Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
336/22.0T8VFX-H.L1-1
Relator: NUNO TEIXEIRA
Descritores: SEPARAÇÃO
RESTITUIÇÃO DE BENS
CONTRATO PROMESSA
COMPRA E VENDA
POSSE
USUCAPIÃO
DEMOLIÇÃO DE OBRAS
OCUPAÇÃO ILÍCITA DE PRÉDIO URBANO
INDEMNIZAÇÃO PELA OCUPAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/08/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: Sumário (do relator) – artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil
I – A posição de promitente comprador não configura, em princípio, uma verdadeira posse, a qual não emerge do contrato-promessa (por não ser esse o seu objecto), podendo, no entanto, resultar de um acordo negocial distinto entre as partes e da efectiva entrega do bem.
II – Terá de ser esse acordo, bem como as circunstâncias relativas ao elemento subjectivo (animus) a determinar a qualificação correcta no que respeita a uma eventual posse, ou seja, os actos de posse deverão ser praticados com o animus de se estar a exercer o correspondente direito de propriedade em seu próprio nome, ou seja, intervindo na coisa como se fosse sua.
III – O facto de ter ficado expressamente consignado no contrato-promessa de compra e venda que os promitentes-compradores ficavam “como meros detentores do referido imóvel” e de não ter sido pago o preço acordado na promessa, apesar da existência de traditio para os promitentes-compradores, não permite concluir pela existência, ao tempo da promessa, de uma vontade comum das partes no sentido da transferência, imediata e definitiva, da posse correspondente ao direito de propriedade.
IV – Não se mostram preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos (artigo 483º do Código Civil), nomeadamente o requisito de ilicitude, quando, apesar de ter ficado provado que os promitentes-compradores realizaram obras de ampliação no imóvel que passaram a habitar em virtude da celebração de contrato-promessa de compra e venda, se desconhece se o fizeram com ou sem autorização dos proprietários.
V – Se a alegada obrigação de indemnizar o proprietário do imóvel em resultado da sua ocupação pelos promitentes-compradores não tem como causa a prática de um facto ilícito e culposo, apesar de terem sido interpelados judicialmente aquando da notificação da reconvenção, não se constituem em mora se não foi apurado o valor do arrendamento desse imóvel.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa,

1. JL, veio, por apenso ao processo de insolvência nº 336/22.0T8VFX,  propor a presente acção declarativa com processo comum para exercício do direito à separação e restituição de bens, nos termos do disposto no artigo 146º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante CIRE), contra a devedora, OBRIVERCA – CONSTRUÇÕES E PROJECTOS, S.A., a respectiva MASSA INSOLVENTE representada pelo Administrador da Insolvência, Dr. (…),  e seus CREDORES, em que formula os seguintes pedidos:
“a) declarar-se e reconhecer-se que o autor é proprietário e possuidor, cuja aquisição do direito de propriedade se estriba na usucapião, do imóvel identificado na presente petição inicial, que se encontra apreendido à ordem dos presentes autos fazendo parte da massa insolvente, identificado sob a verba nº 52, que se passa a identificar: prédio urbano, destinado a habitação, tipologia/divisões 3, sito … Castanheira do Ribatejo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira sob o nº ..., da freguesia de Castanheira do Ribatejo, inscrito na matriz sob o artigo ... da freguesia de União das freguesias de Castanheira do Ribatejo e Cachoeiras, o qual proveio do artigo ... da extinta freguesia de Castanheira do Ribatejo;
b) devendo os réus serem condenados a reconhecer o direito de propriedade e posse do autor, por efeito da usucapião, sobre o apontado imóvel;
c) sendo declarada adquirida a favor do autor, por usucapião, a propriedade do supra identificado imóvel, ordenar-se o respetivo registo de inscrição da mencionada e identificada propriedade na Conservatória do Registo Predial a favor do autor, por efeito da usucapião;
d) sejam os réus condenados a absterem-se da prática de atos que impeçam ou diminuam o exercício dos direitos de posse e propriedade do autor sob o prédio;
e) declarar-se a extinção e o levantamento da apreensão do identificado bem imóvel, descrito sob a verba nº 52;
f) ordenar-se a restituição ao autor do direito de propriedade que incide sobre mencionado e já identificado imóvel, na esfera patrimonial do autor, e, consequentemente, determinar-se a separação desse bem da massa insolvente;
g) ordenar-se a anulação da venda na plataforma do e-leilões, com a referência …, do referido e identificado imóvel, obstando-se ao prosseguimento da liquidação relativamente ao mesmo.
h) ordenar-se o cancelamento e consequente extinção do registo de aquisição por compra, efetuado pela Ap. ... de 2010/03/04, a favor da insolvente, que impende sobre o mencionado e identificado imóvel. i) ordenar-se o cancelamento e consequente extinção das inscrições hipotecárias (hipotecas voluntárias), a favor do BANIF – Banco Internacional do Funchal, S.A., registos efetuados pelas Ap. ... de 2011/12/28 e Ap. ... de 2011/12/28, relativamente ao mencionado e identificado imóvel.
j) ordenar-se o cancelamento e consequente extinção da inscrição hipotecária (hipoteca legal), a favor da AT (Autoridade Tributária e Aduaneira), registo efetuado pela Ap. ... de 2021/11/29, relativamente ao mencionado e identificado imóvel.”.
Alegou, para tanto, em síntese, ter celebrado um contrato-promessa de compra e venda, que teve por objecto o imóvel supra identificado. Para o efeito, alegou que entregou à contraparte, em cumprimento daquele contrato-promessa, diversos cheques. Mais afirmou que habita no imóvel desde Setembro de 2004, onde também instalou as sociedades comerciais de que é sócio gerente. Por o imóvel se encontrar em mau estado de conservação, diz ter realizado obras, nas quais gastou 235.000,00 €. Finaliza, afirmando que actuou com a convicção de que era proprietário do imóvel, de forma pública e pacífica, até ao dia 13 de Abril de 2023, data da visita do Sr. Administrador da Insolvência.
Regularmente citada, apenas a MASSA INSOLVENTE deduziu a respectiva contestação, invocando o incumprimento do contrato-promessa por parte do Autor e impugnando a factualidade por ele alegada, concluindo, assim, pela improcedência da acção.
Em reconvenção, pediu a condenação do Autor:
“i. à entrega do imóvel, livre de pessoas, ónus e bens ao Administrador de Insolvência,
ii. ao pagamento da demolição das obras ilegais realizadas no imóvel, num montante nunca inferior a 47.250,00 euros;
iii. numa indemnização correspondente a 500 euros por cada mês que ocupou o imóvel em causa desde a sua aquisição pela Ré até à sua efetiva entrega e que correspondem a 83.000,00€ na presente data, acrescidos de juros de mora à taxa legal até integral pagamento desde a data em que era devido cada montante de renda;
iv. no pagamento dos valores pagos pela Ré a título de IMI desde a data em que adquiriu o Imóvel e que se computam em 2.750,00€, acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a data de cada prestação anual até ao seu pagamento pelo Autor.”.
Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador bem como despacho a admitir a reconvenção, seguidos da enunciação dos temas da prova. Foi ainda deduzido articulado superveniente.
Finalmente, realizada a audiência de julgamento, veio a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente, por não provada, bem como parcialmente procedente a reconvenção, pelo que os RR. foram absolvidos dos pedidos deduzidos pelo Autor, sendo este condenado na entrega do imóvel ao Sr. Administrador da Insolvência, enquanto representante da Massa Insolvente, mas absolvido dos demais pedidos reconvencionais.
Inconformado com esta sentença, dela interpôs recurso o Autor, que foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Termina as respectivas alegações, concluindo, em síntese[1], da forma que se segue:
1. A decisão do Tribunal que absolveu os réus dos pedidos padece de erros na avaliação dos factos e na aplicação do direito.
2. O tribunal “a quo” não considerou adequadamente os factos relevantes, especialmente os descritos nas alíneas b), c), d) e e) da matéria não provada, pelo que pede o seu aditamento aos factos provados.
3. O tribunal baseou a sua decisão em fundamentações incorretas, como a ausência de transferência do preço e a falta de documentação adequada para comprovar os factos c), d) e k).
4. A ausência de transferência de preço deveu-se a atrasos na obtenção da licença de utilização do imóvel, situação da qual o Recorrente não era responsável.
5. Durante os anos em que ocupou o imóvel, não lhe foi exigido qualquer pagamento adicional, exceto cheques garantia, e que ele mesmo investiu na reabilitação do imóvel, o que contraria a alegação de que não houve reflexos tributários da promessa de venda.
6. Teve sempre a convicção de ser o proprietário do imóvel, o que reforça a sua posição em relação à usucapião, conforme o Código Civil.
7. Além disso, no contexto do divórcio, não havia bens comuns que pudessem ser considerados, pois os requisitos para a usucapião não estavam presentes na data do divórcio.
8. As comunicações entre a sociedade Invista e a sua ex-cônjuge são irrelevantes, uma vez que o imóvel ainda não estava legalizado.
9. As hipotecas sobre o imóvel foram constituídas antes da emissão da licença de utilização, e a venda do imóvel foi feita por valor muito inferior ao acordado na promessa de compra e venda, o que o recorrente considera fraudulento. Além de que as obras realizadas no imóvel valorizam-no pelo menos em € 200.000,00, sendo certo que a falta de documentação não deve ser considerada como argumento para desconsiderar a sua posse.
10. No que diz respeito à matéria de direito, discorda de que esteja numa posição de mero detentor e não possuidor do imóvel, argumentando que a sua posse é válida para fins de usucapião, conforme o artigo 1287.º do Código Civil.
11. Deve, assim, ser reconhecida a sua aquisição do direito de propriedade sobre o imóvel por usucapião, dada a prática de actos que demonstram a intenção de agir como proprietário ao longo dos anos.
Notificada do recurso interposto pelo Autor, veio a Ré, contra-alegar e interpor recurso subordinado da sentença, na parte em que lhe é desfavorável, o qual foi admitido por despacho proferido pelo ora relator. Termina as contra-alegações com as seguintes conclusões:
1º. A sentença não apresenta erros e a única decisão possível foi a de condenar o Autor a entregar o imóvel ao administrador de insolvência.
2º. O Recorrente contestou apenas os factos considerados não provados, mas os factos provados são suficientes para a absolvição da Ré.
3º. O tribunal manteve a decisão de não considerar provado que o Recorrente e a sua ex-cônjuge acreditavam ser proprietários do imóvel, baseando-se em diversos argumentos apresentados na sentença.
4º. O tribunal constatou que não houve pagamento pelo imóvel, o que invalidava a alegação de propriedade por parte do recorrente.
5º. O Recorrente não conseguiu provar que o negócio original era fraudulento, o que era do seu conhecimento, pelo que agiu de má fé.
6º. As alegações do Recorrente sobre obras realizadas no imóvel foram desconsideradas, uma vez que não foram comprovadas e eram ilegais.
7º. A Obriverca era a legítima proprietária e possuidora do imóvel, pois o recorrente não inverteu o título da posse, não atendendo aos requisitos para a usucapião.
Por sua vez, termina as alegações do recurso subordinado, formulando conclusões, que se resumem desta forma:
1º O tribunal deve repartir as custas da reconvenção entre Autor e Ré, em conformidade com o disposto no artigo 527º, nº1 e 2 do CPC;
2º A reconvenção foi julgada parcialmente procedente, condenado o Autor a entregar o imóvel, mas não julgando procedentes os outros pedidos da Recorrente.
3º A Recorrente discorda da decisão do tribunal em relação aos factos não provados constantes das alíneas f) e j) e da fundamentação jurídica;
4º O tribunal deveria considerar que as obras realizadas sem autorização têm um custo de demolição, a ser liquidado em execução de sentença;
5º Por isso, deveria ter sido reconhecida a ilegalidade das obras e condenado o Autor no pagamento dos custos da demolição.
6º A Recorrente argumenta ainda que o tribunal não considerou adequadamente o valor do arrendamento do imóvel, que deveria ser de, pelo menos, 1.000,00 € mensais.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

2. Como é sabido, o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes define o objecto e delimitam o âmbito do recurso (artigos 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 3 e 639º, nº 1 todos do Código de Processo Civil).
Assim, perante as conclusões formuladas pelos Recorrentes, as questões a apreciar são as seguintes:
- Impugnação da matéria de facto;
- Reconhecimento da posse invocada pelo Recorrente sobre o imóvel objecto do contrato-promessa.
- Pedidos reconvencionais indemnizatórios de pagamento do custo de demolição da obras ilegais e pela ocupação do imóvel.
2.1. Impugnação da matéria de facto por parte do Recorrente.
Nas suas alegações veio o Recorrente insurgir-se contra a decisão proferida sobre a matéria de facto, sustentando que a matéria julgada como não provada nas alíneas b), c), d) e e) deveria ser dada como provada, passando a integrar a lista dos factos provados, com a redacção que sugere.
Analisemos, então, nesta parte, as razões invocadas pelo Recorrente, tendo em conta que o recurso cumpre o ónus estabelecido no artigo 640º do CPC. De todo o modo, a alteração da matéria de facto por ele pretendida só ocorrerá “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.” (artigo 662º, nº 1 do CPC).
2.1.1. No elenco da “Factos não provados” que integra a sentença consta como  alínea b) o seguinte: “O A. e cônjuge sempre tiveram a convicção de serem os donos do imóvel”
Quanto a este facto, refere o Recorrente que é contraditório dar como provados os factos elencados sob os nºs 36, 37, 38, 39, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49 e 50 e dar como não provado o facto constante da alínea b).
Mas, para o tribunal a quoo facto b) é contrariado pela ausência de transferência do preço (facto 10, cláusula 8.ª, mencionado “cheque garantia”, e factos 17 a 20, 22, 23, 33 e 34); bem assim, pela assinatura de sucessivos aditamentos à promessa de venda (factos 12 a 14); pelas comunicações entre a sociedade Invista, A. e ex-cônjuge (factos 27 a 30 e 32);”, a que “acresce a declarada inexistência de bens comuns no âmbito do processo de divórcio;”  e “a ausência de reflexos tributários da promessa, sequer declarativos.”.
Na verdade, não ocorre a contradição referida pelo Recorrente entre os factos dados como provados e o “facto” não provado mencionado na alínea b).
Para além da sua formulação claramente conclusiva, é de todo desnecessário (e mesmo inútil) saber o que o Recorrente e o seu ex-cônjuge pensavam acerca de serem ou não os donos do imóvel em causa, quando o que apenas interessava era saber se os actos por eles praticados sobre o imóvel configuram ou não uma situação de posse, ou seja, se na realidade, havia um poder de facto exercido sobre o imóvel e ainda que “intenção” ou “vontade” esse poder de facto exterioriza e revela.
Apesar de haver alguma divisão na doutrina, a jurisprudência maioritária tem adoptado uma concepção subjectivista da posse, exigindo-se tanto o corpus como o animus, como seus requisitos[2]. O primeiro requisito, como referia ORLANDO DE CARVALHO, “envolve um elemento empírico” correspondente ao “exercício dos poderes de facto” e o segundo um “elemento psicológico-jurídico” – em termos de um direito real”. Segundo o mesmo autor, estes dois elementos da posse são “interdependentes ou [estão] em relação biunívoca”[3], ou seja, “na posse existe uma ligação, um nexo causal tal entre os dois elementos referidos que só do ponto de vista conceitual, teórico se torna viável a sua separação”[4]. Como há muito explicou o mesmo Autor, relativamente ao animus, “a intenção de domínio em sentido amplo não tem de explicitar-se e muito menos por palavras. O que importa é que se infira do próprio modo de actuação ou de utilização (lato sensu).[5] Dito de outro modo, “o animus infere-se, está implicado, é exteriorizado, exprime-se, revela-se pelo modo como o agente actua, já que a intenção do domínio releva do agir em si mesmo considerado e não do que a seu respeito possa ser verbalizado por aquele que actua sobre a coisa”.[6]
Assim, no caso dos autos, apenas interessa verificar se dos factos concretos alegados pelo Recorrente, configurados ou não como uma situação de posse, se infere aquela intenção de domínio como proprietário sobre o imóvel em questão.
De todo o modo, a prova do facto em análise será de todo irrelevante para a apreciação do mérito da causa, como adiante se explicará.
Desta feita, mantém-se a alínea b) dos factos não provados.
2.1.2. Pretende ainda o Recorrente que a alínea c) dos Factos não provados passe a integrar os factos provados, em virtude de estar “umbilicalmente ligado com os factos provados sob os nºs 36, 44, 45, 46, 47, 48, 49 e 50” e ainda por “resultar das regras da  experiência comum (…) que quem habita o imóvel procede ao pagamento do fornecimento de serviços essenciais” (conclusões 27 a 32 das alegações recursórias).
A 1ª instância justificou a inclusão daquela alínea nos factos não provados em razão de não haver “prova documental, única idónea”.
Com efeito, se “os serviços essenciais” mencionados nessa alínea se referem as despesas com electricidade, água, telefone, internet gás, etc., concordamos que a prova óbvia seria a documental, tendo em conta que todos os fornecedores desses serviços são obrigados a entregar ao respectivo cliente a factura/recibo ou qualquer outro documento comprovativo do respectivo pagamento. Seria a melhor forma de aferir da veracidade da alegação do Recorrente. Contudo, não foi junta qualquer factura/recibo que comprovasse o pagamento dessas despesas pelo Autor, ora Recorrente.
O simples facto de ter sido convencionado no contrato-promessa que as despesas com água, luz, telefone, gás, etc. ficavam a cargo dos promitentes-compradores, não chega para formar no julgador uma convicção objectiva que permita afirmar que aquelas despesas efectivamente foram realizadas, até porque, estava ao alcance do Autor, caso não tivesse guardado nenhum desses documentos, pedir uma segunda via ou um extracto que contivesse os pagamentos efectuados ao longo dos anos.
A importância dada pelo Tribunal a quo pela exigência de prova documental mostra-se justificada, tendo em conta a regra da livre apreciação das provas constante do nº 5 do artigo 607º do CPC, a que está sujeita, desde logo, a prova testemunhal (artigo 396º do Código Civil).[7] Na verdade, das duas testemunhas indicadas pelo Autor, T1 e T2, para motivar a impugnação da factualidade constante da alínea c) – respectivamente, irmão e amigo daquele – apenas a segunda se limitou a referir que, apesar de não lhe ter dito nada sobre quem pagava, depreendia que era o autor.
Assim, porque, na ausência de prova documental, não foi produzida prova suficiente que permitisse o juízo probatório de provado, não há qualquer razão para alterar este ponto da matéria de facto não provado, deste modo se indeferindo, nesta parte, a impugnação factual.
2.1.3. O mesmo se diga relativamente aos factos constantes das alíneas d) e e) dos factos não provados: “O A. pagou as obras, € 235.000,00” e “As obras valorizaram o imóvel em igual montante”.
Segundo a motivação da sentença, estes factos também não resultaram provados por não existir sobre eles nem prova documental, nem prova pericial.
Mas, para o Recorrente bastaria conjugar as fotografias juntas aos autos (documentos nºs 13,14, 15, 16, 17, 18 e 19), com as suas declarações de parte e depoimentos das testemunhas T1, T2, T3 e T4.
Ora, cumpre relembrar que o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, a não ser que os factos só se possam provar por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes, o que não é o caso dos autos (artigo 376º, nºs 1 e  2 do Código Civil).
Mais uma vez, sobre as despesas para custear as obras no imóvel objecto do contrato-promessa, não foi junto aos autos um único documento do qual se pudesse concluir que o Recorrente pagou (sabe-se lá a quem) quaisquer quantias quer na compra de materiais de construção, quer na contratação de mão-de-obra.
Acresce que nem as fotografias do local, nem os depoimentos da testemunhas – que se limitaram a resumir a sua visita ao local e a dar uma opinião sobre o valor das obras aí efectuadas – podem colmatar a lacuna da falta de recibos comprovativos do pagamento das despesas alegadas pelo Recorrente com as obras de melhoramento. Não basta que uma testemunha afirme que um facto ocorreu para ele ser considerado como provado; é necessário que o tribunal se convença que o facto se verificou, após “uma especial avaliação crítica com vista a uma valoração conscienciosa e prudente do conteúdo do depoimento”. No caso, o tribunal a quo explicou as razões da sua convicção quanto à não verificação da factualidade em causa. Acresce que a alegada valorização nunca poderia ser automática, dependendo sempre de muitos factores, que só um exame pericial independente poderia colmatar.
Assim, também nesta situação, não vemos motivo para julgar procedente a impugnação, razão pela qual se mantém a matéria de facto dada como não provada nas alíneas d) e e), nos seus precisos termos.
De todo o modo, pelas razões que se irão expor na fundamentação de direito, sempre se dirá que a factualidade que o Recorrente pretendia ver inserida nos factos provados é totalmente irrelevante, porque, mesmo que viesse a ser provada, não permitiria alterar a decisão sobre o mérito da causa, quanto à apreciação dos pedidos por ele formulados.
2.2. Impugnação da matéria de facto por parte da Recorrida.
A Recorrida Massa Insolvente, veio interpor recurso subordinado, mediante o qual impugna a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, na parte em que lhe é desfavorável.
Assim, no que respeita aos factos, pretende que se considere provada a factualidade que consta das alíneas f) e j), com a redacção por ela sugerida.
Também este recurso cumpre o ónus estabelecido no artigo 640º do CPC.
Analisemos, então, as razões que sustentam a impugnação da Recorrida.
2.2.1. Na referida alínea f) dos factos não provados ficou a constar que “A demolição das obras ilegais custará mais de € 100.000,00”.
Quanto a esta alínea, sustenta a Recorrida que o tribunal “ao dar como provado que as obras foram realizadas por determinação do A. e sem qualquer autorização por parte da proprietária, que tais obras são necessariamente ilegais, tendo inclusivamente a Câmara Municipal de Vila Franca de Xira aplicado ao A. um contraordenação pela realização de obras sem alvará, deveria ter dado como provado que a demolição de tais obras teria um custo, a liquidar em execução de sentença, mesmo que não tenha aferido em sede de audiência de julgamento qual o seu montante.” (4ª conclusão). Acrescenta que tal factualidade resulta ainda do depoimento da testemunha LG (ex-director comercial da OBRIVERCA) que teria dito que tais obras teriam de ser demolidas, o que teria um custo na casa dos milhares de euros, apesar de não ser possível aferir ao certo em sede de audiência de julgamento o seu custo de demolição. Conclui, por isso, que deverá tal facto ser retirado da lista dos factos não provados e, consequentemente, ser aditado aos factos provados com a seguinte redacção: “O A. realizou obras ilegais e essas obras terão um custo de demolição, a ser liquidado em execução de sentença”.
Ora, no que respeita às alíneas f) e j) dos factos não provados, na motivação da sentença consta apenas o seguinte: “Aos factos e), f) e j) subjaz juízo de base pericial, não suprido por outras provas”.
É certo que o tribunal também deu como provado no nº 46 que, por determinação do Autor, foram realizadas obras de reabilitação, manutenção e conservação, obras essas que também foram confirmadas pela testemunha. Mas dele não resulta que as mesmas obras tivessem sido realizadas “sem qualquer autorização por parte da proprietária”, como acrescenta a Recorrida. Na verdade, nem nesse número nem nos demais que integram os factos provados resulta que não tivesse sido dada autorização para a realização daquelas obras. Ou seja, o que apenas está provado é que as obras foram realizadas a mando do Autor, e nada mais do que isso.
Por outro lado, parece-nos forçada a conclusão de que tais obras “são necessariamente ilegais” e que tal ilegalidade implica, sem mais, a respectiva demolição. Com efeito, para além de não se tratar de um facto, mas antes de uma conclusão de direito, a ilicitude das obras de ampliação de anexos destinados a arrumos e zona de animais, não se pode deduzir pelo simples facto de o Município de Vila Franca de Xira ter iniciado um processo de contra-ordenação relativo a obras sem alvará, até porque se desconhece qual o seu desfecho; nos autos apenas consta o auto de notícia por contra-ordenação e a respectiva notificação ao ora Recorrente (cf. doc. 20 junto com a petição inicial).
Por outro, nada consta nos autos que nos permita concluir que a obra em causa venha a ser demolida. Pelo menos, essa ordem administrativa não consta dos autos. E se não é certo que a obra tenha de ser demolida, também não podemos falar em custos de demolição.
Desta feita, a alínea f) deve manter-se no elenco dos factos não provados.
2.2.2. Quanto à alínea j), diz a Recorrida que, apesar de o tribunal ter fundamentado a sua decisão da matéria de facto com os cálculos efectuados pela testemunha LG, promotor imobiliário – que a propósito dos cálculos para aferir a renda mensal do arrendamento do imóvel referiu que eram efectuados tendo por base o valor do imóvel, sendo a taxa de rentabilidade de 6% a praticada pelo mercado, pelo que o valor do arrendamento seria de € 1.000,00/mês –, acabou por dar como não provado tal facto. Por isso, conclui que tendo em conta a prova testemunhal produzida nos autos, bem como a fundamentação da matéria de facto aduzida na sentença, deverá tal facto ser retirado da lista dos factos não provados e aditado aos factos provados, com a seguinte redacção: “O valor do arrendamento do imóvel é de pelo menos 1.000,00 € por mês”, ou caso da prova não se possa retirar o valor exacto da renda, deverá aditar-se aos factos provados, o seguinte: “O valor do arrendamento do imóvel será liquidado em execução de sentença, por não ter sido apurado o seu valor exacto”.
Contudo, não cremos que o tribunal a quo tivesse alicerçado a sua convicção no depoimento da supra mencionada testemunha, nem que lhe tivesse dado a relevância que a ora Recorrida lhe quer dar. Na motivação da sentença, o tribunal limita-se a narrar partes do depoimento da testemunha LG, entre as quais se inclui a afirmação de que “o habitual no ramo da promoção imobiliária é determinação da renda em montante pelo menos equivalente a 0,06/ano sobre o preço de compra. No caso, 12000, 1.000 mês”. Ora, deste depoimento (prestado por uma testemunha com ligação profissional à Ré) não se pode extrair com certeza objectiva – nem o tribunal a quo o fez – que, na zona onde se situa o imóvel dos autos, vale a regra de que a renda de um imóvel corresponde a 6% do respectivo valor. Certamente que, relativamente a este facto se impunha uma avaliação pericial, que não se realizou. Na verdade, trata-se de um depoimento prestado sem qualquer base probatória documental e, por isso, sujeito à livre apreciação do Tribunal.
Ora, pese embora o Tribunal de recurso possa formar a sua própria convicção  por referência à prova constante dos autos e, com base nela, determinar a alteração do julgamento de facto, o certo é que apenas o poderá fazer se entender que a prova foi mal apreciada e/ou interpretada ou se constarem dos autos elementos probatórios relevantes que não foram considerados.
Não é essa a conclusão que este Tribunal retira da motivação da sentença, que, apesar de sintética, nos parece correcta, assim, se indeferindo também nesta parte a impugnação da matéria de facto.
3. Apreciada a impugnação da matéria de facto, dão-se por assentes os factos constantes da sentença recorrida, que ora se reproduzem:
1. A Devedora sociedade comercial OBRIVERCA - CONSTRUÇÕES E PROJECTOS S.A., pessoa coletiva n.º 501652493, tem sede na Estrada Nacional 10, Edifício Pratagi, Bloco 4, Piso 6, 2615 129 Alverca do Ribatejo, Vila Franca de Xira.
2. Tem por “Objecto: Compra, venda ou arrendamento de bens imóveis e a realização, promoção e gestão de urbanizações, bem como a construção, promoção, comercialização e gestão de edifícios ou parte deles e ainda actividades de consulta e planeamento urbanístico, construção civil e projectos de construção civil, arquitectura, cálculos e electricidade e direcção e fiscalização de obras e empreitadas. Compra para revenda de bens imóveis adquiridos para esse fim.”.
3. Pela AP. 4 e 5/20141007, foi registada a nomeação de F. como Administrador Judicial Provisório em processo especial de revitalização.
4. A cessação de funções, com fundamento no “Encerramento do Processo”, após homologação do Plano de Recuperação, foi registada pela AP. 4/20160913.
5. Por sentença proferida em 10/05/2022, foi declarada a insolvência da sociedade OBRIVERCA - CONSTRUÇÕES E PROJECTOS, S.A..
6. Foi nomeado Administrador(a) da Insolvência F..
7. Foi apresentado auto de apreensão de imóveis integrando a verba 52, prédio urbano, destinado a habitação, tipologia/divisões 3, sito … Castanheira do Ribatejo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira sob o nº ..., da freguesia de Castanheira do Ribatejo, inscrito na matriz sob o artigo ... da freguesia de União das freguesias de Castanheira do Ribatejo e Cachoeiras, o qual proveio do artigo ... da extinta freguesia de Castanheira do Ribatejo.
8. O(a) Sr.(ª) Administrador(a) da Insolvência visitou o imóvel em 13 de abril de 2023.
9. Consta do registo predial do Prédio descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira, Freguesia Castanheira do Ribatejo, sob o n.º .../19881004, urbano, denominado QUINTA DE NOSSA SENHORA DE MONTE CARMO, situado em Castanheira do Ribatejo, com áreas:
ÁREA TOTAL: 5010 M2
ÁREA COBERTA: 102,5 M2
ÁREA DESCOBERTA: 4907,5 M2;
MATRIZ nº: ... NATUREZA: Urbana
FREGUESIA: Castanheira do Ribatejo e Cachoeiras.
Composição e confrontações:
Moradia unifamiliar de 2 pisos, destinada a habitação, e logradouro
Norte: (…);
Sul: (…);
Nascente: Caminho de acesso ao Lar da Paz;
Poente: Caminho Camarário e (…).
Desanexado do nº 10.088, a fls.88vº do B-26:
AP. ... de 2010/03/04 – Aquisição, por compra, da sociedade OBRIVERCA - CONSTRUÇÕES E PROJECTOS, S.A., a JL. e ML.
AP. ... de 2011/12/28 - Hipoteca Voluntária, MONTANTE MÁXIMO ASSEGURADO: 1.568.781,30 Euros, a favor do BANIF - BANCO INTERNACIONAL DO FUNCHAL, S.A., com FUNDAMENTO: “Garantia do bom cumprimento de todas e quaisquer obrigações ou responsabilidades assumidas pela sociedade até ao limite do capital. (…)”.
AP. ... de 2011/12/28 - Hipoteca Voluntária, MONTANTE MÁXIMO ASSEGURADO: 1.568.781,30 Euros, a favor do BANIF - BANCO INTERNACIONAL DO FUNCHAL, S.A., com FUNDAMENTO: “Garantia do bom cumprimento de todas e quaisquer obrigações ou responsabilidades assumidas pela sociedade "Credifilis - Construções e Empreendimentos Imobiliários, S.A.", (…)”.
AP. ... de 2021/11/29 17:01:07 UTC - Hipoteca Legal, a favor da AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, com FUNDAMENTO: “Garantia do pagamento de dívidas nos processos de execução fiscal nºs (…) no montante global de 397 455,14 euros”.
AP. 159 de 2023/04/27 - Declaração de Insolvência
Registo da transmissão das hipotecas ao BANCO SANTANDER TOTTA, S.A. e, posteriormente, à sociedade FONTEOS, S. A., pessoa coletiva número 516928198.
10. Por escrito particular datado de 30 de setembro de 2005, intitulado “CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA E RECIBO DE SINAL”, JL. e cônjuge ML., representados por MS., declararam prometer vender ao A. e então cônjuge AL. o “prédio misto com a área de 5.010 m2, denominado Quinta de Nossa Senhora de Monte Carmo, sito na freguesia de Castanheira do Ribatejo e concelho de Vila Franca de Xira, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira sob o n.º ..., da freguesia Castanheira do Ribatejo, inscrito na matriz da referida freguesia sob parte do artigo 3 da secção G.” – doc. 1 junto com a petição inicial.
O Adjunto da Sr.ª Notária declarou reconhecer a assinatura da procuradora dos PROMITENTES VENDEDORES em 27-10-2005.
Mais consta, alínea B) da cláusula PRIMEIRA: “No prédio mencionado na alínea anterior, existem várias construções, (habitação, anexos, etc.), em fase de legalização, que correm por conta e da responsabilidade dos primeiros, legalização essa que decorre nos Serviços Camarários competentes, cujas plantas fazem parte integrante do presente contrato promessa de compra e venda.”;
TERCEIRA
“O preço acordado para a prometida compra e venda do lote supra identificado é de 200.000,00€ (duzentos mil euros), que será liquidado da seguinte forma:
Com a assinatura do presente contrato, como sinal e princípio de pagamento, a entrega de 5.000,00€ (cinco mil euros);
A quantia de 5.000,00€ (cinco mil euros), a título de reforço de sinal a 05 de fevereiro de 2006;
O restante será liquidado no acto da escritura de compra e venda.”.
QUARTA
“A) A escritura pública de compra e venda realizar-se-á no prazo de 365 (trezentos e sessenta e cinco) dias, a contar da data da assinatura deste contrato.
A sua marcação fica a cargo dos Primeiros Outorgantes, que avisarão os Segundos com a antecedência mínima de 8 dias, do dia, hora, e cartório notarial da sua realização.”.
SEXTA
“Pelo presente Contrato Promessa de Compra e Venda, os outorgantes declaram que os PRIMEIROS OUTORGANTES entregam nesta data as chaves do referido imóvel, aos SEGUNDOS OUTORGANTES, ficando estes como meros detentores do referido imóvel, não lhe sendo por isso transmitido qualquer direito, condição que desde já, é aceite pelas partes.”.
SÉTIMA
“Ficam por conta dos SEGUNDOS OUTORGANTES, todas as despesas com os abastecimentos de água, luz, telefone, gás, etc, bem como a manutenção dos espaços verdes do prédio em causa.”.
OITAVA
“Os SEGUNDOS OUTORGANTES comprometem-se a entregar, nesta data, a importância de 195.000,00 € (cento e noventa e cinco mil euros), por conta da referida aquisição, através de cheque (garantia), o qual será apresentado pela PRIMEIROS OUTORGANTES ao Banco, na data de escritura de compra e venda.”
DÉCIMA
“Os Outorgantes acordam submeter o presente contrato ao Artigo 830º do Código Civil”.
No clausulado e reconhecimento notarial consta a menção à intervenção e intermediação da Invista-Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda., Mediadora Oficial AMI nº 695.
11. O referido contrato-promessa foi redigido pela Invista, empresa contratada pela Devedora.
12. Por escrito particular datado de 06-10-2006, intitulado “ADITAMENTO AO CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA”, F. e F., na qualidade de promitentes vendedores, e o A. e então cônjuge, na qualidade de promitentes compradores, declaram acordar na prorrogação do prazo para celebração da escritura por 90 dias – documento 2 junto com a contestação.
13. Por escrito particular datado de 11-07-2007, intitulado “ADITAMENTO AO CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA”, F. e F., na qualidade de promitentes vendedores, e o A. e então cônjuge, na qualidade de promitentes compradores, declaram acordar na prorrogação do prazo para celebração da escritura até 31-12-2007 – documento 6 junto com a petição inicial.
14. Por escrito particular datado de 08-09-2009, intitulado “2.º ADITAMENTO AO CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA”, F. e F., na qualidade de promitentes vendedores, e o A. e então cônjuge, na qualidade de promitentes compradores, declaram acordar na prorrogação do prazo para celebração da escritura por 180 dias – documento 3 junto com a contestação.
15. No contexto de negócios que tinha então em curso com F. F., a Devedora assumiu perante estes a obrigação de honrar o contrato-promessa.
16. A sociedade ... Prod. Manur. Hig. Ind., Lda., emitiu cheque datado de 03-05-2005, identificando como beneficiário o promitente vendedor … no montante de € 500,00 – doc. 2 junto com a petição inicial.
17. O A. emitiu cheque datado de 30-09-2005, identificando como beneficiária a “Obriverca” no montante de € 5 000,00 – doc. 3 junto com a petição inicial.
18. O A. emitiu cheque datado de 30-09-2005, identificando como beneficiária a “Obriverca” no montante de € 195 000,00 – doc. 4 junto com a petição inicial.
19. O A. emitiu cheque datado de 27-03-2006, identificando como beneficiária a “Obriverca S.A.” no montante de € 190 000,00 – doc. 5 junto com a petição inicial.
20. O A. emitiu cheque datado de 27-03-2006, identificando como beneficiária a “Obriverca S.A. ” no montante de € 10 000,00 – doc. 5 junto com a petição inicial.
21. A sociedade Invista transmitiu ao A. que os promitentes vendedores estavam em negociações com a Devedora, razão pela qual foi solicitado que os cheques fossem emitidos identificando como beneficiária a Obriverca, S.A..
22. Os cheques emitidos em benefício da Devedora não foram descontados.
23. O que o A. sempre soube.
24. Por escrito particular autenticado intitulado “Compra e venda”, datado de 4 de março de 2010, os primitivos F. e. F. declararam vender o prédio à Devedora, pelo preço de € 18 250,00 (dezoito mil duzentos e cinquenta euros) – documento junto com o articulado superveniente, 29-05-2024.
25. Em 12-08-2011, a Câmara Municipal de Vila Franca de Xira emitiu Alvará de Licença de Obras de Alterações em nome da Devedora, titulando a aprovação de obras incidentes sobre o prédio dos autos, então inscrito na matriz rústica n.º 3, Secção G (Parte), da respetiva freguesia, “Obras de Alterações de moradia unifamiliar e casa das máquinas (legalização)
Área de construção da moradia 164,75 m2
Área de construção da casa das máquinas 4,84 m2
N.º de pisos acima da cota de soleira 2
N.º de fogos 1
Uso a que se destina a edificação: Habitação” – documento 4 junto com a contestação.
26. Em 30-12-2011, a Câmara Municipal de Vila Franca de Xira emitiu Alvará de Autorização de Utilização da edificação – documento 5 junto com a contestação.
27. Por mensagem de correio eletrónico de 21-09-2011, 10:13, a sociedade Invista comunicou ao A. e ex-cônjuge “(…) Sou a informar que por indicação da Obriverca, encontra-se efetuado aditamento ao contrato promessa de compra e venda (…) Agradeço que me informem qual o dia, hora e local que pretendem efetuar a assinatura do mesmo.” – documento 6 junto com a contestação.
28. Por mensagem de correio eletrónico de 21-09-2011 11:28, o A. comunicou à sociedade Invista, com conhecimento à ex-cônjuge, “(…) Solicito que enviem o contrato para a vossa loja em V.F.X. e que nos comuniquem a partir de que dia podemos lá passar. (…).” – documento 6 junto com a contestação.
29. Por mensagem de correio eletrónico de 02-11-2011, a sociedade Invista comunicou ao A., com conhecimento à ex-cônjuge, “Informo que o aditamento ao contrato se encontra na loja de Vila Franca para assinatura” – documento 6 junto com a contestação.
30. Por mensagem de correio eletrónico de 02-11-2011, a ex-cônjuge do A. comunicou à sociedade Invista: “Passaremos hoje ao fim do dia para assinar” – documento 6 junto com a contestação.
31. A Devedora emitiu em 20-09-2011 escrito intitulado “Aditamento” ao contrato de promessa, prevendo a celebração da escritura 30 dias após a emissão de licença de utilização “a qual se prevê que ocorra previsivelmente até 31 de Dezembro de 2011” – documento 6 junto com a contestação.
32. Por mensagem de correio eletrónico de 14-12-2011, a sociedade Invista comunicou ao A.: “(…) Conforme conversas telefónicas com V. Exa e e-mail’s enviados e mensagens deixadas em voicemail, solicita-se mais uma vez que nos informe ponto de situação do seu processo de empréstimo, afim de agendarmos a escritura do imóvel da Castanheira.” – documento 8 junto com a contestação.
33. Por mensagem de correio eletrónico de 14-02-2012, LS, diretor comercial da Obriverca, comunicou à sociedade Invista, com Assunto: “RE_ Proc. JL. – Moradia na Castanheira”, “Ainda não Fui abordado pelo cliente que me informou ainda estar a tratar do processo de financiamento junto do balcão do BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A. em VFXira.” – documento 9 junto com a contestação.
34. O A. deslocou-se a instituições bancárias, para verificar as condições de acesso a crédito, resultando:
a. Em 31-05-2006, o BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A. emitiu simulação de crédito imobiliário – documento 9 junto com a petição inicial.
b. Em 12-10-2011, o BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A. emitiu simulação de crédito imobiliário, no montante de € 200 000,00 – documento 10 junto com a petição inicial.
c. Em 02-12-2011, o BARCLAYS emitiu simulação de crédito imobiliário, no montante de € 200 000,00 – documento 11 junto com a petição inicial.
35. Na sequência de proposta da Devedora, foi emitido em 17-03-2020 “Relatório de avaliação” do prédio dos autos, concluindo por € 234 400,00, com “VALOR DE VENDA RÁPIDA (se aplicável): 194.004,40 €” – documento 10 junto com a contestação.
Consta do relatório: “Avaliação efetuada com visita ao imóvel pelo exterior”.
“Tendo em conta a localização específica do imóvel e as características do mesmo, prevê-se um escoamento lento do produto em avaliação.”.
36. O A. habita no local desde 30 de setembro de 2005, inicialmente com cônjuge e filhos.
37. Filhos nascidos nos dias 13-01-2004 e 30-12-2007 – documentos 7 e 8 juntos com a petição inicial.
38. O A. e cônjuge divorciaram-se – documento 12 junto com a petição inicial
39. Após o divórcio, a ex-cônjuge deixou de residir no prédio.
40. No âmbito do processo de divórcio, A. e cônjuge declararam a inexistência de bens comuns.
41. No dia 22-03-2018, foi registada a constituição da sociedade ... – CONSTRUÇÃO, LDA., de que o A. era sócio-gerente, com sede no prédio dos autos – documento 23 junto com a petição inicial.
42. Pela Ap. 36/20220727, foi registada a mudança da sede da sociedade ... – TÉCNICA, UNIPESSOAL, LDA.., de que o A. era sócio-gerente, para o prédio dos autos – documento 23 junto com a petição inicial.
43. No dia 04-06-2021, foi registada a constituição da sociedade ... – FACILITY SERVICES, LDA., de que o A. era sócio-gerente, com sede no prédio dos autos – documento 23 junto com a petição inicial.
44. O imóvel integra casa de habitação, terreno, piscina, zona destinada à agricultura e pecuária e anexos.
45. Foi ostentando a configuração demonstrada nas fotografias documentos 13 a 19 juntos com a petição inicial.
46. Por determinação do A., por si ou em representação das referidas sociedades, foram realizadas obras de reabilitação, manutenção, conservação.
47. Por determinação do A., por si ou em representação das referidas sociedades, foram ampliados “anexos destinados a arrumos e zona de animais, “ampliados ao nível da cozinha agrícola e da arrecadação. Sobre a referida estrutura de r/c agora ampliada foi colocada uma laje aligeirada. Foi também edificado mais um piso em cima de toda a estrutura em todo o seu comprimento (cerca de 30 metros por 6 metros de largura)”.
48. Por escrito datado de 22-04-2019, a Câmara Municipal de Vila Franca de Xira notificou o A. da acusação em processo de contraordenação relativa a obras sem alvará, de ampliação de anexos destinados a arrumos e zona de animais, “ampliados ao nível da cozinha agrícola e da arrecadação. Sobre a referida estrutura de r/c agora ampliada foi colocada uma laje aligeirada. Foi também edificado mais um piso em cima de toda a estrutura em todo o seu comprimento (cerca de 30 metros por 6 metros de largura)”. O auto de notícia data os factos de 07-12-2018.
49. As sociedades comerciais laboram no referido piso.
50. O A. sempre atuou à vista de toda gente, sem oposição, de forma contínua.
51. Para a emissão da licença foi necessário efetuar uma vistoria ao local, tendo estado na mesma presente um então funcionário da Ré LS., bem como o Autor.
52. Por mensagem de correio eletrónico do dia 14-11-2011, a Obriverca comunicou à ex-cônjuge do A.: “(…) A vistoria da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira efetuada correu bem e estamos a aguardar a qualquer momento a emissão da respetiva licença de utilização. O Sr. LS (nosso Diretor Comercial) esteve no dia da vistoria da CM VFX com o Sr. JL. e em conversa disse-lhe que poderia começar a tratar do financiamento bancário. (…)” – documento 11 junto com a contestação.
53. O A. nunca interpelou a Devedora à celebração da escritura pública.
4. Na sentença recorrida constam os seguintes factos como não provados:
a) A chave do imóvel foi entregue ao A. em setembro de 2004.
b) O A. e cônjuge sempre tiveram a convicção de serem os donos do imóvel.
c) O A. pagou o fornecimento de serviços essenciais.
d) O A. pagou as obras, € 235 000,00.
e) As obras valorizaram o imóvel em igual montante.
f) A demolição das obras ilegais custará mais de € 100 000,00.
g) O A. soube da venda à Devedora em abril de 2015.
h) Tentou contatar a Devedora, mas confrontou-se com escritórios encerrados e linhas telefónicas cortadas.
i) Recorreu, em maio de 2015, aos serviços de advogado para obter aconselhamento jurídico nesta situação, tendo sido informado que apenas deveria reagir se lhe fosse movida qualquer ação ou feita qualquer comunicação para desocupar o imóvel.
j) O valor de arrendamento do imóvel sempre foi de pelo menos 500 euros mês.
k) A Ré suportou IMI do imóvel desde a sua aquisição, € 2 750,00.

5. Fixados os factos provados, cumpre agora apreciar as questões colocadas pelos recursos.
5.1. Reconhecimento da posse invocada pelo Recorrente sobre o imóvel objecto do contrato-promessa.
Em primeiro lugar, cumpre apreciar o pedido de reconhecimento da posse invocada pelo Recorrente sobre o imóvel objecto do contrato-promessa.
Em abono da sua pretensão alega que  “com a prática de todos os atos que constam dos factos provados (10 a 26, 34, 36 a 50 dos factos provados) e todo o circunstancialismo e vicissitudes que envolveram a outorga do contrato promessa de compra e venda, criou fundadamente a expectativa que da parte dos vendedores haveria intenção de transmitir, em definitivo o imóvel (…), acrescido da falta de qualquer interpelação por parte da Obriverca (devedora) ou de quem quer que seja, no sentido de desocupar ou abandonar o imóvel, aliado à convicção de estar a comportar-se como verdadeiro proprietário, e ao investimento avultadíssimo já efetuado no imóvel, permitiu ao recorrente continuar a residir e habitar, à vista de toda gente, sem oposição, de forma contínua, no imóvel ao longo dos anos, desde 30 de setembro de 2005” (conclusões 61 e 62 das alegações de recurso).
Porém, o entendimento que tribunal a quo deduziu da factualidade provada foi o de que o Autor não actuou de forma correspondente a um proprietário do imóvel, mas apenas como um detentor, enquadrando-a, assim, na previsão do artigo 1253º, alínea a) do Código Civil.
Ora, a questão de saber se, na sequência da celebração de um contrato-promessa, se transfere a posse do objecto em causa para o promitente comprador, tem sido debatida nos casos em que ocorre a entrega da coisa, uma vez que a mera celebração de contrato-promessa relativo a negócio definitivo translativo não permite qualificar como possuidor o promitente-transmissário.
Como bem refere GRAVATO MORAIS, devidamente alicerçado na jurisprudência, “a entrega da coisa, independentemente do momento em que ocorra – seja ao tempo da conclusão do contrato-promessa, seja posteriormente, mas antes da celebração do negócio definitivo (translativo), não permite, em regra, falar de posse do promitente-transmissário.” Apenas se torna, em princípio, como diz aquele autor, em “mero detentor da coisa (isto é, possuidor em nome alheio).”[8] Apesar da traditio da coisa lhe conferir o habitualmente designado corpus possidendi, já não lhe dá o respectivo animus. Também ANTUNES VARELA defende que “o promitente-comprador, investido prematuramente no gozo da coisa, que lhe é concedido na pura expectativa da futura celebração do contrato definitivo, não é possuidor dela, precisamente, porque, sabendo ele, como ninguém, que a coisa pertence ainda ao promitente-vendedor e só lhe pertencerá a ele depois de realizado o contrato translativo prometido, não pode agir seriamente com a intenção de um titular da propriedade ou de qualquer outro direito real sobre a coisa.”[9]
Em suma, a posição de promitente comprador não configura, em princípio, uma verdadeira posse, a qual não emerge do contrato-promessa (por não ser esse o seu objecto), podendo, no entanto, resultar de um acordo negocial distinto entre as partes e da efectiva entrega do bem.[10] Terá de ser esse acordo, bem como as circunstâncias relativas ao elemento subjectivo (animus) a determinar a qualificação correcta no que respeita a uma eventual posse.[11] Quer dizer, os actos de posse deverão ser praticados com o animus de se estar a exercer o correspondente direito de propriedade em seu próprio nome, ou seja, intervindo na coisa como se fosse sua.[12] Tal acontece, como tem sido apontado pela jurisprudência, quando o promitente-adquirente, a quem é entregue a coisa, procede ao pagamento da totalidade do preço, passando, a partir daí, a praticar actos materiais correspondentes ao exercício do direito em causa[13], ou, quando, “não tendo as partes o propósito de realizar o contrato definitivo (a fim de, v. g. evitar o pagamento da sisa [actual IMT] ou precludir o exercício de um direito de preferência), a coisa é entregue ao promitente comprador como se sua fosse já e, neste estado de espírito, ele pratica sobre ela diversos actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade.”[14]
A factualidade dos autos não preenche nenhum destes casos específicos, sendo certo que dos factos dados como provados sob os nºs 36 a 50 não resulta que o Recorrente os tivesse praticados com o animus de estar a exercer o correspondente direito de propriedade em seu próprio nome, ou seja, intervindo na coisa como se fosse sua. Tratar-se-á antes da prática de actos de posse em nome alheio, na medida em que resultam do prévio consentimento dado pelos promitentes-vendedores (pelo menos em relação a alguns deles), constante do clausulado do contrato-promessa, nomeadamente da cláusula sexta (cf. nº 10 dos factos provados). Acresce que, para além de ter ficado expressamente consignado no contrato-promessa que os promitentes-compradores ficavam “como meros detentores do referido imóvel”, o Recorrente também não chegou a pagar o preço da prometida compra e venda. Os cheques entregues, ditos de “garantia”, nunca foram descontados, facto de que, aliás, o Autor sempre teve conhecimento (cf. facto provado sob o nº 23).
Em suma, não resulta dos factos que o ora Recorrente e o seu ex-cônjuge tivessem usado o imóvel que foi objecto do contrato-promessa como verdadeiros proprietários, não ocorrendo, como tal, a inversão do título de posse.
Improcedem, pois, na totalidade, as alegações de recurso do Recorrente.
5.2. Pedidos reconvencionais.
Ao interpor recurso subordinado, pretende a Recorrida que o Recorrente seja condenado, por um lado, a pagar os custos da demolição das obras que realizou, de forma ilegal, no imóvel objecto do contrato-promessa e, por outro, a pagar um valor mensal pela ocupação do imóvel desde a sua aquisição pela Recorrida até à sua efectiva entrega.
5.2.1. No que se refere ao primeiro dos pedidos, o tribunal a quo julgou-o improcedente, por não estar comprovada a ilegalidade das obras realizadas pelo Autor no imóvel, não se verificando, portanto, o ilícito, como requisito da responsabilidade civil.
Com efeito, sendo a Ré Massa Insolvente terceira, relativamente ao vínculo contratual estabelecidos entre as partes que outorgaram o contrato-promessa de compra e venda, a única forma de ver ressarcido o seu direito seria recorrendo ao instituto da responsabilidade civil por factos ilícitos, consagrado no nº 1 do artigo 483º do Código Civil, como regime regra da responsabilidade extracontratual. Para tanto, teria de provar todos os pressupostos previstos naquela norma com vista a constituir o lesante na obrigação de a indemnizar. Com efeito, para que uma pretensão indemnizatória seja procedente, é necessário que se verifiquem determinados requisitos, que, no caso de responsabilidade extracontratual, pressupõem que o comportamento do agente seja ilícito, culposo (excepto nas situações de responsabilidade objectiva, nas quais, em rigor, se prescinde também da ilicitude), que haja um dano, bem como um nexo de causalidade (melhor entendido como nexo de imputação).[15]
No que respeita à ilicitude – que é o requisito que aqui está em causa –, o nº 1 do artigo 483º do Código Civil diz-nos que são duas as modalidades passíveis de fundamentar a responsabilidade civil do agente: a violação de um direito subjectivo (1ª modalidade) e a violação de normas de protecção (2ª modalidade).[16] Segundo aquela norma, a primeira modalidade traduz-se na violação dos direitos de outrem, que em sentido técnico-jurídico correspondem aos direitos dotados de eficácia erga omnes, entre os quais se contam os direitos reais, os direitos de propriedade industrial, os direitos de propriedade intelectual, os direitos de personalidade.[17]
Será esta a modalidade de ilicitude que leva a ora Recorrente a questionar a sentença, quanto ao conhecimento do mérito deste pedido reconvencional, uma vez que, segundo alega, “bastava o tribunal a quo ter aferido se as obras violavam o direito da propriedade, o que só poderia ter uma resposta afirmativa, visto que foram realizadas sem a autorização da Obriverca, violando deste modo o seu direito de propriedade e a posse.” (cf. 14ª conclusão). Porém a ilicitude de que fala a Recorrente, pura e simplesmente, não está assente, uma vez não resultar dos factos provados que as obras foram realizadas, com ou sem a autorização da Obriverca. É certo ter o Autor feito obras no imóvel objecto do contrato-promessa de compra e venda, de reabilitação, manutenção e conservação (cf. nº 46 dos factos provados) e ainda ampliado “anexos destinados a arrumos e zona de animais” (cf. nº 47º dos factos provados), mas ignora-se se as fez ou não com o conhecimento e autorização dos promitentes-vendedores ou até da OBRIVERCA. Aliás, desconhece-se igualmente a data em que tais obras foram realizadas. Apesar de o auto de notícia de contra-ordenação emitido pelo Município de Vila Franca de Xira referir o dia 07/12/2018 como data de fiscalização da obra, também não se sabe se, nessa data, já estava terminada, ou quando se teria iniciado, se antes ou depois de a devedora ter comprado o imóvel em questão.
Acresce que, de acordo com o que consta do nº 48 dos factos provados, o auto de notícia foi levantado apenas porque as obras foram feitas, sem o respectivo alvará, incorrendo o Autor apenas no pagamento de uma coima, que varia entre 500,00 € e 200.000,00 €. Portanto, do que se deduz da “notificação da acusação no âmbito do processo de contraordenação” (cf. doc. 20 junto com a petição inicial), pelo menos no que respeita à responsabilidade contraordenacional não está em causa a demolição da obra feita. Por tal razão, se não se impõe a demolição da obra, também não haverá custos dela resultantes. Ou seja, para além de faltar o requisito de ilicitude, também faltaria o respeitante ao dano, isto caso se esteja a pensar apenas em danos patrimoniais, como parece.
Em suma, a factualidade dada por assente de forma alguma preenche todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito. Daí que esteja certa a sentença ao julgar improcedente o pedido de indemnização decorrente do custo da demolição das obras realizadas no imóvel pelo Autor.
5.2.2. Quanto ao pedido indemnizatório decorrente da ocupação do imóvel por parte do Autor, sustenta a Recorrente que o tribunal “deveria ter condenado o A./Recorrido no pagamento de 1.000,00 € por cada mês de ocupação do imóvel, ou, em alternativa, caso entendesse que não tinha elementos para liquidar o valor, que condenasse o A. no valor que vier a ser liquidado em sede de execução de sentença, cumprindo, deste modo, o disposto no artigo 609º, nº 2 do Código de Processo Civil” (cf. conclusão 20ª).
Contudo, nas suas alegações de recurso, a Recorrente não fundamenta legalmente  este pedido indemnizatório, nem com base em responsabilidade contratual, nem com fundamento em responsabilidade extracontratual. Com efeito, restringindo-nos à situação dos autos, a obrigação de indemnizar pode resultar, entre outros, dos seguintes factos: a) do não cumprimento de qualquer obrigação, da mora ou do cumprimento defeituoso, ou ainda da impossibilidade da prestação por causa imputável ao devedor; b) do facto ilícito culposo extracontratual.[18] Verificado um destes factos, o lesante fica obrigado a reparar o dano sofrido pelo lesado, sendo certo que, sempre que alguém esteja obrigado  a reparar um dano, diz o artigo 562º do Código Civil que “deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.
Ora, como entre o Autor e a OBRIVERCA não se havia estabelecido qualquer relação contratual, temos que aquele hipotético dever de a indemnizar por parte daquele só poderia resultar da prática de um facto ilícito culposo extracontratual. Porém, também aqui o ilícito almejado pela Recorrente não se vislumbra, tendo em conta, desde logo, que a ocupação do imóvel havia sido autorizada, expressamente, pelos promitentes vendedores, aquando da outorga do contrato-promessa de compra e venda, sendo certo que, até à propositura da presente acção, nem aqueles, nem a OBRIVERCA alguma vez pediu ao Autor e seu ex-cônjuge a restituição do imóvel. Na verdade, ficou consignado na cláusula Sexta do contrato-promessa, a entrega das chaves do imóvel pelos promitentes-vendedores aos promitentes compradores, “ficando estes como meros detentores do referido imóvel”, ficando ainda por conta destes “todas as despesas com os abastecimentos de água, luz, gás, etc, bem como a manutenção dos espaços verdes do prédio em causa” (cf. Cláusula Sétima do Contrato-Promessa). Note-se que, apesar dos sucessivos aditamentos ao contrato-promessa (quatro, ao todo), este clausulado nunca foi alterado. Ademais, conforme consta do nº 15 dos factos provados, “a devedora [OBRIVERCA] assumiu perante estes [os promitentes-vendedores] a obrigação de honrar o contrato-promessa”.
Assim, como salienta a sentença recorrida, até à data da notificação da reconvenção ao Autor, não podemos falar em ilicitude da detenção do imóvel e, por consequência, no dever de restituir. Com efeito, não se tratando de uma das situações em que a mora opera per si, a constituição do devedor em mora depende de interpelação, a ser operada pela via judicial ou extrajudicial (artigo 805º, nº 1 do Código Civil). É por meio deste acto que o credor exige do devedor o cumprimento da obrigação. Optando pela interpelação judicial, poderá fazê-lo através da notificação judicial avulsa ou mediante a propositura de uma acção declarativa ou executiva com vista ao cumprimento da obrigação, funcionado a citação como interpelação judicial (artigo 219º), ficando o devedor constituído em mora a partir desse momento.[19] Mas, caso o crédito seja ilíquido, em virtude da indeterminação do seu conteúdo, determina o artigo 805º, nº 3, 1ª parte, do Código Civil que não há mora enquanto não se tornar líquido, a não ser que a falta de liquidez seja imputável ao devedor ou quando se trate de uma situação de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, caso em que o devedor se constitui em mora desde a citação.
Como vimos, a obrigação de indemnizar a Recorrente pela ocupação do imóvel, não tem como causa a prática de um facto ilícito e culposo, sendo certo que o não apuramento do valor do arrendamento não se ficará a dever ao Autor. Por isso, apesar de ter sido interpelado judicialmente, no momento em que foi notificado da reconvenção, em virtude de não ter sido apurado o valor do arrendamento do imóvel, o Autor não se constituiu em mora. Daí que também improceda este pedido indemnizatório, e consequentemente, a parte a ele respeitante das alegações de recurso.
5.3. Cumpre, por fim, apreciar o pedido de reforma da sentença quanto a custas, com o qual a Recorrente pretende que se determine que a responsabilidade pelas custas relativamente ao pedido reconvencional seja repartida, no mínimo, em igual proporção entre Autor e a Ré, em conformidade com o disposto nos artigos 527º, nºs 1 e 2 do CPC.
Com efeito, por aplicação do aludido artigo do CPC, o tribunal a quo condenou o Autor nas custas da acção, ficando as custas da reconvenção a cargo da Massa Insolvente.
Ora, se a reconvenção foi parcialmente procedente, as custas desta não podem ser apenas da responsabilidade da reconvinte, sob pena de se violar o princípio da proporcionalidade, do qual decorre que “a proporção do decaimento é a medida da concreta responsabilização pelo pagamento das custas” (artigo 527º, nº 2 do CPC).[20]
Assim, de acordo com aquele princípio, tendo em conta que dos quatro pedidos formulados pela reconvinte apenas um foi julgado procedente, as custas da reconvenção ficarão a cargo do Autor e da Ré Massa Insolvente, na proporção de ¼ para aquele e ¾ para esta.

6. Pelo exposto, acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente a apelação, mas apenas no que respeita à responsabilidade pelo pagamento das custas da reconvenção – que ficam a cargo do Autor e da Ré Massa Insolvente, na proporção de ¼ e de ¾, respectivamente –, confirmando, no demais, a sentença recorrida.
Custas da apelação a cargo do Recorrente.
Custas do recurso subordinado a cargo da Recorrida.

Lisboa, 08/04/2025
Nuno Teixeira
Elisabete Assunção
Fátima Reis Silva
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[1] Optou-se por sintetizar as desnecessariamente extensas conclusões equivalentes a 68 parágrafos, que preenchem 17 páginas!

[2] Cf. STJ, Ac. de 05/03/2009 (proc. 09B0148), Ac. de 07/04/2011 (proc. 956/07.2TBVCT.G1.S1), Ac. 15/02/2017 (proc. 540/12.9TVLSB-L1.S1), TRL, Ac. de 14/03/2017 (proc. 8890/09.5T2SNT-A.L1-7) e STJ, Ac. de 30/06/2020 (proc. 638/15.1T8STC.E.S1), todos disponíveis em www.dgsi.pt/jStj.

[3] Cf. “Introdução à Posse”, in Revista de Legislação e Jurisprudência, 122º Ano (1989-1990), pág. 105.

[4] Cf. STJ, Ac. de 13/09/2011 (proc. 1027/06.4TBSTR.E1.S1), disponível em www.dgsi.pt/jStj.

[5] Cf. “Introdução à Posse”, Ibidem.

[6] Assim se concluiu no já citado Acórdão do STJ de 13/09/2011.

[7] Como referem CASTRO MENDES e TEIXEIRA DE SOUSA, in Manual de Processo Civil, volume I, AAFDL Editora, Lisboa, 2022, pág. 563, “Perante a falibilidade do depoimento testemunhal e as divergências frequentes nos depoimentos das testemunhas, torna-se claro que, entre outros aspectos, a impressão pessoal deixada pela testemunha tem uma importância determinante para a formação da convicção do juiz.”
[8] Cfr. Manual do Contrato-Promessa, Coimbra, 2022, pp. 262 e ss..

[9] Cfr. Anotação ao Acórdão do STJ de 02/11/1989, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 128º, 1995/1996, pág. 146. Neste sentido se pronunciaram também o STJ nos Acs. de 13/09/2007 (07B2256), 18/09/2007 (07A2627), 12/03/2015 (3566/06.8TBVFX.L1.S2), bem como o TRL no Ac. de 22/02/2018 (1375/15.2T8VFX.L1-8), o TRC, nos Acs. de 07/03/2017 (425/12.9TBBBR.C1) e de 26/03/2019 (7822/16.9T8CBR.C1) e o TRG, nos Acs. de 15/10/2015 (2470/11.2TBFAF.G1) e de 11/10/2018 (680/16.5T8GMR.G1), todos publicados em www.dgsi.pt.

[10] Cfr. STJ, Ac. de 17/04/2007, CJ, 2007, II, pág. 37.

[11] Cfr. ARMANDO TRIUNFANTE, Anotação ao Artigo 1253º, in Comentário ao Código Civil. Direito das Coisas [coord. de HENRIQUE SOUSA ANTUNES], Universidade Católica Editora, Lisboa, 2021, pág. 29.

[12] Cfr. o já citado Ac. do STJ de 17/04/2007.

[13] Cfr. STJ, Ac. de 23/05/2006, CJ 2006, II, pág. 97 e Ac. de 19/12/2017 (134/10.3TBHRT.L1-1). Na doutrina, ver PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume III, 2ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1984, pp. 6 e 7.

[14] PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Ob. Cit., pág. 7.
[15] Cf. neste sentido, MAFALDA BARBOSA, Lições de Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, 2021, pág. 73.

[16] MAFALDA BARBOSA, aponta ainda uma terceira modalidade de ilicitude para fundamentar uma pretensão indemnizatória, baseada no abuso de direito (cf. Lições de Responsabilidade Civil, Cascais, 2017, pág. 182 e ss.).

[17] Cf. MAFALDA BARBOSA, Lições de Responsabilidade Civil, pág. 146.

[18] Cf. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, volume I, 4ª Edição, Coimbra, 1982, pág. 782 e ss., que enuncia algumas das fontes da obrigação de indemnização previstas na lei.

[19] Cf. MARIA DA GRAÇA TRIGO/MARIANA NUNES MARTINS, Anotação ao artigo 805º, in Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações. Das Obrigações em Geral [coord. JOSÉ BRANDÃO PROENÇA], Lisboa, 2018, pág. 1129.

[20] Cf. SALVADOR DA COSTA, As Custas Processuais, 10ª Edição, Coimbra, 2024, pág. 8.