar procedimento criminal contra todos e quaisquer homens que de si tenham abusado sexualmente”. E fizeram-no dentro dos seis meses subsequentes a terem completado dezasseis anos de idade, sendo que tais seis meses completaram-se em 28-03-2003 no que ao ofendido identificado a fls. 564 concerne e em 26-03-2003 no que respeita ao ofendido identificado a fls. 648, não resultando dos autos que os representantes legais de tais ofendidos tenham tido conhecimento dos factos e dos seus autores em momento anterior à apresentação das aludidas queixas. Portanto, tais queixas foram apresentadas tempestivamente, de harmonia com o estatuído nos arts. 113°, n.ºs 1 e 3, e 115°, ,i.° 1, ambos do Cód. Penal. Em suma, e pelo ex(...), não se verifica a causa de extinção do procedimento criminal invocada pelos arguidos” (…) “e H, pois ao abrigo do dis(...) nos arts. 48° e 49°, n.° 1, do Cód. Proc. Penal, o Ministério Público tem legitimidade para promover a acção penal.” Inconformado com o teor deste despacho, o arguido H dele veio a interpor recurso (cf. fls. 18.237 a 18.248, Vol. 78.º), que rematou com a formulação das seguintes conclusões (transcrição): “A - Uma das acusações relativas aos crimes alegadamente cometidos na (…) (ponto 4.3.1 da Acusação) refere que tais crimes teriam sido cometidos em dia e hora indeterminados, decorridos um ou dois meses depois de idênticos crimes cometidos anteriormente no mesmo local (numa noite de Dezembro de 1999 ou Janeiro de 2000). B - Tal formulação – dia e hora indeterminado, um ou dois meses depois – padece – sem qualquer razão atendível de acordo com um critério de experiência comum – de excessiva vaguidade e impede um mínimo de defesa, o que gera a sua nulidade, por ofensa do art. 283° n° 3-b) do C.P.P., que, assim, o despacho recorrido aplicou erroneamente. C - Na decisão ora recorrida sufraga-se o entendimento segundo o qual prazo de seis meses, estabelecido no art. 115° n° 1 do C.P.P., começa a correr da data em que a vítima adquira capacidade para exercer o direito de queixa – ao completar dezasseis – independentemente da data em que tenha tomado conhecimento do facto ou da identidade dos seus autores. D - Não pode sustentar-se que isso resulta da interpretação extensiva da norma constante do art.° 115°, n.° 1 do CP, a qual na sua letra e no seu espírito não acolhe minimamente aquele sentido interpretativo, o qual não encontra assim na letra da lei “um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (cfr. art.° 9°, n.° 2 do CC). E - Pelo que se torna forçoso concluir que na decisão recorrida se procedeu, em sentido verdadeiro e próprio, à integração de uma lacuna da lei penal. F - Tal integração redundou na aplicação analógica da norma constante do art.° 115°, n.° 1 do CP, no que respeita ao prazo ali previsto para o exercício do direito de queixa, com o sentido normativo segundo o qual o terminus a quo da contagem daquele prazo será o da data em que as vítimas adquirem capacidade de exercício do direito de queixa (ou seja, a data em que completem dezasseis anos) independentemente do momento em que tenham tomado conhecimento do facto e da identidade dos seus autores, o que traduz uma errónea aplicação da lei. G - Por redundar em desfavor do arguido – ao conduzir ao alargamento, não contemplado na lei, do prazo de exercício do direito de queixa, permitindo a verificação de uma condição de procedibilidade que, de outro modo, não se teria por verificada – tal analogia é inadmissível por violadora do princípio da legalidade, previsto no art.° 1, n.° 3 do CP e no art.° 29°, n.° 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP). H - O art. 115° do n° 1 do C.P., na interpretação que dele faz o despacho recorrido, é, pois, inconstitucional por violação do princípio da legalidade. I - Constam dos autos várias perícias à personalidade das alegadas vítimas, todas com mais de 16 anos, efectuadas nos termos do art. 160º do C.P.P.. Contudo, como decorre desse art. 160°, devidamente conjugado com o art. 131° n° 3 (a contrario sensu) do C.P.P., não podem ser efectuadas perícias (...)-legais à personalidade de testemunhas com mais de 16 anos. J - Todavia, no despacho recorrido sustenta-se que tal possibilidade legal resultaria do art. 131° n° 2 do mesmo diploma legal, que estabelece que a autoridade judiciária pode verificar a aptidão física ou mental de qualquer pessoa para prestar testemunho, quando isso for necessário para avaliar da sua credibilidade. K - Ressalvado o devido respeito, o art. 131° nº 2 tem apenas a ver com a aptidão física ou mental para prestar testemunho, designadamente para verificar se o depoente padece ou não de anomalia psíquica que impeça ou prejudique significativamente a sua realização. L - Questão distinta é a perícia sobre a personalidade, que tem a ver com uma avaliação da personalidade, as características psíquicas da pessoa ou o seu grau de sociabilização, o que só está previsto para o arguido (art. 160º do C.P.P.) ou para menores de 16 anos em crimes sexuais (art. 131° nº 3 do C,P.P. M - Assim sendo, o despacho recorrido aplicou erroneamente o art. 131º nºs 2 e 3 do C.P.P. N - O juiz de instrução que teve intervenção no inquérito não foi aquele que resultou da distribuição aleatória que ocorreu a 7 de Janeiro de 2003 – que determinou que o processo fosse afecto ao (…) –, mas sim o juiz do (…) que antes teria despachado uma diligência urgente. O - Como justamente já foi sublinhado pelo arguido E, existiu assim um desaforamento concreto do processo, que não respeitou as condições previstas nos arts. 37º e 38° do C.P.P., o que implicou que, de forma ilícita e objectivamente arbitrária, estes autos tivessem ficado afectos a um juiz de instrução criminal que não o juiz legal ou natural. P - Ou, se assim não for entendido, estaremos pelo menos perante uma situação de incompetência, nos termos dos arts. 32° e 33° do C.P.P.. Q - Em qualquer caso, trata-se de uma nulidade insanável, nos termos do art. 119°-e) do C.P.P., a qual foi arguida, cuja verificação implica a nulidade de todos os actos praticados pelo Senhor Juiz de Instrução, muito particularmente os que determinaram e mantiveram a prisão preventiva do arguido, razão pela qual o despacho recorrido, interpretando erroneamente o princípio do juiz natural ou uma regra de competência funcional, aplicou erroneamente as normas legais referidas nesta e nas duas conclusões precedentes.” Este recurso foi admitido a subir diferidamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo – cf. despacho de fls. 18.510 a 18.511, Vol. 79.º. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu a este recurso inter(...) pelo arguido H (cf. fls. 71445 a 71461, Vol. 290.º), defendendo, muito em síntese, que (transcrição parcial):(…) “B).1.1. - O DIREITO DE QUEIXA NOS CRIMES DE ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS (ARGUIDOS MA E CC) O art° 178°, n° 1, do Código Penal, cuja redacção foi introduzida pela Lei n° 65/98, de 2 de Setembro, consigna que: “O procedimento criminal pelos crimes previstos nos artigos 163° a 165°, 167°, 168° e 1 71° a 1 75° depende de queixa, salvo quando de qualquer deles resultar suicídio ou morte da vítima.” Acrescenta, porém, o número 2, do citado preceito penal, que: “Nos casos previstos no número anterior, quando o crime for praticado contra menor de 16 anos, pode o Ministério Público dar início ao processo”. Cotejando a disciplina do preceito penal anteriormente aludido com a dos art°s. 48° e 49°, do CPP, resulta inquestionável que o M° P° dispõe de legitimidade para promover o processo pelo crime abuso sexual de criança previsto e punível pelo art° 172°, n° 1, e/ou, n° 2, do CP, quando, cumulativamente, se verifiquem os seguintes pressu(...)s: a) a vítima for menor de 16 anos; b) o interesse da vítima impuser o procedimento. Não tem sido unívoca a interpretação inerente ao mencionado preceito penal e, em consequência, no que toca à legitimidade de intervenção do M° P° Partindo da literalidade do art° 178°, n° 2, do CP, corroboramos o entendimento expresso por Leal-Henriques e Manuel Simas em “Código de Processo Penal Anotado”, 2° Volume, pág. 465, 3 Edição, Rei dos Livros, de acordo com o qual “O M° P° quando a vítima é menor de 16 anos e na falta de queixa dos titulares do direito (artigo 113°), só pode promover o processo quando conclua que a protecção do menor impõe a promoção penal e que a existência de um processo não é prejudicial para a pessoa da vítima.”. Sintomático de que o legislador não pretendeu consagrar mais uma situação de crime público, é o facto de não ter incluído as situações em apreço na ressalva do n° 1, do art° 178°, a par da morte ou suicídio da vítima. Acresce que, a redacção adoptada - anteriormente “menor de 12 anos” e “especiais razões de interesse público” e agora “menor de 16 anos” e “interesse da vítima” -, não pode deixar de ter outro significado que não seja que, para dar início ao procedimento, o Ministério Público não tem que esperar que quem de direito, apresente queixa. A este entendimento conduzem os antecedentes do preceito, que, pela respectiva oportunidade, importa referir. Recuando ao Código Penal de 1886, verifica-se que, nos termos do art° 399°, o procedimento criminal não teria lugar “. . . sem prévia denúncia do Ofendido, ou de seus pais, avós, marido, irmãos, tutores ou curadores”. Porém, sendo a pessoa ofendida menor de 12 anos ou tendo sido cometida violência qualificada por lei como crime público, o crime tinha natureza pública. A natureza semi-pública dos crimes sexuais foi consagrada como regra pelo art° 211°, n° 1, do CP de 1982. Todavia, o n° 2, do citado dispositivo, contemplava uma excepção similar à do Código de 1 886, quando os crimes tivessem por vítima pessoa menor de 12 anos; fosse cometido por meio de crime público; quando o agente do crime fosse o titular do exercício do direito de queixa; ou quando do crime resultasse ofensa corporal grave, suicídio ou morte da vítima, casos em que o crime revestia natureza pública. A natureza pública de tais crimes era eleita em homenagem a três ordens de razões, respectivamente, o interesse público na perseguição de crimes considerados de especial gravidade - hipótese de utilização de um meio que, por si só, integraria crime público, ou quando o crime sexual tivesse resultado em consequências particularmente gravosas para a vítima -; a presença de actividades com particular desvalor ético, energicamente repelidas pela comunidade - actos sexuais praticados com ou contra menor de 12 anos -; e a necessidade de ultrapassar a inevitável e chocante impossibilidade de procedimento por falta de queixa, por ser o próprio autor do crime o titular do direito de queixa. Pode concluir-se, conforme o faz o Acórdão da Relação do Porto de 10 de Fevereiro de 1999, publicado na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 9, Fascículo 2 (Abril/Junho), que “Deste modo, dando preponderância ao tratamento dos crimes sexuais como crimes semi-púbilcos o C. Penal de 1982 continuou a privilegiar o direito da vítima a definir o seu real interesse, se perseguir o crime, a resguardar-se do escândalo e publicidade que essa perseguição penal importaria. (. . .) Porém, (. . .) quanto a determinadas situações havidas como mais graves, postergou-se esse eventual interesse da vítima a presetvar o seu recato e, dando-se primazia ao interesse público na perseguição criminal, optou-se pelo enquadramento dessa situações na classe dos crimes públicos”. A revisão operada pelo Decreto-Lei n° 48/95, de 15 de Março, determinou, conforme já supra se salientou, que os crimes sexuais, até então sistematicamente inseridos nos “crimes contra os valores e interesses da vida em sociedade”, passassem a enquadrar-se nos “crimes contra as pessoas”, adquirindo a denominação de “crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual’. Não se tratou, contudo, de mera alteração terminológica, já que, por um lado, a tónica da caracterização foi colocada na vertente da protecção da liberdade sexual das pessoas, e, por outro lado, o diploma penal passou a dispor que “o procedimento criminal pelos crimes previstos nos artigos 163° a 165°, 167° e 171° a 175°, depende de queixa, salvo quando de qualquer um deles resultar suicídio ou morte da vítima.”. Em suma, de todas as circunstâncias que, na versão original do Código Penal de 1982, conferiam a qualquer desses crimes a natureza semi-pública, apenas se manteve a acima apontada, tendo-se eliminado todas as demais. Ora, o n° 2, do art° 178° - que dispunha que nos casos previstos no n° 1, do preceito, quando a vítima fosse menor de 12 anos, o M° P° poderia dar início ao processo, se especiais razões de interesse público o impusessem - não constava do Projecto de Revisão do Código, tendo, no entanto, vindo a ser introduzido pelo DL n° 48/95. Esta vicissitude legislativa não pode deixar de inculcar que o legislador não pretendeu consagrar mais uma situação de crime público, pois se essa tivesse sido a intenção, bastaria incluir a hipótese na ressalva do n° 1. O que decorre, inexoravelmente, é que, nos casos da previsão do art° 178° n° 2, pretendeu-se consagrar que o M° P° não tem que esperar que quem de direito apresente queixa para, nesses casos, dar início ao procedimento, assim se prevenindo os inconvenientes que da tardia reacção do representante do menor, titular do direito de queixa, poderia advir para o bom êxito do procedimento que depois se quisesse instaurar, frustrando o interesse da vítima menor. Mas, tal não implicou que se tivesse querido preterir a possibilidade de a vítima decidir o interesse para si relevante. Deverá, assim, entender-se, que cessa o pressu(...) de legitimidade de intervenção do M° P° logo que a vítima possa, nos termos da lei, exercer o direito de queixa, ou se se preferir, a vítima possa decidir qual é, para si, o interesse relevante, se a perseguição penal se a não intervenção. Em consequência, pode afirmar-se que, completando a vítima 16 anos, perde razão de ser a intervenção do M° P° a que se reporta o art° 178° n° 2, a menos que o Ofendido não possua o discernimento para entender o alcance e significado do exercício do direito de queixa. É a disciplina que decorre do cotejo do citado normativo com o art° 113°, n° 3, do CP. Este entendimento resulta acentuado com a redacção de então do art° 178°, n° 2, do CP (redacção da Lei 99/2001), que expressamente aludia ao “interesse da vítima”. Com efeito, ao fazer depender o procedimento criminal de queixa nos casos a que se reporta o art° 178°, n° 1, do CP, o legislador concedeu uma especial protecção aos interesses daquela pessoa que, em concreto, é alvo da conduta típica, assim se justificando que só ela disponha de legitimidade para apresentar queixa. E porque assim é, o art° 178°, n° 2, do CPP, surge como uma forma de evitar a desprotecção do menor de 16 anos - e por isso, incapaz para exercer directamente o direito de queixa (art 113°, nº 3, daquele diploma) - naqueles casos em que o titular do direito de queixa a não apresenta, quando o interesse da vítima assim o impunha. A ratio legislativa situa-se em termos de combater e evitar os casos de impunidade resultantes da circunstância da vítima não ter, ainda, capacidade para o exercício do direito de queixa e de o titular desta a não apresentar — veja-se, neste sentido, Maria João Antunes, in “Revista Portuguesa de Ciência Criminal’, Ano 9, fasc.° 2°, pág. 328. Nesta linha de entendimento, a intervenção do M° P° a que se reporta o art° 178°, n° 2, do CP deve, necessariamente, ter-se por subsidiária e porque subsidiária, cessa quando passe a inexistir razão que sob o ponto de vista finalístico a fundamente, ou seja, quando a vítima complete 16 anos e passe a dispor de capacidade para o exercício do direito de queixa. Em suma, o preceito penal mencionado exige uma leitura conjugada do art° 178°, n° 1, 1ª parte, e do art° 113°, n°s 3 e 6, ambos do CP, dela resultando que: a) o art° 178°, n° 2, constitui um dos casos a que se refere o art° 113°, n° 6, do CP; b) quando se trate de procedimento por um dos crimes a que se reporta a 1ª parte do art° 178°, n° 1, do CP, e a vítima for menor de 16 anos, o M° P° pode, em face da inércia ou desconhecimento das pessoas a quem cumpre o exercício do direito de queixa, e se tal corresponder ao interesse da vítima, dar início ao procedimento criminal; c) a capacidade para o exercício do direito da vítima faz cessar qualquer possibilidade de intervenção do M° P° nos moldes consagrados no art° 178°, n° 2, do CP. Assim sendo, consagrando a lei a possibilidade de o Ofendido apresentar queixa a partir da altura em que completa 16 anos - e depois disso não podendo o mesmo ser exercido por mais ninguém (art° 113°, n°5 3 e 6 e 178°, n° 4, do C.P.) - tem de se concluir que o mesmo disporá do prazo geral de 6 meses para a apresentar, sob pena de se esvaziar de conteúdo tal possibilidade. Neste mesmo sentido se pronunciou o Acórdão, do TRP, de 15.4.2009 (RP 7344/08), consultado em “wvvw.dgsi.pt” (…)”. “Neste mesmo sentido foi a evolução legislativa posterior relativamente a crimes de natureza semi-pública praticados contra menores de 16 anos. Assim, o art° 113°, n° 6, do C. Penal, na redacção introduzida pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro, consagra expressamente que o Ofendido pode exercer o direito de queixa a partir da data em que perfizer 16 anos, dispondo do prazo geral de 6 meses estipulado no art° 115°, n° 1, mas agora contado da data em que fizer 18 anos. No caso presente, o Ofendido AI nasceu a (…) e apresentou queixa no dia 25 de Março de 2003, conforme auto de fls. 2.973 a 2.976, isto é, dentro prazo legal de seis meses contados a partir da data em que perfez 16 anos. Logo, tem de se concluir que exerceu tempestivamente tal direito de queixa, legitimando o M° P° para exercer a acção penal, ao abrigo do dis(...) nos art°s 49° e 50º, do CPP. O Ofendido AT (…) e exerceu o direito de queixa a 16 de Janeiro de 2003 - cfr. Auto de fls. 564 a 571 -, isto é, dentro prazo legal de seis meses contados a partir da data em que perfez 16 anos. Logo, tem de se concluir que também ele exerceu tempestivamente tal direito de queixa, legitimando o M° P° para exercer a acção penal, ao abrigo do dis(...) nos art°s 49º e 50º, do CPP.” (…) “Pelo ex(...), entende-se que, ao enunciar em tempo a vontade de procedimento criminal contra todos os indivíduos que abusaram sexualmente da sua pessoa, o Ofendido AI, exerceu, tempestivamente, o seu direito de queixa, tendo o M° P° legitimidade para promover a acção penal no que àqueles factos concerne. B).1.2. - DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO- ART° 178°, N° 4, DO C. PENAL (ARGUIDOS MA E CC) Todavia, mesmo que assim não se entenda, o M° P° declarou, em Despacho prévio à Acusação, a fls. 13.552 dos autos, que, ao abrigo do dis(...) no art° 178°, n° 4, do C. Penal, considerava que o interesse particular das vítimas do presente processo impunha que o procedimento criminal fosse exercido.” (…) “Discutiu-se muito, no âmbito de processos que tiveram origem nos presentes autos, a questão de saber em que momento e qual a forma que a avaliação do interesse da vitima que sustenta a intervenção processual do M° P°, deve ser equacionada por este. Todavia, a conclusão a que sempre se chegou foi a de que a lei não fixa qualquer momento para ser aferido pelo M° P° qual o interesse da vítima, nem, tão pouco, impõe que seja lavrado um Despacho inicial justificativo de tal posição. Com efeito, conforme se refere no Acórdão do STJ, de 31.5.2000 - Proc. 272/2000,“sempre que sejam notórias as razões de facto em que se apoia o Ministério Público e a própria exigência do procedimento pelo interesse (objectivo) da vítima, a sua não especificação detalhada, só por si nunca pode implicar, necessariamente, a ilegitimidade daquele”. No mesmo sentido se pronunciou o Acórdão do STJ, de 3.4.2002 - Proc. 02P4628 (consultado em www.dqsi.pt) -, ao considerar que “a constatação de tal interesse público na promoção do procedimento criminal não carece de ser expressamente declarada no processo pelo magistrado titular do mesmo”, quando tal interesse decorra inquestionavelmente do teor dos próprios autos. Assim, o que é essencial é que os autos contenham elementos suficientes que habilitem o Tribunal e o M° P° a realizar esse juízo de ponderação. Ora, os presentes autos contêm elementos suficientes para permitir ao Tribunal sindicar a actuação processual do M° P°, em ordem a determinar a sua legitimidade processual. Conforme se refere no Acórdão do S.T.J., de 9.7.2003 - Proc. 03P2852 (consultado em www.dqsi.pt) -, “sempre que seja demonstrado o estilo de vida dos menores, e comprovadas as notórias consequências da respectiva adopção, em manifesto prejuízo para aqueles, à luz de um critério objectivo, que ninguém ouse refutar, ressalta à evidência a legitimidade do MP, alicerçada no seu interesse(...)”. Ora, encontrava-se demonstrado nos autos que os menores que foram vítimas da actuação criminosa dos Arguidos, eram crianças desprovidas de meio familiar normal, estavam confiados a uma Instituições de protecção e assistência e foram abusados por isso. O M° P° tem o imperativo constitucional consagrado no art° 69 da CRP de assegurar o cumprimento do direito que todas as crianças têm “à protecção do Estado e da Sociedade com vista ao seu desenvolvimento integral”, sendo também sua tarefa estatutária e legal (art°s 3°, n° 1 , a), c) e d), da Lei 47/86 e art° 53°, n° 1 , do CPP, Leis n°s 147/99 e 166/99, de 1 e 14 de Setembro, respectivamente) a obrigação de defender os interesses de determinadas pessoas mais carecidas de protecção, entre elas se contando os menores - neste sentido Gomes Canotilho e Vital Moreira “CRP Anotada”, ed. 1993, pág. 830. Os menores identificados nos autos não tinham qualquer contacto regular com a sua família e o organismo público a que se encontravam confiados não conseguiram protegê-los eficazmente, conforme aliás decorre do modo de vida a que se vinham dedicando. Assim, está mais que justificada a existência do interesse especial destas vítimas que legitima a intervenção processual do M° P°. Bem andou, pois, o Despacho recorrido, ao indeferir a arguição da nulidade da alegada falta de legitimidade do M° P°, para promover a acção penal, pelo que, nesta parte, o Despacho recorrido não é passível de qualquer censura. B).2. - DA ALEGADA NULIDADE POR VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE DISTRIBUIÇÃO (ARGUIDOS C E H) Nos presentes autos, a questão suscitada pelo Arguido H, já foi objecto de apreciação pelo Tribunal (…), através de Acórdão de 5 de Maio de 2004 e que consta de fls. 98 a 102, do Apenso “AI”. Na sequência deste Acórdão, foi proferido o Despacho Judicial constante de fis. 25.475 a 25.488 (Ponto 2), na Acta da Audiência de Julgamento de 13 de Dezembro de 2004. Deste Despacho, foram inter(...)s Recursos pelos Arguidos H, K e C, cujas Motivações constam, pela ordem que segue, de fls. 27.393 e ss, 27.461 e ss. e 27.439 e ss.. Tais Recursos, deram origem aos Apensos “Q” (cfr. infra, “6).2.”), “P” (cfr. infra, “7).1.”) e “N” (cfr. infra, “4).2.”), respectivamente, e foram admitidos por Despacho Judicial de fls. 27.434, 27.575 (Ponto 16) e 27.574 (Ponto 15). As Respostas do Ministério Público constam de fls. 76 a 97, do Apenso “N”, fls. 55 a 69, do Apenso “Q” e 70 a 99, do Apenso “P”. Foram proferidos, pelo Tribunal (…), os Acórdãos de 3.10.2005, 7.11.2005 e 17.10.2005, que determinaram que tais Recursos deveriam ser conhecidos, a final, com o Recurso que viesse a ser inter(...) da decisão final. Assim, e nesta parte, o M° P° dá aqui por (re)produzidas as suas Respostas às correspondentes Motivações de Recurso, (...) que aí se centra a sede própria para deles se conhecer. B).3 – DA ALEGADA NULIDADE DA ACUSAÇÃO POR FORÇA DA SUA EXCESSIVA VAGUIDADE (ARGUIDO H) O Arguido H foi acusado, pelo M° P°, nos termos da Acusação deduzida a fls.13.449 e ss.. Foi, posteriormente, pronunciado pelos mesmos factos, por Despacho de fls. 20.738. Em face do Despacho de Pronúncia, a questão suscitada pelo Arguido perdeu oportunidade, uma vez que foram acolhidos, nos seus precisos termos, todos os factos descritos na acusação. Todavia, sempre se dirá, conforme o Mm° JIC teve oportunidade de referir, no Despacho recorrido (…)”. Apreciando. Das conclusões apresentadas e já acima transcritas ressalta que o recorrente H insurge-se contra o despacho recorrido nos segmentos em que julgou improcedente a excepção da nulidade da acusação por excessiva vaguidade, em que afirmou a legitimidade do Ministério Público para promover a acção penal com fundamento no exercício tempestivo do direito de queixa, em que julgou válidas as perícias (...)-legais efectuadas à personalidade das alegadas vítimas com mais de 16 anos e em que julgou improcedente a excepção de violação do princípio do juiz legal ou natural. Passemos então à análise das mencionadas questões controvertidas. 3.1. Nulidade da acusação por excessiva vaguidade: Inconformado com o despacho proferido pelo Senhor Juiz do (…), na parte em que julgou improcedente a excepção da nulidade da acusação, o recorrente começou por defender que esta peça processual é vaga e indeterminada no que respeita à definição do elemento temporal da prática dos crimes, o que impede um mínimo de defesa. O recorrente insurge-se especialmente quanto aos crimes cometidos na Avenida (…), alegando que se refere na acusação que os mesmos foram praticados em dia e hora indeterminados, decorridos um ou dois meses, depois de idênticos crimes cometidos anteriormente no mesmo local, numa noite de (…). No que diz respeito aos requisitos formais a que a acusação deve obediência, estabelece o art. 283.º, n.º 3, al. b), do CPP (que não sofreu alterações com a entrada em vigor da Lei 48/2007, de 29-08), que: “A acusação contém, sob pena de nulidade:” (…) “b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada.” Com facilidade se constata que este preceito constitui um afloramento do princípio da estrutura acusatória do processo penal, previsto pelo art. 32.º, n.º 5, da CRP. Como este princípio constitucional impõe uma diferenciação entre o órgão que acusa e o órgão que julga, de modo a assegurar ao arguido um processo penal equitativo, a acusação deve conter, sob pena de nulidade, todos os elementos de facto e de direito indispensáveis para a imposição ao autor ou autores do crime de uma pena ou de uma medida de segurança. Este dispositivo deixa implícito que a acusação tanto quanto possível deve ser completa e auto-suficiente quanto à descrição dos factos integradores do crime e que não competirá, por regra, ao julgador proceder à correcção ou ao aperfeiçoamento da acusação deduzida pelo Ministério Público ou pelo assistente, enquanto peça processual que define o objecto do processo, que delimita os factos e o direito que são submetidos a apreciação judicial. Deste modo, uma acusação excessivamente vaga e genérica quanto aos factos imputados, em que nela tudo caiba para incriminar o arguido, compromete irremediavelmente o princípio da estrutura acusatória do processo penal, na medida em que remete para o julgador – que se quer equidistante – a investigação, o apuramento e a concretização dos factos que fundamentam a aplicação ao agente de uma pena ou medida de segurança. Nestes casos corre-se o risco de se quebrar o justo equilíbrio entre o estatuto processual da acusação e da defesa e de ficarem hipoteticamente comprometidas as garantias de independência e de imparcialidade do tribunal, uma vez que se pretende atribuir ao julgador um papel activo na investigação, para melhor apurar os concretos factos a imputar ao arguido e para melhor proceder à definição do direito que deverá vir a ser aplicado ao caso. Uma acusação formulada em termos imprecisos compromete igualmente de modo sério as garantias de defesa, uma vez que o arguido desconhece em concreto qual a matéria que lhe é imputada, que factos é que lhe são atribuídos ou que incriminações é que lhe são feitas. Em suma, o acusado fica sem saber, com rigor e com precisão, a matéria objecto da sua defesa, em que acontecimentos da vida real deverá centrar a sua atenção, quais as incriminações que deverá rebater, que meios de prova deverá apresentar para o efeito, o que traduzirá manifesto prejuízo para a sua defesa. Daí que, como assinala Germano Marques da Silva (in “Curso de Processo Penal”, Tomo III, págs. 114 e 115), a propósito das formalidades da acusação: “A descrição dos factos e de todas as circunstâncias pertinentes deve ser muito cuidada, pois se é certo que na fase de julgamento podem ser ainda consideradas as circunstâncias que não impliquem alteração substancial dos factos (art. 358.º), é de todo o interesse que todas as circunstâncias conhecidas no momento da acusação sejam nela descritas para serem objecto de defesa, de apreciação no julgamento e consideradas na decisão”. Também muito a este propósito, ainda que respeitante ao requerimento para abertura da instrução, o Tribunal Constitucional veio a pronunciar-se do seguinte modo no Ac. n.º 358/04 (in www.tribunalconstitucional.pt.): “A estrutura acusatória do processo penal português, garantia de defesa que consubstancia uma concretização no processo penal de valores inerentes a um Estado de direito democrático, assente no respeito pela dignidade da pessoa humana, impõe que o objecto do processo seja fixado com rigor e a precisão adequados em determinados momentos processuais (…). Essa definição abrange, naturalmente, a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena, bem como a indicação das disposições legais aplicáveis”. Apesar de aqui se deixar como assente a não aceitação de acusações deduzidas de forma imperfeita, deficiente ou incompleta, desde logo devido ao evidente prejuízo que comportam para os princípios constitucionais já acima enunciados, da simples leitura da citada al. b) do n.º 3 do art. 283.º do CPP resulta claro que o legislador processual penal não colocou em pé de igualdade todos os elementos que devem constar da acusação, já que a falta de alguns deles não determina a forçosa nulidade do libelo acusatório. Enquanto que a acusação deve necessariamente conter, sem quaisquer ressalvas ou excepções, as indicações tendentes à identificação do arguido, à narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança e a indicação das disposições legais aplicáveis, já as circunstâncias, por exemplo, atinentes ao lugar, ao tempo e à motivação da prática do crime somente devem constar desta peça processual “se possível”. Afigura-se incontestável que o legislador processual penal distinguiu dois tipos de elementos da acusação, que aqui denominamos de essenciais e de acessórios. Enquanto que os primeiros não podem em caso algum ser omitidos pelo Ministério Público ou pelo assistente, sob pena de nulidade da acusação, já os segundos elementos podem dela não constar desde que não tenha sido possível ao acusador recolhê-los em sede de inquérito. Em caso algum se concebe a formulação de uma acusação sem a identificação do arguido, sem a imputação dos factos concretos que integram o crime ou sem a indicação dos preceitos legais aplicáveis ao caso. Nas ocasiões em que o Ministério Público no final do inquérito não tenha conseguido recolher ou indicar estes elementos, devido v.g. à fragilidade da prova produzida nesta fase processual, deverá arquivar o processo ou, caso não o faça, a acusação deduzida será inapelavelmente nula, o que conduzirá à sua rejeição pelo tribunal. Ao invés, a acusação mantém a sua inteira validade no caso de ser omissa v.g. quanto às circunstâncias espaço-temporais ou quanto à motivação da prática do crime, desde que objectivamente não tenha sido possível ao Ministério Público ou ao assistente recolher e indicar estes elementos, apesar das diligências levadas a cabo em sede de inquérito. Obviamente que uma absoluta omissão v.g. quanto ao elemento temporal não será aceitável na perspectiva da defesa, na medida em que coloca o arguido na diabólica posição de ter de se defender desde o passado mais longínquo até ao presente mais recente. De igual modo, inviabiliza a indicação dos preceitos legais aplicáveis ao caso, seja quanto à imputação da lei incriminadora (frequentemente, ao longo do tempo, vão sucedendo diferentes regimes jurídicos, devendo o aplicador do direito averiguar qual deles deve ser aplicado ao caso vertente), seja para o apuramento do eventual decurso do prazo de prescrição do procedimento criminal ou seja para a avaliação e para a sindicância da tempestividade na apresentação de queixa nos denominados crimes de natureza semi-pública ou particular. Até por isto não será muito correcto falar em elementos obrigatórios e elementos facultativos da acusação. Todos os elementos referidos nas als. a) a g) do n.º 3 do art. 283.º do CPP devem, por regra, constar da acusação, sendo obrigatória a sua inclusão. Somente se admite a omissão de alguns deles, não considerados essenciais ou indispensáveis, no caso em que eles não constem dos autos, quando não tenha sido possível apurá-los em sede de inquérito, apesar da investigação desenvolvida pelo Ministério Público e pelo assistente. Conforme se escreveu no Ac. do Tribunal (…) de 29-03-2005 (in CJ, Tomo II, págs. 267 a 269): “Quando o art. 283.º prescreve que a acusação contém, sob pena de nulidade, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o tempo da sua prática, está a impor que, se tiver sido apurada no inquérito a data dos factos, ela tem de ser obrigatoriamente mencionada na acusação, sob pena de, não o sendo, a acusação ser nula. Por isso é que amiúde vemos constarem das acusações expressões do género «em data que não foi possível determinar mas que se situa entre este e aquele mês de tal ano». Nestes casos, porque não foi possível no inquérito determinar a data da prática dos factos, não se comete qualquer nulidade por não fazer constar a mesma; mas, à cautela, e para que depois não se invoque qualquer nulidade a este respeito, é que se põe aquela expressão (…)”. Em suma: a omissão na acusação das concretas circunstâncias espaço-temporais do crime imputado ao arguido não constitui forçosamente causa de nulidade desta peça processual. Como vimos, a expressão “se possível”, constante da mencionada al. b) do n.º 3 do art. 283.º do CPP, significa que as circunstâncias atinentes ao tempo e ao local da prática dos factos devem unicamente constar da acusação, sob pena de nulidade, nos casos em que tenha sido possível ao Ministério Público ou ao assistente proceder à recolha destes elementos no decurso do inquérito, constando dos autos e devendo, por isso, ser vertidas nesse despacho, até por uma questão de lealdade processual. Importa também assinalar que o dispositivo em causa fala amplamente em “tempo”, o que, na nossa perspectiva, não equivale exactamente ao dia e à hora da prática dos factos. O elemento temporal mostra-se integrado e, em consequência, a nulidade afastada, no caso em que conste da acusação v. g. a referência a uma semana, a um mês ou inclusive à estação de um determinado ano. A letra da lei não restringe a indicação do elemento temporal à menção na acusação de uma data precisa, ao dia e à hora certos da prática dos factos. Sem prejuízo naturalmente de constar da acusação, até por lealdade processual, uma data precisa no caso dos autos recolherem esse elemento. No caso vertente, conforme deixa assinalado o recorrente H, a acusação deduzida nos autos não indica o dia e a hora da prática dos factos. A dado passo, dela consta que “em Dezembro de 1999 ou Janeiro de 2000, em dia em concreto não determinado, o arguido H contactou com o arguido A e pediu-lhe que levasse a uma residência sita na Avenida (…), numa fracção do prédio correspondente ao Lote (…), n.º (…), em Lisboa, dois menores da AX, a fim de os sujeitar à prática de actos sexuais consigo”. Mais à frente, escreve-se que “decorridos cerca de um ou dois meses, o arguido H voltou a contactar com o arguido A, e pediu-lhe novamente que levasse à morada mencionada um menor da AX, a fim de sujeitar o mesmo à pratica de actos sexuais”. Todavia, como já se mencionou, a omissão na acusação de um dia certo e de uma hora exacta quanto aos factos que são imputados ao recorrente não fere inapelavelmente de nulidade a acusação deduzida pelo Ministério Público, por suposta violação da al. b) do n.º 3 do art. 283.º do CPP. Desde logo, importa assinalar que, de acordo com os elementos constantes dos autos, o Ministério Público estava objectivamente impossibilitado de indicar com maior rigor e precisão a data destes factos. Efectivamente, feita a análise crítica do inquérito, muito em particular dos autos de inquirição das testemunhas AP, AT e AV (cf. v.g. fls. 295 a 300, 307 a 311, 564 a 571, 653 a 657, 1.112 a 1.113, 2.383 a 2.385, 3.490 a 3.494, 3.999 a 4.000 e 12.370 a 12.373), constata-se que o Ministério Público não podia ter ido além daquilo que disse na acusação no que respeita às circunstâncias temporais dos crimes que imputou ao ora recorrente H, sob pena, caso o fizesse, de incorrer em evidente e notório desfasamento perante os elementos probatórios até então recolhidos. Não se vislumbra pois que o inquérito recolha elementos que permitam uma indicação mais rigorosa e precisa quanto à data dos crimes imputados na acusação a este recorrente, nem tão pouco o mesmo os indica no recurso em apreciação, de modo a se poder concluir pela violação do dis(...) na al. b) do n.º 3 do art. 283.º do CPP, maxime do trecho legal em que se diz expressamente “(…) incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada.” De resto, bem se compreende a impossibilidade do Ministério Público em mencionar com maior rigor e precisão a data da prática dos factos. Os crimes sexuais em apreço nestes autos tiveram como sujeitos passivos pessoas menores de idade, assumiram um carácter repetido ao longo do tempo e nada aponta para que tenham sido de algum modo registados ou documentados por parte dessas crianças e jovens fragilizados. Na ausência de um marco de referência quanto à precisa data da prática dos factos, de que foram vítimas menores repetidamente abusados, e atendendo ao lapso de tempo decorrido desde a prática dos crimes em causa, que faz naturalmente apagar na memória humana as suas concretas circunstâncias, facilmente se compreende que o Ministério Público não poderia ter ido mais além daquilo que fez verter na acusação quanto ao requisito temporal, por manifesta falta de elementos suficientes para o efeito. Estas considerações levam a afastar a tese de insuficiência do inquérito. As datas precisas não constam da acusação porque não foram apuradas. Mas igualmente sem que tenha sido possível, na nossa perspectiva, investigá-las na fase processual de inquérito, atendendo a tudo aquilo que já se expôs. Assim, de modo algum se pode afirmar que o Ministério Público deduziu uma acusação deficiente, incompleta ou imperfeita quanto ao requisito temporal, que merecia ter sido rejeitada com fundamento na sua nulidade, na medida em que simplesmente as datas e as horas precisas não constam dos autos, nem dela poderiam certamente constar caso os factos viessem a ser investigados no âmbito de um outro processo de inquérito. Acresce assinalar que na nossa opinião o requisito temporal – o “tempo” conforme consta da citada al. b) – se mostra plenamente satisfeito com as menções constantes da acusação (v.g. “em Dezembro de 1999 ou Janeiro de 2000, em dia em concreto não determinado” e “decorridos cerca de um ou dois meses”), já que o legislador expressamente não quis ir tão longe como o recorrente H, não exigindo a indicação precisa do dia e da hora da prática dos factos. Em face do ex(...), nenhuma censura nos merece a decisão recorrida que, ao interpretar o dis(...) na al. b) do n.º 3 do art. 283.º do CPP, considerou improcedente a excepção invocada da nulidade da acusação deduzida nos autos pelo Digno Magistrado do Ministério Público. Importa agora averiguar se a interpretação efectuada pelo Tribunal a quo consubstancia, conforme entendimento do recorrente H, uma violação da Lei Fundamental, do n.º 1 do art. 32.º da CRP, onde se estabelece que “o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso”. Em anotação a este dispositivo constitucional, os Gomes Canotilho e Vital Moreira (in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Coimbra Editora, 2007, Vol. I, pág. 516) doutrinam o seguinte: “Em «todas as garantias de defesa» engloba-se indubitavelmente todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação. Dada a radical desigualdade material de partida entre a acusação (normalmente apoiada no poder institucional do Estado) e a defesa, só a compensação desta, mediante específicas garantias, pode atenuar essa desigualdade de armas. (…) Em suma, a «orientação para a defesa» do processo penal revela que ele não pode ser neutro em relação aos direitos fundamentais (um processo em si, alheio aos direitos do arguido), antes tem neles um limite infrangível.” Feita a análise crítica da acusação deduzida nestes autos, não se constata qualquer violação dos direitos fundamentais de defesa, plasmados no art. 32.º da CRP ou no art. 61.º do CPP, que aponte para a existência de um processo iníquo ou tramitado com ofensa do princípio da igualdade de armas. Como afirma Ireneu Cabral Barreto (in “A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada”, Coimbra Editora, 2010, pág. 165): “Um processo equitativo exige, como elemento co-natural, que cada uma das partes tenha possibilidades razoáveis de defender os seus interesses numa posição não inferior à da parte contrária; ou, de outro modo, a parte deve deter a garantia de apresentar o seu caso perante o tribunal em condições que a não coloquem em substancial desvantagem face ao seu oponente.” Não se vê como o princípio da igualdade de armas entre a defesa e a acusação tenha ficado in casu comprometido, muito menos gravemente, por o Ministério Público não ter indicado um dia e uma hora exactos, precisos e determinados. Os factos imputados ao arguido H estão perfeitamente delimitados no tempo, no caso dos crimes cometidos na Avenida (…) entre o mês de (…), afigurando-se em abstracto ser de igual dificuldade a prova da sua ocorrência pela acusação como da sua não verificação por parte da defesa. Assim, não se compreende a afirmação feita pelo recorrente H de que a “excessiva vaguidade” “impede um mínimo de defesa”, ou seja, não se descortina como se pode considerar prejudicado por essa formulação, que considerou vaga, indeterminada e atentatória dos seus direitos de defesa. A falta de indicação de uma data precisa não constitui, em abstracto, factor de desequilíbrio ou de favorecimento para a acusação. Determinante será a prova oferecida pelos sujeitos processuais e produzida em audiência de julgamento. A omissão de data precisa na acusação, à partida, não comportará benefício ou prejuízo para alguém. Se a defesa tem que direccionar os seus meios para um período mais alargado de tempo, também a acusação terá que desenvolver idêntico esforço mas em sentido contrário, sendo certo que em caso de dúvida, hipoteticamente causada pela indefinição sobre a data da prática dos factos, esta será sempre julgada em benefício do acusado. Mais uma vez se salienta que o Ministério Público actuou com aparente lealdade processual, nada apontando para que tenha escondido a data precisa da prática dos factos que imputou ao recorrente H, para posteriormente, em audiência, os revelar, apanhando a defesa de surpresa. Para além disso, também não se vislumbra que a acusação comporte prejuízo para qualquer um dos direitos de defesa constitucional e legalmente consagrados. Não se compreende que a acusação assim formulada possa comprometer v.g. os princípios da presunção da inocência, da estrutura acusatória do processo criminal ou do contraditório, nem tão pouco ofender v.g. o direito ao recurso das decisões desfavoráveis, o direito a estar presente e a participar nos actos processuais que lhe digam respeito, o direito a ser assistido por defensor ou o direito a intervir no inquérito e na instrução. Deste modo, afigura-se incontornável que a acusação não atingiu nenhuma das garantias de defesa do arguido, não estabeleceu quanto a elas qualquer limitação ou restrição intolerável, nem igualmente o recorrente por tal motivo foi vítima de um processo iníquo, porque desequilibrado a favor da acusação, com inequívoco prejuízo para a posição processual dos acusados. Aliás, se bem interpretamos as palavras do arguido H no recurso inter(...), o Ministério Público devia abster-se de acusar se, em inquérito, apenas tivesse apurado um dia e uma hora indeterminados, mesmo que os autos recolhessem indícios suficientes quanto a factos que fundamentassem a aplicação ao agente de uma pena ou medida de segurança. Todavia, ao contrário do que este defende, havendo indícios suficientes da verificação da prática de um crime e sendo possível em sede de inquérito identificar o autor ou os autores do mesmo (o que no caso vertente se verificou e foi judicialmente confirmado pela instrução), o Ministério Público está obrigado a acusar (cf. maxime art. 283.º, n.º 1, do CPP), em cumprimento do princípio da legalidade (cf. maxime art. 219.º, n.º 1, da Constituição). Dificilmente se compreenderia, na perspectiva dos princípios constitucionais da legalidade, do Estado de Direito democrático e até da dignidade da pessoa humana (dando agora acento tónico, não ao arguido, mas à comummente esquecida e maltratada vítima), que um crime e que os seus autores não fossem criminalmente demandados, que estes não fossem submetidos a julgamento e que a final não lhes viesse a ser imposta uma pena ou uma medida de segurança, unicamente porque em sede de inquérito não se conseguiu apurar com rigor e exactidão a data da prática dos factos. Em face do ex(...), nada havendo a apontar à acusação deduzida pelo Digno Magistrado do Ministério Público, nenhum reparo merece igualmente o despacho em apreciação, proferido pelo (…), que entendemos ser de manter integralmente, pelo que nesta parte improcede o recurso inter(...) pelo arguido H. 3.2. Exercício do direito de queixa: No recurso inter(...) suscita-se também a questão da caducidade do direito de queixa, defendendo o recorrente que nenhuma das supostas vítimas apresentou queixa dentro do prazo de 6 meses previsto pelo art. 115.º, n.º 1, do CP, pelo que falece uma das condições da procedibilidade da acusação. Esta questão será apreciada infra em conjunto com o recurso inter(...) pelo arguido C. 3.3. Validade das perícias (...)-legais efectuadas às vítimas: O recorrente H pugnou também pela nulidade das perícias (...)-legais relativas à personalidade das alegadas vítimas, todas com mais de 16 anos, efectuadas no decurso do inquérito e constantes dos autos. Todavia, no recurso que interpôs do acórdão condenatório, proferido a final pelo Tribunal de 1.ª instância, o recorrente veio declarar que prescindia “(…) da apreciação da matéria relativa às conclusões I) a) M) (…)” do recurso interlocutório inter(...) a 29-03-2004 – cf. fls. 70412, Vol. 286.º. Em face desta posição processual deixou de interessar a apreciação da questão controvertida respeitante à validade das perícias (...)-legais e que foi precisamente suscitada nas conclusões I) a M) do recurso em apreço. 3.4. Violação do princípio do juiz natural ou incompetência: Por último, o recorrente H entende que o juiz de instrução que teve intervenção no inquérito não foi aquele que resultou da distribuição aleatória que teve lugar a 07-01-2003, pelo que os autos ficaram afectos a um juiz de instrução criminal que não o juiz legal ou natural ou, caso assim não se entenda, verificou-se uma situação de incompetência do tribunal. Mais defendeu que, em qualquer caso, ocorreu uma nulidade insanável, o que implica a nulidade de todos os actos praticados pelo Senhor Juiz de Instrução, mormente daqueles que determinaram a sua prisão preventiva. Com relevo para a apreciação das questões suscitadas, na motivação do recurso, alega também que “o recorrente mantém o seu ponto de vista, sendo certo que, em recente acórdão, a Relação de Lisboa já entendeu que, no caso dos autos, houve violação das regras de competência do tribunal por não ter sido respeitada a distribuição efectuada, julgando cometida a nulidade insanável prevista no art. 119º e) do CPP, uma vez que houve violação de uma competência funcional (…)”. De facto, na sequência de recurso inter(...) pelo arguido E (cf. fls. 15238 a 15255, Vol. 68.º), no qual este pediu que fosse declarada a nulidade de todos os actos processuais praticados durante o inquérito pelo Senhor Juiz de Instrução, este Tribunal (…), mediante acórdão proferido no dia 17-03-2004, julgou esse recurso procedente, ainda que por razões diferentes das invocadas (cf. fls. 56 a 75 do Apenso AI). Nesse acórdão, já transitado em julgado, diz-se, a dado momento, que: “Dúvidas não restarão que o tribunal, «natural» ou «legalmente», competente ainda para conhecer dos presentes autos era, ao tempo, o TIC de Lisboa” (cf. fls. 68). Um pouco mais à frente da fundamentação, afastando o alegado pelo recorrente E para aí sustentar a nulidade do despacho de fls. 270, afirmou-se peremptoriamente: “Não vemos pois como possa ser possível falar-se de qualquer violação do princípio do juiz legal ou natural ou mesmo de desaforamento nos termos sobreditos e como se conclui.” (cf. fls. 68). Pese embora tenha sido afastada a violação do princípio do juiz natural, o Tribunal (…) reconheceu que “(…) dúvidas não haverá que o despacho em causa constitui e conduz a uma clara e verdadeira «falta de distribuição» do processo em causa, já que dá sem efeito a correctamente levada a cabo, atribuindo-a a outro Senhor Magistrado”, que “para além da nulidade decorrente da «distribuição» feita pelo Senhor Juiz do (…) de Lisboa nos termos deixados referidos, estamos, como se disse também, perante uma incompetência, do tipo funcional, do mesmo nesta matéria.” e que “«a violação das regras de competência do tribunal» constitui, nos termos do dis(...) no art. 119.º al. e) do CPP, nulidade insanável, vício de que, notoriamente sofre o despacho recorrido (…)” (cf. fls. 71 a 73 do Apenso AI). Esse acórdão remata declarando nulo o despacho recorrido de fls. 270 e ordenando “(…) a remessa dos autos para o Tribunal actualmente competente, o qual deverá dar cumprimento ao agora aqui ordenado e antes deixado referido.” Como se vê, os recursos em causa inter(...)s pelos arguidos E e H são essencialmente idênticos quanto aos seus fundamentos (nos dois recursos, estes arguidos insurgem-se contra o despacho de fls. 270, proferido a 07-01-2003, que consideram ter determinado um desaforamento ilícito, já que decidiu subtrair este processo ao (…), a quem foi regularmente distribuído, e atribui-lo ao (…) desse mesmo Tribunal, o que implicou, como defendem, uma violação do princípio do juiz legal ou natural) e quanto ao efeito útil pretendido pela sua procedência (ambos pretendiam que o Tribunal declarasse a nulidade insanável de todos os actos praticados pelo Senhor Juiz de Instrução Criminal, ainda que o arguido H acentue a invalidade dos actos que determinaram e mantiveram a sua prisão preventiva). Com a interposição de recurso por parte do arguido H, já após ter sido proferido a 17-03-2004 o acórdão em causa (aliás, como o próprio reconhece na motivação do recurso que interpôs), este Tribunal é colocado perante a alternativa de confirmar tudo aquilo que já foi decidido por este mesmo Tribunal quanto à referida questão processual à data suscitada pelo arguido E (o que comporta manifesta inutilidade) ou então de contrariar total ou parcialmente o acórdão proferido a 17-03-2004, alterando o que já está definitivamente decidido com trânsito em julgado (aqui com manifesto prejuízo para os valores da segurança e da certeza jurídica). Antes de se avançar com a análise deste recurso, importa recordar que, quando o Apenso AI baixou à 1.ª instância, todos os arguidos foram notificados do aludido acórdão em obediência ao princípio do contraditório, que o arguido H veio a pronunciar-se quanto aos efeitos do seu trânsito em julgado (cf. fls. 25444 a 25453, Vol. 108.º), que o Tribunal de 1.ª instância proferiu despacho em audiência de julgamento com o intuito de dar cumprimento ao decidido pelo Tribunal (…) (cf. fls. 25475 a 25488 do Vol. 109.º) e que vários arguidos se mostraram inconformados com o teor dessa decisão judicial, dela recorrendo, como também sucedeu com o ora recorrente H (cf. fls. 27417 a 27427, Vol. 115.º). Este enquadramento chama-nos à atenção para o princípio da limitação dos actos processuais e para o pressu(...) processual do caso julgado, o que incontestavelmente inviabiliza a apreciação do mérito do recurso apresentado pelo arguido H. Aliás, a apreciação dos seus fundamentos traduziria o renovar de uma questão controvertida – validade/invalidade do despacho de fls. 270, violação do princípio do juiz natural ou das regras de competência dos tribunais – já anteriormente resolvida com trânsito em julgado. Com aplicação, ao que julgamos unânime, também no âmbito do processo penal, por força do dis(...) no art. 4.º do CPP, o art. 137.º do CPC estabelece que “Não é lícito realizar no processo actos inúteis (…)”. Caso viesse a optar pela apreciação de mérito do recurso, este Tribunal da Relação poder-se-ia ver confrontado com a integral adesão aos fundamentos e ao teor da decisão do aludido acórdão de 17-03-2004, o que lhe está legalmente vedado, desde logo com base no princípio da limitação dos actos processuais. Nesta perspectiva, mostrar-se-ia absolutamente inútil, porque destituído de quaisquer efeitos, o Colectivo deliberar e o Relator proceder à elaboração de um acórdão que nada acrescentaria de novo ao que já estava anteriormente decidido e em que se limitaria a reproduzir e a concordar integralmente com uma resolução prévia e definitivamente tomada. Para além disso, os princípios da economia e da celeridade processuais ficariam seriamente prejudicados, na medida em que impediria ou, pelos menos, dificultaria, sem qualquer relevância jurídica ou prática, o julgamento da causa no mais curto prazo. Acresce que comportaria irremediavelmente o julgamento do próprio julgamento já realizado ou, dito por outras palavras, a mesma questão controvertida voltaria a ser apreciada de novo, no âmbito do mesmo processo judicial, exactamente por um novo Colectivo integrante de um mesmo Tribunal e obviamente pertencente a igual grau hierárquico. Já eventualmente uma decisão de sentido contrário ao entendimento perfilhado no aludido acórdão de 17-03-2004, alterando total ou parcialmente o que já foi decidido com trânsito em julgado, colidiria com o caso julgado constituído quanto às questões processuais da violação do princípio do juiz natural ou das regras de competência dos tribunais, pondo em causa os valores que através dele se visam salvaguardar da segurança e da certeza jurídicas. De modo a garantir a estabilidade das decisões judiciais, o pressu(...) processual do caso julgado visa precisamente evitar que o Tribunal seja colocado perante a inaceitável alternativa de ter de repetir ou de ter de contrariar anteriores decisões judiciais, já transitadas em julgado, mesmo que proferidas por tribunais de inferior grau hierárquico, procedendo ao escrutínio dos seus fundamentos e à sindicância das resoluções já tomadas. Também aqui, como o processo penal não contém um regime próprio, importa lançar mão das normas estabelecidas no CPC, muito em particular dos seus arts. 671.º a 675.º, por força da remissão constante do art. 4.º do CPP. Os arts. 671.º e 672.º do CPC dão consagração legal aos tradicionais conceitos de caso julgado material e de caso julgado formal. Grosso modo, a sentença que conheça do mérito da causa, que aprecie a relação jurídica substantiva, formará caso julgado material, conforme decorre do primeiro destes preceitos. Por seu turno, as sentenças ou os despachos que venham a recair sobre a relação jurídica processual, sobre os requisitos ou pressu(...)s processuais da acção judicial, mas sem que conheçam do mérito da causa, formam caso julgado formal, como nos diz o art. 672.º do CPC. Elucidando estes conceitos, como se escreveu no Ac. do STJ de 02-12-2010, Proc. n.º 3564/10.7TXLSB (acessível em www.dgsi.pt): “Com os conceitos de caso julgado formal e material descrevem-se os diferentes efeitos da sentença. Com o conceito de caso julgado formal refere-se a inimpugnabilidade de uma decisão no âmbito do mesmo processo (efeito conclusivo) e converge com o efeito da exequibilidade da sentença (efeito executivo). Por seu turno o caso julgado material tem por efeito que o objecto da decisão não possa ser objecto de outro procedimento”. Desta forma, enquanto que o caso julgado formal pretende evitar que a mesma questão processual seja debatida e apreciada por diversas vezes no âmbito do mesmo processo, já o caso julgado material procura obstar à repetição da mesma causa em diferentes processos. E, de acordo com o dis(...) nos n.ºs 1 a 4 do art. 498.º do CPC, repete-se uma causa quando ocorre identidade nas duas acções quanto aos sujeitos, aos pedidos e às causas de pedir. A identidade de uma causa ocorre, pois, quando nas duas acções as partes são as mesmas, quando o efeito jurídico pretendido é exactamente o mesmo e quando as pretensões decorrem do mesmo facto jurídico. No Ac. de 25-05-1984, Proc. n.º 071441, o Supremo Tribunal de Justiça, interligando os conceitos de identidade da causa e de caso julgado material, defendeu, em síntese, que (sumário acessível www.dgsi.pt): “O caso julgado formal não pressupõe a verificação das três identidades referidas no artigo 498.º, n.º 1, do CPC. Por isso, decidida com trânsito em julgado questão que recaia unicamente sobre a relação processual, fica a decisão a ter força obrigatória dentro do processo em relação a qualquer possível interessado”. O caso julgado formal torna imodificável a decisão processual logo que se mostrem esgotadas as possibilidades de recurso ordinário. Com o trânsito em julgado, esse tribunal (ou mesmo outro tribunal de superior grau hierárquico) fica impedido de proceder à revogação, à alteração ou à simples reapreciação de uma decisão judicial anteriormente tomada, até porque ficou esgotado o seu poder jurisdicional quanto a esta matéria. Essa decisão ganha força obrigatória dentro do processo, vinculando os respectivos sujeitos processuais. Mas nada impede que essa questão processual seja apreciada e eventualmente decidida em sentido divergente num outro processo judicial. Aderindo ao pensamento de Damião da Cunha, no acima mencionado Ac. do STJ de 02-12-2010 teceram-se as seguintes considerações a propósito dos princípios da preclusão e da vinculação intraprocessual: “(…) qualquer decisão (incontestável ou tornada incontestável) tomada por um juiz, implica necessariamente tanto um efeito negativo, de precludir uma «reapreciação» (portanto uma proibição de «regressão»), como um efeito positivo, de vincular o juiz a que, no futuro (isto é, no decurso do processo), se conforme com a decisão anteriormente tomada (sob pena de, também aqui, «regredir» no procedimento. Este raciocínio, adianta o mesmo Autor vale, não só em primeira instância, como em segunda ou terceira instância (embora o grau de vinculação dependa da especificidade teleológica de cada grau de recurso)”. No caso vertente, o aludido acórdão desta Relação (…), datado de 17-03-2004, constitui a última palavra relativamente às questões suscitadas no presente recurso pelo arguido H, sob pena de ofensa do caso julgado. Conforme já se deixou assinalado, o ora recorrente, ressuscitando essencialmente os fundamentos constantes de igual recurso inter(...) pelo arguido E, pretende que seja declarada a nulidade de todos os actos praticados pelo Senhor Juiz do (…) de Lisboa durante o inquérito. Todavia, sobre tal matéria esta Relação de (…) já se pronunciou. Já declarou a nulidade do despacho de fls. 270, já defendeu não se ter verificado qualquer violação do princípio do juiz legal ou natural e já reconheceu ter ocorrido uma ofensa das regras da competência do tribunal, tendo, então, remetido os autos para o competente Tribunal de 1.ª instância. Essa decisão, com o seu trânsito (cf. art. 677.º do CPC), formou caso julgado, nos termos do dis(...) no art. 672.º do CPC. Ganhou força obrigatória dentro do processo, motivo pelo qual esta Relação (…) está, de momento, impedida de proferir novo acórdão sobre a matéria em causa, muito menos de contrariar, de revogar ou de alterar o anteriormente decidido, dando acolhimento às pretensões do aqui recorrente. Qualquer nova decisão que fosse proferida nesse sentido sobre tal matéria, comprometeria a segurança e a certeza jurídicas, afectaria a estabilidade das decisões judiciais e violaria os princípios da preclusão e da vinculação intraprocessual. Também não subsistem dúvidas que estamos perante questões de natureza única e exclusivamente processual. Com o recurso inter(...), o recorrente H não coloca em causa o objecto do processo definido pela acusação ou pelo despacho de pronúncia. Não são os factos que lhe são imputados ou os crimes que lhe são atribuídos que estão em discussão e que constituem, em processo penal, o denominado “mérito da causa”. Ao invés, são matérias atinentes à distribuição, à competência dos tribunais ou a nulidades, que não se prendem directamente com a absolvição ou com a condenação do recorrente H pelos crimes de que vem pronunciado. Poder-se-ia obstar ao ex(...) o facto do acórdão da Relação (…) de 17-03-2004 não ter ainda transitado em julgado na data em que o recorrente H interpôs a 29-03-2004 o presente recurso. Todavia, entendemos que para o efeito a data relevante não será a de interposição do recurso mas aquela em que este veio a ser decidido pelo Tribunal de grau hierarquicamente superior. De qualquer modo, estaria sempre esgotado o poder jurisdicional, nos termos do art. 666.º do CPC, a partir do momento em que o referido acórdão se pronunciou sobre as matérias em causa. Em suma: este Tribunal está legalmente impedido de proceder à apreciação e ao julgamento de mérito do recurso. Caso o fizesse, vindo a confirmar integralmente o teor do acórdão desta Relação (…) de 17-03-2004, estaria a praticar actos processuais proibidos, porque absolutamente inúteis, uma vez que estaria a despender tempo e energia para nada acrescentar de novo, para nada alterar e tudo manter. Caso o fizesse, vindo a modificar total ou parcialmente o sentido do referido acórdão, estaria a ofender o caso julgado já formado, comprometendo a estabilidade das decisões judiciais. De qualquer modo, quer num caso, quer noutro, estaria a violar o princípio da extinção do poder judicial, na medida em que o acórdão proferido em sede de recurso pelo Tribunal (…) fez esgotar o poder jurisdicional quanto às matérias aí tratadas e decididas ou, dito por outras palavras, constituiu a última palavra dos tribunais quanto às questões suscitadas pelos arguidos da nulidade do despacho de fls. 270, da violação do princípio do juiz natural e da ofensa das regras da competência do tribunal. Em face do ex(...), de modo a que este Tribunal não venha a ser colocado perante a alternativa de ter de confirmar ou de contrariar o que já foi definitivamente decidido neste processo e esgotado que se mostra o poder jurisdicional, ao abrigo do dis(...) na al. e) do art. 287.º do CPC, ex vi do art. 4.º do CPP, deve, nesta parte, o recurso inter(...) pelo arguido H ser declarado extinto, com fundamento na sua impossibilidade superveniente. Termos em que se decide: a) julgar improcedente o recurso inter(...) pelo arguido H quanto à invocada excepção da nulidade da acusação deduzida pelo Ministério Público com base na sua excessiva vaguidade; b) declarar extinto, com base em impossibilidade superveniente, o recurso inter(...) pelo arguido H quanto à questão da violação do princípio do juiz natural (Conclusões n) a q) do recurso). 4. Recurso inter(...) pelos arguidos C e H do despacho proferido a fls. 17042 a 17046 dos autos, que apreciou e decidiu a questão da legitimidade do Ministério Público para promover a acção penal no que respeita aos crimes de abuso sexual de crianças imputados aos arguidos no despacho de acusação No âmbito dos presentes autos, o arguido H, no seu requerimento de abertura de instrução – cf. fls. 16792 a 16866 – suscita a questão de os crimes dos autos serem semi-públicos e nenhuma das supostas vítimas – ou os seus representantes legais – ter apresentado queixa no prazo de seis meses previsto no art. 115.º, n.º 1, do CP, a contar da data em que tiveram conhecimento dos alegados factos, sendo certo que é inaplicável ao caso dos autos a situação do art. 178.º, n.º 4, do CP, uma vez que as alegadas vítimas eram todas maiores de 16 anos quando o Ministério Público deu início ao procedimento, o que faz com que faleça assim uma das condições de procedibilidade da acusação. Do mesmo modo, o arguido C, no seu requerimento de abertura de instrução – cf. fls. 16695 a 16750 – suscita a questão da existência de causa de extinção do procedimento criminal, relativa à imputação, pela acusação, da prática de nove crimes de abuso sexual de crianças, por o Ministério Público não dispôr de legitimidade para prosseguir a acção penal, dado que tais crimes revestem natureza semi-pública e à data da instauração do presente processo todas as alegadas vítimas eram já maiores de dezasseis anos, não tendo exercido tempestivamente os seus direitos de queixa – art.ºs 113.º, n.º 3 a contrario, 115.º, n.º 1, e 178.º, n.º 1, todos do CP. O Tribunal a quo proferiu despacho a julgar não verificada a causa de extinção parcial do procedimento criminal invocada pelos arguidos, entendendo que ao abrigo do dis(...) nos arts. 48.º e 49.º, n.º 1, do CPP, o Ministério Público tinha legitimidade para promover a acção penal (cf. fls. 17042 a 17046 dos autos). Irresignado com aquele despacho, dele recorreu o arguido H, extraindo da respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões, na parte que aqui assume relevo: “(…) C - Na decisão ora recorrida sufraga-se o entendimentos segundo o qual o prazo de seis meses, estabelecido no art. 115º nº 1 do C.P.P., começa a correr da data em que a vítima adquira capacidade para exercer o direito de queixa – ao completar dezasseis – independentemente da data em que tenha tomado conhecimento do facto ou da identidade dos seus autores. D – Não pode sustentar-se que isso resulta da interpretação extensiva da norma constante do art.º 115º, n.º 1 do CP, a qual na sua letra e no seu espírito não acolhe minimamente aquele sentido interpretativo, o qual não encontra assim na letra da lei “um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (cfr. art.º 9, n.º 2 do C.C.). E – Pelo que se torna forçoso concluir que na decisão recorrida se procedeu, em sentido verdadeiro e próprio, à integração de uma lacuna da lei penal. F – Tal integração redundou na aplicação analógica da norma constante do art.º 115º, n.º 1 do C.P., no que respeita ao prazo ali previsto para o exercício do direito de queixa, com o sentido normativo segundo o qual o terminus a quo da contagem daquele prazo será o da data em que as vítimas adquirem capacidade de exercício do direito de queixa (ou seja, a data em que completem dezasseis anos) independentemente do momento em que tenham tomado conhecimento do facto e da identidade dos seus autores, o que traduz uma errónea aplicação da lei. G – Por redundar em desfavor do arguido – ao conduzir ao alargamento, não contemplado na lei, do prazo de exercício do direito de queixa, permitindo a verificação de uma condição de procedibilidade que, de outro modo, não se teria por verificada – tal analogia é inadmissível por violadora do princípio da legalidade, previsto no art.º 1º, nº 3 do CP e no art.º 29º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP). H – O art. 115º do nº 1 do C.P., na interpretação que dele faz o despacho recorrido, é, pois, inconstitucional por violação do princípio da legalidade (…) Termos em que merece provimento o recurso com as legais consequências”. Também inconformado com aquele despacho, dele recorreu igualmente o arguido C, extraindo da respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões: “1 ª Na decisão recorrida entendeu-se ter o MP legitimidade para o exercício da acção penal contra o ora Recorrente, pela alegada prática de crimes de abuso sexual de crianças, perpetrados sobre os ofendidos identificados a fls. 561, 564 e 684 dos autos: 2ª No que respeita ao ofendido identificado a fls. 561, tal legitimidade decorreria do dis(...) nos arts. 113º, nº 6 e 178º, n.º 4, ambos do CP, porquanto; 3ª À data da instauração do presente processo – segundo a decisão recorrida, a 25/11/2002 – este não tinha ainda completado dezasseis anos de idade; 4ª No que se refere aos ofendidos identificados a fls. 564 e 648, estes teriam apresentado queixa tempestivamente, já que o fizeram “(…) dentro dos seis meses subsequentes a terem completado dezasseis de idade (…) não resultando dos autos que os representantes legais de tais ofendidos tenham conhecimento dos factos e dos seus autores em momento anterior à apresentação das aludidas queixas”; 5ª Afirmando-se encontrar-se, quanto a estes, preenchida a condições de procedibilidade constante do art.º 49.º do CPP. 6ª Porém, a data de instauração do presente processo é a de 29/11/2002 – e não a que se sustenta na decisão recorrida – 25/11/2002; 7ª Uma vez que a instauração do processo depende sempre de acto da autoridade judiciária competente, o MP; 8ª Sendo que o despacho que determina a abertura do inquérito é datado de 29/11/2002 (cfr. a fls. 44 dos autos), devendo esta data ser considerada como a da instauração do presente processo. 9ª Ao tempo, o ofendido identificado a fls. 561 dos autos havia já completado dezasseis anos de idade, o que se verificou a 26/11/2002; 10ª Razão pela qual o MP não tinha legitimidade, ao abrigo do dis(...) nos arts. 113º, n.º 6 e 178º, n.º 4, ambos do CP, para promover a acção penal, relativamente a crimes de abuso sexual de crianças pelos quais o ora Recorrente vem acusado. 11ª Ao assim não entender, a decisão recorrida violou o dis(...) nos arts. 113º, n.º 6 e 178º, n.º 4 do CP, bem assim como os arts. 48º e 49º do CPP. 12ª Relativamente aos ofendidos identificados a fls. 564 e 648, não decorre claramente, das declarações por estes prestadas em inquérito, a intenção de desejarem procedimento criminal contra o ora Recorrente; 13ª Referindo-se ambos à pessoa do ora Recorrente nos seus diversos depoimentos, nenhum dos ofendidos declara expressamente querer contra ele exercer o direito de queixa, afirmando mesmo nunca terem por aquele sido abusados sexualmente. 14ª Ao decidir no sentido de que estes haviam apresentado queixa tempestivamente, a decisão ora recorrida violou, nesta parte, o dis(...) nos arts. 113º, nrs. 1 e 3 e 115º, n.º 1, ambos do CP, bem assim como os arts. 48º e 49º do CPP. 15ª .Ainda que se entendesse, quanto a todos os supra mencionados ofendidos, que estes exerceram efectivamente os seus direitos de queixa, sempre tal exercício se haverá de ter por extemporâneo, por ter ocorrido fora do prazo estabelecido no art.º 155º, n.º 1 do CP, com a consequente preclusão de tais direitos. 16ª Na verdade, atenta a natureza dos crimes em presença, não poderá sustentar-se que os ofendidos não tomaram conhecimento dos factos nas datas em que os mesmos teriam sido praticados, mesmo se dizendo quanto à identidade do seu alegado autor, o aqui Recorrente. 17ª Segundo a acusação, os últimos factos teriam sido praticados: i) relativamente ao ofendido identificado a fls. 561, em Fevereiro ou Março de 2000; ii) relativamente ao ofendido identificado a fls. 564, em Fevereiro ou Março de 2000 e; relativamente ao ofendido identificado a fls. 648, em Janeiro de 2000. 18ª À data em que os alegados ofendidos completaram os dezasseis anos de idade – todos eles em 2002 – o prazo de seis meses, previsto no art.º 115º, n.º 1 do CP, encontrava-se já largamente excedido. 19ª Na decisão ora recorrida sufraga-se o entendimento segundo o qual o prazo de seis meses, estabelecido naquela norma legal, começa a correr da data em que a vítima adquira capacidade para exercer o direito de queixa – ao completar dezasseis anos – independentemente da data em que tenha tomado conhecimento do facto ou da identidade dos seus autores. 20ª O qual não tem expressa consagração legal. 21ª Nem pode sustentar-se resultar da interpretação extensiva da norma constante do art.º 115º, n.º 1 do CP, a qual na sua letra e no seu espírito não, acolhe minimamente aquele sentido interpretativo, o qual não encontra, assim, na letra da lei “um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (cfr. art.º 9º, n.º 2 do CC). 22ª Pelo que se torna forçoso concluir que na decisão recorrida se procedeu, em sentido verdadeiro e próprio, à integração de uma lacuna da lei penal. 23ª Tal integração redundou na aplicação analógica da norma constante do art.º 115º, n.º 1 do CP, no que respeita ao prazo ali previsto para o exercício do direito de queixa, com o sentido normativo segundo o qual o terminus a quo da contagem daquele prazo será o da data em que as vítimas adquirirem capacidade de exercício do direito de queixa (ou seja, a data em que completem dezasseis anos) independentemente do momento em que tenham tomado conhecimento do facto e da identidade dos seus autores. 24ª Por redundar em desfavor do arguido – ao conduzir ao alargamento, não comtemplado na lei, do prazo de exercício do direito de queixa, permitindo a verificação de uma condição de procedibilidade que, de outro modo, não se teria por verificada – tal analogia é inadmissível por violadora do princípio da legalidade, previsto no art.º 1º, n.º 3 do CP e no art.º 29º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP). 25ª Nestes termos, violou a decisão ora recorrida, o dis(...) nos arts. 113º, nrs. 1 e 3, 115º, n.º 1 e 1º, n.º 3, todos do CP, bem assim como o art.º 29º, n.º 1 da CRP. Termos em que, deverá ser julgado procedente o presente recurso e, consequentemente, dando-se provimento ao mesmo, ser revogada a decisão ora recorrida, proferida a fls. 17042 a 17046 dos autos, substituindo-se a mesma por outra, na qual se julgue: - a falta de legitimidade do Ministério Público para a promoção da acção penal no que respeita aos crimes de abuso sexual de crianças de que terá sido vítima o ofendido identificado a fls. 561; - a falta de legitimidade do Ministério Público, por se encontrar precludido o direito de queixa dos ofendidos identificados a fls. 564 e 648; declarando-se, nesta parte, extinto o procedimento criminal, com a consequente absolvição dos ora Recorrente da prática de todos os crimes de abuso sexual de crianças por que vem acusado, como é de JUSTIÇA!” O Magistrado do Ministério Público junto da 1.ª instância, apresentou resposta ao recurso interlocutório, juntamente com a resposta aos recursos inter(...)s do acórdão final, onde se refere: “(…) DA PRETENSA FALTA DE LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROMOVER A ACÇÃO PENAL (ARGUIDOS C E H) O arguido C acabou por ser condenado pela prática de um crime de abuso sexual de crianças (item “4.1.4”, do Despacho de Pronúncia) praticado na pessoa de AI. O Arguido foi ainda condenado pela prática de um crime de abuso sexual de pessoa internada, previsto no artº 166º, nº 1, do C. Penal que reveste natureza pública. Por outro lado, e tendo o Mº Pº recorrido apenas da absolvição deste Arguido relativamente ao crime de abuso sexual de pessoa internada, previsto pelo artº 166º do C. Penal, de que foi vítima o Ofendido Y, a apreciação da questão suscitada pelo Arguido tem interesse apenas relativamente ao menor AI. Por sua vez, o Arguido H foi condenado, apenas, pela prática de crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artº 172º, nºs 1 e 2, do C. Penal, praticados na pessoa dos Ofendidos AT e AI. Não tendo havido recurso pela absolvição dos demais crimes pelos quais se achava pronunciado, interessará, tão só, apreciar a questão suscitada – legitimidade do Mº Pº para o exercício da acção penal – relativamente às situações pelas quais veio a ser condenado. O Mº Pº deduziu Acusação, relativamente a estes Arguidos, no dia 29 de Dezembro de 2003 – fls. 13.449 a 13.808, vindo, os mesmos, a ser pronunciados, por Despacho de Pronúncia, proferido no 31 de Maio de 2004 – fls. 20.738 a 21.014. Em tais Despachos acolheu-se a tese de que o Mº Pº tinha legitimidade para o exercício da acção penal, tal como veio a acontecer no Acórdão condenatório, ora sob recurso, relativamente às questões suscitadas pelos Arguidos E e K. Também o Despacho Judicial de fls. 17.042 a 17.046 acolheu a mesma argumentação, indeferindo a arguição da nulidade invocada pelos Arguidos. Justifica-se, pois, que se faça uma breve incursão teórica sobre a natureza dos crimes em análise e do regime processual penal, no que respeita aos pressu(...)s processuais para o exercício da acção penal, consignando-se, todavia, e desde já, que, no que aos crimes semi-públicos diz respeito, o Despacho proferido, pelo Mº Pº, em 29.12.2003 (prévio à, embora integrando a, Acusação), EM CASO ALGUM, ABRANGEU QUALQUER OFENDIDO, RELATIVAMENTE AO QUAL JÁ TIVESSEM DECORRIDO 6 MESES, SOBRE A DATA EM QUE COMPLETARA 16 ANOS DE IDADE. (…) O DIREITO DE QUEIXA NOS CRIMES DE ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS (ARGUIDOS C E H) O artº 178º, nº 1, do Código Penal, cuja redacção foi introduzida pela Lei nº 65/98, de 2 de Setembro, consigna que: “O procedimento criminal pelos crimes previstos nos artigos 163º a 165º, 167º, 168º e 171º a 175º depende de queixa, salvo quando de qualquer deles resultar suicídio ou morte da vítima”. Acrescenta, porém, o número 2, do citado preceito penal, que: “Nos casos previstos no número anterior, quando crime for praticados contra menor de 16 anos, pode o Ministério Público dar início ao processo”. Cotejando a disciplina do preceito penal anteriormente aludido com a dos artºs. 48º e 49º, do CPP, resulta inquestionável que o Mº Pº dispõe de legitimidade para promover o processo pelo crime abuso sexual de criança previsto e punível pelo artº 172º, nº 1, e/ou, nº 2, do CP, quando, cumulativamente, se verifiquem os seguintes pressu(...)s: a) a vítima for menor de 16 anos; b) o interesse da vítima impuser o procedimento. Não tem sido unívoca a interpretação inerente ao mencionado preceito penal e, em consequência, no que toca à legitimidade de intervenção do Mº Pº. Partindo da literalidade do artº 178º, nº 2, do CP, corroboramos o entendimento expresso por Leal-Henriques e Manuel Simas em “Código de Processo Penal Anotado”, 2º Volume, pág. 465, 3ª Edição, Rei dos Livros, de acordo com o qual “O Mº Pº quando a vítima é menor de 16 anos e na falta de queixa dos titulares do direito (artigo 113º), só pode promover o processo quando conclua que a protecção do menor impõe a promoção penal e que a existência de um processo não é prejudicial para a pessoa da vítima”. Sintomático de que o legislador não pretendeu consagrar mais uma situação de crime público, é o facto de não ter incluído as situações em apreço na ressalva do nº 1, do artº 178º, a par da morte ou suicídio da vítima. Acresce que, a redacção adoptada – anteriormente “menor de 12 anos” e “especiais razões de interesse público” e agora “menor de 16 anos” e “interesse da vítima” –, não pode deixar de ter outro significado que não seja que, para dar início ao procedimento, o Ministério Público não tem que esperar que quem de direito, apresente queixa. A este entendimento conduzem os antecedentes do preceito, que, pela respectiva oportunidade, importa referir. Recuando ao Código Penal de 1886, verifica-se que, nos termos do artº 399º, o procedimento criminal não teria lugar “… sem prévia denúncia do Ofendido, ou de seus pais, avós, marido, irmãos, tutores ou curadores”. Porém, sendo a pessoa ofendida menor de 12 anos ou tendo sido cometida violência qualificada por lei como crime público, o crime tinha natureza pública. A natureza semi-pública dos crimes sexuais foi consagrada como regra pelo artº 211º, nº 1, do CP de 1982. Todavia, o nº 2, do citado dispositivo, contemplava uma excepção similar à do Código de 1886, quando os crimes tivessem por vítima pessoa menor de 12 anos; fosse cometido por meio de crime público; quando o agente do crime fosse o titular do exercício do direito de queixa; ou quando do crime resultasse ofensa corporal grave, suicídio ou morte da vítima, casos em que o crime revestia natureza pública. A natureza pública de tais crimes era eleita em homenagem a três ordens de razões, respectivamente, o interesse público na perseguição de crimes considerados de especial gravidade – hipótese de utilização de um meio que, por si só, integraria crime público, ou quando o crime sexual tivesse resultado em consequências particularmente gravosas para a vítima –; a presença de actividades com particular desvalor ético, energicamente repelidas pela comunidade – actos sexuais praticados com ou contra menor de 12 anos –; e a necessidade de ultrapassar a inevitável e chocante impossibilidade de procedimento por falta de queixa, por ser o próprio autor do crime o titular do direito de queixa. Pode concluir-se, conforme faz o Acórdão da Relação do Porto de 10 de Fevereiro de 1999, publicado na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 9, Fascículo 2 (Abril/Junho), que “Deste modo, dando preponderância ao tratamento dos crimes sexuais como crimes semi-públicos o C. Penal de 1982 continuou a privilegiar o direito da vítima a definir o seu real interesse, se perseguir o crime, a resguardar-se do escândalo e publicidade que essa perseguição penal imporia. (…) Porém, (…) quanto a determinadas situações havidas como mais graves, postergou-se esse eventual interesse da vítima a preservar o seu recato e, dando-se primazia ao interesse público na perseguição criminal, optou-se pelo enquadramento dessa situações na classe dos crimes públicos”. A revisão operada pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, determinou, conforme já supra se salientou, que os crimes sexuais, até então sistematicamente inseridos nos “crimes contra os valores e interesses da vida em sociedade”, passassem a enquadrar-se nos “crimes contra as pessoas”, adquirindo a denominação de “crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual”. Não se tratou, contudo, de mera alteração terminológica, já que, por um lado, a tónica da caracterização foi colocada na vertente da protecção da liberdade sexual das pessoas e, por outro lado, o diploma penal passou a dispor que “o procedimento criminal pelos crimes previstos nos artigos 163° a 165°, 167° e 171° a 175°, depende de queixa, salvo quando de qualquer um deles resultar suicídio ou morte da vítima.”. Em suma, de todas as circunstâncias que, na versão original do Código Penal de 1982, conferiam a qualquer desses crimes a natureza semi-pública, apenas se manteve a acima apontada, tendo-se eliminado todas as demais. Ora, o n° 2, do art° 1 78° — que dispunha que nos casos previstos no n° 1, do preceito, quando a vítima fosse menor de 12 anos, o M° P° poderia dar início ao processo, se especiais razões de interesse público o impusessem — não constava do Projecto de Revisão do Código, tendo, no entanto, vindo a ser introduzido pelo DL n° 48/95. Esta vicissitude legislativa não pode deixar de inculcar que o legislador não pretendeu consagrar mais uma situação de crime público, pois se essa tivesse sido a intenção, bastaria incluir a hipótese na ressalva do n° 1. O que decorre, inexoravelmente, é que, nos casos da previsão do art° 178° n° 2, pretendeu-se consagrar que o M° P° não tem que esperar que quem de direito apresente queixa para, nesses casos, dar início ao procedimento, assim se prevenindo os inconvenientes que da tardia reacção do representante do menor, titular do direito de queixa, poderia advir para o bom êxito do procedimento que depois se quisesse instaurar, frustrando o interesse da vítima menor. Mas, tal não implicou que se tivesse querido preterir a possibilidade de a vítima decidir o interesse para si relevante. Deverá, assim, entender-se, que cessa o pressu(...) de legitimidade de intervenção do M° P° logo que a vítima possa, nos termos da lei, exercer o direito de queixa, ou se se preferir, a vítima possa decidir qual é, para si, o interesse relevante, se a perseguição penal se a não intervenção. Em consequência, pode afirmar-se que, completando a vítima 16 anos, perde razão de ser a intervenção do M° P° a que se reporta o art° 178° n° 2, a menos que o Ofendido não possua o discernimento para entender o alcance e significado do exercício do direito de queixa. É a disciplina que decorre do cotejo do citado normativo com o art° 113°, n° 3, do CP. Este entendimento resulta acentuado com a redacção de então do art° 178°, n° 2, do CP (redacção da Lei 99/2001), que expressamente aludia ao “interesse da vítima”. Com efeito, ao fazer depender o procedimento criminal de queixa nos casos a que se reporta o art° 178°, n° 1, do CP, o legislador concedeu uma especial protecção aos interesses daquela pessoa que, em concreto, é alvo da conduta típica, assim se justificando que só ela disponha de legitimidade para apresentar queixa. E porque assim é, o art° 178°, n° 2, do CPP, surge como uma forma de evitar a desprotecção do menor de 16 anos — e por isso, incapaz para exercer directamente o direito de queixa (art° 113°, n° 3, daquele diploma) — naqueles casos em que o titular do direito de queixa a não apresenta, quando o interesse da vítima assim o impunha. A ratio legislativa situa-se em termos de combater e evitar os casos de impunidade resultantes da circunstância da vítima não ter, ainda, capacidade para o exercício do direito de queixa e de o titular desta a não apresentar - veja-se, neste sentido, Maria João Antunes, in “Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, Ano 9, fasc.° 2°, pág. 328. Nesta linha de entendimento, a intervenção do M° P° a que se reporta o art° 178°, n° 2, do CP deve, necessariamente, ter-se por subsidiária e porque subsidiária, cessa quando passe a inexistir razão que sob o ponto de vista finalístico a fundamente, ou seja, quando a vítima complete 16 anos e passe a dispor de capacidade para o exercício do direito de queixa. Em suma, o preceito penal mencionado exige uma leitura conjugada do art° 178°, n° 1, 1ª parte, e do art° 113°, n°s 3 e 6, ambos do CP, dela resultando que: a) o art° 178°, n° 2, constitui um dos casos a que se refere o art° 113°, n° 6, do CP; b) quando se trate de procedimento por um dos crimes a que se reporta a 1ª parte do art° 178°, n° 1, do CP, e a vítima for menor de 16 anos, o M° P° pode, em face da inércia ou desconhecimento das pessoas a quem cumpre o exercício do direito de queixa, e se tal corresponder ao interesse da vítima, dar início ao procedimento criminal; c) a capacidade para o exercício do direito da vítima faz cessar qualquer possibilidade de intervenção do M° P° nos moldes consagrados no art° 178°, n°2, doCP. Assim sendo, consagrando a lei a possibilidade de o Ofendido apresentar queixa a partir da altura em que completa 16 anos - e depois disso não podendo o mesmo ser exercido por mais ninguém (art° 113°, n°5, 3 e 6 e 178°, n° 4, do C.P.) - tem de se concluir que o mesmo disporá do prazo geral de 6 meses para a apresentar, sob pena de se esvaziar de conteúdo tal possibilidade. Neste mesmo sentido se pronunciou o Acórdão, do TRP, de 15.4.2009 (RP 7344/08), consultado em “wvvw.dgsi.pt”, em que se afirma: “A única interpretação coerente das regras legais aplicáveis é a que permite ao menor de 16 anos apresentar queixa nos 6 meses seguintes à aquisição do respectivo direito, ou seja, o direito de queixa só se extingue 6 meses depois de o menor atingir 16 anos. De outro modo (como no presente caso), o direito de queixa extinguir-se-ia sem que pudesse ter sido exercido, o que seria manifestamente absurdo: os pais da menor não o puderam exercer, pois quando tiveram conhecimento dos factos já não eram titulares desse direito; por seu turno, a menor só adquiriu o direito de queixa depois de já terem passado seis meses sobre o seu conhecimento dos factos. O artigo 115°, 1, do C. Penal, na redacção aplicável (pois a nova redacção do art. 113°, 6 do CP é clara nesse ponto, ao referir que «… o Ofendido pode exercer aquele direito a partir da data em que perfizer 16 anos”), deve ser interpretado no sentido de não ser possível a extinção do direito de queixa antes de decorrido o prazo de seis meses a contar da possibilidade do seu exercício. Por isso, nos casos em que o Ofendido seja menor de 16 anos, o direito de queixa só se extingue seis meses depois do conhecimento dos factos pelos legais representantes do menor, ou seis meses depois de o menor perfazer 16 anos, pois só nessa altura adquire ele próprio o direito de queixa.”. Neste mesmo sentido foi a evolução legislativa posterior relativamente a crimes de natureza semi-pública praticados contra menores de 16 anos. Assim, o art° 113°, n° 6, do C. Penal, na redacção introduzida pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro, consagra expressamente que o Ofendido pode exercer o direito de queixa a partir da data em que perfizer 16 anos, dispondo do prazo geral de 6 meses estipulado no art° 115°, n° 1, mas agora contado da data em que fizer 18 anos. No caso presente, o Ofendido AI nasceu a (…) e apresentou queixa no dia 25 de Março de 2003, conforme auto de fls. 2.973 a 2.976, isto é, dentro prazo legal de seis meses contados a partir da data em que perfez 16 anos. Logo, tem de se concluir que exerceu tempestiva mente tal direito de queixa, legitimando o M° P° para exercer a acção penal, ao abrigo do dis(...) nos art°s 49° e 50.º, do CPP. O Ofendido AT nasceu a (…) e exerceu o direito de queixa a 16 de Janeiro de 2003 - cfr. Auto de fls. 564 a 571 -, isto é, dentro prazo legal de seis meses contados a partir da data em que perfez 16 anos. Logo, tem de se concluir que também ele exerceu tempestivamente tal direito de queixa, legitimando o M° P° para exercer a acção penal, ao abrigo do dis(...) nos art°s 49.º e 50.º, do CPP. O Arguido C pretende que, aquando da interposição da queixa, o Ofendido tem que nomear expressamente as pessoas contra quem pretende accionar o procedimento criminal - vd. Ponto 24, da Motivação de Recurso (fls. 17.944). Refere que o Ofendido AI apenas referiu, a fls. 2.973, que pretendia procedimento criminal contra “todos e quaisquer homens que de si tenham abusado sexualmente, incluindo-se até alguns dos quais se possa vir a recordar com mais pormenor”. Defende o Recorrente que tal não pode valer como exercício do direito de queixa contra si, uma vez que o Arguido não é referido expressamente. No entanto, não lhe assiste razão, não decorrendo tal exigência de qualquer das normas, substantivas ou adjectivas, que disciplinam o exercício do direito de queixa. A lei não refere, expressamente, quais os requisitos formais da queixa, ao contrário, por exemplo do que faz relativamente à denúncia — art°s 246° e 243°, do CPP — sendo que, salienta-se, apesar de o primeiro preceito mencionado, sobre a forma e conteúdo da denúncia, remeter para o segundo, sobre o Auto de Notícia, expressamente, se estatui que os elementos que o Auto de Notícia deve conter apenas são exigíveis quanto à denúncia “na medida do possível”. Não existe norma que faça depender a validade da denúncia do preenchimento de requisitos pré-estabelecidos relativamente ao seu conteúdo, resultando dos artigos citados que, apenas na medida do possível, a denúncia deverá conter os elementos circunstanciados relativos ao cometimento do crime, seus autores, vítimas e testemunhas. A maior ou menor pormenorização do ilícito denunciado e/ou a referenciação ou não dos seus autores não acarreta, como não poderia deixar de ser, consequências processuais, incumbindo ao M° P° desencadear a acção penal e investigar todos os factos atinentes ao crime denunciado e seus autores. O mesmo sucede no caso de crimes de natureza semi-pública, mantendo-se, quanto a estes, a incumbência do M° P° desencadear a acção penal e investigar todos os factos atinentes ao crime denunciado e seus autores, desde que exista uma manifestação de vontade nesse sentido, pelo titular do direito de queixa respectivo, e independentemente da maior ou menor pormenorização dos factos e da indicação imediata, ou não, dos seus autores. No caso de procedimento criminal dependente de queixa, o art° 49°, n.° 1, do CPP, estabelece que “quando o procedimento criminal depender de queixa, do Ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas dêem conhecimento do facto ao Ministério Público, para que este promova o processo”. Conforme referem Leal Henriques, Simas Santos e Borges de Pinho, in “Código de Processo Penal Anotado”, 1996, Editora Rei dos Livros, p. 248, “A queixa ou participação é a comunicação do facto à entidade que detém o poder-dever de accionar o respectivo procedimento ou, dito de outro modo, é a declaração de vontade de que se pretende que seja levantado processo para esclarecimento e prova de determinada conduta tida como criminalmente ilícita, com vista à punição do seu autor ou autores”. A queixa consubstancia-se assim numa manifestação de vontade de que se pretende o exercício da acção penal relativamente a factos qualificados por lei penal como crime. Não existe qualquer norma que determine quais os requisitos formais a que deve obedecer a queixa apresentada e/ou que faça depender a validade do exercício do direito de queixa da maior ou menor pormenorização dos factos e da individualização ou não do autor dos mesmos. Condição do suficiente para o exercício da acção penal é a manifestação de vontade nesse sentido pelo titular do direito de queixa, relativamente a condutas punidas criminalmente. Por isso, a lei estabelece, no art° 114°, do CPP, que “A apresentação da queixa contra um dos comparticipantes no crime torna o procedimento criminal extensivo aos restantes”, uma vez que, na disponibilidade do titular do direito de queixa está a manifestação ou não de vontade de procedimento criminal relativamente a condutas punidas por lei penal e já não, em casos de comparticipação, a concreta individualização/selecção, dos agentes, de entre os comparticipantes, que serão perseguidos criminalmente. Da leitura dos autos de declarações do Ofendido AI resulta que o mesmo manifestou a vontade de procedimento criminal contra todos os homens que abusaram sexualmente de si. O menor delimitou os factos pelos quais queria que fosse accionado o procedimento criminal — abuso sexual —, fê-lo em tempo, não havendo norma legal, conforme já se demonstrou, que estipule como condição de validade de queixa apresentada, a indicação dos autores dos factos e a maior ou menor pormenorização destes. Pelo ex(...), entende-se que, ao enunciar em tempo a vontade de procedimento criminal contra todos os indivíduos que abusaram sexualmente da sua pessoa, o Ofendido AI, exerceu, tempestivamente, o seu direito de queixa, tendo o M° P° legitimidade para promover a acção penal no que àqueles factos concerne. B).1.2. - DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO - ART° 178°, N° 4, DO C. PENAL (ARGUIDOS C E H) Todavia, mesmo que assim não se entenda, o M° P° declarou, em Despacho prévio à Acusação, a fls. 13.552 dos autos, que, ao abrigo do dis(...) no art° 178°, n° 4, do C. Penal, considerava que o interesse particular das vítimas do presente processo impunha que o procedimento criminal fosse exercido. Tal Despacho refere, expressamente, que: “Nos termos do dis(...) no art° 178° n° 4 do CPP, o Ministério Público pode dar início ao procedimento criminal por factos susceptíveis de integrar crimes contra a auto-determinação sexual de menores se os factos forem praticados contra menores de 16 anos e o interesse destes o impuser. Esta disciplina é, de resto, também, sufragada no art° 113° n° 6, do mesmo diploma legal. É hoje comummente aceite, que a aferição do interesse do menor na instauração do procedimento criminal implica um juízo de ponderação a levar a cabo com base nos factos indiciária, e objectivamente trazidos ao processo, por forma a determinar se as vítimas em causa, não obstante a inexistência de queixa, são beneficiadas com a tutela penal, ou se, ao invés, resultarão prejudicadas com a instauração da mesma. Como critério preponderante da referida valoração deve ter-se a vertente reparadora do mecanismo de perseguição penal, a qual pressupõe, por um lado o reconhecimento da qualidade de vítima e, por outro o da reprovação da conduta do agressor. Nos presentes autos, todos os Ofendidos eram crianças institucionalizadas, oriundas de famílias disfuncionais, com carências afectivas e económicas graves, sem quaisquer referências afectivas e securizantes, verdadeiros sobre viventes. Quotidianos pobres de afectos, de educação, de normas sociais básicas que lhes permitissem, no futuro, uma integração comunitária saudável e equilibrada foi o passado das crianças que, ao ingressarem numa Instituição vocacionada para a protecção e educação de menores, acalentaram a esperança de um amanhã melhor. Projectos amputados e sonhos adiados foram, seguramente, os resultados das condutas criminosas que, indiciariamente, as terão visado como alvos. O dano psíquico provocado pelos actos criminosos, muitas vezes imperceptível aos olhos dos outros, não surge, pois, nestes casos, como uma mera hipótese, mas antes como um facto de verificação certa. Danos cuja reparação passa, não em exclusivo, mas também, pela punição de quem os provocou. (. ..) para as crianças com idade igual ou superior a 8 anos, o processo mental de reparação do dano psíquico passa, com frequência, pelo reconhecimento da sua qualidade de vítima — o que os ajudará a metabolizar os seus sentimentos de culpa e vergonha — e pela punição de quem lhe fez mal” — Relatório Pericial de fls. 13192 a 13198. No caso vertente, entende o Ministério Público que o início do procedimento criminal desencadeou o processo de reparação psíquica dos menores indiciariamente vitimados. Prova disso é o facto dos mesmos terem prestado declarações e falado sobre factos que, ao longo de muito tempo, não revelaram, em parte por recearem comprometer a sua permanência na Instituição da qual faziam parte alguns dos autores das suas feridas. Essa atitude activa manifestada pelos menores é um sinal evidente do desejo de iniciarem o seu processo de estabilização emocional e afectiva. Ignorá-lo seria impedi-los de reivindicar um direito que lhes assiste, mas que, não podem exercer pessoalmente. Proceder criminalmente contra as pessoas que acusam de terem violado um bem que a lei penal elevou à categoria de fundamental para efeitos de sobrevivência da comunidade apresenta-se, assim como um interesse para elas, impondo-se, por tal razão, ao Ministério Público, agir em conformidade com o dis(...) no art° 178° n° 4 do CP”. Discutiu-se muito, no âmbito de processos que tiveram origem nos presentes autos, a questão de saber em que momento e qual a forma que a avaliação do interesse da vitima que sustenta a intervenção processual do M° P°, deve ser equacionada por este. Todavia, a conclusão a que sempre se chegou foi a de que a lei não fixa qualquer momento para ser aferido pelo M° P° qual o interesse da vítima, nem, tão pouco, impõe que seja lavrado um Despacho inicial justificativo de tal posição. Com efeito, conforme se refere no Acórdão do STJ, de 31.5.2000 — Proc. 272/2000 -, “sempre que sejam notórias as razões de facto em que se apoia o Ministério Público e a própria exigência do procedimento pelo interesse (objectivo) da vítima, a sua não especificação detalhada, só por si nunca pode implicar, necessariamente, a ilegitimidade daquele”. No mesmo sentido se pronunciou o Acórdão do STJ, de 3.4.2002 - Proc. 02P4628 (consultado em www.dgsi.pt) -, ao considerar que “a constatação de tal interesse público na promoção do procedimento criminal não carece de ser expressamente declarada no processo pelo magistrado titular do mesmo”, quando tal interesse decorra inquestionavelmente do teor dos próprios autos. Assim, o que é essencial é que os autos contenham elementos suficientes que habilitem o Tribunal e o M° P° a realizar esse juízo de ponderação. Ora, os presentes autos contêm elementos suficientes para permitir ao Tribunal sindicar a actuação processual do M° P°, em ordem a determinar a sua legitimidade processual. Conforme se refere no Acórdão do S.T.J., de 9.7.2003 - Proc. 03P2852 (consultado em www.dgsi.pt) -, “sempre que seja demonstrado o estilo de vida dos menores, e comprovadas as notórias consequências da respectiva adopção, em manifesto prejuízo para aqueles, à luz de um critério objectivo, que ninguém ouse refutar, ressalta à evidência a legitimidade do MP, alicerçada no seu interesse(...)”. Ora, encontrava-se demonstrado nos autos que os menores que foram vítimas da actuação criminosa dos Arguidos, eram crianças desprovidas de meio familiar normal, estavam confiados a uma Instituições de protecção e assistência e foram abusa dos por isso. O M° P° tem o imperativo constitucional consagrado no art° 69 da CRP de assegurar o cumprimento do direito que todas as crianças têm “à protecção do Estado e da Sociedade com vista ao seu desenvolvimento integral”, sendo também sua tarefa estatutária e legal (art°s 3°, n° 1 , a), c) e d), da Lei 47/86 e art° 53°, n° 1 , do CPP, Leis n°s 147/99 e 166/99, de 1 e 14 de Setembro, respectivamente) a obrigação de defender os interesses de determinadas pessoas mais carecidas de protecção, entre elas se contando os menores — neste sentido Gomes Canotilho e Vital Moreira “CRP Anotada”, ed. 1993, pág. 830. Os menores identificados nos autos não tinham qualquer contacto regular com a sua família e o organismo público a que se encontravam confiados não conseguiram protegê-los eficazmente, conforme aliás decorre do modo de vida a que se vinham dedicando. Assim, está mais que justificada a existência do interesse especial destas vítimas que legitima a intervenção processual do M° P°. Bem andou, pois, o Despacho recorrido, ao indeferir a arguição da nulidade da alegada falta de legitimidade do M° P°, para promover a acção penal, pelo que, nesta parte, o Despacho recorrido não é passível de qualquer censura (…)”. O recurso do arguido C foi admitido por despacho de fls. 18015 dos autos. Com efeito, embora no despacho proferido a fls. 18015 – segundo despacho de admissão de recurso a(...) nessa folha –, conste “Por versar sobre decisão recorrível – fls. 17.042 a 17.046 –, estar em tempo e para tal ter legitimidade, admito o recurso inter(...) pelos arguidos K e N através do requerimento de fls. 17.936 (fax de fls. 17.916 – artºs 399º, 411º, nº1, 401º, nº1, al. b), todos do C.P.P.), o qual sobe diferidamente – com o recurso inter(...) da decisão que puser termo à causa –, nos próprios autos e tem efeito meramente devolutivo (artºs 407º, nºs 1 e 2, “a contrario sensu”, e 3, 406º, nº 1, e 408º, “a contrario”, do mesmo diploma legal)”, trata-se de um manifesto lapso, já objecto de correcção a fls. 18.351, onde foi proferido despacho consignando expressamente que o recurso admitido é o inter(...) pelo arguido C. O recurso do arguido H foi admitido por despacho de fls. 18510 a 18511 dos autos. O arguido C, nas conclusões do recurso que interpôs do acórdão final, dando cumprimento ao dis(...) no art. 412.º, n.º 5, do CPP, reiterou o seu interesse na apreciação do recurso por si inter(...) do despacho de fls. 17042 a 17046 (cf. fls. 69440 a 69441). O arguido H, nas conclusões do recurso que interpôs do acórdão final, dando cumprimento ao dis(...) no art. 412.º, n.º 5, do CPP, afirmou manter interesse no recurso que havia inter(...) a 29 de Março de 2004, referente a nulidades arguidas no requerimento de abertura de instrução, prescindindo da apreciação da matéria relativa às conclusões I) a M) – perícias (...)-legais sobre a personalidade das testemunhas (cf. fls. 70412). Questões prévias Decisão conjunta dos recursos Conforme resulta das alegações de recurso supra transcritas, os recursos inter(...)s pelos arguidos C e H incidiram sobre o mesmo despacho proferido no âmbito da fase de instrução, coincidindo, na essência, nas questões que colocam, sendo certo que o referido despacho, também ele, tem por objecto a mesma questão, ainda que suscitada por distintos arguidos, apresentando uma única fundamentação, para decisão daquela questão. Assim, por razões de economia, celeridade processual e facilidade de compreensão, serão os elencados recursos tratados conjuntamente, numa só decisão, abrangendo as questões comuns que neles se colocam. Com efeito, não faz sentido que o Tribunal se pronuncie em separado sobre questões em tudo idênticas, apenas porque foram suscitadas em recursos inter(...)s por diferentes arguidos, repetindo, de modo desnecessário, a mesma argumentação. Aliás, como já se salientou, os recursos interlocutórios aqui em apreço, inter(...)s pelos mencionados arguidos (C e H), incidem sobre um mesmo despacho, sendo que este, ainda que referindo-se aos dois diferentes arguidos, também tem na sua génese a mesma fundamentação, tendo, em consequência, decidido no mesmo sentido as pretensões apresentadas pelos arguidos (designadamente indeferindo-as). Nestes termos, e à semelhança do que se fez quanto a outros recursos interlocutórios, será proferida decisão conjunta relativamente aos recursos dos arguidos C e H em apreço. Inutilidade superveniente parcial dos recursos inter(...)s pelos arguidos C e H Como o Digno Magistrado do Ministério Público bem salienta na sua resposta, o arguido C acabou por ser condenado pela prática de um crime de abuso sexual de crianças (item “4.1.4”, do Despacho de Pronúncia) praticado na pessoa de AI. O Arguido foi ainda condenado pela prática de um crime de abuso sexual de pessoa internada, previsto no art. 166.º, n.º 1, do CP que reveste natureza pública. Por outro lado, e tendo o Ministério Público recorrido apenas da absolvição deste arguido relativamente ao crime de abuso sexual de pessoa internada, previsto pelo art. 166.º do CP, de que foi vítima o ofendido Y, a apreciação da questão suscitada pelo arguido C tem interesse apenas relativamente ao menor AI. Por sua vez, o arguido H foi condenado, apenas, pela prática de crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 172.º, n.ºs 1 e 2, do CP, praticados na pessoa dos ofendidos AT e AI. Não tendo havido recurso pela absolvição dos demais crimes pelos quais se achava pronunciado, interessará, tão só, apreciar a questão suscitada – legitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal – relativamente às situações pelas quais veio a ser condenado. Conclui-se, assim, que a questão a apreciar nos presentes recursos interlocutórios apenas mantém interesse no que tange com a legitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal relativamente aos crimes de natureza semi-pública dados como provados, quanto a ambos os arguidos C e H, o que limita a questão aos ofendidos AI e AT. A apreciação destes recursos de ambos os arguidos, quanto aos demais menores relativamente aos quais estiveram acusados e pronunciados pela prática de crimes de natureza semi-pública, face aos motivos ex(...)s, é neste momento totalmente inútil. Assim, ao abrigo do dis(...) no art. 287.º, al. e), do CPC, ex vi do art. 4.º do CPP, acorda-se em declarar parcialmente extintos os recursos inter(...)s pelos arguidos C e H do despacho de fls. 17.042 e ss., com base na sua inutilidade superveniente, designadamente no que se refere à apreciação da legitimidade do Ministério Público para exercer a acção penal quanto a outros menores, que não os ofendidos AI e AT. Delimitação do objecto dos recursos As questões suscitadas pelos recorrentes são: - Nulidade do despacho recorrido, por violação dos arts. 113.º, n.ºs 1 e 3, 115.º, n.º 1, e 1.º, n.º 3, todos do CP, bem assim como do art. 29.º, n.º 1, da CRP. - Inconstitucionalidade do art. 115.º, n.º 1, do CP, na interpretação que dele fez o despacho recorrido, por violação do princípio da legalidade. A decisão recorrida O despacho objecto do presente recurso tem o seguinte teor: “Os arguidos -+, C e H invocaram falta de exercício tempestivo do direito de queixa, inexistência de despacho do Ministério Público prévio ao procedimento criminal proferido ao abrigo do dis(...) no art. 178º, nº 4, do Cód. Penal, ou inaplicabilidade deste ao caso dos autos por os ofendidos serem maiores de dezasseis anos quando o Ministério Público deu início ao procedimento criminal. O arguido BD começa por alegar que trata-se de, no caso vertente, no que a si se refere, de “crimes semi-públicos”, cujo procedimento criminal sempre estaria dependente de queixa, a qual não foi apresentada (pelos ofendidos ou pelos seus representantes legais), pelo que aquele não poderia ter sido instaurado. Continua, alegando que na parte da incriminação que se lhe refere, a instauração do procedimento criminal, “no caso de a vítima ser menor de 16 anos, só podia efectivar-se, nos termos do art. 178º, nº 4, do Cód. Penal, se o interesse da vítima impusesse tal procedimento”. Alega ainda que a acusação refere sempre o art. 178º, nº 2, do Cód. Penal, que é o actual art. 178º, nº 4, do Cód. Penal, na redacção introduzida pela Lei n.º 99/2001, de 25-08, sendo que tal interesse teria que ter sido avaliado e demonstrado antes da instauração do procedimento e não após ele ter sido activado e, muito menos na “antecâmara da própria acusação”. E, após a valoração, análise e recolha de elementos para a decisão, teria esta que ser proferida mediante o despacho apropriado determinado pela entidade competente, consoante dispõe o art. 97º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, despacho esse que teria que ter sido devidamente fundamentado de facto e de direito, nos termos do que dispõe o art. 97º, nº 4, do Cód. Proc. Penal. Em suma, entende o arguido que tal despacho do Ministério Público tem que ser plasmado no processo em momento “anterior ao início do procedimento criminal”. No seu entender, não tendo tal sido feito, segue-se que o presente processo está inquinado desde o início em relação aos crimes de natureza semi-pública, como são todos quantos lhe são imputados e, consequentemente, falece, quanto a si, o pressu(...) de procedibilidade constante dos arts. 113º, n.º 1, 114º, 115º e 178º, n.º 1, todos do Cód. Penal, pelo que se impõe a declaração de extinção do procedimento criminal. O arguido C alega também que relativamente aos crimes de abuso sexual de crianças o Ministério Público não dispunha de legitimidade para prosseguir a acção penal. No seu entender, tais crimes revestem inequivocamente, no caso dos autos, natureza semi-pública, nos termos do dis(...) no art. 178º, n.º 1, do Cód. Penal, bem como que à data da instauração do presente processo (29-11-2003) todas as “alegadas vítimas” eram já maiores de dezasseis anos de idade e, portanto, capazes de exercer o direito de queixa, nos termos do art. 113º, n.º 3, a contrario, do Cód. Penal. Termina, concluindo que nenhuma das “alegadas vítimas” exerceu tempestivamente os seus direitos de queixa, os quais estão assim, no seu entender, inelutavelmente precludidos, nos termos do dis(...) no art. 115º, n.º 1, do Cód. Penal. Por fim, relativamente à questão em apreço, o arguido H refere que os crimes dos autos são “semi-públicos” e que nenhuma das “supostas vítimas” – ou os seus representantes legais – apresentou queixa no prazo de seis meses previsto no art. 115º, n.º 1, do Cód. Penal, a contar da data em que tiveram conhecimento dos alegados factos, sendo certo que, de acordo com o que entende, é inaplicável ao caso dos autos a situação do art. 178º, n.º 4, do Cód. Penal, uma vez que as “alegadas vítimas” eram todas maiores de 16 anos quando o Ministério Público deu início ao procedimento. Concluiu no sentido de falecer assim uma das condições de procedibilidade da acusação. Apreciando e decidindo. Na acusação do Ministério Público são imputados ao arguido BD unicamente crimes que revestem natureza semi-pública. Os crimes imputados ao arguido C revestem natureza pública e natureza semi-pública. Por fim, os crimes imputados ao arguido H no libelo acusatório revestem apenas natureza semi-pública. Mais concretamente, e para apreciação da questão em apreço, estão em causa os crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 172º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Penal, e de actos homossexuais com adolescentes, p. e p. pelo art. 175º do Cód. Penal, que revestem a aludida natureza semi-pública, conforme resulta do dis(...) no art. 178º, n.º 1, do Cód. Penal, na redacção da Lei n.º 99/2001, de 25-08. Ainda de acordo com a acusação Ministério Público, há que ter presente o seguinte: a) Os crimes de abuso sexual de crianças imputados ao arguido BD tiveram como ofendidos os que estão identificados a fls. 561, 564 e 648 e 6184; b) Os crimes de abuso sexual de crianças imputados ao arguido C tiveram como ofendidos os que estão identificados a fls. 561, 564 e 648; e c)Os crimes de abuso sexual de crianças imputados ao arguido H tiveram como ofendidos os que estão identificados a fls. 561, 564 e 648, tendo o crime de actos homossexuais com adolescentes tido como ofendido o que está identificado a fls. 564. Os presentes autos tiveram início em 25-11-2002. Nesta data, o ofendido identificado a fls. 561 tinha 15 anos de idade, os ofendidos identificados a fls. 564 e 648 tinham 16 anos de idade e o ofendido identificado a fls. 6148 tinha 15 anos de idade. Estatui o art. 178º, n.º 4, do Cód. Penal, na sequência do previsto pelo art. 113º, n.º 6, também do Cód. Penal, que (…) quando os crimes previstos no n.º 1 forem praticados contra menor de 16 anos, pode o Ministério Público dar início ao procedimento se o interesse da vítima o impuser. Isto releva quanto aos ofendidos identificados a fls. 561 e 6148. O que em primeiro lugar há a realçar a este propósito é que quando o Ministério Público dá início ao procedimento já tem que ter entendido que o interesse da vítima o impõe. Estranha-se por isso que o arguido BD alegue que no caso dos autos tal interesse teria que ter sido avaliado e demonstrado antes da instauração do procedimento e não após ele ter sido activado, acrescentando ainda que o despacho do Ministério Público onde se fizesse tal avaliação teria que ter sido plasmado no processo em momento “anterior ao início do procedimento criminal”. É caso para perguntar como se pode plasmar um despacho num processo, se este ainda não existe. Não se pode esquecer a razão por que os crimes a que se vem fazendo alusão revestem natureza semi-pública. Tais ilícitos criminais não revestem esta natureza porque o legislador entendeu que o bem jurídico tutelado com as incriminações respectivas não tem gravidade suficiente para lhes ser atribuída natureza pública. A natureza semi-pública dos referidos crimes destina-se tão-só, e bem, a proteger os interesses da vítima. Só a esta cabe decidir se a prática do crime deve ser conhecida de outros que não sejam a própria e o agente do crime. Tudo isto para se dizer que, independentemente de qualquer despacho, se o Ministério Público procedeu criminalmente por factos praticados sobre ofendidos menores de dezasseis anos à data da instauração do procedimento foi porque entendeu que o interesse daqueles o justificava, pois o início do procedimento criminal já tem pressu(...) que o Ministério Público entende que o interesse da vítima o impõe. O Ministério Público proferiu o despacho de fls. 13552 a 13554, na “antecâmara da acusação” como se lhe refere o arguido BD, o que apenas pode ter o significado de que no momento em que se preparava para encerrar o inquérito entendeu que as razões que o levaram a iniciar o procedimento criminal se mantinham. No que tange com aos ofendidos identificados a fls. 564 e 648, apresentaram queixa contra quem dos mesmos abusou sexualmente, respectivamente, em 16-01-2003 (cfr. fls. 571) e em 25-03-2003 (cfr. fls. 2976). A fls. 571 o primeiro daqueles menores declara que “deseja procedimento criminal contra o (…), o H, o (…) e todos os outros que praticaram actos sexuais consigo”. A fls. 2976 o segundo daqueles menores declara “desejar procedimento criminal contra todos e quaisquer homens que de si tenham abusado sexualmente”. E fizeram-no dentro dos seis meses subsequentes a terem completado dezasseis anos de idade, sendo que tais seis meses completaram-se em 28-03-2003 no que ao ofendido identificado a fls. 564 concerne e em 26-03-2003 no que respeita ao ofendido identificado a fls. 648, não resultando dos autos que os representantes legais de tais ofendidos tenham tido conhecimento dos factos e dos seus autores em momento anterior à apresentação das aludidas queixas. Portanto, tais queixas foram apresentadas tempestivamente, de harmonia com o estatuído nos arts. 113º, n.ºs 1 e 3, e 115º, n.º 1, ambos do Cód. Penal. Em suma, e pelo ex(...), não se verifica a causa de extinção do procedimento criminal invocada pelos arguidos BD, C e H, pois ao abrigo do dis(...) nos arts. 48º e 49º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, o Ministério Público tem legitimidade para promover a acção penal.” Analisando Nos presentes recursos interlocutórios, aliás, à semelhança do que acontece com os recursos principais dos arguidos E e K, a questão que se coloca é a da legitimidade do Ministério Público (ou no entender dos arguidos, falta dela) para exercer a acção penal relativamente aos crimes de natureza semi-pública que envolveram os ofendidos AI e AT (isto no que se refere aos arguidos C e H). Contudo, no caso em apreço, como já se adiantou, dois dos restantes arguidos – E e K – optaram por invocar esta excepção da ilegitimidade do Ministério Público em sede de contestação, motivo pelo qual o Tribunal recorrido, previamente à indicação dos factos provados e não provados, apreciou essa questão, proferindo o seguinte despacho (cf. fls. 66.503 a 66.514): “I - Fls. 23.230 a 23.239, Arguido E: excepção de ilegitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal, quanto aos crimes imputados ao arguido nos pontos 6.2.1., 6.4.1. e 6.7.1. do Despacho de Pronúncia: 1. A fls. 23.230 a 23.239, na sua contestação, o arguido E arguiu a excepção de ilegitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal, quanto aos crimes imputados ao arguido nos pontos 6.21., 6.4.1. e 6.7.1. do Despacho de Pronúncia, por entender que não foi devidamente exercido o direito de queixa por parte do ofendido, em relação aos ilícitos em causa, devendo ser ordenado o arquivamento dos autos nessa parte. No despacho de fls. 22.525 a 22.556, concretamente a fls. 22.547, “Ponto III”, o Tribunal tinha proferido uma decisão genérica de legitimidade do Ministério Público, ao abrigo do dis(...) no art° 311°, n° 1, do C.P.Penal, decisão em relação à qual o arguido, a fls. 22.850 e segs., interpôs recurso (cfr., tb, Despacho de fls. 24.317, ponto IV). Por força do Acordão n° 2/95, de 16/05, do S.T.J. - publicado no D.R. 135/95, Série I -A -, a decisão genérica proferida pelo Tribunal, ao abrigo do art° 311°, n° 1, do C.P.Penal, não tem o valor de caso julgado formal, podendo até à decisão final o Tribunal tomar decisão quanto a tal questão, o que passamos a fazer. 2. No capítulo 6.2.1, do Despacho de Pronúncia, está imputado ao arguido E a prática de 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art°. 172°, n° 1, do Código Penal, ocorrido num “... dia indeterminado dos meses de Fevereiro/Março do ano de 2000...”, tendo o assistente (…) de idade. No capítulo 6.4.1, do Despacho de Pronúncia, está imputado ao arguido a prática de 4 (quatro) crimes de abuso sexual de crianças, pp. e pp. pelo art°. 172°. n.°s 1 e 2 do Código Penal, ocorrido “… em datas próximas da Páscoa do ano de 2000, em concreto não determinadas ...”, tendo o assistente (…) de idade. E no capítulo 6.7.1, do Despacho de Pronúncia, está imputada a prática ao arguido de 2 (dois) crimes de abuso sexual de crianças, pp. e pp. pelo art°. 172°, n° 1, do Código Penal, ocorridos em “… dia indeterminado dos meses de Fevereiro/Março do ano de 2000...” e em dia “...indeterminado dos meses de Julho/Agosto 2000...”, tendo o assistente (…) de idade. 2.1. Os presentes autos - a investigação que deu origem à Acusação e posteriormente Despacho de Pronúncia, pelo qual o arguido está em julgamento - tiveram origem numa informação que foi feita pela Polícia Judiciária em 25/11/2002 (cfr. fls. 2). A fls. 46, por despacho datado de 29/11/2002, dá-se a intervenção do Ministério Público, com a promoção do procedimento criminal e abertura de inquérito, sendo que no Despacho de fls. 48, datado de 29/11/2002, é referido estar em causa a investigação de factos susceptíveis de integrar a prática de crimes de abuso sexual de criança, p. e p. no art° 172°, do C.Penal (cfr. art°s. 241°, 242°, 49°, n° 2 do C.P.Penal e art° 172°, do C.Penal, na versão em vigor à data do Despacho). Vejamos então qual a legislação aplicável ao caso concreto. (i) Com as alterações introduzidas pelo Decreto Lei n° 48/95, de 15 de Março, ao Código Penal (que entraram em vigor em 1/10/95), dentro do “Título I”, da Parte Especial, foi criado um novo “Capitulo V”, englobando os “Crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual”. Este capítulo passou a ser constituído pelos artigos 163° a 179°, do C.Penal, dispondo o art° 178°, nos seus n°s. 1 e 2, quanto à “Queixa”, que: “...1. O procedimento criminal pelos crimes previstos nos art°s 163° a 165°, 167°, 168° e 171° a 175°, depende de queixa, salvo quando de qualquer deles resultar suicídio ou morte da vítima. 2. Nos casos previstos no número anterior, quando a vítima for menor de 12 anos, pode o Ministério Público dar início ao processo se especiais razões de interesse público o impuserem”. (ii) A Lei 65/98, de 2 de Setembro (que entrou em vigor em 7/09/98), alterou a redacção do n° 2, deste art° 178°, passando a dizer: “….2. Nos casos previstos no número anterior, quando o crime for praticado contra menor de 16 anos, pode o Ministério Público dar início ao procedimento se o interesse da vítima o impuser.”. A Lei n° 99/2001, de 25 de Agosto (que entrou em vigor em 30/08/01), alterou o art° 178°, do C.Penal, passando a ter a seguinte redacção: “1. O procedimento criminal pelos crimes previstos nos art°s. 163 a 165°, 167°, 168° e 171° a 175° depende de queixa, salvo nos seguintes casos: a) Quando de qualquer deles resultar suicídio ou morte da vítima; b) Quando o crime for praticado contra menor de 14 anos e o agente tenha legitimidade para requerer procedimento criminal, por exercer sobre a vítima poder paternal, tutela ou curatela ou a tiver a seu cargo. 2. Nos casos previstos na alínea b) do número anterior, pode o Ministério Público decidir-se pela suspensão provisória do processo, tendo em conta o interesse da vítima (...). 3. A duração da suspensão ...(...). 4. Sem prejuízo do dis(...) nos n°s. 2 e 3, e quando os crimes previstos no n° 1 forem praticados contra menor de 16 anos, pode o Ministério Público dar início ao procedimento se o interesse da vítima o impuser.”. (iii) Por sua vez a Lei n° 59/2007, de 4 de Setembro (que entrou em vigor em 15/09/07), começou por alterar o (anterior) art° 172° do C.Penal - intitulado abuso sexual de criança -, alterando a sua numeração do “art° 172°” para “171°”, passando o crime, em consequência, a ser p. e p. pelo art° 171°, do C.Penal. Alterou o art° 178°, do C.Penal, excluindo a necessidade de queixa para o procedimento criminal quanto ao crime de “abuso sexual de criança”, p.e p. (agora) no art° 171°, do C.Penal (anteriormente no 172°, do C.Penal, como dissemos). Mas alteração esta que, por sua vez, tem que ser articulada com a alteração que a Lei 59/07, de 4 de Setembro introduziu ao art° 118°, do C.Penal, nomeadamente o aditamento do “n° 5”, que diz que “…nos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores, o procedimento criminal não se extingue, por efeito de prescrição, antes de o ofendido perfazer 23 anos”. Do que antecede - e estamos a considerar os regimes sucessivamente em vigor tendo em atenção quer a data da prática do crime e a idade que o assistente (vítima) tinha à sua data, quer a data em que se iniciou o presente processo - , quer pela Lei 65/98, de 2 de Setembro, quer pela Lei n° 99/2001, de 25 de Agosto, em relação a situações que à partida estão dependentes de queixa, o Ministério Público tem legitimidade para o exercício da acção penal, se o crime tiver sido praticado “...contra menor de 16 anos...” e o interesse da vítima o impuser. O Tribunal não convoca, no entanto, a Lei 59/07 - e isto sob a perspectiva da análise dos regimes sucessivamente aplicáveis, art° 2°, n°4, do C.Penal e art° 29°, da C.R. Portuguesa -, pois o princípio constitucional da proibição da retroactividade da lei penal desfavorável e da obrigatoriedade da aplicação retroactiva da lei penal de conteúdo mais favorável ao arguido, vale para todas as normas penais, materiais e processuais. Quer dizer que este princípio se aplica não só às normas penais substantivas, mas também aquele núcleo de normas processuais penais (materiais) que afectam os interesses do arguido. E a alteração introduzida pela Lei n° 59/07, de 15 de Setembro, ao alterar a natureza do presente ilícito - passando-o de semi-público a público -, é objectivamente um regime mais desfavorável para o arguido que veio suscitar o incidente da ilegitimidade. Assim e prosseguindo, resulta - dos dois regimes que estamos a considerar - que no que se refere à categoria de crimes que estamos a tratar, quando tenham sido praticados contra menor de 16 anos, independentemente do exercício do direito de queixa por parte de quem, à partida, é titular desse direito, por razões de interesse público - relacionadas com o que é a tutela do bem jurídico protegido -, mas inerentes e subjacentes ao interesse da vítima, o Ministério Público tem legitimidade para desencadear e exercer a acção penal. Tem, contudo, é que justificar as razões de facto (objectivas) que levam à sua intervenção no interesse da vítima (cfr., neste sentido, Ac. do S.T.J., 9/04/2003, relatado pelo Sr. Conselheiro Borges de Pinho, P° 02P4628, in www.dgsi.pt, Ac. S.T.J., 22/10/03, relatado pelo Sr. Conselheiro Armindo Monteiro, P° 03P2852, in www.dgsi.pt, Ac.. Tribunal Constitucional n° 403/2007, P° 535/04, relatado pelo Sr. Conselheiro Mário Torres, in www.dgsi.pt, em que é referida a posição da Sra. Professora Maria João Antunes quanto a esta questão, e vista também não só sob a perspectiva da legitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal, independentemente de queixa, nestas situações, mas também sob a perspectiva da não admissibilidade da desistência de queixa, em função do especial interesse da vítima, quando o crime tenha sido praticado contra menor de 16 anos). No caso concreto, atenta a data que está descrita para a prática dos factos, a idade do assistente em relação ao qual está imputado o crime ao arguido e à data dessa prática - o assistente AN - (…), cfr. fls. 22 e 23, “Apenso CJ” -, era inferior a 16 anos. Acresce que a fls. 13.552 a 13.554, o Ministério Público, previamente à articulação dos factos que constituíram a Acusação, proferiu Despacho no qual ponderou o interesse da vítima e as razões objectivas que levavam à sua intervenção, ao abrigo do dis(...) no art° 178°, n° 4, do C.Penal (cfr. fls. 13.552 a 13.808, Despacho foi proferido em 29/12/2003). Invocam, em concreto, para fundamentar o interesse dos menores na intervenção do Ministério Público, a situação de institucionalização dos jovens, o quotidiano com deficit afectivo e oriundos de famílias disfuncionais, o dano psíquico que estes factos podem causar nos jovens, cuja reparação pode também passar pela punição do autor dos factos. Tendo em atenção a vivência do assistente que está agora em causa, o qual não sendo uma “criança da rua” estava institucionalizado na AX, familiarmente não tinha estrutura familiar pois estava sem contacto com os pais - cfr.” Apenso CJ” -, estando descrito o seu envolvimento nestes factos através de um funcionário da própria instituição, não tendo o Assistente, quando esteve perante o Tribunal, manifestado qualquer oposição a que este processo tivesse prosseguido - o que, caso tivesse acontecido, poderia ser um sinal para o Tribunal ter em atenção, quanto à avaliação objectiva do real interesse da vítima, no que se refere à existência desta acção e à decisão tomada pelo Ministério Público; notando-se que se constituiu mesmo como assistente -, consideramos objectivamente relevantes e suficientes, sob a perspectiva do interesse do assistente, tal como a lei o configura, as razões invocadas pelo Ministério Público a fls. 13.552 a 13.554, para a sua intervenção ao abrigo do dis(...) no art° 178°, n° 4, do C.Penal (cfr. fls. 13.552 a 13.808, Despacho foi proferido em 29/12/2003). 3. Em consequência e face ao ex(...), ao abrigo do dis(...) no art° 178°, n° 1 e 3 do C.Penal, na versão introduzida pela Lei n° 99/2001, de 25 de Agosto (sendo que, no segmento concreto, a versão introduzida pela Lei 65/98, de 2 de Setembro, não continha disposição que alterasse de forma substancial o que está em causa no caso concreto), o Tribunal julga improcedente a excepção de ilegitimidade deduzida pelo arguido E a fls. 23.230 a 23.239. II - Fls. 24.388 a 24.409 (concretamente fls. 24.392, Ponto 1.2.); fls. 24.125 a 24.131 - Arguido K: excepção de extinção do Direito de Queixa em relação ao Assistente AI: 1. A fls. 24.388 a 24.409, na sua contestação - concretamente a fls. 24.392, Ponto 1.2. - e a fls. 24.125 a 24.131, o arguido K arguiu a excepção da extinção do Direito de queixa, em relação as factos pelos quais está pronunciado relativamente ao assistente AI. Alegou, em síntese, que atenta a data em que o assistente nasceu – (…) - quando, durante as declarações que prestou, manifestou o desejo de procedimento criminal contra o arguido K, já “...tinha 16 anos, 7 meses e dois dias...” (pois fizera 16 anos no dia (…)). Assim - não invocando, no entanto, qualquer preceito legal -, conclui dizendo que “…o ofendido não exerceu tempestivamente o direito de queixa, pelo que o mesmo se extinguiu.”. 1.1. Face à forma como o arguido deduziu e fundamentou o incidente, afigura-se-nos que o arguido pretende que o Tribunal, face a um procedimento criminal que foi iniciado pelo Ministério Público, declare o mesmo extinto, por ilegitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal, por falta de um pressu(...), que é o exercício do direito de queixa pelo ofendido. 2. No despacho de fls. 22.525 a 22.556, concretamente a fls. 22.547, “Ponto III”, o Tribunal proferiu uma decisão genérica de legitimidade do Ministério Público, ao abrigo do dis(...) no art° 311°, n° 1, do C.P.Penal, decisão em relação à qual o arguido, a fls. 22.850 e segs., interpôs recurso (cfr., tb, Despacho de fls. 24.317, ponto IV). Por força do Acordão n° 2/95, de 16/05, do S.T.J. - publicado no D.R. 135/95, Série 1-A -, a decisão genérica proferida pelo Tribunal, ao abrigo do art° 311°, n° 1, do C.P.Penal, não tem o valor de caso julgado formal, podendo até à decisão final o Tribunal tomar decisão quanto a tal questão, o que passo a fazer. 3. No capítulo 4.4.2., do Despacho de Pronúncia, está imputado ao arguido K a prática de 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art°. 172°. n° 1 e 2, do Código Penal, ocorrido em “... data em concreto não determinada, mas situada entre os meses de Outubro e Novembro de 1999...”, tendo o assistente AI 13 anos de idade. 3.1. Os presentes autos - a investigação que deu origem à Acusação e posteriormente Despacho de Pronúncia, pelo qual o arguido está em julgamento - tiveram origem numa informação que foi feita pela Polícia Judiciária em 25/11/2002 (cfr. fls. 2). A fls. 46, por despacho datado de 29/11/2002, dá-se a intervenção do Ministério Público, com a promoção do procedimento criminal e abertura de inquérito, sendo que no Despacho de fls. 48, datado de 29/11/2002, é referido estar em causa a investigação de factos susceptíveis de integrar a prática de crimes de abuso sexual de criança, p. e p. no art° 172°, do C.Penal (cfr. art°s. 241°, 242°, 49°, n° 2 do C.P.Penal e art° 172°, do C.Penal, na versão em vigor à data do Despacho). Vejamos então qual a legislação aplicável ao caso concreto. 3.2. Com as alterações introduzidas pelo Decreto Lei n° 48/95, de 1 5 de Março, ao Código Penal (que entraram em vigor em 1/10/95), dentro do “Título I”, da Parte Especial, foi criado um novo “Capitulo V”, englobando os “Crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual”. Este capítulo passou a ser constituído pelos artigos 163° a 179°, do C.Penal, dispondo o art° 178°, nos seus n°s. 1 e 2, quanto à “Queixa”, que: “...1. O procedimento criminal pelos crimes previstos nos art°s 163° a 165°, 167°, 168° e 171° a 175°, depende de queixa, salvo quando de qualquer deles resultar suicídio ou morte da vítima. 2. Nos casos previstos no número anterior, quando a vítima for menor de 12 anos, pode o Ministério Público dar início ao processo se especiais razões de interesse público o impuserem.”. A Lei 65/98, de 2 de Setembro (que entrou em vigor em 7/09/98), alterou a redacção do n° 2, deste art° 178°, passando a dizer: “…2. Nos casos previstos no número anterior, quando o crime for praticado contra menor de 16 anos, pode o Ministério Público dar início ao procedimento se o interesse da vítima o impuser.”. A Lei n° 99/2001, de 25 de Agosto (que entrou em vigor em 30/08/01), alterou o art° 178°, do C.Penal, passando a ter a seguinte redacção: “1. O procedimento criminal pelos crimes previstos nos art°s. 163 a 165°, 167°, 168° e 171° a 175° depende de queixa, salvo nos seguintes casos: b) Quando de qualquer deles resultar suicídio ou morte da vítima; b) Quando o crime for praticado contra menor de 14 anos e o agente tenha legitimidade para requerer procedimento criminal, por exercer sobre a vítima poder paternal, tutela ou curatela ou a tiver a seu cargo. 2. Nos casos previstos na alínea b) do número anterior, pode o Ministério Público decidir-se pela suspensão provisória do processo, tendo em conta o interesse da vítima (...). 3. A duração da suspensão …(...). 4. Sem prejuízo do dis(...) nos n°s. 2 e 3, e quando os crimes previstos no n° 1 forem praticados contra menor de 16 anos, pode o Ministério Público dar início ao procedimento se o interesse da vítima o impuser.”. Por sua vez a Lei n° 59/2007, de 4 de Setembro (que entrou em vigor em 15/09/07), começou por alterar o (anterior) art° 172° do C.Penal - intitulado abuso sexual de criança -, alterando a sua numeração do “art° 172°” para “171°”, passando o crime, em consequência, a ser p. e p. pelo art° 171°, do C.Penal. Alterou o art° 178°, do C.Penal, excluindo a necessidade de queixa para o procedimento criminal quanto ao crime de “abuso sexual de criança”, p.e p. (agora) no art° 171°, do C.Penal (anteriormente no 172°, do C.Penal, como dissemos). Mas alteração esta que, por sua vez, tem que ser articulada com a alteração que a Lei 59/07, de 4 de Setembro introduziu ao art° 118°, do C.Penal, nomeadamente o aditamento do “n° 5”, que diz que “…nos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores, o procedimento criminal não se extingue, por efeito de prescrição, antes de o ofendido perfazer 23 anos”. Do que antecede - e estamos a considerar os regimes sucessivamente em vigor tendo em atenção quer a data da prática do crime e a idade que o assistente (vítima) tinha à sua data, quer a data em que se iniciou o presente processo - , quer pela Lei 65/98, de 2 de Setembro, quer pela Lei n° 99/2001, de 25 de Agosto, em relação a situações que à partida estão dependentes de queixa, o Ministério Público tem legitimidade para o exercício da acção penal, se o crime tiver sido praticado “...contra menor de 16 anos...” e o interesse da vítima o impuser. O Tribunal não convoca, no entanto, a Lei 59/07 - e isto sob a perspectiva da análise dos regimes sucessivamente aplicáveis, art° 2°, n°4, do C.Penal e art° 29°, da C.R. Portuguesa -, pois o princípio constitucional da proibição da retroactividade da lei penal desfavorável e da obrigatoriedade da aplicação retroactiva da lei penal de conteúdo mais favorável ao arguido, vale para todas as normas penais, materiais e processuais. Quer dizer que este princípio se aplica não só às normas penais substantivas, mas também aquele núcleo de normas processuais penais (materiais) que afectam os interesses do arguido. E a alteração introduzida pela Lei n° 59/07, de 15 de Setembro, ao alterar a natureza do presente ilícito - passando-o de semi-público a público -, é objectivamente um regime mais desfavorável para o arguido que veio suscitar o incidente da ilegitimidade. 3.3. Assim e prosseguindo, resulta - dos dois regimes que estamos a considerar - que no que se refere à categoria de crimes que estamos a tratar, quando tenham sido praticados contra menor de 16 anos, independentemente do exercício do direito de queixa por parte de quem, à partida, é titular desse direito, por razões de interesse público - relacionadas com o que é a tutela do bem jurídico protegido -, mas inerentes e subjacentes ao interesse da vítima, o Ministério Público tem legitimidade para desencadear e exercer a acção penal. Tem, contudo, é que justificar as razões de facto (objectivas) que levam à sua intervenção no interesse da vítima (cfr., neste sentido, Ac. do S.T.J., 9/04/2003, relatado pelo Sr. Conselheiro Borges de Pinho, P° 02P4628, in www.dgsi.pt, Ac. S.T.J., 22/10/03, relatado pelo Sr. Conselheiro Armindo Monteiro, P° 03P2852, in wvvw.dgsi.pt, Ac. Tribunal Constitucional n° 403/2007, P° 535/04, relatado pelo Sr. Conselheiro Mário Torres, in www.dgsi.pt, em que é referida a posição da Sra. Professora Maria João Antunes quanto a esta questão, e vista também não só sob a perspectiva da legitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal, independentemente de queixa, nestas situações, mas também sob a perspectiva da não admissibilidade da desistência de queixa, em função do especial interesse da vítima, quando o crime tenha sido praticado contra menor de 16 anos). No caso concreto, atenta a data que está descrita para a prática dos factos, a idade do assistente em relação ao qual está imputado o crime ao arguido e à data dessa prática - o assistente AI - (…) , cfr. fls. 34, “Apenso DD” -, era inferior a 16 anos. Acresce que a fls. 13.552 a 13.554, o Ministério Público, previamente à articulação dos factos que constituíram a Acusação, proferiu Despacho no qual ponderou o interesse da vítima e as razões objectivas que levavam à sua intervenção, ao abrigo do dis(...) no art° 178°, n° 4, do C.Penal (cfr. fls. 13.552 a 13.808, Despacho foi proferido em 29/12/2003). Invocam, em concreto, para fundamentar o interesse dos menores na intervenção do Ministério Público, a situação de institucionalização dos jovens, o quotidiano com deficit afectivo e oriundos de famílias disfuncionais, o dano psíquico que estes factos podem causar nos jovens, cuja reparação pode também passar pela punição do autor dos factos. Tendo em atenção a vivência do assistente que está agora em causa, o qual não sendo uma “criança da rua” estava institucionalizado na AX, familiarmente, apesar de ter contactos com uma “família de acolhimento”, era um jovem que manifestava sofrimento pela ausência de contacto com os pais biológicos, tinha acompanhamento pedopsiquiátrico regular e sujeito a medicação com antidepressivos - cfr. “Apenso DD” e Apenso Z-15, 1° volume, fls. 174 a 487 -, estando descrito o seu envolvimento nestes factos através de um funcionário da própria instituição, não tendo o Assistente, quando esteve perante o Tribunal, manifestado qualquer oposição a que este processo tivesse prosseguido - o que, caso tivesse acontecido, poderia ser um sinal para o Tribunal ter em atenção, quanto à avaliação objectiva do real interesse da vítima, no que se refere à existência desta acção e à decisão tomada pelo Ministério Público; notando-se que se constituiu mesmo como assistente -, consideramos objectivamente relevantes e suficientes, sob a perspectiva do interesse do assistente, tal como a lei o configura, as razões invocadas pelo Ministério Público a fls. 13.552 a 13.554, para a sua intervenção ao abrigo do dis(...) no art° 178°, n° 4, do C.Penal (cfr. fls. 13.552 a 13.808, Despacho foi proferido em 29/12/2003). 4. Em consequência e face ao ex(...), ao abrigo do dis(...) no art° 178°, n° 1 e 3 do C.Penal, na versão introduzida pela Lei n° 99/2001, de 25 de Agosto (sendo que, no segmento concreto, a versão introduzida pela Lei 65/98, de 2 de Setembro, não continha disposição que alterasse de forma substancial o que está em causa no caso concreto), o Tribunal julga improcedente a excepção de ilegitimidade deduzida pelo arguido K a fls. 24.388 a 24.409 (concretamente fls. 24.392, Ponto 1.2.) e a fls. 24.125 a 24.131.” O interesse da consideração aqui deste despacho é, precisamente, o de constatarmos que, ainda que em fases processuais distintas do processo – em sede de instrução e no acórdão final – o entendimento do Tribunal recorrido sempre foi o mesmo, designadamente considerando a existência da legitimidade do Ministério Público que os arguidos põem em causa. Ambos os despachos estão profundamente fundamentados, à semelhança, aliás, do que acontece com a resposta do Ministério Público, pelo que nos dispensamos aqui de reproduzir toda a evolução legislativa nesta matéria ao nível dos preceitos legais aplicáveis, bem como os motivos porque se defendem as posições expressas em tais peças processuais. O que foi dito foi-o com pertinência, adequação e de forma exaustiva, não se justificando uma repetição do muito que já foi afirmado. Seguiremos, então, o procedimento de analisar os fundamentos dos recursos interlocutórios dos arguidos C e H, de molde a verificar se de algum modo põem em crise o decidido. O arguido H, basicamente, invoca que o Tribunal faz uma aplicação analógica da norma constante do art. 115.º do CP, no que respeita ao prazo ali previsto para o exercício do direito de queixa, com o sentido normativo segundo o qual o terminus a quo da contagem daquele prazo será o da data em que as vítimas adquirem capacidade de exercício do direito de queixa, ou seja, na data em que completem 16 anos, independentemente do momento em que tenham tomado conhecimento do facto e da identidade dos seus autores. Com o devido respeito, trata-se de uma conclusão que o arguido retira, desconsiderando por completo o complexo das normas penais e processuais penais que aqui têm que ser chamadas à colação, como bem se constata nas decisões recorridas e na resposta do Ministério Público. O que o Tribunal recorrido fez não foi qualquer interpretação analógica do citado normativo do art. 115.º, n.º 1, do CP, mas antes a interpretação conjugada das normas aplicáveis e que aponta para a resposta que foi encontrada, como, aliás, a nossa jurisprudência tem entendido (vejam-se, a esse propósito, os acórdãos citados quer pelo Ministério Público na sua resposta, quer os que são invocados pelo Tribunal recorrido no despacho proferido no acórdão final). Como facilmente se constata, os arguidos não indicam uma única decisão de um Tribunal Superior que suporte as conclusões por si defendidas. Voltando ao arguido H, reitera-se que não se verifica qualquer interpretação analógica de uma norma penal, mas sim a interpretação conjugada das várias normas jurídicas aplicáveis, encontrando-se o único sentido útil e justo para situações como as que aqui se colocam, como é dever do Tribunal – interpretar as normas legais reconstituindo a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, sendo que na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas (art. 9.º do CC). E foi isso mesmo que o Tribunal a quo fez. Seguindo, de forma singela mas bem explícita, o que consta do Acórdão do TRP de 15-04-2009, consultado em “wvvw.dgsi.pt” e já citado: “A única interpretação coerente das regras legais aplicáveis é a que permite ao menor de 16 anos apresentar queixa nos 6 meses seguintes à aquisição do respectivo direito, ou seja, o direito de queixa só se extingue 6 meses depois de o menor atingir 16 anos. De outro modo, o direito de queixa extinguir-se-ia sem que pudesse ter sido exercido, o que seria manifestamente absurdo: os pais da menor não o puderam exercer, pois quando tiveram conhecimento dos factos já não eram titulares desse direito; por seu turno, a menor só adquiriu o direito de queixa depois de já terem passado seis meses sobre o seu conhecimento dos factos. O artigo 115°, 1, do C. Penal, na redacção aplicável (pois a nova redacção do art. 113°, 6 do CP é clara nesse ponto, ao referir que «… o Ofendido pode exercer aquele direito a partir da data em que perfizer 16 anos”), deve ser interpretado no sentido de não ser possível a extinção do direito de queixa antes de decorrido o prazo de seis meses a contar da possibilidade do seu exercício. Por isso, nos casos em que o Ofendido seja menor de 16 anos, o direito de queixa só se extingue seis meses depois do conhecimento dos factos pelos legais representantes do menor, ou seis meses depois de o menor perfazer 16 anos, pois só nessa altura adquire ele próprio o direito de queixa.”. Como se vê, não se trata de aplicar analogicamente qualquer norma, mas sim de interpretar da forma mais lógica e coerente o pensamento do legislador, expresso na conjugação das normas jurídicas aplicadas. Ao que acresce que a solução defendida pelo Tribunal recorrido e pela jurisprudência vai até de encontro às alterações legislativas entretanto ocorridas, não se encontrando melhor sinal de que a interpretação feita é a mais correcta. Disse a esse propósito o Ministério Público, numa clara interpretação das normas da forma imposta por lei: “O que decorre, inexoravelmente, é que, nos casos da previsão do art° 178° n° 2, pretendeu-se consagrar que o M° P° não tem que esperar que quem de direito apresente queixa para, nesses casos, dar início ao procedimento, assim se prevenindo os inconvenientes que da tardia reacção do representante do menor, titular do direito de queixa, poderia advir para o bom êxito do procedimento que depois se quisesse instaurar, frustrando o interesse da vítima menor. Mas, tal não implicou que se tivesse querido preterir a possibilidade de a vítima decidir o interesse para si relevante. Deverá, assim, entender-se, que cessa o pressu(...) de legitimidade de intervenção do M° P° logo que a vítima possa, nos termos da lei, exercer o direito de queixa, ou se se preferir, a vítima possa decidir qual é, para si, o interesse relevante, se a perseguição penal se a não intervenção. Em consequência, pode afirmar-se que, completando a vítima 16 anos, perde razão de ser a intervenção do M° P° a que se reporta o art° 178° n° 2, a menos que o Ofendido não possua o discernimento para entender o alcance e significado do exercício do direito de queixa. É a disciplina que decorre do cotejo do citado normativo com o art° 113°, n° 3, do CP. Este entendimento resulta acentuado com a redacção de então do art° 178°, n° 2, do CP (redacção da Lei 99/2001), que expressamente aludia ao “interesse da vítima”. Com efeito, ao fazer depender o procedimento criminal de queixa nos casos a que se reporta o art° 178°, n° 1, do CP, o legislador concedeu uma especial protecção aos interesses daquela pessoa que, em concreto, é alvo da conduta típica, assim se justificando que só ela disponha de legitimidade para apresentar queixa. E porque assim é, o art° 178°, n° 2, do CPP, surge como uma forma de evitar a desprotecção do menor de 16 anos — e por isso, incapaz para exercer directamente o direito de queixa (art° 113°, n° 3, daquele diploma) — naqueles casos em que o titular do direito de queixa a não apresenta, quando o interesse da vítima assim o impunha. A ratio legislativa situa-se em termos de combater e evitar os casos de impunidade resultantes da circunstância da vítima não ter, ainda, capacidade para o exercício do direito de queixa e de o titular desta a não apresentar - veja-se, neste sentido, Maria João Antunes, in “Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, Ano 9, fasc.° 2°, pág. 328. Nesta linha de entendimento, a intervenção do M° P° a que se reporta o art° 178°, n° 2, do CP deve, necessariamente, ter-se por subsidiária e porque subsidiária, cessa quando passe a inexistir razão que sob o ponto de vista finalístico a fundamente, ou seja, quando a vítima complete 16 anos e passe a dispor de capacidade para o exercício do direito de queixa. Em suma, o preceito penal mencionado exige uma leitura conjugada do art° 178°, n° 1, 1ª parte, e do art° 113°, n°s 3 e 6, ambos do CP, dela resultando que: a) o art° 178°, n° 2, constitui um dos casos a que se refere o art° 113°, n° 6, do CP; b) quando se trate de procedimento por um dos crimes a que se reporta a 1ª parte do art° 178°, n° 1, do CP, e a vítima for menor de 16 anos, o M° P° pode, em face da inércia ou desconhecimento das pessoas a quem cumpre o exercício do direito de queixa, e se tal corresponder ao interesse da vítima, dar início ao procedimento criminal; c) a capacidade para o exercício do direito da vítima faz cessar qualquer possibilidade de intervenção do M° P° nos moldes consagrados no art° 178°, n°2, do CP. Assim sendo, consagrando a lei a possibilidade de o Ofendido apresentar queixa a partir da altura em que completa 16 anos - e depois disso não podendo o mesmo ser exercido por mais ninguém (art° 113°, n°5, 3 e 6 e 178°, n° 4, do C.P.) - tem de se concluir que o mesmo disporá do prazo geral de 6 meses para a apresentar, sob pena de se esvaziar de conteúdo tal possibilidade”. Não colhendo este único fundamento que consta da motivação de recurso do arguido H – para além da inconstitucionalidade que abaixo se apreciará – temos que concluir que improcede a caducidade do direito de queixa por si invocada. Quanto ao que em relação ao arguido H interessa, o ofendido AI nasceu a (…) e apresentou queixa no dia 25 de Março de 2003, conforme auto de fls. 2.973 a 2.976, isto é, dentro prazo legal de 6 meses contados a partir da data em que perfez 16 anos. Por seu turno, o ofendido AT nasceu a (…) e exerceu o direito de queixa a 16 de Janeiro de 2003 - conforme auto de fls. 564 a 571 -, isto é, dentro do prazo legal de 6 meses contados a partir da data em que perfez 16 anos. Consequentemente, ambos os ofendidos exerceram tempestivamente o direito de queixa, legitimando o Ministério Público para exercer a acção penal, ao abrigo do dis(...) nos arts. 49.º e 50.º do CPP. O fundamento do recurso do arguido H não tem, pois, pertinência para pôr em causa o decidido pelo Tribunal a quo. Já no caso do recurso do arguido C, acrescem os fundamentos de discordância invocados. Começa o arguido por invocar que a data da instauração do presente processo não deve ser aquela que foi considerada no despacho recorrido, mas sim uma outra. Contudo, tal questão apenas assume relevância porquanto um dos menores, designadamente o identificado a fls. 561 dos autos, perfez os 16 anos em (…). Logo, seria relevante saber se a instauração do processo ocorreu a 25-11-2002 (como defende o Tribunal a quo) ou a 29-11-2002 (como defende o arguido), para se aferir se a queixa que apresentou o foi ou não dentro do prazo de 6 meses previsto na lei para o efeito. Mas como já foi salientado, quanto ao arguido C, a questão da legitimidade do Ministério Público coloca-se, neste momento, apenas no que se refere ao menor AI. Em relação a este menor, deixa de ter qualquer interesse a posição que se possa assumir quanto à data da instauração do processo, tratando-se de matéria abrangida pela inutilidade superveniente parcial do recurso. Não deixa, porém, de se afirmar a irrelevância da afirmação que o recorrente faz quando diz que à data da instauração do presente processo, todos os su(...)s ofendidos a que aludiu haviam já completado 16 anos de idade, pois aquilo que interessa nos autos – de acordo com a posição do Tribunal recorrido que perfilhamos – é saber se após completarem os 16 anos de idade apresentaram queixa no prazo de 6 meses. Prossegue o arguido defendendo que os ofendidos a que se reportou tinham completado 16 anos à data da instauração do presente processo, o que levaria a concluir pela ilegitimidade do MP para o exercício da acção penal no caso dos crimes de abuso sexual de crianças de que o arguido vem acusado. Assim não se entendendo, estariam violados os arts. 113.º, n.º 6, e 178.º, n.º 4, do CP, bem como os arts. 48.º e 49.º do CPP. A este propósito, refere Paulo Pinto de Albuquerque:“O MP pode dar início ao procedimento criminal sempre que o interesse do ofendido o aconselhar e o direito de queixa não puder ser exercido porque a sua titularidade caberia apenas ao agente do crime. A Lei n.º 59/2007, de 4.9, substituiu a anterior ponderação das “especiais razões de interesse público” pela consideração do “interesse do ofendido”. O juízo do Ministério Público não é sindicável pelo juiz, nem antes do recebimento da acusação, nem no momento da prolação do despacho de recebimento da acusação, nem em momento posterior” (Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª edição, Universidade Católica Portuguesa, pág. 366). Parece, pois, que o juízo do Ministério Público não é sindicável pelo Tribunal, embora essa posição não seja unânime na nossa doutrina e jurisprudência. Mas sendo ou não sindicável, o que é certo é que no caso dos autos, como bem salienta o Ministério Público, era inteiramente justificada a sua intervenção. Os menores que foram vítimas no processo eram crianças desprovidas de meio familiar normal, estavam confiados a uma Instituição de protecção e assistência e foram abusados por isso. Os menores identificados nos autos não tinham qualquer contacto regular com a sua família e o organismo público a que se encontravam confiados não conseguiu protegê-los eficazmente, conforme aliás decorre do modo de vida a que se vinham dedicando. Conclui-se, pois, que está amplamente justificada a existência do interesse especial destas vítimas que legitimou a intervenção processual do Ministério Público. Mas entende-se que o arguido quer ir mais longe. Ao afirmar que todos os ofendidos tinham completado 16 anos à data em que foi instaurado o processo, parece querer dizer que poderiam eles ter formalizado a queixa, sendo, pois, ilegítima a intervenção do Ministério Público. Não podemos concordar com tal afirmação. Os ofendidos poderiam até ter todos perfeito os 16 anos, mas estava em curso o prazo de 6 meses para apresentarem a respectiva queixa. Se o Ministério Público, que é o titular da acção penal, durante esse período, vê necessidade de desencadear o procedimento criminal, o que foi devidamente justificado, deve fazê-lo. Os ofendidos têm um período para apresentar queixa, precisamente para reflectirem se o desejam fazer e não podem ser privados desse prazo para reflexão. Havendo necessidade de dar início às diligências investigatórias – o que só ao Ministério Público compete decidir – aquele deve fazê-lo, sempre que o interesse dos menores o justifique, até porque desconhece qual a posição que os mesmos vão assumir de futuro e não poderá deixar de tutelar os interesses que a lei lhe confiou. Não se verifica, pois, a procedência desta argumentação do arguido C. Mas este arguido prossegue imputando falhas às queixas que os menores acabaram por formalizar. Relembramos que, nesta fase, apenas o menor AI está em causa, motivo pelo qual só à sua situação nos referiremos. O ofendido AI referiu, a fls. 2.973, que pretendia procedimento criminal contra “todos e quaisquer homens que de si tenham abusado sexualmente, incluindo-se até alguns dos quais se possa vir a recordar com mais pormenor”. O próprio arguido salienta que este ofendido vem a referir-se expressamente ao recorrente como seu alegado abusador e que a declaração que fez equivale ao exercício do direito de queixa. Daqui resulta, portanto, que também esta questão se mostra prejudicada, por já só estarmos a tratar da situação do menor AI. Defende o recorrente que não podem entender-se como exercício do direito de queixa contra si, declarações em que o arguido não é referido expressamente. Não é, nem tinha que ser, afirmamos nós. Com efeito, nenhuma norma impõe que o seja. Conforme refere o Ac. do Tribunal da Relação de (…) de 06-06-2002, in CJ, XXVII, tomo 3, pág. 135, a queixa vale mesmo contra pessoas não nomeadas. O que releva é a manifestação do desejo de procedimento criminal, podendo ou não o queixoso ser capaz de identificar desde logo o arguido. De todo o modo, como se disse já, a questão quanto ao arguido AI está ultrapassada, mas sempre faleceria a argumentação que o arguido expendeu a esse propósito. Finalmente, argumenta o arguido, no mesmo sentido que já o fez o arguido H, que o Tribunal a quo procedeu à integração de uma lacuna da lei penal, aplicando analogicamente a norma constante do art. 115.º, n.º 1, do CP, no que respeita ao prazo ali previsto para o exercício do direito de queixa, a situações como a dos presentes autos, com o sentido normativo segundo o qual o terminus a quo da contagem daquele prazo seria o da data em que as vítimas adquirem capacidade de exercício do direito de queixa, ou seja, a data em que completem 16 anos, independentemente do momento em que tenham tomado conhecimento do facto e da identidade dos seus autores. Já acima se disse, a respeito da fundamentação do recurso do arguido H, porque motivo não procede semelhante argumentação, pelo que damos aqui por reproduzido o que aí se deixou dito. No mais, ambos os arguidos vêm invocar a inconstitucionalidade da interpretação feita pelo Tribunal recorrido quanto à contagem do prazo para o exercício do direito de queixa por parte dos ofendidos e consequente legitimidade do Ministério Público para exercer a acção penal, por violação do princípio da legalidade, previsto no art. 1.º, n.º 3, do CP, e no art. 29.º, n.º 1, da CRP. É óbvio que ocorrendo aplicação analógica de uma norma processual penal, que conduziria ao alargamento, não contemplado na lei, do prazo do exercício do direito de queixa, se estaria a violar o princípio da legalidade. No entanto, mais uma vez teremos que o afirmar, não foi essa a actuação do Tribunal a quo. O Tribunal não aplicou analogicamente qualquer norma, antes tendo aplicado, em conjugação, as normas jurídicas que no caso vertente se aplicam, interpretando-as de acordo com o espírito da lei. Não se consegue, pois, descortinar qualquer inconstitucionalidade da interpretação normativa feita no despacho recorrido, por alegada violação do art. 29.º, n.º 1, da CRP. Em conclusão, improcedem na totalidade os recursos interlocutórios supra mencionados, apresentados pelos arguidos H e C, reiterando que se adere por completo à profunda fundamentação do despacho recorrido e resposta do Ministério Público. 5. Recurso inter(...) pelo arguido A do despacho de fls. 22827 a 22828, proferido em 15/10/2004, que limitou perícia requerida pelo arguido No âmbito do processo apensado aos presentes autos (3137/01.5JDLSB), o arguido A, durante a realização da audiência de julgamento (sessão ocorrida no dia 28 de Outubro de 2003), e na sequência de anterior determinação da realização de relatório social, requereu que fosse ordenada a realização de perícia à sua pessoa, nos termos do art. 160.º, n.º 2, do CPP, englobando especialistas em criminologia, em psicologia, em sociologia e em psiquiatria, na medida em que entendia que todas essas valências são fundamentais para que com todo o rigor fosse elaborada uma perícia que permitisse compreender a personalidade do arguido, os efeitos dessa personalidade, quanto a perigosidade, bem como o enquadramento do foro sociológico-psiquiátrico do mesmo. O Tribunal a quo, após audição do Ministério Público, proferiu despacho a determinar a realização de perícia sobre a personalidade do arguido A, englobando todos os aspectos referidos no art. 160.º, n.º 1, do CPP – características psíquicas independentes de causas patológicas, bem como grau de socialização –, com recurso a especialistas em criminologia, psicologia, sociologia ou psiquiatria, consoante tal se revelasse necessário ao perito a quem couber a efectivação da perícia (cfr. fs. 22827 a 22828 dos autos). Inconformado com aquele despacho, dele recorreu o arguido A, extraindo da respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões: “1 – O recorrente no dia do julgamento e depois de se ver confrontado com uma perícia sobre a personalidade mandada elaborar nos termos do artº 370º do CPP, antes da produção de qualquer prova em julgamento; 2 – Pelo que requereu que fosse julgada sem efeito e mandado fazer perícia com intervenção de peritos em criminologia, em psicologia, em sociologia ou em psiquiatria; 3 – De forma ao pleno conhecimento do enquadramento do foro sociológico-psiquiátrico do cidadão A; 4 – Ora, o despacho recorrido é ilegal, por violar o dis(...) no artº 159º e 160º do CPP; 5 – Mais até, o tribunal recorrido em vez de deferir ou não deferir, determinou que a perícia seria feita por perito singular, do IML, a quem deixou ao seu critério ser a perícia feita ou não por peritos em criminologia, psicologia, sociologia ou psiquiatria; 6 – Quanto à perícia sobre o foro psiquiátrico, igualmente o tribunal deixa nas mãos do perito do IML ter a perícia essa vertente ou não; 7 – Ora, mesmo o IML de Lisboa não deve fazer a perícia, porque todas as perícias sobre as “vítimas” foram feitas no IML de Lisboa, estando assim os seus técnicos ao corrente do que elas disseram; 8 – O arguido tem o direito de se defender, com a amplitude que entende necessária, devendo o Estado assegurar-lhe essa defesa, mesmo quanto a perícias, como a que o recorrente requereu; 9 – Recorrente que não tem meios económicos para pagar a peritos e encomendar perícias como as juntas aos autos por outros arguidos, e que seguramente custam muitos milhares de euros; 10 – O despacho recorrido deve ser revogado e substituído por outro que, mande fazer a perícia multidisciplinar, como ele requereu; 11 – O despacho recorrido viola o dis(...) nos artºs 159º, 160º do CPP e artº 32º nº 1 e 5 da CRP. 12 – Normas que interpretou no sentido de decidir como decidiu quando as deveria ter interpretado no sentido de ser o tribunal a decidir se é de fazer ou não a perícia e com a extensão que foi requerida, quando se sabe que a “pedofilia” é uma doença, como está classificada, sendo ainda certo que o arguido já revelou nos autos que foi abusado desde os 4/5 anos e a AX era a casa dos horrores, há dezenas de anos. NESTES TERMOS, deve ser dado provimento ao presente recurso, devendo ser revogado o despacho recorrido e mandado ser revogado o despacho recorrido e mandada fazer a perícia multidisciplinar como requerida.” O Magistrado do Ministério Público na 1ª instância não apresentou resposta ao recurso. O recurso foi admitido por despacho de fls. 24323 dos autos. Não obstante, compulsados os autos, constata-se que a fls. 28255 (requerimento que deu entrada via fax e cujo original se encontra a fls. 28506) o arguido/recorrente A veio desistir do recurso assim inter(...), por o mesmo haver perdido utilidade. Na 1.ª instância não foi proferido despacho relativamente a esse requerimento, pelo que se impõe tomar posição sobre o mesmo nesta fase processual. De acordo com o dis(...) no art. 415.º n.º 1 do CPP, “o Ministério Público, o arguido, o assistente e as partes civis podem desistir do recurso inter(...), até ao momento de o processo ser concluso ao relator para exame preliminar.” Nos termos do nº 2 do mesmo normativo, “a desistência faz-se por requerimento ou por termo no processo e é verificada por despacho do relator.” Ora, no caso vertente, o recorrente desistiu, por requerimento, do recurso supra, ainda na 1.ª instância, não obstante só agora estejamos a pronunciar-nos sobre essa desistência. Assim, sendo tempestiva, legalmente admissível e provindo de sujeito processual com legitimidade para o efeito, homologa-se a desistência do recurso apresentada pelo arguido A a fls. 28255, declarando, em consequência, extinta a instância recursória por aquele iniciada e relativa ao recurso inter(...) do despacho proferido a fls. 22827 a 22828 dos autos. 6. Recurso inter(...) pelos arguidos H, C e K do despacho de fls. 25475 a 25488, proferido em 13/12/2004, que validou os actos jurisdicionais praticados pelo JIC do (…) do Tribunal de Instrução Criminal Na sessão da audiência de discussão e julgamento que teve lugar no dia 13-12-2004 (cf. fls. 25475 a 25488 do Vol. 109.º), na sequência do acórdão datado de 17-03-2004, proferido pelo Tribunal da Relação de (…) (cf. Proc. apenso n.º 1967/04 - 3.ª, fls. 56 a 75), o Tribunal recorrido proferiu o seguinte despacho (transcrição): “II - Do cumprimento do Acordão da Relação de (…) de 17/3/2004, proferido pela 3° Secção (Penal) do tribunal da Relação de (…), pº nº 1967/04 - 3. 1. A fls. 15.239 destes autos o arguido E interpôs recurso do despacho de fls. 270, proferido pelo M° Juiz de direito do (…) Juízo A, do TIC de Lisboa, na sequência da distribuição que foi feita a esse juízo dos presentes autos, despacho este com o seguinte teor: “Tendo em conta que o presente processo já foi despachado pelo meu Exmo. Colega do (…) Juízo deste T.I.C, (...) proceda-se ao averbamento dos presentes autos a esse juízo, dando-se a competente baixa da distribuição do processo no (…) juízo - A.”. Alegou o Recorrente, em síntese das doutas alegações então apresentadas, que o despacho em causa traduziu-se num desaforamento discricionário do processo e ilícito, feito com violação de lei expressa, ordinária e constitucional, consubstanciando uma nulidade insanável do processo. Tal nulidade, face ao teor (entre os demais preceitos expressamente referidos pelo arguido/recorrente) dos art°s. 209° e segs. do C.P.Civil, 32°, n° 9, da C.R.P. e art°s. 119°, al. e) e 122°, n° 1 e 2, do C.P.P., importava, no entendimento do Recorrente, a nulidade de todos os actos processuais praticados pelo Senhor Juiz do (…) J.l.C., o que devia ser declarado, com todas as consequências legais em termos do inquérito, quer relativamente aos actos jurisdicionais praticados no decurso do inquérito, quer em relação à própria acusação. 1.1. O Tribunal da Relação de (…), em acordão proferido no dia 17/3/2004 ( p° n° 1967/04-3 da (…) Secção), que se encontra apenso aos presentes autos, decidiu, em síntese, o seguinte: 1°. O despacho recorrido não violou o princípio constitucional do Juiz Natural, pois - e após as considerações de natureza Doutrinária e Jurisprudêncial que são feitas no acordão - face ao dis(...) nos art°s. 17° e 19°, n° 1, do C.P.P. e art° 79°, da LOFTJ, o Tribunal territorial e materialmente competente (na fase processual do Inquérito, em que o despacho recorrido foi proferido) era o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa. Acresce que o Juiz de Instrução era também o Juiz funcionalmente competente para exercer as funções jurisdicionais na fase do Inquérito, incluindo ordenar ou autorizar buscas, nos ternos do dis(...) nos art°s. 219°, da C.R.P., 1° a 3°, da Lei 60/98, de 27/8, 48°, do C.P.P., 79°, n°1 e 80°, da LOFTJ, 174°, n° 3 e 269°, n° 1, al. a), do C.P.P.. 2°. No entanto o Sr. Juiz do (…) Juízo - A do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa não tinha competência em matéria de distribuição, pelo que o despacho de fls. 270, dando sem efeito a correcta distribuição levada a efeito e atribuindo-a ao Sr. Juiz do (…) Juízo do T.I.C., padece de dois vícios de natureza processual: a) “falta de distribuição”, consubstanciando tal despacho a prática de um acto nulo, nos termos dos arts° 4°, do C.P.Penal e 210°, n° 1 e 220°, do C.P.Civil.; b) incompetência do tipo funcional - mas não processualmente autonomizada, uma vez que está integrada na competência material dos Tribunais, isto é, a distribuição da competência entre Tribunais do mesmo grau, nas diferentes fases do processo - do Senhor Juiz do (…) Juízo - A, do T.I.C., para proferir o despacho de fls. 270 a alterar a distribuição anteriormente feita, por força do dis(...) no art° 72°, n° 1, da LOFTJ, o que consubstancia uma nulidade insanável, nos termos do dis(...) no art° 119°, al. e), do C. P. Penal. Pelos fundamentos que antecedem o Tribunal da Relação de (…) concluiu pela declaração de nulidade do despacho de fls. 270. 3°. Quanto às consequências da declaração de nulidade do despacho de fls. 270, o Tribunal da Relação de (…) decidiu que havia que atender ao dis(...) no art° 122°, do C.P.P., com a consagração do princípio da economia processual, havendo ainda que ter em atenção o dis(...) no art° 33°, do C.P.P., em sede específica dos “efeitos da declaração de incompetência”. No entanto e porque dos autos do recurso não constava a indicação dos actos concretamente praticados pelo Senhor Juiz do (…) Juízo do TIC após 7/1/03, data do despacho recorrido, “...desconhecendo-se mesmo a fase processual em que os autos se encontram neste momento, tudo indicando - ao que é, de novo, público - estar a iniciar-se a fase da instrução...”, após ter declarado a nulidade do despacho de fls. 270, o Tribunal da Relação de (…) decidiu “... a remessa dos autos para o Tribunal actualmente competente, o qual deverá dar cumprimento ao agora aqui ordenado e antes deixado referido.”. 2. É ao decidido pelo Venerando Tribunal da Relação de (…), nos precisos termos aí determinado e que antecede, que este Tribunal tem de dar cumprimento. O que se passa a fazer, tendo também em consideração a argumentação e entendimento dos sujeitos processuais que se pronunciaram quanto a tal questão. 3. O decidido pelo Tribunal da Relação de (…) comporta neste momento, na perspectiva do Tribunal, o conhecimento de duas questões: -saber se este Tribunal corresponde ao referido como “actualmente competente” no acordão proferido, para aferir da validade/invalidade dos actos praticados pelo J.l.C na fase do inquérito após o despacho de fls. 270; -qual o alcance e conteúdo que o Tribunal deve atribuir, nesta fase processual, ao “princípio da economia processual” consagrado no art° 122°, do C.P.Penal, para aferir da validade/invalidade de actos praticados pelo Juiz de Instrução Criminal na fase do Inquérito; Embora a questão da “competência” seja, pela natureza de pressu(...) processual, uma questão a decidir previamente ao “fundo da causa”, no caso concreto tal questão está dependente do entendimento que o Tribunal tenha quanto ao sentido do art° 122°, n° 3, do C.P.P., critério a que deverá presidir a decisão de “validação/invalidação” dos actos processuais. 3.1. O acto processual declarado nulo pelo Tribunal da Relação de Lisboa foi a “afectação” que o Senhor Juiz do 5° Juízo - A do TIC fez, pelo despacho de fls. 270, ao Senhor Juiz do 1º Juízo do TIC, despacho este que alterou uma distribuição prévia e regularmente feita. Esta actuação corresponde, no decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, a “falta de distribuição”, havendo que atender ao regime e efeitos do art° 210°, n° 1 e 220º, do C.P.Civil, por força do art° 4°, do C.P.P.. Mas, como acima foi dito, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu, também, que o despacho em causa padecia de um outro vicio gerador de nulidade, insanável, nomeadamente incompetência “funcional” do Senhor Juiz do 5° Juízo - A, do TIC, para proferir despachos quanto à alteração da distribuição, pois por força do art° 72°, da LOFTJ, tal competência cabia ao Juiz de turno. Incompetência esta que foi declarada. Questão que se põe, desde logo, é: dispondo o artº 33º, nº 1, do C.P.P., quanto aos efeitos específicos da declaração de incompetência, que uma vez declarada “... o processo é remetido para o tribunal competente, o qual anula os actos que se não teriam praticados se perante ele tivesse corrido o processo e ordena a repetição dos actos necessários para conhecer da causa...” e estando o processo na fase do julgamento, há que remetê-lo para o T.I.C., para ser suprida a “falta da distribuição” (vício apontado pelo Tribunal da Relação de Lisboa) nos termos do art° 210° e/ou 220°, do C.P.Civil? E, uma vez suprida essa falta de distribuição, apresentar o processo ao J.I.C. que resultar como aquele ‘perante o qual o processo devia ter corrido”, para aferir quais os actos que ter-se-iam praticado se o processo tivesse corrido perante ele? Face ao decidido no acordão do Tribunal da Relação de Lisboa, não entendo que possa ser essa a conclusão deste Tribunal, até porque não é o expressamente determinado no acordão. 3.2. O Tribunal da Relação de Lisboa decidiu que, no caso concreto, não houve violação do princípio constitucionalmente consagrado do “Juiz natural”, dizendo expressamente que “... a distribuição processual não é, nem pode assim constituir um princípio fundamental...”. Havia, por conseguinte, para decidir quanto às consequências da nulidade declarada, que ter em conta o regime constante do artº 122°, nº 1, 2 e 3, do C.P.P., não conhecendo o Tribunal de recurso da validade/invalidade dos actos jurisdicionais praticados na fase do inquérito pelo Senhor J.I.C., do 1° Juízo do T.I.C., por não ter elementos suficientes nos autos de recurso. Determinou, contudo, que tal fosse feito pelo Tribunal ”... actualmente competente...”, isto é, o da fase em que o processo se encontrasse (dado que o Tribunal da Relação desconhecia mesmo a fase processual em que os autos se encontravam no momento, embora tudo indicando, de acordo com o que era público, estar a iniciar-se a fase da instrução). O Tribunal da Relação de Lisboa não entendeu, por conseguinte, que o efeito da declaração da nulidade (do despacho que decidiu quanto à alteração da distribuição), tinha como consequência a remessa dos autos para o T.I.C., para “validação” dos actos pelo J.I.C. que devesse ter intervindo na fase do inquérito, isto é, aquele que teria resultado “competente” de uma distribuição não alterada pelo despacho de fls. 270. Caso assim o tivesse entendido tinha-o dito: em vez de referir-se ao Tribunal “actualmente competente” - pois o J.I.C. que veio a intervir na fase da Instrução, após distribuição para o efeito, também não era o J.I.C. que tivera competência para intervir na fase do Inquérito -, teria mandado baixar o recurso a fim de (pelo menos) os autos serem remetidos e/ou presentes ao J.I.C. com competência na fase do inquérito. E depreende-se, face aos princípios legais em matéria de arguição e sanação de nulidades que o acordão enuncia, que não o tenha entendido e determinado, pois é o próprio Tribunal que enuncia o princípio da economia processual para balizar a actuação do Tribunal de 1ª Instância, tendo dito que não tinha havido violação de princípio constitucionalmente consagrado, não constituindo a violação das regras da distribuição processual, por si, uma violação de um princípio fundamental. Seria contraditório com o princípio da economia processual e com a realização da Justiça que, estando ultrapassada a fase do inquérito, o processo fosse remetido sem mais para essa fase, para aferição da validade/invalidade dos actos a que se refere o acordão, pois face ao art° 122°, n° 3, do C.P.P., tal só se justificará processualmente se se concluir pela impossibilidade legal de os actos subsistirem nesta fase. O que o Tribunal da Relação não fez desde logo, por não ter os elementos necessários para o efeito. 3.3. Para dar cumprimento ao acordão do Tribunal da Relação e fazendo um breve enquadramento Doutrinário, há que considerar o seguinte: “(...) A ordem jurídica de um Estado de Direito Democrático pressupõe um mínimo de segurança e de certeza na protecção dos direitos e expectativas juridicamente relevantes, como única forma de tutelar a confiança dos cidadãos e da própria comunidade no direito (...).“. Deste modo “(...) as causas de sanação seleccionadas pelo poder legislativo e elevadas à dignidade de direito vigente podem agrupar-se em três classes fundamentais. O termo de certos prazos, incluindo a formação de caso julgado (...).Se o interessado não reagir atempadamente o acto fica consolidado (...). A faculdade de arguir ou não certo vício e de aceitar ou não os seus efeitos (...). Apenas os casos mais graves, onde o Estado não deve de forma alguma transigir, ficam excluídos deste regime (...), A consecução da finalidade prosseguida pela norma jurídica violada (...)“, pois tal ‘(...) impõe um limite lógico que o sistema nunca deverá ultrapassar, sob pena de irracionalidade. Se o vício não prejudicou os interesses substanciais que a norma jurídica violada procurava acautelar, não há razão para destruir o acto. Até porque a sua repetição nada traria que já não tivesse sido alcançado, embora de forma fortuita (...)“ (João Conde Correia, “Contributo Para A Análise Da Inexistência E Das Nulidades Processuais Penais”, B.F.D., Stvdia Ivridica, Univ. Coimbra, Coimbra Editora, págs. 23 e 196). Assim, ultrapassada a fase que antecede e declarada a nulidade de determinado acto, há que aferir dos efeitos dessa declaração de nulidade. Dispõe o art° 122°, n°1, do C.P.P., que “... as nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar...”, dizendo o n° 2 que “... a declaração de nulidade determina quais os actos que passam a considerar-se inválidos e ordena, sempre que necessário e possível, a sua repetição e concluindo o n° 3 que “... ao declarar uma nulidade o juiz aproveita todos os actos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela…”. “(...) O legislador português, numa lição de equilíbrio e ponderação, optou por um sistema progressivo e limitado. A invalidade pode contagiar o processado, comunicando-se aos actos subsequentes dependentes do acto nulo e afectados por aquela. A contaminação acaba, portanto, por ser duplamente controlada, atingindo apenas esses actos. A infecção não se restringe ao acto inválido, mas também não atinge o processado. São estes mecanismos que permitem tornar ineficaz o acto processual penal inválido ou então a consolidação dos seus efeitos. Sem eles (...) os direitos individuais, a realização da justiça, a descoberta da verdade material e a obtenção da paz jurídica ficariam irremediavelmente afectados (...). O processo penal perderia flexibilidade, tornando-se num óptimo instrumento ao serviço de uma qualquer ideologia totalitária, mas seria imprestável para a realização (…)” da “(…) Justiça” (João Conde Correia, ob. Cit., pag. 196). Face ao que antecede, para concluir pela destruição total de actos ou pela necessidade de renovação de outros, há que ver em que medida tal é legalmente necessário e/ou possível nesta fase processual, mas com o seguinte alcance: apenas serão invalidados os actos que na perspectiva finalística do processo não deviam ter sido praticados ou aqueles que não tenham observado os pressu(...)s legais que, em abstracto, condicionam a sua prática. Este entendimento, de que a este Tribunal, nesta fase processual, não cabe a reapreciação da validade substancial dos actos, mas tão só na perspectiva que antecede, advém da conjugação de dois aspectos. Por um lado, do já referido princípio da economia processual, consagrado no art° 122°, n° 3, do C.P.P. : “…o princípio do máximo aproveitamento dos actos processuais em processo penal leva a que só se anulem ou só se repitam actos indispensáveis para adequar o processo à tramitação que ele teria face às razões específicas de competência do tribunal que vai conhecer da causa (cfr. Gil Moreira dos Santos, Noções de Processo Penal”, pag. 190, Manuel Simas Santos, Leal Henriques e Borges de Pinho, Código de Processo Penal”, 1° volume, Anotado, 1996, Ed. Rei dos Livros, pág. 205 a 207). Por outro, afastado que ficou, para este Tribunal, que o entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa fosse o de que a apreciação da validade/invalidade dos actos seria levada a cabo pelo J.I.C. com competência jurisdicional na fase do inquérito (art° 17°, do C.P.P.) e porque apenas a esse Juiz cabe a competência para a prática dos actos jurisdicionais na (e da) fase do inquérito (art° 14°, do C.P.P., confrontado com art° 17°, do C.P.P.), a tarefa de valoração a que se reporta o art° 33°, n° 2, do C.P.P., conjugado com o art° 122°, do C.P.P., só pode ser tida nessa perspectiva. Assim e tendo em atenção a presente fase do processo, deverão anular-se os actos praticados pelo J.I.C. na fase de inquérito que não se inserissem no objecto do processo, ou aqueles que foram praticados extravasando e, consequentemente violando, as competências jurisdicionais atribuídas no C.P.P. ao J.I.C. na fase do inquérito, violando direitos fundamentais. Havendo que ter em conta, no entanto, as decisões que entretanto foram proferidas pelos Tribunais superiores, em consequência dos recursos inter(...)s pelos arguidos de actos praticados pelo senhor Juiz de Instrução na fase do inquérito e a apreciação que em sede de Instrução veio a ser feita pela J.I.C., em relação a meios de prova cuja obtenção foi judicialmente determinada pelo J.I.C. na fase do inquérito ou em relação a arguidas nulidades da fase do inquérito. 3.3.1. Começando pelo acto em si declarado nulo, a alteração da distribuição para afectação do processo a um outro juízo, mas dentro do mesmo Tribunal, tendo em atenção as consequências que a lei atribui a tal acto (cfr. Art° 210°, n° 1 e 220º, do C.P.Civil, por força do art° 4°, do C.P.P.), bem como o facto de o processo ter sido afectado a um Tribunal que por força do dis(...) nos art°s. 17°, 19°, n° 1, do C.P.P. e 79°, da LOFTJ, era o Tribunal material e territorialmente competente, ficando o processo atribuído a um Juiz de Instrução Criminal, a quem em abstracto compete exercer as funções jurisdicionais na fase do inquérito (art° 17°, do C.P.P., 79°, n° 1 e 80°, n° 1 e 2, da LOFTJ e mapa 1, anexo a DL n° 186-A/99), não se me afigura que o cumprimento do Acordão do Tribunal da Relação tenha como consequência, nesta fase processual, determinar que os autos sejam sujeitos a nova distribuição. Aliás, esse é o entendimento que emana do acordão do Tribunal da Relação, quando conclui que a alteração da distribuição não importou a violação de princípio fundamental e há que ter em atenção que este Tribunal tem de dar cumprimento ao acordão nos precisos termos aí determinado. Como pode ler-se no acordão, “... dúvidas não restarão que o tribunal, “natural” ou “legalmente”, competente ainda para conhecer era, ao tempo, o TIC de Lisboa (...)“. 3.3.2. Passando à apreciação da validade/invalidade dos actos praticados pelo Senhor Juiz de instrução do 1° juízo do T.I.C., após o despacho de fls. 270, há que dizer que no actual sistema judicial o exercício da acção penal pertence ao Ministério Público, a quem cabe a direcção do inquérito e a delimitação do objecto do processo, cabendo a si a movimentação do processo, culminando a sua actuação com a dedução da acusação ou a decisão de arquivamento. A intervenção do Juiz de Instrução Criminal na fase do Inquérito tem o seu âmbito legalmente delimitado: intervém nesta fase processual sempre que haja que decidir quanto a questões que tenham a ver com direitos fundamentais do arguido, sendo apenas da sua competência a prática dos actos materialmente jurisdicionais que a lei indica (Art° 17°, do C.P.P). Esses actos são os determinados no art°. 268°, n° 1, al. a) a e), do C.P.P., os quais, contudo, são praticados a requerimento do MP, de autoridade de polícia criminal em caso de urgência, do arguido ou do assistente (art° 268°, n° 2, do C.P.P.); no art° 269°, do C.P.P, relativo a buscas, apreensões e intercepções e art°s. 174°, 177°, 179° a 181°, 187° a 190°, do C.P.P., referente aos pressu(...)s da sua determinação, execução e validação; nos art°s. 141° e 142°, do C.P.P., quanto ao interrogatório do arguido detido; 191° a 226°, do C.P.P., relativamente à aplicação de medidas de coacção. Ora tendo em atenção o que antecede quanto à delimitação legal das funções jurisdicionais do J.I.C. na fase do inquérito e o objecto do processo tal como foi delimitado pelo Ministério Público e após ter efectivamente compulsados os autos de fls. 270 a fls. 20.743 (estas últimas folhas já referentes, no entanto, a altura posterior à dedução da acusação), estritamente para este efeito, concluo que os actos praticados pelo Sr. Juiz de instrução na fase do inquérito, entre os quais (e que pela sua maior relevância passo a referir de forma individualizada), fls. 271, 424, 526, 593, 749, 923, 942, 984 a 987, 989, 993, 1.029, 1,030, 1.039, 1.064, 1.067, 1.083, 1.139, 1.326, 1.394, 1.540, 1.699, 1.886, 1.912, 1.914, 2.024, 2.052, 2.170, 2.197, 2.219, 2.217, 2.276, 2.277, 2.278, 2.283, 2.303, 2.304, 2.305, 2.308, 2.338, 2.606, 2.625, 2.777, 2.939, 2.941, 3.081, 3.143, 3.195, 3.196, 3.213, 3.214, 3.215, 3.218, 3.219, 3.236, 3.239, 3.255, 3.279, 3.305, 3.306, 3.606, 3.668, 3.714, 3.802, 3.821, 3.825, 3.944, 3.988, 4.074, 4.097, 4.102, 4.107, 4.217, 4.271, 4.329, 4.486, 4.501, 4.507, 4.519, 4.575, 4.597, 4.598, 4.612, 4.641, 4.782, 4.808, 4.910, 5.007, 5.135, 5.271, 5.272, 5.419, 5.516, 5.841, 5.934, 5.998, 6.055, 6.264, 6.266, 6.268, 6.417, 6.574, 6.575, 6.577, 6.579, 6.593, 6.595, 6.596, 6.599, 6.600, 6.621, 6.914, 7.074, 7.370, 7.373, 7.563, 7.719, 7.835, 7.850, 7.902, 8.093, 8.293, 8.305, 8.310, 8.345, 8.393, 8.480, 8.482, 8.607, 8.930, 9.134, 9.151, 9.183, 9.301, 9.338, 9.367, 9.454, 9.876, 10.000, 10.157, 10.168, 10.179, 10.216, 10.258, 10.309, 10.349, 10.473, 10.790, 10.884, 10.985, 11.164, 11.165, 11.171, 11.219, 11.370, 11.412, 11.649, 11.678, 11.811, 11.830, 11.978, 12.335, 12.690, 12.919, 12.924, 12.941, 13.017, 13.035, 13.225, 13.229, 13.237, 13.365, 13.864, 13.941, 14.035, 14.294, 14.404, 14.424, 14.436, 15.044, 15.058, 15.269, 15.290, 15.895, 16.062, foram actos objectivamente praticados no âmbito e dentro da competência que lhe era atribuída por força do dis(...) nos art°s. 17°, 141°, 142°, 174°, 177°, 179° a 181°, 187° a 190º, 191° a 226°, 268°, 269°, do C. P.P., foram actos praticados a requerimento dos sujeitos processuais referidos nos art°s. 268°, n.º 2, do C.P.P., inseriram-se no objecto do processo tal como delimitado pelo Ministério Público, tendo sido praticados dentro dos objectivos e interesses inerentes à fase processual então em curso, prendendo-se intrinsecamente com o objecto da investigação. Não há actos que este Tribunal considere que foram praticados fora das competência legalmente atribuída ou subvertendo a direcção do inquérito. Há que passar, então, a um segundo aspecto. E foram actos que, neste momento processual, se entenda que devam ser repetidos, total ou parcialmente, por inobservância dos pressu(...)s legais de que a lei processual penal faz depender a respectiva prática? Entendo que não, em consequência do dis(...) no art. 122°, n°2, do C.P.Penal. Este preceito diz que o Tribunal só ordena a repetição dos actos “...sempre que necessário...”. Ora no que diz respeito aos actos em relação aos quais os arguidos não interpuseram recurso ou não arguiram a nulidade ou irregularidade, núcleo muito reduzido, há que entender que não ocorrendo nesses actos - como entendo que não ocorreu - violação dos pressu(...)s legais dos quais dependiam a respectiva prática e que firam a sua subsistência, a aceitação que ocorreu dos seus efeitos pelos sujeitos processuais conduz à sua convalidação nesta fase. Em relação a estes actos não há, no entendimento deste Tribunal, divergência entre a actividade processual levada a cabo e o modelo legal pelo qual o acto pode e deve ser praticado. Quanto ao núcleo mais alargado de actos em relação aos quais os sujeitos processuais não se conformaram, interpondo recurso ou arguindo nulidade, invalidade ou inexistência (consoante o modo processual escolhido pelos sujeitos processuais) - como se trata, por exemplo, da aplicação das medidas de coacção aos arguidos E, C, N, H e K, na sequência dos primeiros interrogatórios de arguido detido, da determinação de tomada de declarações para memória futura, do prazo para a prática de determinados actos, não verificação do contraditório (cfr., a título de exemplo, os recursos inter(...)s ou arguições de nulidade a fls. 1291, 1682, 1704, 1.872, 2058, 4707, 5047, 5121, 5473, 5946, 7322, 7530, 7649, 7676, 8012, 8404, 8533, 8587, 8730, 8788, 8805, 8847, 8909, 9988, 9996, 10183, 10196, 10486, 10551, 10767, 11266, 11281, 14232, 14042, 15219, 15740, 15827, 16094, 17056, 17236) -, as decisões que vieram a ser proferidas quanto a tais actos, ou por via da decisão do recurso nas instâncias superiores ou por via do conhecimento das arguidas nulidades aquando da abertura da instrução e do proferimento da decisão instrutória, constituíram já elas uma apreciação jurisdicional da validade dos actos praticados pelo Sr. Juiz de instrução do 1º juízo do TIC na fase do inquérito. Conhecimento (e validação ou invalidação) processualmente admissível e que não se ficou pela mera conformação formal dos actos de acordo com a lei processual, indo mesmo à apreciação da substância dos actos, do mérito do decidido, destruindo-os no caso em que foi entendido que os mesmos violaram a lei ordinária ou constitucional ou confirmando-os (cfr. Ac. RL, p° 10613/03, 3ª secção, aplicação sanção processual; p° 7936/03, 9ª secção, declaração de especial vulnerabilidade e declarações para memória futura; 10887/03-5, relacionado com medidas de coacção; p° 9514/02, de 14/1/04; p° 9785/03, 3ª secção, p° 10607/03, 3ª secção e 2428/04, 9ª secção, todos relacionado com medidas de coacção; p° 594/03, T. Const., relacionado com a obtenção e utilização de meios de prova/medidas de coacção; p° 309/03 e 963/03, do T.Const., relacionado com medidas de coacção e acesso a elementos constantes dos autos; todos apensados aos presentes autos). Isto é, quanto a este núcleo de actos a comprovação da sua validade ou invalidade - consoante o sentido das decisões jurisdicionais que os apreciaram -, que foi feita por Tribunais competentes para o efeito, levam este Tribunal a concluir que em relação aos mesmos já foi feita a validação ou invalidação que o acordão de 17/3/04 determina, não existindo, neste momento, actos nulos ou feridos de nulidade derivada dos actos apreciados (sem prejuízo do efeito decorrente dos recursos que se encontram pendentes, tempestiva e legalmente admitidos) que, por estarem numa dependência real e efectiva dos actos impugnados, cumpra declarar desde já, por ainda haver poder jurisdicional deste Tribunal para o efeito. Acresce que quanto às medidas de coacção, quer por força dos recursos inter(...)s pelos arguidos quanto a tal questão na fase do inquérito e decisões proferidas pelos Tribunais superiores na sequência dos mesmos (na sequência do que foram repetidos interrogatórios de arguidos presos, dado acesso aos arguidos a elementos dos autos), quer por força da decisão da J.l.C. na fase da instrução quanto a tal matéria - encontrando-se pendente os recursos inter(...)s quer pelos arguidos, quer pelo Ministério Público e pelos Assistentes, na sequência do proferimento da decisão instrutória, recurso este que inclui o decidido quanto às medidas de coacção determinadas pela J.l.C. - , já foi validamente dado cumprimento (e em data anterior) ao dis(...) no art° 33°, n° 3, do C.P.P.. Não resta a este Tribunal, salvo melhor entendimento, considerar também que os actos relativos a medidas de coacção se encontra validados. 4. Assim, nos precisos termos que antecede e dando cumprimento ao ordenado pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17/03/2004 e nos precisos termos aí determinados, atento o dis(...) no art° 122°, nº 1, 2 e 3, do C.P.P., tendo em atenção as decisões que entretanto foram proferidas em sede de recurso pelos Tribunais superiores, bem como em sede de instrução, quanto ao conteúdo dos actos praticados pelo Sr. J.I.C., do 1° juízo do T.I.C. de Lisboa na fase do inquérito - incluindo quanto às medidas de coacção aplicadas aos arguidos -, decisões judiciais que já se pronunciaram quanto à validade/invalidade do núcleo de factos sobre os quais se debruçaram, incluindo aplicação de medidas de coacção aos arguidos, considero validados todos os demais actos jurisdicionais praticados pelo J.I.C. do 1° Juízo, do T.I.C. de Lisboa, durante a fase do inquérito dos presentes autos, entendendo o Tribunal que não se afigura necessário determinar a repetição de qualquer acto.” Não se conformando com o seu teor, o arguido H interpôs recurso deste despacho interlocutório (cf. Vol. 115.º, fls. 27417 a 27427), no qual veio a apresentar as seguintes conclusões (transcrição): “A) O despacho recorrido devia ter procedido à apreciação substancial de todos os actos praticados pelo Senhor Juiz de Instrução do 1° Juízo do TIC, posteriores a 07/01/2003, nos termos que são im(...)s pelo art. 33° n° 1 do C.P.P., uma vez que foi declarada a sua incompetência e a nulidade do acto que determinou que o processo lhe tivesse ficado afecto, o que o tribunal não fez, violando, em conformidade, tal preceito legal; B) Mesmo que assim não fosse, o certo é que, pelo menos, quanto aos despachos que ordenaram ou mantiveram as medidas de coacção e àquilo que delas é instrumental, o art. 33º nº 3 do C.P.P. impõe a sua convalidação ou infirmação pelo tribunal competente, com a consequente apreciação substancial da sua validade, o que o tribunal não fez, violando, em conformidade, tal preceito legal; C) Mesmo que se aceitasse a lógica do tribunal recorrido - no sentido de que só teria de verificar as situações em que houve ofensa de um direito fundamental -, a verdade é que, na parte mais relevante, os actos ora em causa são ilegais por ofenderam o núcleo fundamental das garantias de defesa do arguido, uma vez que não lhe facultaram a adequada informação acerca do facto concreto punível que lhe era atribuído. Com efeito, quanto ao interrogatório judicial de 1/02/2003 e aos despachos que determinaram e mantiveram a prisão preventiva, proferidos a 1/2/2003, 29/4/2003, 15/7/2003 e 15/10/2003, bem como quanto ao despacho que lhe negou acesso à factualidade e aos meios de prova que sustentavam tal prisão preventiva, preferido a 6/2/2003, a sua ilegalidade decorre, de forma manifesta, da circunstância de não ter sido facultada ao arguido adequada informação acerca do facto concreto punível que lhe era atribuído, nem acerca dos meios de prova em que se fundava a sua prisão preventiva, o que ofendeu - de forma gravíssima - o núcleo fundamental das garantias de defesa e traduziu-se numa interpretação errónea do artigo 141° n.° 4 do C.P.P., como o Tribunal Constitucional já declarou nestes autos por mais de uma vez. Todos esses actos deveriam ter sido anulados por ofensa de um direito fundamental da defesa, até por aplicação directa do art. 32° n° 1 da CRP, o mesmo acontecendo quanto ao despacho de 12/01/2004, que não tem qualquer autonomia, limitando-se a manter a situação anterior enquanto não era proferido o despacho que veio a ter lugar a 06/02/2004, o qual por sua vez veio a ser revogado por acórdão de 04/05/2004. D) Relativamente a tais situações, não é admissível qualquer leitura do art. 33º n° 1 do C.P.P., mesmo conjugado com o art. 122° n° 1 do C.P.P., no sentido de que não tem de ser feita uma apreciação substancial dos actos do juiz incompetente, sob pena de se subverter a própria natureza da intervenção do juiz do instrução no inquérito. E) Por cautela, vem arguir-se a inconstitucionalidade do entendimento normativo conjugadamente dado aos arts. 33º n° 1 e 3 e 120° n° 3 do C.P.P. no sentido de que, declarada a incompetência do juiz de instrução que interveio no inquérito, podem, por uma razão de economia processual ou outra de efeito prático equivalente, ser considerados validados os seus actos nos quais foi omitida ao arguido a adequada informação acerca da factualidade concreta punível que lhe é atribuída, bem como acerca dos meios de prova em que se funda a sua prisão preventiva - seja o interrogatório judicial, seja o despacho que ordena ou mantém a prisão preventiva, seja o despacho que nega acesso a essa informação - , por ofensa dos arts. 28º nº 1 e 32° n° 1 da CRP.” O Exmo. Magistrado do Ministério Público, junto do Tribunal recorrido, apresentou resposta (cf. fls. 56 a 69 do Apenso Q), que rematou com estas conclusões (transcrição): “1 - O Acórdão proferido estipulou, claramente, quais as normas processuais a que devia obedecer a decisão de validação ou não dos actos praticados pelo Mmº JIC do 1º Juízo do TIC de Lisboa, referindo, também clara e expressamente que deviam ser aplicadas as normas gerais do processo penal sobre os efeitos da declaração de nulidade, bem como norma especifica, do mesmo processo penal, relativa à declaração de incompetência ("Em sede específica dos efeitos da declaração de incompetência dispõe o artº 33º do CPP que...” – pág. 19). 2 - No que se refere expressamente a nulidade decorrente da violação das regras de competência, no art° 33 n.° 1 do CPP, a lei aponta parâmetros a que deve obedecer o tribunal competente, na sequência de uma declaração de nulidade por violação daquelas regras. 3 - O art° 33 n° 1 do CPP determina, expressamente que só serão declarados inválidos os actos que se não teriam praticado, se perante ele (tribunal declarado competente) tivesse corrido o processo, ou seja, o conteúdo de tal dispositivo conduz à conclusão de que se anularão, apenas, os actos que, atentas a regras da competência material, territorial, funcional e hierárquica, se não deveriam ter praticado. 4 - Ao eleger como critério de validação actos processuais e não decisões, a lei visou impedir qualquer apreciação do seu mérito, devendo o tribunal cingir-se, apenas, ao cotejamento dos actos processuais que, do ponto de vista das regras de competência, poderiam ter sido realizados pelo tribunal declarado competente. 5 - A lei teve a preocupação de dizer que, apenas serão declarados inválidos os actos que se não teriam praticado se o processo tivesse corrido perante o tribunal declarado competente, não se tratando, por isso de escolher os actos processuais que o Tribunal declarado competente não teria decidido praticar, mas tão só aqueles que, em razão das normas ordenadoras da competência, perante si não se teriam praticado. 6 - A única ressalva que a lei expressamente consagra diz respeito às medidas de coacção e de garantia patrimonial que, muito embora conservem a sua eficácia mesmo após a declaração de incompetência, devem ser reavaliadas no mais breve espaço de tempo pelo tribunal competente, constituindo a única decisão de reapreciação que, do ponto de vista substancial, é permitida ao tribunal declarado competente, porquanto, constituindo restrições aos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos, não podem ser sacrificadas em nome do principio da economia processual. 7 - O princípio do máximo aproveitamento dos actos processuais em processo penal leva a que só se anulem ou só se repitam actos indispensáveis para adequar o processo à tramitação que ele teria face às razões específicas de competência do tribunal que vai conhecer da causa. 8 - Conforme reconhece o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, todos os actos ordenados pelo Senhor Juiz do 1° juízo cabiam no âmbito da competência funcional, material, territorial e hierárquica do Tribunal declarado competente, pelo que a sua valoração conduz no sentido do respectivo aproveitamento, porque conforme ao dis(...) no art° 33 do CPP: isto é, se o processo tivesse corrido perante o 5° juízo A - juízo declarado competente - todos os actos judiciais realizados caberiam no âmbito da competência deste e, portanto, se o processo tivesse corrido perante si, poderiam ter sido realizados. 9 - Relativamente às causas de sanação a ordem jurídica, em nome da consecução da finalidade prosseguida pela norma jurídica violada, reconhece que há um limite lógico que o sistema nunca poderá ultrapassar, sob pena de irracionalidade e que impõe que "apenas serão invalidados os actos que na perspectiva finalística do processo não deviam ter sido praticados ou aqueles que não tenham observado os pressu(...)s legais que, em abstracto, condicionam a sua prática”. 10 - A decisão recorrida cotejou todos os actos praticados pelo Mmº Juiz de Instrução do TIC de Lisboa proferidas em fase de inquérito, tendo concluído que "não há actos que este Tribunal considere que foram praticados fora das competências legalmente atribuída ou subvertendo a direcção do inquérito” ou com divergência com "o modelo legal pelo qual o acto pode e deve ser praticado”. 11 - O recorrente não foi capaz de enunciar uma única razão de facto ou de direito que permita sufragar um entendimento contrário, nem tão pouco enunciar um único acto que, por causa da violação das regras da competência funcional geradora da nulidade declarada, tenha violado os seus direitos fundamentais. 12 - A única questão levantada pelo arguido que se prende com o sentido e alcance do segredo de justiça em fase de inquérito e em sede de aplicação de medidas de coacção, já foi objecto de várias decisões proferidas nos autos pelos tribunais superiores na sequência de recursos por si inter(...)s. 13 - Relativamente às medidas de coacção e de garantia patrimonial aplicadas aos arguidos por aquele Senhor Juiz de Instrução do 1º JIC do TIC de Lisboa, verifica-se que todas elas foram sendo reapreciadas quer em sede de Instrução quer já em fase de julgamento, pelo que, não havendo alteração dos seus pressu(...)s fácticos e jurídicos, deve entender-se que as mesmas já foram validadas, tal como considerou a decisão recorrida, não havendo nos autos qualquer elemento novo que justifique a sua alteração. 14 - O despacho recorrido apreciou os fundamentos fácticos correctamente e aplicou lei convenientemente, pelo que deverá ser mantido.” Igualmente inconformado com o teor do despacho de fls. 25475 a 25488, também o arguido C dele interpôs recurso (cf. fls. 27439 a 27454 do 116.º Vol.), que rematou com as conclusões que abaixo se deixam transcritas (transcrição): “l.ª Por Acórdão de 17/03/2004, proferido no Proc.° n.° 1967/04, da 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, foi declarado ferido de nulidade insanável o despacho de fls. 270 dos autos, no qual o Senhor JIC do 5.º Juízo - A do TIC de Lisboa havia determinado a baixa da distribuição do presente processo àquele juízo e o seu averbamento ao 1.º Juízo do TIC de Lisboa. 2.ª O conhecimento das invalidades subsequentes ao acto declarado nulo, nos termos do art.° 122.° do CPP, foi relegado, naquela decisão, para o “tribunal actualmente competente”, por delas não ter podido conhecer a Relação, em virtude de não ter tido acesso aos “actos concretamente praticados pelo Senhor Juiz do 1.º Juízo do TIC”. 3.ª Os actos cuja validação ou invalidação estava em causa eram exclusivamente os actos praticados no decurso do inquérito pelo Senhor JIC do 1.° TIC de Lisboa. 4.ª Ao tempo da prolação daquele Aresto, o processo encontrava-se no início da fase de instrução, a qual veio a correr termos pelo 3.º Juízo do TIC de Lisboa, sendo este o competente para o cumprimento do determinado pela Relação de Lisboa. 5.ª A competência material e funcional do JIC na fase de inquérito decorre do estatuído nos arts. 17.º in fine do CPP e 79.°, n.° 1 in fine da LOFTJ, constando o núcleo essencial dos actos que naquela fase processual lhe estão reservados dos arts. 268° e 269.º do CPP; 6.ª Especificamente no que respeita aos efeitos da declaração de incompetência, dispõe o art.° 33.º, n.° 1 do CPP que “(...) o processo é remetido para o tribunal competente, o qual anula os actos que se não teriam praticado se perante ele tivesse corrido o processo (...)“ — sublinhado nosso. 7.ª O supra afirmado nas conclusões 4.ª a 6.ª - bem como a circunstância de ser irrecorrível aquele Acórdão da Relação, ex vi do dis(...) no art.° 400.°, n.° 1 al. c) do CPP - depõe no sentido de que a expressão “tribunal actualmente competente”, constante do Acórdão, só poderia ser interpretada como querendo significar o TIC de Lisboa; 8.ª Acrescendo que a competência funcional dos tribunais é definida por lei e insusceptível de alteração por decisão judicial - pelo que só aquele sentido interpretativo seria o legalmente admissível. 9.ª Ao declarar-se competente para conhecer e decidir da validação ou invalidação dos actos praticados pelo Senhor JIC do 1.º TIC de Lisboa na fase de inquérito, o Tribunal a quo violou o dis(...) nos arts. 14.°, 17.°, n.° 1 in fine, 33.°, n.° 1, 268.° e 269.°, todos do CPP, bem assim como o art.° 79.°, n.° 1 in fine da LOFTJ; 10.ª Consequentemente, o despacho ora recorrido está ferido de nulidade insanável, ex vi do dis(...) no art.° 119.°, al. e) do CPP. 11.ª A decisão recorrida ofende, ainda, o princípio da estrutura acusatória do processo criminal, consagrado no art.° 32.°, n.° 5 da Constituição, já que as normas legais de delimitação do âmbito da competência funcional dos tribunais criminais traduzem e asseguram, no plano do direito ordinário, o respeito por aquele principio fundamental; 12.ª Pelo que, o sentido interpretativo subjacente à aplicação que das normas constantes dos arts. 14.°, 17.°, n.° 1 in fine, 33.°, n.° 1, 268.° e 269.°, todos do CPP é feita na decisão recorrida, ao reconhecer ao tribunal de julgamento competência para apreciar e decidir da validação ou invalidação de actos jurisdicionais do JIC declarado incompetente, praticados cm fase de inquérito, é inconstitucional, por ofensivo do princípio da estrutura acusatória do processa criminal, consagrado no art.° 32°, n.° 5 da Constituição. 13.ª Caso assim se não entenda, sempre será de revogar a decisão recorrida, porquanto: 14.ª Com fundamento num critério decisório meramente formal e finalístico, a decisão recorrida veio “(…) considerar validados todos os actos (...) jurisdicionais praticados pelo JIC do 1.° Juízo do TIC de Lisboa, durante a fase de inquérito (…)”; 15.ª Invocando, para tanto, a circunstância daqueles actos terem já sido objecto de apreciação substancial, seja em decisões proferidas pelos tribunais superiores por via de recurso, seja na fase de instrução. 16.ª Porém, a questão suscitada pelo cumprimento do Acórdão da Relação acima referido nunca foi, a se, devidamente ponderada e decidida em qualquer daquelas decisões, antes se configurando nos presentes autos como questão nova. 17.ª A decisão não respeita o estatuído nos arts. 122.°, n.° 1 e 33.°, nrs. 1 e 3,ambos do CPP, os quais impõem a ponderação substancial dos actos eventualmente feridos de nulidade subsequente; 18.ª Em especial no que tange ao art.° 33.°, n.° 1 do CPP, que impõe ao tribunal competente uma valoração material dos actos virtualmente feridos de nulidade subsequente, segundo uma perspectiva ex ante, tal como se perante o próprio “tivesse corrido o processo”; 19.ª E, em particular no que respeita ao despacho que determinou a prisão preventiva do ora Recorrente (de fis, 3246 e ss.), bem como relativamente aos subsequentes, proferidos aquando dos seus reexames obrigatórios (de fls. 6055 e s.; de fls. 9386 e s., e de fls. 13863 e s), em que expressamente impõe o art° 33.°, n.° 3 do CPP ao tribunal uma decisão de fundo quanto à convalidação ou não convalidação daquelas decisões (todas proferidas pelo Senhor JIC do 1.º TIC de Lisboa). 20.ª Pelo que, violou a decisão recorrida o dis(...) nos arts. 33º, nrs. 1 e 3 e 122.°, n.° 1, ambos do CPP; 21.ª Não dando, desta forma, cumprimento ao decidido no Acórdão de 17/03/2004, da 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.”. O Exmo. Magistrado do Ministério Público, junto do Tribunal recorrido, na sua resposta a este recurso (cf. Apenso N, fls. 77 a 97), pronunciou-se do seguinte modo (transcrição): “1 - o Tribunal da Relação de Lisboa não decidiu que o processo deveria ser remetido para o TIC a fim de os actos praticados pelo Juiz do 1º Juízo serem "validados" pelo Juiz que deveria ter intervindo na fase de inquérito, de acordo com a distribuição efectuada antes do proferimento do despacho cuja nulidade foi declarada, por violação das regras de distribuição e de competência funcional; 2 - Como salienta a Mmª. Juiz no despacho recorrido, "Caso assim o tivesse entendido (o Tribunal da Relação) tinha-o dito: em vez de referir-se ao Tribunal "actualmente competente" - pois o J.I.C. que veio a intervir na fase da Instrução, após distribuição para o efeito, também não era o J.I.C. que tivera competência para intervir na fase do Inquérito -, teria mandado baixar o recurso a fim de (pelo menos) os autos serem remetidos e ou presentes ao J.I. C. com competência na fase de inquérito"; 3 - A fundamentação invocada pelo arguido recorrente, como forma de demonstrar que o Tribunal da Relação de Lisboa quando se refere ao Tribunal "actualmente competente" não pode deixar de se reportar ao TIC de Lisboa - sendo que, nas próprias palavras do arguido recorrente "uma vez que no presente processo houve lugar a instrução, a qual decorreu, após distribuição válida e incontestada, pelo 3º Juízo do TIC de Lisboa, só este poderia ser considerado o tribunal competente para dar cumprimento ao decidido no Acórdão de 17.03.2004, da 3ª. Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, no estrito respeito pelo espírito da decisão proferida" - encerra uma contradição nos seus próprios termos; 4 - Da aplicação da norma constante do art°. 33°. n°. 1 do CPP nunca resultaria a remessa dos autos para o Juízo do TIC onde decorreu a fase de Instrução, a fim de, pelo juiz titular de tal juízo, serem "validados" os actos judicias praticados na fase de inquérito, mas sim a remessa dos autos ao Juiz com competência na fase de inquérito, o juiz titular do 5ºJuízo A do T1C, a quem o processo fora inicialmente distribuído, e por isso com competência, nos termos da norma citada, para anular os actos que se não teriam praticado se perante ele tivesse corrido o processo e ordenar a repetição dos actos necessários para conhecer da causa; 5 - Tal não foi o decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que determinou a remessa dos autos para "o Tribunal actualmente competente" só não tendo tal Tribunal superior efectuado a "validação" dos actos judicias realizados na fase de inquérito, por, conforme se salienta no Acórdão, não fornecerem os autos de recurso quaisquer indicações sobre quais concretamente os actos praticados pelo Juiz titular do 1 °. Juízo do TIC, posteriormente a 07.01.2003, data do proferimento pelo Juiz titular do 5º. Juízo A, do despacho declarado ferido de nulidade insanável; 6 - A validação efectuada no despacho recorrido, relativa aos actos judiciais praticados na fase de inquérito em nada contende com a estrutura acusatória do processo penal, com consagração constitucional; 7 - Os actos praticados na fase de inquérito não foram analisados no seu conteúdo substancial, nomeadamente tendo em conta o suporte fáctico que, em cada momento, determinou a sua prática, tendo sido erigido como critério de invalidação de tais actos apenas aqueles que "na perspectiva fìnalística do processo nulo deviam ter sido praticados ou aqueles que não tenham observado os pressu(...)s legais que, em abstracto, condicionam a sua pratica”; 8 - A norma ínsita no art°. 40°. do CPP não exclui a possibilidade de um juiz, que tenha intervenção na fase de inquérito ou instrução, poder vir a presidir ao julgamento, compreendendo-se que assim seja, pois, em concreto no que se reporta à fase de inquérito, a intervenção judicial não é conformadora do conteúdo e desfecho do objecto do processo, mas sim provocada sempre a apenas quando haja que decidir quanto a questões que tenham que ver com direitos fundamentais, estando taxativamente elencados os actos da competência do Juiz de Instrução em tal fase do processo; 9 - O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa estipulou, claramente, quais as normas processuais a que deve obedecer a decisão de validação ou não dos actos praticados pelo Mmº JIC do 1° Juízo do TIC de Lisboa, referindo, também clara e expressamente que devem ser aplicadas as normas gerais do processo penal sobre os efeitos da declaração de nulidade, bem como norma específica, do mesmo processo penal, relativa à declaração de incompetência ("Em sede especifica dos "efeitos da declaração de incompetência dispõe o artº 33º do CPP que...” – pág. 19); 10 - Resulta do dis(...) no art° 33º n°. 1 do CPP que são susceptíveis de ser anulados, apenas, os actos que, atentas a regras da competência material, territorial, funcional e hierárquica, se não deveriam ter praticado; 11 - Ao eleger como critério de validação actos processuais e não decisões, a lei visou impedir qualquer apreciação do seu mérito, devendo o tribunal cingir-se, apenas, ao cotejamento dos actos processuais que, do ponto de vista das regras de competência, poderiam ter sido realizados pelo tribunal declarado competente: 12 - In casu, a competência funcional, territorial, material e hierárquica do 1° e do 5° Juízos do TIC de Lisboa é em tudo idêntica - tal como o próprio Acórdão reconhece - pelo que é forçoso concluir que todos os actos praticados pelo Mm° Juiz do 1º Juízo do TIC poderiam ter sido praticados pelo 5° Juízo A, porque ambos são detentores da mesma competência; 13 - A única decisão de reapreciação que, do ponto de vista substancial, é permitida ao tribunal declarado competente, diz respeito às medidas de coacção, porquanto, constituindo restrições aos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos, não podem ser sacrificadas em nome do princípio da economia processual; 14 - A Mmª Juiz, no despacho recorrido, efectuou uma correcta interpretação das normas em causa e do decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, ao não efectuar uma reapreciação da validade substancial dos actos e ao adoptar o critério a que já se fez referência; 15 - A Mmª Juiz, verificou que todos os actos praticados pelo Juiz de instrução na fase de inquérito foram actos objectivamente praticados no âmbito e dentro da competência que lhe era atribuída nos termos legais, inseridos no objecto do processo tal como delimitado pelo Ministério Público, e convalidou aqueles actos que não foram alvo de impugnação pelos sujeitos processuais, por não ter ocorrido, quanto a tais actos, violação dos pressu(...)s legais dos quais dependiam a respectiva prática e que ferissem a sua subsistência, por não existir divergência entre a actividade processual levada a cabo e o modelo legal pelo qual o acto pode e deve ser praticado; 16 - Relativamente aos actos em relação aos quais os sujeitos processuais não se conformaram, tendo inter(...) recurso ou arguido nulidade, invalidade ou inexistência, entendeu a Mmª. Juiz que "as decisões que vieram a ser proferidas quanto a tais actos, ou por via da decisão do recurso nas instâncias superiores ou por via do conhecimento das arguidas nulidades aquando da abertura da instrução e do proferimento da decisão instrutória, constituíram já elas uma apreciação jurisdicional da validade dos actos praticados pelo Sr. Juiz de instrução do 1 º Juízo do TIC na fase de inquérito.”; 17 - Por - conforme já foi referido e é salientado, quer no acórdão do Tribunal da Relação, quer no despacho recorrido - todos os actos ordenados pelo Senhor Juiz do 1° juízo se integrarem no âmbito da competência funcional, material, territorial e hierárquica do Tribunal declarado competente, não foram "invalidados", no despacho recorrido, quaisquer actos praticados pelo juiz titular do 1°. Juízo do TIC, e não porque, como alega o arguido recorrente, tivesse sido adoptado pela Juiz um critério susceptível de ser qualificado como esvaziando de sentido as normas em causa e o decidido e ordenado pelo Acórdão da Relação de Lisboa; 18 - Atenta a natureza da intervenção do juiz de instrução na fase de inquérito, sempre provocada pelos sujeitos processuais, relativamente à prática de actos taxativamente elencados em que estejam em causa direitos, liberdades e garantias, compreende-se, também a essa luz, que não tivesse sido determinada a “repetição dos actos necessários para conhecer da causa”; 19 - Não assiste, também, qualquer razão ao arguido quando refere que a questão suscitada pelo cumprimento do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa é uma questão nova que, como tal, nunca foi considerada em qualquer decisão anteriormente proferida nos autos, uma vez que é um pressu(...) prévio da apreciação de qualquer outra questão substancial, a verificação, declarada ou não, de que a decisão a apreciar emana – como foi o caso – de tribunal com competência para o efeito e obedece a todos os pressu(...)s e requisitos legalmente estabelecidos; 20 - O despacho recorrido não violou qualquer norma constitucional ou legal, tendo efectuado uma correcta aplicação da Lei e cumprido o ordenado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, pelo que, negando provimento ao recurso, V. Exªs farão a esperada JUSTIÇA”. De igual forma, o arguido K interpôs recurso do despacho que validou os actos jurisdicionais praticados pelo Senhor Juiz de Instrução do 1.º Juízo do TIC de Lisboa (cf. Vol. 116.º, fls. 27.493 a 27.522), do qual veio a extrair as seguintes conclusões (transcrição): “1. No despacho recorrido o Tribunal a quo considerou-se competente para cumprir o Acórdão proferido em 17.03.04 pelo Tribunal da Relação de Lisboa - nos termos do qual se declarou a nulidade do despacho proferido em 07.01.03 a fls. 270 e ordenou a remessa ao Tribunal competente para validação ou invalidação dos actos praticados pelo Tribunal incompetente e de todos os que por aqueles se encontrem afectados -, e validou todos os actos praticados pelo M.mo JIC declarado incompetente, com base em critérios juridicamente inaceitáveis. 2. O Tribunal a quo fez depender a resolução da questão da competência do entendimento que o tribunal competente tenha quanto a critério que deverá presidir à validação/invalidação dos actos processuais, quando a questão da determinação da competência do Tribunal é prévia àquela outra da validação/invalidação dos actos processuais praticados pelo Tribunal incompetente, e com ela não se pode confundir e de todo dela depender. 3. Ao fazer depender a decisão sobre o tribunal competente do entendimento que o Tribunal a quo tenha sobre o sentido art.° 122°, n.° 3 do CPP e do critério orientador da decisão a proferir sobre a validação/invalidação dos actos praticados pelo tribunal incompetente, o despacho proferido não só não cumpre o Acórdão proferido - a cuja decisão está submetido -, como viola lei expressa. 4. O Tribunal a quo não tinha que atender ao regime e efeitos do dis(...) no art.° 210°, n.° 1 e 220° do C.P.C., quer quanto à decisão a proferir sobre o tribunal competente para dar cumprimento ao Acórdão do TRL de 17.03.04, quer quanto à decisão sobre a validação/invalidação dos actos praticados pelo tribunal incompetente, verificando-se nesta parte da fundamentação erro de apreciação e interpretação daqueles dispositivos legais que inquina a decisão recorrida. 5. A referência no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 17.03.04 à remessa dos autos para o “... Tribunal actualmente competente…”, só numa leitura apressada poderia entender-se como conferindo competência ao tribunal de julgamento para cumprimento do ali decidido e ordenado, porquanto não cabia ao Tribunal da Relação de Lisboa ordenar a remessa dos autos para qualquer outro tribunal senão para aquele considerado legalmente competente. 6. Deve antes entender-se que a referência efectuada no referido Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa só pode ter o sentido de remeter os autos para o Tribunal material e funcionalmente competente uma vez que as regras da competência dos tribunais estão definidas por Lei e, como tal, subtraídas à livre decisão do julgador, não estando pois na livre disposição do julgador a definição do Tribunal competente para resolver as questões decorrentes da incompetência de um tribunal ou a alteração por decisão judicial da regras de competência definidas pelo legislador. 7. Contrariamente ao regime fixado quanto a outras nulidades, no caso de declaração de incompetência, o Tribunal que declara a incompetência - in casu o Tribunal da Relação de Lisboa - ordena a remessa do processo para o tribunal competente, competindo a este determinar quais os actos que são inválidos e ordenar a repetição dos actos necessários para conhecer do mérito da causa. 8. Assim, cabe ao Tribunal competente declarar quais os actos nulos e ordenar a repetição dos actos necessários para conhecer da causa, tribuna para o qual o processo é remetido de acordo com o comando ínsito no art.° 33°, n.° 1 do CPP, que determina que, após declaração de incompetência do Tribunal, o Tribunal competente para anular os actos praticados pelo Tribunal incompetente, é aquele que deveria ter assumido o poder decisório do processo. 9. A lei processual penal não elenca as espécies de competência, embora as acolha implicitamente no art.° 32°, n.° 1 e 2 do CPP, ao prevenir regime excepcional para a incompetência territorial, mas não distinguindo a lei, parece contudo dever entender-se que os diferentes números e alíneas dos art.°s 11 a 17º do Código de Processo Penal delimitam, simultaneamente, a competência material e funcional dos respectivos tribunais. 10. Compete aos Tribunais de Instrução Criminal e ao Juiz de Instrução Criminal a competência funcional para proceder à instrução, decidir quanto à pronúncia e exercer as funções jurisdicionais relativas ao inquérito (cfr. art.° 79°, n.° 1 da LOFTJ e art.°s 17°, 268° e 269° do CPP) e às Varas Criminais compete proferir despacho nos termos dos art.°s 311° e 313° do CPP e proceder ao julgamento e termos subsequentes nos processos de natureza criminal e de competência do tribunal colectivo ou de júri (art.°s 98°, 106°, n.° 1 da LOFTJ e art.° 14° do CPP). 11. Os actos a cuja apreciação se haveria que proceder na sequência da declaração de nulidade efectuada pelo Acórdão do TRL de 17.03.04, são todos aqueles que resultam de decisões proferidas pelo Senhor Juiz do 1° Juízo do TIC de Lisboa, subsequentes ao despacho proferido em 07.01.03, a fls. 270, declarado ferido de nulidade insanável, sendo que tais decisões e actos deles decorrentes inserem-se no âmbito da competência funcional do Juiz de Instrução Criminal, a qual decorre do estatuído nos art.°s 17°, 268° e 269° do CPP e art.°s 79°, n.° 1 e 64°, n.°s 1 e 2 da LOFTJ. 12. A competência funcional de um tribunal encontra-se definida na lei e não recai na esfera de poderes jurisdicionais o poder de alterar, por via decisória, matéria de competência funcional e tão pouco com apoio ou fundamento no princípio da economia processual. 13. Estando esta determinação afastada do poder do Tribunal da Relação de Lisboa bem como do Tribunal a quo, não faz sentido legal debater critérios de economia processual, de celeridade ou qualquer outro valor adjectivo, pois o princípio fundamental, o da legalidade, se encontra violado. 14. Atento todo o ex(...), a discussão em torno do sentido de “...Tribunal actualmente competente…” não faz sentido algum, sendo mesmo irrelevante, pois o Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito desta problemática, só podia ordenar a remessa para o tribunal cuja competência está prevista na lei. 15. Se os actos em causa se inserem no âmbito de competência do JIC, por força do dis(...) nos arts.° 17.°, n.° 1 in fine, 268.° e 269.°, todos do CPP, e art.° 79º, n.° 1 da LOFTJ, só a este poderia caber, nos termos do art.° 33º, n.° 1 do mesmo diploma, dar cumprimento àquela decisão, validando ou invalidando esse mesmos actos. 16. O Tribunal a quo não é, pois, o competente para conhecer da validação ou invalidação dos actos praticados pelo JIC do 1º Juízo, mas tão somente o Juiz de Instrução Criminal do 5º Juízo-A, ou seja, aquele que deveria ter actuado jurisdicionalmente na fase de inquérito do presente processo por os autos lhe terem sido valida e regularmente distribuídos. 17. Acresce que ao tempo da prolação do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa a que se vem fazendo referência, os autos encontrava-se no início da instrução, facto mencionado por aquele Venerando Tribunal em mais do que uma passagem da decisão que proferiu, sendo tal decisão do Tribunal da Relação de Lisboa era insusceptível de recurso, por força do dis(...) no art.° 400.º, n.° 1 al. c) do CPP, o que era certamente do conhecimento dos Senhores Desembargadores que a proferiram. 18. Pelo que não era concerteza previsível para os Senhores Desembargadores que o proferiram que o Acórdão baixasse à primeira instância na fase do julgamento, não sendo legítimo retirar da expressão “... Tribunal actualmente competente…” outro sentido interpretativo que não o de que tal tribunal sempre seria o Tribunal de Instrução Criminal, por ser aquele que detinha a competência material e funcional para dar cumprimento ao ali determinado. 19. Na decisão que proferiu nesta parte, o Tribunal a quo violou o estatuído nos art.°s 33°, n.° 1, 11° a 17°, 268°, 269°, 311° e 313°, todos do CPP, bem como o estipulado nos art.°s 79°, n.° 1, 64°, n°s 1 e 2, 98°, 106°, n.° 1, todos da LOFTJ, aprovada pela Lei n.° 3/99, de 13 de Janeiro e republicada pela Lei n.° 105/2003, de 10 de Dezembro, assim inquinando o processo com a nulidade insanável prevista no art. 119°, alínea e), do Código de Processo Penal. 20. Nestes termos, devem Vossas Excelências declarar a nulidade da decisão recorrida, ordenando a remessa dos autos para o Tribunal competente, ou seja, para o Senhor Juiz do 5° Juízo - A do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa. 21. A interpretação assumida pelo Tribunal a quo sobre os normativos dos art.°s 33°, n.° 1, 14°, 17°, in fine, 268° e 269°, todos do C.P.P., é inconstitucional, por violar o sentido do art.° 32°, n.° 5, da Constituição da República Portuguesa, no qual está consagrado o princípio da estrutura acusatória do processo criminal. 22. Princípio este que exige que se diferencie entre o órgão que investiga e/ou acusa e o órgão que julga, tratando-se de uma garantia essencial de julgamento independente e imparcial, traduzível, no plano material, na distinção entre instrução, acusação e julgamento, e significativa, no plano subjectivo, de diferenciação entre juiz de instrução e juiz julgador e entre estes e o órgão acusador. 23. A atribuição ao tribunal de julgamento da competência para validação ou invalidação de actos jurisdicionais para os quais é funcionalmente competente o tribunal de instrução criminal, traduz-se numa violação expressa da delimitação funcional dos diversos tribunais criminais e, por consequência, de estrutura acusatória do processo penal português consagrado no art.° 32°, n.° 5 da Lei Fundamental. 24. A interpretação dos normativos citados, tal como assumida pelo Tribunal a quo, implica uma reformulação não autorizada do princípio de estrutura acusatória do processo criminal vigente, violando a norma constitucional do art.° 32°, n°5, da Constituição da República Portuguesa. 25. O cumprimento do Acórdão do TRL implica a apreciação e decisão sobre a validade ou invalidade de um vastíssimo conjunto de actos praticados pelo Senhor Juiz do 1.° Juiz do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa em fase de inquérito, decisões que se prendem com os direitos e garantias fundamentais do arguido, constitucionalmente consagradas e que não podem ser postergadas em nome do princípio da economia processual. 26. Tal apreciação e decisão não pode ser efectuada pelo Tribunal de julgamento sem que se verifique a violação das regras de competência funcional - arts. 14°, 17.°, n.° 1, 33.° n.° 1, 268.°, 269.°, 311º e 313°, todos do CPP e art.°s, 64°, nºs 1 e 2, 79°, n.° 1, 98° e 106 n.° 1 da LOFTJ - e do princípio consagrado no art.° 32.°, n.° 5 da Lei Fundamental. 27. Nestes termos, o despacho recorrido estará ferido de nulidade insanável, ex vi do dis(...) no art.º 119.º, al. e) do CPP. 28. A interpretação normativa efectuada pelo Tribunal a quo na decisão recorrida, das regras de competência funcional supra citadas, designadamente dos art.°s 14°, 17°, 330 nº 1, 268°, 269°, 311° e 313°, todos do CPP, e do dis(...) nos art.°s 64 n.°s 1 e 2, 79°, n.° 1, 98° e 106 n.° 1 da LOTJF, reconhecendo ao tribunal de julgamento, por via dessa interpretação, competência para apreciar e decidir da validação ou invalidação de actos jurisdicionais praticados em fase de inquérito pelo Senhor Juiz de Instrução Criminal declarado incompetente, é inconstitucional, por violadora da estrutura acusatória do processo penal e da norma constitucional que o consagra, art.° 32°, nº 5 da Constituição da República Portuguesa, a qual deve ser declarada. 29. O sentido interpretativo subjacente á aplicação daquelas mesmas normas efectuado na decisão recorrida, e por via dessa interpretação normativa conferindo competência ao Tribunal de julgamento para cumprir o Acórdão proferido em 17.03.04 pelo Tribunal da Relação de Lisboa, extravasando e anulando a delimitação da competência funcional dos tribunais criminais contidas naquelas normas é inconstitucional por violação do art.° 211°, n.°s l e 2, da Constituição da República Portuguesa, a qual deve ser declarada. 30. A interpretação dos normativos referidos pelo Tribunal a quo, na decisão recorrida, estabelece uma confusão nas funções, finalidades e competências entre os tribunais de julgamento e de instrução criminal, ao arrepio do que é consagrado na citada norma da Constituição da República, ou seja, a diferenciação de competências e a especialização de funções. 31. Nestes termos, a interpretação do normativo dos arts. 33º, n° 1, 14°. 17°, 268°, 269°, 311° e 313° todos do CPP, e art.°s 64°, n.°s 1 e 2, 79°, n.° 1, 98° e 106 n.° 1, é ofensiva da norma do art. 211º, n.°s 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, como tal devendo ser declarada. 32. Sem prescindir, o Tribunal a quo mal andou ao validar todos os actos jurisdicionais praticados pelo 1° Juízo do Tribunal de Instrução Criminal definindo como critérios para apreciação da validade dos actos, a perspectiva finalística do processo, a assunção formal dos actos em crise e o princípio da economia processual bem como o facto dos actos praticados pelo tribunal incompetente ter sido sindicada sistematicamente em sede de recurso, ou nem sequer ter sido suscitada pelos sujeitos processuais, encontrando-se, por qualquer das vias, validado ou convalidados os respectivos actos. 33. Pouco importa a eventual apreciação dos actos judiciais praticados pelo Senhor Juiz do 1° Juízo do Tribunal de Instrução Criminal em sede de recurso, pois a questão da incompetência do tribunal, porque à data desconhecida, não foi objecto de avaliação e decisão no âmbito de tais recursos, o que determinaria necessariamente a invalidação imediata das decisões recorridas. 34. A avaliação imposta pelos normativos dos art.°s 33°, n° 1 e 3, e 122°, ambos do CPP, dos actos praticados pelo tribunal incompetente não é uma avaliação formal ou finalística, temperada pelo princípio de máximo aproveitamento, mas uma avaliação material tutelada por um juízo de projecção decisória, como se perante o Tribunal que avalia a validade dos actos, tivesse decorrido o processo, 35. O Tribunal a quo, enraizado nos princípios aduzidos, considerou genérica e cabalmente validados todos os actos susceptíveis de estarem feridos de nulidade, sem que quaisquer razões ou fundamentos tivessem sido apresentados no sentido da demonstração da sua validade substancial, quando os normativos conjugados dos art.°s 33°, n.° 1, e 122°, ambos do CPP, exigem que se verifiquem todas as consequências da nulidade do acto declarada, se analisem as repercussões dessa nulidade no processo, o que determina uma avaliação substancial do universo decisório consequente. 36. Tal avaliação e decisão não pode ser condicionada, e por maioria de razão dominada, pelo princípio da economia processual, porquanto tais decisões prendem-se com direitos e garantias fundamentais do arguido, constitucionalmente consagradas e que não podem ser postergadas ou colocadas de salvaguarda inferior ao do princípio da economia processual, sob pena de violação do art.° 32°, n.°s 1, 2 e 5 da lei Fundamental. 37. A questão suscitada pelo decidido e ordenando pelo Acórdão proferido em 17.03.04, surge ex novo, pois nunca foi nesses termos avaliada e decidida nos recursos inter(...)s e nas arguições de nulidade, irregularidade ou inexistência anteriormente colocadas e decididas. 38. O Tribunal a quo ao não avaliar substancialmente os actos praticados pelo Senhor Juiz do 1° Juízo do TIC de Lisboa. não cumpriu o decidido e ordenado pelo Acórdão proferido em 17.03.04 pelo TRL, pois não assumiu, coma se lhe impunha, uma posição específica e substancial sobre as temáticas que lhe cabia apreciar e decidir, esvaziando o regime das nulidades e dos seus efeitos. 39. É o que sucede, no que respeita à decisão aos despachos que determinaram a prisão preventiva e os reexames trimestrais obrigatórios, cuja decisão genérica do Tribunal a quo não satisfaz as imposições normativas dos arts. 33°, n.°s 1 e 3 e 122, n.° 1 do CPP, pois não contém a avaliação substancial e material de cada acto praticado e das invalidades subsequentes deles derivadas, esvaziando assim de sentido útil aqueles normativos bem como o doutamente decidido e ordenado pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa. 40. O que é particularmente expressivo no que concerne ao cumprimento do n.° 3 do art.° 33º do CPP, do qual decorre a obrigação de o Tribunal proferir decisão substancial, e não meramente formal, no que respeita à validação ou convalidação das decisões, o que, evidentemente, não foi efectuado pelo Tribunal a quo, conforme resulta expressa e inequivocamente do texto da decisão que proferiu e constitui violação expressa do determinado no Acórdão proferido pelo TRL em 17.O3.04 e do dis(...) naquele normativo legal. 41. Em consequência da interpretação normativa assumida pelo Tribunal a quo, ao recorrente está vedada a possibilidade de avaliar as conclusões da decisão recorrida, não podendo conhecer os fundamentos para a validação dos actos processuais praticados por tribunal incompetente. 42. O sentido interpretativo das normas dos art.°s 33°, n.°s 1 e 3 e 122°, n°s 1, 2 e 3 do CPP, efectuado no despacho recorrido, no sentido de que, nesta fase, não cabe efectuar a reapreciação substancial dos actos, mas apenas aferir do cumprimento dos pressu(...)s legais que, por uma questão de economia processual ou por falta de competência funcional do Tribunal de julgamento, é inconstitucional por ofensiva dos art.°s 28º, n.° 1 e 32°, n.°s 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa, a qual aqui se ergui e deve ser declarada. 43. Por outro lado, o Tribunal a quo sustenta a sua decisão em normas que não têm qualquer aplicabilidade neste domínio, a saber, os art.°s 2 10°. nº 1 e 220°, ambos do Código de Processo Civil. 44. Verifica-se ainda da leitura da decisão recorrida, que o Tribunal a quo não discrimina quais os critérios que determinaram a avaliação de determinados actos como de maior relevância que outros, ficando por saber, por completa ausência de fundamentação quanto a esta matéria, quais os princípios e os valores que determinaram a eleição de alguns actos como de maior relevância, afastando os restantes. 45. Ao limitar-se a proferir uma decisão genérica de validação de todos os actos praticados pelo tribunal incompetente, o despacho recorrido sofre do vício de ausência de fundamentação o que determina a impossibilidade de sindicar correctamente os critérios assumidos pelo Tribunal a quo, inquinando de uma nulidade da decisão, por violação do art. 97, nº 4, do Código de Processo Penal. 46. A interpretação normativa da norma do art.° 97°. n.° 4 do CPP efectuado na decisão recorrida, no sentido de que não tem de explicitar os critérios que subjazem ao seu juízo de maior ou menor relevância dos actos praticados, é inconstitucional por violação do dever de fundamentação das decisões consagrado no art.° 205°, n.° 1 da CRP, bem como do direito ao recurso consagrado no art.° 32°, n.° 1 da mesma Lei Fundamental, a qual deve ser declarada por Vossas Excelências. 47. Da leitura do despacho recorrido, verifica-se que o Tribunal a quo não se encontra em condições para avaliar e ponderar imparcialmente as questões essenciais do processo, uma vez que a ausência de quaisquer critérios válidos, a confusão de funções jurisdicionais e a inexistência de fundamentação quanto a esta problemática simples prenunciam uma sistemática violação dos princípios que devem imperar na formação da convicção. 48. Caso Vossas Excelências entendam não aceitar esta perspectiva, sempre se dirá que os actos praticados pelo tribunal incompetente que estão feridos de nulidade são todos os actos subsequentes ao despacho declarado nulo, ou seja, todos os actos praticados pelo M.mo Juiz do 1º Juizo-A do TIC de Lisboa, bem como todos aqueles que deles decorrem e aqueles que afectaram, designadamente - embora não exclusivamente -, o primeiro interrogatório judicial de arguido detido, o despacho que determinou a sua prisão preventiva e os proferidos aquando dos seus reexames, os despachos que negaram o acesso à factualidade relevante e ao meios de prova respectivos, os despachos que ordenaram, autorizaram e validaram revistas, buscas e apreensões e todos os actos deles decorrentes, os despachos que ordenaram e autorizaram a intercepção e gravação de conversações telefónicas dos telefones móveis e fixos e todos os actos deles decorrentes, os despachos que declararam a especial vulnerabilidade das vítimas e todos os demais actos que subsequentes a todos os atrás referidos e deles dependentes e/ou decorrentes. 49. Tais actos são ainda, por decorrência da declaração de invalidade daqueles, todos os actos praticados pelos M.mos Juizes que despacharam no âmbito da fase de instrução e os que deles decorreram e, por consequência, todos os actos praticados após a fase de instrução, ou seja, também na fase de julgamento e até ao presente momento, o que deve ser declarado, com as legais consequências.” O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu ao recurso inter(...) pelo arguido K (cf. fls. 71 a 99 do Apenso P), defendendo, em síntese, que (transcrição): “1 - O Tribunal da Relação de Lisboa não decidiu que o processo deveria ser remetido para o TIC a fim de os actos praticados pelo Juiz do 1º. Juízo serem "validados" pelo Juiz que deveria ter intervindo na fase de inquérito, de acordo com a distribuição efectuada antes do proferimento do despacho cuja nulidade foi declarada, por violação das regras de distribuição e de competência funcional; 2 - Como salienta a Mmª. Juiz no despacho recorrido, "Caso assim o tivesse entendido (o Tribunal da Relação) tinha-o dito: em vez de referir-se ao Tribunal "actualmente competente" - pois o J.I.C. que veio a intervir na fase da Instrução, após distribuição para o efeito, também não era o J.I.C. que tivera competência para intervir na fase do Inquérito -, teria mandado baixar o recurso a fim de (pelo menos) os autos serem remetidos e/ou presentes ao J.1. C. com competência na fase de inquérito”; 3 - Da aplicação da norma constante do art°. 33°. n°. 1 do CPP nunca resultaria a remessa dos autos para o Juízo do TIC onde decorreu a fase de Instrução, a fim de, pelo juiz titular de tal juízo, serem “validados” os actos judicias praticados na fase de inquérito, mas sim a remessa dos autos ao Juiz com competência na fase de inquérito, o Juiz titular 5º. Juízo A do T1C, a quem o processo fora inicialmente distribuído, e por isso com competência, nos termos da norma citada, para anular os actos que se não teriam praticado se perante ele tivesse corrido o processo e ordenar a repetição dos actos necessários para conhecer da causa; 4 - Tal não foi o decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que determinou a remessa dos autos para "o Tribunal actualmente competente", só não tendo tal Tribunal superior efectuado a "validação" dos actos judicias realizados na fase de inquérito, por, conforme se salienta no Acórdão, não fornecerem os autos de recurso quaisquer indicações sobre quais concretamente os actos praticados pelo Juiz titular do 1°. Juízo do TIC, posteriormente a 07.01 2003, data do proferimento pelo Juiz titular do 5º. Juízo A, do despacho declarado ferido de nulidade insanável; 5 - Não assiste qualquer razão ao arguido recorrente na argumentação que expende, pois, independentemente da considerações que o mesmo tece sobre qual é o tribunal competente, com base na aplicação da lei, para efectuar a "validação" dos actos em causa, a decisão do tribunal superior transitou em julgado, tendo, por isso, a Mmª. Juiz, no despacho recorrido, aferido e cumprido o ordenado pelo Tribunal Superior; 6 - A interpretação que o arguido recorrente efectua das normas processuais penais que cita como forma de concluir que o juiz de julgamento nunca poderia ter efectuado a "validação" dos actos praticados na fase de inquérito pelo juiz titular do 1º. Juízo do TIC, não é correcta nem está consentânea com o espírito e princípios que enformam o processo penal; 7 - Seria contrário aos princípios processuais penais, determinar o retorno dos autos à fase de inquérito, a fim de um juiz com competência material, funcional, hierárquica e territorial exactamente igual à competência do juiz que praticou os actos, "validar" os actos praticados por este; 8 - Estando em causa uma declaração de nulidade, impunha-se fazer apelo à disciplina constante do art°. 122°. n°. 3 do CPP - de acordo com a qual, uma vez declarada a nulidade, "o juiz aproveita todos os actos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela" — só não tendo o Tribunal da Relação de Lisboa procedido à "validação" dos actos judiciais praticados na fase de inquérito, após o proferimento do despacho cuja nulidade declarou, por não possuir os elementos necessários para o efeito, relativos a todos os actos judiciais praticados; 9 - O arguido recorrente não tem, sem pôr em causa o acórdão preferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, forma de defender que a competência para conhecer da validação ou invalidação dos actos praticados pelo J IC do 1°. Juízo pertence ao JIC do 5°. Juízo A, não sendo defensável que o sentido da expressão "tribunal actualmente competente" seja juiz do 5°. juízo A do TIC, que proferiu, na fase de inquérito, o despacho constante de fls. 270 dos autos; 10 - O "Tribunal actualmente competente", a que faz menção o Tribunal da Relação de Lisboa, é, conforme resulta do próprio acórdão, tendo em conta a considerada evolução temporal do processo, e da correcta aplicação das normas processuais penais, e conforme foi decidido na decisão recorrida, o Tribunal de Julgamento, não tendo o arguido recorrente invocado qualquer argumento válido susceptível de pôr em causa tal conclusão; 11 - A validação efectuada no despacho recorrido, relativa aos actos judicias praticados na fase de inquérito em nada contende com a estrutura acusatória do processo penal, com consagração constitucional; 12 - Os actos praticados na fase de inquérito não foram analisados no seu conteúdo substancial, nomeadamente tendo em conta o suporte fáctico que, em cada momento, determinou a sua prática, tendo sido erigido como critério de invalidação de tais actos apenas aqueles que "na perspectiva fìnalística do processo não deviam ter sido praticados ou aqueles que não tenham observado os pressu(...)s legais que, em abstracto, condicionam a sua pratica.”; 13 - A norma ínsita no art°. 40°. do CPP não exclui a possibilidade de um juiz, que tenha intervenção na fase de inquérito ou instrução, poder vir a presidir ao julgamento, compreendendo-se que assim seja, pois, em concreto no que se reporta à fase de inquérito, a intervenção judicial não é conformadora do conteúdo e desfecho do objecto do processo, mas sim provocada sempre a apenas quando haja que decidir quanto a questões que tenham que ver com direitos fundamentais, estando taxativamente elencados os actos da competência do Juiz de Instrução em tal fase de processo; 14 - O conhecimento, em qualquer fase do processo, incluindo na fase de julgamento, de nulidades ocorridas em fases anteriores do processo - quer nulidades insanáveis quer aquelas dependentes de arguição - implica sempre uma apreciação dos actos que, face à nulidade declarada, se deverão considerar inválidos, conforme estatuído no art°. 122°. do CPP, sem que tal contenda com as regras inerentes a delimitação funcional dos diversos tribunais; 15 - O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa estipulou, claramente, quais as normas processuais a que deve obedecer a decisão de validação ou não dos actos praticados pelo Mm° JIC do 1° Juízo do TIC de Lisboa, referindo, também clara e expressamente que devem ser aplicadas as normas gerais do processo penal sobre os efeitos da declaração de nulidade, bem como norma específica, do mesmo processo penal, relativa à declaração de incompetência ("Em sede específica dos “efeitos da declaração de incompetência dispõe o artº 33º do CPP que...” pág. 19); 16 - Resulta do dis(...) no art°. 33º. nº. 1 do CPP que são susceptíveis de ser anulados, apenas, os actos que, atentas a regras da competência material, territorial, funcional e hierárquica, se não deveriam ter praticado; 17 - Ao eleger como critério de validação actos processuais e não decisões, a lei visou impedir qualquer apreciação do seu mérito, devendo o tribunal cingir-se, apenas, ao cotejamento dos actos processuais que, do ponto de vista das regras de competência, poderiam ter sido realizados pelo tribunal declarado competente; 18 - In casu, a competência funcional, territorial, material e hierárquica do 1° e do 5° Juízos do TIC de Lisboa é em tudo idêntica – tal como o próprio Acórdão reconhece – pelo que é forçoso concluir que todos os actos praticados pelo Mm° Juiz do 1 ° Juízo do TIC poderiam ter sido praticados pelo 5° Juízo A, porque ambos são detentores da mesma competência; 19 - A única decisão de reapreciação que, do ponto de vista substancial, é permitida ao tribunal declarado competente, diz respeito às medidas de coacção, porquanto, constituindo restrições aos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos, não podem ser sacrificadas em nome do princípio da economia processual; 20 - A Mmª. Juiz, no despacho recorrido, efectuou uma correcta interpretação das normas em causa e do decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, ao não efectuar uma reapreciação da validade substancial dos actos e ao adoptar o critério a que já se fez referência; 21 - A Mmª. Juiz, verificou que todos os actos praticados pelo Juiz de Instrução na fase de inquérito foram actos objectivamente praticados no âmbito e dentro da competência que lhe era atribuída nos termos legais, inseridos no objecto do processo tal como delimitado pelo Ministério Público, e convalidou aqueles actos que não foram alvo de impugnação pelos sujeitos processuais, por não ter ocorrido, quanto a tais actos, violação dos pressu(...)s legais dos quais dependiam a respectiva prática e que ferissem a sua subsistência, por não existir divergência entre a actividade processual levada a cabo e o modelo legal pelo qual o acto pode e deve ser praticado; 22 - Relativamente aos actos em relação aos quais os sujeitos processuais não se conformaram, tendo inter(...) recurso ou arguido nulidade, invalidade ou inexistência, entendeu a Mmª. Juiz que "as decisões que vieram a ser proferidas quanto a tais actos, ou por via da decisão do recurso nas instâncias superiores ou por via do conhecimento das arguidas nulidades aquando da abertura da instrução e do proferimento da decisão instrutória, constituíram já elas uma apreciação jurisdicional da validade dos actos praticados pelo Sr. Juiz de instrução do 1º. Juízo do T1C na fase de inquérito.”; 23 - Por - conforme já foi referido e é salientado, quer no acórdão do Tribunal da Relação, quer no despacho recorrido - todos os actos ordenados pelo Senhor Juiz do 1° juízo se integrarem no âmbito da competência funcional. Material, territorial e hierárquica do Tribunal declarado competente. não foram "invalidados", no despacho recorrido, quaisquer actos praticados pelo juiz titular do 1°. Juizo do TIC, e não porque, como alega o arguido recorrente, tivesse sido adoptado pela Mma. Juiz um critério susceptível de ser qualificado como esvaziando de sentido as normas em causa e o decidido e ordenado pelo Acórdão da Relação de Lisboa; 24 - Atenta a natureza da intervenção do juiz de instrução na fase de inquérito, sempre provocada pelos sujeitos processuais, relativamente à prática de actos taxativamente elencados em que estejam em causa direitos, liberdades e garantias, compreende-se, também a essa luz, que não tivesse sido determinada a “repetição dos actos necessários para conhecer da causa”; 25 - É a todos os títulos incompreensível a invocação, pelo arguido recorrente, da falta de fundamentação da decisão recorrida, nesta estando expressos, de forma exaustiva e aprofundada, os critérios que presidiram à validação dos actos em causa e os motivos de facto e de direito que determinaram a adopção de tais critérios; 26 - O arguido recorrente, depois de argumentar - sem qualquer razão, conforme já se demonstrou - no sentido de que, na decisão recorrida, não foi enunciado qualquer critério válido susceptível de sustentar a validação efectuada - conclui propugnando pela nulidade de todos os actos judiciais praticados no âmbito do processo, após o proferimento do despacho constante de fls. 270, sem aventar qualquer critério ou fundamento, susceptível de justificar tal pretensão; 27 - Inexiste norma constitucional, processual penal ou princípio fundamental susceptível de ser invocado, como forma de justificar a pretendida declaração de nulidade de actos judiciais praticados em todas as fases do processo, incluindo a fase de inquérito, por juízes que dispunham/dispõem de competência material, funcional, hierárquica e territorial para a prática dos actos que levaram a cabo; 28 - O despacho recorrido não violou qualquer norma constitucional ou legal, tendo efectuado uma correcta aplicação da lei e cumprido o ordenado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, pelo que, negando provimento ao recurso, V. Exªs farão a esperada JUSTIÇA”. Todos estes recursos foram admitidos a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo (cf. despachos, respectivamente, de fls. 27434, 27574 e 27575). Todavia, mediante os acórdãos deste Tribunal da Relação de Lisboa de 30-06-2005, de 30-06-2005 e de 29-06-2005 foi alterado o regime de subida fixado pela 1.ª instância, determinando-se que os mesmos subissem diferidamente, com os que viessem a ser inter(...)s da decisão que ponha termo à causa (cf. respectivamente fls. 4093 a 4102 do Apenso Q, fls. 3969 a 3971 do Apenso N e fls. 4157 a 4161 do Apenso P). Apreciando. 6.1. Considerações Gerais Conforme decorre do dis(...) no art. 412.º, n.ºs 1 a 3, do CPP, são as conclusões, extraídas da motivação apresentada, que fixam o objecto do recurso e que delimitam as questões controvertidas, quer de facto e/ou quer de direito, que são submetidas a nova apreciação por parte do tribunal de instância hierarquicamente superior. Das conclusões das motivações apresentadas, já acima transcritas, constata-se que os arguidos H, C e K – mostrando a sua discordância quanto ao despacho de fls. 25475 a 25488, que validou todos os actos jurisdicionais praticados pelo JIC do 1.º Juízo do TIC de Lisboa – suscitam fundamentalmente as seguintes questões: - Qual o tribunal competente para dar cumprimento ao decidido pelo acórdão da Relação de Lisboa de 17-03-2004 – que declarou a nulidade do despacho de fls. 270 destes autos e que determinou a avaliação na perspectiva da validade/invalidade dos actos praticados pelo juiz do 1.º Juízo do TIC em momento posterior a 07-01-2003 –, se o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa (o 3.º Juízo na perspectiva do arguido C ou o 5.º Juízo - A do TIC de Lisboa na perspectiva do arguido K;) ou se a Vara Criminal a que foi distribuído para julgamento o processo comum colectivo, conforme foi entendimento do Tribunal a quo (no requerimento de fls. 25444 a 25453, o arguido H já tinha manifestado o seu entendimento no sentido de que “(…) deve ser o juiz de julgamento a validar ou infirmar os actos praticados pelo Dr. Rui Teixeira.”; - Se a decisão recorrida, ao assumir a competência da 8.ª Vara Criminal de Lisboa para a exigida apreciação dos actos praticados durante o decurso do inquérito pelo Senhor Juiz do 1.º Juízo do TIC de Lisboa, interpretou, maxime, os arts. 14.º, 17.º, 33.º, n.º 1, 268.º e 269.º, do CPP, e 79.º, n.º 1, da LOFTJ, de modo contrário à Constituição, ofendendo, quer o princípio da estrutura acusatória do processo criminal, quer a diferenciação de competências e a especialização de funções dos tribunais judiciais (cf., respectivamente, arts. 32.º, n.º 5, e 211.º, n.ºs 1 e 2, da Lei Fundamental); - Se, tendo em consideração o dis(...) nos arts. 33.º e 122.º do CPP, a decisão recorrida deveria ter procedido a uma avaliação substancial, que não puramente formal ou perspectivada em função de uma visão finalística do processo, dos actos em causa praticados pelo Juiz de Instrução Criminal durante a fase de inquérito, mormente dos despachos judiciais que aplicaram ou que mantiveram as medidas de coacção impostas aos arguidos; - Se a decisão recorrida, ao validar deste modo todos os actos jurisdicionais praticados pelo juiz do 1.º Juízo do TIC de Lisboa, ao arrepio do que pretendiam os ora recorrentes, efectuou uma interpretação inconstitucional dos preceitos legais nela aplicados, muito em particular dos arts. 33.º e 122.º do CPP, incorrendo em violação do estabelecido nos arts. 28.º, n.º 1, 32.º, n.ºs 1 e 2, e 205.º, n.º 1, da Lei Fundamental. Antes de se iniciar a análise das questões suscitadas em sede de recurso pelos referidos arguidos, importa recordar os principais actos processuais a elas atinentes, de acordo com uma sequência cronológica, para melhor proceder ao seu enquadramento: - no dia 07-01-2003, no início do inquérito, foi proferido o seguinte despacho, que aqui se transcreve: “tendo em conta que o presente processo já foi despachado pelo Exmo. Colega do 1º Juízo deste T.I.C. (…), proceda-se ao averbamento dos presentes autos a esse juízo, dando-se a competente baixa da distribuição do processo no 5º Juízo – A” – cf. fls. 270, Vol. 2.º; - no dia 22-01-2004, já após a dedução de acusação por parte do Ministério Público, o arguido E interpôs recurso do despacho acima transcrito, que endereçou ao Tribunal da Relação de Lisboa, no qual defendeu, em suma, que “há que concluir que todos os actos processuais praticados pelo Senhor Juiz ilegal e inconstitucionalmente aforado são nulos (…) o que deve ser declarado, daí se sacando as legais consequências em termos de Inquérito, dos actos jurisdicionais praticados no decurso deste e da própria acusação.” – cf. fls. 15.238 a 15.255, Vol. 68.º; - subindo este recurso de imediato e em separado, o Tribunal da Relação de Lisboa, mediante acórdão proferido no dia 17-03-2004, decidiu julgar procedente o recurso inter(...) pelo arguido E, ainda que por razões diferentes das invocadas (este acórdão considerou não ter ocorrido “ (…) qualquer violação do princípio do juiz legal ou natural ou mesmo de desaforamento”), declarando nulo o despacho recorrido de fls. 270 e ordenando “(…) a remessa dos autos para o Tribunal actualmente competente, o qual deverá dar cumprimento ao agora aqui ordenado e antes deixado referido.” – cf. fls. 56 a 75 do Apenso AI; - nestes autos de recurso, a que coube o n.º 1967/04 - 3.ª, mediante requerimento que deu entrada em juízo no dia 29-03-2004, o arguido A arguiu a nulidade dos despachos, do parecer do MP e do acórdão acabado de proferir pelo Tribunal da Relação de Lisboa, ao mesmo tempo em que requereu a baixa dos autos ao TIC para notificação de todos os sujeitos processuais – cf. fls. 91 a 96 do Apenso AI; - por acórdão datado de 04-05-2004, proferido nos autos de recurso n.º 3432/04 - 5.ª, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu revogar o despacho que manteve a medida de coacção de prisão preventiva aplicada ao arguido H, que substituiu pela medida de coacção de obrigação de permanência na habitação - cf. fls. 19.413 a 19.427, Vol. 83.º; - no dia 05-05-2004, no âmbito dos mencionados autos de recurso n.º 1967/04 - 3.ª, foram julgadas improcedentes as nulidades invocadas a 29-03-2004 pelo arguido A – cf. fls. 98 a 102 do Apenso AI; - por despacho datado de 07-05-2004, proferido pelo 3.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, foram substituídas as medidas de coação de prisão preventiva que tinham sido impostas aos arguidos C e K – cf. fls. 19690 a 19693, Vol. 84.º; - no dia 28-05-2004 o arguido A interpôs recurso do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido a 29-03-2004, vindo o Supremo Tribunal de Justiça, mediante acórdão de 14-10-2004, a rejeitá-lo, ao abrigo do dis(...) nos arts. 400.º, n.º 1, al. c), 419.º, n.º 4, als. a) e c), 420.º, n.º 4 e 432.º, al. b), do CPP – cf. fls. 120 a 131 e 148 a 153 do Apenso AI; - no dia 31-05-2004, o 3.º Juízo do TIC de Lisboa procedeu à leitura da decisão instrutória, pronunciando os arguidos/recorrentes H, C e K – cf. fls. 20738 a 21014, Vol. 88.º; É tempo de passar a apreciar as questões enunciadas. Preceitua o art. 33.º do CPP (que não sofreu alterações com a entrada em vigor da Lei 48/2007, de 29-08), sob a epígrafe ”Efeitos da declaração de incompetência”: “1 – Declarada a incompetência do tribunal, o processo é remetido para o tribunal competente, o qual anula os actos que não se teriam praticado se perante ele tivesse corrido o processo e ordena a repetição dos actos necessários para conhecer da causa.” (…) “3 – As medidas de coacção ou de garantia patrimonial ordenadas pelo tribunal declarado incompetente conservam eficácia mesmo após a declaração de incompetência, mas devem, no mais breve prazo, ser convalidadas ou infirmadas pelo tribunal competente.” Conforme resulta, quer da letra da epígrafe, quer do texto legal, quer ainda do confronto com os precedentes artigos do CPP, o aludido art. 33.º consagra o regime geral dos efeitos da declaração de incompetência em matéria processual penal, independentemente de se tratar de incompetência material, funcional ou territorial. Falando a epígrafe do artigo, em termos gerais, nos “efeitos da declaração de incompetência” e não contendo o texto do dispositivo qualquer regime específico (v.g. ao contrário do que sucede com o art. 32.º, n.º 2, do CPP, em que se fixam limites processuais para a dedução e declaração da incompetência territorial), afigura-se que o legislador não estabeleceu, no texto da lei, qualquer expressa diferenciação de tratamento consoante o tipo de incompetência em causa, remetendo para o aplicador do direito a tarefa prática de análise e de avaliação, de acordo com as circunstâncias do caso, da validade/invalidade dos actos praticados pelo tribunal declarado incompetente. Dito por outras palavras: quanto aos efeitos, a declaração de incompetência funcional, material ou territorial é tratada de modo igual pelo legislador no art. 33.º do CPP, sem qualquer regime próprio ou específico para cada uma delas, o que não significa que venham a ser iguais as soluções práticas a que se chegue a final, já que, conforme decorre da lei, o processo é remetido para o tribunal competente, “o qual anula os actos que não se teriam praticado se perante ele tivesse corrido o processo”. Em vez de delimitar o regime específico dos efeitos de cada uma das situações de incompetência, o legislador decidiu conferir plasticidade à norma do n.º 1 do art. 33.º do CPP, fazendo reverter para o aplicador do direito a sua moldagem em concreto, a quem cabe, naturalmente de acordo com o tipo de incompetência em causa, a avaliação dos actos que forçosamente terão de ser anulados por incompatibilidade e determinar a repetição daqueles que estritamente se mostrem necessários para a boa decisão da causa. De qualquer modo, procedendo à análise do artigo precedente, afigura-se que o legislador não atribui igual significado aos diferentes tipos de incompetência, tendo por referência os diferentes limites processuais para a sua dedução e declaração. Enquanto que a incompetência territorial só pode ser deduzida e declarada, no máximo, até ao início da audiência de discussão e julgamento (cf. n.º 2), a incompetência funcional ou material, aparentemente de maior relevância, poderá ser deduzida e declarada até ao trânsito em julgado da decisão final (cf. n.º 1), seja ou não proferida em 1.ª instância. Independentemente, a lei remete para o aplicador do direito a avaliação da validade dos actos praticados pelo tribunal declarado incompetente, de modo a considerá-los todos aproveitados, apenas alguns desses actos ou nenhuns deles, o que deverá ser conseguido de acordo com as normas processuais penais aplicáveis, mas tendo em consideração as particulares circunstâncias do caso. Nesta perspectiva, tendencialmente, num processo poderá ocorrer o aproveitamento de todos os actos praticados por um tribunal declarado territorialmente incompetente, do mesmo modo em que noutro processo poderá ficar comprometida a validade de todos os actos praticados, sendo, v.g., de anular toda a actividade processual de selecção de jurados caso venha a ser declarada a incompetência do tribunal do júri para o julgamento da causa ou quando definitivamente se reconheça a competência do tribunal colectivo e já tenha sido realizada audiência de julgamento no âmbito de processo comum singular. Tudo dependerá afinal de contas da avaliação a efectuar caso a caso, com base nos princípios fundamentais e nas normas que regulam o processo penal, por forma a apurar-se e a decidir-se se os actos praticados pelo tribunal que seja declarado incompetente podem todos vir a ser aproveitados, apenas alguns ou nenhuns deles. Dito isto, importa avançar na apreciação dos recursos inter(...)s, rejeitando o entendimento sufragado pelos recorrentes no sentido de que, por regra, devem ser anulados os actos praticados pelo tribunal declarado incompetente e que só excepcionalmente os mesmos devem ser aproveitados, uma vez que, em nossa opinião, quer o texto do art. 33.º do CPP, quer o seu enquadramento, impõem diferente solução. Da análise crítica do n.º 1 deste preceito resulta que os actos processuais praticados pelo tribunal declarado incompetente mantêm a sua validade, só sendo anulados aqueles que não teriam sido praticados ou só sendo repetidos pelo tribunal competente aqueles que se mostrem necessários para conhecer da causa. Se, nas palavras do legislador, são anulados os actos que se não teriam praticado, tal não pode deixar de significar que todos os outros mantêm a sua validade. De igual sorte, só será ordenada a repetição dos que se mostrem indispensáveis para o conhecimento da causa. Em face do teor do n.º 1 do art. 33.º do CPP, mostra-se incontornável que o legislador processual penal sufragou o princípio do aproveitamento dos actos processuais praticados por tribunal incompetente. A anulação e a repetição dos mesmos dependerá respectivamente da sua incompatibilidade e da sua indispensabilidade para a boa decisão da causa. Caso não se verifiquem estas circunstâncias, ou seja, quando se concluir que os actos processuais em causa teriam sido praticados na mesma pelo tribunal competente ou quando se chegar à conclusão que eles se mostram irrelevantes ou supérfluos, esses actos processuais manterão a validade e a eficácia ou não será determinada a sua repetição. Aliás, a doutrina tem-se pronunciado, de modo unânime, no sentido da aceitação do princípio do máximo aproveitamento desses actos processuais. Diz-nos Gil Moreira dos Santos (in “Noções de Processo Penal”, pág. 190): “O princípio do máximo aproveitamento dos actos processuais em processo penal leva a que só se anulem ou se repitam actos indispensáveis para adequar o processo à tramitação que ele teria face às razões específicas de competência do tribunal que vai conhecer a causa – n.º 1 do artigo 33.º –, sem prejuízo da competência para actos urgentes mesmo pela entidade incompetente – 33.º, n.º 2 e 266.º, n.º 2 do C.P.P.”. Também Paulo Pinto de Albuquerque (in “Comentário do Código de Processo Penal”, UCE, 2007, pág. 108), em anotação ao mencionado art. 33.º do CPP, defende que: “A anulação dos actos praticados pelo tribunal incompetente está submetida a um critério de justiça material consentâneo com os princípios da economia processual e do máximo aproveitamento dos actos processuais espelhados ao longo do Título I. O critério é o do prejuízo para a justiça da decisão do processo. Este critério material deve orientar o tribunal competente na anulação dos «actos que se não teriam praticado se perante ele tivesse corrido o processo»”. Em idêntico sentido, pronunciaram-se Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques (in “Código de Processo Penal Anotado”, Almedina, 2008, Vol. I, pág. 244): “Poderá, assim, haver actos que foram praticados a mais (ou melhor: que agora já não seriam precisos) e actos que é necessário repetir para correcto conhecimento da causa. Só no concreto se pode aquilatar do que há que fazer nesse aspecto – anular, repetir ou não fazer nada. Mas uma coisa deve ter-se sempre presente: é que «o princípio do máximo aproveitamento dos actos processuais em processo penal leva a que só se anulem ou só se repitam actos indispensáveis para adequar o processo à tramitação que ele teria (…)»”. De igual sorte, também os Magistrados do Ministério Público do Distrito do Porto vieram manifestar a sua concordância quanto ao princípio do máximo aproveitamento dos actos processuais praticados por tribunal incompetente (in “Código de Processo Penal – Comentários e Notas Práticas”, Coimbra Editora, 2009, pág. 81): “O critério de justiça material consentâneo com os princípios da economia processual e do máximo aproveitamento dos actos processuais em processo penal leva a que só se anulem ou se repitam actos indispensáveis para adequar o processo à tramitação que ele teria face às razões específicas de competência do tribunal que vai conhecer da causa. Temos assim que a declaração de incompetência não determina a nulidade do processo, mas tão-só dos actos que se não teriam praticado se o processo tivesse corrido perante o tribunal competente. É o tribunal competente que declara quais os actos que são nulos e que ordena a repetição dos actos necessários para conhecer da causa.” Este entendimento mostra-se consentâneo com o princípio constitucional do julgamento no mais curto lapso de tempo, consagrado no art. 32.º, n.º 2, da Constituição: “Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa”. Desde que se mostrem salvaguardadas as garantias de defesa, desde que se assegure ao arguido um julgamento justo e equitativo, com igualdade de armas face à acusação e com efectiva defesa dos seus direitos, o legislador impôs ao aplicador do direito a realização de uma justiça célere e expedita, até para tutela do princípio da presunção de inocência. “Um processo que se arrasta durante longo tempo, por tempo superior ao necessário para o esclarecimento da suspeita e para assegurar ao arguido a preparação da defesa, converte-se frequentemente em sofrimento insuportável para o arguido, porque os riscos naturais inerentes a qualquer processo, a incerteza da decisão e a ameaça da condenação que sobre ele paira, podem comprometer a sua vida pessoal e profissional e até mesmo a sua liberdade” (cf. Jorge Miranda e Rui Medeiros, in “Constituição Portuguesa Anotada”, Coimbra Editora, 2010, Tomo I, pág. 726). O que entronca precisamente no princípio da economia processual, e também, sobretudo, no tocante àquilo que nos trouxe até aqui, no princípio do máximo aproveitamento dos actos processuais. Como a anulação e a repetição dos actos comporta dispêndio de tempo e de energia, comprometendo a celeridade processual, o aplicador do direito só deve enveredar por este caminho desde que o benefício a alcançar seja superior ao correspectivo custo, seja para a salvaguarda das garantias de defesa, seja por absoluta incompatibilidade ou indispensabilidade desses actos. Deste modo, na aplicação do dis(...) no art. 33.º, n.º 1, do CPP, joga-se o caminho de conflito entre a justiça formal e a justiça material, entre a economia processual (cujo corolário se traduz no princípio do máximo aproveitamento dos actos processuais) e a estrita observância das normas processuais atinentes à fixação de competência dos tribunais (como já se viu, a lei admite tendencialmente a validade de actos praticados por órgãos jurisdicionais já declarados incompetentes), entre a celeridade processual e o assegurar ao arguido das necessárias garantias de defesa. O legislador processual penal, no n.º 3 do citado art. 33.º, prevê especificamente um regime para as medidas de coacção ou de garantia patrimonial decretadas por tribunal incompetente. Fá-lo, acentuando a nota da eficácia destas medidas. Apesar de inválidas, por terem sido decretadas por tribunal declarado incompetente, as medidas de coacção continuam a produzir os seus efeitos, preservando-se a sua eficácia, mas devem ser reapreciadas, caso ainda se mantenham, no mais curto lapso de tempo, pelo tribunal competente, que as poderá convalidar, revogar ou substituir por outras. Dito por outras palavras: as medidas de coacção ou de garantia patrimonial não perdem de modo imediato e automático a sua eficácia perante a declaração de incompetência do tribunal que as decretou. Mas obriga-se o tribunal que venha a ser julgado competente a reapreciá-las o quanto antes, confirmando-as ou infirmando-as, caso ainda subsistam. Nas palavras de Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques (in ob. cit., pág. 243), o n.º 3 do art. 33.º do CPP determina “(…) a apreciação (no mais breve prazo) das medidas de coacção ou de garantia patrimonial ordenadas pelo tribunal declarado incompetente, que se mantêm até lá (confirmação ou invalidação)”. 6.2. Tribunal competente para dar cumprimento ao decidido pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-03-2004 Nos recursos por si inter(...)s, os arguidos C e K suscitaram, desde logo, a questão da falta de competência do Tribunal a quo, a 8.ª Vara Criminal de Lisboa, para dar cumprimento ao decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, através do acórdão datado de 17-03-2004, entendendo o primeiro que essa competência deve ser reconhecida ao 3.º Juízo do TIC de Lisboa, enquanto que o segundo recorrente pugna pela sua atribuição ao 5.º Juízo-A desse mesmo tribunal (nesta parte, o arguido H aceita a competência do juiz de julgamento – cf. requerimento de fls. 25444 a 25453, Vol. 108.º). Vejamos, então, esta questão controvertida à luz do que já foi decidido, com força de caso julgado, no âmbito do recurso n.º 1967/04 - 3.ª, bem assim dos princípios e das normas atinentes à competência dos tribunais criminais. A decisão judicial que recaiu sobre as concretas questões então suscitadas em sede de recurso e que as resolveu (no acórdão de 17-03-2004, a Relação de Lisboa entendeu não ter ocorrido ”qualquer violação do princípio do juiz legal ou natural ou mesmo de desaforamento”, declarou “nulo o despacho recorrido” e ordenou “a remessa dos autos para o Tribunal actualmente competente, o qual deverá dar cumprimento ao agora aqui ordenado e antes deixado referido”), transitou em julgado, nos termos do art. 677.º do CPC, aplicável ao caso por força do dis(...) no art. 4.º do CPP. Com o seu trânsito em julgado, esta decisão judicial adquiriu força obrigatória dentro deste processo, pelo que não pode mais ser alterada por decisão posterior do mesmo ou de outro tribunal, ainda que de superior grau hierárquico. Trata-se, pois, de uma decisão que constituiu caso julgado formal, nos termos do art. 672.º, n.º 1, do CPC. A propósito das questões não cobertas pela força do caso julgado, ensina Antunes Varela (in Manual de Processo Civil, 1985, pág. 714): “Pode assim dar-se por assente que a eficácia do caso julgado, como se depreende do dis(...) nos artigos 498.º e 96.º, apenas cobre a decisão contida na parte final da sentença (art. 659.º, 2, in fine), ou seja, a resposta injuntiva do tribunal à pretensão do autor e do réu, concretizada no pedido ou na reconvenção e limitada através da respectiva causa de pedir. A força do caso julgado não se estende, por conseguinte, aos fundamentos da sentença, que no corpo desta se situam entre o relatório e a decisão final (…)”. Mas tal não significa que o intérprete judiciário deva unicamente atender ao segmento decisório da sentença. Ainda que a fundamentação da decisão não constituía caso julgado, a sua interpretação mostra-se, por regra, absolutamente determinante para reconstituir o pensamento do decisor, para compreender o caminho lógico percorrido até final, para melhor percepcionar todo o alcance da parte decisória da sentença. No caso vertente, o Tribunal da Relação de Lisboa escreveu o seguinte na parte final da fundamentação do acórdão de 17-03-2004: “Pese embora a – pública – publicidade dada a muitos dos actos praticados (…)” e “Desconhece-se mesmo a fase processual em que os autos se encontram neste momento, tudo indicando – ao que é, de novo, público – estar a iniciar-se a fase de instrução”. Por seu turno, no segmento decisório, ordenou-se a remessa dos autos para “o Tribunal actualmente competente”. Em face do acórdão proferido – que, como mais uma vez se sublinha, assume força obrigatória dentro do processo – é manifestamente de rejeitar a conclusão vertida no recurso inter(...) pelo arguido K no sentido de que o tribunal competente para proceder à reavaliação dos actos praticados é o 5.º Juízo - A do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, juízo a que foram distribuídos estes autos em fase de inquérito. Incontestavelmente o Tribunal da Relação de Lisboa não pretendeu remeter o processo para o 5.º Juízo - A do Tribunal de Instrução Criminal, pois, caso contrário, tê-lo-ia dito de forma muito simples, linear e expressa. Importa não esquecer, a este propósito, que no âmbito desse recurso foi apreciada e decidida uma alegada violação do princípio do juiz natural, com base no argumento de que os autos foram distribuídos ao 5.º Juízo - A do TIC, vindo o juiz titular, mediante o já referido despacho de fls. 270, a determinar a baixa dessa distribuição e a impor o averbamento do processo ao 1.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa. O tribunal de recurso tinha perfeito conhecimento de que o processo foi inicialmente distribuído ao 5.º Juízo - A do TIC de Lisboa e que foi tramitado durante a fase de inquérito pelo 1.º Juízo desse tribunal. Caso a competência fosse de atribuir àquele juízo do TIC de Lisboa, seriam perfeitamente destituídas de sentido, na perspectiva da instância de recurso, as referências feitas ao “Tribunal actualmente competente” e à circunstância de se estar a iniciar a fase da instrução. Com base nas citadas referências constantes do texto do acórdão, o tribunal com competência para a reavaliação dos actos praticados nunca poderia ser aquele ao qual o processo foi inicialmente distribuído, durante a já então ultrapassada fase de inquérito. Salvo o devido respeito por opinião contrária, não subsistem quaisquer dúvidas, na perspectiva da transitada decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, que não se visou atribuir competência ao 5.º Juízo - A para proceder à reapreciação dos actos praticados pelo Juiz do 1.º Juízo do TIC de Lisboa (em suma: caso fosse outra a intenção do colectivo, o acórdão incluiria uma simples referência ao juízo a que o processo foi inicialmente distribuído ainda em fase de inquérito ou conteria uma menção directa e expressa ao 5.º Juízo - A do TIC de Lisboa, mas nunca faria qualquer referência, sobretudo no segmento decisório, ao “Tribunal actualmente competente”). Como se afirmou na decisão recorrida: “O Tribunal da Relação de Lisboa não entendeu, por conseguinte, que o efeito da declaração de nulidade (do despacho que decidiu quanto à alteração da distribuição), tinha como consequência a remessa dos autos para o T.I.C., para «validação» dos actos pelo J.I.C., que devesse ter intervindo na fase de inquérito, isto é, aquele que teria resultado «competente» de uma distribuição não alterada pelo despacho de fls. 270. Caso assim o tivesse entendido, tinha-o dito: em vez de referir-se ao Tribunal «actualmente competente» (…)”. De igual forma, perfilhamos o entendimento de que essa competência não foi reconhecida ao 3.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, juízo a que os autos foram distribuídos para efeitos de instrução, ao contrário do que defende o recorrente C. À data em que foi publicado o acórdão, a 17-03-2004, o presente processo encontrava-se na fase da instrução, uma vez que já tinha sido proferido, a 01-03-2004, o despacho a declarar aberta tal fase processual (cf. 17018 a 17055, Vol. 74.º), mas ainda se aguardava a prolação da decisão instrutória, que veio a ser lida a 31-05-2004 (cf. fls. 20738 a 21014, Vol. 88.º). Porém, conforme já deixámos assinalado, o apenso de recurso não baixou de imediato à 1.ª instância, mas somente após o dia 14-10-2004, quando o STJ conheceu o recurso inter(...) pelo arguido A e quando os autos principais já tinham sido distribuídos, para julgamento, à 8.ª Vara Criminal de Lisboa (cf. fls. 21680, Vol. 91.º). Na data em que baixou à 1.ª instância o apenso de recurso n.º 1967/04 - 3.º, com vista a produzir os seus efeitos dentro deste processo, obrigando o tribunal a quo a proceder em conformidade com aquilo que foi decidido no mencionado acórdão da Relação de Lisboa de 17-03-2004, o “Tribunal actualmente competente” era a 8.ª Vara Criminal de Lisboa, 3.ª Secção, por força da distribuição entretanto realizada. Nesta perspectiva, o “Tribunal actualmente competente”, nessa data, não podia deixar de ser o Tribunal recorrido, pois já tinha sido encerrado o inquérito com a dedução de acusação (cf. arts. 276.º e ss. do CPP) e a fase processual facultativa da instrução já se mostrava finda mediante a prolação da decisão instrutória (cf. arts. 306.º e ss. do CPP). Pode dizer-se que na parte final da fundamentação do acórdão se alude à circunstância de que tudo indica “estar a iniciar-se a fase de instrução”. A menção a esta fase processual, em conjugação com o segmento decisório, pode ser interpretada no sentido de o acórdão ter reconhecido o 3.º Juízo do TIC, a que os autos foram distribuídos para instrução, como competente para proceder à validação/invalidação dos actos praticados durante o inquérito pelo Senhor Juiz do 1.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa. Todavia, em nossa opinião, não será esta a melhor interpretação a atribuir ao acórdão. Se bem lemos as palavras constantes da decisão e se bem avaliamos o seu sentido e alcance, o Tribunal da Relação de Lisboa quis precaver a eventualidade de não estar em curso a fase processual da instrução e naturalmente pretendeu evitar que a decisão a proferir viesse colidir com a normal tramitação do processo. Por isso, apesar de dizer, sem certezas, que se estava a iniciar a fase da instrução, conforme era público, não determinou a remessa dos autos para o TIC de Lisboa, indiscutivelmente o órgão judicial territorial, material e funcionalmente competente para essa fase processual. Pelo contrário, de uma forma mais cautelosa, visando, na nossa perspectiva, salvaguardar a marcha do processo, determinou a sua remessa para o “Tribunal actualmente competente”, sem fazer na decisão qualquer expressa referência ao Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa. De certo, seja por formalmente desconhecer a fase processual em curso, seja por não controlar a tramitação do recurso nos momentos subsequentes à prolação do aludido acórdão (desde logo, deixava-se antever uma forte probabilidade de desfasamento entre os autos principais e o apenso de recurso. Aliás, como já acima se deixou mencionado, o apenso não baixou de imediato à 1.ª instância, demorando mais de 6 meses, primeiramente no Tribunal da Relação de Lisboa e posteriormente no STJ, em face dos incidentes suscitados e dos recursos inter(...)s), o Tribunal da Relação de Lisboa não se quis amarrar ou vincular ao tribunal que tinha então a seu cargo a instrução (ou seja, o 3.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa), no que respeita à reapreciação dos actos processuais em causa, determinando, antes, a simples e expressa remessa dos autos para o “Tribunal actualmente competente”. De facto, este acórdão ganhou a sua eficácia, começou a produzir os seus efeitos, não quando foi proferido no dia 17-03-2004, mas quando baixou à 1.ª instância, após terem sido definitivamente apreciados e decididos todos os incidentes e recursos subsequentes à sua prolação. De resto, era previsível que tal acórdão viesse a suscitar tais reacções. Seja como for, no seu segmento decisório – que, como já se disse, formou caso julgado formal e adquiriu força obrigatória dentro deste processo – decidiu-se atribuir essa competência, não ao TIC de Lisboa, mas ao “Tribunal actualmente competente”, que era a 8.ª Vara Criminal de Lisboa, na data em que o apenso baixou à 1.ª instância, após ter transitado em julgado, no dia 02-11-2004, o já acima mencionado acórdão do STJ (cf. fls. 155 do apenso de recurso n.º 1967/04 - 3.ª). Efectivamente, no dia 08-07-2004, os autos vieram a ser distribuídos àquela vara criminal enquanto processo comum colectivo (cf. Vol. 91.º). Assim, nenhuma censura nos merece, nesta parte, a decisão recorrida. Mostrando-se esta interpretação em conformidade com o que foi decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, pelo seu acórdão de 17-03-2004 (recurso n.º 1967/04 - 3.ª Secção), importa também averiguar se a solução a que chegou o Tribunal a quo respeita os princípios e as normas atinentes à competência dos tribunais criminais. Escusado será referir que esta é a interpretação que se mostra mais consentânea com os princípios da celeridade, da economia processual e do julgamento no mais curto lapso de tempo, sendo que a mesma, como veremos mais à frente, não comporta qualquer espécie de sacrifício ou de prejuízo para as garantias de defesa dos arguidos, muito em particular por ofensa da estrutura acusatória do processo criminal. Como facilmente se compreende, as posições perfilhadas nos recursos inter(...)s pelos arguidos C e K comportariam inegavelmente um retardamento do julgamento da causa, com prejuízo para todos os sujeitos processuais (inclusive para aqueles arguidos que não aderiram a tais posições), em face do acréscimo temporal de indefinição quanto à apreciação judicial dos factos controvertidos. Estando os autos já distribuídos como processo comum colectivo, inclusive com a audiência de julgamento já a decorrer, a adesão aos argumentos apresentados por estes recorrentes implicaria a remessa do processo ao juiz ou ao tribunal de instrução criminal, com o inelutável retardamento do julgamento da causa, com a previsível necessidade de repetição de actos processuais e em desconformidade, assim o entendemos, com o preceituado nos arts. 32.º, n.º 2, da CRP e 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que impõem o julgamento em curto prazo ou em prazo razoável. A interpretação que acolhemos não significa que os princípios da celeridade, da economia processual e do julgamento no mais curto prazo devam prevalecer indiscriminadamente sobre outros princípios ou garantias constitucionais (v.g. garantias de defesa dos arguidos), que o seu enlace com a descoberta da verdade material se sobreponha ao cumprimento de regras formais ou processuais, nem tão pouco que eles se devam impor a todo o custo no âmbito do processo criminal. Significa somente que a posição assumida pelo Tribunal a quo na decisão recorrida não consubstancia, em nossa opinião, qualquer atentado, muito menos um grave e relevante atropelo, às garantias de defesa dos recorrentes C e K. Mais: O n.º 1 do art. 311.º do CPP preceitua que: “Recebidos os autos no tribunal, o presidente pronuncia-se sobre as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito do causa, de que possa logo conhecer”. O art. 311.º, que integra o Livro VII, relativo ao julgamento em processo penal, impõe ao juiz presidente, como desde logo decorre da epígrafe deste dispositivo, que proceda ao saneamento do processo, conhecendo imediatamente, se possível, de nulidades ou de outras questões que obstem ao conhecimento do mérito da causa. Deste dispositivo resulta que não compete única e exclusivamente ao juiz presidente proceder à realização da audiência de julgamento e proferir no final sentença ou acórdão, consoante os casos. A lei impõe-lhe que conheça inclusive de questões relativas a fases processuais preliminares ao julgamento, quer atinentes a actos de inquérito, quer atinentes a actos de instrução, desde que obstem à apreciação do mérito da causa. Aliás, o n.º 1 do art. 311.º do CPP começa logo por referir que “recebidos os autos no tribunal”. Este trecho significa que mal o processo venha a ser distribuído e concluso, o juiz presidente deverá certificar-se de que os autos podem seguir para julgamento, que podem vir a ser conhecidos os factos e as incriminações feitas aos arguidos, por não ocorrerem, até esse momento, quaisquer nulidades ou questões prévias ou incidentais que impeçam o conhecimento de mérito. De igual sorte, mesmo após a prolação da decisão final, continua a competir ao juiz de julgamento assegurar a subsequente tramitação do processo, admitindo os recursos que venham a ser inter(...)s, decidindo o que for necessário quanto a medidas de coacção até trânsito em julgado da sentença ou inclusive assegurando a execução das penas aplicadas. De resto, no que diz respeito às medidas de coacção, como decorre do dis(...) no n.º 1 do art. 194.º do CPP, a competência para as decretar compete ao juiz presidente durante o julgamento (cf. neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in ob. cit., pág. 529, acompanhando o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 14-10-1997). Em idêntico sentido, o art. 98.º, n.º 1, da LOFTJ, estabelece o seguinte: “compete às varas criminais proferir despacho nos termos dos artigos 311.º a 313.º do Código de Processo Penal e proceder ao julgamento e aos termos subsequentes nos processos de natureza criminal da competência do tribunal colectivo ou do júri”. Deste preceito resulta inequívoco que estes tribunais têm competência para toda a tramitação do processo desde a altura em que é recebido em juízo, com a prolação do despacho a que aludem os arts. 311.º a 313.º do CPP, até ao momento em que é arquivado. Para além do julgamento propriamente dito, compete ao juiz presidente assegurar a tramitação processual anterior e posterior à sua realização, compete-lhe, seja em que altura for, decidir todas as questões que se suscitem, das nulidades, das excepções ou dos incidentes que impeçam o conhecimento do mérito da causa. Regressando ao caso vertente, temos que o acórdão de 17-03-2004 – proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa nos autos de recurso n.º 1967/04 – declarou nulo o despacho de fls. 270 e ordenou ao tribunal actualmente competente que procedesse em conformidade, anulando ou aproveitando os actos processuais praticados, ao longo do inquérito, pelo Juiz do 1.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa. Quando os autos baixaram à 1.ª instância, depois do trânsito em julgado a 02-11-2004 do acórdão do STJ (cf. fls. 155 do apenso de recurso n.º 1967/04), foi precisamente a esta tarefa que lançou mãos o Colectivo da 8.ª Vara Criminal de Lisboa, 3.ª Secção, após ter sido determinado o cumprimento do princípio do contraditório. Enquanto tribunal de julgamento, competia à 8.ª Vara Criminal de Lisboa, de acordo com os preceitos legais supra citados, decidir das questões que obstaculizassem ao conhecimento do mérito da causa, o que fez, procurando retirar consequências da declaração de nulidade do despacho de fls. 270, o que se traduzia, em abstracto, quer na anulação, quer no aproveitamento, dos actos processuais em causa. O Tribunal recorrido não praticou actos típicos de inquérito ou de instrução. Assumiu as competências reconhecidas pela lei ao tribunal de julgamento: em face do decidido em sede de recurso, o Tribunal recorrido ponderou as consequências que devia retirar da decretada declaração de nulidade, enquanto questão que podia obstar ao conhecimento do mérito da causa, muito embora tenha vindo a optar pelo aproveitamento dos actos, até de acordo com o estabelecido no art. 122.º, n.º 3, do CPP. Acresce que o dis(...) no n.º 1 do art. 33.º do CPP deve ser interpretado sistematicamente, isto é, de modo concertado e conjugado com as normas que fixam a competência do tribunal (ou do juiz) nas fases processuais de inquérito e de instrução. Nos seus arts. 268.º e 269.º, a lei processual penal enuncia um conjunto de actos que imperativamente devem ser praticados, ordenados ou autorizados pelo juiz de instrução no decurso da fase preliminar de inquérito, tais como, interrogatórios judiciais de arguidos detidos, aplicação de medidas de coacção diferentes do termo de identidade e residência, realização de buscas domiciliárias ou de intercepções telefónicas. A fase preliminar de inquérito inicia-se com a abertura de um processo de investigação decorrente da notícia de um crime (cf. arts. 241.º e ss.), é dirigida pelo Ministério Público (cf. n.º 1 do art. 263.º) e termina, por regra, com a prolação de despacho de arquivamento ou de acusação do arguido (cf. arts. 276.º e ss. do CPP). Por seu turno, a fase facultativa da instrução inicia-se com a aceitação do requerimento para a abertura desta fase processual, apresentado, consoante os casos, pelo arguido ou pelo assistente (cf. art. 287.º), é dirigida pelo juiz de instrução (cf. n.º 1 do art. 288.º) e termina com a decisão instrutória, consubstanciada em despacho de pronúncia ou de não pronúncia, consoante tenham sido ou não recolhidos indícios suficientes para submeter o arguido a julgamento (cf. arts. 306.º e ss. do CPP). Em conformidade com estes preceitos, o art. 79.º, n.º 1, da LOFTJ dispõe que: “Compete aos tribunais de instrução criminal proceder à instrução criminal, decidir quanto à pronúncia e exercer as funções jurisdicionais relativas ao inquérito”. Neste caso, quando transitou em julgado a 02-11-2004 o acórdão do STJ e quando baixou à 1.ª instância o apenso de recurso n.º 1967/04, estavam encerradas as fases de inquérito e de instrução, mediante a dedução de acusação a 29-12-2003 e a prolação de despacho de pronúncia a 31-05-2004. Deste modo, não podia subsistir a competência do tribunal (ou do juiz) de instrução, pois, sublinhe-se mais uma vez, tendo os autos sido distribuídos, a 08-07-2004, como processo comum colectivo, passou a competir ao tribunal de julgamento (8.ª Vara Criminal de Lisboa, 3.ª Secção) decidir das questões que pudessem obstar à apreciação do mérito da causa, muito em particular retirar consequências do que foi decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa – “declarar nulo o despacho recorrido”. Como se depreende, a competência do tribunal (ou do juiz) de instrução decorre, não só dos actos a praticar ou a autorizar, mas também da fase processual em curso. Os citados dispositivos legais falam em “durante o inquérito” e “proceder à instrução criminal”. Encerradas estas fases preliminares, não compete ao juiz de instrução continuar a praticar ou continuar a autorizar a pratica de actos processuais, nem tão pouco proceder à reavaliação de actos de inquérito na perspectiva da sua anulação ou da sua confirmação, como se ainda não tivesse tido início outra fase processual, como se os autos ainda não tivessem sido remetidos para julgamento, quando é sabido que o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu singelamente “declarar nulo o despacho recorrido” e ordenar que se procedesse à validação/invalidação dos actos praticados durante o inquérito pelo Senhor Juiz do 1.º Juízo do TIC de Lisboa. Mais uma vez se salienta que não se tratou de praticar ou de autorizar a prática de actos típicos de inquérito ou de instrução. Tratou-se diferentemente de avaliar, de ponderar, de verificar que efeitos deviam ser retirados da declaração de nulidade do despacho de fls. 270, quanto à validade de actos de inquérito. Enquanto tribunal competente para a realização do julgamento, o Colectivo da 8.ª Vara Criminal de Lisboa procedeu ao saneamento do processo, em conformidade com o aludido acórdão de 17-03-2004, avaliando os efeitos de uma nulidade já declarada e que poderia obstar ao conhecimento do mérito da causa, ainda que reportada à fase preliminar de inquérito. Em suma: quer de acordo com o sentido e alcance do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, tirado a 17-03-2004 no âmbito do apenso de recurso n.º 1967/04 - 3.ª, quer de acordo com o princípio constitucional do julgamento no mais curto prazo, quer de acordo com os princípios da economia e da celeridade processuais, quer ainda de acordo com as normas legais delimitadoras da competência dos tribunais criminais, nenhuma censura merece a decisão recorrida na parte em que assumiu a competência da 8.ª Vara Criminal de Lisboa, 3.ª Secção, para a validação dos actos processuais praticados pelo Senhor Juiz do 1.º Juízo do TIC de Lisboa durante o inquérito. Não tem pois cabimento a alegação de que o Tribunal a quo na decisão recorrida fez aplicação ao caso vertente do regime e dos efeitos da distribuição previstos nos arts. 210.º, n.º 1, e 220.º, ambos do CPC. Muito embora se faça referência a estes dispositivos legais, a decisão recorrida é clara ao afirmar que “(…) não se me afigura que o cumprimento do Acórdão do Tribunal da Relação tenha como consequência, nesta fase processual, determinar que os autos sejam sujeitos a nova distribuição”, nem tão pouco foi a mesma realizada em face do decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, limitando-se a 8.ª Vara Criminal de Lisboa, 3.ª Secção, a assumir uma competência, que lhe cabia de acordo com os fundamentos já acima ex(...)s. Deste modo, improcedem quanto a esta questão os recursos inter(...)s pelos arguidos C e K, pelo que não se descortina fundamento legal para que seja declarada a nulidade insanável do despacho recorrido ou para que os autos sejam remetidos ao 3.º Juízo ou ao 5.º Juízo - A do TIC, conforme pretendiam estes recorrentes, já que, do acima ex(...), não subsistem dúvidas de que bem andou o Tribunal a quo ao assumir a sua competência para a validação /invalidação dos actos praticados pelo Senhor Juiz do 1.º Juízo do TIC de Lisboa. 6.3. Validação formal ou substancial dos actos praticados pelo Senhor Juiz do 1.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa De seguida, importa apreciar se os arts. 33.º, n.ºs 1 e 3, e 122.º, n.º 1, do CPP, impõem uma avaliação substancial, que não puramente formal, dos actos processuais praticados pelo tribunal declarado incompetente. Se, nas palavras do recorrente H, “o despacho recorrido devia ter procedido à apreciação substancial de todos os actos praticados pelo Senhor Juiz de Instrução do 1° Juízo do TIC, posteriores a 07/01/2003, nos termos que são im(...)s pelo art. 33° n° 1 do C.P.P (…)”. Ou, segundo o recorrente C, se “a decisão não respeita o estatuído nos arts. 122.°, n.° 1 e 33.°, nrs. 1 e 3, ambos do CPP, os quais impõem a ponderação substancial dos actos eventualmente feridos de nulidade subsequente”. Ou se, nas palavras de dissidência do arguido K face à decisão recorrida, “a avaliação imposta pelos normativos dos art.°s 33°, n° 1 e 3, e 122°, ambos do CPP, dos actos praticados pelo tribunal incompetente não é uma avaliação formal ou finalística, temperada pelo princípio de máximo aproveitamento, mas uma avaliação material tutelada por um juízo de projecção decisória, como se perante o Tribunal que avalia a validade dos actos, tivesse decorrido o processo.”. Quanto a esta questão, importa recordar que o Tribunal a quo pronunciou-se no sentido de que “(…) apenas serão invalidados os actos que na perspectiva finalística do processo não deviam ter sido praticados ou aqueles que não tenham observado os pressu(...)s legais que, em abstracto, condicionam a sua prática (…)” e que “(…) nesta fase processual, não cabe a reapreciação da validade substancial dos actos, mas tão só na perspectiva que antecede (…)”, acabando, no segmento decisório, por considerar “(…) validados todos os demais actos jurisdicionais praticados pelo J.I.C. do 1° Juízo, do T.I.C. de Lisboa, durante a fase do inquérito dos presentes autos (…).” Por tudo aquilo que já se disse, não se afigura que os recorrentes tenham efectuado a interpretação mais correcta e adequada do art. 122.º do CPP, nem tão pouco do regime específico dos efeitos da declaração de incompetência do tribunal, plasmado no art. 33.º, n.º 1, do mesmo código. Com a reavaliação, com a hipotética anulação e com a eventual repetição dos actos processuais praticados por tribunal incompetente, previstas pelo n.º 1 do art. 33.º do CPP, o legislador não visou obter melhor justiça, não pretendeu abrir a porta a uma nova apreciação de questões já decididas (muito menos por tribunais eventualmente pertencentes a igual ou a inferior hierarquia), não quis conceder aos sujeitos processuais a oportunidade de alcançarem decisões judiciais de acordo com as suas pretensões. Entendemos que não se pretendeu impor ao tribunal competente uma actuação equivalente a uma instância de recurso, em que o tribunal superior – ponderando a argumentação apresentada pelos sujeitos processuais e analisando a decisão judicial proferida – procede a nova apreciação, a uma reavaliação, das questões suscitadas, na perspectiva de manutenção, de modificação ou de correcção do que já foi decidido. Se bem interpretamos os recursos inter(...)s, todos os ora recorrentes pretendiam que o Tribunal a quo viesse a avaliar substancialmente, valorasse materialmente, todos os actos praticados pelo Senhor Juiz do 1.º Juízo do TIC de Lisboa, o que significaria, ao fim e ao cabo, a apreciação de mérito dessas decisões, que o Tribunal a quo, igualmente de 1.ª instância, reavaliasse os fundamentos que estiveram na sua base, por forma a concluir se esses despachos foram ou não proferidos secundum legem. Salvo o devido respeito por opinião contrária, não é este o sentido que se impõe retirar do dis(...) no n.º 1 do art. 33.º do CPP. Apelando novamente ao princípio do máximo aproveitamento dos actos processuais, que subjaz a este dispositivo, o tribunal somente deve anular os actos “que se não teriam praticado”, apenas aqueles, conforme acima já se deixou assinalado, que se mostrem absolutamente incompatíveis com a tramitação processual que deveria ter sido seguida no tribunal competente. De acordo com o n.º 1 deste artigo, não competirá ao aplicador do direito anular todos os actos emanados de juiz declarado incompetente, nem tão pouco efectuar uma avaliação fundada no seu mérito. Inversamente, os actos praticados por tribunal incompetente, por princípio, mantêm a sua validade e a sua eficácia. Só são anulados aqueles que se mostrem incompatíveis perante a declaração de incompetência. Mas a anulação não pode ser determinada por esses actos não terem acolhido a melhor doutrina ou a melhor jurisprudência sobre o assunto, por não terem reconhecido a interpretação mais idónea da lei ou por terem sido proferidos contra o entendimento perfilhado pelos sujeitos processuais, como de um recurso se tratasse. A anulação só pode ser declarada quando se concluir que os actos praticados não se enquadram na tramitação processual do tribunal declarado competente, quando a anulação seja indispensável para adequar o processo à tramitação que ele deveria ter tido. Independentemente da bondade das decisões proferidas em sede de inquérito pelo Senhor Juiz do 1.º Juízo do TIC de Lisboa, que os recorrentes já escrutinaram ou pelo menos tiveram a oportunidade de escrutinar através dos meios processuais próprios, nesta sede importa tão somente averiguar que actos processuais se não teriam praticado e que, por isso, deviam ser anulados e eventualmente repetidos, caso o processo tivesse sido sempre tramitado, como se impunha, pelo tribunal declarado competente. Para o caso, não podem relevar os estilos meramente pessoais, nem a avaliação do mérito dos actos processuais, a ter lugar, como decorre da lei, em sede de recurso. Conforme resulta bem claro da epígrafe do art. 33.º do CPP, em causa estão precisamente os “Efeitos da declaração de incompetência”. De acordo com esta perspectiva, procedendo à análise dos autos, não se descortina nenhum acto do 1.º Juízo do TIC de Lisboa que não fosse praticado caso o processo em sede de inquérito tivesse sido sempre tramitado pelo tribunal competente. Nem tão pouco os ora recorrentes os enumeram, insurgindo-se, segundo aquilo que alegam nos recursos, essencialmente contra a falta de ponderação ou de apreciação substancial desses actos pela decisão recorrida, o que, saliente-se novamente, não podia nem devia ter sido feito por o Tribunal a quo não constituir instância de recurso, nem por o regime do n.º 1 do art. 33.º do CPP, determinar a avaliação dos actos processuais numa lógica de nova ponderação dos fundamentos materiais da decisão. De qualquer modo, como se disse na decisão recorrida, os actos processuais que não foram objecto de reacção por parte dos arguidos, designadamente através da interposição de recurso ou através de arguição de nulidades ou irregularidades, consideram-se convalidados em face da sua aceitação por parte dos sujeitos processuais. Por seu turno, relativamente aos restantes actos, em que os sujeitos processuais interpuseram recurso, as decisões que sobre eles recaíram constituíram por si só uma apreciação jurisdicional da validade dos actos praticados em sede de inquérito pelo Senhor Juiz do 1.º Juízo do TIC de Lisboa, entretanto declarado incompetente. Em face do dis(...) no n.º 1 do art. 33.º do CPP, não resultando dos autos que algum destes actos processuais não fosse praticado pelo tribunal declarado competente, caso perante ele tivesse sempre corrido o processo, e dado que neste sentido nenhum acto em concreto foi indicado pelos ora recorrentes, nenhuma censura nos merece a decisão recorrida, na parte em que considerou validados os actos jurisdicionais praticados, durante a fase de inquérito, pelo Senhor Juiz do 1° Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa e que julgou desnecessário determinar a sua repetição. Com particular ênfase, os recorrentes H, C e K insurgem-se contra o facto da decisão recorrida não efectuar uma avaliação substancial dos despachos que ordenaram e que mantiveram as medidas de coacção impostas aos arguidos, ao arrepio, assim o defendem, do n.º 3 do art. 33.º do CPP, que impõe a sua convalidação ou infirmação pelo tribunal competente. Por se prender com direitos fundamentais dos arguidos, a lei processual penal estabeleceu no n.º 3 deste dispositivo um regime próprio para as medidas de coacção que, muito embora mantenham a sua eficácia, devem ser avaliadas pelo tribunal competente no mais curto lapso de tempo. Quanto a esta matéria, o Tribunal a quo, decidiu – e bem na nossa perspectiva – considerar que os actos processuais relativos às medidas de coacção já tinham sido validados, quer por força das decisões proferidas pelos tribunais superiores na sequência dos recursos inter(...)s, quer ainda por força das decisões da JIC proferidas em fase de instrução. De facto, com o trânsito em julgado das decisões que apreciaram a aplicação das medidas de coacção impostas aos ora recorrentes, formou-se caso julgado, com força obrigatória dentro do processo, pelo que inclusive estava vedado à 1.ª instância, ainda que no âmbito de aplicação do dis(...) no n.º 3 do art. 33.º do CPP, proceder à modificação ou revogação de tudo aquilo que anteriormente tinha sido decidido pelas instâncias de recurso, mantendo-se naturalmente as mesmas circunstâncias de facto. Na tese dos recorrentes, o tribunal competente devia ter procedido a uma avaliação substancial das medidas de coacção de prisão preventiva que lhes foram impostas em sede de inquérito. Levando à letra tal tese, o tribunal criminal competente seria legalmente confrontado, à partida, com duas soluções, a saber: a convalidação ou a infirmação dessas medidas de coação, nos termos da parte final do n.º 3 do art. 33.º do CPP. O aplicador do direito não pode à partida excluir nenhum dos potenciais caminhos previstos pelo legislador, devendo somente, após ponderar todas as circunstâncias do caso, optar por aquele que se afigure mais justo e adequado. Caso viesse a optar pela convalidação dessas medidas de coacção, por entender que substancialmente estavam preenchidos os pressu(...)s e os requisitos necessários para a sua aplicação, os recorrentes ver-se-iam novamente sujeitos a prisão preventiva, em violação do caso julgado formado pelas decisões posteriores que a substituíram. Caso contrário, perguntar-se-ia que sentido útil teria tal decisão para o objecto do processo, para quê proceder a uma avaliação substancial de todos os requisitos e pressu(...)s da prisão preventiva quando esta medida já tinha cessado e inclusive já tinha sido substituída por outra (v.g. obrigação de permanência na habitação). Muito embora invoquem o dis(...) no n.º 3 do art. 33.º do CPP, no sentido de imporem ao tribunal a quo uma avaliação substancial das medidas de coacção que já tinham sido revogadas – o que implicaria, como já se viu, alternadamente, a sua convalidação ou a sua infirmação –, os recorrentes partem do pressu(...) erróneo de que forçosamente o tribunal competente teria de considerar inválidas as medidas de coacção aplicadas em sede de inquérito pelo Senhor Juiz do 1.º Juízo do TIC de Lisboa. Importa também recordar que a decisão do Tribunal a quo foi proferida no dia 13-12-2004, portanto, após terem sido substituídas as medidas de coacção que inicialmente foram impostas aos ora recorrentes. Conforme já se deixou assinalado, no dia 04-05-2004 o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu revogar a medida de coacção de prisão preventiva aplicada ao arguido H, enquanto que no dia 07-05-2004 o 3.º Juízo do TIC de Lisboa substituiu as que tinham sido impostas aos arguidos C e K. Portanto: à data da decisão recorrida nenhum destes recorrentes estava ainda sujeito à medida de coação de prisão preventiva que lhe foi imposta em sede de inquérito, já que todas, sem excepção, tinham sido revogadas e substituídas pela medida de obrigação de permanência na habitação. Perante esta situação de facto, ainda menos se impunha ao Tribunal a quo que procedesse a uma avaliação substancial dessas medidas de coacção. À data da decisão recorrida, essa avaliação substancial, na perspectiva das garantias de defesa e da salvaguarda dos direitos fundamentais, como alegam os ora recorrentes, já tinha sido levada a cabo muito tempo antes pelos tribunais que as apreciaram e que as revogaram. Seria destituído de qualquer sentido que o Tribunal a quo se debruçasse sob o ponto de vista substantivo, procedendo à avaliação de todos os requisitos e pressu(...)s necessários à sua aplicação, quando essas medidas de coação já tinham cessado. De forma alguma, o n.º 3 do art. 33.º do CPP deve ser interpretado de um modo estritamente literal, como fazem os recorrentes. Quando se fala em convalidação ou infirmação pelo tribunal competente, naturalmente que se deixa pressupor que as medidas de coacção ainda coexistam. Até de acordo com o princípio da economia processual, seria destituído de sentido proceder à avaliação da medida de coacção, impondo-se ao tribunal declarado competente uma análise dos seus fundamentos e pressu(...)s, quando esta por qualquer motivo já tinha cessado a sua aplicação. Nenhuma utilidade teria essa apreciação por parte do Tribunal a quo. Desta sorte, não colhem os argumentos apresentados pelo recorrente H quando defende que até se impunha a anulação de certos actos relacionados com a aplicação e manutenção da medida de coacção de prisão preventiva, “(…) porque dela pode depender o direito a indemnização por prisão ilegal”. Em primeiro lugar, conforme melhor se verá a respeito do recurso do despacho de fls. 33.696 a 33.703, o objecto do processo é grosso modo delimitado pela acusação deduzida pelo Ministério Público ou pelo despacho de pronúncia nos casos em que seja requerida a abertura da instrução. O processo penal não pode olvidar a sua específica finalidade, tendente essencialmente ao apuramento dos factos integradores do crime (ou crimes em referência), das circunstâncias relativas à personalidade, à conduta e ao modo de vida habitual do arguido, com o intuito de, caso se mostrem integrados todos os elementos constitutivos do ilícito criminal, vir a ser aplicada ao agente uma ajustada pena ou medida de segurança. Deste modo, mostra-se completamente indiferente à marcha destes autos saber se no decurso do inquérito ocorreu alguma ilegalidade susceptível de fundamentar a propositura de uma acção de natureza exclusivamente cível, se o direito à indemnização por prisão ilegal deve eventualmente ser reconhecido ao arguido H com base em qualquer um dos actos processuais por si elencados no recurso em causa. Os sujeitos dispõem de meios processuais próprios para assegurarem em devido tempo os seus direitos e as suas garantias de defesa. Não usando esses meios ou usando-os sem sucesso, não competirá a um tribunal criminal vir posteriormente, no âmbito dos mesmos autos, emitir parecer sobre a legalidade ou ilegalidade da aplicação uma medida de coacção, que há muito que cessou, por ter sido substituída por outra. Os tribunais são órgãos de justiça vocacionados para a decisão das questões práticas que, no âmbito das suas funções, lhes são submetidas. Deste modo, não podem nem devem tomar posição sobre questões que extravasam os seus poderes de decisão. Em segundo lugar, não seria nem necessário nem útil aguardar pela decisão do tribunal competente que, ao abrigo do dis(...) no n.º 3 do art. 33.º do CPP, viesse a convalidar ou a infirmar os despachos emanados do 1.º Juízo do TIC de Lisboa. Como muito a este propósito se defendeu no Ac. do STJ de 22-03-2011, Proc. n.º 5715/04.1TVLSB.L1.S1 (acessível em www.dgsi.pt): “Se um Acórdão, proferido em processo crime, versa apenas sobre uma decisão interlocutória relativa à apreciação de uma medida de coacção aplicada a um arguido, e não conhece do mérito (condenação ou absolvição), apenas forma caso julgado formal no âmbito do respectivo processo, não tendo qualquer efeito fora dele”. Na perspectiva do interesse processual – este recorrente subscreve o entendimento de que da anulação dos actos processuais “pode depender o direito à indemnização por prisão ilegal” – de nada serviria que a decisão recorrida tivesse procedido a uma avaliação substancial da medida de coacção (maxime da prisão preventiva) decretada pelo Juiz do 1.º Juízo do TIC de Lisboa. Se, por um lado, não deixa de ser verdade que estes autos não têm por escopo a concessão ou a negação de indemnização por prisão ilegal decretada neste próprio processo, por outro lado, qualquer decisão interlocutória, como é o caso da decisão recorrida, que hipoteticamente se pronunciasse sobre a matéria em causa (considerando a posteriori a legalidade ou a ilegalidade da prisão preventiva a que foi sujeito o arguido H no decurso do inquérito), não produziria qualquer efeito fora deste processo, de nada serviria, já que não formaria caso julgado face à acção cível que se viesse a intentar, conforme resulta bem claro do citado aresto do Supremo Tribunal. Os actos jurisdicionais estão vocacionados para a decisão. Não para a simples apreciação, sem quaisquer consequências úteis para o processo. Importa também assinalar que não colhe a argumentação apresentada pelo recorrente H no sentido de que a nulidade dos actos praticados pelo Juiz do 1.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa gera a automática caducidade dos actos proferidos pelos tribunais superiores que se reportaram a tais actos sem apreciar a questão da sua incompetência. Para além de não se descortinar qualquer fundamento legal para a “automática caducidade” dos acórdãos proferidos pelos tribunais superiores, tanto mais que o recorrente H não invoca quaisquer preceitos que sustentem tal tese, impõe-se, desde logo, salientar que a questão controvertida da incompetência para a prática dos actos processuais em causa unicamente se colocou ao nível dos tribunais de 1.ª instância. Como já se disse, o Tribunal da Relação de Lisboa, mediante o mencionado acórdão de 17-03-2004, declarou a nulidade do despacho de fls. 270, por entender que os autos tinham sido distribuídos ao 5.º Juízo – A do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, pelo que não deviam ter sido averbados, sem qualquer fundamento legal, ao 1.º Juízo do mesmo tribunal. Independentemente da questão em referência, o Tribunal da Relação de Lisboa é, por regra, o órgão jurisdicional competente para a apreciação e para o julgamento, em 2.ª Instância, dos recursos ordinários que incidam sobre as decisões judiciais proferidas pelos Tribunais de 1.ª instância sedeados neste Distrito Judicial de Lisboa (cf. maxime arts. 47.º, 51.º, 55.º e 56.º, n.º 1, al. a), da LOFTJ e art. 427.º do CPP), obviamente sem prejuízo da competência atribuída ao próprio Supremo Tribunal de Justiça. Assim, fosse qual fosse o tribunal criminal competente para a prolação das decisões em causa, sempre seria uma das Secções Criminais desta Relação de Lisboa, de acordo com a distribuição a efectuar, a competente para o julgamento desses recursos, como efectivamente sucedeu, de forma perfeitamente independente perante as decisões da 1.ª instância. Como o apontado vício diz respeito à fase de inquérito que decorreu na 1.ª instância, não se descortina que motivo, que especial dependência, poderia determinar por arrastamento a nulidade das decisões proferidas pelos tribunais superiores, quando, por exemplo, a Relação exerceu as suas próprias competências, apreciando e decidindo as questões controvertidas que constituíram o objecto dos vários recursos inter(...)s e que foram livremente delimitados pelos sujeitos processuais recorrentes, quando também é sabido que foi unicamente declarada a nulidade do despacho de fls. 270 destes autos. Acresce que o raciocínio do recorrente H parte do pressu(...) errado de que são nulos todos os actos praticados pelo Senhor Juiz do 1.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa. Todavia, tendo o Tribunal a quo considerado validados todos esses actos e não existindo, na nossa perspectiva, suficientes fundamentos para se defender o contrário – pelos motivos que já deixámos explanados, mas atendendo desde logo ao princípios orientadores destas matérias, v.g., princípio constitucional do julgamento no mais curto lapso de tempo, princípio do máximo aproveitamento dos actos processuais, princípio da economia processual – não pode deixar de falecer a defendida tese do contágio por “automática caducidade” de todas as decisões proferidas pelos tribunais superiores. Por último, o recorrente K veio também defender que o Tribunal recorrido se limitou a proferir uma decisão genérica de validação de todos os actos praticados pelo tribunal incompetente, que a inquina de nulidade, por violação do dis(...) no n.º 4 do art. 97.º do CPP. Acrescenta, a este propósito, que devido à ausência de fundamentação ficou impossibilitado de sindicar correctamente os critérios assumidos pelo Tribunal a quo (cf. maxime pontos n.ºs 45 e 46 das conclusões do recurso). Para tanto alega na motivação apresentada que no “(...) despacho recorrido, verifica-se, lamentavelmente, que o Tribunal a quo não se encontra em condições para avaliar e ponderar imparcialmente as questões essenciais do processo, uma vez que a ausência de quaisquer critérios válidos, a confusão de funções jurisdicionais e a inexistência de fundamentação quanto a esta problemática simples prenunciam uma sistemática violação dos princípios que devem imperar na formação da convicção”. Preceitua o art. 97.º do CPP (na redacção anterior à introduzida pela Lei 48/2007, de 29-08), sob a epígrafe ”Actos decisórios ”: “1 – Os actos decisórios dos juízes tomam a forma de: a) Sentenças, quando conhecerem a final do objecto do processo; b) Despachos, quando conhecerem de qualquer questão interlocutória ou quando puserem termo ao processo fora do caso previsto na alínea anterior; c) Acórdãos, quando se tratar de decisão de um tribunal colegial;” (…) “4 – Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”. A respeito do dever de fundamentação, defendeu-se o seguinte no Ac. do STJ de 27-01-2009, Proc. n.º 3978/08 (acessível em www.dgsi.pt): “A motivação das sentenças judiciais é um dos Direitos do Homem, constante do art. 6.º, § 1, da CEDH, reputada como o direito do acusado a um processo justo, consagrado no art. 20.º, n.º 4, da CRP, e é considerada como o remédio essencial contra o arbítrio, através dela prestando o juiz contas, aos sujeitos processuais e à colectividade, dos critérios adoptados e dos resultados adquiridos. Não tem que consistir na análise aprofundada de todas as deduções das partes nem num exame pormenorizado de todos os elementos do processo, não tem que apresentar uma extensão “épica” (observa o Juiz Franz Matsher, citado no estudo de Lopes Rocha, in Documentação e Direito Comparado, BMJ n.ºs 75/76, págs. 99 e ss.), convertendo a motivação num complexo processo escrito e por vezes contraditório, satisfazendo-se com um raciocínio justificativo mediante o qual o juiz mostra que a decisão se funda em “bases racionais idóneas” para a tornarem aceitável, credível.” Perante este breve enquadramento jurídico e tendo em consideração as circunstâncias deste caso concreto, não se reconhece qualquer mérito à crítica apontada pelo recorrente K quando alega que a decisão interlocutória, ora impugnada, peca pela inexistência de fundamentação, o que o impediu de sindicar correctamente a decisão do Tribunal a quo. Muito embora se reconheça que o Tribunal a quo se dispensou da épica tarefa de analisar singularmente acto a acto, de avaliar individualmente, um a um, todos os actos de inquérito praticados ou ordenados pelo Juiz do 1.º Juizo do TIC de Lisboa, o certo é que a decisão proferida se mostra perfeitamente clara, transparente e perceptível, quer ao enunciar as questões a decidir, quer no percurso que seguiu, quer nas conclusões a que chegou. A decisão interlocutória, ora em referência, seguiu um percurso lógico e argumentativo, enunciou os factos, apontou os fundamentos jurídicos, indicou os critérios que adoptou (sublinhando até os trechos da decisão que entendeu mais relevantes para a percepção do sentido da decisão) e terminou com a solução que julgou como mais acertada. Tudo isso, na nossa perspectiva, permitiu ao leitor acompanhar com relativa facilidade o raciocínio que o julgador desenvolveu ao longo de todo o texto, pelo que não se pode afirmar que a decisão – ainda que, como sempre, discutível – constituía uma arbitrariedade perante aquilo que se disse ou que ficou por dizer. Aliás, a abordagem em conjunto de actos processuais, não transforma o despacho interlocutório numa decisão genérica. A identidade de tratamento do que se assume como igual não significa alheamento perante o caso concreto. Significa que as individualidades, avaliadas sem traços distintivos marcantes ou diferenciadores, não determinam a formulação de divergentes soluções, mas impõem a desnecessidade de repetição do inútil. Muito embora o despacho recorrido não teça considerações particulares sobre cada um desses actos processuais, por falta de especificidades com relevância para o caso, o certo é que não deixa de os elencar, vindo a concluir que “foram praticados a requerimento dos sujeitos processuais referidos nos arts. 268.º, n.º 2, do CPP” e que foram “praticados dentro dos objectivos e interesses inerentes à fase processual então em curso, prendendo-se intrinsecamente com o objecto da investigação”. Mais: o argumento da quantidade também para aqui não releva, pois, como se disse, o legislador processual penal não fixou qualquer percentagem mínima ou máxima para o aproveitamento dos actos processuais praticados, sendo que nesta área o princípio aplicável favorece o seu aproveitamento. Acresce que da simples análise do recurso apresentado pelo arguido K resulta precisamente o inverso daquilo que ele alega quanto à falta de fundamentação da decisão recorrida, já que naquela peça processual são suscitadas pelo próprio variadíssimas questões (v.g. incompetência do Tribunal a quo, nulidade dos actos praticados em sede de inquérito, nulidade do despacho ora impugnado, inconstitucionalidades), o que logo deixa pressupor que a decisão em causa se mostrou, pelo menos, minimamente perceptível para o seu destinatário e que este conseguiu, pelo menos, com o mínimo de clareza, descortinar as razões, os critérios que levaram o tribunal recorrido a decidir de modo contrário às suas pretensões. Dito por outras palavras: não terá sido seguramente a inexistência ou a deficiência de fundamentação, quanto aos critérios assumidos na decisão recorrida, que impediu ou que dificultou o exercício do direito ao recurso por parte deste arguido, pois para tanto basta atentar na extensão da peça processual apresentada pelo recorrente K e no leque de questões que aí foram suscitadas, mas também na atitude processual dos restantes arguidos que ou não recorreram do despacho em causa ou que recorrendo não invocaram quaisquer dificuldades na sua compreensão. De qualquer modo, estando em causa um simples despacho, que não pôs termo ao processo e que se limitou a decidir uma questão interlocutória (cf. al. b), do n.º 1 do art. 97.º do CPP), a pretensa falta de fundamentação nunca consubstanciaria nulidade da decisão, conforme defende o recorrente K, constituindo, quanto muito, uma mera irregularidade processual, que a ter ocorrido, estaria há muito sanada (cf. art. 123.º, n.º 1, do CPP). Muito a este propósito, em anotação ao art. 97.º do CPP, escreveu Paulo Pinto de Albuquerque (in ob. cit., pág. 273): “A omissão da fundamentação de acto decisório constitui uma irregularidade nos termos do artigo 123.º (de iure condendo, defendendo a consagração de uma nulidade, ANTÓNIO BARREIROS, acta n.º 6, de 9.4.1991, in Actas CPP/Figueiredo Dias, proposta que foi rejeitada). A omissão da fundamentação da sentença constitui nulidade (artigo 379.º, n.º 1, al. a) ).” Em suma: atendendo a que o regime do n.º 1 do art. 33.º do CPP não determina a avaliação dos actos processuais numa lógica de nova ponderação dos fundamentos materiais da decisão, que nesta sede não se impõe uma reapreciação das decisões proferidas pelo tribunal incompetente como se de um recurso se tratasse e que in casu nenhum dos actos praticados pelo Senhor Juiz do 1.º Juízo do TIC de Lisboa escapa aos objectivos e aos interesses inerentes à fase processual do inquérito, nenhuma censura nos merece a decisão do Tribunal a quo, ao considerar validados os actos processuais em referência, pelo que improcede a pretensão dos recorrentes no sentido de que a decisão recorrida deveria ter procedido a uma “apreciação substancial” dos mesmos e de que devia ser determinada a invalidade de todos os actos praticados ou autorizados durante a fase processual de inquérito pelo Senhor Juiz do 1.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa. No que diz respeito às medidas de coacção, importa novamente salientar que à data em que foi proferida a decisão recorrida (13-12-2004) já nenhum dos recorrentes H, C e K estava sujeito à medida de coacção máxima de prisão preventiva, imposta em sede de inquérito, pelo que já então se mostrava absolutamente inútil e destituído de qualquer sentido prático, sobretudo na perspectiva do estabelecido no n.º 3 do art. 33.º do CPP, proceder à “apreciação substancial” daquilo que já tinha cessado, muito em particular com o intuito de apurar, de averiguar ou de indagar, mas realmente sem nada decidir, se os actos praticados pelo Juiz do 1.º Juízo do TIC de Lisboa eram ou não ilegais, inconstitucionais ou se ofendiam ou não as garantias de defesa dos arguidos. Aliás, ao contrário do que alegam os recorrentes, não se descortina qualquer segmento no citado acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-03-2004 em que se impusesse à 1.ª instância uma avaliação substancial dos actos praticados em sede de inquérito, sobretudo das medidas de coacção que então foram decretadas. No seu segmento decisório nada se diz expressamente quanto a medidas de coacção e na parte final da fundamentação do acórdão cita-se o n.º 3 do art. 33.º do CPP, sem mais nada se acrescentar a este respeito, sem se avançar com alguma interpretação deste dispositivo. Deste modo, não se compreende a alegação de que a decisão recorrida constitui uma violação expressa da mencionada decisão do Tribunal da Relação de Lisboa. Como já se disse e conforme parece decorrer, pelo menos implicitamente, da decisão recorrida, com o trânsito em julgado das decisões que apreciaram a aplicação das medidas de coacção impostas aos recorrentes, formou-se caso julgado, com força obrigatória dentro do processo, pelo que estava vedado ao Tribunal a quo, ainda que no âmbito do dis(...) no n.º 3 do art. 33.º do CPP, proceder à confirmação, modificação ou revogação do que anteriormente tinha sido decidido, inclusive por instâncias de recurso. As expressões utilizadas pelo legislador “convalidadas ou infirmadas”, a propósito das medidas de coacção, devem ser interpretadas de modo sistemático. Em primeiro lugar, o dispositivo legal em causa pressupõe que as medidas de coacção ainda coexistam quando se impõe ao tribunal competente a sua reavaliação, pois, caso contrário, ocorre uma impossibilidade, até em sentido lógico, de serem convalidadas ou infirmadas. Em segundo lugar, a interpretação deste dispositivo de modo algum pode conduzir a fazer tábua rasa das decisões que foram sendo proferidas ao longo do tempo, sobretudo sobre medidas de coacção, até por tribunais superiores e que formaram inultrapassável caso julgado no âmbito destes autos. No decurso do inquérito foram proferidas decisões que não mereceram a concordância de todos os sujeitos processuais e que delas interpuseram recurso. As conclusões, extraídas das motivações apresentadas, fixaram o objecto desses recursos e delimitam as questões controvertidas, que foram apreciadas pelas instâncias de recurso e cujas decisões, após trânsito em julgado, formaram caso julgado. No âmbito de aplicação do art. 33.º do CPP, mais uma vez se salienta, não compete tomar posição sobre o mérito dessas decisões que ao longo do tempo foram sendo proferidas, inclusive por instâncias superiores, impõe-se antes a verificação da compatibilidade dos actos já praticados com a competência do tribunal entretanto declarada. Improcedem também nesta parte os recursos inter(...)s pelos arguidos. 6.4. Inconstitucionalidades suscitadas pelos recorrentes O recorrente C veio defender que “(…) o sentido interpretativo subjacente à aplicação que das normas constantes dos arts. 14.°, 17.°, n.° 1 in fine, 33.°, n.° 1, 268.° e 269.°, todos do CPP é feita na decisão recorrida, ao reconhecer ao tribunal de julgamento competência para apreciar e decidir da validação ou invalidação de actos jurisdicionais do JIC declarado incompetente, praticados em fase de inquérito, é inconstitucional, por ofensivo do princípio da estrutura acusatória do processa criminal, consagrado no art. 32°, n.° 5 da Constituição (…)” – cf. maxime conclusões 11.ª e 12.ª do recurso por ele inter(...). Também o arguido K veio perfilhar idêntico entendimento, pugnando que a “(…) interpretação assumida pelo Tribunal a quo sobre os normativos dos arts. 33°, n.° 1, 14°, 17°, in fine, 268.° e 269.°, todos do C.P.P., é inconstitucional, por violar o sentido do art. 32°, n.° 5, da Constituição da República Portuguesa, no qual está consagrado o princípio da estrutura acusatória do processo criminal (…)” - cf. maxime conclusões 21.ª e 22.ª do recurso inter(...). A questão da inconstitucionalidade suscitada por estes recorrentes reconduz-se fundamentalmente a saber se a 8.ª Vara Criminal de Lisboa, ao considerar validados os actos praticados durante o decurso do inquérito pelo Senhor Juiz do 1.º Juízo do TIC de Lisboa, interpretou maxime os arts. 14.º, 17.º, 33.º, n.º 1, 268.º e 269.º, todos do CPP, de modo contrário à Constituição da República Portuguesa, ofendendo o princípio da estrutura acusatória do processo criminal, consagrado no seu art. 32.º, n.º 5. Estabelece este preceito constitucional, relativo às garantias de defesa, que “o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório”. Em anotação ao citado art. 32.º, especificamente quanto ao princípio do acusatório, doutrinam Jorge Miranda e Rui Medeiros (in “Constituição Portuguesa Anotada”, Coimbra Editora, 2010, 2.ª Edição, Tomo I, pág. 729): “A estrutura acusatória do processo significa, no que é essencial, o reconhecimento do arguido como sujeito processual a quem é garantida efectiva liberdade de actuação para exercer a sua defesa face à acusação que fixa o objecto do processo e é deduzida por entidade independente do tribunal que decide a causa. O processo de estrutura acusatória procura assegurar a parificação do posicionamento jurídico da acusação e da defesa em todos os actos jurisdicionais, ou seja, a igualdade material de meios de intervenção processual (igualdade de armas) pelo menos nas fases jurisdicionais”. Também quanto a este princípio, os (...) Gomes Canotilho e Vital Moreira (in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Coimbra Editora, 2007, Vol. I, pág. 522) anotam que: “(…) é um dos princípios estruturantes da constituição processual penal. Essencialmente, ele significa que só se pode ser julgado por um crime precedendo acusação por esse crime por parte de um órgão distinto do julgador, sendo a acusação condição e limite do julgamento. Trata-se de uma garantia essencial do julgamento independente e imparcial. Cabe ao tribunal julgar os factos constantes da acusação e não conduzir oficiosamente a investigação da responsabilidade penal do arguido (princípio do inquisitório).” Em idêntico sentido, Germano Marques da Silva (in “Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo, 2000, Tomo I, págs. 58 e 59) defende que: “O sistema acusatório procura a igualdade de poderes de actuação processual entre a acusação e a defesa, ficando o julgador numa situação de interdependência, super «partes», apenas interessado na apreciação objectiva do caso que lhe é submetido pela acusação. O processo inicia-se com a acusação pelo ofendido ou quem o represente e desenvolve-se com pleno contraditório entre o acusador e o acusado, pública e oralmente, perante a passividade do juiz que não tem qualquer iniciativa em ordem à aquisição da prova, recaindo o encargo da prova sobre o acusador.” Perante o que acima ficou ex(...), resulta inequívoco que o princípio do acusatório, consagrado pelo n.º 5 do art. 32.º da CRP, pretende assegurar que o processo criminal decorra com equidade ou com justo equilíbrio entre os vários sujeitos processuais, que os poderes concedidos à acusação não suplantem aqueles que são reconhecidos à defesa, que haja um equilíbrio entre as prorrogativas atribuídas ao arguido para demonstrar a sua inocência e as prorrogativas reconhecidas à acusação para comprovar a culpabilidade do acusado, que existam diferentes órgãos encarregues de acusar e de julgar e que o tribunal assegure as garantias de independência e de imparcialidade, quer perante o arguido, quer perante a comunidade em geral. Até enquanto pressu(...) do Estado de Direito Democrático, a Lei Fundamental impõe que o cidadão suspeito da prática de um crime não seja logo à partida tratado como condenado e considerado como responsável pela prática desses actos, mas que lhe sejam asseguradas todas as garantias de defesa, de modo a ser julgado com isenção, com igualdade de armas perante a acusação, por um tribunal que seja imparcial e independente. Aliás, a imparcialidade e a independência do tribunal devem também ser consideradas à luz do dis(...) no art. 6.º, n.º 1, da CEDH: “Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela (…)”. Na nossa perspectiva, enquanto que a “independência” representará a não sujeição, a liberdade de actuação do juiz perante poderes externos ou internos ao próprio processo (v.g., poder executivo, poder legislativo, sujeitos processuais, outros tribunais), a “imparcialidade” consubstanciará o distanciamento do tribunal face às partes ou aos sujeitos processuais, a qualidade de não ter partido, de não estar a favor ou contra alguém, de se mostrar equidistante face à acusação e à defesa em processo penal. Como assinala Ireneu Cabral Barreto (in “A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada”, Coimbra Editora, 2010, págs. 195 e 197): “A imparcialidade é posta em causa face a índices diversos, como, por exemplo, quando um ou mais membros do tribunal desempenharam ao longo de um processo outras funções”, acrescentando logo de seguida a este respeito que “Aqui o fundamental será que o juiz do julgamento não detenha uma opinião preconcebida sobre a culpabilidade do acusado dado o exercício prévio de funções de acusação ou de instrução”. Deste modo, não ocorre forçosamente preterição das garantias de imparcialidade do tribunal por o juiz que teve intervenção no processo durante as fases de inquérito ou de instrução, ainda que mínima, ter sido posteriormente chamado a participar no julgamento dessa causa. Importa analisar qual o grau e que tipo de intervenção foi essa. Tanto hoje, como no passado, o art. 40.º do CPP (sob a epígrafe “Impedimento por participação em processo”) constitui um barómetro, um ponteiro indicador, para o que deve ser considerado como atentatório das garantias de defesa por preterição da independência e da imparcialidade do tribunal. Por exemplo, de modo incontestável, a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva ou a intervenção em debate instrutório mostra-se absolutamente incompatível com a participação do mesmo juiz em julgamento, o que bem se compreende já que estes actos pressupõem a formulação de um juízo de culpabilidade, uma apreciação dos fundamentos de facto e de direito do objecto do processo. Se existem circunstâncias limite, quer num quer noutro sentido, que não suscitam quaisquer dúvidas ao aplicador do direito, outras assumem contornos mais difusos, mais de fronteira, casos em que se justifica fazer apelo à jurisprudência que tem vindo a ser seguida pelo Tribunal Constitucional. Quanto a estas controvérsias, a propósito destes princípios e dispositivos, o Tribunal Constitucional firmou a seguinte jurisprudência: “Dos sucessivos pronunciamentos do Tribunal Constitucional sobre esta questão há uma linha de raciocínio que se mantém, deles se retirando com interesse para o caso que, é do tipo e frequência da intervenção que o julgador teve, na fase de inquérito, com especial relevância do momento em que, dentro dessa fase, ela ocorreu (o mesmo acto pode ser valorado de modo diverso consoante o desenvolvimento da investigação), que há-de resultar o juízo sobre a isenção, imparcialidade e objectividade do juiz enquanto julgador”. “(…) não é qualquer intervenção anterior no processo por parte do juiz que depois há-de participar no julgamento que é apta a justificadamente pôr em causa a sua independência e imparcialidade – ou a confiança do arguido e do público nessa mesma independência e imparcialidade – em termos de dever considerar-se que a norma que a permita é inconstitucional por violação do dis(...) no artigo 32.º, n.º 5, da Constituição. Como se afirmou repetidamente naqueles acórdãos «um juízo de inconstitucionalidade da norma que permita a intervenção no julgamento do juiz que participou numa fase anterior, por violação do artigo 32.º, n.º 5, da Constituição, pressupõe que as intervenções do juiz – pela sua frequência, intensidade ou relevância – sejam aptas a razoavelmente permitir que se formule um dúvida séria sobre as condições de isenção e imparcialidade desse mesmo juiz ou a gerar uma desconfiança geral sobre essa mesma imparcialidade e independência»” – cf., respectivamente Acs. n.ºs 129/07 e 423/00, acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt . No caso vertente, adianta-se desde já que não se vislumbra qualquer violação do princípio da estrutura acusatória do processo, ou seja, que não se mostra que os preceitos em causa, muito em particular o art. 33.º do CPP, tenham sido interpretados pela decisão recorrida de modo contrário ao espírito do n.º 5 do art. 32.º da CRP, de forma a levantar sérias e graves dúvidas sobre a isenção, a imparcialidade ou a independência do Tribunal a quo. Conforme já se deixou assinalado, o Tribunal recorrido não praticou nem autorizou a prática de actos de inquérito ou de instrução no decurso destas fases processuais. Antes se viu confrontado, enquanto tribunal de julgamento e já no decurso desta fase processual, com a baixa à 1.ª instância do aludido acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa, que determinou a reavaliação, melhor dizendo, a anulação ou o aproveitamento dos actos processuais praticados, ao longo da fase processual de inquérito, pelo Senhor Juiz do 1.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa. Desta forma, o Tribunal a quo não usurpou de competências que estavam e estão legalmente atribuídas, até por imperativo constitucional, ao juiz de instrução durante a fase de inquérito, o Tribunal a quo não se imiscuiu na investigação do processo nem tão pouco conduziu a fase de instrução, não decretou a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva aos ora recorrentes, o Tribunal a quo limitou-se a assumir as competências atribuídas ao tribunal de julgamento, muito em particular limitou-se a ponderar que consequências podia e devia retirar da declaração de nulidade do despacho de fls. 270, enquanto questão que obstava ao conhecimento do mérito da causa. O Colectivo da 8.ª Vara Criminal de Lisboa não teve qualquer intervenção ou interferência nas fases preliminares do processo, designadamente não praticou actos ou autorizou diligências com vista à obtenção de provas que permitissem sustentar a culpabilidade dos visados, nem tão pouco formou um juízo indiciário de modo a sujeitar os arguidos a julgamento, e quando foi chamado a tomar posição, na perspectiva dos arts. 33.º e 122.º do CPP, conforme foi superiormente determinado (relembre-se novamente que o citado acórdão de 17-03-2004 remeteu tal tarefa para o “Tribunal actualmente competente”), fê-lo enquanto tribunal de julgamento, a quem compete, para além do mais, conhecer das nulidades e das questões incidentais que possam obstar ao conhecimento do mérito da causa. Desta forma, na nossa perspectiva, não têm acolhimento neste caso concreto, as alegações feitas pelos recorrentes, que em abstracto se subscrevem, de que o princípio da estrutura acusatória do processo criminal – consagrado, como se mencionou, no n.º 5 do art. 32.º da Constituição – exige que se diferencie o órgão que investiga do órgão que julga. Escusado será repetir que in casu foi o 1.º Juízo do TIC de Lisboa a praticar ou a autorizar a prática de actos processuais durante a fase de inquérito (aliás, de modo ilegal, conforme se sabe), que a acusação foi deduzida contra os arguidos pelo Ministério Público, que a instrução decorreu e que a decisão instrutória foi proferida pelo 3.º Juízo do TIC de Lisboa e que o julgamento decorreu perante a 8.ª Vara Criminal de Lisboa, não existindo nota que algum dos membros desse Colectivo tenha tido anterior intervenção no processo seja nas fases de inquérito ou de instrução. Mantendo-se intocável neste segmento o princípio da estrutura acusatório, também não assiste razão aos recorrentes quando defendem que competia ao juiz de instrução criminal, em face do decidido no aludido acórdão de 17-03-2004, apreciar e decidir a validade dos actos processuais praticados durante a fase de inquérito, sob pena de inconstitucionalidade, ou quando pugnam no sentido de que o Tribunal a quo invadiu a esfera funcional de competência do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa. Sobretudo se tivermos em consideração que não se vislumbra, numa perspectiva estritamente objectiva, uma actuação gravemente violadora ou simplesmente atentatória das garantias de isenção, de imparcialidade ou de independência do Tribunal recorrido, quer na óptica dos arguidos, quer na óptica da comunidade em geral. A 3.ª Secção da 8.ª Vara Criminal de Lisboa, enquanto tribunal de julgamento ao qual foi distribuído este processo comum colectivo, exercendo uma competência própria, procurou dar seguimento ao que foi decidido pelo acórdão de 17-03-2004 e cujo apenso de recurso tinha acabado de baixar à 1.ª instância, abordando a nulidade que aí foi conhecida e declarada, numa lógica de anulação ou de aproveitamento dos actos em causa, enquanto questão processual que obstava ao conhecimento do mérito da causa. Acresce também afirmar, o que aliás mereceu acesa crítica por parte dos recorrentes, que a decisão recorrida não se debruçou sobre a fundamentação das decisões judiciais proferidas na fase processual de inquérito, sobre a valia da argumentação utilizada e sobre o acerto daquilo que foi então decidido, ou, dito por outras palavras, não avaliou, de fundo ou de substância, esses actos processuais de acordo com o quadro jurídico aplicável. Como efectivamente não o fez (conforme já acima deixámos assinalado, nem o podia e devia ter realizado), como não apreciou o mérito das questões controvertidas então suscitadas pelos diversos sujeitos processuais, não se compreende como estes recorrentes vêm agora defender que o Tribunal a quo invadiu a esfera funcional de competência do Tribunal de Instrução Criminal e que, por tal motivo, é inconstitucional a interpretação que foi feita pela decisão recorrida dos preceitos legais em causa. O Tribunal recorrido não tomou qualquer decisão de inquérito ou de instrução, nem tão pouco se pronunciou sobre a substância das decisões anteriormente tomadas. Simplesmente avaliou que efeitos deviam ser retirados da declaração de nulidade do despacho de fls. 270, quanto à validade/invalidade dos actos praticados no decurso do inquérito. Mais uma vez se salienta que o despacho recorrido foi proferido no âmbito de aplicação maxime do art. 33.º do CPP, relativo aos efeitos da declaração de incompetência. Perante a aludida decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, em face da declaração de incompetência, o Tribunal a quo procurou fundamentalmente verificar a compatibilidade dos actos processuais praticados no decurso do inquérito e, após ponderação, concluiu que nenhum desses actos estava desenquadrado, que todos se inseriam no âmbito da investigação e que todos se prendiam com o objecto do processo. Deste modo, considerou que todos eles foram praticados dentro da competência legalmente atribuída e que nenhum deles subvertia a direcção do inquérito. Considerando igualmente que vários actos não suscitaram quaisquer reparos por parte dos sujeitos processuais e que outros foram confirmados e infirmados pelas instâncias de recurso, quer em benefício quer contra as pretensões dos arguidos, o Tribunal a quo não apreciou o mérito daquilo que já tinha sido decidido em sede de inquérito, limitou-se a averiguar a sua conformação formal, a compatibilidade dos actos praticados pelo Senhor Juiz do 1.º Juízo do TIC de Lisboa, sem nunca entrar na concreta abordagem das questões atinentes aos actos de inquérito que considerou validados. Ao considerar a validade destes actos, o Tribunal a quo nada alterou de substancial face ao que já tinha sido decidido em sede de inquérito, quer pela 1.ª instância, quer pelas instâncias de recurso, seja em benefício ou seja contra as pretensões dos arguidos, pelo que não se descortina qualquer invasão da esfera funcional de competências do TIC de Lisboa, susceptível de comprometer o princípio da estrutura acusatória do processo criminal. O Tribunal a quo decidiu que todos esses actos se consideravam validados, sem modificar ou revogar quaisquer decisões judiciais anteriormente tomadas, precisamente por eles se enquadrarem na normal tramitação de um processo de inquérito e por respeitarem aos factos que foram investigados nestes autos. E fê-lo, de acordo com o art. 33.º, nº 1, do CPP, aproveitando ao máximo os actos processuais praticados pelo tribunal incompetente no decurso do inquérito, e dando cumprimento ao dis(...) no art. 32.º, n.º 2, da CRP, promovendo o julgamento no mais curto prazo. Muito menos se assinala que o Tribunal recorrido tenha formulado um juízo de culpabilidade ou que para o efeito tenha quebrado o dever de isenção ou de imparcialidade, o que, em nossa opinião, ainda se mostraria mais determinante. Tudo aquilo que de substancial já tinha sido decidido pelas instâncias, seja a favor ou seja contra as pretensões dos arguidos, foi mantido nos seus precisos termos pela decisão recorrida. Quanto a este aspecto, assumiu-se uma postura de absoluta neutralidade, não tendo o Tribunal a quo nada decidido – nem o devendo fazer, de acordo com enquadramento jurídico que acima já deixámos traçado – v.g. quanto ao mérito dos actos processuais relativos às medidas de coação aplicadas aos arguidos. Aliás, a estrutura acusatória do processo criminal não fica comprometida com uma qualquer intervenção, por mais singela e minimalista, do juiz de julgamento noutras fases processuais (maxime inquérito e instrução). Assim como não é a avaliação crítica de um acto de inquérito (v.g. apreciação de uma questão de nulidade referente a essa fase processual mas posteriormente suscitada) ou a simples sujeição já nesta fase processual de um arguido a termo de identidade e residência que farão quebrar as garantias de imparcialidade e de independência impostas ao juiz de julgamento. Como decorre da jurisprudência já citada do TC, a quebra deste princípio fundamental do processo criminal exige, para o que agora nos interessa, que o juiz tenha tido uma intervenção que, pela sua “frequência, intensidade ou relevância”, possa ser fundadamente considerada como comprometedora das garantias de imparcialidade e de independência. In casu, para além de se ter cingido a uma intervenção pontual (prolação do despacho de 13-12-2004), mais uma vez se repete, em síntese, que a 8.ª Vara Criminal de Lisboa, 3. ª Secção, não teve qualquer intervenção ou interferência nas fases preliminares do processo, que não tomou qualquer decisão de inquérito ou de instrução e que se limitou, em cumprimento do acórdão desta Relação de Lisboa de 17-03-2004, a tomar posição quanto à validade/invalidade dos actos de inquérito, o que fez, de acordo com os princípios e normas aplicáveis, considerando-os validados, por conformidade processual, mas sem entrar, e bem, na apreciação do mérito das decisões que a seu propósito foram sendo proferidas pelas instâncias ao longo do tempo. Perante o que já se deixou dito, na nossa perspectiva, não foi minimamente tocado o princípio da estrutura acusatória do processo penal. Nem tão pouco se afigura que os arts. 33.º, n.° 1, 14.°, 17.°, 268.°, 269.°, 311.° e 313.°, todos do CPP, e 64.°, n.°s 1 e 2, 79.°, n.º 1, 98.° e 106.º, n.º 1, todos da LOFTJ tenham sido interpretados de modo ofensivo à norma contida no art. 211.º, n.º 1 e 2, da Lei Fundamental, conforme defende o recorrente K, por, alegadamente, a decisão recorrida ter estabelecido uma confusão nas funções, finalidades e competências entre os tribunais de julgamento e os tribunais de instrução. Estabelece, então, o art. 211.º da Constituição, sob a epígrafe “Competência e especialização dos tribunais judiciais”: “1. Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais. 2. Na primeira instância pode haver tribunais com competência específica e tribunais especializados para o julgamento de matérias determinadas”. Salvo o devido respeito por opinião contrária, não se compreende a alegada violação, a propósito deste caso concreto, do dis(...) no n.º 1 do citado ao art. 211.º da CRP, na medida em que quer o tribunal de instrução criminal quer a vara criminal são tribunais judiciais de 1.ª instância, o primeiro com competência especializada e a segunda com competência especifica, que exercem jurisdição em matéria criminal, não se verificando que algum tribunal integrante de qualquer outra ordem judicial tenha abusivamente decidido sobre a validade/invalidade dos actos de inquérito. Por outro lado, quanto ao n.º 2 deste preceito constitucional, apraz afirmar que a decisão recorrida não impossibilitou seguramente a existência facultativa, no quadro legal, de tribunais com competência específica a par de tribunais com competência especializada para o julgamento de determinadas matérias, ao mesmo tempo em que se mostra igualmente seguro que o legislador constitucional não delimitou as concretas funções e competências a atribuir pelo legislador ordinário a cada um desses tribunais. De qualquer modo, convirá agora repetir que a decisão recorrida não incorreu em qualquer confusão entre as funções e competências dos tribunais de instrução criminal e de julgamento, na medida em que procurou unicamente verificar que efeitos deviam ser retirados da declaração de nulidade do despacho de fls. 270 (ainda que respeitantes à fase de inquérito), quando já estavam encerradas as fases processuais de inquérito e de instrução, quando por tal motivo já tinha cessado a intervenção do juiz de instrução e quando o processo comum colectivo já tinha sido distribuído à 8.ª Vara Criminal de Lisboa, então o tribunal competente para proceder à realização da audiência de julgamento, para sanear o processo e para conhecer todas as questões que pudessem obstar à apreciação do mérito da causa. Em face do ex(...), entendemos que a interpretação efectuada pela decisão recorrida não consubstancia qualquer violação do dis(...) no art. 211.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição, afigurando-se que o Tribunal a quo ao sanear o processo actuou no âmbito de competências que lhe estavam legalmente atribuídas (cf. maxime arts. 311.º do CPP e 98.º, n.º 1, da LOFTJ), como já se deixou assinalado, porquanto os autos já tinham sido distribuídos como processo comum colectivo, encerradas que estavam as fases preliminares de inquérito e de instrução e, por consequência, esgotada a competência do juiz ou do tribunal de instrução para a questão da nulidade. Acresce que a decisão em causa foi incontestavelmente proferida por tribunal judicial, com competência em matéria criminal, sendo certo que a Lei Fundamental não impõe a forçosa existência de tribunais de competência específica e/ou especializada, remetendo-se para o legislador ordinário a tarefa de concretizar os casos em que esses tribunais devam ser criados e delimitar a competência de cada deles, quando existam numa determinada circunscrição. O recorrente K defendeu também que a decisão recorrida, para salvaguarda do princípio da economia processual, não pode postergar os direitos e garantias fundamentais do arguido, constitucionalmente consagrados, sob pena de violação do art. 32.º, n.ºs 1, 2 e 5, da Constituição. Acrescenta que o sentido interpretativo das normas dos arts. 33.º, n.ºs 1 e 3, e 122.º, n.ºs 1, 2 e 3, ambos do CPP, efectuado na decisão recorrida, no sentido de que não tinha de efectuar uma reapreciação substancial dos actos, é inconstitucional por ofensa dos arts. 28.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1 e 2, da CRP. Não se descortina por que forma a decisão recorrida atentou contra as garantias de defesa dos arguidos, por não ter efectuado “uma avaliação substancial do universo decisório”, conforme defende este recorrente. Se ao apelar para as garantias fundamentais do arguido, o recorrente K pretendeu incluir o direito ao recurso, expressamente consagrado pelo n.º 1 do art. 32.º da CRP, não lhe assiste razão alguma. Quanto à decisão proferida pela 8.ª Vara Criminal de Lisboa, este arguido interpôs precisamente o recurso que está agora a ser objecto de apreciação. Quanto às decisões que foram tomadas ao longo do inquérito, das duas uma, ou foram aceites pelos sujeitos processuais ou foram impugnadas por via do recurso, como facilmente se pode constatar da análise dos autos. Seja como for, tendo os sujeitos processuais recorrido ou deixado de recorrer, o que se mostra incontornável é que decidiram livremente actuar da forma que tiveram por mais conveniente para a defesa das suas pretensões, pelo que não sofreram qualquer tipo de limitação intolerável ao exercício de tal direito, nem tão pouco o impugnante K o invoca expressamente. O que não pode, sob a capa da pretensa inconstitucionalidade, é criar uma nova oportunidade para recorrer das decisões que eventualmente não sejam do seu agrado, subvertendo todo o sentido dos arts. 33.º e 122.º do CPP, ao pretender que o Tribunal a quo viesse a conhecer os fundamentos substanciais das decisões judiciais proferidas nos autos, até por instâncias de recurso, já com trânsito em julgado, apreciando indevidamente o mérito delas, mas sem averiguar ou menorizando a determinante conformidade processual dos actos praticados em face da referida declaração de incompetência. Competiu aos sujeitos processuais fixar o objecto dos recursos que decidiram interpor, foram eles que delimitaram as questões controvertidas, que tiveram a oportunidade de se insurgir contra as medidas de coacção que foram decretadas em sede de inquérito, questionando as respectivas causas, requisitos e fundamentos. Perante os recursos livremente inter(...)s e delimitados, as instâncias de recurso decidiram as questões suscitadas e com o correspectivo trânsito, formou-se caso julgado, o que impediu o Tribunal a quo de delas conhecer, de modo a não ser confrontado com a confirmação, modificação ou revogação do que já estava definitivamente assente. Para além de não ter ocorrido a violação desta garantia de defesa, de igual modo se entende que permaneceu intocado o princípio da estrutura acusatória do processo criminal, pois, mais uma vez se repete, que o Tribunal recorrido exerceu competência própria (que não funcionalmente do juiz de instrução) e que manteve a sua isenção e imparcialidade (se nada confirmou, alterou ou revogou face ao que já tinha sido decidido pelas instâncias, não formulou qualquer juízo de culpabilidade relativamente aos arguidos). Apraz também afirmar que o princípio da economia processual não deve ser desvalorizado, face ao seu reconhecimento pelo art. 137.º do CPC (aplicável ex vi art. 4.º do CPP) e até devido ao seu assento doutrinal e jurisprudencial, nem tão pouco deve ser entendido como valor marginal face à Lei Fundamental, na medida em que o texto constitucional assegura o julgamento do arguido no mais curto prazo, o que obviamente não será conseguido com a prática de actos inúteis ou imprestáveis que não comportam qualquer benefício para as garantias de defesa do acusado. Pese embora a falta de explicitação a este propósito, sempre se dirá que a interpretação dos arts. 33.º e 122.º do CPP, levada a cabo pela 1.ª instância na decisão recorrida, não colide com qualquer garantia de defesa do recorrente K, designadamente com o princípio da presunção da inocência (considerando processualmente validado tudo o que já tinha sido decidido pelas instâncias, o Tribunal não formulou qualquer prévio juízo de valor no sentido de considerar o recorrente K como culpado da prática dos crimes de que vinha acusado e pronunciado) ou com o princípio do contraditório (antes de ter sido proferida a decisão em causa, todos os sujeitos processuais tiveram a oportunidade de se pronunciar sobre a questão). Em face do ex(...), não tendo o tribunal de julgamento invadido a esfera de competência funcional do tribunal de instrução criminal, mantendo-se intocada a sua isenção e imparcialidade, tendo sido reconhecido aos sujeitos processuais o direito de livremente interporem recurso e de livremente delimitarem o respectivo objecto para salvaguarda das suas pretensões, não se vislumbrando a preterição de garantias de defesa, nem havendo qualquer densificação nesse sentido por parte do recorrente K, não se mostra que o Tribunal recorrido tenha feito interpretação inconstitucional dos arts. 33.º e 122.º do CPP, ao não avaliar o mérito dos actos praticados pelo Senhor Juiz do 1.º Juízo do TIC de Lisboa durante o inquérito. Mais: como se entende não existir qualquer preterição das garantias de defesa (nem tão pouco estas foram concretizadas pelo recorrente K), a posição assumida pelo Tribunal de 1.ª Instância mostra-se plenamente compatível com o princípio da presunção da inocência e com o julgamento no mais curto prazo, sobretudo se tivermos como pressu(...) a defendida perspectiva da nulidade de todos esses actos processuais. O recorrente K veio também alegar que a interpretação do art. 97.º, n.º 4, do CPP, efectuada pela decisão recorrida, no sentido de que não tem de explicitar os critérios que subjazem ao seu juízo de maior ou menor relevância dos actos praticados, é inconstitucional, por violação do dever de fundamentação (cf. art. 205.º, n.º 1, da Constituição) e do direito ao recurso (cf. art. 32.º, nº 1, da Lei Fundamental). Como doutrinam Jorge Miranda e Rui Medeiros (in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Coimbra Editora, 2007, Tomo III, pág. 70): “A exigência de fundamentação não constitui uma simples exigência formal desprovida de sentido. A fundamentação cumpre, simultaneamente, uma função de carácter objectivo – pacificação social, legitimidade e auto-controlo das decisões – e uma função de carácter subjectivo – garantia do direito ao recurso, controlo da correcção material e formas das decisões pelos seus destinatários”. Acrescentam a este propósito estes autores: “O conteúdo essencial do dever de fundamentação analisa-se na comunicação das razões que justificam a decisão. Todavia, como já foi afirmado pelo Tribunal Constitucional, as exigências de fundamentação não são iguais relativamente a todo o tipo de decisões judiciais (…)”. “Assim (…) pode dizer-se que a fundamentação das decisões judiciais deve ser expressa, clara, e coerente e suficiente”. Como já se disse, a decisão recorrida cumpre, na nossa óptica, o dever de fundamentação im(...) pela Constituição e, consequentemente, pela lei, pelo que não se vislumbra a mais ténue ofensa dos dispositivos em causa, susceptível de comprometer as garantias de defesa deste recorrente. Sem necessidade de outras considerações, importa apenas assinalar que a falta de fundamentação não deve confundir-se com a legítima discordância perante o teor da decisão judicial, sendo que in casu, ao mesmo tempo em que o irresignado e singular sujeito processual alega a “ausência de critérios válidos”, “a confusão de funções jurisdicionais” e a “inexistência de fundamentação quanto a esta problemática”, apresenta recurso, dessa mesma decisão que considera infundamentada, numa extensa peça processual, em que suscita variadíssimas questões, desde a presente invocação de inconstitucionalidade, passando, por exemplo, pela nulidade insanável da decisão recorrida. Não subsistem quaisquer dúvidas de que a decisão recorrida mostra-se perfeitamente clara, lógica, inteligível e perceptível quanto aos motivos de facto e de direito que levaram o Tribunal Colectivo a ter assumido a validação dos actos processuais praticados no decurso do inquérito. Para além de ter enunciado as questões sujeitas a apreciação, a decisão interlocutória em causa assumiu para o Tribunal a quo a competência para a validação/invalidação desses actos, expôs os motivos (naturalmente discutíveis) que o levaram a chegar a essa conclusão, defendeu sem quaisquer hesitações ou dúvidas que não iria proceder a uma reapreciação substancial dos actos (v.g. “apenas serão invalidados os actos que na perspectiva finalística do processo não deviam ter sido praticados ou aqueles que não tenham observado os pressu(...)s legais” e “nesta fase processual, não cabe a reapreciação da validade substancial dos actos”), enumerou-os e assumiu, muito em síntese, a posição (naturalmente discutível) de que considerava convalidados os actos que não tinham sido impugnados pelos arguidos e que considerava validados os actos nos moldes em que já tinham sido apreciados pelas várias instâncias judiciais (v.g. “as decisões que vieram a ser proferidas quanto a tais actos, ou por via da decisão de recurso nas instâncias superiores ou por via do conhecimento das arguidas nulidades aquando da abertura da instrução e do procedimento da decisão instrutória, constituíram já elas uma apreciação jurisdicional da validade dos actos praticados”). Cumprido que foi, em nossa opinião, o dever de fundamentação por parte da decisão interlocutória (ainda que por muito relevante, esta decisão não pode assumir as mesmas exigências de fundamentação do que uma sentença/acórdão) e não ocorrendo qualquer espécie de impedimento ou de obstáculo ao exercício do direito ao recurso, como facilmente se pode constatar da análise dos autos, improcede também, nesta parte, o recurso inter(...) pelo arguido K, por falta de fundamento quanto à invocada inconstitucionalidade da interpretação do art. 97.º, n.º 4, do CPP. Por último, o arguido H veio arguir a inconstitucionalidade da interpretação dos arts. 33.º, n.ºs 1 e 3, e 120.°, n.º 3, do CPP, “(…) no sentido de que, declarada a incompetência do juiz de instrução que interveio no inquérito, podem, por uma razão de economia processual ou outra de efeito prático equivalente, ser considerados validados os seus actos nos quais foi omitida ao arguido a adequada informação acerca da factualidade concreta punível que lhe é atribuída, bem como acerca dos meios de prova em que se funda a sua prisão preventiva - seja o interrogatório judicial, seja o despacho que ordena ou mantém a prisão preventiva, seja o despacho que nega acesso a essa informação - , por ofensa dos arts. 28º nº 1 e 32° n° 1 da CRP”. Para além dos actos processuais sequenciados pelo próprio no recurso que interpôs, com relevância para a apreciação da questão em apreço, importa também assinalar, muito em síntese, a pertinente tramitação subsequente: - no dia 02-10-2003 o arguido H requereu que fosse inquirido sobre a concreta factualidade que lhe era imputada e sobre os elementos de prova em que se fundou a sua prisão (cf., fls. 9796 a 9798, Vol. 47.º); - por acórdão datado de 19-12-2003, proferido nos autos de recurso n.º 9785/03 - 3.ª, o Tribunal da Relação de Lisboa revogou o despacho que recaiu sobre o aludido requerimento de 02-10-2003 e que havia indeferido a inquirição do arguido H (cf. fls. 254 a 277, Apenso T); - dando cumprimento a este acórdão, foi designado o dia 09-01-2004 para interrogatório do arguido H (cf. fls. 14294, Vol. 63.º); - nos dias 09-01-2004 e 16-01-2004 decorreu o interrogatório judicial (cf. fls. 14404 a 14428, Vol. 64.º e fls. 15044 a 15054, Vol. 67.º); - no dia 06-02-2004 foi proferido despacho que manteve a medida de coacção aplicada de prisão preventiva (cf., fls. 15896 a 16010, Vol. 70.º); - por acórdão datado de 04-05-2004, proferido nos autos de recurso n.º 3432/04 - 5.ª, o Tribunal Relação de Lisboa revogou a decisão que manteve esta medida de coacção, que foi substituída pela medida de coacção de obrigação de permanência na habitação (cf. fls. 19413 a 19427, Vol. 83.º); Perante este enquadramento, não se descortina como a interpretação conjugada dos arts. 33.º, n.ºs 1 e 3, e 120.º, n.º 3, do CPP, tal como foi efectuada pelo Tribunal recorrido, possa ofender de forma gravíssima, na perspectiva do recorrente, o núcleo fundamental das garantias de defesa, na óptica do estabelecido nos arts. 28.º e 32.º da Lei Fundamental. No dia 13-12-2004, data da prolação da decisão impugnada e da interpretação considerada inconstitucional, os autos já tinham sido distribuídos como processo comum colectivo, o arguido H já tinha tido sobejamente conhecimento da acusação (dos factos e dos meios de prova apresentados pelo Ministério Público) e do despacho de pronúncia, já lhe tinha sido facultado o livre acesso aos autos e inclusive já tinha sido revogada e substituída a medida de coacção de prisão preventiva. Deste modo, a ter ocorrido eventual ofensa das garantias de defesa, o ponteiro indicador da inconstitucionalidade não devia ter sido direccionado à interpretação destes dispositivos legais – que, em nossa opinião, em nada conflitua com a Constituição – mas eventualmente aos entendimentos normativos que foram seguidos ao longo do decurso do inquérito a respeito das matérias em causa e que, em devido tempo, foram e puderam ser sindicadas, através da interposição dos pertinentes recursos. É sabido que o Tribunal Constitucional, aliás, a propósito do presente processo, julgou, por exemplo, inconstitucional “(…) a norma do n.º 4 do artigo 141.º do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que, no decurso do interrogatório de arguido detido, a «exposição dos factos que lhe são imputados» pode consistir na formulação de perguntas gerais e abstractas, sem consideração das circunstâncias de tempo, modo e lugar em que ocorreram os factos que integram a prática desses crimes, nem comunicação ao arguido dos elementos de prova que sustentam aquelas imputações (…)” – cf. acórdão n.º 416/2003, de 24-09-2003. Todavia, como já se disse, o art. 33.º do CPP não pode ser analisado de forma desgarrada perante a sua inserção sistemática, de modo alheado à sua função, que, como resulta da sua epígrafe, se prende com os “efeitos da declaração de incompetência”. Mais uma vez se salienta, que neste âmbito não compete ao aplicador do direito, enquanto julgador de um recurso perfeitamente atípico, tomar posição sobre o mérito das decisões que ao longo do tempo foram sendo proferidas, inclusive por instâncias superiores, por mais absurdas ou discutíveis que as mesmas sejam, como insistentemente pretendem os recorrentes. Impõe-se tão simplesmente verificar da compatibilidade, da conformidade formal ou processual, dos actos já praticados com a competência do tribunal entretanto declarada. Por isso, a interpretação destes dispositivos legais em nada ofendeu as garantias de defesa do recorrente H, nem colidiu com as normas substanciais atinentes às medidas de coacção aplicadas em sede de interrogatório judicial de arguido detido, na medida em que – como se impõe, até para a salvaguarda do caso julgado enquanto valor respeitante à segurança e a certeza jurídica – a avaliação deve ser feita numa perspectiva estritamente processual, conforme foi entendimento do Tribunal a quo, ou seja, verificar que actos podem vir a ser aproveitados, se excepcionalmente alguns terão de ser anulados ou se no caso se justifica a sua repetição. Como se disse ao longo deste acórdão, o art. 33.º do CPP não impõe uma reapreciação substancial das decisões proferidas pelo tribunal declarado incompetente, não consubstancia o remédio para as decisões judiciais já transitadas em julgado ou a solução a posteriori para tudo aquilo que não mereceu a concordância dos sujeitos processuais, mas que agora se volta a querer discutir, a reboque de diferente matéria (os efeitos da declaração de incompetência do tribunal), procurando-se fazer tábua rasa do caso julgado. Deste modo, seja numa perspectiva pragmática, seja numa perspectiva mais dogmática, não se descortina como os dispositivos da Lei Fundamental, invocados pelo recorrente H e atinentes às garantias de defesa em termos gerais, podem ter sido tocados pela interpretação dos arts. 33.º, n.ºs 1 e 3, e 120.º, n.º 3, do CPP, elaborada pelo Tribunal recorrido, quando justamente se procurou – e bem, na nossa perspectiva – averiguar da conformidade dos actos processuais praticados em sede de inquérito em face da declaração de incompetência do tribunal, mas quando já tinha cessado a medida de coacção de prisão preventiva, quando estava esgotado o segredo de justiça, quando todos os factos e todos meios de prova já eram do conhecimento dos sujeitos processuais e que livremente puderam sindicar. Não havendo qualquer relação entre a interpretação efectuada pelo Tribunal a quo e a propalada violação das garantias de defesa, improcede a questão da inconstitucionalidade suscitada pelo recorrente H. Em face do ex(...), julgam-se totalmente improcedentes os recursos inter(...)s pelos arguidos H, C e K, por falta de fundamento quanto às questões aí suscitadas, e, em consequência, decide-se confirmar in totum o despacho de fls. 25475 a 25488, proferido em 13-12-2004. 7. Recurso inter(...) pelo arguido K do despacho de fls. 28916 (ponto 2.) a 28927, proferido em 17-03-2005, que conheceu da excepção da fiscalização concreta da constitucionalidade dos arts. 346.º n.º 1 e 347.º n.º 1 do CPP O arguido K interpôs recurso do despacho de fls. 28916 a 28927 (ponto 2.), que, na sessão da audiência de julgamento de 17-03-2005, conheceu da excepção da fiscalização concreta da constitucionalidade dos arts. 346.º, n.º 1 e 347.º, n.º 1, ambos do CPP, suscitada por si e pelo arguido H, na sessão da audiência de julgamento de 14-03-2005. Da motivação extraiu as seguintes conclusões: (cf. fls. 29728 a e 29747): 1. A decisão de fls. 28916 a 28927 declarou constitucional a interpretação dos normativos dos arts. 346°, n.º 1, e 347°, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, nos seguintes termos: - A tomada de declarações dos assistentes e dos demandantes cíveis é sempre realizada pelo Presidente do Tribunal, no caso de Tribunal Colectivo, e, caso o Ministério Público, o advogado do assistente, o advogado do demandante cível ou o defensor pretendam que seja formulada alguma questão ou pedido algum esclarecimento, deverão estes solicitar ao Presidente do Tribunal que formule tais questões ou pedidos de esclarecimentos aos assistentes e demandantes cíveis; - A ordem definida para a instância do assistente e do demandante cível é imperativa, pelo que o defensor do arguido formulará o seu pedido de questão ao Presidente depois do Ministério Público mas antes do mandatário do assistente e do demandante cível. 2. Esta dupla interpretação do Tribunal a quo dos normativos dos art.ºs 346º, n.º 1. e 347º, nº 1, ambos do Código de Processo Penal viola claramente os princípios constitucionais do contraditório pleno e da presunção de inocência, consagrados no âmbito dos direitos e garantias do arguido, previstos no art.º 32°, n.ºs 1, 2 e 5, da Constituição da República. 3. A questão fundamental era saber como é que as garantias de defesa do arguido, maxime, o direito de contrainterrogar e contraditar directamente toda a prova incriminatória que seja produzida na audiência de julgamento - fora as excepções dos art.ºs 349° e 350º do C.P.P. -, se mantêm intactas se as normas em crise impõem que todo o interrogatório do assistente e das partes civis, nomeadamente, do demandante cível, seja realizado por intermédio do presidente do Tribunal. 4. Esta questão não foi resolvida, apesar de ter assumido o Tribunal a quo que este regime prejudicava a espontaneidade do depoimento, lhe retirava conteúdo emocional, i.e., tudo aquilo que permite, em sede de audiência de julgamento, aceder à humanidade da prova e, consequentemente, à possibilidade de valoração. 5. Regime assumido pelo Tribunal a quo, resultante da letra das normas citadas. viola directamente as garantias de defesa do arguido, consagradas no art. 32º n.º 1 e 5. da C.R.P., nomeadamente, o direito de exercer plenamente o contra-interrogatório de toda a prova oral produzida em audiência de julgamento. 6. Emende o recorrente que o regime definido nos artigos em causa para as declarações do assistente e das partes civis foi consagrado por se considerar que tais sujeitos processuais iriam formular, durante tais declarações, uma mera repetição das pretensões subjacentes à sua posição, não constituindo forma probatória com a relevância de uma testemunha, de documentos autênticos, apreensões, vigilâncias. etc ... 7. As normas do art.º 346°, n.º 1 e art.º 347º, n.º 1, ambos do C.P.P., não foram previstas para uma realidade complexa, mas para uma situação simples e mecânica, em que todo o processo se preenche de prova distinta e diferenciada, prova testemunhal, documental, apreensões e buscas, vigilâncias, reconhecimentos. 8. Consequentemente. as normas do art.º 346°. n.º 1 e art.º 347°, n.º 1 ambos do C.P.P, violam o direito do arguido contraditar, contra-interrogar, contra-analisar toda a prova que constitui concretização da incriminação constante do libelo acusatório. 9. Nestes termos, deverão V.Ex.as decretar que o sentido expresso pelo Tribunal a quo sobre estas normas, que a interpretação normativa dos art.ºs 346°, n.º 1 e 347º, n.º 1, ambos do C.P.P. efectuada na decisão recorrida é inconstitucional por violação directa do art.º 32º, n.ºs 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa. 10. Quanto à segundo vector interpretativo, o Tribunal a quo considera, por um lado, que a ordem é exaustiva e taxativa, e, por outro, que a possibilidade do defensor pedir esclarecimentos por último ou, aliás, qualquer outro sujeito processual, não invalida o exercício do contraditório princípio constitucionalmente previsto. 11. A imperatividade e exaustão da indicação da ordem nos referidos normativos não decorre de qualquer elemento literal constitutivo das normas nem do sistema normativo. 12. O Tribunal a quo, igualmente, não apresenta nenhuma razão lógica ou fundamento que demonstre a natureza taxativa da sucessão descrita, sendo que a afirmação de que tal ordem reflecte a natureza "tripartida" do processo penal - Ministério Público-arguido-vitima - não pode colher, dado estimular a violação de princípios e garantias constitucionais como o princípio do contraditório e o princípio da presunção da inocência. 13. A apresentação de tal ordem nas normas referidas é uma mera transposição para aquelas normas da sistematização do próprio Código de Processo Penal relativamente aos sujeitos do processo (vd. o índice do Código de Processo Penal, Livro I, Título V). 14. O legislador nos artigos supra-mencionados nada mais fez do que transpor a ordem pela qual descrevera os sujeitos processuais, não pretendendo com tal transposição definir taxativa e imperativamente a ordem a que os interrogatórios referidos em tais normas deviam obedecer. 15. Este entendimento é o único consentâneo com os princípios constitucionais consagrados no âmbito dos direitos e garantias do arguido, e com os valores do processo penal. 16. Atendendo que o princípio da adesão impõe a dedução no processo penal de pedido de indemnização cível fundado no crime respectivo, funcionando este pedido como uma acção civil enxertada no procedimento criminal, a interpretação do Tribunal a quo sobre o normativo do art.º 347°, n.º 1, do C.P.P., permitiria situações estranhas à própria dinâmica processual civilística, nomeadamente, ser o demandante cível instado primeiro pelo defensor e só depois pelo seu próprio advogado, ou seja, primeiro o defensor contestava as declarações do demandante e, depois, o advogado deste concederia ao seu constituinte a possibilidade de reafirmar a matéria contestada, reformulá-la, repô-la. 17. A interpretação adoptada pelo Tribunal a quo viola insanavelmente os princípios do contraditório como garantia de defesa, e da presunção da inocência, consagrados no art.º 32°, n.ºs 1 e 2 e 5 da Constituição da República. 18. Como garantia de defesa, o princípio do contraditório tem, entre outras consequências, a de impor que o arguido, através do seu defensor, reanalise, reformule, reveja, contradiga e contradite toda a prova produzida em audiência, determinando que a sua instância a testemunhas maiores ou menores de 16 por si não apresentadas, ao assistente e ao demandante cível devam realizar-se em último lugar. 19. Só figurando o defensor em último lugar na ordem de avaliação/ instância da prova é que o contraditório é plenamente realizado e o princípio da presunção da inocência salvaguardado e garantido. 20. Esta realidade desejada pelo legislador tem várias ressonâncias no processo penal, a saber, entre outras, a ordem de produção da prova prescrita no art.º 341º do C.P.P. e o direito do arguido prestar declarações após a realização das alegações, como decorre do art.º 361º, n.º 1, daquele diploma. 21. Por outro lado, a imposição de figuração do defensor em último lugar na inquirição a testemunhas maiores ou menores de 16 por si não apresentadas, ao assistente e ao demandante cível, decorre do princípio da presunção da inocência. 22. Na verdade, presumindo-se, sempre, o arguido inocente até trânsito em julgado de decisão condenatória. só a instância do seu defensor em último lugar permite que determinada prova, no presente caso, aquela decorrente das declarações do assistente (e do demandante cível), possa ser avaliada em toda a sua plenitude incriminatória. 23. O arguido estaria em clara desvantagem pois não poderia na sua instância gozar de todo o seu conhecimento sobre a realidade do processo, por saber que, em seguida, o advogado do assistente iria reconstituir ou reparar os danos provocados na sua instância. 24. Assim, a única interpretação que estaria em harmonia com os princípios e valores constitucionais referidos, com o sistema e espírito do processo penal, era a de considerar que a ordem a adoptar na instância do assistente devia ser a seguinte: primeiro o Ministério Público, advogado do assistente e, finalmente, defensor. 25. Nestes termos, deverão V.Ex.as revogar a decisão proferida pelo Tribunal a quo, determinando a inconstitucionalidade da interpretação do Tribunal a que dos normativos dos art.ºs 346º, n.º 1 e 347°, n.º 1, ambos do C.P.P., e aplicando o sentido alegado pelo recorrente, ou então, caso não considerem V.Exas tal interpretação inconstitucional, deverão assumir a Interpretação propugnada pelo recorrente como a única adequada e harmonioso com o sistema jurídico penal adjectivo." O recurso foi admitido a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo (cf. ponto 5 do despacho de fls. 29971). Respondeu o Ministério Público em 1.ª instância, conforme resulta de fls. 79 e ss. do apenso O, nos seguintes termos (transcrição parcial): "(…) São duas as questões, suscitadas num e noutro Recurso, a que cumpre dar Resposta: - a pretensa desconformidade constitucional do n° 1. do art° 346°, e do n° 1, do art° 347°, do CPP, com os n°s. 1 e 5. do art° 32°, da CRP, na parte em que ambos impõem que as instâncias que, a solicitação do Ministério Público, do defensor ou dos Advogados das Partes Civis ou do Assistente, hajam de, a este. no caso do art° 346° e às Partes Civis, na previsão do art° 347 ser feitas, o devam ser, obrigatoriamente, pelo Presidente do Tribunal; - a pretensa desconformidade constitucional das referidas normas (art°s. 346°, n° 1 e 347°, n° 1, ambos do CPP), com os n°s 1. 2 e 5. do art° 32°, da CRP, na interpretação segundo a qual, numa e noutra, se estabelece, imperativamente, a ordem por que deverão ser solicitadas as instâncias por parte dos Sujeitos Processuais. ao Assistente e às Partes Civis.Duas notas : 1.a - As questões que vêm de elencar-se, tanto quanto resultou da consulta, necessariamente lacunar, que fizemos da Jurisprudência do Tribunal Constitucional, do STJ e das Relações, não foram, até à data, apreciadas, sequer, colocadas, à consideração daqueles Tribunais. Ou seja, 17 anos, 2 meses e 16 dias após a entrada em vigor do CPP de 1987, os art°s 346°, n° 1 e 347°, n° 1, deste diploma, vão, finalmente, ser sujeitos ao crivo da constitucionalidade, por parte, ao menos por ora, do Tribunal da Relação de Lisboa. Anote-se, porque não despiciendo, que tais normativos permaneceram intocados, nas suas redacções originárias, apesar das sucessivas revisões a que, quer o Código, quer a Constituição, desde então, foram sujeitos. A originalidade e o carácter precursor das questões em causa residirão, afinal, tal como expressamente referido na Motivação do Arguido H, no facto de tais questões terem sido ... colocadas neste processo, atendendo à sua visibilidade pública e notória." (sic). 2.a - Comum a uma e outra das Motivações é o facto de não ficar claro, em ambas, se, relativamente ao segmento das normas em que se estabelece uma ordem imperativa na solicitação das instâncias, se coloca, tão só, uma questão de desconformidade constitucional, ou, se prévia a essa, se impugna a interpretação que delas se faz, no Despacho recorrido, por se entender que tal interpretação, antes de ferir a Constituição, não é consentida pela própria lei ordinária. Nesse caso, o que estaria em causa não seria a norma, de per se, mas a interpretação, a um tempo desconforme com a Constituição e com o Código. Tal ambiguidade não pode deixar de resolver-se pelo recurso ao cotejo das respectivas Conclusões, as quais, como vem sendo Jurisprudência pacifica, delimitam o âmbito do recurso. Da análise das referidas Conclusões ("10a" a "25a". na Motivação do Arg° K e "H" a "K", na Motivação do Arg° H). não resulta qualquer menção expressa de quais as normas violadas, para além da invocada violação dos n°s. 1, 2 e 5, do art° 32°, da CRP. Por outras palavras, versando os Recursos, exclusivamente, matéria de Direito, a conjugação dos n°s. 1 e 2, a), do art° 412°, do CPP. impondo a referência inequívoca das normas que, no entender dos Recorrentes, hajam de ter-se por violadas e não tendo estes invocado outras que não sejam as disposições constitucionais referenciadas, impõe que se abordem as normas do CPP, tão só, na perspectiva da sua conformidade, ou não, com aquelas, pese embora sem descurar, antes pressupondo, a interpretação que das primeiras faz o Despacho recorrido, à luz da Lei ordinária. Ao Tribunal da Relação de Lisboa não caberá assim, salvo o devido respeito e melhor opinião, corrigir, ou confirmar, o entendimento que o Despacho recorrido perfilha, relativamente ao n° 1. do art° 346° e ao n° 1, do art° 347°, ambos do CPP. Caber-lhe-á, sim, decidir se esse entendimento está, ou não, conforme com os preceitos constitucionais invocados. É essa, a nosso ver, a incontornável consequência decorrente da apontada deficiência das Motivações. Desde há muito que o art° 32°, da CRP, se vem constituindo como uma das mais impressivas barreiras às tentativas. mais ou menos deliberadas, de compressão das garantias de defesa e direitos correlativos, na esfera do processo penal. À sua luz, tem o TC proferido das mais importantes decisões do panorama doutrinário e jurisprudencial português, reconduzindo, sistematicamente, o processo penal, aos ditames e princípios plasmados no texto constitucional. Os presentes autos foram, de resto, palco de algumas dessas decisões. Não obstante, não pode deixar de, concomitantemente, se reconhecer, que, a mesma norma, não poucas vezes, tem sido invocada e utilizada como um expediente meramente dilatório que mais não visa que o protelamento abusivo dos pleitos sujeitos a juízo ou a minagem potencialmente salvífica que polvilhe o processo de uma conflitualidade tal, que, ainda quando meramente doutrinária, nem por isso será de ter por legítima. O art° 32°, da CRP, não é uma coutada do arguido. O art° 32°, da CRP, é um baluarte que tutela e vigia o processo penal português, que consagra direitos aos que nele intervém, sejam eles suspeitos/arguidos, sejam os que vítimas foram da prática de factos que as Leis Penais definiram como crimes. Talvez por isso, o Legislador Constituinte tenha sentido necessidade de consagrar, na Lei Constitucional n° 1/97, de 20 de Setembro, o actual conteúdo do n° 7, do art° 32°, de acordo com o qual "o ofendido tem o direito de intervir no processo, nos termos da lei. E se é certo que "a norma constitucional não especifica o conteúdo do direito de intervenção do ofendido, remetendo para a lei ordinária a sua densificação", não o é menos que, como assinala o Prof. J. Miranda, "... a lei não pode é retirar ao ofendido, directa ou indirectamente, o direito de participar no processo que tenha por objecto a ofensa de que foi vítima." - cfr. "Constituição Portuguesa Anotada, J. Miranda e Rui Medeiros, Coimbra Editora, Tomo 1, p. 361. Tão pouco indiferente foi a esta problemática o Despacho recorrido, ao citar Figueiredo Dias quando este recorda que, "para uma autêntica protecção da vítima, mais decisivo ainda que o «auxílio social» (...) é conferir-lhe voz autónoma logo ao nível do processo penal." O que vem de dizer-se não é inócuo e ajuda-nos, crê-se, a compreender, em geral, as tensões próprias e naturais de uma litigância sem desfalecimentos, e, em particular, a singularidade criativa de mais dois Recursos a que, igualmente, sem desfalecimentos, nos cabe responder. O Despacho que os Recorrentes impugnam é de tal forma exaustivo na sua fundamentação que pouca margem argumentativa consente sem que se corra o risco da redundância. Escrever, como o faz a Mandatária do Arguido K, que ".. a fundamentação da decisão recorrida fere a sensibilidade jurídica do recorrente, uma vez que é uma não-decisão, um simulacro de concretização dos valores constitucionais.", denota um tal simulacro de sensibilidade jurídica que só como uma não-afirmação deve ser considerada. E afinal, de que recorrem os Arguidos ? De um Despacho em que se decidiu que o facto de os art°s. 346°, n° 1 e 347°, n° 1, do CPP, imporem que os esclarecimentos que hajam de ser prestados, pelo Assistente e pelas Partes Civis, ao M° P° e aos Mandatários dos restantes sujeitos processuais, só por meio do juiz-presidente possam ser formulados; e, por outro lado, que tais normas, no segmento em que enumeram os sujeitos processuais, são pelo Tribunal interpretadas como estabelecendo a ordem por que as instâncias se produzem, (...) que "... o arguido - bem como qualquer outro sujeito processual -, tenha sempre a possibilidade de, finalizados todos os pedidos de esclarecimento e não tendo sido ele arguido, ou outro sujeito processual, o último a pedir os esclarecimentos - o que, como dissemos. mesmo na ordem que o arguido defende pode suceder. no caso de mais do que um arguido -, o Tribunal possibilite que o arguido ( ou outro sujeito processual) formule o pedido de esclarecimento suplementar". No que ao primeiro aspecto diz respeito, é patente que, numa e noutra das Motivações, se desfoca, se não mesmo, se confunde. o que seja o sentido último dos princípios do contraditório e da imediação. Deixaremos, deliberadamente, de lado, quaisquer considerações acerca do também invocado princípio da presunção de inocência e da sua pretensa violação, reconhecendo que nos falece engenho e sapiência para, sequer, descortinarmos onde possa ele ter sido desconsiderado. Valendo-nos da clareza e "simplicidade" dos Mestres, retenha-se o ensinamento de Figueiredo Dias: "Não deve o juiz levar a cabo a sua actividade solitariamente, mas deve, para tanto, ouvir quer a acusação quer a defesa. É este, prima facie, o sentido e o conteúdo do princípio do contraditório, tradução moderna das velhas máximas audiatur et altera pars nemo potest inauditu damnari. – (destaque e sublinhado nossos) - cfr. F. Dias. Direito Processual Penal, in "Clássicos Jurídicos", Coimbra Editora. 2004.. p. 149. No que a este princípio diz respeito, e ao invés do que se afirma na Motivação do Arg° H, o n° 5, do art° 32°, da CRP, não consagra uma plenitude absoluta do correlativo exercício, de tal sorte que se devam ter por excluídas as compressões próprias que decorram de outros princípios aos quais, igualmente, seja reconhecida tutela constitucional. O próprio texto constitucional não faz qualquer referência à subordinação do julgamento a um contraditório pleno, interpretado este de forma absoluta e irrestrita. A consagração do comando constitucional na sistemática do Código, emerge, em primeira linha, do art° 327°, inserido no "Título II – Da audiência". "Capítulo 1 - Disposições gerais". Nele se dispõe, no que agora importa, que "os meios de prova apresentados no decurso da audiência são submetidos ao principio do contraditório, mesmo que tenham sido oficiosamente produzidos pelo tribunal." - cfr. n° 2. Como bem se salienta no Despacho recorrido, ... o Tribunal entende que o legislador, ao determinar no art° 346°, n° 1 e 347°. n° 1, que os pedidos de esclarecimentos fossem feitos através do presidente e pela ordem respectivamente enunciada nestes preceitos, quis fazê-lo tendo em atenção as características do estatuto processual do Assistente e do lesado ou responsável civil e da natureza da acção em que cada um se insere. "Como referimos, o assistente é um sujeito processual que tem interesse próprio na procedência da incriminação, é o sujeito cuja esfera foi alegadamente afectada e violada pela actuação do arguido. É a alegada vítima. com um estatuto especial, sujeito processual da relação que está subjacente à acção penal, tripartida entre "Estado - Delinquente - Vítima" e a quem a lei confere alguns poderes processuais autónomos dos do Ministério Público (cfr citado Ac. do TC n° 205/2001, concretamente declaração do voto do Dr. Cons. Luís Nunes de Almeida).". "Da conjugação desta condição de vítima, com o estatuto especial que lhe advém de ser sujeito processual (assistente) e que foi mencionado - não deixando de referir a tutela constitucional que resulta do art° 32°. n° 7, da CRP. -, resulta para este Tribunal que com o art° 347°, n° 1 o legislador quis estabelecer para a audiência de julgamento um regime diferente e próprio para o Assistente do estabelecido para as testemunhas.". "Embora não se possa falar de uma equiparação da tutela do estatuto processual do arguido com o do assistente, detentores de interesses o(...)s e contra(...)s - e com tutelas constitucionais distintas -, pode entender-se que a referida especial situação de "vítima"(constituída assistente) justifica a diferença de procedimento que a lei determina na audiência de julgamento para o assistente e para as testemunhas: o primeiro não presta juramento mas está adstrito ao dever de falar verdade, prestando declarações através do presidente do tribunal e a testemunha tem que prestar juramento e é inquirida directamente pelos defensores/mandatários dos sujeitos processuais. começando por ser inquirida por quem a indicou. "O assistente, à semelhança do que acontece com o arguido, tem um interesse determinado - e expressamente manifestado no processo - na decisão da causa: a condenação do arguido nos termos em que foi acusado ou pronunciado.". O interesse em mediar as instâncias dos diversos sujeitos processuais, no que ao Arguido, ao Assistente e às Partes Civis diz respeito,enquanto sujeitos interessados, prende-se com a vulnerabilidade própria que a estes é inerente de actores principais da peça processual em cena, cujos desempenhos melhor serão salvaguardados pela intervenção moderadora do tribunal, o qual, por força dessa intervenção. poderá prevenir, ou atenuar, eventuais excessos que o (natural) calor da instância directa sempre potenciaria. Tal regime, de resto e por isso mesmo, é extensível a outros intervenientes processuais igualmente sensíveis, como o sejam as testemunhas menores de 16 anos e as testemunhas declaradas especialmente vulneráveis (cfr. art° 349°, do CPP e art° 29°, c), da Lei n° 93/99, de 14 de Julho). A intervenção do tribunal não restringe o depoimento para além das restrições que à instância directa fossem impostas em caso de formulação de perguntas impertinentes ou inúteis, ou sempre que o fossem de forma a prejudicar a espontaneidade e a sinceridade dos depoimentos - v. art° 138°, n° 1, aplicável ex vi do art° 348°. n° 1, do CPP, De onde seja lícito concluir que a mediação do tribunal não só não compromete o exercício do contraditório como. ao invés, assegura que ele se possa plenamente exercer. Por fim, há-de ter-se em conta que o contraditório tão pouco fica prejudicado pelo facto de o Tribunal ter entendido que a ordem por que devem ser produzidas as instâncias é a que, literalmente. resulta, no caso do Assistente, do art° 346°, n° 1 e, no caso das Partes Civis, do art° 347°. n° 1, do CPP (como bom exemplo da boa interpretação que o Tribunal acolheu e a título meramente ilustrativo, anote-se a "coincidência" de os n°s 1, dos art°s. 346° e 347° apenas divergirem na ordem que, entre si, estabelecem quanto às instâncias dos advogados do Assistente e Das Partes Civis. No primeiro caso - declarações do Assistente -. será o mandatário deste a instar em último lugar ; no segundo - declarações às Partes Civis -, será o mandatário destas a fazê-lo.). Tal como já atrás deixámos sublinhado, o Tribunal, ao interpretar as normas em causa no sentido ex(...), não deixou de enriquecer o conteúdo dos correspondentes comandos com o reconhecimento do direito que a qualquer sujeito processual assiste de instar após qualquer outro, se e enquanto os esclarecimentos solicitados se justifiquem. Por outras palavras, o Tribunal, tomando como ordem primeira das instâncias a que resulta das normas, não exclui, antes, expressamente, admite, a possibilidade de serem formuladas as perguntas que as instâncias anteriores não esgotaram ou que por aquelas tenham sido sugeridas. Ao assim considerar, o Tribunal, e, a nosso ver, bem, não reconhece aos mandatários de qualquer dos sujeitos processuais, no que às instâncias ao Assistente e às Partes Civis diz respeito, um direito a instar em último lugar. O limite das instâncias será balizado pela pertinência/necessidade das perguntas ou esclarecimentos solicitados. independentemente de qual seja o sujeito processual a formular o derradeiro pedido. Daí que, seja no que concerne à mediação do Tribunal na formulação das perguntas, seja no que respeita à ordem por que os esclarecimentos sejam pedidos, sai incólume, da interpretação dos art°s. 346° e 347°, do CPP, o princípio do contraditório e a correspondente conformação ao n° 5, do art° 32°, da CRP. Tão pouco é beliscado pelo Despacho recorrido o princípio da imediação. Socorrendo-nos, ainda e sempre, da limpidez conceptual do Prof. F. Dias, o princípio da imediação consiste na "relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da sua decisão." - cfr. ob. cit., p. 230. Assim entendido, o princípio afirma-se na concepção subjectiva ou formal da imediação, por contraponto à acepção objectiva, ou material. «No primeiro sentido, o princípio da imediação prescreve ao juiz como há-de utilizar os meios probatórios e refere-se à relação do juiz com os meios de prova ; no segundo, determina ao juiz que meios probatórios há-de utilizar e refere-se à relação dos meios de prova com a questão-da-prova» (Goldschmidt). Do conceito emerge, como nota saliente. o facto de, entre o Tribunal e o material probatório, se estabelecer uma relação directa de percepção. Para além disso, o Tribunal dispõe da prova, obviamente, não no sentido de a subtrair aos sujeitos processuais mas, ao invés, como meio de disciplinar a forma e o tempo da sua produção. Daí que, a percepção da prova, por parte dos intervenientes processuais, não podendo deixar de afirmar-se como elemento crucial das diversas posições e interesses em conflito, nem por isso caracterize o núcleo central do princípio da imediação, o qual se preenche por meio da relação privilegiada que haja de se estabelecer entre o Tribunal e a prova. Tão pouco, neste registo, se alcança como e em que medida, possam, as normas postas em crise, conflituar com a afirmação do princípio da imediação, seja na parte em que ambas impõem a intervenção activa do Juiz-presidente na formulação das instâncias, seja no segmento em foram interpretadas pelo Despacho recorrido relativamente à ordem por que as mesmas se devam produzir. Por todo o ex(...), entendendo-se que o referido Despacho fez uma correcta interpretação dos art°s. 346°, n° 1 e 347°. n° 1. do CPP e que tal interpretação não colide, antes acolhe, os princípios constitucionais enformadores emergentes dos n°s. 1,2 e 5, do art° 32°. da CRP, propugna-se pela improcedência dos Recursos dos Arguidos H e K, confirmando-se, integralmente, o Despacho recorrido (…).” Subidos os autos, pronunciou-se o Exmº Procurador-Geral (...) junto desta Relação, conforme parecer de fls. 100 do apenso O. Por acórdão desta 9.ª Secção foi determinado que o recurso subisse diferidamente, a final, nos próprios autos, com o que viesse a ser inter(...) da decisão que pusesse termo à causa (vd. fls. 112 a 116 do Apenso O). Cumpre, agora, apreciar e decidir. Para tanto, vejamos, antes de mais, o conteúdo da decisão recorrida, que foi do seguinte teor: "2 - 1. Na audiência de julgamento que teve lugar em 14/3/05, os arguidos vieram excepcionar, incidentalmente a fiscalização concreta da constitucionalidade dos artºs. 346°, nº 1 e 347°, nº 1, do C. P. Penal. Alegam, em síntese, que o art° 346°, nº 1, do C.P.P, ao impedir o interrogatório directo da defesa aos assistente que prestem declarações sobre o objecto do processo, restringe de forma inaceitável as garantias de defesa dos arguidos, uma vez que prejudica a espontaneidade e a imediação própria de um contra interrogatório, que assim fica afectado de forma grave. A defesa fica limitada a poder sugerir ao Tribunal a formulação de perguntas, o que pode ou não ser deferido e em qualquer caso prejudica a espontaneidade e imediação, que são garantias fundamentais do contra interrogatório. Alegam, também, que quanto à ordem pela qual devem ser pedidos os esclarecimentos, deverá ser a seguinte: o Tribunal, o Ministério Público, Mandatários dos assistentes e finalmente os Mandatários dos arguidos. Sustentam que só assim será garantido um processo equitativo, pois a defesa nunca teria o privilégio nem de começar, nem de terminar as instâncias, ficando como que emparedado entre duas faces da mesma acusação. O arguido K requereu, também, a declaração de inconstitucionalidade do art° 347° ,n°1, doC.P.P., com fundamento nos mesmos argumentos, bem como na violação do princípio da presunção de inocência, consagrados nos artº 32°, nº 2 e 5, da CRP. 1.1. Apenas o Tribunal Constitucional tem competência para declarar determinada norma como inconstitucional. Isto é, apenas o Tribunal Constitucional tem competência para proceder à declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral; no caso de fiscalização concreta da constitucionalidade a julgar a norma como inconstitucional; no caso de fiscalização preventiva da constitucionalidade a pronunciar-se pela inconstitucionalidade da norma; e a verificar da existência de e inconstitucionalidade por omissão (art° 280° nº 5, 279°, nº 1, 281°, 282° e 283°, nº 2). Cabe no entanto a este Tribunal, por força do dis(...) no art° 204 e 209°, da CRP, oficiosamente ou porque tal é suscitado num processo, exercer acção de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas que tenha que aplicar, apreciando a conformidade dessa norma com o texto constitucional e, caso conclua por um juízo de desconformidade da norma com a constituição, não aplicar a norma em causa. No dia a dia dos Tribunais e em particular nos tribunais com jurisdição penal, a aplicação das normas é feita, com frequência, com recurso a um juízo de conformidade à constituição. Aliás, isso tem sido expressamente enunciado em alguns dos despachos que já foram proferidos neste processo, sendo o critério que deve estar subjacente às decisões do Tribunal, o de que entre os vários sentidos que a norma em causa possa configurar, deve decidir por aquele que na avaliação e ponderação do Tribunal, se conforme com os princípios constitucionais. A questão suscitada pelos arguidos e tanto quanto resulta da jurisprudência do Tribunal constitucional que se encontra publicada e que foi consultada por este Tribunal, coloca-se de modo inédito. Tal, só por si, não permite inferir falta de relevância do requerido, pelo que o Tribunal tem que apreciar o requerido na dimensão em que a lei o permite. 2. Há, então, que apreciar o seguinte: o art°. 346°, nº 1., do C.P. Penal, ao dispor que "(...) podem ser tomadas declarações ao assistente, mediante perguntas formuladas por qualquer dos juízes e dos jurados ou pelo presidente a solicitação do Ministério Público, do defensor ou dos advogados das partes civis ou do assistente (...)" e o art° 347°, n° 1, do C.P.Penal, ao dispor que" (...) ao responsável civil e ao lesado podem ser tomadas declarações, mediante perguntas formuladas por qualquer dos juízes ou dos jurados ou pelo presidente a solicitação do Ministério Público, do defensor ou dos advogados do assistente ou das partes civis (...)", violam o art° 32°, nº 1 e 5, da C. R. Portuguesa? Dispõe o art° 32°, n° 1 e 5, da C.R.P., que " ... o processo criminal assegurará todas as garantias de defesa (...)", sendo que o processo criminal tem "(...) estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório (...)". Quanto ao sentido do n° 1, deste normativo, é entendimento consensual na Doutrina e Jurisprudência Constitucional, que " ... a formula do nº 1 é, sobretudo, uma expressão condensada de todas as normas restantes deste artigo, que todas elas são, em última análise, garantias de defesa. Todavia, este preceito introdutório serve também de cláusula geral englobadora de todas as garantias que, embora não explicitadas nos números seguintes, hajam de decorrer do princípio da protecção global e completa dos direitos de defesa do arguido em processo criminal. «Todas as garantias de defesa» englobam indubitavelmente todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para op arguido defender a sua posição e contrariar a acusação (...)" (Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, "Constituição da República Portuguesa Anotada", 3a edição revista, pag. 202). Seguindo também a posição assumida pelo Prof. Figueiredo Dias, " ( ... ) esta cláusula constitucional apresenta-se com um cunho «reassuntivo» e «residual» - relativamente às concretizações que já recebe nos números seguintes desse mesmo artigo -, e, na sua «abertura», acaba por revestir-se também ela, de um carácter acentuadamente «programático». Mas, na medida em que se proclama aí o próprio princípio da defesa, e portanto inevitavelmente se apela para um núcleo essencial deste, não deixa a mesma cláusula constitucional de conter « um eminente conteúdo normativo imediato a que se pode recorrer directamente, em casos limite, para inconstitucionalizar certos preceitos de lei ordinária ( ... ) ( cfr. Figueiredo Dias, " A Revisão Constitucional, O Processo penal e os Tribunais", pag. 51). Por sua vez, resulta da Jurisprudência do Tribunal Constitucional que "(...) a ideia geral que pode formular-se a este respeito - a ideia geral, em suma, por onde terão de aferir-se outras possíveis concretizações (judiciais) do princípio da defesa, para além das consignadas nos nºs. 2 e seguintes do artº 32° - será a de que o processo criminal há-de configurar-se como um due process of law, devendo considerar-se ilegítimas, por consequência, quer eventuais normas processuais, quer procedimentos aplicativos delas, que impliquem um encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa do arguido (...)" (in Ac. Trib. Constit. nº 275/99, DR. n° 163, II série, de 13/7/99, pag. 10.160; e, cfr., ainda, Ac. T.C. nº 337/86, DR. I série, de 30/12/86; Ac. T.C. nº 124/90, de 19/4/90, Acórdãos do Trib. Constitucional, 15° volume, 1990). Quanto ao sentido do n° 5, 2a parte, do art° 32°, da C.R.P. - que consagra o princípio do contraditório e no segmento que para a presente questão importa -, é o de que ao arguido devem ser garantidos os meios para uma efectiva influência no desenvolvimento do processo, tendo o direito de contraditar os testemunhos, depoimentos e demais elementos de prova (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., pag. 206). E tem sempre o direito de ser o último a intervir no processo, princípio consagrado no art° 361°, do C.P.P., o qual dispõe que findas as alegações, isto é finda a produção de prova e discutido o aspecto jurídico da causa, o presidente pergunta ao arguido se tem mais alguma coisa a alegar em sua defesa, ouvindo-o em tudo o que declarar. Só após este momento processual o presidente declara encerrada a audiência, retirando-se para deliberar. Assim, se é certo que num Estado de Direito o processo penal deve assegurar ao Estado a realização do ius puniende, tem paralelamente que garantir ao cidadão que este possa sempre defender-se de uma acusação deduzida contra si. Em consequência e como acima ficou dito, este núcleo do n" 1, do art° 32°, da CRP, levará a concluir como ilegítima a norma processual ou o procedimento derivado de tal norma, que encurte de forma inadmissível as possibilidades de defesa do arguido, num prejuízo insuportável e injustificável das garantias de defesa em processo penal. 2.1. Passemos, então, a analisar, se o comando legal consagrado no art° 346°, n° 1 e no art° 347°, n° 1, do C.P.P., concretamente de as perguntas a suscitar pelo defensor do arguido ao Assistente, ao responsável civil ou ao lesado, serem feitas através do presidente e na ordem indicada nos citados art°s. 346°, n° 1 e 347°, n° 1, consubstanciam uma violação do pleno exercício do direito de defesa do arguido e do direito ao contraditório. O sistema consagrado no art° 346°, nº 1 e no art° 347°, nº 1, do C.P.P., contempla duas figuras processuais: a do Assistente e a das partes civis. Começando pela figura do Assistente - e ao contrário do argumentado pelos arguidos -, é considerado actualmente um passo singular do ordenamento jurídico português, que nas palavras do Prof. Figueiredo Dias" (...) a generalidade das legislações europeias não teve ainda a coragem de dar, apesar do discurso piedoso (e ruidoso) que hoje se faz com insistência, nomeadamente ao nível de uma instância internacional como o Conselho da Europa (...) sobre a necessidade de protecção da vítima. (...) Para uma autêntica protecção da vítima, mais decisivo ainda que o auxílio «social» (...) é conferir-lhe voz autónoma logo ao nível do processo penal (...)" (cfr. Prof. Jorge Figueiredo Dias, "Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, "Sobre os Sujeitos Processuais No Novo Código De Processo Penal", Centro de Estudos Judiciários, pag. 10). No mesmo sentido vai Augusto Silva Dias (in Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, A tutela do Ofendido e a Posição do Assistente No Processo Penal Português, Pag. 55), ao afirmar que o Assistente é uma figura característica do direito penal português, que resulta da moderna concepção da vitimologia, com ampliação da participação processual da vítima como a melhor forma para conseguir a pacificação social. Diz mesmo que tal figura é louvada como uma particularidade avançada do Direito Processual Penal Português (ob. cit., pag 58) Face ao art° 69°, do C.P.P., os Assistentes têm a posição de colaboradores do Ministério Público, a cuja actividade subordinam a sua actuação, mas surgindo actualmente "... como um verdadeiro sujeito processual, com atribuições próprias, permitindo-lhe a lei, pelo menos em determinadas situações, agir sozinho ou até contra o Ministério Público (cfr., por exemplo, os art°s 69, nº 2, 287°, nº 1, alínea b), 401°, alínea b), do C.P.P.) (...)" (cfr. Ac TC nº 205/2001, DR II série, 29/6/2001, pag. 10.796, em citação que é feita do Ac. TC nº 690/98, DR II série, 8/3/99; e Damião da Cunha, estudo e revista a pag. 153, nota 1; e Prof. Jorge Figueiredo Dias, est. Cit., pag. 9) " ... Intervém no processo como colaborador do MP na promoção da aplicação da lei ao caso e legitimado em virtude da sua qualidade de ofendido ... (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2a ed.Lx, 1994, pag. 301). É, por conseguinte, um sujeito processual titular do interesse que a lei penal quis proteger com a incriminação , figura que, como acima referimos, resulta da evolução do entendimento sobre o papel da vítima no processo criminal, a qual deixou de ser espectadora passiva do desenrolar da política criminal, sendo hoje certo que a relação clássica e bi-polar Estado-delinquente, tornou-se tripolar: Estado-Delinquente- Vítima (cfr. Declaração de voto do Sr. Juiz Conselheiro Luís Nunes de Almeida, Ac. TC n° 205/2001, DR II série, de 29/6/2001, pag. 10.797, com referência a estudo de Mário Raposo, in BMJ n° 366, Maio 1987, pag. 5). Quanto ao responsável civil e ao lesado e em consequência do princípio da adesão do Pedido de Indemnização Cível ao processo penal - que implica o conhecimento de uma acção de indemnização cível no âmbito do processo penal, mas que não perde a sua especificidade de acção civil até ao fim -, do ponto de vista material o lesado ou o responsável civil, mantêm-se como são: sujeitos da acção civil que adere ao processo penal - art°s. 71° a 77° e 82°,n° 3, do C.P.P . Têm, assim, um estatuto processual específico, sendo que por força do dis(...) no art° 76°, do C.P.P, só é obrigatória a sua representação por advogado no caso previsto no nº1, deste preceito. A estrutura desta acção não colide, assim, com os direitos do arguido enquanto sujeito processual na acção penal, como aliás resulta do art° 82°, n° 3, do C.P.P .. 3. Assim e começando pela primeira questão suscitada, o Tribunal entende que o legislador, ao determinar no art° 346°, n° 1 e 347°, nº 1, que os pedidos de esclarecimentos fossem feitos através do presidente e pela ordem respectivamente enunciada nestes preceitos, quis fazê-lo tendo em atenção as características do estatuto processual do Assistente e do lesado ou responsável civil e da natureza da acção em que cada um se insere. Como referimos, o assistente é um sujeito processual que tem interesse próprio na procedência da incriminação, é o sujeito cuja esfera foi alegadamente afectada e violada pela actuação do arguido. É a alegada vítima, com um estatuto especial, sujeito processual da relação que está subjacente à acção penal, tripartida entre "Estado- Delinquente - Vítima" e a quem a lei confere alguns poderes processuais autónomos dos do Ministério Público (cfr. citado Ac. do TC n° 205/2001, concretamente declaração do voto do Dr. Cons. Luís Nunes de Almeida). Da conjugação desta condição de vítima, com o estatuto especial que lhe advém de ser sujeito processual (assistente) e que foi mencionado - não deixando de referir a tutela constitucional que resulta do art° 32°, nº 7, da CRP. -, resulta para este Tribunal que com o art° 347°, n" 1, o legislador quis estabelecer para a audiência de julgamento um regime diferente e próprio para o Assistente do estabelecido para as testemunhas. Embora não se possa falar de uma equiparação da tutela do estatuto processual do arguido com o do assistente, detentores de interesses o(...)s e contra(...)s - e com tutelas constitucionais distintas -, pode entender-se que a referida especial situação de "vítima" (constituída assistente) justifica a diferença de procedimento que a lei determina na audiência de julgamento para o assistente e para as testemunhas: o primeiro não presta juramento mas está adstrito ao dever de falar verdade, prestando declarações através do presidente do tribunal e a testemunha tem que prestar juramento e é inquirida directamente pelos defensores/mandatários dos sujeitos processuais, começando por ser inquirida por quem a indicou. A testemunha não pode ter qualquer interesse na causa, daí o ser depoimento ser desinteressado e com ausência de interesse. O assistente, à semelhança do que acontece com o arguido, tem um interesse determinado - e expressamente manifestado no processo - na decisão da causa: a condenação do arguido nos termos em que foi acusado ou pronunciado. 3.1. Ora o art° 32°, da CRP, assegura que aos arguidos sejam dados todos os meios necessários e adequados para que possa defender a sua posição em juizo e exercer plenamente o contraditório, impedindo a existências de normas processuais ou de interpretações normativas, que se traduzam numa limitação inadmissível ou injustificada da sua possibilidade de defesa. É certo que em termos abstractos a mediação do Tribunal na formulação dos esclarecimentos pode retirar determinada animosidade, determinada expressão, impressão ou conteúdo emocional que um sujeito processual queira imprimir de certa forma ao interrogatório, Mas também há que considerar o seguinte. o Tribunal apenas pode permitir que sejam feitas perguntas sobre factos, objectivas, que não sejam conclusivas, que não induzam respostas ou raciocínio, que a eventual resposta não tenha como pressu(...) facto que previamente deva ser esclarecido (cfr. art°s. 124° e 138°, nº 1 e 2, (quanto à regra da inquirição das testemunhas) do C.P.P.) . Se é certo que tal garantia pode ser assegurada pela imediata intervenção do Tribunal, como sucede no caso das testemunhas - que são inquiridas por quem as indicou e sujeitas a contra interrogatório, nos termos definidos no art° 138°,do C. P. P.; fazendo o juiz a qualquer momento as perguntas ou intervenções que considere relevantes para a descoberta da verdade material, nos termos do artº 348°, nº 5, isto numa expressão do princípio da investigação conjugado com o princípio do acusatório -, também é certo que o assistente, face à lei processual penal e como já referimos, tem uma qualidade diferente das testemunhas e interesse na causa. O conhecimento que dá ao tribunal tem a ver com vivência de factos que o terão lesado, com um natural interesse do desfecho da causa e em determinado sentido, que é a condenação do arguido pela prática de um crime. Daí ser tratado de forma diferente pelo legislador. Acresce e em termos abstractos, que a invocada espontaneidade do depoimento do assistente pode ficar tão prejudicada com a mediação do tribunal, como com um contra interrogatório directo que viole as regras processuais. Para o Tribunal, a forma e ordem de interrogatório/tomada de declarações ou contra interrogatório, enunciada pelo legislador nos art°s 346°, nº 1 e 347°, nº 1, do C.P.P, não se deveu a uma mera arbitrariedade de enunciação por parte do legislador, mas correspondeu a uma determinação casuística, consoante o estatuto processual de cada um, o seu papel no processo e a natureza da acção em que cada um intervém. 3.2. Questão a determinar, então, é saber qual a função do art° 346° e 347º, do C.P.P. , na perspectiva constitucional dos direitos do arguido. Para este Tribunal é a de garantir o exercício do contraditório quanto às declarações que sejam prestadas pelo assistente ou pela parte civil. E será uma exigência da garantia desse direito ao contraditório, que o contra interrogatório ao assistente ou à parte civil seja feito de forma directa por parte do mandatário do arguido e o pedido de esclarecimentos seja feito, sempre, em ultimo lugar por parte do arguido? Afigura-se-nos, quer num caso quer noutro, que não. A garantia do exercício do contraditório exige que o arguido possa pedir esclarecimentos em relação a todos os factos em relação aos quais o assistente ou a parte civil possa falar ou tenha falado. Há controle por parte do arguido do exercício deste direito, uma vez que pode solicitar os pedidos de esclarecimento e o tribunal apenas os pode recusar fundamentado a recusa. Acresce, no entendimento do Tribunal, que a garantia de defesa dos arguidos e do exercício ao contraditório não fica prejudicada pela sequência estabelecida nos art°s 346°, n° 1 e 347°, n° 1, do C.P.P., desde que o arguido - bem como qualquer outro sujeito processual - tenha sempre a possibilidade de, finalizados todos os pedidos de esclarecimento e não tendo sido ele arguido ou outro sujeito processual, o último a pedir os esclarecimentos - o que mesmo na ordem que o arguido defende pode suceder, no caso de mais do que um arguidos -, o Tribunal possibilite que o arguido (ou outro sujeito processual) formule o pedido de esclarecimento suplementar. Esta a válvula de segurança que em qualquer circunstância o tribunal deve usar, quando isso for relevante para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa. O que o Tribunal irá sempre fazer, na sequência do que também já fez em relação às declarações que foram prestadas pelos arguidos: isto é, após os pedidos de esclarecimento pelo defensor de cada um dos arguidos, sempre que aos demais sujeitos processuais surgiu qualquer dúvida ou necessidade de pedido de esclarecimento suplementar, o Tribunal, sempre que o considerou fundamentado, procedeu ao pedido de esclarecimento e, quando não o fez, justificou porque não solicitava o pedido de esclarecimento. 3.3. Assim, entende o Tribunal que do ponto de vista da garantia do exercício de todos os direitos consagrados aos arguido pelo art° 32, n°s 1, 2 e 5, da CRP, é excessivo considerar que o regime constante dos art°s 346°, nº 1 e 347°, n° 1, traduz-se num procedimento que implica de forma desproporcionada e inadmissível a restrição de direitos do arguido. A garantia de defesa dos arguidos e do exercício ao contraditório não fica prejudicada pela sequência estabelecida nos art° 346°, n° 1 e 347°, nº 1, do C.P.P., desde que o arguido – bem como qualquer outro sujeito processual -, tenha sempre a possibilidade de, finalizados todos os pedidos de esclarecimento e não tendo sido ele arguido, ou outro sujeito processual, o último a pedir os esclarecimentos – o que, como dissemos, mesmo na ordem que o arguido defende pode suceder, no caso de mais do que um arguidos -, o Tribunal possibilite que o arguido (ou outro sujeito processual) formule o pedido de esclarecimento suplementar. 4. Face a todo o ex(...) e com o entendimento que acabámos de enunciar, este Tribunal considera que os artºs 346°, nº 1 e 347°, nº 1, do C.P.P. são compatíveis com o artº 32°, nº 1, 2 e 5, da CRP, bem como com os princípios fundamentais subjacentes a tal dispositivo, garantido em si - com a interpretação que é feita pelo Tribunal, quanto à possibilidade de finalizados todos os pedidos de esclarecimento e não tendo sido ele arguido, ou outro sujeito processual, o último a pedir os esclarecimentos, o Tribunal possibilite que o arguido (ou outro sujeito processual) formule o pedido de esclarecimento suplementar -, o pleno exercício do direito de defesa e do exercício do contraditório pelos arguidos. Em consequência e face ao juízo de conformidade de constitucional idade pelo qual conclui, o Tribunal irá proceder à tomada de declarações aos Assistentes e às partes civis, na forma e pela ordem expressamente enunciadas nos art° 346°, nº 1 e 347º, nº 1, do C. P. Penal, mas com a interpretação que enunciou no parágrafo anterior. Notifique." Conforme decorre, quer da decisão recorrida, quer das alegações formuladas pelo recorrente, o arguido K insurge-se fundamentalmente contra a interpretação perfilhada pelo Tribunal a quo, que considera inconstitucional, quanto à tomada de declarações aos assistentes e às partes civis em sede de audiência de discussão e julgamento, em conformidade com o regime plasmado nos arts. 346.º, n.º 1, e 347.º, n.º 1, ambos do CPP. Seguindo, aliás, de muito perto a letra destes preceitos legais, o Colectivo da 8.ª Vara Criminal de Lisboa, no despacho sub judice, decidiu que os esclarecimentos pedidos aos assistentes fossem feitos através do presidente e pela ordem enunciada nos n.ºs 1 dos citados arts. 346.º e 347.º do CPP. O recorrente K sufraga o entendimento que, ao impedir o interrogatório directo da defesa e ao impor uma sequência imperativa na formulação dos pedidos de esclarecimento aos assistentes e às partes civis (de acordo com o texto da lei, primeiramente o Ministério Público, de seguida o defensor e, por último, os advogados das partes civis e dos assistentes ou vice-versa, consoante os casos), o Tribunal recorrido restringiu de forma inaceitável as garantias de defesa dos arguidos, violando, muito em particular, os princípios constitucionais do contraditório e da presunção da inocência. Entende que fica limitado a sugerir ao presidente do tribunal de julgamento a formulação de perguntas aos assistentes ou às partes civis, o que pode vir ou não ser deferido e que, em qualquer caso, ficam comprometidas as garantias da espontaneidade e da imediação próprias de um contra-interrogatório. Se bem interiorizamos as suas palavras, de acordo com o entendimento perfilhado pelo recorrente K, a única interpretação compatível com a Lei Fundamental e com as garantias de defesa nela consagradas, a respeito dos arts. 346.º e 347.º do CPP, é aquela que faculta à defesa instar directamente o assistente ou as partes civis (portanto, sem intermediação do tribunal) e em que as instâncias obedecem à seguinte ordem, a saber, em primeiro lugar, o Ministério Público, de seguida, os advogados dos assistentes e da partes civis e, finalmente, os defensores. Antes de mais, importa aqui relembrar o texto dos normativos em causa. Estabelece o art. 346.º do CPP, sob a epígrafe “Declarações do assistente”, no seu n.º 1, que: "Podem ser tomadas declarações ao assistente, mediante perguntas formuladas por qualquer dos juízes e dos jurados ou pelo presidente a solicitação do Ministério Público, do defensor ou dos advogados das partes civis ou do assistente." Por seu turno, dispõe o art. 347.º, sob a epígrafe “Declarações das partes civis”, no seu n.º 1, que: "Ao responsável civil e ao lesado podem ser tomadas declarações, mediante perguntas formuladas por qualquer dos juízes ou dos jurados ou pelo presidente a solicitação do Ministério Público, do defensor ou dos advogados do assistente ou das partes civis." De acordo com a estrita literalidade destes normativos, não subsistem quaisquer dúvidas quanto ao acerto da decisão recorrida (e, por consequência, quanto à falta de mérito do recurso em apreço inter(...) pelo arguido K), já que os arts. 346.º e 347.º do CPP são bem claros e explícitos quanto aos formalismos a que devem obedecer, em sede de audiência de discussão e julgamento, a recolha de declarações aos assistentes e partes civis. Se a lei expressamente menciona que “podem ser tomadas declarações ao assistente, mediante perguntas formuladas por qualquer dos juízes e dos jurados ou pelo presidente”, deixa-se antever que a instância é conduzida pelo tribunal, que os assistentes são directamente questionados pelo(s) juiz(es) ou pelos jurados, que o Ministério Público ou o arguido só podem dirigir perguntas aos depoentes com a intermediação ou, melhor dizendo, por intermédio do tribunal. De igual modo, ao afirmar expressamente que “podem ser tomadas declarações ao assistente (…) a solicitação do Ministério Público, do defensor ou dos advogados das partes civis ou do assistente”, o legislador inequivocamente quis indicar a ordem, a sequência a cumprir pelo tribunal quanto aos esclarecimentos dirigidos aos depoentes que venham a ser solicitados pelos restantes sujeitos processuais. Ao contrário do afirmado, não se mostra que a sequência indicada nestes preceitos corresponda a uma simples transposição das normas da sistematização do CPP quanto aos sujeitos do processo, que o legislador de uma forma mais ou menos arbitrária tenha decidido elencar, em primeiro lugar, o Ministério Público e, de um modo pouco ponderado, em último lugar, os advogados dos assistentes. Tanto não é assim que, quanto às declarações dos assistentes, os advogados das partes civis podem solicitar esclarecimentos, através do tribunal, em penúltimo lugar, ao passo que, quanto às declarações das partes civis são os advogados dos assistentes que têm a faculdade de intervir nessa posição, conforme decorre expressamente do dis(...) nos n.º s 1 dos arts. 346.º e 347.º do CPP. Ou seja, quer quanto aos assistentes, quer quanto às partes civis, o respectivo mandatário judicial tem intervenção em último lugar. Aqueles respondem inicialmente às questões imediatamente colocadas pelo(s) juiz(es) ou pelos jurado(s) e, de seguida, dão resposta aos esclarecimentos pretendidos pelos restantes sujeitos processuais (desde, obviamente, que considerados pertinentes pelo tribunal). O mandatário do depoente tem sempre a faculdade de intervir em último lugar, para melhor esclarecer, elucidar, ou até contrariar, algo do que foi anteriormente relatado no decurso da tomada de declarações em causa. O legislador indicou uma ordem de intervenção consoante o sujeito processual que nesse momento esteja a prestar declarações. Até para salvaguarda da posição processual do depoente, o legislador resguardou para último lugar a intervenção do seu advogado ou mandatário. Depois de ter respondido às questões imediatamente colocadas pelo tribunal ou sugeridas por qualquer outro dos sujeitos processuais, eventualmente conflituantes com a sua posição, é permitido ao depoente que esclareça mais alguns aspectos relevantes para a boa decisão da causa, mediante esclarecimentos, desta feita, solicitados pelo seu advogado. Tanto assim é quanto ao assistente e às partes civis, como quando são tomadas declarações ao arguido. De acordo com o n.º 1 do art. 345.º do CPP, “se o arguido se dispuser a prestar declarações, cada um dos juízes e dos jurados pode fazer-lhe perguntas sobre os factos que lhe sejam imputados”. Acrescenta o n.º 2 deste preceito que “O Ministério Público, o advogado do assistente e o defensor podem solicitar ao presidente que formule ao arguido perguntas, nos termos do número anterior”. Com a sequência prevista nestes dispositivos, parece que, de igual modo, o legislador não olvidou o estatuto constitucional e legal dos diversos sujeitos processuais. Reconheceu o Ministério Público enquanto titular da acção penal (cf. arts. 219.º, n.º 1, da CRP e 48.º do CPP), o assistente como seu colaborador (cf. art. 69.º do CPP) e as partes civis como eventuais intervenientes no processo que, em face do princípio da adesão, deduziram nos autos pedido de indemnização civil fundado na prática do crime (cf. art. 71.º do CPP). Particularmente, reconheceu o estatuto próprio do arguido, as suas garantias de defesa, o direito ao silêncio, o amplo contraditório (cf. maxime arts. 32.º da CRP e 61.º do CPP). Tudo isto para salientar que, conforme decorre do dis(...) nos arts. 345.º a 347.º do CPP, o legislador ordenou de forma ponderada a sequência das intervenções dos sujeitos processuais no momento da tomada de declarações ao arguido, ao assistente ou às partes civis, em sede da audiência de julgamento. E fê-lo, em nossa perspectiva, em conformidade com o estatuto processual dos diversos sujeitos processuais, resguardando sempre para último lugar a intervenção do advogado ou mandatário do depoente pelas razões acima expostas. Como todos os preceitos legais, também estes normativos não podem, nem devem, ser interpretados e aplicados isoladamente, de forma desajustada ou indiferente perante todo o restante regime processual. Muito a este propósito, o n.º 1 do art. 343.º do CPP reconhece ao arguido o direito de prestar declarações em qualquer momento da audiência. Também o n.º 1 do art. 340.º determina a produção de todos os meios de prova necessários para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa. Em processo penal, assegura-se amplamente o princípio do contraditório, sobretudo enquanto garantia de defesa, ao mesmo tempo em que a justiça material prevalece perante critérios meramente formais. Isto significa, aliás, tal como expressamente consignado no despacho impugnado, que a interpretação que se fez a propósito do dis(...) nos arts. 346.º e 347.º do CPP, sufragando a posição assumida pela 1.ª instância, não exclui eventuais pedidos de esclarecimentos adicionais ou suplementares, desde que os mesmos se mostrem necessários para se atingirem as finalidades do processo, a descoberta da verdade e a decisão da causa dentro de padrões de justiça material. Conforme se deixou claramente expresso no despacho recorrido “a garantia de defesa dos arguidos e do exercício ao contraditório não fica prejudicada pela sequência estabelecida nos arts. 346.º, n.º 1 e 347.º, n.º 1, do CPP, desde que (…) o Tribunal possibilite que o arguido (ou outro sujeito processual) formule pedido de esclarecimento suplementar”. Seja como for, a opção do legislador processual penal é discutível, como tudo na vida, bem como são sempre admissíveis, ao nível do direito a constituir, outras soluções, particularmente as aqui sufragadas pelo recorrente K. Mas, de acordo com as regras de interpretação plasmadas no n.º 3 do art. 9.º do CC, “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”. Muito a este respeito, doutrina Jeschek (citado no acórdão do STJ de fixação de jurisprudência n.º 11/2008, in Diário República, I.ª série, n.º 239, de 11-12-2008): “(…) o sentido da lei, qualquer que ele seja, só pode expressar-se através de palavras. Estas são a matéria básica da interpretação e, por isso, deve ser sempre respeitado o sentido literal possível como limite extremo da interpretação." Em suma: a posição interpretativa preconizada pelo Tribunal a quo observa a letra e o espírito dos arts. 346.º e 347.º do CPP e respeita uma adequada conjugação com os restantes normativos atinentes às matérias em apreciação, pelo que não assiste qualquer razão ao arguido K quando, no recurso inter(...), afirma que a interpretação por si propugnada é “a única adequada e harmoniosa com o sistema jurídico penal adjectivo”. Desta feita, importará, agora, verificar da sua conformidade com a Lei Fundamental, particularmente na vertente da salvaguarda das garantias de defesa. Dispõe o art. 204.º que "nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o dis(...) na Constituição ou os princípios nela consignados". Nestes termos, podem, quer o Tribunal a quo quer o Tribunal ad quem, oficiosamente ou a solicitação de algum sujeito processual, exercer acção de fiscalização concreta da constitucionalidade das normas que tenham que aplicar, apreciando a sua conformidade com o texto constitucional e, caso concluam por um juízo de desconformidade, rejeitar a aplicação das mesmas. Todavia, apenas o Tribunal Constitucional tem competência para proceder à declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral e, para que um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade de uma norma seja apreciado pelo Tribunal Constitucional, é necessário que o seu objecto seja uma norma aplicada como ratio decidendi pela decisão recorrida (vide, neste sentido, entre outros os Acórdãos do TC n.ºs 337/2005, de 22 de Junho de 2005, e 495/2007, de 8 de Outubro de 2007, ambos consultáveis in www.jusnet.pt). In casu, a questão da (in)constitucionalidade enquadra-se no âmbito da referida fiscalização concreta, por ter sido suscitada neste processo, pese embora o recorrente K não indique de modo detalhado em que acto, em que precisa tomada de declarações aos assistentes, se sentiu prejudicado ou veio a ser prejudicado nas suas garantias de defesa, pela interpretação seguida quanto aos arts. 346.º e 347.º do CPP, quer quanto ao interrogatório directo dos depoentes, quer também no tocante à sequência das intervenções ordenada pelo Tribunal. De facto, o recorrente K não explicita que concretas perguntas pretendeu ou pretendia formular directamente aos assistentes, de que forma foi prejudicado ou de que modo se sentiu prejudicado por esses esclarecimentos terem sido intermediados pelo Tribunal recorrido, que ganhos deixou de obter para a sua defesa por o seu mandatário não ter sido o último a pedir esclarecimentos ao assistente ou ao demandante civil que então estava a depor. Ao invés, escudou-se numa alegação genérica de violação das garantias de defesa, mas sem concretizar como se produziu a pretensa violação dos invocados princípios constitucionais do contraditório e da presunção de inocência, bem como de que modo a defesa ficou prejudicada em face da interpretação perfilhada pelo Tribunal recorrido. Prosseguindo: a propósito do que se deve entender por interpretação em conformidade com a Constituição, expendeu Rui Manuel Pacheco Duarte no estudo publicado in www.verbojuridico.com/doutrina/penal.html: “Por imposição deste postulado de hermenêutica, de entre as várias interpretações possíveis segundo os demais critérios sempre obtém preferência aquela que melhor concorde com os princípios da Constituição. Com efeito, a unidade do ordenamento impõe que cada preceito legal seja considerado não só no contexto do respectivo diploma, como sob o influxo dos princípios e preceitos constitucionais (por ex. Vieira de Andrade, "Os Direitos Fundamentais...", 1998, pág. 255, Karl Larenz, "Metodologia da Ciência do Direito", Lisboa, 1989, p. 410 e ss; (…)). Nesta linha de pensamento e diferentemente dos citados autores de séculos passados, o Sr. Dr. Bacelar de Vasconcelos salienta a nova "consideração do estatuto do juiz-interprete face à revisão do sentido da sua vinculação à lei, aliás, herança do absolutismo, que, de ora avante, significará também na Europa continental uma vinculação à Constituição. Fundamentalmente, abandona-se a crença na auto-suficiência de um processo lógico-dedutivo que reduzia a interpretação judicial a uma exegese do texto, para destacar a importância decisiva da "aplicatio" pela qual "todo o acto de interpretação constitui um aditamento de sentido," tornando-se o legislador, apenas, «o pólo geral de imputação da criação normativa do direito» " - citações de José Lamego e Castanheira Neves, respectivamente - ("A crise da justiça em Portugal", Gradiva, 1998, pág. 21). Para fundamentar a alegada inconstitucionalidade da interpretação sufragada pela decisão recorrida, o recorrente K veio invocar a violação dos princípios constitucionais consagrados pelo art. 32.º, n.ºs 1, 2 e 5, da CRP. Dispõe este preceito, sob a epígrafe “Garantias de processo criminal”, que "O processo criminal assegurará todas as garantias de defesa, incluindo o recurso." (n.° 1), que "Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa" (n.° 2) e que "O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório." (n.° 5). Conforme decorre da sua leitura, este dispositivo da Lei Fundamental contém, em termos mais gerais, o princípio das garantias de defesa, e, de um modo mais particular, os princípios do contraditório, da presunção da inocência, da imediação da prova e da verdade material, ínsitos na ideia de Estado de direito democrático (cf. também art. 2.º da Constituição). Como ensina Jorge Miranda, in Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, pág. 354, são garantias de defesa «todos os meios que em concreto se mostrem necessários para que o arguido se faça ouvir pelo juiz sobre as provas e razões que apresenta em ordem a defender-se da acusação que lhe é movida», sendo que «os direitos a uma ampla e efectiva defesa não respeitam apenas à decisão final, mas a todas as que impliquem restrições de direitos ou possam condicionar a solução definitiva do caso». Em idêntico sentido pronunciam-se Gomes Canotilho e Vital Moreira (in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Volume I, 4.ª edição revista, 2007, Coimbra Editora, pág. 516), quando afirmam: "Em «todas as garantias de defesa» engloba-se indubitavelmente todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação. Dada a radical desigualdade material de partida entre a acusação (normalmente apoiada no poder institucional do Estado) e a defesa, só a compensação desta, mediante específicas garantias, pode atenuar essa desigualdade de armas. Este preceito pode, portanto, ser fonte autónoma de garantias de defesa. Em suma, a «orientação para a defesa» do processo penal revela que ele não pode ser neutro em relação aos direitos fundamentais (um processo em si, alheio aos direitos do arguido), antes tem neles um limite infrangível." A propósito do princípio do contraditório e das garantias de defesa, no Ac. do TC n.° 350/2006, de 31-05 (in www.tribunalconstitucional.pt), expendeu-se: “A norma do n.º 1 do artigo 32.º, enquanto «cláusula geral» que permita identificar outras possíveis concretizações judiciais do princípio da defesa não referenciadas no preceito, não pode deixar de configurar o processo criminal como um due process of law que considere ilegítimas quer normas processuais quer procedimentos decorrentes das mesmas que impliquem um encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa do arguido (neste sentido, Acórdãos n.ºs 337/86 e 61/88, in Acórdãos do Tribunal Constitucional (…)”. “Por outro lado, o princípio do contraditório, expressamente referido no n.º 5 do artigo 32.º da Constituição, deve subordinar não só a audiência de julgamento como também todos os actos instrutórios que a lei determinar. O processo penal de um Estado de direito deve realizar primordialmente dois objectivos essenciais: por um lado, permitir que o Estado realize o direito de punir e, por outro lado, permitir que, na realização de tal finalidade, sejam concedidas aos cidadãos as garantias indispensáveis para os proteger contra eventuais abusos de tal poder de punir. Para concretizar tais fins, as garantias de defesa impõem a observância de princípios processuais criminais constitucionalizados, como é o caso do princípio do acusatório (um dos princípios estruturantes da constituição processual penal), do princípio do contraditório, do princípio da igualdade de armas, dos princípios da oralidade e da imediação. No que respeita ao princípio do contraditório aqui em questão, escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira (ibidem, p. 206): «Relativamente aos destinatários ele significa: a) dever e direito de o juiz ouvir as razões das partes (da acusação e da defesa) em relação a assuntos sobre os quais tenha de proferir uma decisão; b) direito de audiência de todos os sujeitos processuais que possam vir a ser afectados pela decisão, de forma a garantir-lhes uma influência executiva no desenvolvimento do processo; c) em particular, o direito de o arguido intervir no processo e de se pronunciar e contraditar todos os testemunhos, depoimentos ou outros elementos de prova ou argumentos jurídicos trazidos ao processo, o que impõe designadamente que ele seja o último a intervir no processo (cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 54/87 e 154/87)». Os mesmos autores referem que «quanto à sua extensão processual, o princípio abrange todos os actos susceptíveis de afectar a sua posição, e em especial a audiência de discussão e julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar, devendo estes ser seleccionados sobretudo de acordo com o princípio da máxima garantia de defesa do arguido» (ibidem). O princípio traduz-se, assim, na estruturação da audiência e dos outros actos instrutórios que a lei determinará, como uma discussão entre a acusação e a defesa, em que se procura também realizar a igualdade de armas entre os sujeitos do processo, cada um apresentando os seus argumentos e as suas provas, submetendo uns e outros ao controlo das razões e das provas apresentadas pelos outros sujeitos, assim participando activamente na formação da decisão que vier a ser tomada pelo juiz.”. Ainda a este respeito, no Ac. do STJ de 10-02-2005, Proc. n.° 04P4740 (in www.jusnet.pt), defendeu-se que: «O princípio do contraditório constitui elemento fundamental do direito a um processo equitativo no âmbito de um processo penal, devendo existir "igualdade de armas" entre a acusação e a defesa.» (AcTEDH de 25/09/2001, Caso P.G. e J. H. c. Reino Unido) «(1) As garantias do § 3 do artigo 6º da Convenção constituem a concretização, ou aspectos particulares, do direito ao processo equitativo consagrado no § 1 do artigo 6º. (2) No âmbito de um processo penal, o processo equitativo impõe e exige que se assegurem os princípios do contraditório e da igualdade de armas entre acusação e defesa. (3) Um julgamento contraditório implica, em processo penal, que à acusação e defesa seja dado conhecimento e oportunidade de resposta ao promovido pela parte contrária e à prova por ela produzida; decorre do artigo 6º § 1 para as autoridades responsáveis pela acusação o dever de fornecer à defesa toda a prova de que dispõem, quer deponha a favor ou contra o arguido.» (AcTEDH de 16/02/2000, Caso Fitt c. Reino Unido). Em geral o princípio do contraditório consiste na regra segundo a qual, sendo formulado um pedido ou o(...) um argumento a certa pessoa, deve-se dar a esta a oportunidade de se pronunciar sobre o pedido ou o argumento, não se decidindo antes de dar tal oportunidade (Castro Mendes, Dir. Processual Civil, 1980, 1.°-223); o processo reveste a forma de um debate ou discussão entre as partes (audiatur ei altera pars), muito embora se admita que as deficiências e transvios ou abusos da actividade dos pleiteantes sejam supridos ou corrigidos pela iniciativa e autoridade do juiz. Cada uma das partes é chamada a deduzir as suas razões (de facto e de direito), a oferecer as suas provas; a controlar as provas do adversário e a discretear sobre o valor e resultado de umas e outras (A. Anselmo de Castro, Dir. Processual Civil Declaratório, ed., 1981, 1.°-44). E, no domínio do processo penal, significa que o juiz não deve levar a cabo a sua actividade solitariamente, mas deve para tanto ouvir quer a acusação quer a defesa (Figueiredo Dias, Dir. Proc. Penal, I.°-149).” Igualmente, no Ac. do STJ de 07-11-2007, Proc. n.° 3630/07 (in www.jusnet.pt), decidiu-se, ainda a respeito do princípio do contraditório, que: "O princípio, que deve ter conteúdo e sentido autónomos, impõe que seja dada a oportunidade a todo o participante processual de ser ouvido e de expressar as suas razões antes de ser tomada qualquer decisão que o afecte, nomeadamente que seja dada ao acusado a efectiva possibilidade de contrariar e contestar as posições da acusação.” “A densificação do princípio deve, igualmente, relevante contributo à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que tem considerado o contraditório um elemento integrante do princípio do processo equitativo, inscrito como direito fundamental no art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Na construção convencional, o contraditório, colocado como integrante e central nos direitos do acusado (apreciação contraditória de uma acusação dirigida contra um indivíduo), tem sido interpretado como exigência de equidade, no sentido em que ao acusado deve ser proporcionada a possibilidade de expor a sua posição e de apresentar e produzir as provas em condições que lhe não coloquem dificuldades ou desvantagens em relação à acusação. No que respeita especificamente à produção das provas, o princípio exige que toda a prova deva ser, por regra, produzida em audiência pública e segundo um procedimento adversarial (…) Os elementos de prova devem, pois, em princípio, ser produzidos perante o arguido em audiência pública, em vista de um debate contraditório. Todavia, este princípio, comportando excepções, aceita-as sob reserva da protecção dos direitos de defesa, que impõem que ao arguido seja concedida uma oportunidade adequada e suficiente para contraditar uma testemunha de acusação posteriormente ao depoimento; sendo apenas os direitos da defesa limitados de maneira incompatível com o respeito do princípio sempre que uma condenação se baseie, unicamente ou de maneira determinante, nas declarações de uma pessoa que o arguido não teve oportunidade de interrogar ou fazer interrogar, seja na fase anterior, seja durante a audiência. São estes os princípios elaborados pela jurisprudência de Tribunal Europeu dos Direitos do Homem a respeito do art. 6º, §§ 1º e 2º, al. d), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (cfr., v.g. acórdãos CRAXI c. Itália, de 5 de Dezembro de 2002, e S. N. c. Suécia, de 2 de Julho de 2002). Em certas circunstâncias, com efeito, pode ser necessário que as autoridades judiciárias recorram a declarações prestadas na fase do inquérito ou da instrução, nomeadamente quando a impossibilidade de reiterar as declarações é devida a factos objectivos, como sejam a ausência ou a morte, ou por circunstâncias específicas de vulnerabilidade da pessoa (crimes sexuais); se o arguido tiver oportunidade, adequada e suficiente, de contraditar tais declarações posteriormente, a sua utilização não afecta, apenas por si mesma o contraditório, cujo respeito não exige, em termos absolutos, o interrogatório directo em cross-examination. O princípio do contraditório tem, assim, uma vocação instrumental da realização do direito de defesa e do princípio da igualdade de armas: numa perspectiva processual, significa que não pode ser tomada qualquer decisão que afecte o arguido sem que lhe seja dada a oportunidade para se pronunciar; no plano da igualdade de armas na administração das provas, significa que qualquer um dos sujeitos processuais interessados, nomeadamente o arguido, deve ter a possibilidade de convocar e interrogar as testemunhas nas mesmas condições que ao outros sujeitos processuais (a "parte" adversa)." In casu, como primeira nota, importa desde logo assinalar que a interpretação das normas dos arts. 346.º e 347.º do CPP, perfilhada pelo Tribunal recorrido, não introduz um desequilíbrio dos pratos da balança a favor da acusação, os arguidos não se apresentaram, por tal motivo, em audiência, inferiorizados perante o Ministério Público, não se propôs o interrogatório directo ou indirecto dos assistentes ou das partes civis consoante o sujeito processual que solicitou os esclarecimentos, a ordem seguida para o interrogatório desses depoentes não estabeleceu tratamento de vantagem para uns em detrimento dos outros. O Tribunal a quo sufragou uma interpretação igualitária, na nossa perspectiva, inteiramente cumpridora do princípio da igualdade de armas. Não se afigura que a orientação interpretativa seguida pelo Tribunal a quo tenha prejudicado as garantias de defesa dos arguidos, que tenha estabelecido condições de vantagem para a acusação no interrogatório dos assistentes e das partes civis. Quer para o Ministério Público, quer para os arguidos, afirmou-se que o interrogatório desses depoentes seria sempre intermediado pelo tribunal. Inclusive, a defesa dos arguidos foi sequenciada (aliás, de acordo com o expresso texto da lei) depois do Ministério Público quanto aos esclarecimentos que viessem a ser solicitados por estes sujeitos processuais, com a inequívoca vantagem de poder rebater tudo aquilo que anteriormente foi transmitido em audiência. Acresce que, esta interpretação permitiu o amplo debate das declarações prestadas na 1.ª instância pelos assistentes e pelas partes civis. A existência de normativos ordenadores destes actos processuais não implica forçosa violação do princípio do contraditório. Esta garantia constitucional da defesa, de amplo debate de todos os factos favoráveis e desfavoráveis aos arguidos e de aberto confronto com os restantes sujeitos processuais, não é sinónima de anarquia na condução da audiência, nem da sua submissão única e exclusiva aos interesses dos arguidos. In casu, o Tribunal a quo não impediu o amplo debate, a livre discussão das declarações prestadas pelos assistentes e pelas partes civis, nem tão pouco impossibilitou o confronto entre as teses da acusação e da defesa, ao interpretar do modo que o fez os comandos ínsitos nos arts. 346.º e 347.º do CPP. O interrogatório intermediado pelo tribunal e a ordem estabelecida quanto aos pedidos de esclarecimento não impossibilitou que todas as questões pertinentes para a descoberta da verdade fossem colocadas aos assistentes e às partes civis, que toda a matéria relevante para a boa decisão da causa fosse averiguada em audiência ou que tenham sido postergadas as garantias de defesa, tanto mais que no despacho recorrido demonstrou-se abertura para eventuais diligências suplementares. De acordo com o regime adjectivo vigente, o julgador limitou-se a estabelecer o modo como os assistentes e as partes civis deviam ser instados em sede de audiência e a que sequência deviam obedecer os pedidos de esclarecimento. Mas não impossibilitou o debate de quaisquer factos, matérias ou questões com relevância substantiva, nem inviabilizou que os depoentes fossem contraditados pela versão dos factos apresentada pelos arguidos, particularmente pelo recorrente K, com prejuízo para a sua posição processual. Aliás, nem o próprio recorrente explica, de modo concretizado, como foi prejudicado pela interpretação seguida pelo despacho recorrido. Acresce que, até para salvaguarda das garantias de defesa e do exercício do contraditório, o Tribunal a quo, no despacho recorrido, é bem claro ao admitir esclarecimento adicionais ou suplementares desde que justificados. Peremptoriamente afirmou-se que seria admissível o arguido solicitar esclarecimentos suplementares após a intervenção do último sujeito processual, de acordo com a sequência prevista pelos arts. 346.º e 347.º do CPP. O princípio da presunção da inocência, consagrado como vimos pelo n.º 2 do art. 32.º da Lei Fundamental, significa que os cidadãos não podem ser considerados responsáveis pela prática de ilícitos criminais, presumindo-se inocentes, até prova em contrário, até ao momento em que uma sentença, com trânsito em julgado, demonstre a sua culpabilidade. Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira (in ob. cit., pág. 518), este princípio desdobra-se, designadamente na proibição de inversão do ónus da prova em detrimento do arguido, na preferência pela sentença de absolvição contra o arquivamento do processo, na exclusão de fixação de culpa em despachos de arquivamento, na proibição da antecipação de verdadeiras penas a título de medidas cautelares, na proibição de efeitos automáticos da instauração de procedimento criminal, na natureza excepcional e de última instância das medidas de coacção e no princípio in dubio pro reo. Ao interpretar os mencionados preceitos do CPP, não se afigura que o despacho recorrido formule, ainda que implicitamente, um juízo de culpabilidade relativamente ao recorrente K, que a interpretação normativa acolhida pelo Tribunal a quo comporte uma violação, ainda que muito ténue, do princípio da presunção da inocência, em alguma das suas valências. Mais ainda. Conforme assinala o Digno Magistrado do Ministério Público nas alegações de recurso, não se descortina de que forma o cumprimento do formalismo previsto nos arts. 346.º e 347.º do CPP possa colidir com o princípio da presunção da inocência, seja no tocante ao interrogatório dos assistentes e das partes civis por intermédio do tribunal, seja no tocante à ordem seguida quanto aos pedidos de esclarecimento solicitados pelos sujeitos processuais. Não parece que a orientação adoptada pelo Tribunal a quo comporte um juízo de culpabilidade dirigido ao ora recorrente K, que o Tribunal a quo tenha interpretado, do modo já expresso, os arts. 346.º e 347.º do CPP por considerar antecipadamente aquele arguido como autor dos crimes que lhe eram imputados pela acusação, que o Tribunal a quo tenha deixado de considerar o recorrente K como presumido inocente por apenas permitir perguntas por seu intermédio ou por o mandatário do assistente ser o último a intervir. Em suma: não se compreende a conexão estabelecida pelo recorrente K no sentido de que ocorre violação desse princípio constitucional por o Tribunal recorrido (aliás em conformidade com a letra e o espírito dos arts. 346.º e 347.º do CPP) ter determinado o interrogatório por seu intermédio e por ter concedido aos mandatários dos depoentes a última palavra para solicitarem esclarecimentos. Seguramente não será por o arguido (ou o seu mandatário) interrogar em último ou primeiro lugar o assistente ou as partes civis, que ele passa a ser considerado como presumido culpado (ou inocente) dos crimes em apreço. Nada aponta que a interpretação em causa tenha subjacente a formulação de um juízo antecipado quanto à culpabilidade dos arguidos, particularmente do recorrente K, que o Colectivo tenha assumido a posição em referência na medida em que os considerou como autores dos crimes que lhes são imputados. Nem tão pouco o recorrente K o explícita de modo fundamentado, indicando como considera que este princípio constitucional foi violado. O Tribunal a quo procurou simplesmente ordenar os actos da audiência de acordo com o regime expressamente previsto nos arts. 346.º e 347.º do CPP. Já a imediação, enquanto princípio que o recorrente K considera ter sido violado pela interpretação adoptada dos arts. 346.º e 347.º do CPP, traduz-se no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova, podendo também ser definida como “a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá que ter como base da sua decisão” (cf. Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, Coimbra, 1984, Volume I, pág. 232, citado, entre outros, nos Acs. do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-10-2008, Proc. n.º 400/06.2GCAVR.C1, e 18-02-2009, Proc. n.º 1019/05.0GCVIS.C1, in www.dgsi.pt). Conforme se consignou no citado Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 11/2008, a propósito do princípio da imediação: "Fazendo apelo às palavras de Perfecto Andrés Ibáñez, «o princípio da imediação relaciona-se com o carácter imediato, quer dizer, não mediado ou livre de interferências, da relação de todos os sujeitos processuais entre si e com o objecto da causa, que propicia tal modo de conceber o processo. Assim, para Calamandrei, pondo a ênfase na dimensão da interactividade, “imediação significa presença simultânea dos vários sujeitos do processo no mesmo lugar, e, por conseguinte, possibilidade de fontes de prova aonde os autores farão maior empenho”. Frente ao processo penal do antigo regime, no qual o processo se efectuava sobre um material que o tribunal recebia por escrito e, portanto, já elaborado em outra sede (morto, no dizer de Pagano), se afirma agora a superioridade do juízo presencial, em tempo real, que, em expressivos termos do mesmo autor, oferece a vantagem de que “na viva voz falam também o rosto, os olhos, a cor, o movimento, o tom de voz, o modo de dizer, e tantas outras pequenas circunstâncias, que modificam desenvolvem o sentido das palavras e fornecem tantos indícios a favor ou contra do afirmado com elas”. Portanto, imediação como ‘observação imediata’ (Florian); como forma de ‘encurtar as distâncias’ (Carnelutti) ou de ‘integral e directa percepção, por parte do juiz, da prova (Silva Melero)’.» Na verdade, na prova há coisas que, necessariamente, se têm de apreciar directamente e há outras que não necessitam de ser apreciadas da mesma maneira pois estão numa relação mais directa com a apreciação e valoração de verosimilhança. É assim que importa distinguir dois planos essenciais e igualmente importantes: primeiro distinguir entre a prova como fonte de conhecimento e o meio de prova ou, dito por outra forma, entre a credibilidade daquele que prova e a prova como realidade jurídica propriamente dita.” Do que se observa, o importante, para que seja respeitado o princípio da imediação, é que quer o tribunal, quer os demais sujeitos processuais, neles se incluindo os mandatários dos arguidos, estejam na sala de audiências face-a-face com os assistentes para que se não perca a relação directa de percepção da prova e a proximidade com a produção da prova prestada pelos assistentes. Não se vendo, no facto de ser o tribunal (juízes e/ou jurados) a colocar as questões ao assistente e de ser também através da mediação do juiz presidente que são pedidos os esclarecimentos pretendidos pelos demais sujeitos processuais, neles se incluindo os defensores dos arguidos, que haja perda de espontaneidade, muito menos que fique comprometido o princípio da imediação. Com efeito, se o assistente for espontâneo no seu depoimento tanto o é se interrogado directamente pelo mandatário do arguido como se por intermédio do juiz presidente. Tal como, se o assistente não estiver disponível ou predis(...) para ser espontâneo e fidedigno tanto fará que seja directamente contra-interrogado pelo defensor do arguido como se respondendo a este por intermédio do tribunal. De facto, a interpretação que mereceu acolhimento por parte do despacho recorrido em nada conflitua com este princípio. Em nada impediu a recolha directa e pessoal, pelo julgador, de todas as provas produzidas em audiência de julgamento. Também não determinou que o Tribunal a quo viesse a julgar os factos de acordo com prova produzida ou examinada fora da audiência. Também não proibiu os restantes sujeitos processuais de estarem presentes e de fazerem a sua própria avaliação da prova aí produzida publicamente, particularmente das declarações prestadas pelos assistentes ou pelas partes civis. Não se descortina, pois, qualquer ofensa do princípio da imediação. Para finalizar, importa, de novo, salientar que a solução consagrada pelo legislador nos arts. 346.º, n.º 1, e 347.º, n.º 1, ambos do CPP, foi devidamente ponderada e conscientemente tomada dentro da lógica do sistema, e que, por outro lado, a disciplina jurídica fixada nestes dispositivos não viola qualquer um dos princípios do processo criminal ínsitos no art. 32.º da Lei Fundamental, mormente os princípios constitucionais do contraditório pleno ou da presunção de inocência. Também que o Tribunal a quo mais não fez do que interpretar esses dispositivos de acordo com a letra e com o espírito da lei, ao decidir que os esclarecimentos pedidos aos assistentes fossem feitos através do juiz presidente e pela ordem enunciada nos n.ºs 1 dos citados arts. 346.º e 347.º do CPP. Tudo visto, afigura-se-nos não haver qualquer violação do pleno exercício dos direitos de defesa, nem padecerem de inconstitucionalidade, à luz do dis(...) nos n.°s 1, 2 e 5 do art. 32.° da Constituição e dos princípios fundamentais subjacentes a este dispositivo, as normas do processo penal em causa, na interpretação que o Tribunal a quo faz dos arts. 346.º, n.º 1, e 347.°, n.º 1, do CPP. Em face do ex(...), julga-se improcedente o recurso inter(...) pelo arguido K e, consequentemente, confirma-se integralmente a decisão recorrida de fls. 28916 a 28927 (ponto 2.). 8. Recurso inter(...) pelo arguido A do despacho de fls. 30465 a 30466, proferido em 2/5/2005, que negou a possibilidade de acareação entre si e o assistente AH No decurso da audiência de julgamento (sessão ocorrida no dia 2 de Maio de 2005) e na sequência da tomada de declarações ao assistente AH, o arguido A requereu que fosse realizada acareação entre si e este assistente “quanto à questão concreta do transporte do AH para (…), transporte ao seu lado no veículo conduzido”, por parecer haver discrepância entre o que o arguido confessou e aquilo que o assistente refere. O Tribunal, após audição do Ministério Público e do assistente AH, proferiu despacho a indeferir a requerida acareação (cfr. fs. 30465 a 30466 dos autos). Inconformado com aquele despacho, dele recorreu o arguido A, extraindo da respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões: “1 – O assistente é (…). Tem muita experiência de vida e de rua, infelizmente, como resulta do apenso DT; 2 – O recorrente confessou os factos da pronúncia, na generalidade, havendo agora que na especialidade – ou seja em audiência – ir burilando para se alcançar a verdade; 3 – Para nós a confissão integral e sem reservas é quanto ao crime e esse o arguido recorrente confessou; 4 – O assistente confirmou em audiência as declarações confessórias do recorrente em relação a três situações, individualizadas e concretas, em que ocorreu penetração anal; 5 – Opõe-os apenas uma situação em que o assistente diz ter o recorrente aberto o fecho das calças na zona dos genitais do assistente e o recorrente nega; 6 – Ora, e mal com o devido respeito, o Mº Pº acusou o recorrente contando os crimes como se fosse legal contar as acções, uma a uma – do género: uma piscadela de olhos, um crime; mão na perna outro crime e assim sucessivamente – sem ter tido em atenção que estamos perante um único crime continuado em relação a cada pessoa vítima; 7 – Por isso, é fundamental para a descoberta da verdade, para a justiça, para a defesa do recorrente, que o tribunal permita o exercício do contraditório; 8 – No caso concreto impunha-se a acareação entre o assistente e o recorrente; 9 – Sendo ainda certo que o recorrente é uma pessoa que deu tudo ao Mº Pº, tudo mesmo, ajudou o Mº Pº como ninguém, mas com verdade; 10 – E, ouvido o primeiro assistente, que foi honesto negando o resto da pronúncia, estamos em condições de estar contentes porque o arguido falou verdade, não inventou para se safar, nem teve a mão do advogado a por-lhe as palavras na boca; 11 – E essa é uma vitória moral para aqueles que pensavam que o recorrente ia ser trucidado, que eles do alto do seu estatuto de vedetas sociais e ou políticas tinham a força e condão de esmagar o recorrente, “um coitadito, boçal”; 12 – A acareação é útil e necessária para a descoberta da verdade; 13 – Porque nada na lei de protecção de testemunhas impede a acareação, e os arguidos têm o direito ao contraditório, por outras palavras, os assistentes não podem pensar que não têm de enfrentar os arguidos e podem dizer o que querem sem serem contraditados; 14 – No caso concreto verificam-se os requisitos do artº 146º do CPP e artº 32º nº 1 e 5 da CRP, bem como o artº 327º do CPP. 15 – A decisão recorrida é ilegal por violar as normas dos artºs 146º, 327º, 340º nº 1, todos do CPP, artº 32º nº 1 e 5 da CRP e artº 6º nº i da CEDH e ainda as normas da lei de protecção de testemunhas, pelo que é nula, nulidade do artº 120º nº 2, al. d) do CPP 16 – A norma do artº 146º, na interpretação dada pela decisão recorrida sofre do vício de inconstitucionalidade material, por ofensa das normas dos artºs 32º nº 1 e 5 da CRP, não devendo por isso ser apliacada pelo tribunal recorrido. 17 – O tribunal “a quo” interpretou as normas indicadas nas conclusões 15 e 16, de forma a que não devesse proceder à acareação requerida bem como a norma do artº 146º no sentido indicado na conclusão 16, e deveria tê-las interpretado no sentido o(...). NESTES TERMOS, deve ser dado provimento ao recurso e em consequência julgada ilegal a decisão e inconstitucional a norma do artº 146º na interpretação perfilhada pelo tribunal “a quo” FAZENDO-SE ASSIM A BOA E COSTUMADA JUSTIÇA” O Magistrado do MP na 1ª instância apresentou resposta ao recurso, concluindo que “o despacho recorrido não violou nenhuma norma legal, pelo que deverá ser mantido, fazendo-se a esperada JUSTIÇA!”. O recurso foi admitido por despacho de fls. 31852 dos autos. As questões suscitadas pelo recorrente são: - Nulidade do despacho recorrido, por violação das normas dos arts. 146.º, 327.º, 340.º, n.º 1, todos do CPP, art. 32.º, n.ºs 1 e 5, da CRP, art. 6.º da CEDH, e ainda das normas da Lei de Protecção de Testemunhas. - Inconstitucionalidade da norma do art. 146.º do CPP, na interpretação dada pela decisão recorrida, que sofre do vício de inconstitucionalidade material, por ofensa da norma do art. 32.º, n.ºs 1 e 5, da CRP. O despacho objecto do presente recurso tem o seguinte teor: “De acordo com o dis(...) no artº 146º, do C.P.Penal, é admissível a acareação entre o arguido e o assistente sempre que houver contradição entre as suas declarações e a diligência se afigurar útil à descoberta da verdade. O Ilustre Mandatário do arguido requereu a acareação quanto a um aspecto concreto, que tem a ver com uma deslocação a uma (…), em que o assistente AH terá ido com o arguido no mesmo veículo (cfr. fls. 20.966 ponto 9.6). Face às declarações que o arguido prestou no dia 21 de Dezembro de 2004 e 17 de Janeiro de 2005 e às declarações hoje prestadas pelo assistente, há divergência entre o afirmado por um e entre o que é afirmado por outro quanto a este aspecto em concreto: transporte pelo arguido A do assistente AH para uma (…), percurso no qual terá existido uma situação ou facto relacionados com abuso de natureza sexual. No entanto, para que o Tribunal determine a diligência deve fazer um juízo de previsibilidade de que a diligência possa resultar útil para o esclarecimento da verdade. Neste momento o Tribunal não vê que a confrontação entre o arguido e o assistente, em termos concretos, seja essencial para a descoberta da verdade. O Tribunal não diz que tal não possa ocorrer, só que neste momento, face à globalidade das declarações prestadas pelo arguido e pelo assistente, não considera que, como referimos, tal seja em termos concretos útil e necessário para a descoberta da verdade. Assim, indefere-se a requerida acareação.” Apreciando. Invoca o recorrente, no fundo, e em primeira linha, a nulidade do despacho recorrido, por violação das normas dos arts. 146.º, 327.º, 340.º, n.º 1, todos do CPP, art. 32.º, n.ºs 1 e 5, da CRP, art. 6.º da CEDH, e ainda das normas da lei de protecção de testemunhas, invocando, num segundo momento, a alegada inconstitucionalidade da interpretação feita pelo tribunal relativamente ao mencionado dispositivo legal do art. 146.º do CPP. Desde logo, cumpre referir que no acórdão final proferido nos autos se deu como provado (quanto ao que neste particular releva) que “Em dia indeterminado do mês de Julho ou Agosto de 1998, o menor, então com 12 anos, acompanhou o arguido A numa deslocação a uma (…). Durante a viagem o AH adormeceu, altura em que o arguido desapertou-lhe as calças e, por baixo das cuecas, começou a mexer-lhe no pénis, tendo o AH acordado neste momento” (ponto 152.3 da matéria de facto provada). Consequentemente, o concreto ponto da matéria de facto objecto do pedido de acareação formulado pelo arguido A veio a ser considerado como demonstrado no acórdão recorrido, tendo-se dado credibilidade à versão dos factos apresentada pelo assistente AH, como resulta especificamente do consignado a fls. 1760 e ss. dos autos, na fundamentação da matéria de facto do acórdão, nos seguintes termos: “Passando aos factos que o Tribunal deu como “provado” ou como “não provado”, em relação aos actos de natureza sexual, as declarações do assistente são globalmente compatíveis e de alguma forma coincidentes com as declarações do arguido A. É certo que, como acima referimos, o arguido num segundo momento veio dizer que não tinha levado o assistente para uma (...) do (…), pois só o tinha levado para outras (...). No entanto, avaliando globalmente o sentido das declarações do arguido, o Tribunal interpretou que o arguido estava a referir-se aos factos que o despacho de Pronúncia lhe imputa numa estação de serviço, a caminho de (…). E esses factos, como vamos referir, também não foram relatados pelo arguido da primeira vez que falou ao Tribunal, nem foram relatados pelo assistente, pelo que a negação do arguido, quanto aos factos e transporte para (…), para o Tribunal cingiu-se a estes episódios. Acresce que como resulta de fls. 436, do Apenso BQ, 3º volume (apenso relativo aos Boletins de itinerário apresentados pelo arguido A), em Julho de 1998 existe um registo do arguido de deslocação ao “(…)” e em Julho/Agosto de 1999 e Julho/Agosto de 2000, existem referência de deslocação ao (…), mas (…) não está expressamente indicado (cfr. fls. 448/9 e 461/2 do Apenso BQ, 3º volume) . No entanto, não é que a menção “…” não possa englobar uma deslocação ao (…). Mas, no caso concreto, com a ausência de referência do assistente as factos nos anos de 1999 e 2000 e aos factos numa “…”, em “…”, tal análise não se mostra necessária. Da globalidade das declarações do assistente o Tribunal concluiu que este localiza os factos ocorrido no “caminho para uma (…)” - a (…) do (…) e foi no primeiro Verão após ter entrado para a AX, 1998 (cfr., quanto ao Transporte, como dissemos o de fls. 436, do Apenso BQ, 3º volume, apenso relativo aos Boletins de itinerário apresentados pelo arguido A), em Julho de 1998 existe um registo do arguido de deslocação ao “(…)” -, como os “primeiros” e os actos em si confirma-os no mesmo sentido do arguido. O arguido A diz que os factos com este assistente não sucederam “logo” que ele entrou, mas mais tarde, o BE teve uma primeira (…) no (…) em 16/07/98 a 14/08/98 ( cfr. Apenso DX, fls. 49), tendo o Tribunal concluído a prática dos factos como ocorrida no caminho para esta (…). Das declarações do arguido e das declarações do Assistente, o Tribunal deu ainda como provados três situações, das que o despacho de Pronuncia refere durante o ano lectivo 2000/2001, no BF. O arguido A admitiu os actos de penetração oral e anal no BF, embora não os tenha localizado no tempo. O assistente começou por localizar estes factos no BF quando passou do 5º para o 6º ano, depois rectifica que foi no 5º ano, pois associa com uma situação em que o arguido lhe reteve a mochila e o assistente voltou atrás para apanhar a mochila, pois tinha trabalhos de grupo. Conjugando estas declarações com os elementos que se encontram a fls. 165 e 166, do Apenso DT, o Tribunal concluiu que os factos passaram-se, pelo menos, no ano de 2000. O assistente descreveu que os factos no BF foram junto ao refeitório - entraram junto à porta secundária do refeitório, a porta por onde saiam do refeitório, tendo explicado que havia uma sala contígua ao refeitório onde estava a máquina da loiça -. Da primeira vez, o arguido fechou a porta e começou a mexer-lhe nos órgãos genitais, tendo-lhe despertado a braguilha. Tentou evitar mas o arguido desapertou a sua própria braguilha, tirou o “órgão genital” para fora e penetrou com o seu pénis no ânus do declarante. Disse que doeu-lhe, ficou com dores no ânus e deitou sangue. Não disse a alguém pois não contava a ninguém. Ficou com raiva do arguido. Após este acontecimento não viu o arguido A no BF durante uns dias, umas duas semanas. Decorrido este tempo voltou a aparecer no (...) e a encontrar-se com o declarante no corredor do refeitório. Levou-o para a sala das máquinas de lavar a loiça, que está ao pé do refeitório, baixou-lhe as calças e o arguido penetrou com o seu pénis no ânus do declarante. Declarou que lhe doeu e chorou. Voltou a suceder uma terceira vez, no mesmo local junto ao refeitório, tendo o arguido penetrado com o seu pénis no ânus do menor. Na 1a e 2ª vez o arguido deu-lhe 3.000$00 e na terceira vez 4.000$00, dinheiro com que comprou bonecos para os irmão, uma luvas e meias para si. O arguido A disse-lhe para não dizer o que se tinha passado. Foi um depoimento em que, na parte em que descreveu nos factos ocorridos no BF, concretamente quando descrevia os actos sexuais em si, demonstrou dificuldade em contá-los ao Tribunal. Fez pausas nestes momentos, foi perceptível uma respiração mais funda, que o Tribunal interpretou como dificuldade em continuar. Foi um depoimento que avaliámos e valorámos como verídico. No entanto das declarações do assistente não resulta que estes factos tenham ocorrido três vezes por mês, durante o ano lectivo de 2000/01, também não resulta das declarações do arguido, pelo que nesta parte o Tribunal deu os factos como não provados (cfr. ponto 59.3. dos factos não provados)”. (...) que o Tribunal considerou como demonstrada essa concreta versão dos factos apresentada em julgamento pelo assistente AH, o recurso que o arguido apresentou sobre o despacho que lhe indeferiu a acareação por si requerida continua a ter interesse e/ou utilidade. No entanto, desde já se deixa realçado, que de acordo com a fundamentação da matéria de facto considerada como demonstrada, a prova desse ponto da matéria de facto não o foi em detrimento da versão que sobre os mesmos factos se considerou que assumiu o arguido A. Como se deixou transcrito acima, o tribunal entendeu que o arguido num segundo momento veio dizer que não tinha levado o assistente para uma (...) no (…), mas sim para outras (...), sendo que assim se referia aos factos que o despacho de pronúncia lhe imputava como tendo sido praticados numa estação de serviço, a caminho de (…) (os quais não foram confirmados nem pelo arguido nem pelo assistente). Quanto aos factos ocorridos a caminho de uma (…), mas no trajecto, dentro do próprio veículo em que se deslocavam – e não numa estação de serviço –, o Tribunal entendeu que não houve negação dos factos por parte do arguido. É certo que esta apreciação ou leitura das declarações do arguido A não foi assim feita logo na própria sessão da audiência de julgamento em que foi requerida a acareação, mas em sede de acórdão final. Ao fazer o seu enfoque, pretendemos apenas realçar que, a final, a diligência de acareação, mesmo que tivesse sido realizada, não conduziria a resultado distinto daquele que foi alcançado com a ponderação global da prova produzida, pois aí já é feita uma análise conjugada das declarações do arguido e assistente com os demais elementos de prova produzidos, e a aparente contradição entre aquelas declarações – tomada como certa em audiência de julgamento – é afastada. De todo o modo, uma vez que estamos a tratar de recurso interlocutório, e que na data em que o recurso foi apresentado, foi-o sobre despacho que expressamente refere terem ocorrido discrepâncias entre as declarações prestadas pelo arguido e as prestadas pelo assistente, não deixaremos de apreciar a questão objecto do mesmo. Importa, portanto, verificar, em primeiro lugar, se o despacho recorrido, independentemente do que se deixou expresso no acórdão final quanto a este concreto ponto da matéria de facto, padece da nulidade que o arguido lhe assaca – nulidade do art. 120.º, n.º 2, al. d), do CPP. De acordo com o mencionado normativo, constitui nulidade dependente de arguição, entre outras, a insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade. E, segundo a al. a) do nº 3, a referida nulidade deve ser arguida, tratando-se de acto a que o interessado assista, antes que o acto esteja terminado. (...) isto (e como já salienta o Ministério Público na sua resposta ao presente recurso), tendo o despacho sindicado – que indeferiu a acareação requerida pelo arguido e admitindo-se como mera hipótese que esta se tratava de diligência essencial à descoberta da verdade – sido proferido em audiência de julgamento, na qual estavam presentes o arguido A e o seu Ilustre Mandatário, a existir a nulidade invocada (nulidade sanável) a mesma estaria sanada, por não ter sido arguida até ao final da sessão da audiência de julgamento em que alegadamente foi cometida. Sem prejuízo disso, dado que o arguido veio a interpor recurso daquele mesmo despacho, sempre se pronunciará o tribunal relativamente aos fundamentos da sua pretensão, de modo a afastar qualquer suspeição de ilegalidade de procedimentos nos presentes autos, mormente ao nível da produção da prova. A acareação é um meio de prova típico, portanto, um instrumento processual que permite a produção de um elemento de prova. Subjacente à acareação está o princípio geral da demanda da verdade material. “Acarear” é pôr em presença física, é contrapor, confrontrar, pôr face a face, frente a frente (Código de Processo Penal, Comentários e Notas Práticas, Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, Coimbra Editora, págs. 390 e 391). Segundo Germano Marques da Silva “a acareação é um meio de prova que consiste no confronto entre as pessoas que prestaram declarações contraditórias, tendo por finalidade esclarecer depoimentos divergentes sobre o mesmo facto (…). A acareação pode permitir esclarecer as divergências dos depoimentos por permitir refrescar a memória sobre as circunstâncias dos factos e frequentemente porque permite compreender a causa das próprias divergências, facilitando, por isso, a sua melhor valoração. A acareação pode ter lugar entre quaisquer pessoas que prestem declarações no processo, com excepção dos peritos: entre co-arguidos, entre o arguido e o assistente, entre testemunhas ou entre estas e o arguido ou o assistente e entre todos estes e as partes civis e destas entre si (art. 146.º, n.ºs 1 e 2). Os pressu(...)s da admissibilidade deste meio de prova são a existência de declarações anteriores contraditórias das pessoas chamadas a acarear-se e que a diligência se afigure útil à descoberta da verdade” (Curso de Processo Penal, Vol. II, Editorial Verbo, 1999, pág. 173). Os pressu(...)s deste meio de prova são, portanto, os seguintes: a) a existência de contradições nas declarações ou depoimentos trazidos ao processo; e b) que seja de prever que da sua realização possa surtir o esclarecimento da verdade. Dependendo a admissibilidade da acareação da verificação dos referidos pressu(...)s, trata-se de um meio de prova subsidiário, ao qual se poderá recorrer, em função da forma como foi produzida a prova principal, neste caso declarações do arguido e de um dos assistentes. No caso vertente, o próprio tribunal, como se disse já, no despacho recorrido, assume que se verifica o primeiro dos pressu(...)s de que dependeria a realização da acareação – a existência de contradição entre, pelo menos, umas das declarações prestadas pelo arguido A e as declarações prestadas pelo assistente AH (ainda que no acórdão final, analisada a globalidade da prova, tenha constatado que essa divergência não respeitava a este concreto ponto da matéria de facto). O cerne da divergência entre o entendimento do arguido e o explanado pelo Tribunal a quo reporta-se ao segundo pressu(...) de que depende o deferimento deste meio de prova: que seja de prever que da sua realização possa surtir o esclarecimento da verdade. Com efeito, o Tribunal entendeu que, não obstante verificar-se a referida contradição de declarações, naquele momento em que foi requerida a acareação, não se vislumbrava que a confrontação entre o arguido e o assistente fosse essencial para a descoberta da verdade. Ressalvou-se que isso poderia acontecer, mas que no momento, face à globalidade das declarações prestadas pelo arguido e pelo assistente, não se considerava que aquele meio de prova subsidiário fosse em concreto útil e necessário para a descoberta da verdade. O arguido esgrime, em defesa da sua posição, que tinha o direito de ser acareado com o assistente, porque a lei o permite. Ora, a circunstância de a lei consagrar esse meio de prova, permitindo-o, não pode ser entendida como um direito absoluto à sua realização, instituindo um meio de prova subsidiário como se fosse principal. Ler o preceito como o arguido o lê traduzir-se-ia numa leitura do normativo do art. 146.º do CPP em que se escamoteia o dis(...) no segundo segmento do seu n.º 1. Equivaleria a dizer-se que sempre que existissem contradições entre as declarações – quanto ao que aqui releva – de arguidos e assistentes se realizaria acareação, o que manifestamente não tem acolhimento na letra da lei processual penal, que exige, para além disso, que a diligência de prova se afigure útil à descoberta da verdade. Não é, pois, de deferimento automático o requerimento de acareação somente porque se considera verificado o pressu(...) da existência de contradições. O mesmo há-de sempre ficar dependente de uma ponderação, por parte do tribunal, sobre a utilidade do meio de prova em causa e da sua necessidade para a descoberta da verdade. Daí a subsidiariedade do meio de prova. Razão pela qual, o próprio requerente deveria especificar porque motivo concreto entende que a acareação que almeja ver realizada é útil e necessária para a descoberta da verdade. O arguido invoca genericamente que a acareação interessa à sua defesa, mas de modo algum especifica porque motivo ela poderia ser, em concreto, útil à descoberta da verdade, designadamente tendo presente as concretas declarações do arguido e as concretas declarações do assistente. É certo que o arguido refere que o mesmo confessou os factos na generalidade, mas não tem de ser obrigado a aceitar alguns factos que não correspondem à verdade, que só se alcançaria através do contraditório, sendo que «quanto mais amplo ele for melhor se alcança o que aconteceu». O que o arguido defende é, pois, que perante a existência de uma contradição de declarações lhe deveria ser permitida a realização da acareação, como forma ampla de exercer o contraditório. E efectivamente, o que aqui está em causa é a forma como deve ser entendido e em concreto exercido esse princípio fundamental no nosso direito processual penal – o princípio do contraditório. A perspectiva trazida pelo arguido a este recurso é a de que se trata de um direito absoluto e intocável, que ao arguido deve ser assegurado em toda a sua plenitude e sem limitações. Daí a invocação de preterição também do dis(...) no art. 327.º do CPP, preceito que na nossa lei processual penal consagra expressamente o princípio do contraditório. A questão de fundo centra-se, portanto, no plano abrangente dos direitos de defesa do arguido, que molda o nosso processo penal. No seu art. 32.º, a CRP estabelece, entre os direitos, liberdades e garantias pessoais, as Garantias do processo criminal. Nos termos do preceituado nesse artigo, o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso, sendo que o mesmo processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório. Seguindo de perto o que se expõe no Ac. do Tribunal Constitucional nº 387/2005, a propósito do princípio do acusatório, dizem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira que ele «é um dos princípios estruturantes da constituição processual penal» e «uma garantia essencial do julgamento independente e imparcial», significando essencialmente que «só se pode ser julgado por um crime precedendo acusação por esse crime por parte de um órgão distinto do julgador, sendo a acusação condição e limite do julgamento» (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed. Revista, Coimbra Editora, 1993, nota IX ao artigo 32º, pág. 205). Relativamente ao princípio do contraditório, assinalam os mesmos comentadores que ele implica o dever «de o juiz ouvir as razões das partes (da acusação e da defesa) em relação a assuntos sobre os quais tenha de proferir uma decisão», bem como o «direito de audiência de todos os sujeitos processuais que possam vir a ser afectados pela decisão», e ainda o «direito do arguido de intervir no processo e de se pronunciar e contraditar todos os testemunhos, depoimentos ou outros elementos de prova ou argumentos jurídicos trazidos ao processo», sendo certo que «o princípio abrange todos os actos susceptíveis de afectar a sua posição» (ibidem, nota X ao artigo 32º, pág. 206). Os princípios do acusatório e do contraditório, enquanto princípios estruturantes do processo penal, movem-se necessariamente no quadro de um sistema processual que tem também de assegurar todas as garantias de defesa, ou seja, no quadro de um processo penal justo e equitativo. Escreveu-se no Ac. do TC n.º 172/92, acerca das garantias de defesa do arguido: “O processo penal há-de, assim, configurar-se em termos de ser “um due processo of law”, devendo considerar-se ilegítimas, por consequência, quer eventuais normas processuais, quer procedimentos aplicativos delas, que impliquem um encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa do arguido (cfr. acórdão deste Tribunal nº 61/88, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 375, p. 138; cfr. também o já citado acórdão nº 393/89). (…) O princípio do contraditório, encarado do ponto de vista do arguido, pretende, antes do mais, realizar, o seu direito de defesa. “A máxima audiatur et altera pars ou ne absens damanetur” é, justamente, no dizer de Eduardo Correia, a expressão, nesse sentido, do princípio do contraditório (Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 110º, p. 99). Dizendo com a Comissão Constitucional, no seu Parecer nº 18/81, o sentido essencial do princípio do contraditório está, de uma forma mais geral, em que nenhuma prova deve ser aceite em audiência, nem nenhuma decisão (mesmo só interlocutória) deve aí ser tomada pelo juiz, sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade, ao sujeito processual contra o qual é dirigida, de a discutir, de a contestar e de a valorar (Pareceres da Comissão Constitucional, volume 16º, p. 147).” A descoberta da verdade material em processo penal há-de, portanto, necessariamente compaginar-se com aquelas garantias de defesa do arguido. E assim se reconhecerá, como corolário do princípio do acusatório, o da vinculação temática do tribunal e da correlação entre a acusação (e a pronúncia) e a sentença. Como realça Jorge Figueiredo Dias, a concepção típica de um processo acusatório implica a estrita ligação do juiz pela acusação e pela defesa, em sede de determinação do objecto do processo como em sede de poderes de cognição e dos limites da decisão. E, acerca da vinculação temática do tribunal, como efeito consubstanciador dos princípios da identidade, da unidade ou indivisibilidade e da consumpção do objecto do processo penal, defende este autor que deve afirmar-se que o objecto do processo penal é o objecto da acusação, sendo este que, por sua vez, delimita e fixa os poderes de cognição do tribunal e a extensão do caso julgado (in “Direito Processual Penal”, Coimbra, 1974, pág. 45). Centrando-nos no princípio do contraditório, que tem, como víamos, consagração a nível constitucional, no art. 32.º da CRP, vejamos as palavras de Jorge Miranda e Rui Medeiros, segundo os quais o preceito deve ser interpretado à luz do denominado processo equitativo, na designação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos ou do due process of law, na fórmula da jurisprudência norte-americana, envolvendo como aspectos fundamentais a consideração do arguido, como sujeito processual a quem devem ser asseguradas todas as possibilidades de contrariar a acusação, a independência e imparcialidade do juiz ou tribunal e a lealdade do procedimento. Os direitos a uma ampla e efectiva defesa não respeitam apenas à decisão final, mas a todas as que impliquem restrições de direitos ou possam condicionar a solução definitiva do caso (in “Constituição Portuguesa Anotada”, Tomo I, 2ª edição, revista, actualizada e ampliada, Coimbra Editora). Na mesma obra, e mais concretamente a propósito do princípio do contraditório, deixam aqueles autores ex(...) que o princípio do contraditório traduz-se na estruturação da audiência de julgamento e dos actos instrutórios que a lei determinar em termos de um debate ou discussão entre a acusação e a defesa. A acusação e a defesa são chamadas a deduzir as suas razões de facto e de direito, a oferecer provas, a controlar as provas contra si oferecidas e a discretear sobre o valor e o resultado probatórios de uma e outras. O princípio assim entendido tem carácter essencialmente formal, mas mesmo neste sentido tem grande importância. Desde logo porque, estando a audiência de julgamento subordinada ao princípio do contraditório, as provas hão-de ser produzidas ou discutidas em audiência, ficando excluída a possibilidade de condenação com base em elementos probatórios que não tenham sido discutidos em audiência, ainda que constantes dos autos. O Tribunal Constitucional tem-se pronunciado no sentido de que o conteúdo essencial do princípio do contraditório se traduz em que nenhuma prova deve ser aceite em audiência, nem nenhuma decisão – ainda que interlocutória – deve ser tomada pelo juiz, sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade ao sujeito processual contra o qual é dirigida de a discutir, de a contestar, de a valorar, em si mesma e quanto aos seus fundamentos, em condições de plena igualdade e liberdade com os restantes sujeitos processuais, designadamente o Ministério Público. Será, contudo, que o princípio do contraditório, tal como acima é entendido, não admitirá limitações? Do que já se deixou ex(...) resulta, como primeira evidência, que nunca o princípio do contraditório ou, mais amplamente, os direitos de defesa do arguido são entendidos como ilimitados, antes se fazendo menção a possíveis limitações, ainda que sujeitas ao crivo do controlo da sua admissibilidade. Esta querela foi por diversas vezes – ainda que na maioria dos casos referindo-se a diferentes situações concretas – debatida ao longo do presente processo, o que aconteceu, por exemplo, quando se requereu a aplicação da Lei de Protecção de Testemunhas, diploma intrinsecamente ligado a esta discussão que temos vindo a abordar. Com efeito, a diversidade e complexidade da criminalidade nas sociedades contemporâneas veio a tornar cada vez mais frequentes os fenómenos da criminalidade organizada e transnacional, relativamente à qual se verifica uma imprescindibilidade da colaboração das testemunhas para a descoberta da verdade e para a punição deste tipo de crimes e seus autores. Atento o grau de sofisticação/organização dos grupos envolvidos e a dificuldade de penetração nesses meios, tem-se revelado essencial a prestação de informações por parte de pessoas com alguma ligação àqueles. Concomitantemente, começou a equacionar-se a necessidade de protecção desse tipo de pessoas/testemunhas. E o que se disse em relação às organizações criminosas vale, por maioria de razão, para determinados círculos sociais fechados – étnicos, religiosos, familiares ou institucionais –, sendo particularmente importante assegurar a previsão de medidas destinadas à protecção de pessoas especialmente vulneráveis – com particular destaque para os menores, mas abrangendo também idosos, mulheres, estrangeiros e outros. O recurso à prova testemunhal surge assim equacionado como meio probatório fundamental no combate a determinada criminalidade e gerador de eficácia processual, daí resultando a necessidade de encorajar tais pessoas à colaboração com a justiça, assegurando-lhes, em troca, a devida protecção e a eliminação de eventuais pressões a que possam estar sujeitas. Como refere o memorando elaborado pelo Committe of Experts on Intimidation of Witnesses and The Rights of Defense (PC-WI), “o reforço da confiança na justiça criminal, ameaçada pela criminalidade organizada e pela intimidação subjacente àquela como estratégia para se eximir à justiça, passa pela elaboração e aplicação nos diversos Estados-Membros de um quadro de medidas destinadas a incentivar as pessoas a colaborar com a justiça.” Ganha, pois, uma importância fulcral, essencialmente como estratégia pró-activa de combate ao crime, o estabelecimento de uma panóplia de princípios gerais destinados a assegurar a protecção do direito a testemunhar de forma livre e sem pressões ou intimidações, bem como a protecção da própria vida e segurança de tais pessoas (quer sejam vítimas, testemunhas ou outros intervenientes), antes, durante e após a conclusão do processo. Trata-se mesmo de um imperativo constitucional que deriva do preceituado nos arts. 9.º e 27.º da CRP, sendo que o primeiro estipula, na sua al. b), como tarefa fundamental do Estado garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático, enquanto que o segundo consagra como direito fundamental o direito à liberdade e segurança. Porém, não nos podemos alhear do reverso do problema. Numa perspectiva abrangente, convirá relembrar que a importância conferida à prova testemunhal não poderá ser alcançada à custa dos direitos que assistem ao arguido. Significa isto que o combate à criminalidade não poderá passar pela previsão de um regime jurídico de protecção de testemunhas que constitua uma compressão incomportável dos direitos fundamentais dos arguidos. E isto porque constitui um ponto essencial que sejam asseguradas todas as garantias de defesa por forma a apelidar-se o processo como um processo equitativo. Não podendo o arguido ser desligado da sua inalienável dimensão de pessoa humana, cabe-lhe um direito de defesa na sua amplitude máxima. Tendo por base esse contexto, vários países estabeleceram programas nacionais de protecção de testemunhas, os quais, na sua maioria, entroncam no pioneiro e famoso modelo americano – o Federal Witness Protection Program, criado na década de 60 e implementado já na década de 70. A nível nacional, a Recomendação nº R (97) do Comité de Ministros de 10 de Setembro de 1997, do Conselho da Europa, sobre Protecção de Testemunhas, constitui o arquétipo desta matéria, estabelecendo uma série de princípios norteadores e uma diversidade de medidas a ser acolhida pelos diversos Estados. Essa Recomendação recebeu acolhimento através da Lei nº 93/99, de 14 de Julho (Lei de Protecção de Testemunhas). A Lei tem o seu âmbito de aplicação vocacionado para a luta contra o crime organizado, mas também em casos relativos a crimes graves – art. 16.º, al. a) – ou em situações de especial vulnerabilidade das testemunhas – arts. 3.º, n.º 1, e 26.º e ss.. Quanto àquilo que nos interessa, independentemente da verificação de perigo para a vida, integridade física ou psíquica, liberdade ou bens patrimoniais de valor consideravelmente elevado (art. 1.º, n.º 3) e da aplicação de outras medidas previstas no diploma, a Lei de Protecção de Testemunhas estabelece uma série de medidas, administrativas (assistência psicológica, social, jurídica, etc.), e em última instância judiciais (relativas às condições de prestação de declarações), para testemunhas especialmente vulneráveis. O conceito de testemunhas especialmente vulneráveis é definido, de forma abrangente, pelo n.º 2 do art. 26.º da Lei de Protecção de Testemunhas, o qual se reporta a um estado de particular risco ou fragilidade a que se encontram sujeitas determinadas pessoas, para testemunhar contra pessoas próximas, em virtude de uma dependência física, intelectual ou funcional ou de uma ligação familiar ou emocional. A Lei consagra um conjunto de medidas pensadas em especial para situações de criminalidade intra-familiar (atentas as relações de proximidade) ou em círculos sociais fechados (étnicos, religiosos, institucionais, etc.), e com particular atenção para crianças, mulheres e idosos, de forma a incutir à colaboração com a justiça e a garantir uma espontaneidade, sinceridade e veracidade das declarações. Entre as várias medidas previstas na Lei para protecção destas testemunhas, avulta a possibilidade de evitar o confronto da testemunha com os outros intervenientes processuais, nomeadamente com o arguido (art. 29.º, al. a)). As medidas consagradas não dependem tanto da situação de risco ou do tipo de crime em causa, mas mais do perfil da própria testemunha ou do carácter fechado do meio em que se encontra inserida, assim abarcando outras situações merecedores de tutela. Encontram-se aqui em jogo duas realidades conflituantes do processo penal: a prossecução da justiça criminal, pelo meios legalmente admissíveis, por um lado, e a protecção dos direitos fundamentais das pessoas, por outro. Assiste-se, assim, a uma dialéctica entre o direito do arguido à protecção das garantias de defesa e o direito-dever da testemunha de colaboração, sem estar sujeita a qualquer espécie de pressão ou intimidação, essencial à eficácia da justiça penal. Não se pode olvidar que as medidas de protecção de testemunhas têm carácter excepcional, significando que recai sobre as autoridades judiciárias o ónus de demonstrar que qualquer outra medida menos gravosa não é adequada ao caso concreto. Por outro lado, tendo em atenção que estas medidas processuais de protecção de testemunhas constituem restrições às regras de produção de prova, deve considerar-se que o direito do arguido à produção de prova perante o tribunal (em audiência pública) e na sua presença, não constitui um direito absoluto, mas admite ele também limitações em nome do interesse particular da protecção das testemunhas e do interesse público da realização da justiça. Assim, estão, sem dúvida, legalmente consagradas e justificadas limitações, ainda que restritas, às garantias de defesa do arguido. Podemos, pois, tomar como assente que as garantias de defesa do arguido não são irrestritas, podendo ser comprimidas em função da tutela dos interesses das vítimas, desde que se assegure um ponto de equilíbrio entre estas duas realidades, capaz de garantir uma interpretação dos normativos processuais penais em causa conforme à Constituição da República Portuguesa (CRP) e à Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH). E, efectivamente, assim foi cumprido ao longo deste processo. Com efeito, se por um lado se aceitou a declaração de especial vulnerabilidade das testemunhas/ofendidos, com a aplicação das medidas de protecção adequadas, como foi já discutido no apenso de recurso O dos presentes autos – relativo a recurso com subida em separado, a propósito da possível audição das testemunhas/ofendidos para memória futura, com recurso a videoconferência e do dis(...) no art. 271.º do CPP, em que se salienta o teor do Parecer da Comissão Coordenadora do Apoio Psicológico para intervenção na Crise AX, de 21 de Julho de 2003, junto a fls. 7942 dos autos, sobre as implicações na saúde das testemunhas da realização de inquirições na presença dos arguidos, que refere, que “perante a necessidade de terem de prestar declarações em Tribunal sobre os factos de que foram vítimas e/ou terem de ser confrontados com a presença física dos seus agressores, existe uma clara contra indicação para o fazerem na presença directa dos presumíveis abusadores, uma vez que há um risco real de desequilibrio emocional grave, com reactivação dos efeitos traumáticos do próprio abuso e complicações imprevisíveis (…) é nossa avaliação (...) que os mesmos deverão ser ouvidos em sistema de videoconferência, para que exista uma real protecção dos seus interesses como menores e para que a validação do seu testemunho seja ainda consideravelmente mais eficaz.” No âmbito de tal Parecer, a Comissão sugeriu ainda que “estes alunos ou ex-alunos o possam fazer na presença de um adulto por eles escolhido, ou declarado por esta Comissão, como de importância emocional capital.” Como já salientado em despacho proferido na 1ª instância, as conclusões de tal Parecer foram corroboradas pelos depoimentos prestados por BG, identificada a fls. 7027, BH, identificada a fls. 7042, BI, identificado a fls. 7062, BJ, identificada a fls. 7283, BK, identificada a fls. 7367, BL, identificado a fls. 6455, e BM, identificada a fls. 7753. Todos referiram, não só relativamente aos alunos que, em concreto observaram, mas também referindo-se ao universo de alunos da AX, vítimas de abuso sexual, que o seu confronto directo com os agressores e/ou a sua presença e prestação de depoimento perante uma sala de audiências é susceptível de desencadear traumas e de afectar a autenticidade e espontaneidade dos seus depoimentos. Acabando o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, em decisão desse recurso, por mencionar: “perguntar-se-á, se o regime fixado no artº 271º traduz uma compressão inaceitável do direito de defesa? Pensamos que não. É que, como se viu, o contraditório está salvaguardado mediante as faculdades de o arguido ser informado da realização da diligência, de estar presente ao acto, e de formular perguntas adicionais à testemunha. E nem o facto de o arguido não ter tido prévio acesso a eventual auto de declarações que a testemunha haja prestado no inquérito coloca em crise o contraditório e as garantias da sua defesa. (…) Desde que o contraditório, enquanto princípio com consagração constitucional, possa ser assegurado, conforme o previsto na lei, no momento da produção da prova ou ainda mais tarde, não se pode ter como configurada qualquer disparidade com a Lei Fundamental.” Por outro lado, momentos houve, ao longo do processo, em que se asseguraram, sem limitações, os direitos de defesa dos arguidos, por se considerar não existir, em concreto, fundamento para os restringir. Aliás, no decurso da audiência de julgamento, o próprio arguido A viu ser-lhe deferido um outro requerimento de acareação com uma das vítimas do processo, contra a vontade manifestada pelo Ministério Público, conforme resulta da acta da sessão de audiência de julgamento ocorrida em 1 de Junho de 2005 – fls. 31743 a 31751-E. Aí o tribunal exarou em despacho o seguinte “decorre do dis(...) no artº 1, nº 4 e 5, da Lei nº 93/99, de 14 de Julho, que as medidas previstas em tal lei têm natureza excepcional, só podem ser aplicadas se, em concreto, se mostrarem adequadas e necessárias à protecção das pessoas e à realização das finalidades do processo, cabendo ao tribunal assegurar a realização de um contraditório que garanta um justo equilíbrio entre as necessidades do combate ao crime e o direito de defesa. Por sua vez, decorre do artº 26º, do mesmo diploma legal, que cabe à autoridade judiciária competente providenciar para que o acto em que a testemunha especialmente vulnerável participe, decorra nas melhores condições possíveis, com vista a garantir a espontaneidade e sinceridade das respostas. Da interpretação que o tribunal faz da Lei nº 93/99, não decorre que a confrontação entre uma testemunha declarada especialmente vulnerável e o arguido não possa ocorrer. Não só o artº 5º impõe, por exemplo, que o recurso à videoconferência deva ser justificado pelo Tribunal por ponderosas razões de protecção, como o artº 29º prescreve medidas que o juiz que presidir ao acto “pode” adoptar e não que “tem” que adoptar. (…) Ora o Tribunal tem que garantir que o declarante preste o seu depoimento com a maior serenidade, objectividade, sinceridade e espontaneidade possível, mas deve determinar as diligências que entenda necessárias e possíveis para tentar apurar a verdade dos factos, bem como para apurar da verdade do depoimento – artº 26º e 29º, da Lei nº 93/99, 138º, nº 2 (346º, nº 2), 340º, 146º, nº 1 e 4, 323º, al. e), do C.P.Penal. A avaliação, o equilíbrio e a justa proporção entre a necessidade da descoberta da verdade e a protecção da integridade física e/ou psíquica de um sujeito processual ou de uma testemunha, tem que ser ponderado em cada caso concreto, cabendo ao Juiz, dentro do preceituado pela lei ordinária e pela Lei constitucional, tomar as medidas de protecção que, em concreto, sejam reclamadas.” E assim como nessa situação concreta se entendeu que as necessidades de protecção da testemunha não contendiam com o exercício pleno do contraditório pelo arguido, abrangendo o direito à confrontação do próprio com a testemunha, noutras situações essa ponderação foi diferente, salientando-se que a ponderação foi sendo feita, caso a caso, pelo tribunal. Não podemos deixar de concordar com o Ministério Público, que na sua resposta ao presente recurso refere que o assistente AH, à semelhança de outros assistentes, foi declarado testemunha especialmente vulnerável, em virtude da sua condição psicológica, da sua idade e da circunstância de o seu depoimento recair sobre factos relacionados com a sua intimidade sexual, praticados quando ainda era menor de idade e quando estava confiado a uma Instituição pública da qual o arguido A era funcionário. Decorre desse estatuto, a obrigação de o Tribunal procurar garantir que a prestação de depoimento seja realizada nas melhores condições possíveis, por forma a assegurar a serenidade, a tranquilidade e a espontaneidade dos relatos, devendo evitar-se, de forma particular, os riscos de vitimização secundária e o confronto directo com o arguido – art. 1.º, n.º 3, da Lei n.º 93/99, de 14 de Julho. A diligência de acareação só deveria ter sido deferida se a utilidade dela decorrente justificasse os riscos da confrontação entre o arguido e uma testemunha/assistente especialmente vulnerável. A Recomendação do Conselho da Europa nº R (2001) 16 – sobre a protecção das crianças vítimas de exploração sexual – aconselha, expressamente, no seu ponto 33, os Estados-Membros a instaurarem, para as crianças vítimas ou testemunhas de casos de exploração sexual, condições particulares de audição, a fim de se reduzirem os efeitos traumatizantes para as vítimas, testemunhas e suas famílias e de se proteger a credibilidade das suas declarações e o respeito pela sua dignidade. No mesmo sentido, foi a Decisão-quadro do Conselho da União Europeia, de 15 de Março de 2001, que no seu art. 8.º, n.º 3, consagra expressamente que “Cada Estado-Membro garante igualmente que o contacto entre vítimas e arguidos nos edifícios dos tribunais pode ser evitado”, prevendo que devem ser adoptadas “medidas adequadas de protecção da privacidade e da imagem da vítima.” E no n.º 4 do mesmo artigo refere-se que, quando for necessário proteger as vítimas, designadamente as mais vulneráveis, dos efeitos do seu depoimento em audiência pública, cada Estado-Membro “assegura o direito da vítima poder beneficiar, por decisão judicial, de condições de depoimento que permitam atingir esse objectivo.” Os direitos de defesa do arguido não são coarctados com esta decisão, porquanto, com ou sem confronto directo com o assistente, o arguido tem sempre a possibilidade de, através dos meios de prova de que dispõe, contraditar a versão do mesmo. Neste ponto particular, sobressai de toda a motivação de recurso apresentada pelo arguido uma confusão entre exercício do direito de defesa e o direito de confrontação directa do arguido com os assistentes que o incriminam. Tal como o Ministério Público escreveu a propósito da declaração de especial vulnerabilidade das testemunhas e do recurso à tomada de declarações através do sistema de vídeo-conferência (vd. Motivação de recurso constante do Apenso O, já mencionado – fls. 278 e ss.), em “nome do princípio da descoberta da verdade material, o direito da confrontação do arguido com a prova deve ceder nos casos em que a produção da mesma possa decorrer em melhores condições sem que tal direito de confrontação física deva ocorrer. Por outro lado, o direito de confrontação com a prova não tem de ser, necessariamente um “frente-a-frente” físico entre o arguido e a sua vítima, mas tão somente um confronto com todas as provas carreadas para os autos. Isto é, o arguido deve ter a oportunidade de conhecer as provas que contra si existem no processo, de as contraditar, o que não implica necessariamente que a produção da mesma tenha de ser feita na presença e no confronto físico dos seus protagonistas.” Esta é, precisamente, a tónica dominante, nas ainda não muito abundantes abordagens doutrinárias e jurisprudênciais que encontramos acerca da matéria. Encontramos, por exemplo, o escrito por Lopes da Mota, segundo o qual a “questão da protecção das testemunhas e da multiplicidade de medidas que podem ser concebidas para o efeito prende-se com princípios fundamentais do processo penal, de consagração constitucional – cfr. artº 32º da CRP –, que estruturam o conceito de processo equitativo, na acepção do artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, que garante ao arguido a possibilidade de examinar ou fazer examinar a prova contra ele produzida, interrogando ou fazendo interrogar as testemunhas que deponham contra ele, e de as testemunhas de defesa serem ouvidas em condições idênticas às da acusação. Trata-se de uma matéria que tem sido objecto de profunda elaboração jurisprudencial, por parte do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que a Recomendação nº R(97)13 levou especialmente em consideração. Daí que possam resultar limitações do direito de o arguido interrogar directa e pessoalmente testemunhas de acusação, em função dos interesses daquelas pessoas. O direito à “confrontação” não é, pois, um direito absoluto e poderá sofrer compressões em função de dois tipos de interesse: o interesse individual da testemunha a ser protegida na sua vida e integridade física e o interesse público na perseguição do crime e na condenação dos criminosos. Estas compressões poderão compreender mesmo restrições a um outro princípio fundamental – o da imediação –, nomeadamente nos casos de utilização da videoconferência ou de prestação de depoimento sobre anonimato. A lei portuguesa de protecção de testemunhas, aprovada pela Lei nº 93/99, de 14 de Julho, recebeu inspiração directa na Recomendação do Conselho da Europa nº R(97)13, visando dotar o direito interno de medidas que tinham vindo a ser recomendadas por organizações internacionais empenhadas na luta contra a criminalidade organizada, na protecção das testemunhas e das vítimas e na defesa do Estado de Direito, das quais se destacam as já citadas Recomendações do Conselho da Europa nºs R(85)11, sobre a posição da vítima no quadro do direito penal e do processo, R(87)21, sobre a assistência às vítimas e a prevenção da vitimização, R(85)21, sobre a violência no seio da família, R(96)8, sobre a política criminal numa Europa em transformação, e R(97)13, sobre a intimidação das testemunhas e os direitos de defesa; as Resoluções do Conselho da União Europeia nº 95/C 327/04, de 23 de Novembro de 1995, relativa à protecção de testemunhas no âmbito da luta contra o crime organizado internacional, e nº 97/C 10/01, de 20 de Dezembro de 1996, relativa a pessoas que colaboram com a justiça na luta contra a criminalidade organizada internacional, bem como os princípios orientadores para a prevenção e repressão do crime organizado e as medidas contra o terrorismo internacional adoptados no 8º Congresso das Nações Unidas para a prevenção do crime e o tratamento de delinquentes. A Lei nº 93/99, de 14 de Julho, contempla um aspecto circunscrito da resposta à criminalidade grave, ligado à protecção dos intervenientes no processo penal que possam dar um contributo relevante para a prova, sem perder de vista a “necessidade de encontrar um ponto de equilíbrio entre os direitos individuais, nomeadamente do arguido, e o interesse colectivo da segurança. Este aspecto constituiu objecto de especial atenção, de modo a compatibilizar-se a luta contra o crime, em nome da segurança, com a salvaguarda das garantias de defesa, dentro dos limites im(...)s pela Constituição da República e pelos textos internacionais a que Portugal está vinculado (nomeadamente a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos) e prestando a devida atenção à jurisprudência produzida pelo TEDH na matéria. Paralelamente à contemplação de situações de risco, reuniu-se no mesmo diploma, um conjunto de medidas destinadas às denominadas «testemunhas especialmente vulneráveis», em relação às quais o objectivo da reconstituição da verdade dos factos não poderá alhear-se da sua especial fragilidade quando confrontadas com o funcionamento prático do sistema judiciário e com as dificuldades em intervir num processo penal, em desfavor de outras pessoas que lhes são muito próximas. Em nome do interesse da justiça penal, pretende-se, assim, que a testemunha dê um contributo o mais útil, espontâneo e verdadeiro possível, o que deverá passar pela eliminação, também o mais ampla possível, dos efeitos perniciosos da intervenção da própria testemunha. As medidas têm carácter excepcional e só podem ser aplicadas se, em concreto, além de necessárias, se mostrarem adequadas a duas finalidades: à protecção da testemunha e à prova dos crimes (artigo 1º). Uma vez que estas medidas representam em maior ou menor intensidade restrições às regras de produção de prova, consagra-se um princípio geral pelo qual se assegura a realização do contraditório que, atendendo à necessidade e adequação das medidas, aos interesses em presença e ao grau de perigo em questão, assegure um justo equilíbrio entre as necessidades de combate ao crime, ou seja, as necessidades de prova, e o direito de defesa (artigo 1º, nº 5). Os princípios da adequação e proporcionalidade que inspiram todo o regime projectam-se, desde logo, na própria formulação sistemática do diploma – quanto mais restritivas são as medidas, mais exigentes são os pressu(...)s, nomeadamente quanto à gravidade do crime em causa. Com as medidas destinadas às testemunhas especialmente vulneráveis (artigos 26º a 31º) procurou atender-se às dificuldades de obtenção de depoimentos de crianças, de idosos e de pessoas psicologicamente frágeis e teve-se essencialmente em vista a criminalidade cometida no seio da família, em que as crianças, as mulheres e os idosos são as principais vítimas. Para além da criminalidade no seio da família, as medidas destinadas a testemunhas especialmente vulneráveis podem igualmente beneficiar pessoas inseridas em grupos de natureza étnica fechada ou em ambientes também fechados, como são, designadamente, os estabelecimentos prisionais ou instituições de acolhimento de menores ou de idosos, em que não raras vezes se revelam situações de violência contra as pessoas carecidas da devida tutela jurídico-penal (…)” (Protecção das testemunhas em processo penal – Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, págs. 661 a 685). Também Anabela Miranda Rodrigues se pronunciou sobre o tema, expressando que o “direito do arguido a um “fair trial” é reconhecido nos instrumentos internacionais (…) Hoje diz-se, entretanto, mais do que isto. Um “fair trial” não é só um direito do arguido: é também algo devido à testemunha. Não sendo um sujeito processual, a testemunha é um participante necessário na realização da justiça. Trata-se de uma necessidade que se volve em dever, tendo em vista a finalidade que essa participação serve: uma finalidade que ultrapassa o mero interesse pessoal da testemunha na punição do culpado, para se transformar no interesse da sociedade na realização da justiça. Reconhece-se que a este “dever” da testemunha de participar na realização da justiça corresponde um interesse juridicamente relevante, um “quase-direito” de o fazer em segurança, isto é, livre de ameaças e coacção, e no respeito pela sua dignidade. “Direito” que se excerba quando a testemunha é ao mesmo tempo vítima e, de um lado, o seu depoimento se torna imprescindível à realização da justiça e, de outro lado, avulta a sua situação de extrema vulnerabilidade e o risco de vitimização secundária. A partir daqui, emerge a consideração devida pela protecção da vítima e da testemunha, que um fair trial deve realizar. (…) A limitação à protecção surge, todavia, em função da necessidade de salvaguarda de outro interesse digno de protecção, o direito de defesa do arguido. Está em causa, pois, a procura de um “novo ponto de equilíbrio” entre protecção do direito de defesa do arguido, de um lado, e eficácia da justiça penal, de outro. Este é o grande desafio. Hoje as dificuldades da justiça penal advêm do facto de se reconhecer que o processo não é unicamente um ordenamento de liberdade. Duas preocupações “contraditórias” orientam o equilíbrio almejado. De um lado, a necessidade de ênfase das garantias individuais, associada ao modelo político democrático; de outro, a exigência premente de realização da justiça (…). Quando é crescente a importância da vítima na realização da justiça, abre-se caminho à sua protecção, o que obriga a reequacionar os termos da polarização direitos fundamentais/eficácia. (…) A clivagem fez-se entre duas concepções: uma, defendendo um sentido muito limitado para a protecção de vítimas e testemunhas, à luz do direito do arguido de “interrogar as testemunhas de acusação (…)” (art. 6. 3, CEDH, e 14.3, PIDCP); outra, que relativiza o alcance deste direito, perante o imperativo de protecção de vítimas e testemunhas. (…) A lição que aqui se colhe, “relativizando” as disposições já referidas sobre o direito do arguido de se “confrontar” com a prova, permite-nos confrontarmo-nos com a doutrina que tem procurado caracterizar o direito ao contraditório à luz da ideia de que com ele se trata do “reconhecimento da participação constitutiva [das partes] na declaração do direito do caso”; e não, necessariamente, do right of confrontation, no sentido de um confronto face to face do arguido com a testemunha, de inspiração anglo-saxónica. (…) Tudo aponta, pois para que o “direito do arguido a confrontar-se com as provas que contra ele são apresentadas”, como direito ao contraditório (…) não seja entendido como um direito absoluto. É o próprio Estado a prever que a exigência de que o depoimento de uma testemunha no julgamento é dado “em pessoa” admite limitações decorrentes da adopção de medidas de protecção” (…)” (Justiça Penal Internacional e protecção de vítimas-testemunhas por meios tecnológicos, Boletim da Ordem dos Advogados, nº 21, Julho/Agosto de 2002, págs. 16 e 17). O nosso Supremo Tribunal de Justiça também já se debruçou sobre a problemática, defendendo que na “construção convencional, o contraditório, colocado como integrante e central nos direitos do acusado (apreciação contraditória de uma acusação dirigida contra um indivíduo), tem sido interpretado como exigência de equidade, no sentido em que ao acusado deve ser proporcionada a possibilidade de expor a sua posição e de apresentar e produzir as provas em condições que lhe não coloquem dificuldades ou desvantagens em relação à acusação. No que respeita especificamente à produção das provas, o princípio exige que toda a prova deve ser, por regra, produzida em audiência pública e segundo um procedimento adversarial; as excepções a esta regra não poderão, no entanto, afectar os direitos de defesa, exigindo o art. 6º, § 3.º, al. b), da Convenção que seja dada ao acusado uma efectiva possibilidade de confrontar e questionar directamente as testemunhas de acusação, quando estas prestem declarações em audiência ou em momento anterior do processo (cfr. v.g., entre muitas referências, o acórdão Vissier c. Países Baixos, de 14-02-2002). Os elementos de prova devem, pois, em princípio, ser produzidos perante o arguido em audiência pública, em vista de um debate contraditório. Todavia, este princípio, comportando excepções, aceita-as sob uma reserva da protecção dos direitos de defesa, que impõem que ao arguido seja concedida uma oportunidade adequada e suficiente para contraditar uma testemunha de acusação posteriormente ao depoimento. Em certas circunstâncias pode ser necessário que as autoridades judiciárias recorram a declarações prestadas na fase de inquérito ou da instrução, nomeadamente quando a impossibilidade de reiterar as declarações é devida a factos objectivos, como sejam a ausência ou a morte, ou a circunstâncias específicas de vulnerabilidade da pessoa (crimes sexuais); se o arguido tiver oportunidade, adequada e suficiente, de contraditar tais declarações, posteriormente, a sua utilização não afecta, apenas por si mesma, o contraditório, cujo respeito não exige, em termos absolutos, o interrogatório directo em cross-examination. O princípio do contraditório tem, assim, uma vocação instrumental da realização do direito de defesa e do princípio da igualdade de armas: numa perspectiva processual, significa que não pode ser tomada qualquer decisão que afecte o arguido sem que lhe seja dada a oportunidade para se pronunciar; no plano da igualdade de armas na administração das provas, significa que qualquer um dos sujeitos processuais interessados, nomeadamente o arguido, deve ter a possibilidade de convocar e interrogar as testemunhas nas mesmas condições que os outros sujeitos processuais (a “parte” adversa)” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de Novembro de 2007, Proc. nº 3630/07 – 3ª Secção, Henriques Gaspar (Relator)). Como se vê, temos sempre presente a mesma conclusão: existe uma relação dialéctica entre os direitos de defesa do arguido e os interesses da realização da justiça e da protecção de testemunhas, havendo que encontrar um ponto de equilíbrio entre todos, de modo a que os primeiros só sejam limitados na medida em que isso seja adequado e proporcional a acautelar os segundos, sendo que essa ponderação passa sempre por uma decisão do tribunal sobre a matéria. Vertendo ao caso dos autos, e perante o ex(...), o indeferimento da acareação entre o arguido A e o assistente AH, tal como foi decidido pelo Tribunal a quo, não viola o dis(...) nos arts. 146.º e 327.º do CPP, nem a Lei de Protecção de Testemunhas, nem, ainda, o arts. 32.º, n.ºs 1 e 5, da CRP e 6.º da CEDH, antes se mostrando ponderados os interesses que havia que perspectivar. Note-se que atenta a especial vulnerabilidade do assistente, foi determinado pelo Tribunal, ao abrigo do dis(...) no art. 352.º, n.º 1, al. a), e arts. 26.º, n.º 1, e 29.º da Lei nº 93/99, que a tomada de declarações ao assistente fosse feita sem a presença do arguido na sala (cfr. fls. 30454 a 30456). E se a simples presença do arguido na sala de audiências, durante a tomada de declarações ao assistente, seria susceptível de constituir um factor de constrangimento, muito mais gravosa seria a confrontação do mesmo com a pessoa do arguido, em diligência de acareação. Ainda assim, aceita-se que se tal se tivesse revelado indispensável, poderia ter ocorrido. Faltou foi a constatação da necessidade e utilidade da diligência. Por outro lado, a limitação que possa ter ocorrido na possibilidade de o arguido contraditar as declarações do assistente foi praticamente inócua, já que o arguido requereu que lhe fossem tomadas novas declarações após as declarações prestadas pelo assistente e isso lhe foi deferido (cfr. fls. 30466 a 30568). No fundo, o arguido viu-se apenas impedido de confrontar fisicamente o assistente, de estar “cara a cara” com ele, mas não de se pronunciar pessoalmente sobre a sua versão dos factos. E já salientámos que não pode confundir-se o direito ao contraditório com o direito à confrontação da testemunha, sendo este último apenas uma das expressões daquele e, no caso, a que poderia ter sido beliscada. Face à declarada especial vulnerabilidade do assistente, não se compreende como, no caso concreto, essa falta de confrontação física inibiu o arguido de se defender. O arguido acabou por se defender das declarações do assistente, contraditando-as em novas declarações suas, e o assistente ficou protegido da confrontação física com o arguido. O princípio do contraditório foi respeitado, assim como o interesse de protecção do assistente. A ponderação feita pelo tribunal não merece, até aqui, censura. O arguido avança, ainda, com a violação do dis(...) no art. 340.º do CPP, aqui então, sem justificar de modo algum porque motivo teria sido violado. Todos sabemos que de acordo com o n.º 1 daquele artigo, “o tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.” Este é também um dos dispositivos legais a que nos autos se faz ampla referência e que mereceu a atenção dos intervenientes processuais em distintas fases do processo. Já a fls. 25421 dos autos – a propósito da oportunidade de produção de prova – referia o Ministério Público: “O legislador contemplou no art. 340º do C. P. Penal um princípio residual de segurança. (…) A procura da verdade tem regras e há-de conter-se em limites que salvaguardem, em primeira linha, a dignidade humana e, em última análise, a proibição de ser conseguida de forma inopinada, surpreendente ou desleal. O artº 340º não pode ser lido como norma processual branca convertida em alfobres onde caibam esquecimentos ou omissões, ou, ainda, como expediente para que a prova seja apresentada no momento mais conveniente a uma qualquer estratégia (…). Acresce que o estatuto de arguido investe-o no direito de, entre outros, intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo as diligências que se lhe afigurem necessárias – cfr. Artº 61º, nº 1, al. f), do C. P. Penal. Aos sujeitos processuais deve ser vedada a possibilidade de transformarem o julgamento numa extensão das fases que o antecederam – Inquérito e Instrução –, transformando-o num palco permanente e sem fim de actividade investigatória.” Acrescentamos nós que o art. 340.º do CPP não pode ser entendido como um meio para, a todo o momento da produção de prova e a propósito de qualquer motivo, sem justificação, se vir defender que o tribunal tem um dever, sem limites razoáveis, de deferir todas as diligências de prova que sejam requeridas, a coberto da explicação da busca da verdade material. E em especial quando – como é o caso – os restantes dispositivos legais aplicáveis desaconselham a realização da diligência. O art. 340.º do CPP não pode ser entendido desligado das normas aplicáveis à prova em processo penal, quer elas sejam as inseridas no próprio CPP, quer resultem de diplomas avulsos ou sejam até constitucionais. Se como vimos, o próprio art. 146.º do CPP não obriga à realização da acareação requerida, não será por força do consagrado no art. 340.º que a diligência deveria ter sido realizada. Acresce que a acareação, que é um meio de prova expressamente previsto na lei, foi requerida em momento processualmente adequado – na sequência das declarações prestadas pelo assistente – motivo pelo qual nem se entende o recurso ao art. 340.º. Não se vislumbra, pois, que tenha de algum modo sido violado também o dis(...) no art. 340.º do CPP. Para além de tudo isto, merece deixar-se dito que o Tribunal a quo, na parte final do seu despacho, não afasta a possibilidade de em momento posterior – e caso a diligência de acareação viesse a ser considerada útil e necessária para a descoberta da verdade – vir a realizar a acareação requerida, pois consignou-se que “o tribunal não diz que tal não possa ocorrer, só que neste momento, face à globalidade das declarações prestadas pelo arguido e pelo assistente, não considera que, como referimos, tal seja, em termos concretos útil e necessário para a descoberta da verdade.” E o arguido, perante isto, não voltou a requerer a realização da diligência de acareação, sendo certo que o poderia ter feito e que o Tribunal deixou “a porta aberta” para essa possibilidade, omissão de diligência essa que só ao arguido pode ser imputada, especialmente quando o Tribunal, feita a ponderação conjugada dos demais elementos de prova, veio mesmo a concluir que não existiam divergências entre as declarações do arguido e do assistente. Finalmente, impõe-se tomar posição sobre a questão da alegada inconstitucionalidade da interpretação que o Tribunal recorrido fez do dis(...) no art. 146.º do CPP, (...) que o arguido expressamente a invocou. De quanto acima já se referiu, facilmente se conclui que a interpretação que o Tribunal fez do art. 146.º, assumindo-o não como um direito ilimitado do arguido, mas antes como um meio de prova que só deveria de ser deferido se isso se justificasse, nomeadamente quando a sua utilidade e necessidade para a descoberta da verdade justificassem que se sacrificasse o interesse de protecção da testemunha declarada especialmente vulnerável, não viola o espírito e a letra da nossa Constituição e designadamente os princípios vertidos no seu art. 32.º. Antes pelo contrário. Vimos também, que a CRP assegura não só as garantias de defesa do arguido em processo penal e, quanto ao que aqui está em causa, o seu direito ao contraditório (nele se incluindo o direito à confrontação com a testemunha), como também tutela os interesses do cidadão que, enquanto ser humano e colaborador com a justiça, vê perigar a sua saúde e integridade física (entendidas em sentido amplo, físico e psicológico), e ainda o interesse do Estado na realização da justiça. Abarcando a difícil tarefa de conciliar a tutela de interesses que muitas vezes se colocam em pólos o(...)s, o legislador constitucional assumiu a consequência directa da necessidade da compressão, justificada e adequada, dessa tutela. Tal compressão, consoante o caso concreto em apreço, tanto pode ocorrer do lado da defesa dos interesses do arguido como do lado da protecção da testemunha ou do interesse do Estado na realização da Justiça, sujeitando-se a ponderação da necessidade dessa compressão aos princípios da adequação e da proporcionalidade e ao crivo da decisão do tribunal. E, sendo assim, terá que aceitar-se como constitucionalmente coberta a limitação do direito do arguido ao contraditório, quando ela se limite ao estritamente necessário, adequado e proporcional. A interpretação que o Tribunal a quo fez do art. 146.º foi neste mesmo sentido. Logo, não está ferida de qualquer tipo de mácula de inconstitucionalidade. Em conclusão, temos que julgar improcedentes quer a questão da nulidade quer a da inconstitucionalidade suscitadas pelo arguido, com o que falecem ambos os fundamentos deste seu recurso. Uma última nota, para deixar expresso que nas suas alegações de recurso o arguido faz menção a matérias – como sejam a do crime continuado – e expressa opiniões que extravasam em absoluto o objecto do presente recurso, motivo pelo qual não serão sequer abordadas. Pelo ex(...), julga-se totalmente improcedente o recurso interlocutório inter(...) pelo arguido A do despacho que nega a possibilidade de acareação do arguido com o assistente AH (proferido a fls. 30465 a 30466 dos autos), confirmando-se integralmente o despacho recorrido. 9. Recurso inter(...) pelo arguido H dos despachos de fls. 34601 a 34603 e 34604 a 34605, proferidos ambos na sessão da audiência de julgamento 12-10-2005 Na sessão da audiência de discussão e julgamento que teve lugar no dia 12-10-2005 (cf. fls. 34601 a 34605 do Vol. 145.º), na sequência de dois requerimentos apresentados pelo arguido H aquando da tomada de declarações ao assistente AV, o Tribunal a quo proferiu os seguintes despachos (transcrição): “I - 1. Na sessão de audiência de julgamento de 10/10/05 o Ilustre Mandatário do arguido H requereu ao Tribunal que, em relação ao auto de fls. 8.984, identificado como “auto de reconhecimento”, o Assistente esclarecesse se disse ou não aos agentes da Polícia Judiciária que o acompanharam em tais diligências, o que nesse auto consta consignado como tendo sido declarado pelo assistente, concretamente: “a) Disse ou não disse aos agentes da Policia Judiciária que o acompanharam nesse reconhecimento, que se deslocou àqueles locais com o A a fim de entregar crianças da AX para práticas sexuais com adultos? b) Se disse, porque é que agora nega que tenha dito? c) Se não disse, como é que explica ter assinado um auto em que disse o contrário? d) Foi da sua iniciativa que disse aos agentes da Policia Judiciária que aqueles locais tinham ligação com a rede de pedofilia ou com qualquer outra coisa, ou foram os agentes da Policia Judiciária que lhe perguntaram se esses locais tinham a ver com essas actividades? e) O que é que disse aos agentes da Policia Judiciária que explique a necessidade de fazer o reconhecimento desses locais no âmbito deste Processo?” 2. Esta questão está relacionada, pelo menos na análise do enquadramento jurídico - sendo no entanto, na questão ora suscitada, o pressu(...) de alguma forma diferente dos anteriores, pois o que é requerido ao Tribunal é que conheça da possibilidade de recurso a declarações alegadamente produzidas pelo Assistente, em autos de reconhecimento de locais, feitos com agentes da Polícia Judiciária -, com as questões já decididas pelo despacho proferido na audiência de julgamento de 27/04/2005 e na de 20/7/2005 (cfr. fls. 33.696 a 33.703). Como já dissemos, o Tribunal entende que face ao art. 327°, do C.P.Penal, e porque estamos a falar de diligências que são apresentadas como meio de prova nos autos, a defesa tem o direito de em audiência de julgamento pôr em causa as circunstâncias em que estas diligências, no caso concreto reconhecimentos de locais, foram feitas. Isto é, se o Assistente fez estas diligências, se foi ele que indicou o percurso para chegar aos locais, que locais são estes. No entanto e como também já foi dito nos referidos despachos, se por força do art. 32°, da C.R.P. e 327° e 355°, do C.P.Penal, o direito de defesa do arguido e o exercício do contraditório impõem que o Tribunal, em audiência de julgamento, afira das circunstâncias em que diligências realizadas em fase processual anterior foram feitas, de modo a pôr em crise o seu valor como meio de prova. Mas impõe, também, que o Tribunal o faça nos termos definidos pela lei para o efeito. Ora resulta da conjugação do dis(...) nos arts. 355°, nº 1 e 2, com o dis(...) no art. 356°, n° 1 e 2, al. b) e n° 5, do C.P.Penal - e para o que ao caso concreto importa -, que no que se refere a esclarecimentos sobre o conteúdo de declarações do Assistente, contidas em autos processuais produzidos em fase de inquérito e feitas perante órgãos de policia criminal, tal só pode ocorrer se o Ministério Público, o Arguido e o Assistente estiverem de acordo na sua leitura. Cabe dizer de imediato que face à posição hoje expressa pelo Ministério Público e pelo Assistente AV, há que concluir que os mesmos opõem-se à leitura, pelo que fica prejudicada a necessidade de perguntar a demais arguidos quanto ao seu consentimento para a leitura. O documento de fls. 8.984 integra o conceito de auto a que se refere o art. 99°, do C.P.Penal. A leitura do que nesse auto consta como o Assistente ter dito, ou a confrontação do Assistente com o que nesse auto consta como tendo sido dito por si e o pedido de esclarecimentos na forma expressamente requerida pelo arguido H - e contra o consentimento do próprio Assistente e do Ministério Público -, viola o dis(...) no art. 356°, n° 1 e 2 al. b) e n°5, do C.P.Penal. Através dos pedidos de esclarecimento concretamente formulados pelo arguido H estar-se-ia, contra a Lei, a dar conhecimento ao Tribunal do conteúdo de declarações recolhidas do próprio assistente. De forma, repetimos, que entendemos estar processualmente vedada. 3. Em consequência, ao abrigo do dis(...) nos arts. 327°, 355° e 356°, n° 1 e 2 al. b) e 5, do C.P.P., por legalmente inadmissível, indefiro o requerido pelo arguido H na audiência de julgamento de 10/10/05. Taxa do incidente pelo arguido – art. 513°, do C.P.Penal e 84°, n° 1, do C.C.J.. II - 1. Passando ao pedido de esclarecimento formulado pelo arguido no fim da sessão da parte da manhã da presente audiência, quanto aos factos relacionados com o Bairro (…) e Bairro (…), referidos no auto de fls. 8.984, tal reflecte uma alteração da posição por si assumida na audiência de julgamento de 10/10/05. Com efeito, nessa audiência o Ilustre Mandatário do arguido disse que “… à defesa de H não interessa saber que factos são esses que o assistente prefere não recordar”. No entanto e porque o pedido de esclarecimento agora é formulado, cabe dizer o seguinte: Em audiência de julgamento (cfr. acta de 10/10/05), o assistente declarou que os locais Bairro (…) e Bairro (…) não têm a ver com locais a que tenha acompanhado o arguido A, para levar alunos da AX para actos de abuso de natureza sexual com adultos, não tem a ver com quaisquer factos relacionados com os arguidos deste processo. Hoje esclareceu e confirmou, que os factos relacionados com o Bairro (…) e (…) são factos que lhe causam sofrimento, passados consigo, tendo mesmo adiantado que são factos relativos a abusos de natureza sexual sofridos por si. Do despacho de pronúncia de fls.20.829 e segs., não resulta qualquer menção a estes lugares. No entanto, estando no processo os autos de reconhecimento destes locais, há que saber do assistente com o que se relacionam estes locais. Face às declarações já prestadas pelo assistente, quanto aos factos a que se referem tais locais e ao sofrimento que diz sentir em relação a estes factos e estando afastada pelo Assistente qualquer conexão directa ou indirecta dos arguidos que estão a ser julgados neste processo com tais locais (ou dos referidos no despacho de não pronúncia) - e não havendo neste momento qualquer indicio que os leve a relacionar, pelo menos, com os arguidos C, E, H, K, N e Q -, não resulta para o Tribunal que seja relevante o pedido de esclarecimento que ainda subsiste: “por quem é que o assistente diz ter sido abusado nestes locais”. Em consequência e ao abrigo do dis(...) nos arts 124°, 126°, nº 1, 346°, n° 1 e 2, 128°, n° 1, 323°, al. a) e f), do C.P.Penal e por não o considerar relevante para a descoberta da verdade, não formulo o pedido de esclarecimento adicional sugerido pelo Ilustre mandatário do arguido H.” Não se conformando com o teor destes despachos interlocutórios, o arguido H deles interpôs recurso (cf. Vol. 147.º, fls. 34976 a 34983), que rematou com a formulação das seguintes conclusões (transcrição): “A - Podem ser colocadas ao depoente questões relacionadas com o que ele declarou em auto de reconhecimento de local, relativamente à finalidade da sua deslocação a esse local e às pessoas que nela o acompanharam, pelo que, no primeiro despacho, o tribunal interpretou erroneamente os art. 327°, 355° e 356° n° 1, 2 e 5 do CPP. B - O entendimento normativo do dis(...) nos art. 327°, 355° e 356° nº 1, 2 e 5 do CPP, no sentido de que o depoente não pode ser confrontado, em audiência de julgamento, com as suas declarações constantes de um auto de reconhecimento de local, onde refere a finalidade e a companhia presentes nas suas idas a esse local, é inconstitucional por violação dos art 32° n°1 e5 da CRP. C - Num processo de abuso sexual, a defesa de um arguido tem o direito de colocar à alegada vítima, que admite ter sido abusado por terceiros em circunstâncias que lhe causaram especial sofrimento, a questão de saber qual é a identidade dessas pessoas, quando tal defesa sustenta a hipótese de ter havido um processo psicológico de transferência ou projecção daquilo que aconteceu com tais terceiros nele próprio, razão pela qual o tribunal aplicou erroneamente ao caso concreto os art° 124°, 126° n° 1, 346 n°1 e 2, 128° n° 1 e 323°- a)e f) do CPP. D - O entendimento normativo dos art° 124°, 126°, 346°, 128° n°1 e 323° do CPP no sentido de que não podem ser colocadas ao depoente perguntas sobre a identidade de quem dele terá sexualmente abusado noutras circunstâncias que não aquelas que estão descritas na pronúncia submetida a julgamento, alegadamente por isso não interessar à descoberta da verdade, quando o arguido sustenta a pertinência dessa questão por poder ter havido um processo psicológico de transferência ou projecção de experiências com terceiros nele próprio, é inconstitucional, por violação dos art° 32° n° 1 e 5 da CRP.” O arguido K respondeu ao recurso (cf. fls. 44700 a 44706 do Vol. 192.º), alegando que (transcrição parcial): “1- Do despacho proferido a fls. 34601 a 34603 ss. 1. No recurso a que ora se responde entende o recorrente H ter o Tribunal a quo, ao indeferir fossem solicitados ao assistente AV os pedidos de esclarecimento concretamente formulados por si na audiência de julgamento de 10.10.2005, interpretado erroneamente os arts. 327°, 355° e 356°, n.°s 1, 2 e 5 do C.P.P.” (…) “6. A prova por reconhecimento consta do Capítulo IV do Livro III, mais concretamente dos arts. 147° e seguintes do Código de Processo Penal. 7, Nos termos do dis(...) no art. 147° do C.P.P., sob a epigrafe “Reconhecimento de pessoas”, sempre que houver necessidade “de proceder ao reconhecimento de qualquer pessoa, solicita-se à pessoa que deva fazer a identificação que a descreva com indicação de todos os pormenores de que se recorda. Em seguida, é-lhe perguntado se já a tinha visto antes e em que condições. Por último, é interrogada sobre outras circunstâncias que possam influir na credibilidade da identificação.” (cfr. n.° 1). 8. Prescrevendo o n.° 4 do referido artigo que “O reconhecimento que não obedecer ao dis(...) neste artigo não tem valor como meio de prova”. 9. Por sua vez, dispõe o art. 148° do C.P.P., sob a epígrafe “Reconhecimento de objectos” no seu n.° 1 que “Quando houver necessidade de proceder ao reconhecimento de qualquer objecto relacionado com o crime, procede-se de harmonia com o dis(...) no n.° 1 do artigo anterior, em tudo o que for correspondentemente aplicável.” 10. Sendo, nos termos do n.° 3 do referido dispositivo legal, correspondentemente aplicável o dis(...) no n.° 4 do artigo anterior. 11. Ora, não dispondo o regime processual penal especificamente sobre a prova por reconhecimento de local, necessário será aplicar, por analogia, o dis(...) no art. 148° relativo ao reconhecimento de objectos. 12. Donde, quando houver necessidade de proceder ao reconhecimento de qualquer local relacionado com o crime, terá que se proceder igualmente de harmonia com o dis(...) no n.° 1 do art. 147º do CP.P., sob pena de tal reconhecimento não ter qualquer valor como meio de prova. 13. E impondo-se assim ao tribunal a valoração do auto de reconhecimento na sua globalidade, incluindo o relato efectuado pela pessoa que deva fazer a identificação (no caso, o assistente) nos termos do n.° 1 do art. 147° do CP.P. 14. O reconhecimento de um qualquer local há-de estar sempre relacionado com um determinado crime, seus agentes e circunstâncias em que o mesmo foi cometido. 15. Nessa medida, terá sempre de constar do referido auto um relato explicativo da finalidade da deslocação ao local a reconhecer, o qual terá necessariamente por base aquilo que foi declarado por parte daquele que procede à identificação. 16. Assim, no caso do auto de reconhecimento de local de fls. 8964, consta expressamente como finalidade/necessidade da deslocação ao local o reconhecimento e indicação por parte da testemunha AV de “alguns dos locais onde declarou ter-se deslocado com o A a fim do entregar crianças de AX para práticas sexuais com adultos, bem como o estúdio fotográfico onde o mesmo agiu/do mandava revelar fotografias.”. “ (…) “22. O entendimento de que os relatos efectuados pelos assistentes aquando da realização de diligência de reconhecimento de local inseridos em auto levado a cabo na fase de inquérito, consubstanciam declarações em sentido material, encontrando-se a sua leitura/exame em audiência sujeita à disciplina do dis(...) no art.° 356° do C.P.P. é inadmissível. 23. Tais relatos não integram, pois, o conceito de declarações tais como definidas na lei processual penal, designadamente no âmbito do estipulado no art.° 356° do referido diploma legal. 24. Como tal, o denominado auto - Relatório de Reconhecimento de Local -, não está abrangido pela proibição contida no art. 356°, n.° 1, al. b) do C.P.P., disposição visa tão só impedir a leitura em audiência de discussão e julgamento de autos de instrução ou de inquérito que contenham declarações de assistente, parte civil e testemunha sem que haja acordo de todos os sujeitos processuais, mas que não estende aquela proibição a quaisquer autos de instrução ou inquérito que não contenham declarações do arguido, do assistente, das partes civis ou de testemunhas. 25. Ora, não podendo ser consideradas declarações o que consta do Auto de Reconhecimento de Local como tendo sido referido pelo assistente AV no âmbito da referida diligência ou que a motivou, nada impede que se proceda à sua leitura em audiência de julgamento bem como fossem solicitados os pertinentes esclarecimentos solicitados pelo arguido H quanto ao seu teor, porque constantes de auto relativamente ao qual tal leitura não só é expressamente permitida, como terá necessariamente de ser considerada pelo tribunal a quo na valoração que vier a efectuar de tal meio de prova, sob pena de ser o referido auto esvaziado de conteúdo e senso.” (…) “31. Atento todo o ex(...), não pode deixar de vingar o entendimento consentâneo com as normas processuais que regem tal matéria e, em consequência, determinar-se que podem ser pedidos ao assistente esclarecimentos relacionados com o que ele declarou em auto de reconhecimento de local, relativamente à finalidade da sua deslocação a esse local e às pessoas que nela o acompanharam, no que se inclui, naturalmente, o que ali está consignado como tendo sido relatado pelo autor do reconhecimento. 32. Como bem refere o recorrente “as declarações que constam de um auto de reconhecimento de local são, na medida em que sirvam para compreender a finalidade e a natureza da diligência, meramente instrumentais desse meio de prova, razão pela qual sendo o auto admitido como meio de prova, não pode haver impedimento a que se aprecie em audiência de julgamento todo o seu teor” 33. Termos e fundamentos por que, deve ser dado provimento ao recurso inter(...) e, em consequência ser revogado o despacho proferido e substituído por outro que ordene sejam solicitados ao assistente os esclarecimentos peticionados. II- Do despacho de fls. 34604 a 34605 34. Tendo o assistente declarado em audiência de julgamento que os locais Bairro (…) e Bairro (…) - objecto do auto de reconhecimento de fls. 8984 que o assistente aí expressamente reconheceu como locais onde se deslocou com o A a fim de entregar crianças da AX para práticas sexuais com adultos, bem como o estúdio fotográfico onde o mesmo arguido mandava revelar fotografias - afinal se encontram relacionados com abusos de natureza sexual sofridos por si, mas não com locais a que tenha acompanhado o arguido A, para levar alunos da AX, nem com quaisquer factos relacionados com os arguidos deste processo, impunha-se que o tribunal a quo tivesse questionado o assistente sobre a identidade das pessoas por quem diz ter sido abusado nesses locais. 35. Com efeito, muito embora tais locais não se encontrem descritos na pronúncia e tendo sido afastada pelo assistente qualquer conexão entre os arguidos que estão a ser julgados nestes autos e tais locais, ainda assim tal pedido de esclarecimento se revelava manifestamente pertinente. 36. Para lá do que no recurso refere o arguido H, a verdade é que tais factos, nas palavras do assistente ter-lhe-ão causado sofrimento que ainda hoje se mantém de tal forma que prefere não os recordar. 37. Tal pedido de esclarecimento em causa não só é relevante para a descoberta da verdade como, poderá ter relevantes implicações para efeitos de avaliação do pedido de indemnização civil formulado nos presentes autos contra os arguidos. 38. Apresentando-se nessa medida absolutamente essencial à defesa dos arguidos, seja aferida não só a identidade das pessoas por quem o assistente refere ter sido abusado, bem como e, salvo o devido respeito, as circunstâncias e momento temporal em que tais abusos terão ocorrido. 39. Termos e fundamentos por que não pode deixar de proceder o recurso (…)” Por seu turno, o Exmo. Magistrado do Ministério Público, junto do Tribunal a quo, na resposta ao recurso (cf. fls. 44784 a 44787 do Vol. 192.º), pronunciou-se do seguinte modo (transcrição parcial): “A Defesa do Arguido H interpôs recurso - cfr. fls. 34.605 - dos Despachos proferidos a fls. 34.601 a 34.603 (I, 1.,2. e 3.) e a fls. 34.604 e 34.605 (II, i.) No primeiro dos Despachos, o Tribunal apreciou e indeferiu à Defesa do Arguido H um requerimento apresentado no âmbito das instâncias que o próprio então dirigia ao Assistente AV e no qual se solicitava ao Tribunal que formulasse àquele um conjunto de perguntas - mais propriamente, cinco -, todas elas relacionadas com o conteúdo do intitulado Auto de Reconhecimento de fls. 8984.” (…) “É inquestionável que o Auto de Reconhecimento em causa e a diligência que lhe está subjacente ocorreram na fase de Inquérito. Tão pouco se questiona que na descrição dos itinerários e dos locais encontrados se faça referência às indicações que, naturalmente, vão sendo fornecidas pelo Assistente, porque tal é intrínseco à natureza e objectivos próprios de tal meio de obtenção de prova. O que não poderá admitir-se é que, a coberto de tais indicações, se invoquem, ou, e muito menos, se produzam, se sindiquem ou se valorem, quaisquer outras laterais declarações porque é isso, justamente, o que a norma invocada expressamente proíbe. O próprio Recorrente reconhece - embora não retirando daí as devidas consequências - que as declarações que constem de um auto de reconhecimento de local são sindicáveis, “... na medida em que sirvam para compreender a finalidade e a natureza da diligência…”. Nem mais, nem menos! Na verdade, para além da própria epígrafe da norma - “Leitura permitida de autos e declarações” - inculcar uma ideia de sentido abrangente no que por declarações deva entender-se, há que ter em conta que a metodologia do preceito traduz, em primeira linha, um critério de inclusão taxativo (“Só é permitida a leitura em audiência de autos:”) e, correlativamente, um consequente critério de exclusão (só aqueles e nenhum outro e, jamais, na parte em que contenham declarações do arguido, do assistente, das partes civis ou de testemunhas), para além, naturalmente, da excepção a que alude o n° 5, por remissão para o n° 2, b), do art. 356°, do CPP. No caso concreto, não se tendo verificado o acordo exigível, bem andou o Tribunal ao indeferir a pretensão. A Defesa do Arguido H interpôs, igualmente, recurso do Despacho que indeferiu a possibilidade de ao Assistente AV ser perguntado, em relação a dois locais referidos no Auto de Reconhecimento de fls. 8.984, nomeadamente, Bairro (…) e Bairro (…), “se foi abusado nestas casas e por quem?” - cfr. fis. 34.598. Há que assinalar, em primeiro lugar, o facto - que alguma perplexidade nos causa - de, na audiência de 10.10.2005, a Defesa do Arguido H, pela voz do mesmo Mandatário que subscreve a Motivação, ter declarado que “... à defesa de H não interessa saber que factos são esses que o assistente prefere não recordar” - tal como, de resto, o próprio Tribunal teve oportunidade de salientar no Despacho recorrido. Passando, entretanto, a interessar-lhe, o MP subscreve, em primeira linha, a posição assumida pelos Assistentes a fls. 34.599 - a qual, com a devida vénia, aqui se dá por reproduzida. Para além disso e do que o próprio Despacho recorrido consigna, esgotando o que possa ser a matéria de refutação atinente, entendemos salientar, tão só, que, mesmo atender-se à psiquiátrica incursão do Recorrente pelos desígnios, mais ou menos insondáveis, da mente humana e do que designa por processo de “transferência”, caberia perguntar da relevância das identidades dos “transferidos”, (...) que, nesse caso, tão só bastasse, ou devesse bastar-se, na lógica da pergunta que se pretende ver admitida, que a houvesse alguém de quem fosse deslocável a autoria dos abusos, de que o Assistente diz ter sido vítima nos referidos locais, para a pessoa dos Arguidos, designadamente, do Arguido H, então erigido em a “vítima de transferência”: Por todo o ex(...), entendemos que deve ser negado provimento a ambos os Recursos, confirmando-se os Despachos recorridos, nos seus precisos termos.” O recurso foi admitido a subir a final, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fls. 44032, Vol. 189.º). Apreciando. 9.1. Despacho recorrido de fls. 34601 a 34603: Na audiência de discussão e julgamento que decorreu no dia 10-10-2005, o arguido H requereu que o assistente AV respondesse a um lote de cinco perguntas (cf. fls. 34.452, Vol. 145.º), entendendo que tinha ocorrido contradição entre o que consta do auto de fls. 8984 e o que o depoente afirmou peremptoriamente em audiência. O Tribunal Colectivo indeferiu esse pedido de confronto por entender que esclarecimentos sobre o conteúdo de declarações prestadas pelo assistente, contidas em autos processuais produzidos em fase de inquérito e feitas perante órgãos de polícia criminal, só podem ocorrer em audiência de julgamento se o Ministério Público, os arguidos e os assistentes estiverem de acordo com a sua leitura, o que não se verificava no caso vertente. Perante este enquadramento, a questão controvertida que constitui objecto deste recurso interlocutório consiste em saber, de um modo muito sintético, se o regime de leitura de autos e de declarações em audiência de julgamento, previsto pelo art. 356.º do CPP, deve ou não ter aplicação a um auto de reconhecimento de local com as características do de fls. 8984. A fls. 8984 deste processo encontra-se um intitulado “AUTO DE RECONHECIMENTO DE LOCAL”, do qual consta que “Aos cinco dias do mês de Setembro de dois mil e três, VM e AAY, Inspectores da Polícia Judiciária, acompanhámos a testemunha AV, no sentido de esta reconhecer e indicar alguns dos locais onde declarou ter-se deslocado com o A a fim de entregar crianças da AX para práticas sexuais com adultos, bem como o estúdio fotográfico onde o mesmo arguido mandava revelar fotografias”, seguindo-se, designadamente, o reconhecimento pela testemunha de fracções localizadas no Bairro (…) e no Bairro (…). O CPP não estabelece um regime específico para este meio de prova, apenas prevendo no Título II do Livro III, nos seus arts. 147.º e 148.º, os reconhecimentos de pessoas e de objectos, que não se confundem com os reconhecimentos de locais, como naturalmente se compreende. Enquanto que nos primeiros se procura a identificação de uma pessoa ou de uma coisa móvel (ou, pelo menos, tendencialmente móvel), se necessário for, em caso de dúvida, através da comparação com outras pessoas ou com outros objectos de características semelhantes, nos segundos visa-se a localização de espaços, de lugares onde decorreram determinados factos, face aos quais se mostrará difícil ou até mesmo impossível, em caso de dúvida, o reconhecimento por comparação com outros espaços ou lugares similares. Pese embora a falta de específica previsão para o reconhecimento de local, não subsistem, na nossa perspectiva, nenhumas dúvidas quanto à validade deste meio de prova. Como em processo penal vigora o princípio da liberdade de prova, conforme decorre do dis(...) no art. 125.º do CPP, são válidos todos os meios de prova, mesmo que não tipificados ou regulamentados, desde que não proibidos por lei (constitucional ou ordinária). À partida não se vislumbra qualquer impedimento constitucional ou legal quanto à validade do reconhecimento de local enquanto meio de prova. Em abstracto, não se mostra que de per si esta espécie de reconhecimento, com carácter atípico, atente contra princípios ou valores constitucionalmente garantidos. De igual modo, também não parece que seja intrinsecamente proibido por qualquer norma processual, muito em particular pelo dis(...) no art. 126.º do CPP, já que poderá ser realizado de modo livre e voluntário, sem ofensa da integridade física ou moral das pessoas, sem intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações. Neste sentido, Germano Marques da Silva defende que “o CPP só disciplina o acto de reconhecimento de pessoas ou coisas, mas parece que nada obsta a que o reconhecimento incida sobre qualquer percepção sensorial reconhecível (sons, cheiros e quaisquer outros fenómenos captáveis pelos sentidos), pois a lei não o proíbe” (in “Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo, 1993, Tomo II, pág. 150). Assumida a validade deste meio de prova, ainda que atípico por falta de específica regulamentação legal, importa agora averiguar em concreto que regime jurídico deverá ser aplicado ao “AUTO DE RECONHECIMENTO DE LOCAL” de fls. 8984, desde já se adiantando que a denominação que foi atribuída a este acto do processo não se mostra determinante para a solução a preconizar, mas antes preferencialmente a sua substância ou o seu conteúdo. Para além do reconhecimento propriamente dito de fracções de prédios pertencentes ao Bairro (…) e ao Bairro (…), o auto de fls. 8984 comporta também a reprodução de declarações prestadas pela então testemunha AV. Nesse auto consta expressamente e de modo determinante para o caso que “(…) acompanhámos a testemunha AV, no sentido de esta reconhecer e indicar alguns dos locais onde declarou ter-se deslocado (…)” – nosso sublinhado. Esse auto não se limita unicamente a reconhecer, a identificar, a localizar as casas do Bairro (…) e do Bairro (…) onde alegadamente ocorreram abusos sexuais envolvendo crianças da AX. Integra também materialmente um depoimento prestado pela testemunha que reconheceu esses locais. Da leitura do auto de fls. 8984 resulta não só o reconhecimento dessas casas, mas também aquilo que o assistente AV então comunicou à Polícia Judiciária. Ficou a saber-se, de acordo com o que então declarou, que se deslocou a esses locais na companhia do arguido A e que aí entregaram crianças da AX a fim de serem sujeitas a práticas sexuais com adultos. Aliás, a Polícia Judiciária só se deslocou em investigação ao Bairro (…) e ao Bairro (…) em face da notícia de crimes aí cometidos, constando do auto de reconhecimento alguns dos factos que integram a sua prática, com base nas declarações prestadas pela referida testemunha. O relato dos factos vertido no auto traduz inequivocamente declarações atribuídas ao ora assistente AV e atinentes à prática de ilícitos criminais. Na sua forma esse acto processual constitui unicamente um auto de reconhecimento de local. Materialmente contém também declarações de uma testemunha, nele está inserto um relato de factos que integra a prática de crimes sexuais com menores e que foram comunicados à Polícia Judiciária durante o inquérito. Deste modo, a denominação atribuída ao auto de fls. 8984 não retrata com inteira propriedade todo o seu conteúdo, toda a sua substância. Tratando-se de um quase completo relato de factos que integram a prática de ilícitos criminais, não procede a argumentação apresentada pelo recorrente de que essas declarações são meramente instrumentais, que servem apenas para compreender a finalidade e a natureza deste meio de prova. No nosso ponto de vista, essas declarações constituem antes uma excrescência perante o acto formal em causa. Dito por outras palavras: o reconhecimento do local poderia ser perfeitamente apreendido sem a inclusão no texto da descrição dos factos, ou seja, a inclusão do relato dos factos não constituiu meio necessário e indispensável para a realização ou para a compreensão desta diligência de prova. Bastava mencionar singelamente que a testemunha se tinha deslocado com elementos da PJ para localizar as casas do Bairro (…) e do Bairro (…). Conhecendo-se o objecto do inquérito, facilmente se apreenderia a natureza e a finalidade da diligência. Seja como for, mesmo admitindo que o auto de reconhecimento em causa não seria completamente compreendido sem a inclusão dessas declarações, isso não desvirtuaria a intrínseca natureza da sua parte inicial. Independentemente da sua finalidade, o primeiro parágrafo do auto de reconhecimento contém indiscutivelmente declarações atribuídas à testemunha AV, onde se relatam factos com relevância criminal. Tratando-se materialmente de declarações de uma testemunha, ainda que formalmente integradas em auto de reconhecimento de local, não podem deixar de ter tratamento igual ao dos autos de declarações prestadas por testemunhas a órgãos de polícia criminal durante a fase de inquérito. Aliás, nem se aceita diferente posição, sob pena de se desvirtuar, por completo, a disciplina prevista pelo art. 356.º do CPP, atinente à leitura de autos e de declarações em audiência de julgamento, o que comportaria manifesto prejuízo para as garantias de defesa dos arguidos, sobretudo para o princípio do contraditório. Sob pretexto de enquadrarem a diligência, de facilitarem a compreensão da sua finalidade e da sua natureza, bastaria inserir num auto de reconhecimento declarações prestadas por uma testemunha a um órgão de polícia criminal durante o inquérito, para posteriormente, em sede de audiência de julgamento, não ficarem sujeitas ao regime do art. 356.º do CPP, podendo ser valoradas para a formação da convicção do tribunal, mesmo que aí não tenham sido lidas, devido à oposição de algum dos sujeitos processuais. Por absurdo, para permitir a sua posterior valoração em juízo, bastaria inserir as principais declarações recolhidas em inquérito em documentos ou em autos (autos de reconhecimento ou outros) que, por regra, não têm de ser lidos e especificamente analisados em audiência. Como nos inquéritos se investiga a prática de crimes e os meios de prova visam precisamente a sua demonstração em juízo, para a diligência ficar convenientemente enquadrada deveria ficar a constar do auto um relato dos factos em investigação. O recorrente H veio alegar que podem ser colocadas ao assistente AV questões relacionadas com a finalidade da sua deslocação ao local e sobre as pessoas que o acompanharam. Caso se aceitasse a tese do arguido H apresentada em sede de recurso, o Tribunal a quo deveria também ter recusado a formulação dessas perguntas, mas com diferente fundamento. Nessa perspectiva, as perguntas em causa seriam irrelevantes e supérfluas. Quanto a tais matérias o auto é bem claro, explícito e peremptório. A finalidade da diligência prendia-se com o reconhecimento pela testemunha AV de fracções de prédios localizados nos Bairros (…) e (…). Foram dois Inspectores da Polícia Judiciária que acompanharam aquele a esses locais. De acordo com o dis(...) na al. a) do n.º 4 do art. 340.º do CPP, os requerimentos apresentados pelos sujeitos processuais devem ser indeferidos pelo tribunal quando for notório que as provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas. Não se aceitando que as perguntas em causa tenham sido formuladas com tais objectivos, como parece ser o caso, bem andou o Tribunal a quo ao indeferir o requerimento apresentado por este arguido. Sufraga-se aqui o que se defendeu no despacho recorrido: “Através dos pedidos de esclarecimento concretamente formulados pelo arguido H estar-se-ia, contra a Lei, a dar conhecimento ao Tribunal do conteúdo de declarações recolhidas do próprio assistente. De forma, repetimos, que entendemos estar processualmente vedada.” Manifestamente o recorrente H não estava interessado no auto de reconhecimento propriamente dito, tanto mais que não vinha acusado da prática de crimes ocorridos no Bairro (…) ou no Bairro (…). Não quis esclarecer o modo como decorreu esta diligência de prova. Indubitavelmente pretendeu explorar aparentes contradições entre aquilo que o assistente AV disse em inquérito e aquilo que afirmou em audiência, de modo a descredibilizar o seu testemunho, a desvalorizar o seu depoimento face aos factos de que estava acusado, a julgar o seu carácter. Aliás, a primeira pergunta formulada é logo bastante elucidativa a este respeito: “Disse ou não disse aos agentes da Policia Judiciária que o acompanharam nesse reconhecimento, que |