Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | FERNANDO CAETANO BESTEIRO | ||
Descritores: | DEVER DE COOPERAÇÃO PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO ACESSO IMÓVEL QUESTÃO NOVA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 01/30/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | (art.º 663º, n.º 7, do CPC): I. Por força do disposto no art.º 417º, n.º 1, do CPC (aplicável ao processo executivo por força do disposto no art.º 551º, n.º1), conjugado com o art.º 7º do mesmo código, o executado, na qualidade de parte, tem o dever de colaborar com o Tribunal para que se alcance, com brevidade, o fim do processo, o que, no caso em apreço, passa por permitir o acesso aos imóveis penhorados por parte do Agente de Execução para que o mesmo possa averiguar os respectivos estado de conservação e valor de mercado. II. Atendendo ao disposto no art.º 417º, n.º 2, do CPC, tem-se por adequada a decisão recorrida, no sentido de determinar o acesso coercivo aos imóveis penhorados nos autos, por parte do Agente de Execução, para que o mesmo conheça o seu estado de conservação, tendo em vista a concretização da sua venda no processo, assim obstando à ausência de colaboração do executado. III. Não tendo o Tribunal “a quo” sido confrontado com a questão de os imóveis cujo acesso foi solicitado ao recorrente constituírem o seu domicílio, está-se perante uma questão nova e, por essa razão, não pode este Tribunal de recurso dela conhecer. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | * I. Nos autos de acção executiva para pagamento de quantia certa com o n.º 5584/12.8TBSXL, em que Abanca Corporación Bancaria, SA., Sucursal em Portugal, figura como exequente e “A” figura como executado, a 13-05-2024, pelo Agente de Execução, foi junto requerimento pedindo que seja autorizada a utilização de força pública para apurar o estado de conservação dos imóveis penhorados nos autos, tendo em vista a concretização da sua venda, mediante negociação particular, ou a notificação do executado, através do seu Mandatário, para disponibilizar os imóveis a fim de apurar o seu estado de conservação. No mesmo requerimento alega-se que o executado já havia sido notificado através do seu Mandatário para o mesmo efeito e que nunca respondeu a tal solicitação. A 14-05-2024, foi proferido despacho com o seguinte teor: “À decisão da venda do imóvel interessa saber do estado de conservação (interior) do mesmo, para o que se torna necessária a visita pelo agente de execução, no que o executado deve cooperar, cooperação que encontra arrimo legal no dever geral de cooperação – art.º 417.º, n.º 1, do CPC. Pelo que, por ora, determino que o agente de execução concerte com o mandatário do executado, data para visitar o interior do imóvel. Caso haja oposição absoluta, abra conclusão a fim de determinar o auxílio da força policial – art.º 417.º, n.º 2, do CPC. Notifique.” O despacho referido foi notificado, com cópia, aos sujeitos processuais e ao Agente de Execução. Por requerimento junto a 25-06-2024, o Agente de Execução comunicou aos autos que: a) O executado, na pessoa do Mandatário, foi notificado para mostrar os imóveis penhorados e a vender nos autos para ser efectuado o registo fotográfico e verificação do seu estado de conservação, sendo que ninguém neles compareceu nas horas por si indicadas; b) Na mesma data, o executado, na pessoa do Mandatário, foi notificado para indicar dia e hora para verificação do estado de conservação e registo fotográfico dos imóveis. O Agente de Execução anexou cópia dos documentos a que respeitam as notificações mencionadas, neles se identificando os imóveis a verificar nos seguintes termos: • Rua (…) nº (…) – (…)º Esq – Caparica, • (…) – Terreno para construção – Caparica, • Rua (…) - lote (…) C – Fernão Ferro, • Rua (…) nº (…) – Sobreda. Por requerimento junto a 10-07-2024, o Agente de Execução veio aos autos requerer que seja autorizado o auxílio da força pública para aceder aos bens imóveis mencionados, para apurar o seu estado de conservação e elaborar registo fotográfico, alegando que o executado não indicou nem dia nem hora para o efeito, apesar de ter sido notificado, na pessoa do seu Mandatário, para o fazer. O Agente de Execução anexou cópia dos documentos a que respeita a notificação mencionada. A 21-10-2024, foi proferido despacho com os seguintes termos: “Uma vez que o executado não cooperou com o Agente de Execução, concertando data ou permitindo a entrada no imóvel para aquele levar a cabo a avaliação do estado de conservação instrumental à decisão da venda, determino que, com auxílio da força policial, seja arrombado o imóvel pelo tempo estritamente necessário à referida diligência – art.º 417.º, n.º 2, do CPC.” * O executado, a 30-10-2024, interpôs recurso da decisão mencionada, que culminou com as seguintes conclusões (transcrição): A. A douta sentença recorrida não só não fez a adequada e justa ponderação dos factos de acordo com os elementos fornecidos pelo processo como não fez a boa aplicação do direito competente, que imporia decisão diferente; B. A mesma não está fundamentada, de direito, o que era imperativo; C. A falta de fundamentação talvez se deva ao facto e à circunstância de por não haver nem existir qualquer previsão legal que autorize o uso da força pública com vista à entrada no domicílio da recorrente com o escopo definido; D. O decidido e determinado, o que nem sequer é invocado, excede o dever de cooperação que por ventura, o recorrente estivesse vinculado por força do disposto no n.º 1 do art.º 417º do CPC; E. Se este existisse, o que não se verifica, estava excepcionado pelo direito de recusa que assiste ao recorrente previsto e estatuído na al. b) do n.º3 deste mesmo artigo, que excepciona a recusa de entrada no seu domicílio, tornando-a legítima, se a obediência importar a intromissão da vida privada e domicílio; F. O art.º 1º da CRP proclama a dignidade da vida humana como valor no qual se funda a República Portuguesa, em que, logo após o direito à vida e à integridade da pessoa humana, este diploma, no seu art.º 26, consagra outros direitos pessoais que tem como comum o facto de protegerem um ciclo nuclear da pessoa que grosso modo corresponde aos direitos de personalidade; G. Este artigo estatui no seu número um que a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, a reserva da intimidade da vida privada e familiar e a protecção legal contra quaisquer formas de descriminação; H. O art.º 34º no seu número 1 da CRP estabelece que o domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis e o seu n.º 2 estabelece que a entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade só pode ser ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as formas previstas na lei, que, no caso, não existe; I. O conceito de domicílio deve ser amplo e não restricto, considerado como um bem jurídico pessoal que de forma mais ou menos ostentativa e directa releva da esfera da privacidade e se caracteriza pela sua estrutura comunicativa e intersubjectiva, sendo que qualquer violação do domicílio não só é uma violação ao princípio da inviolabilidade do domicílio como também uma violação ao direito a reserva da vida privada e familiar. No termo da peça processual em referência, no pressuposto da procedência do recurso, pugna-se pela revogação da decisão recorrida. * Não foi apresentada resposta ao recurso (cf. despacho do tribunal recorrido de 11-12-2024). * A 26-11-2024, o recurso foi admitido, com subida em separado e com efeito devolutivo, o que não foi alterado neste Tribunal. Na mesma decisão foi dado cumprimento ao disposto no art.º 617º, n.º 1, do CPC, refutando-se a nulidade da decisão por falta de fundamentação. * II. 1. As conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo da ampliação deste a requerimento do recorrido (arts. 635º, n.º 4, 636º e 639º, n.ºs 1 e 2 do CPC). Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas, salvo se forem do conhecimento oficioso (art.º 608º, n.º 2, parte final, ex vi do art.º 663º, n.º 2, parte final, ambos do CPC). Também não é possível conhecer de questões novas – isto é, de questões que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida –, uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação. Tendo isto presente, no caso, atendendo às conclusões transcritas, a intervenção deste Tribunal de recurso é circunscrita às seguintes questões: 1) Saber se a decisão recorrida padece da nulidade por falta de fundamentação, prevista no art.º 615º, n.º 1, al. b), do CPC; 2) Saber se a decisão recorrida, ao ter determinado o auxílio da força pública para que o Agente de Execução aceda ao interior dos prédios penhorados incorreu em erro na aplicação e interpretação das normas jurídicas indicadas pelo recorrente. * 2. A factualidade a ponderar é a que resulta da tramitação dos autos, acima enunciada em sede de relatório, que aqui se dá por reproduzida. * 3. A sentença – e, por força do disposto no art.º 613º, n.º 3, do CPC, os despachos judiciais, como a decisão recorrida – pode padecer de duas causas distintas de vícios: por conter erro no julgamento dos factos e do direito – o denominado error in judicando –, tendo, como consequência, a sua revogação pelo tribunal superior; por sofrer de um erro na sua elaboração e estruturação ou por o decisor ter ficado aquém ou ter ido além do que lhe cabia decidir (thema decidendum), sendo a consequência a nulidade, conforme previsto no art.º 615º do CPC. Nas primeiras situações referidas, ocorrem vícios do acto de julgamento; nas segundas situações mencionadas, verificam-se vícios formais, externos ao acto de julgamento propriamente dito, antes relacionados com a sua exteriorização ou com os seus limites. Uma das causas de nulidade da sentença ocorre quando nela não se especifiquem os fundamentos de facto ou de direito que justificam a decisão (art.º 615º, n.º 1, al. b), do CPC). De acordo com o disposto no art.º 607º, n.ºs 2 e 3, do CPC, que define as regras a observar pelo juiz na elaboração da sentença, esta “começa por identificar as partes e o objeto do litígio, enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre conhecer”, seguindo-se “os fundamentos de facto”, onde o juiz deve “discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as regras jurídicas, concluindo pela decisão final”. O art.º 607º, n.º 4, do CPC, determina que, na “fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção”; e “tomando ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras da experiência”. Por fim, no art.º 607º, n.º 5, do CPC, refere-se que o “juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, não abrangendo, porém, aquela livre apreciação “os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”. Por força do disposto no art.º 154º do CPC, as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido são sempre fundamentadas, em concretização do determinado no art.º 205º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. O dever de fundamentação referido tem por finalidade “impor ao juiz a verificação e controlo crítico da lógica da decisão e permitir às partes o recurso desta com perfeito conhecimento da situação e colocar a instância de recurso em posição de exprimir, com maior certeza, um juízo concordante ou divergente” (ac. STJ de 05-03-2015, processo n.º 7331/10.0TBOER.L1.S1; ac. TRL de 21-03-2024, processo n.º 1019/23.9T8ALM-B.L1-2, ambos acessíveis em dgsi.pt). A nulidade em referência abrange apenas a absoluta falta de fundamentação da decisão e não a fundamentação alegadamente errada, incompleta ou insuficiente (cf., no mesmo sentido, a título de exemplo o Ac. STJ de 03-03-2021, processo n.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1, acessível em dgsi.pt. Veja-se, também: Geraldes, Pimenta e Pires de Sousa, CPC Anotado, Vol. I, 3ª ed., 2024, Livraria Almedina, p. 793, nota 10; Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1985, p. 687; Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, p. 221; Lebre de Freitas, A Ação declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2013, p. 332); A falta absoluta de fundamentação pode respeitar apenas aos fundamentos de facto da decisão ou apenas aos seus fundamentos de direito (cf. o ac. STJ de 15-05-2019, processo n.º 835/15.0T8LRA.C3.S1, acessível em dgsi.pt), além de poder incidir sobre ambos. O recorrente invoca que a decisão objecto do presente recurso padece de falta de fundamentação de direito. Ainda que não proceda ao enquadramento jurídico do vício que aponta à decisão recorrida, o mesmo reconduz-se à nulidade prevista no art.º 615º, n.º 1, al. b), do CPC, de que se passa a conhecer. Da decisão em causa, afere-se que nela se menciona, como seu fundamento jurídico, o art.º 417º, n.º 2, do CPC, cuja aplicação reclama por o executado não ter cooperado com o Agente de Execução. Do que se acaba de referir, resulta que a decisão impugnada contém fundamentação bastante, dela se aferindo os motivos jurídicos do sentido em que foi proferida. Entende-se, pelo exposto, que a decisão em referência não padece de absoluta falta de fundamentação e, por isso, que a nulidade prevista no art.º 615º, n.º 1, al. b), do CPC, não ocorre. * 4. A decisão recorrida consiste na determinação do arrombamento dos imóveis a alienar, com o auxílio da força policial, pelo tempo necessário para que o Agente de Execução possa levar a cabo a avaliação do estado da sua conservação, que se tem como instrumental à decisão da sua venda. Na decisão, invoca-se a violação do dever de colaboração processual do executado, que não permitiu a entrada do Agente de Execução nos imóveis nem concertou data com o mesmo para o efeito, bem como o disposto no art.º 417º, n.º 2, do CPC, como seu fundamento. O recorrente invoca, num primeiro passo, que o dever de colaboração processual consagrado no art.º 417º, n.º1, do CPC, a que reconhece estar sujeito, não contempla o dever de franquear o acesso aos imóveis penhorados nos autos ao Agente de Execução, para o mesmo apurar o seu estado de conservação tendo em vista a tomada de decisão sobre a sua venda (conclusão E). O recorrente alega também, como fundamento do recurso, que o regime constante do art.º 417º do CPC não permite o acesso coercivo do Agente de Execução aos bens imóveis penhorados nos autos, para que possa aferir do seu estado de conservação tendo em vista a decisão a tomar sobre a respectiva venda, constituindo os mesmos o seu domicílio. O recorrente invoca, pois, a circunstância de os imóveis visados na decisão impugnada constituírem o seu domicílio, o que, face ao disposto no art.º 417º, n.º 3, al. b), do CPC, lhe confere o direito de obstar ao aludido acesso. Afere-se dos autos e decorre do que se menciona em sede de relatório, que o recorrente foi notificado do despacho proferido a 14-05-2024, onde se assume, expressamente, que o mesmo está adstricto, por força do dever de colaboração processual consagrado no art.º 417º, n.º1, do CPC, a franquear o acesso aos imóveis penhorados nos autos por parte do Agente de Execução, para se inteirar do seu estado de conservação tendo em vista decidir sobre a sua venda e que, não cumprindo tal obrigação, seria determinado o auxílio da força policial. Mais se afere dos autos que o executado foi notificado pelo Agente de Execução para lhe franquear o acesso aos bens para o fim acima mencionado, inicialmente com indicação de datas e horas para o fazer e posteriormente, face à sua não comparência, para indicar tais datas e horas. Importa reter que, com a penhora dos imóveis acima identificados, ocorreu a transferência para o Tribunal da posse e dos poderes de gozo aos mesmos referentes, que até então integravam o direito do executado. A posse deste cessou e iniciou-se uma nova posse dos bens pelo Tribunal (Lebre de Freitas, A Acção Executiva À Luz do CPC de 2013, 6ª edição, Fevereiro, 2014, Coimbra, Coimbra Editora, p. 300). Por outro lado, como se assume na decisão recorrida, a mesma tem em vista preparar a decisão, a tomar pelo Agente de Execução, sobre a venda dos imóveis penhorados nos autos, como decorre do art.º 812º, n.º 1, do CPC. Tal decisão, além da indicação da modalidade da venda, tem por objecto o valor base dos bens a vender (art.º 812º, n.º 2, als. a) e b), do CPC), que corresponde ao maior dos seguintes valores: valor patrimonial tributário, nos termos de avaliação efectuada há menos de seis anos; valor de mercado (art.º 812º, n.º3, do CPC). Por força do disposto no art.º 812º, n.º 5, do CPC, o Agente de Execução deve promover as diligências necessárias à fixação do valor do bem de acordo com o valor de mercado, quando o considere vantajoso ou algum dos interessados o pretenda. Nas diligências mencionadas, destinadas a apurar o valor de mercado, inclui-se, necessariamente, a visualização dos imóveis penhorados a alienar pelo próprio Agente de Execução, desde logo, para aferir se os seus valores de mercado são mais vantajosos para as finalidades do processo, designadamente porque permitem a obtenção de maior produto na venda a realizar. Pode-se, pois, afirmar que o Agente de Execução pode aceder aos imóveis penhorados para averiguar o seu estado de conservação, tendo em vista, além do mais, apurar os respectivos valores de mercado e valores base das vendas. Por outro lado, por força do disposto no art.º 417º, n.º 1, do CPC (aplicável ao processo executivo por força do disposto no art.º 551º, n.º 1), conjugado com o art.º 7º do mesmo código, as partes, além de outras pessoas e entidades, têm o dever de prestar a sua colaboração para que se alcance, com brevidade e eficácia, o fim do processo que, no caso, se reconduz, no essencial, ao pagamento da quantia exequenda, sem prejuízo de, não sendo tal dever cumprido, o Tribunal poder recorrer a meios coercivos, legalmente admissíveis, necessários a tal, por força do disposto no número 2 do mesmo artigo. Nessa perspectiva, tal como assumido na decisão impugnada, o recorrente, na qualidade de parte, por força do aludido preceito, tem o dever de colaborar com o Tribunal para que se alcance, com brevidade, o fim do processo, o que, no caso em apreço, passa por permitir o acesso aos imóveis penhorados por parte do Agente de Execução para que o mesmo possa averiguar os respectivos estado de conservação e valor de mercado. A ausência de colaboração, por parte do executado, com o Tribunal para o referido é manifesta e reiterada, posto que não compareceu nos imóveis nas alturas indicadas pelo Agente de Execução nem as comunicou a este quando lhe solicitou a sua indicação, tendo conhecimento do despacho de 14-05-2024, onde se declara o dever de o fazer, sendo certo que o executado assume ter a disposição de tais imóveis. Face ao referido, atendendo ao disposto no art.º 417º, n.º 2, do CPC, tem-se por adequada a decisão recorrida, no sentido de determinar o acesso coercivo aos imóveis penhorados nos autos, por parte do Agente de Execução, para que o mesmo conheça o seu estado de conservação, tendo em vista a concretização da sua venda no processo, assim obstando à ausência de colaboração da parte. Por outro lado, além do acima referido, resulta do processo que apenas em sede do presente recurso é que o recorrente veio apresentar, como fundamento para obstar legitimamente ao cumprimento do aludido dever de colaboração, que os imóveis em causa constituíam o seu domicílio e o disposto no art.º 417º, n.º 3, al. b), do CPC. Até então, o recorrente não colocou tal questão no processo, seja ao Juiz titular seja ao Agente de Execução, não obstante as notificações mencionadas. Ora, na esteira do que acima se referiu, os recursos não têm por objecto apreciar questões novas, não colocadas anteriormente no processo, antes se destinam a reapreciar as questões apreciadas pela primeira instância, salvo as que sejam de conhecimento oficioso, o que não é o caso da suscitada pelo recorrente. Como se refere no acórdão do TRP de 09-10-2023, processo n.º 6263/18.8T8PRT.P1, acessível em dgsi.pt, “o direito ao recurso não visa conceder à parte um segundo julgamento da causa, mas, apenas permitir a discussão sobre determinados pontos concretos, que na perspectiva do recorrente foram incorrectamente mal julgados, para tanto sendo necessário que alegue os fundamentos que sustentam esse entendimento, devendo os mesmos consistir na enunciação de verdadeiras questões de direito, que lhe compete indicar e sustentar, cujas respostas sejam susceptíveis de conduzir à alteração da decisão recorrida.” Tal como se menciona no mesmo aresto, “os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais (cfr. art.º 627º do CPC), através dos quais se visa reapreciar e modificar decisões já proferidas que incidam sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, e não criá‑las sobre matéria nova, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas”. Na esteira do assumido no acórdão do STJ de 17-11-2016, processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S2, “em sede recursória o que se põe em causa e se pretende alterar é o teor da decisão recorrida e os fundamentos desta. A sua reapreciação e julgamento terão de ser feitos no seio do mesmo quadro fáctico e condicionalismo do qual emergiu a sentença proferida e posta em crise”. Não tendo o Tribunal “a quo” sido confrontado com a questão de os imóveis cujo acesso foi solicitado ao recorrente constituírem o seu domicílio, está-se perante uma questão nova e, por essa razão, não pode este Tribunal de recurso dela conhecer (cf. a propósito, no mesmo sentido, a título de exemplo, o acórdão do STJ de 11-06-2024, processo n.º 7778/21.6T8ALM.L1.S1, acessível em dgsi.pt. Na doutrina, veja-se Abrantes Geraldes, “Recursos Em Processo Civil”, 7ª edição, Março 2022, Livraria Almedina, Coimbra, p. 30, 139-142). Apenas, nos casos expressamente previstos, como nos arts. 665º, n.º 2, e 608º, nº 2, parte final, do CPC, onde a questão acima identificada não se insere, pode este Tribunal substituir-se ao Tribunal que proferiu a decisão recorrida. Razão pela qual se nega a apreciação da questão enunciada. * A apelação mostra-se, assim, improcedente, mantendo-se a decisão recorrida. * 3. O executado/recorrente deverá suportar as custas do recurso, atenta a sua improcedência (art.º 527º, n.º 1, do CPC). * III. Em face do exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o Colectivo desta 2ª Secção em julgar o recurso interposto pelo executado improcedente e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, proferida a 21-10-2024. Custas do recurso pelo recorrente. Notifique. * Lisboa, 30-01-2025. Os Juízes Desembargadores, Fernando Caetano Besteiro Inês Moura Higina Castelo |