Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | FÁTIMA REIS SILVA | ||
| Descritores: | CONTRATO DE INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA RESPONSABILIDADE CONTRATUAL DEVER DE INFORMAÇÃO CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS ÓNUS DA PROVA CAUSALIDADE | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 01/14/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PROCEDENTE | ||
| Sumário: | 1 - A relação entre o intermediário financeiro e o cliente é obrigacional pois o cliente (credor), tem o direito de exigir ao intermediário financeiro (devedor), a realização de uma prestação proveniente da sua atividade de intermediação financeira – gera-se uma relação obrigacional complexa e duradoura, iniciada nas negociações de um primeiro contrato e desenvolvida continuamente por subsequentes e repetidas ou renovadas operações de negócios firmadas pelas partes. 2 - No âmbito de responsabilidade contratual derivada da relação estabelecida entre o A., como cliente, e uma instituição bancária, enquanto intermediário financeiro, a regra do art.º 500º do CC, prevista para a responsabilidade extracontratual, não é aplicável, antes o sendo a regra do art.º 800º nº1 do CC. Nestes casos, o intermediário financeiro responde diretamente pelos seus atos. 3 - Não estando o tribunal vinculado pela jurisprudência uniformizada no AUJ nº 8/2022, literalmente não aplicável, dado o teor dos arts. 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31/10, há que se reconhecer que o referido Decreto Lei nº 357-A/2007, de 31/10 não introduziu, neste particular, nenhuma alteração que invalide a aplicação do argumentário da jurisprudência uniforme, que assim deve ser seguida. 4 – Para determinação da ilicitude por violação do dever de informação do intermediário financeiro, o que incumbe provar ao cliente/lesado é a violação objetiva do dever de informação, ou seja, omissão de informações relevantes para a tomada de decisão ou prestação de informação falsa. Ao intermediário financeiro cabe a prova de que a informação que prestou revestia as qualidades necessárias (completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, proporcional). 5 - Tratando-se de uma regra geral aplicável a todos os deveres do intermediário financeiro, o princípio da proporcionalidade inversa, previsto no art.º 312º nº 2 do CVM, é aplicável em função dos concretos factos apurados e independentemente da concreta relação contratual estabelecida, não se confundindo com o dever de adequação em sentido estrito. 6 - Não podemos considerar o dever de informação do intermediário financeiro cumprido apenas com base na existência de cláusulas contratuais e declarações padronizadas, cujo ónus de comunicação efetiva cabe ao intermediário financeiro, nos termos dos arts. 321º nº3 do CVM e 5º nº3 do DL nº 446/85, de 25/10, havendo que apreciar, em concreto, se foi efetivamente cumprido o dever de informação. 7 - A comunicação da informação tem que ser adaptada ao cliente em concreto, aos seus conhecimentos e experiência: no preenchimento do art.º 7º do CVM, o intérprete-aplicador deve promover um preenchimento proporcional, que atente, especialmente, à natureza dos clientes, aos serviços prestados, aos instrumentos financeiros envolvidos, à complexidade da operação, aos riscos associados e aos meios de comunicação empregues. 8 - Conjugando o perfil do cliente apurado, de avançada idade, baixa escolaridade e grande iliteracia financeira, a relação de confiança com o intermediário financeiro e as motivações do investimento, de preservação das poupanças resultantes de toda uma vida de trabalho, resulta que este cliente em concreto tomaria a afirmação de “semelhante a um depósito a prazo”, com capital garantido, como uma afirmação literal e não apenas como uma afirmação de produto de baixo risco, como o entenderia um declaratário investidor médio. 9 - A culpa traduz-se no facto de o intermediário não ter adotado a conduta prevista na lei quando devia tê-lo feito. A qualidade profissional do banco e o perfil não qualificado do cliente refletem uma a maior censurabilidade da conduta daquele ao omitir informações relevantes e ao transmitir informações falsas com vista a garantir a subscrição de determinados produtos financeiros, o que se traduz em culpa grave. 10 - A não aceitação de propostas de mitigação de um dano já integralmente consumado – a liquidação dos produtos acompanhado de uma solução comercial -, não causa o dano e não contribui para o seu agravamento. Quanto muito poderia minorar o dano, mas essa (não aceitar uma proposta suscetível de diminuir um dano já integralmente produzido) não é uma conduta que esteja contemplada no nº1 do art.º 570º do CC. 11 – O ónus da prova dos factos que integram os requisitos do enriquecimento sem causa, quando invocado como exceção, cabe ao réu que os invoca. 12 – A responsabilidade emergente da execução de ordens de subscrição de valores mobiliários emitidas no quadro de um contrato de intermediação financeira que associa a conta de depósito e registo de instrumentos financeiros a uma conta à ordem solidária pode ser feita valer por apenas um dos titulares, podendo o tribunal conhecer integralmente do pedido nos termos do disposto no art.º 32º nº 2 do CPC. 13 - No caso concreto, da conjugação do perfil conservador e motivações apuradas do A. (rentabilizar o produto de uma vida de trabalho) resulta claramente uma aversão ao risco. Mas não se tendo, porém, apurado que, se o A. tivesse sido concretamente informado de que a subscrição daqueles produtos tinha risco de perda de capital, a não teria feito, não temos preenchido o elemento naturalístico do nexo de causalidade, a condição sine qua non da qual se poderia extrair, como base no globo da prova produzida, o elemento abstrato do referido nexo de causalidade. (Da responsabilidade da relatora – art.º 663º nº 7 do CPC.) | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da Secção de Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa 1. Relatório MC, intentou a presente ação declarativa de verificação ulterior de créditos contra Massa insolvente de Banco Espírito Santo, SA, Credores da massa insolvente de Banco Espírito Santo, SA e Banco Espírito Santo, SA Pedindo seja a presente ação julgada procedente por provada e, consequentemente, seja reconhecido o crédito do reclamante no montante de € 343.100,00. Para tanto alegou, em síntese, ser cliente do Banco Espírito Santo, SA (doravante BES) há vários anos, com um perfil conservador, e que, em janeiro de 2013 e fevereiro de 2014, pretendendo renovar a aplicação das suas poupanças lhe foi proposto um produto semelhante a um depósito a prazo, tendo assinado os documentos que supunha destinarem-se à constituição de um depósito a prazo e entregue € 343.100,00 no total. Nunca assinou qualquer contrato de aplicação financeira ou contrato de intermediação financeira, nem lhe foi entregue qualquer documento. Os negócios de intermediação financeira celebrados em nome do A. pelo BES são nulos, nos termos do disposto no art.º 321º do CVM. Apenas em agosto de 2014, quando pretendeu levantar o montante em causa ficou a saber não ter constituído um depósito a prazo, por falta de liquidez dos títulos subscritos. Citados os RR., contestaram a massa insolvente do Banco Espírito Santo, SA e Banco Espírito Santo, SA, em liquidação, pedindo sejam julgadas procedentes as exceções invocadas de extemporaneidade da ação, preterição de litisconsórcio necessário e de prescrição do direito de indemnização, caso assim não se entenda seja a ação julgada improcedente por não provada. Para tanto alegaram, em síntese: - o prazo para a reclamação de créditos nos presentes autos terminou em 08/03/2019, pelo que a presente verificação ulterior de créditos, apresentada em 19/12/2016, o foi quando ainda decorria o prazo para reclamação de créditos nos termos do art.º 128º do CIRE, sendo, assim, extemporânea nos termos do disposto no art.º 146º nº1, 1ª parte do CIRE, devendo ter lugar a absolvição da instância; - o crédito reclamado é um crédito indemnizatório baseado na violação pelo BES dos seus deveres enquanto intermediário financeiro, responsabilidade essa que tem que ter em consideração o disposto no art.º 6º nº5 do CSC, pelo que, nos termos do art.º 500º nº1 do CC, para que o BES seja responsável enquanto comitente, terá que ser previamente apurada a responsabilidade de algum dos seus representantes, agentes ou mandatários, como comissários. Não tendo sido demandada qualquer dessas pessoas há preterição de litisconsórcio necessário legal que impõe a absolvição da instância. Se o BES tivesse que se defender da responsabilidade de terceiro, nomeadamente após a medida de resolução, tal violaria o direito a uma tutela judicial efetiva e os princípios da igualdade de armas e do processo equitativo previstos nos arts. 13º e 20º da CRP; - o prazo de prescrição quanto ao direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, nos termos do art.º 498º nº1 do CC; o A. teve conhecimento da situação do BES pelo menos em 03/08/2014, data em que foi aplicada a medida de resolução. A regra do art.º 100º do CIRE apenas opera quanto ao BES e não quanto a qualquer dos seus comissários, pelo que, quanto a estes, e, consequentemente, quanto ao BES, o crédito ora reclamado prescreveu; - no mais defenderam-se por impugnação, alegando que ainda que o Novo Banco ofereceu soluções comerciais aos titulares de ações como as detidas pelo A., pelo que qualquer valor a receber terá que ser deduzido daqueles e ainda que a conta através da qual foram efetuadas as operações não era titularidade apenas do A., pelo que a indemnização terá que ser correspondente a metade. Admitido o exercício do contraditório veio o A. responder às exceções, pedindo a respetiva improcedência, alegando, em síntese, que a verificação ulterior de créditos é uma forma de reclamação de créditos, estarem verificados todos os pressupostos da responsabilidade do R. BES nos termos dos nºs 1 e 2 do art.º 500º do CC e que, no caso, é aplicável o prazo de prescrição ordinário, ainda não decorrido. Em virtude do falecimento do A., foram habilitados os respetivos herdeiros. HC, RC, LC, LMC e JC. Realizou-se audiência prévia e foi proferido despacho saneador no qual foram julgadas improcedentes as exceções de preterição de litisconsórcio necessário legal e de inadmissibilidade da ação de verificação ulterior de créditos e relegado para final o conhecimento da exceção de prescrição. Foi fixado o valor da causa e foi fixado o objeto do litígio e indicados os temas da prova. Realizou-se audiência de julgamento e foi proferida sentença, em 02/04/2024, na qual foi decidido: “Pelo exposto, vistos os factos provados à luz das disposições legais aplicáveis, julgo a presente acção parcialmente procedente e em consequência: a) Julgo reconhecido e verificado o crédito reclamado no valor global de € 267.710,60, a graduar como crédito comum; b) Absolvo os réus e demais credores do restante peticionado. c) Custas pelos autores e pelos réus na proporção do decaimento, fixando-se este em 20% e 80%, respectivamente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que beneficiam estes últimos. Registe e notifique.” Inconformados apelaram Banco Espírito Santo, SA (em liquidação) e respetiva massa insolvente, pedindo seja o presente recurso julgado procedente, sendo julgada procedente a exceção dilatória de preterição de litisconsórcio necessário e a sentença revogada e substituída por acórdão que julgue a ação improcedente por não provada, apresentando as seguintes conclusões: “A. O presente recurso tem por objeto a sentença do Tribunal a quo que julgou parcialmente procedente o pedido dos recorridos, reconhecendo e verificando o seu crédito, como comum, ao abrigo do regime da responsabilidade do BES enquanto intermediário financeiro, por supostos danos decorrentes da alegada violação de deveres de informação, no montante total de € 267.710,60 (duzentos e sessenta e sete mil, setecentos e dez euros e sessenta cêntimos). B. Sentença essa que, porém, enferma de nulidade, por falta de fundamentação e omissão de pronúncia. C. Para além de enfermar de manifestos erros de julgamento, desde logo, da matéria de facto. D. Mormente, na medida em que assenta, essencial e indevidamente, em segmentos do depoimento de parte prestado por um sucessor processual (filho) do primitivo autor. E. Assim acolhendo a retórica, constante da petição inicial, de que o autor estaria convencido de que, por culpa do BES, aplicava os seus fundos em depósitos a prazo, e não ações preferenciais, nesse banco. F. O que não corresponde à realidade e consequentemente não vem demonstrado pelos demais elementos de prova, documental e testemunhal, totalmente menosprezados pelo Tribunal a quo. G. Em especial, os documentos de ordem de compra/subscrição e de venda das ações preferenciais em crise e o depoimento da testemunha JOC. H. Ao que acresce que, independentemente disso, a sentença padece de graves erros no julgamento da matéria de direito, cuja correção sempre impõe a total improcedência da ação. I. A final, o objeto do presente recurso incide ainda, ao abrigo do disposto nos artigos 510.º, n.º 1, alínea a), e 644.º, n.º 3, do Código do Processo Civil (“CPC”), sobre a decisão de improcedência da exceção dilatória de preterição de litisconsórcio necessário legal, proferida que foi pelo Tribunal a quo em sede de despacho saneador, como segue. Assim, 2. Da exceção dilatória de preterição de litisconsórcio necessário legal J. No que concerne à mencionada exceção dilatória de preterição de litisconsórcio necessário legal, é errónea a decisão do Tribunal a quo que concluiu pela sua improcedência. K. Desde logo, porquanto enquadrou o Tribunal a responsabilidade em crise nos presentes autos no âmbito da responsabilidade contratual. L. Sem, para mais e como se impunha, atender ao preceituado nos artigos 6.º, n.º 5, do Código das Sociedades Comerciais e 500.º, n.º 1, do Código Civil (“CC”), invocados que foram pelos recorrentes. M. Preceitos legais esses dos quais resulta que, para que pudesse o BES, enquanto comitente, ser eventualmente responsabilizado pelo crédito que constitui objeto dos presentes autos – o que se rejeita -, sempre se impunha a demanda e apuração da concreta responsabilidade civil do respetivo comissário. N. Foi, pois, preterido litisconsórcio necessário legal, mais se violando, manifestamente, o direito do BES a uma tutela judicial efetiva e os princípios da igualdade de armas e do processo equitativo, consagrados que vêm nos artigos 13.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa. O. Pelo que, mal andou o Tribunal ao julgar improcedente tal exceção dilatória, que sempre se verifica, como cumpre decidir, ao abrigo e para efeitos do disposto nos artigos 33.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, alínea e), do CPC. 3. Da nulidade da sentença recorrida P. Carece a sentença recorrida de suficiente fundamentação quanto à decisão sobre a matéria de facto, em violação do disposto no artigo 607.º, n.º 4, do CPC. Q. O Tribunal omitiu os fundamentos da sua decisão a respeito do ponto 6) dos temas de prova fixados no despacho saneador, R. E, bem assim, da valoração de toda a prova documental constante dos autos, com exceção do documento n.º 4 junto aos mesmos com a contestação. S. Limitando-se a tecer considerações genéricas e, diríamos mesmo, abstratas. T. Acresce que, contrariamente ao estatuído no artigo 608.º, n.º 2, primeira parte, do CPC, mais se absteve o Tribunal a quo de, como se impunha, se pronunciar sobre todas as questões colocadas à sua apreciação. U. Designadamente, as constantes, por um lado, dos artigos 223.º, 224.º e 229.º a 232.º e, por outro, dos artigos 233.º a 241.º da contestação, que respeitam à determinação do exato montante que, caso estivessem verificados os pressupostos da responsabilidade do BES – o que por mera cautela de patrocínio se equaciona -, em conformidade com o disposto nos artigos 473.º, 564.º e 570.º do CC. V. Termos em que, enferma a Sentença recorrida de nulidade, à luz do preceituado nos artigos 607.º, n.ºs 3 e 4, 608.º, n.º 2, e 615.º, n.º 1, alíneas b) e d), do CPC, cuja sanação, nos termos e para efeitos dos artigos e 615.º, n.º 4, in fine, e 665.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, se impõe e ora se requer. 4. Dos erros no julgamento da matéria de facto W. Sem prejuízo, são ainda flagrantes os erros na apreciação da prova e no julgamento da matéria de facto pelo Tribunal a quo, relativamente aos factos dados como provados sob os n.ºs 43), 44), 51), 59), 60), 61, 77) e 78), e aos factos dados como não provados nas alíneas d), e), f), g), h) 4) e 5), i), j), k), l), m), n), o) e q) da sentença recorrida. X. Impondo-se, assim, como o dispõe o artigo 622.º, n.º 1, do CPC, a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, no sentido infra explanado. Primeiramente, Y. Ao decidir que o autor primitivo sempre acreditou que estava a constituir depósitos a prazo, o Tribunal a quo seguiu condescendentemente a deturpada conceção da realidade que foi por aquele apresentada e mantida pelos recorridos, Z. Sem qualquer suporte, contudo, nos elementos de prova produzidos nos autos. AA. Especificando, o Tribunal decidiu estarem provados os factos 43) e 44) da sentença recorrida, respeitantes aos extratos que foram enviados pelo BES para a residência do autor primitivo em França, BB. Mas omitiu igual decisão, que se impunha, relativamente aos avisos de lançamento das operações sobre valores mobiliários e declarações de movimentos de registo e depósito de valores mobiliários, juntos como documentos n.º 5 e 6 com a contestação. CC. Antes tendo, inexplicavelmente, e sem que se verifique qualquer critério diferenciador no que respeita a tais documentos, decidido não estarem provados os factos apostos nas alíneas e) e g). DD. A tal respeito, a única referência probatória foi a declaração, prestada pelo próprio recorrido RC, de não os conhecer, EE. Como é natural, uma vez que este não residia com o seu pai, primitivo autor, nem tampouco era o destinatário de tal correspondência (cfr. minutos 00:27:55 a 00:30:28 e 00:36:00 a 00:36:02 do depoimento de parte prestado por RC). FF. Acrescendo que tais documentos foram impugnados nos mesmos termos em que o foram os sobreditos extratos, i.e., com base no preceituado no artigo 374.º, n.º 2, do CC. GG. O que, sublinhe-se, não tem qualquer cabimento, sendo insuscetível de produzir, no plano da valoração da prova, o efeito pretendido pelo impugnante, autor primitivo, pois os documentos em causa não contêm declarações imputadas ao mesmo. HH. E, para cúmulo, o documento n.º 5 não inclui, sequer, qualquer assinatura, nem é manuscrito. II. Pelo exposto, devem então os pontos 43) e 44) do acervo da matéria provada ser alterados, o que se requer, deles passando a constar o seguinte: 43) O autor MC recebia extractos com a epigrafe “carteira de Títulos”, avisos de lançamento das operações sobre valores mobiliários e declarações de movimentos de registo/depósito de valores mobiliários. 44) Estes documentos iam para a residência do autor em França, sita em …, Meung sur Loire. JJ. Mais devendo ser incluídos no acervo de factos provados os elencados sob as alíneas e) e g) da sentença recorrida. KK. Por sua vez, cumpre ainda alterar o facto constante do ponto 51), que foi enxertado pelo Tribunal a quo no acervo de factos provados da sentença recorrida. LL. Pois que, não se vislumbrando qualquer fundamento para tal adição, mais se constata que a mesma está prejudicada pelo facto devidamente dado como provado no ponto 52) da sentença recorrida. MM. A saber, o facto que consiste em a relação em crise nos presentes autos se ter estabelecido somente entre o autor primitivo e o BES, ao que nada obsta a atuação do recorrido RC como seu mero núncio. NN. Ademais, cumpre notar que a convicção do Tribunal a quo no que concerne a tal facto vem exclusivamente fundada no depoimento de parte prestado pelo recorrido. OO. Depoimento esse cujas declarações, como é consabido e foi já reiteradamente esclarecido na jurisprudência, não podem servir de fundamento único para formar a convicção do Tribunal, porquanto não são, por natureza, isentas ou desinteressadas. PP. Assim, deve também ser eliminado o ponto n.º 51) do acervo dos factos provados, o que se requer. QQ. Ademais, e de novo, erroneamente, deu ainda o Tribunal a quo como não provados os factos constantes das alíneas d), f), h) 4 e 5, k), l), m), n), o) e q), e paralelamente, como provados, os factos n.º 59), 60) e 61). RR. Desde logo, pois que ficou suficiente demonstrada a alegação, pelos recorrentes, de que por diversas ocasiões e pelo menos desde 2008, o autor primitivo vinha investindo em valores mobiliários junto do BES, inclusive, Séries Comerciais de Ações Preferenciais, SS. Designadamente, mediante os extratos bancários, que o autor primitivo recebia na sua residência em frança (cfr. documento n.º 5 junto com a contestação e factos 43), 44), 45) e 46) do elenco de factos provados na sentença). TT. Extratos esses cuja impugnação pelo autor primitivo se traduziu, apenas, e mais uma vez, na alegação de que o mesmo nunca os recebeu, que é falsa, como o demonstram os demais factos provados, a par da invocação, desprovida de qualquer cabimento, do regime previsto no artigo 374.º, n.º 2, do CPC. UU. Regime esse do qual não podia ter sido extraído qualquer efeito pelo Tribunal a quo, antes se impondo que tais documentos, uma vez livremente apreciados pelo Tribunal, tivessem sido julgados demonstrativos do alegado. VV. Especialmente, porquanto no mesmo sentido se pronunciou, com conhecimento direto dos factos e de forma isenta, a testemunha JOC. WW. Cujas declarações foram injustificadamente menosprezadas pelo Tribunal, que não tomou em conta a abrangência das funções desempenhadas por tal testemunha, enquanto gerente bancário, bem como o tempo decorrido desde a ocorrência dos factos, como natural justificação para o carácter porventura menos detalhados do seu depoimento. XX. Sendo que, não obstante, a testemunha JOC esclareceu ao Tribunal, de forma clara, o essencial no que concerne ao tipo de aplicações feitas pelo autor primitivo, à consciência por este de que se tratava de um produto seguro e às razões pelas quais MC por ele tinha optado (taxa de juro especialmente favorável e possibilidade de fugir à tributação fiscal dos rendimentos). YY. Mais tendo a testemunha manifestado a sua genuinidade e consequente credibilidade ao não se ter limitado a evidenciar a parte dos factos favoráveis à posição do BES (que ao tempo era a sua), antes contando a história de modo em nada elaborado (cfr. minutos 00:17:08 a 00:18:46 e 00:29:35 a 00:30:51 da gravação do depoimento prestado pela testemunha JOC). ZZ. E procedeu ainda a sobredita testemunha à explicação dos motivos e preciso contexto em que o autor primitivo foi precisamente optando por subscrever ações preferenciais, em contraposição a depósitos a prazo (cfr. minutos 00:09:18 a 00:14:05 e 00:39:55 a 00:42:08 do depoimento prestado pela testemunha JOC). AAA. Motivos e opção esses que o próprio depoimento de parte de RC atesta (cfr. minutos 00:59:20 a 01:11:15 do depoimento de parte prestado por RC). BBB. É então este o contexto em que, nos anos de 2013 e 2014, o autor primitivo teve iniciativa de contactar a agência do BES em Fafe, para renovar a aplicação das suas poupanças. CCC. E optou, nessa sede, por subscrever as ações preferenciais em crise nos presentes autos, fazendo-se representar, para esse efeito, pelo seu filho RC, DDD. Quem -, como o confirmou o próprio, não obstante ter, inicialmente e por absurdo, o autor primitivo impugnado tais documentos -, assinou os documentos de ordem de compra/subscrição e de venda das ações preferenciais, a seu pedido e sob as ordens de seu pai (cfr. facto provado 49) da sentença e minutos 00:27:55 a 00:30:28 do depoimento de parte prestado por RC). EEE. Foi por meio de tais documentos de ordem de compra/subscrição e de venda de ações preferenciais assinados que declarou o autor primitivo o seguinte: «a) Declaro (…) que para todos os efeitos legais, conheço e aceito as condições da operação, as comissões e custos devidos pela realização da presente operação, compreendo os riscos envolvidos e possuo todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, tendo sido informado pelo Banco que a respetiva ficha técnica ser-me-á disponibilizada, caso a solicite; b) Declaro ter sido avisado de que a minha recusa em fornecer informação necessária à realização do teste de adequação impede a determinação do meu perfil de investidor» (cfr. facto provado 53) da sentença). FFF. Estando tais declarações dotadas de força probatória plena, nos termos e para efeitos do artigo 374.º, n.º 1, do CC. GGG. Sobre a qual, sem prejuízo do disposto no artigo 393.º, n.º 3, do CC, e atento o contexto supra explanado, mal andou o Tribunal a quo ao fazer prevalecer a prova testemunhal e por depoimento de parte. HHH. Em especial, quando não vem, por qualquer meio, demonstrado nos presentes autos que estivesse MC convicto de que estaria a subscrever depósitos a prazo, e assim o desejasse. III. Não tendo sequer o autor primitivo verdadeiramente alegado nesse sentido (cfr. artigo 11.º da petição inicial). JJJ. E atento que vem a decisão recorrida em sentido divergente, essencialmente fundada na excessiva e indevida valoração do depoimento de parte prestado por RC, como se salientou. KKK. O que se afigura especialmente grave, no caso concreto, pelo facto de, não obstante RC ter sucedido na posição processual do autor primitivo, ser incontestável que o mesmo não pode, efetivamente, substituir-se a MC na corroboração do que este efetivamente conhecia e intimamente pretendia. LLL. Tanto mais que não detinha a confiança de seu pai no tocante à sua gestão financeira, como o próprio concedeu (cfr. facto provado 63) da sentença e minutos 00:16:35 a 00:22:30 do depoimento de parte prestado por RC). MMM. Antes vindo corroboradas as declarações constantes desses documentos pela testemunha JOC, que esclareceu a concreta informação que detinha MC aquando da subscrição das ações preferenciais em crise (cfr. minutos 00:20:26 a 00:21:09, 00:22:12 a 00:24:38 e 00:32:06 a 00:32:54 do depoimento prestado pela testemunha JOC). NNN. Informações essas a que acrescem ainda aquelas que, mediante o “Contrato de Registo e Depósito de Instrumentos Financeiros” celebrado a 10.07.2008 entre o BES e o AUTOR primitivo, e por este subscrito, e respetivo “Anexo I - Deveres de Informação a Investidores”, este último, inequivocamente, detinha (cfr. factos provados 39), 54) e 55) da sentença). OOO. Por todo o exposto, deve então ser alterada a decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto, o que se requer, passando a incluir-se entre os factos provados aqueles ora constantes como não provados a alíneas f), g), k), h) 4) e 5, m), n), o) e q) da sentença recorrida. PPP. Passando, consequentemente, o facto 59) a constar do elenco de factos não provados, e sendo alterados os factos 60) e 61), para que nos mesmos se passe a ler o seguinte: 60) A preocupação do autor era a rentabilização do dinheiro que ganhou em França, bem como as vantagens fiscais. 61) O autor quis investir o dinheiro que ganhou em França em coisa diferente de depósitos a prazo para garantir uma maior rentabilização do mesmo e beneficiar de vantagens fiscais. Por sua vez, QQQ. Já a respeito do resultado das propostas de acordo apresentadas a MC após a Medida de Resolução do BES, sem prejuízo da nulidade de que enferma a sentença recorrida, nos termos supra explanados, por absoluta falta de fundamentação da decisão do Tribunal a quo quanto ao ponto 6) dos temas de prova e bem assim, a respeito da apreciação dos documentos relacionados com tal matéria, RRR. Não podem os recorrentes, ainda que limitados no seu direito de defesa, deixar de notar que mal andou o Tribunal a quo ao dar como provados os factos apostos nos pontos n.ºs 77) e 78), e como não provados aqueles constantes das alíneas i) e j) da sentença recorrida. SSS. Concretamente, os factos n.ºs 77) e 78) não refletem, sequer, o que efetivamente alegaram os recorrentes a este respeito, nem tampouco encontram suporte nos documentos carreados para os autos. TTT. Designadamente, a minuta da solução comercial que foi apresentada ao autor primitivo no ano de 2015, a respeito das ações preferenciais emitidas pela Poupança Plus, constante de ofício do Novo Banco, S.A., de 30.06.2023, UUU. Na qual vem expressamente prevista a possibilidade de recuperação, pelo cliente, de 90% do valor investido nessas ações. VVV. Mais constando do mencionado ofício a expressa afirmação, pelo Novo Banco, S.A., de que «[o] Cliente não aceitou a solução proposta. Nem a solução comercial apresentada em 2015 nem a solução comercial apresentada em 2017.» WWW. Antes tendo o Novo Banco, S.A., procedido a pagamento na proporção das ações preferenciais emitidas pela Poupança Plus, correspondente a um total de € 75.389,40 (setenta e cinco mil euros), como o corrobora o extrato enviado com o ofício datado de 30.01.2024. XXX. Pelo que, vêm os recorrentes requerer a alteração da redação dos mencionados factos provados 67) e 68), passando a constar dos mesmos o seguinte: 77) O Novo Banco, S.A., apresentou ao Autor uma proposta de acordo em 2015 e em 2017 que lhe permitia recuperar, respetivamente, 90% e 75% do valor investido nas ações preferenciais emitidas pela Poupança Plus. 78) Os Autores não aceitaram as soluções comerciais propostas pelo Novo Banco, tendo recebido liquidez na proporção das ações preferenciais que detinham no capital da Poupança Plus. YYY. Já os factos não provados constantes das alíneas i) e j), alegados que foram pelos recorrentes, resultam inequivocamente demonstrados nos autos. ZZZ. Nomeadamente, pelo já referido ofício do Novo Banco, S.A., datado de 30.06.2023, do qual consta a minuta da solução comercial proposta ao autor primitivo em 2015. AAAA. E bem assim, pelo também já mencionado ofício de 30.01.2024, que vem corroborar permanecer a titularidade de ações preferenciais emitidas pela EG Premium, como igualmente o faz o certificado de bloqueio junto aos autos por meio de ofício do Novo Banco, S.A., datado de 29.02.2024. BBBB. Pelo que, a final, deve ainda ser alterada a decisão sobre a matéria de facto, o que se requer, passando a incluir-se no rol de factos provados as alíneas i) e j) do acervo de factos não provados. 4. Dos erros no julgamento da matéria de direito CCCC. O Tribunal a quo concluiu estarem verificados os pressupostos da responsabilidade do BES, enquanto intermediário financeiro, pelos supostos danos em que incorreu o autor primitivo, em consequência da alegada violação de deveres de informação, nos termos do artigo 304.º-A, n.º 1, do Código dos Valores Mobiliários (“CVM”). DDDD. Conclusão essa que, note-se, não seria possível, tivesse o Tribunal devidamente apreciado a prova produzida e, em consequência, corretamente julgado a matéria de facto, nos termos acima esclarecidos. EEEE. Para além de, independentemente disso, estar afetada por manifestos erros no julgamento da matéria de Direito. FFFF. Não estando verificados quaisquer dos pressupostos – cumulativos – da responsabilidade do BES nos presentes autos. GGGG. Desde logo, no que respeita ao requisito da ilicitude, o Tribunal sustenta a sua convicção numa errónea inversão do ónus da prova contra o BES. HHHH. Inversão essa que carece de previsão legal e não encontra guarida na doutrina e jurisprudência, antes contrariando o entendimento já uniformizado da jurisprudência a respeito desta matéria, IIII. Explanado nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça datados de 28.09.2023 (Processo n.º 17231/19.2T8L.SB.L1.S1) e 06.07.2023 (Processo n.º 1647/16.9T8PVZ.P1.S2). JJJJ. Sem prejuízo, o Tribunal a quo não aplicou devidamente o princípio da proporcionalidade na concretização do dever de informação que, no caso concreto, se impunha ao BES. KKKK. Em concreto, não tomou em devida conta, na sentença recorrida, que as ações preferenciais em crise são um instrumento não complexo, ao abrigo do disposto no artigo 314.º-D, n.º 2, do CVM. LLLL. Nem tampouco que no caso em apreço estamos perante uma relação de mera receção, transmissão e execução de ordens, nos termos e para efeitos das alíneas a) e b) do artigo 290.º, n.º 1, do CVM. MMMM. Ou, ainda, que não se aplica o dever de avaliação do carácter adequado da operação, previsto no artigo 314.º-D, n.º 1, do CVM, ao que concedeu, aliás, o autor primitivo (cfr. facto provado 53) a) da sentença). NNNN. Fatores esses de que o autor primitivo estava informado por meio do contrato de intermediação financeira celebrado com o BES, a 10.07.2008, bem como o estava, pela mesma via, acerca dos riscos inerentes às ações preferenciais (cfr. factos provado 54) e 55) da sentença). OOOO. Mais tendo o mesmo procedido à seguinte declaração, mediante a subscrição dos documentos de ordem de compra/subscrição e de venda de ações preferenciais em crise nos presentes autos – realizada, em seu nome e representação, e conforme as suas precisas instruções, pelo seu filho RC: «[P]ara todos os efeitos legais, conheço e aceito as condições da operação, as comissões e custos devidos pela realização da presente operação, compreendo os riscos envolvidos e possuo todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, tendo sido informado pelo Banco que a respetiva ficha técnica ser-me-à disponibilizada, caso a solicite» (cfr. facto provado 53) b) da sentença). PPPP. A qual, não tendo sido devidamente impugnada, e sem prejuízo do que mais vem dito, sempre teria de ser tida por suficiente para efeitos da verificação do cumprimento do ónus dos recorrentes. QQQQ. Sob pena de, assim não se considerando – sem conceder -, se ver verdadeiramente impossibilitada a prova do cumprimento dos deveres de informação que recaem sobre os intermediários financeiros, em indevido benefício do investidor negligente, ou até, daquele que esteja de má-fé, como foi já esclarecido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em um Acórdão datado de 11.07.2019 (Processo n.º 826/17.6T8AVR.P1.S2). RRRR. Pelo que, contrariamente ao decidido, sempre se impunha concluir não ter o BES violado quaisquer dos deveres de informação a que estava adstrito, ao abrigo dos artigos 7.º, n.º 1, e 312.º do CVM. SSSS. Como o era igualmente devido no que respeita ao pressuposto da culpa, sem prejuízo do disposto no artigo 304.º-A, n.º 2, do CVM. TTTT. Pois que, contrariamente ao que resulta ser a convicção do Tribunal a quo, a conduta do BES não merece qualquer juízo de censura, muito menos, um juízo de «culpa grave», sedeado em uma suposta conduta enganosa deste banco. UUUU. Sendo que foi já esclarecido na jurisprudência que o recurso a expressões como «produtos sem risco» ou a «produtos garantidos», na comercialização de instrumentos financeiros, frequentemente utilizadas, não consubstancia o intuito de enganar o investidor, mas, ao invés, tem o significado de investimentos não especulativos, sem riscos especiais a assinalar para além dos riscos normais de mercado que qualquer investimento comporta. VVVV. E bem assim, na própria sentença recorrida se concede que as ações preferenciais em causa constituem investimentos de risco relativamente baixo. WWWW. Ao que acresce que, no caso dos autos, e atenta a alteração da decisão sobre a matéria de facto supra requerida, e que sempre se impõe, é manifesto que tal risco somente se verificou pela situação de insolvência do BES, que não foi, nem poderia ter sido, antecipada. XXXX. Não estando, então, verificado o segundo pressuposto da responsabilidade do BES nos presentes autos. YYYY. Por sua vez, no que respeita ao terceiro pressuposto da responsabilidade civil em crise nos autos, bem andou o Tribunal a quo em deduzir ao montante que, incorretamente, julgou ser devido aos recorridos a quantia de 75.389,40 (setenta e cinco mil, trezentos e oitenta e nove euros e quarenta cêntimos), porquanto a mesma já lhes tinha sido entregue pelo Novo Banco (cfr. facto 79) da sentença). ZZZZ. Tal decisão deveria logicamente ter sido acompanhada – estivessem verificados os demais pressupostos ora em análise, o que se rejeita -, da dedução das quantias que o autor primitivo poderia ainda ter recebido se tivesse aceitado as propostas de reembolso/compra que lhe foram apresentadas, por força do artigo 570.º do CC (cfr. factos provados 73) a 77) da sentença), AAAAA. Bem como, do valor a liquidar das ações preferenciais emitidas pela EG Premium de que permanecem os recorridos titulares, conforme se evidenciou supra. BBBBB. Não se tendo, sequer, o Tribunal a quo pronunciado sobre tais montantes, assim padecendo a sentença recorrida de nulidade, como supra se demonstrou, da mesma resulta, então, o enriquecimento dos recorridos, sem qualquer causa, para além do dano efetivamente incorrido, para efeitos do artigo 473.º do CC. CCCCC. O que, evidentemente, não se poderá manter no nosso ordenamento jurídico. DDDDD. A final, mais decidiu o Tribunal a quo estar verificado o nexo de causalidade entre a alegada – mas inexistente - violação de deveres de informação pelo BES e o dano incorrido pelo autor primitivo. EEEEE. Vindo tal conclusão fundada, exclusivamente, na inversão pelo Tribunal do ónus da prova também quanto ao nexo de causalidade. FFFFF. O que, como o mesmo reconhece, não decorre de qualquer preceito legal, nem tem tido guarida na jurisprudência nacional, antes contrariando, novamente, jurisprudência uniformizada, como foi já esclarecido acima a propósito do pressuposto da ilicitude. GGGGG. Donde, mal andou o Tribunal a quo ao fazer inverter o ónus da prova deste último pressuposto da responsabilidade do BES, que pura e simplesmente, não se verifica. HHHHH. Não estando assim preenchidos quaisquer pressupostos da responsabilidade civil do BES, está a presente ação condenada à total improcedência.” Contra-alegaram os AA., pedindo seja negado provimento ao recurso, formulando as seguintes: “1 – Inicia a apelante as suas alegações com a invocação da exceção dilatória de preterição de litisconsórcio necessário legal, em nosso entender sem qualquer fundamento; 2 - A questão que se coloca é a de saber se a acção aqui em causa, tal como foi configurada pelo autor pressupõe e exige uma situação listisconsorcial. 3 - In casu, a apelante invocou que estaria verificada a excepção dilatória de preterição de litisconsórcio necessário legal, já que a responsabilidade do Banco Espírito Santo, S.A., enquanto comitente, dependeria de previamente ser apurada a responsabilidade de algum dos seus representantes, agentes ou mandatários, como comissários. 4 - Estatui o artigo 304.º, nº 5, do Código dos Valores Mobiliários, que “Estes princípios e os deveres referidos nos artigos seguintes são aplicáveis aos titulares do órgão de administração e às pessoas que dirigem efectivamente a actividade do intermediário financeiro ou do agente vinculado e aos colaboradores do intermediário financeiro, do agente vinculado ou de entidades subcontratadas, envolvidos no exercício ou fiscalização de actividades de intermediação financeira ou de funções operacionais que sejam essenciais à prestação de serviços de forma contínua e em condições de qualidade e eficiência.” 5 - Ora, estabelecer que os deveres são aplicáveis aos colaboradores do intermediário financeiro não significa estabelecer a responsabilidade daquelas pessoas para com o cliente. 6 - Por força do artigo 304.º-A, nº 1 do Código dos Valores Mobiliários, “Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública”. A responsabilidade do intermediário financeiro é uma responsabilidade contratual, sendo certo que a obrigação cujo incumprimento responsabiliza o devedor (artigo 798º, do Código Civil) pode ser uma obrigação contratual como uma obrigação legal, pois onde o legislador não distingue não deve o aplicador da lei distinguir 7 - Nos termos do artigo 800º, nº 1, do Código Civil, “O devedor é responsável perante o credor pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor”. Assim, é o intermediário financeiro que responde perante o cliente. 8 - Não há, pois, responsabilidade solidária entre banco e os seus funcionários. 9 – Segue a apelante as alegações, invocando a nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto e por omissão de pronúncia. 10 – Pelo que, só ocorre falta de fundamentação de facto e de direito da decisão judicial, quando exista falta absoluta de motivação ou quando a mesma se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao respetivo destinatário a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial. 11 – Por seu turno, a não apreciação de algum argumento ou razão jurídica invocada pela parte pode, eventualmente, prejudicar a boa decisão sobre o mérito das questões suscitadas. Porém, daí apenas pode decorrer um, eventual, erro de julgamento ou “error in iudicando”, mas já não um vício (formal) de omissão de pronúncia. 12 - Ora, do teor da decisão recorrida é perfeitamente possível alcançar o quadro factual e jurídico subjacente ao sentido decisório contido na mesma decisão, nomeadamente é possível alcançar, sem particular esforço, que o Juiz a quo definiu concretamente a matéria de facto relevante para a decisão da causa, discriminando ainda a factualidade não considerada provada, apreciando ainda os meios probatórios produzidos, designadamente do ponto de vista documental e testemunhal. 13 - Subsequentemente, na mesma decisão, subsumiu a factualidade assente ao Direito, fundamentando juridicamente a decisão em causa, concluindo fundadamente pela procedência parcial da ação. 14 - Assim, a fundamentação constante da decisão recorrida é a bastante para a decisão que ali era suposto ser proferida, sendo certo que é perfeitamente claro o enquadramento factual tido por assente e considerado relevante pelo tribunal de 1ª instância, assim como o quadro normativo aplicável e subjacente à decisão, permitindo, pois, aos respetivos destinatários exercer, de forma efetiva e cabal, a sua análise e a sua crítica, suscitando a sua reapreciação, como ora sucede nesta instância. 15 - Não pode, pois, sustentar-se que a sentença em crise seja nula por falta de fundamentação de facto e/ou omissão de pronúncia, pois que os pressupostos de facto e de direito que conduziram ao sentido decisório acolhido na mesma sentença se mostram nele evidenciados de forma objetiva, lógica e racional. 16 – Invoca, ainda, a apelantes erros no julgamento da matéria de facto, especificamente quanto aos factos jugados provados sob os nºs 43, 44, 51, 59, 60 e 61 e quanto aos factos julgados não provados sob as alíneas d), e), f), g) h) 4) e 5), K), l), m), n), o) e q). 17 – No entanto, as alterações propostas à matéria de facto não têm qualquer suporte documental ou testemunhal, resultante da prova recolhida nos presentes Autos, aliás, como bem se constata dos depoimentos supra transcritos, pelo que deve manter-se a decisão recorrida, em toda a sua extensão, no que concerne à matéria de facto considerada provada e não provada. 18 – Mantendo-se, assim, inalterada a douta decisão recorrida no que diz respeito ao exemplar julgamento da matéria de facto, também inexiste qualquer reparo quanto à subsunção da mesma que é feita em termos de direito. 19- Enquanto intermediário financeiro, incumbe ao Banco, com poderes e prerrogativas estatutárias de intermediação financeira previstas no do Código dos Valores Mobiliários e legislação conexa observar a disciplina consagrada naquele diploma, incumbindo-lhe a obrigação de pleno conhecimento das virtualidades e dos riscos dos produtos financeiros cuja venda intermedeia, orientando a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado e, nesse relacionamento, os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, prestando todas as informações aos seus clientes sobre as reais características dos produtos financeiros transaccionados. 20 - De acordo com a disciplina consagrada no Código dos Valores Mobiliários, os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado e, nesse relacionamento, devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência. 21 - E a respeito dos níveis de informação, é insofismável o facto de a instituição bancária exercer também a atividade de intermediação financeira o que lhe impunha um elevado grau de empenhamento que pudesse compensar o menor grau de experiência de investidores não profissionais, como era a caso do falecido A., pessoa de elevada idade, com parca escolaridade. 22 - No caso dos Autos, sobressai o facto de o falecido A. ter sido interpelado por um funcionário do banco, em que suposta e seguramente tinha toda a confiança pessoal e profissional, que lhe sugeriu a aquisição de um produto que, dizendo-se ser de capital garantido e com boa taxa de rentabilidade, sendo esse o argumento de convencimento foi o de se estar perante um depósito a prazo. 23 - Á contrário, sempre se dirá, que se o R. não tivesse violado os seus deveres de informação, jamais o falecido A. teria subscrito o produto apresentado pelo Banco. Isto é, tivesse o falecido A. consciência, através da informação que lhe foi prestada pelo Banco que poderia perder não só os juros, mas o capital que como ficou demonstrado, correspondia às poupanças de uma vida de trabalho, jamais o falecido A. teria subscrito tal aplicação. 24 - De todo o exposto resulta inequívoco que foi por não ter recebido do BES informação que fosse completa, verdadeira, atual, clara objetiva e lícita que falecido A. aceitou a proposta de aplicação financeira e que não compraria tais ações se lhe tivesse sido dada informação completa e verdadeira. 25 - Donde se conclui estarem preenchidos todos os pressupostos para a responsabilidade civil do Banco R., agora massa insolvente, a saber: facto voluntário, a ilicitude da conduta do Banco, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre aquela conduta ilícita e dolosa e a subscrição do produto financeiro. 26 - A douta sentença recorrida não merece, pois, qualquer censura.” O recurso foi admitido por despacho de 21/05/2024 (ref.ª 435708577), que sustentou a sentença recorrida, entendendo estar a mesma devidamente fundamentada. Foram colhidos os vistos. Cumpre apreciar. * 2. Objeto do recurso Como resulta do disposto nos arts. 608º, n.º 2, aplicável ex vi art.º 663º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4, 639.º n.ºs 1 a 3 e 641.º n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio e daquelas cuja solução fique prejudicada pela solução dada a outras, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso[1]. Frisa-se, porém, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5º, nº3 do mesmo diploma. Consideradas as conclusões acima transcritas, são as seguintes as questões a apreciar, por ordem lógico-processual: - preterição de litisconsórcio necessário. - nulidade da sentença recorrida; - impugnação da matéria de facto; - pressupostos da responsabilidade do intermediário financeiro. * 3. Fundamentos de facto: O tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos: “Com relevância para a apreciação do pedido considero provados os seguintes factos: 1) Em 11 de Julho de 2014, o Banco de Portugal emitiu o seguinte comunicado: "Comunicado a propósito da situação financeira do Banco Espírito Santo, S.A. 11 jul. 2014 Em face do comportamento especialmente adverso no mercado de capitais nacional decorrente da incerteza latente sobre a situação financeira do Banco Espírito Santo, S.A. (BES), o Banco de Portugal esclarece que, tendo em conta a informação reportada pelo BES e pelo seu auditor externo (KPMG), o BES detém um montante de capital suficiente para acomodar eventuais impactos negativos decorrentes da exposição assumida perante o ramo não financeiro do Grupo Espírito Santo (GES) sem pôr em causa o cumprimento dos rácios mínimos em vigor. A este propósito, relembra-se que a situação do ramo não financeiro do GES foi detetada na sequência de uma auditoria transversal realizada por entidade independente por determinação do Banco de Portugal, no final de 2013, aos oito maiores grupos bancários portugueses. Recorda-se ainda que, na sequência das conclusões extraídas dessa auditoria, foram determinadas várias medidas destinadas a salvaguardar a posição financeira do BES relativamente aos riscos emergentes do ramo não financeiro do GES. Importa sublinhar que esta auditoria concluiu um ciclo de 4 ações transversais de inspeção desenvolvidas pelo Banco de Portugal desde 2011 e que permitiram uma revisão aprofundada das carteiras de crédito dos principais bancos portugueses. Não existem motivos que comprometam a segurança dos fundos confiados ao BES, pelo que os seus depositantes podem estar tranquilos. Lisboa, 11 de julho de 2014" 2) Por Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, aprovada em Reunião Extraordinária de 3 de Agosto de 2014, às 20 horas, foi determinada a sujeição do Banco Espírito Santo, S.A., à medida de resolução prevista no artigo 145.º-G, n.º 5, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras ("Medida de Resolução"). 3) Nos termos da Medida de Resolução foi, ainda, determinada a constituição de um banco de transição - Novo Banco -, e a transferência para o mesmo da quase da totalidade dos activos, licenças e direitos do Banco Espírito Santo, S.A., incluindo direitos de propriedade, bem como todos os trabalhadores e prestadores de serviços que, até então, se integravam naquele. 4) No que respeita ao Banco Espírito Santo, S.A., o Banco de Portugal deliberou que permaneceriam no mesmo "[Q]uaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude, violações de disposições regulatórias, penais ou contraordenacionais" (cfr. a alínea H) da Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, aprovada em Reunião Extraordinária a 11 de Agosto de 2014, às 17 horas, destinada a clarificar e ajustar determinados aspetos das medidas aprovadas na supra referida Deliberação "Activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco Espírito Santo objeto de transferência para o Novo Banco, SA"). 5) Com a subsequente clarificação de que "não foram transferidos do BES para o Novo Banco quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do BES que, às 20:00 horas do dia 3 de agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais) independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES." (cfr. a alínea A) da Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, aprovada em Reunião Extraordinária a 29 de Dezembro de 2015, destinada a clarificar e ajustar determinados aspectos das medidas aprovadas na supra-referida Deliberação). 6) O Banco de Portugal nomeou, ainda, no dia 3 de Novembro de 2014, novos administradores do Banco Espírito Santo, S.A., com o objectivo de gerirem os activos que não foram transferidos para o Novo Banco, S.A.. 7) Paralelamente, no dia 11 de Agosto de 2014, o Banco de Portugal aplicou ao Banco Espírito Santo, S.A., as seguintes medidas de intervenção correctiva e providências, com efeitos a 3 de Agosto de 2014: a) Proibição de concessão de crédito e de aplicação de fundos em quaisquer espécies de activos, excepto na medida em que esta aplicação de fundos se revelasse necessária para a preservação e valorização do seu activo; b) Proibição de recepção de depósitos; c) Dispensa, pelo prazo de um ano (posteriormente prorrogado pelo período adicional de um ano, na sequência de Deliberação do Banco de Portugal de 30 de Novembro de 2015, e com produção de efeitos a 3 de Agosto de 2015), da observância das normas prudenciais aplicáveis e do cumprimento pontual de obrigações anteriormente contraídas, excepto se esse cumprimento se revelasse indispensável para a preservação e valorização do seu activo, caso em que o Banco de Portugal poderia autorizar as operações necessárias. 8) Na prática, tais medidas determinaram que, a partir de 3 de Agosto de 2014, o Banco Espírito Santo, S.A., tenha deixado de exercer qualquer actividade bancária, pois ficou impedido de efectuar qualquer uma das operações previstas no artigo 4.º, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, limitando-se o novo órgão de administração a prosseguir os objectivos delineados na Medida de Resolução e nas demais normais legais aplicáveis, designadamente nas que regulam a adopção dessa mesma medida. 9) De acordo com o Banco de Portugal, a Medida de Resolução foi desencadeada na sequência e devido à informação divulgada pelo Banco Espírito Santo, S.A., junto da CMVM, em 30 de Julho 2014 ("Comunicação BES de 30 de Julho de 2014"). 10) Na referida comunicação, o Banco Espírito Santo, S.A., divulgou prejuízos no montante global de € 3.577,3M com referência à actividade do primeiro semestre de 2014, resultantes, por sua vez, de encargos com imparidades e contingências no montante global de € 4.253,5M. 11) Assim, segundo o Banco de Portugal “As perdas registadas vieram alterar substancialmente os rácios de capital do BES, a nível individual e consolidado, colocando-o globalmente em níveis muito inferiores aos mínimos exigidos pelo Banco de Portugal, que se situam atualmente nos 7% para os rácios Common Equity Tier 1 (CET1) e Tier 1 (T1) e nos 8% para o rácio total…”. 12) O que configurou “um grave incumprimento dos requisitos mínimos de fundos próprios do Banco Espírito Santo, SA, em base consolidada, não respeitando, deste modo, os rácios mínimos de capital exigidos pelo Banco de Portugal, nos termos do artigo 94.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras…”. 13) Neste contexto, já por carta datada de 29 de Julho de 2014, o Banco de Portugal tinha solicitado ao Banco Espírito Santo, S.A., a sua recapitalização, tendo este último comunicado, no dia 31 de Julho de 2014, que não era possível concretizar tal solução. 14) O Banco Espírito Santo, S.A., encontrava-se numa “situação de grave insuficiência de liquidez, sendo que, desde o fim de junho até 31 de julho [de 2014], a posição de liquidez do Banco Espírito Santo, S.A., diminuiu em cerca de 3.350 milhões de euros", o que determinou que o Banco Espírito Santo, S.A., se tivesse visto "forçado a recorrer à cedência de liquidez em situação de emergência (ELA - Emergency Liquidity Assistance) por um valor que atingiu, na data de 1 de agosto, cerca de 3.500 milhões de euros", porquanto já não podia recorrer "a fundos obtidos em operações de política monetária, por esgotamento dos ativos de garantia aceites para o efeito e também pela limitação imposta pelo BCE em relação ao aumento do recurso do BES às operações de política monetária". 15) No dia 1 de Agosto de 2014, o Conselho do Banco Central Europeu decidiu (i) suspender o estatuto de contraparte do Banco Espírito Santo, S.A., com efeitos a partir do dia 4 desse mês, e (ii) obrigar esta instituição bancária a reembolsar o crédito de aproximadamente € 10.000M ao Eurosistema. 16) De acordo com o Banco de Portugal, “a decisão do BCE de suspensão do Banco Espírito Santo, SA, como contraparte de operações de política monetária tornou insustentável a situação de liquidez deste, que já o tinha obrigado a recorrer excecionalmente, com especial incidência nos últimos dias, à cedência de liquidez em situação de emergência por parte do Banco de Portugal.”. 17) Ainda, segundo o Banco de Portugal, os factos supra expostos "colocaram o Banco Espírito Santo, S.A., numa situação de risco sério e grave de incumprimento a curto prazo das suas obrigações e, em consequência, dos requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua atividade, nos termos dos n.ºs 1 e 3, alínea c) do artigo 145.º - C do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), pelo que, não sendo tomada, com urgência, a medida de resolução ora adotada, a instituição caminharia inevitavelmente para a suspensão de pagamentos e para a revogação da autorização nos termos do artigo 23.º do RGICSF, com a consequente entrada em processo de liquidação, o que representaria um enorme risco sistémico e uma séria ameaça para a estabilidade financeira." 18) Na sequência da aplicação da Medida de Resolução supramencionada, que esteve em vigor durante cerca de dois anos, em 13 de Julho de 2016, o Banco Central Europeu revogou a autorização do Banco Espírito Santo, S.A., para o exercício da actividade bancária, a partir das 19 horas desse dia, o que implicou a dissolução e a entrada em liquidação do banco. 19) Esta decisão do Banco Central Europeu não foi objecto de impugnação para o Tribunal Geral, nos termos do artigo 263.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. 20) Na sequência dessa deliberação, o Banco de Portugal requereu a liquidação judicial do Banco Espírito Santo, S.A., tendo sido proferido despacho de prosseguimento em 21 de Julho de 2016, no âmbito do Processo n.º 18588/16.2T8LSB-J1, da 1.ª Secção do Comércio da Instância Central da Comarca de Lisboa. 21) No despacho de prosseguimento dos autos de liquidação judicial, o Tribunal Judicial nomeou, no âmbito dos presentes autos, e a pedido do Banco de Portugal, os Exmos. Srs. Drs. CB, MM e JM para formar a Comissão Liquidatária do Banco Espírito Santo, S.A.. 22) O Banco Espírito Santo, S.A., adoptava o Modelo de Governo Societário Anglo-saxónico. 23) A função do órgão de fiscalização interna do Banco Espírito Santo, S.A., era atribuída à Comissão de Auditoria do Conselho de Administração e a fiscalização externa do Banco Espírito Santo, S.A., era exercida pelo AE/ROC a KPMG SROC, S.A., bem como pelas autoridades de supervisão a que estava sujeito no exercício da sua actividade, BdP, CMVM e ISP. 24) A função de fiscalização externa era exercida pelo Auditor Externo, KMPG SCROC, S.A., e pelas autoridades de supervisão a que estava sujeito no exercício da sua actividade como o BdP, a CMVM e o ISP, com quem o autor mantinha permanente contacto. 25) Nos termos dos artigos 26.º e 27.º dos Estatutos do Banco Espírito Santo, S.A., a Comissão de Auditoria era composta por três administradores não executivos e independentes, designados em simultâneo com os outros membros da Comissão de Auditoria, entre eles o autor. 26) O Regulamento da Comissão de Auditoria do Banco Espírito Santo, S.A., determinava no seu artigo 4.º, o seguinte: “1. A Comissão de Auditoria tem as competências previstas na Lei, enquanto órgão de fiscalização societário, e, ainda, quaisquer outras atribuições que por Lei especial lhe sejam fixadas, nomeadamente, e entre outras: a) Fiscalizar a administração da sociedade; b) Zelar pela observância (i) da lei e do contrato de sociedade do BES, (ii) do Código de Conduta em vigor no BES e no conjunto de sociedades por este participadas e incluídas no perímetro de supervisão em base consolidada a que o BES está sujeito (Grupo BES ou GBES) e (iii) das disposições regulamentares aplicáveis emitidas pelas entidades supervisoras das instituições financeiras e do mercado de valores mobiliários; c) Acompanhar o processo de preparação e de divulgação de informação financeira; d) Elaborar anualmente relatório sobre a sua ação fiscalizadora e dar parecer sobre o relatório, contas e propostas apresentados pelo Conselho de Administração; e) Apreciar a adequação e eficácia do sistema de controlo interno, bem como das funções de gestão de riscos, de auditoria interna e de “compliance”; f) Elaborar anualmente parecer para o Banco de Portugal (BdP), emitindo opinião detalhada sobre a adequação e a eficácia do sistema de controlo interno do BES, com excepção da parte desse sistema subjacente ao processo de preparação e divulgação da informação financeira (relato financeiro) do BES1; g) Propor à Assembleia Geral a designação do auditor externo/revisor oficial de contas; h) Acompanhar o processo de auditoria externa /revisão legal dos documentos de prestação de contas do BES e do GBES, bem como do processo de avaliação pelos auditores externos/revisores oficiais de contas da parte do sistema de controlo interno do BES subjacente ao relato financeiro; i) Zelar pela independência do auditor externo/revisor oficial de contas, designadamente, no tocante à prestação de serviços adicionais; j) Obter de qualquer administrador, quadro superior ou empregado do BES ou de qualquer outra sociedade do GBES, toda a informação que considere necessária para o desempenho das suas funções, estando aqueles autorizados e obrigados a prestar essas informações sem quaisquer limitações; k) Reunir com os auditores externos e/ou membros dos órgãos de fiscalização das sociedades do GBES, na medida em que o considere necessário para o exercício das suas funções. l) Solicitar ao Conselho de Administração a contratação dos peritos externos considerados necessários para coadjuvarem um ou vários dos seus membros no exercício das respetivas funções, devendo a contratação e a remuneração desses peritos ter em conta a importância dos assuntos aos mesmos cometidos e a situação económica da sociedade; m) Receber as comunicações de irregularidades apresentadas por acionistas, colaboradores da sociedade ou outros; n) Convocar a Assembleia Geral, quando o presidente da respetiva mesa o não faça, devendo fazê-lo; o) Cumprir as demais atribuições constantes da lei, do contrato de sociedade ou das disposições regulamentares aplicáveis.” 27) Nos termos do artigo 6.º do Regulamento da mesma Comissão de Auditoria do Banco Espírito Santo, S.A., constituíam deveres e responsabilidades gerais dos seus membros, os seguintes: “1. Os membros da Comissão de Auditoria têm o dever de: a) Participar nas reuniões da Comissão; b) Participar nas reuniões do Conselho de Administração e estar presente nas Assembleias Gerais de acionistas; c) Participar nas reuniões da Comissão Executiva do Conselho de Administração onde se apreciem as contas do exercício e, também, de assistir a quaisquer outras para que sejam convocados pelo presidente daquela Comissão ou em que o presidente da Comissão de Auditoria considere conveniente solicitar a presença dos membros desta Comissão; d) Guardar segredo dos factos e informações de que tiverem conhecimento em razão das suas funções, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do presente artigo; e) Registar por escrito todas as verificações, fiscalizações, denúncias recebidas e diligências que tenham sido efetuadas e o resultado das mesmas; f) Participar em quaisquer outras atividades relacionadas com as suas responsabilidades e para que sejam solicitados especificamente pelo Conselho de Administração; g) Iniciar e supervisionar investigações especiais que a Comissão considere necessário efetuar; h) Aprovar eventuais alterações ao presente Regulamento, sempre que as mesmas se afigurem necessárias; i) Confirmar anualmente, em relatório a enviar ao Conselho de Administração, que as responsabilidades da Comissão constantes deste Regulamento foram efetivamente cumpridas. j) Apreciar anualmente o desempenho coletivo da Comissão, bem como o de cada um dos seus membros, por referência a este Regulamento, informando, por escrito, o Conselho de Administração das conclusões respetivas. 2. Para além de outras obrigações previstas nas disposições legais e regulamentares aplicáveis, compete aos membros da Comissão de Auditoria, no exercício do seu dever legal de vigilância, designadamente: a) Ao presidente da Comissão, participar ao Ministério Público os factos delituosos de que tenha tomado conhecimento e que constituam crimes públicos; b) A qualquer um dos membros da Comissão, sempre que se apercebam de factos ou situações de que resultem impedimentos ao desenvolvimento normal da atividade social do BES, comunicá-los imediatamente ao auditor externo/revisor oficial de contas, por carta registada.” 28) Por seu lado, o artigo 7.º do aludido Regulamento estatuía os deveres e responsabilidades relacionadas com a auditoria e supervisão externas do seguinte modo: “1 - As contas individuais do BES e as contas consolidadas do GBES devem ser objeto de exame anual de auditoria/revisão legal por auditores externos/revisores oficiais de contas, competindo a estes, também, emitir parecer anual a enviar para o Banco de Portugal (BdP) sobre a adequação e eficácia da parte do sistema de controlo interno subjacente ao processo de preparação e divulgação de informação financeira (relato financeiro) do BES. 2. Relativamente aos auditores externos/revisores oficiais de contas, compete à Comissão de Auditoria: a) Escolher os auditores externos/revisores oficiais de contas do GBES, promovendo e assumindo a realização do respetivo processo de seleção; b) Propor à Assembleia Geral de acionistas a sua designação por um período de tempo não superior a quatro anos, eventualmente renovável; c) Analisar a proposta de planeamento anual da auditoria das contas individuais do BES e consolidadas do GBES, bem como da avaliação da parte do sistema de controlo interno subjacente ao relato financeiro do BES; d) Apreciar e dar parecer sobre a razoabilidade da proposta anual de honorários apresentada pelo auditor externo relativa aos serviços de auditoria das contas e de apreciação da parte que lhes compete do controlo interno; e) Acompanhar e avaliar anualmente o seu desempenho profissional, designadamente, através da discussão prévia das minutas dos relatórios de auditoria das contas e do parecer sobre o sistema de controlo interno, bem como da realização regular de reuniões de informação sobre o desenvolvimento e conclusões provisórias ou definitivas dos trabalhos de auditoria ao longo do ano e, também, da coordenação do seu trabalho com o Departamento de Planeamento e Contabilidade (DPC) e o Departamento de Auditoria e Inspeção (DAI) do BES, com os auditores internos das Entidades do GBES que se situam fora do âmbito de ação do DAI e com outros revisores oficiais de contas que prestam serviços a algumas Entidades do GBES; f) Zelar pela independência pessoal e profissional dos respetivos membros, designadamente através da obtenção e discussão de declarações dos mesmos sobre as suas relações profissionais, tanto pessoais como institucionais, com o GBES, bem como estabelecendo e implementando um processo de aprovação prévia de outros serviços que se proponham prestar a qualquer Entidade do GBES para além dos de auditoria externa regular; g) Apresentar ao Conselho de Administração e à Assembleia Geral proposta devidamente fundamentada para a sua destituição antes do fim do prazo da sua designação, sempre que se verifique justa causa para o efeito. 3. Complementarmente, compete à Comissão de Auditoria assegurar-se de que toma conhecimento tempestivo de todos os pedidos de informação dos Reguladores Financeiros (BdP ou CMVM) e ações de análise ou investigação iniciadas pelos mesmos em qualquer sector de atividade do BES, em Portugal ou no estrangeiro, e de que recebe cópia não só dos relatórios daquelas Entidades, como das respetivas respostas e ou esclarecimentos às entidades de supervisão, fazendo posteriormente o seguimento das mesmas até resolução definitiva dos assuntos tratados.” 29) A Comissão de Auditoria do Banco Espírito Santo, S.A., tinha ainda os deveres e responsabilidades relacionadas com as funções de gestão de riscos, compliance e de auditoria interna, definidos no artigo 8.º do Regulamento da Comissão de Auditoria do Banco Espírito Santo, S.A.: “1- A Comissão de Auditoria tem como suportes fundamentais da sua ação de supervisão, para além da auditoria externa, os Relatórios e Informação solicitadas e prestadas às funções de – • Gestão de riscos, a cargo do Departamento de Risco Global (DRG), responsável por assegurar a aplicação efetiva do sistema de gestão de riscos; • “Compliance”, a cargo do Departamento de “Compliance” (DCom), a quem cabe controlar o cumprimento dos normativos legais, regulamentares ou outros aplicáveis ao BES; • Auditoria interna, a cargo do Departamento de Auditoria e Inspeção (DAI), que procede com carácter permanente a avaliações autónomas, periódicas e/ou extraordinárias do sistema de controlo interno.”. 30) A Comissão de Auditoria do Banco Espírito Santo, S.A., devia, nos termos estabelecidos no artigo 5.º do seu Regulamento, reunir, pelo menos, uma vez em cada dois meses. 31) Contudo, a Comissão de Auditoria do Banco Espírito Santo, S.A., reuniu formalmente, em média, mais de uma vez por mês, tendo-se reunido 13 vezes no ano de 2013 e 10 entre 1 de Janeiro de 2014 e 31 de Julho de 2014. 32) Os membros da Comissão de Auditoria do Banco Espírito Santo, S.A., não estavam inseridos em qualquer cadeia hierárquica. 33) Eram não executivos e eram independentes. 34) A Comissão de Auditoria do Banco Espírito Santo, S.A., elaborou pareceres sobre o Sistema do Controlo Interno (SCI) do Banco Espírito Santo, S.A., e das suas Sucursais que foram remetidos ao Banco de Portugal, acompanhando Relatórios SCI, designadamente, os três relatórios datados de 21 de Junho de 2013 e os três relatórios datados de 30 de Junho de 2014. 35) O primitivo autor MC era, juntamente com HC, titular da conta de depósitos à ordem n.º 649021290009. 36) Esta conta bancária foi originalmente aberta no Banco Espírito Santo, S.A.; 37) Actualmente esta conta está domiciliada no NOVO BANCO, S.A.; 38) Consta da ficha de abertura de conta bancária do primitivo autor que LC e RC eram procuradores; 39) O autor MC, em conjunto com a contitular da conta, celebrou, no dia 10 de Julho de 2008, um “Contrato De Registo E Depósito De Instrumentos Financeiros” com o Banco Espírito Santo, S.A., que regula o serviço de recepção, transmissão e execução de ordens (cfr. documento n.º 1, junto aos autos a fls. 64 e seguintes, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos); 40) O autor MC faleceu no dia 29 de Janeiro de 2017, em …, França. 41) Quando faleceu, o autor tinha 79 anos de idade. 42) Este era casado com a autora HC sob o regime de comunhão geral de bens. 43) O autor MC recebia extractos com a epigrafe “carteira de Títulos”. 44) Estes extractos iam para a residência do autor em França, sita em …, Meung sur Loire. 45) No dia 19 de Junho de 2013, o autor MC deu ordem de compra/subscrição de 3.642 acções preferenciais (“AÇÕES”), com o valor unitário de € 50, emitidas pela sociedade “Poupança Plus”, com o Código ISIN SCBES0AE0269, pela importância total de € 182.100 (cfr. Doc. n.º 2, de fls. 70 e seguintes e cujo seu teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos). 46) Na mesma data do investimento foi, em simultâneo, com a ordem de subscrição/compra, entregue pelo aqui autor ao Banco Espírito Santo, S.A., uma ordem de venda das referidas 3.642 acções, cujo valor unitário ascendia a € 53,289111000, no montante total de € 194.068, para a data de 22 de Junho de 2015. 47) No dia 10 de Fevereiro de 2014, o autor MC deu ordem de compra/subscrição de 6.440 acções preferenciais (“AÇÕES”), com o valor unitário de € 25, emitidas pela sociedade “Eg Premium 2”, pelo montante total de € 161.000 (cfr. Doc. n.º 3, de fls. 72 e seguintes e cujo seu teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos). 48) Na mesma data do investimento o referido autor entregou ao Banco Espírito Santo, S.A., em simultâneo, com a ordem de subscrição/compra, uma ordem de venda das referidas 6.440 acções, com o valor unitário de € 26,65885000, no montante total de € 171 683, para a data de 22 de Fevereiro de 2016. 49) As ordens de compra referidas em 45) e 47) foram assinadas pelo autor RC a pedido e sob as ordens do primitivo autor MC. 50) Igualmente, o autor RC assinou os documentos referentes às ordens de venda mencionados em 46) e 48) dos Factos Provados a pedido e sob as ordens do primitivo autor MC. 51) Todos os documentos assinados pelo autor RC não lhe foram lidos nem explicados, nem este procedeu à sua leitura. 52) A “aplicação” das quantias de € 182.100 e de € 161.000, bem como de outras quantias anteriormente, em “produtos do Banco Espírito Santo, S.A.” foi tratada por telefone pelo autor MC com um Departamento desta instituição bancária que lidava com emigrantes. 53) Consta dos documentos de ordem de compra/subscrição e de venda de acções preferenciais (“Operações Sobre Instrumentos Financeiros” de fls. 70v e seguintes) supra mencionados o seguinte: a) “Instrumentos Financeiros Complexos – Falta de Perfil de Investidor: Declaro ter sido avisado de que a minha recusa em fornecer informação necessária à realização do teste de adequação impede a determinação do meu perfil de investidor.” b) “Declaro (…) que para todos os efeitos legais, conheço e aceito as condições da operação, as comissões e custos devidos pela realização da presente operação, compreendo os riscos envolvidos e possuo todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, tendo sido informado pelo Banco que a respetiva ficha técnica ser-me-á disponibilizada, caso a solicite;” 54) Nos termos da cláusula 7.5 do Contrato de Registo e Depósito de Instrumentos Financeiros referido em 39) dos Factos Provados, “Para a prestação de serviços de mera execução de ordens, por iniciativa do Cliente, em relação a instrumentos financeiros não complexos, tais como acções admitidas à negociação em mercado regulamentado ou equivalente, obrigações que não incorporem derivados, instrumentos de mercado monetário, unidades de participação em organismos de investimento colectivo em valores mobiliários harmonizados, o BES não é obrigado a determinar a adequação dos instrumentos financeiros às circunstâncias pessoais do cliente”. 55) Consta do “Anexo I - Deveres de Informação a Investidores”, do referido “Contrato de Registo e Depósito de Instrumentos Financeiros”, a definição dos vários produtos de investimento, estando para as acções preferenciais assinalado que “(...) Os riscos inerentes a estes instrumentos financeiros são associados ao risco de incumprimento por parte do emissor das acções preferenciais, nomeadamente no reembolso de capital e à imprevisibilidade da distribuição de dividendos”. 56) Aquando da assinatura das referidas ordens de compra foi transmitido pelo gerente da agência de Fafe do Banco Espírito Santo, S.A., JOC, aos (actuais) autores RC e LC, que os produtos subscritos em questão não tinham risco nenhum. 57) O autor MC tinha um perfil conservador. 58) Ele não investia em produtos de risco. 59) O autor MC sempre achou que estava a investir o seu dinheiro em depósitos a prazo. 60) A preocupação do autor era a rentabilização do dinheiro que ganhou em França. 61) O autor não sabia o que eram acções preferenciais. 62) O investimento em acções preferenciais foi registado na conta de valores mobiliários associado à conta co-titulada pelo autor MC. 63) Este confiava mais no Banco Espírito Santo, S.A., do que nos seus filhos. 64) O autor MC emigrou para França por volta do ano de 1966, onde fixou residência e trabalhava. 65) Desde dada não concretamente apurada o autor MC residia em …, em França. 66) Nos anos de 2013 e 2014, o autor MC residia nesta morada. 67) Em França, este autor foi operário fabril. 68) O autor MC possuía a 2.ª classe (correspondente ao actual 2.º ano do 1.º ciclo). 69) O autor MC regressou a Portugal no ano de 2017. 70) Entre o final de Julho e o princípio de Agosto de 2014, mas antes do dia 3 de Agosto, os autores pediram o resgaste das duas “contas” que o autor MC tinha no Banco Espírito Santo, S.A., na sequência da audição de notícias na comunicação social sobre a situação económica difícil desta instituição bancária. 71) Nessa altura foi transmitido ao autor MC de que, pese emboras as notícias que circulavam na comunicação social, podia estar à vontade, pois continuava tudo igual, estando o seu dinheiro seguro e sem qualquer risco. 72) O autor MC não conseguiu resgatar o dinheiro que tinha “depositado” no Banco Espírito Santo, S.A.. 73) O Novo Banco, S.A., por comunicado divulgado no dia 1 de Outubro de 2015 informou que “…apresentou uma solução comercial aos Clientes detentores de Ações Preferenciais dos Veículos Poupança Plus, Top Renda e EuroAforro 8 (“Veículos”)” à qual aderiram “80% dos Clientes (titulares de 77% do número de Ações Preferenciais emitidas pelos Veículos)” (cfr. doc. n.º 7 de fls. 55 e cujo seu teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos). 74) Posteriormente, por comunicado divulgado no dia 28 de Junho de 2016, o Novo Banco, S.A., informou que “…estava concluída a implementação da solução comercial apresentada pelo Novo Banco” que a mesma tinha merecido a adesão do “80,8% do total de Clientes elegíveis” e que “…os Clientes que não aderiram à solução comercial e que, por sua opção, não exerceram a opção de liquidação em espécie das Ações Preferenciais [...] poderão fazê-lo nos anos seguintes [...], sem solução comercial associada…” ( cfr. doc. n.º 8 de fls. 56, cujo seu teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais). 75) De acordo com o comunicado da CMVM de 6 de Novembro de 2019, a EG Premium lançou uma oferta, voluntária e particular, de aquisição das acções preferenciais, de 6 de Novembro de 2019 a 8 de Janeiro de 2020 (cfr. doc. n.º 11 – a fls. 50v -, cujo seu teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos). 76) Por notícias publicadas no “Jornal Económico”, no dia 6 de Novembro de 2019 e no “Jornal de Notícias, no dia 7 de Novembro de 2019, o NOVO BANCO, S.A., iria apresentar uma proposta de acordo aos titulares de acções preferenciais emitidas pela sociedade EG Premium que permitiria recuperar 47% do capital investido (cfr. documentos n.ºs 12 e 13 – a fls. 51v e 52v a 54 – e cujo seu teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos). 77) O NOVO BANCO, S.A., apresentou sucessivamente aos autores duas propostas de acordo relativamente à quantia de € 343.100 concernente às acções preferenciais supra mencionadas e que permitiria àqueles recuperar numa 75% e noutra 25% do capital investido. 78) No início de Agosto de 2017, os autores aceitaram a proposta do NOVO BANCO, S.A., de receberem 75% da quantia de € 343.100 investida em acções preferenciais. 79) Em 9 de Outubro de 2017, o NOVO BANCO, S.A., reembolsou os herdeiros do autor MC com a quantia de € 75.389,40, relativamente às acções preferenciais “Poupança Plus 6”. 80) As obrigações emitidas pelo Banco Espírito Santo, S.A., e adquiridas pelas referidas sociedades-veículo foram transferidas, no âmbito da medida de resolução, para o Novo Banco que passou, assim, a ser o devedor dessas quantias: directamente perante as sociedades-veículo e indirectamente perante os investidores. * B. FACTOS NÃO PROVADOS a) O autor MC nunca assinou qualquer contrato de aplicação financeira. b) Não foi entregue a este autor cópia deste documento. c) Não foi apresentado ou assinado qualquer documento de aquisição das acções. d) O autor MC investia em valores mobiliários Séries Comerciais de Ações Preferenciais – pelos menos, desde 2008, tendo, desde esta data, por diversas ocasiões, efectuado investimentos em diversos instrumentos financeiros, como por exemplo: 1) De acordo com o extracto 2/2008, o autor era titular de Top Renda 4 RE Jul.08-10 4Ser, com o código ISIN ZZZZZ9791328, no valor de € 150.181,64; 2) De acordo com o extrato 02/2009, o autor era titular de Top Renda 4 RE Jul.08-10 4Ser, com o código ISIN ZZZZZ9791328, no valor de € 150.181,64; 3) De acordo com o extrato 02/2010, o autor era titular de Poupança Plus 6 Re Jan.10-11 3.Ser, com o código ISIN SCBES0AE0003, no valor de € 161.921,40; 4) De acordo com o extrato 02/2011, o autor era titular de Poupança Plus 6 Re Jan.10-11 3.Ser, com o código ISIN SCBES0AE0003, no valor de € 161.921,40; 5) De acordo com o extrato 03/2011, o autor era titular de Poupança Plus 1RE Maio 11 24M 2.S, com o código ISIN SCBES0AE0110, no valor de € 167.000, bem como de Poupança Plus 1RE Maio 11 15M 3.S, com o código ISIN SCBES0AE0111, no valor de € 145.100; 6) De acordo com o extrato 03/2012, o autor era titular de Poupança Plus 1RE Maio 11 24M 2.S, com o código ISIN SCBES0AE0110, no valor de € 167.000, bem como de Poupança Plus 1RE Maio 11 15M 3.S, com o código ISIN SCBES0AE0111, no valor de € 145.100; 7) De acordo com o extrato 04/2012, o autor era titular de Poupança Plus 1RE Maio 11 24M 2.S, com o código ISIN SCBES0AE0110, no valor de € 167.000; 8) De acordo com o extrato 01/2013, o autor era titular de Poupança Plus 1RE Maio 11 24M 2.S, com o código ISIN SCBES0AE0110, no valor de € 167.000, bem como de Poupança Plus 6 10/12 16Re01, com o código ISIN SCBES0AE0228, no valor de € 152.950; 9) De acordo com o extrato 03/2013, o autor era titular de Poupança Plus 6 10/12 16Re01, com o código ISIN SCBES0AE0228, no valor de € 152.950,00, bem como de Poupança Plus 6, com o código ISIN SCBES0AE0269, no valor de € 182.100. e) O autor MC recebeu os avisos de lançamento das operações sobre valores mobiliários, dos quais consta expressamente o dossier de Títulos n.º 000005557907, associado à conta DO n.º …, e a referência a compra/venda de “Títulos”, identificados como sendo acções “Escriturais”. f) O autor investiu em valores mobiliários – séries comerciais de acções preferenciais – por diversas ocasiões, tendo subscrito as seguintes acções preferenciais: 1) Aviso Nr.º 1020479 de 28/01/2010: Venda de Títulos TR 4RE JUL.08-10 4, com o código ISIN ZZZZZ9791328, no valor de € 161.947,13; 2) Aviso Nr.º 1022543 de 28/01/2010: Compra de Títulos PP 6RE JAN.10-11 3, com o código ISIN SCBES0AE0003, no valor de €161.921,40; 3) Aviso Nr.º 1014978 de 29/04/2011: Venda de Títulos PP 6RE JAN.10-11 3, com o código ISIN SCBES0AE0003, no valor de € 168.074,41; 4) Aviso Nr.º 1053873 de 20/05/2011: Compra de Títulos PP 1RE MAI11 15M 3, com o código ISIN SCBES0AE0111, no valor de €145.100; 5) Aviso Nr.º 1031934 de 24/08/2012: Venda de Títulos PP 1RE MAI11 15M 3, com o código ISIN SCBES0AE0111, no valor de 152.920,89; 6) Aviso Nr.º 1040235 de 20/05/2011: Compra de Títulos PP 1RE MAI11 24M 2, com o código ISIN SCBES0AE0110, no valor de € 167.000; 7) - Aviso Nr.º 1029512 de 30/05/2013: Venda de Títulos PP 1RE MAI11 24M 2, com o código ISIN SCBES0AE0110, no valor de € 182.124,62; 8) Aviso Nr.º 1048193 de 26/10/2012: Compra de Títulos PP 6 10/12 16RE01, com o código ISIN SCBES0AE0228, no valor de € 152.950; 9) Aviso Nr.º 1024994 de 17/02/2014: Venda de Títulos de PP 6 10/12 16RE01, com o código ISIN SCBES0AE0228, no valor de € 161.090,34; 10) Aviso Nr.º 1036252 de 24/06/2013: Compra de Títulos POUPANÇA PLUS 6, com o código ISIN SCBES0AE0269, no valor de € 182.100; 11) Aviso N.º 1028480 de 17/02/2014: Compra de 6.440,00 Títulos de EGPR2 VGG295731134, com o código ISIN SCBES0AE0316, no valor de € 161.000. g) O autor MC recebeu as declarações de movimentos de registo/depósito de valores mobiliários, nomeadamente, a declaração fiscal relativa ao ano 2013, na qual consta, no “dossier de valores mobiliários”, sob “Ações” as operações de venda de valores mobiliários, “SCBES0AE011 POUPANÇA PLUS INVESTMENTS (JERSEY)”, no valor de €91.62,31, e de compra de valores mobiliários “SCBES0AE0269 POUPANÇA PLUS INVESTMENTS (JERSEY)”, no valor de € 91.050. h) O produto das acções preferenciais consistia no seguinte: 1) Os investidores adquiriam acções preferenciais emitidas por determinadas sociedades-veículo: três sedeadas em New Jersey com as denominações "Euroaforro Investments Jersey Limited", ("Euroaforro"), "Poupança Plus Investments Jersey Limited" ("Poupança Plus") e "Top Renda Limited" ("Top Renda"), constituídas em 2001 e 2002, e uma com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, constituída em 2004, com a denominação "EG Premium"; 2) Em simultâneo com a aquisição das acções preferenciais os investidores davam uma ordem de venda com data futura (e.g. um ou dois anos) e por um preço superior ao da compra; 3) Na data futura constante da ordem de venda o Banco Espírito Santo, S.A., colocava os títulos no mercado, promovendo a sua aquisição por outros interessados; 4) Embora não existisse qualquer compromisso formal de compra ou de assegurar a venda, a experiência (ao longo de anos, mais de uma década) era a de que as acções preferenciais encontravam sempre compradores interessados nas datas e preços constantes das ordens de venda; 5) Com a aplicação da medida de resolução ao Banco Espírito Santo, S.A., no dia 3 de Agosto de 2014, deixou de ser possível vender, por ausência de compradores interessados, as acções preferenciais emitidas pelas indicadas sociedades veículo pelos valores e nas datas indicadas nas ordens de venda; 6) Nessa data o património das sociedades-veículo, excepto o da EG Premium e da EuroAforro 10, cuja composição se desconhece, era composto por obrigações sénior emitidas pelo BES e numerário. i) Na sequência da implementação da solução comercial disponibilizada pelo Novo Banco em 2017 – assente na recompra da totalidade das obrigações sénior do Novo Banco constantes destas carteiras - foram extintas as acções preferenciais emitidas por todas as Sociedades-Veículo, excepto a EG Premium e a EuroAforro 10, e, em consequência: 1) Os investidores que tivessem aderido à solução comercial de 2015 mantiveram todos os direitos emergentes da mesma e ficaram com a garantia que a solução oferecida permitia efectivamente a recuperação de 90% do valor investido inicialmente; 2) Os investidores que aderiram à solução comercial de 2017 receberam liquidez na proporção das acções preferenciais que detinham no capital dessas sociedades, a qual em conjunto com os depósitos compensação previstos no acordo do Novo Banco, permitiu recuperar, imediatamente 60% e a, prazo, 75%, do valor investido inicialmente. 3) Os investidores, titulares de acções preferenciais daquelas sociedades que não aceitaram as soluções comerciais propostas pelo Novo Banco receberam liquidez na proporção das acções preferenciais que detinham no capital dessas sociedades, cujo montante se desconhece e varia de caso para caso. 4) As soluções comerciais acima referidas foram oferecidas a todos os titulares de acções preferenciais, excepto as emitidas pelas sociedades EG Premium e Euroaforro 10. j) Os investidores que recusaram a oferta da EG Premium e, bem assim, os que investiram em EuroAforro 10, permanecem titulares das acções preferenciais emitidas por estas sociedades, cujo valor será o equivalente às quantias que tenham recebido (se algumas) e à respectiva proporção nos capitais próprios da sociedade emitente. k) O autor MC investiu em valores mobiliários – séries comerciais de acções preferenciais – tendo em consideração as vantagens e rendibilidade oferecida por este produto. l) Rendibilidade esta que não teriam conseguido num simples depósito a prazo. m) A decisão de investimento do autor foi tomada de modo livre e esclarecido, com a intenção, evidente, de aplicar as suas poupanças num produto que disponibilizava uma remuneração diferenciada. n) O autor quis um produto que proporcionasse uma rendibilidade acrescida e vantagens fiscais que não teria num simples depósito a prazo e com a plena consciência que estava a investir num produto que não era um depósito a prazo. o) O autor foi devidamente esclarecido e estava ciente de que (i) o contrato de intermediação financeira era de mera recepção e execução de ordens; (ii) que o banco não estava obrigado a determinar a adequação do investimento e que (iii) estava a adquirir acções preferenciais (não depósitos) e dos riscos e características inerentes a tais instrumentos financeiros. p) O autor MC foi cabalmente informado das características e dos riscos associados às acções preferenciais. q) O autor escolheu, de forma autónoma, os instrumentos financeiros em que investiu, limitando-se o Banco Espírito Santo, S.A., enquanto intermediário financeiro, a executar uma ordem por aqueles emitida. r) Nesta qualidade, o Banco Espírito Santo, S.A., não tinha o dever de explicar as características do produto (não obstante o ter feito). * 4. Fundamentos do recurso 4.1. Preterição de litisconsórcio necessário Os recorrentes impugnam a decisão proferida em sede de despacho saneador e que indeferiu a exceção, por elas arguida em contestação, de preterição de litisconsórcio necessário legal. A decisão recorrida começou por caraterizar e enquadrar legal e doutrinariamente os conceitos de legitimidade e de litisconsórcio voluntário e necessário e passando à análise da alegação dos recorrentes, em síntese de que a responsabilidade do BES, enquanto comitente, dependeria de ser previamente apurada a responsabilidade de algum dos seus representantes, agentes ou mandatários, enquanto comissários, caraterizou a responsabilidade feita valer nos autos como responsabilidade contratual e fundamentou: “Nos termos do artigo 800º, nº 1, do Código Civil, “O devedor é responsável perante o credor pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor”. Assim, é o intermediário financeiro que responde perante o cliente. Não há, pois, responsabilidade solidária entre banco e os seus funcionários. E nessa medida improcede a excepção invocada de litisconsórcio necessário legal, julgando-se as rés Banco Espírito Santo, S.A. – Em Liquidação, e a Massa Insolvente do Banco Espírito Santo, S.A. – Em Liquidação, como partes legítimas.” Em alegações de recurso os recorrentes imputam à decisão recorrida a omissão de caraterização da responsabilidade em causa como extracontratual e de ter em conta o disposto no art.º 6º nº5 do CSC, que impõem que o BES, enquanto comitente só possa ser responsabilizado, nos termos do disposto no nº1 do art.º 500º do CC, se se apurar a concreta responsabilidade civil do comissário, sob pena de o comitente, ou seja o BES, ser colocado numa posição de manifesta debilidade processual porque incumbido do insustentável ónus de se defender da responsabilidade de um terceiro, ainda que seu comissário, posição essa agravada pela medida de resolução. Conclui que tal viola o direito a uma tutela judicial efetiva e os princípios da igualdade de armas e do processo equitativo, consagrados nos arts. 13º e 20º da CRP. Os recorridos remeteram para a decisão proferida. Apreciando: Dão–se aqui por reproduzidas as considerações jurídicas tecidas em geral pela decisão recorrida relativamente à caraterização da legitimidade processual e litisconsórcio necessário e voluntário, pela sua adequação e correção. A questão central a apreciar é a de saber se pode ser direta e isoladamente demandado o intermediário financeiro que, agindo através dos seus funcionários, causa danos (na tese do A.) a um cliente ou se a lei exige que o seja também o funcionário que agiu no concreto. A tese defendida pelas recorridas é de que estamos ante responsabilidade extracontratual, dado que foi fundada na alegada violação de deveres destinados a proteger os interesses dos investidores. A decisão recorrida caraterizou a responsabilidade feita valer como responsabilidade contratual. O art.º 500º do CC prevê a responsabilidade objetiva (“independentemente de culpa”) do comissário por danos causados pelo comissário, tendo como requisitos: i) a existência de uma relação de comissão; ii) que sobre o comissário recaia também a obrigação de indemnizar; e iii) que o facto danoso do comissário tenha sido praticado no exercício da função que lhe foi atribuída. O primeiro requisito não oferece quaisquer dúvidas. Na alegação dos recorrentes na contestação, sem qualquer concretização, alegam que terá “existido um comissário do banco, no caso (i) algum administrador do BES ou (ii) algum funcionário ou funcionários do BES, sobre o qual (ou quais) recaia também a obrigação de indemnizar.” A evidência da necessidade de existência de interação com uma pessoa física no BES (uma pessoa coletiva), a absoluta não concretização de tal ou tais pessoas por parte das RR. e um juízo de experiência comum levam-nos à conclusão de que a alegação das RR. terá que ser reconduzida à intervenção de um funcionário do banco[2], o que preenche o primeiro requisito da responsabilidade objetiva que identificámos. Como referem Maria da Graça Trigo e Rodrigo Moreira[3] para a caraterização da relação de comissão “É essencial que o comitente disponha de um poder de controlo sobre o comissário e que este, por sua vez, se encontre numa situação de subordinação ou dependência em relação àquele. Esta subordinação, no entanto, não se confunde com a subordinação jurídica, característica da relação emergente do contrato de trabalho. Embora se conceda as relações de trabalho representem provavelmente a maioria das hipóteses relação de comissão na vida prática, a subordinação para os efeitos do preceito em anotação excede os limites restritos da subordinação jurídico-laboral, podendo abranger situações de contratos de prestação de serviços, situações ocorridas no seio de relações familiares ou até de cumprimento de contratos inválidos ou ineficazes.” O segundo requisito faz depender a responsabilidade do comitente de ser possível concluir que sobre o comissário também recai a obrigação de indemnizar. A singeleza da letra da lei[4] permite uma discussão doutrinal sobre a natureza da responsabilidade do comissário, designadamente se poderá ser também responsabilidade pelo risco ou por factos lícitos[5] mas sem qualquer dissensão sobre a natureza delitual dessa responsabilidade. Como se referiu com clareza no Ac. STJ de 01/10/2024 (Ricardo Costa – 10927/19) “não é de ponderar a aplicação do regime de responsabilidade civil objectiva (pelo risco, de acordo com a lei) do art.º 500º do CCiv.” que se analisa numa “fonte de obrigações, enquanto modalidade de responsabilidade extracontratual ou aquiliana, por actos praticados no âmbito de uma relação de comissão” quando nos situamos “perante um efeito de uma obrigação anteriormente constituída na relação bancária entre os Autores e o banco Réu, permanecendo a obrigação idêntica, não obstante a modificação do dever de prestar num dever de indemnizar, tendo em conta o recurso do devedor a terceiros para o cumprimento da obrigação.”, ou seja no domínio da responsabilidade contratual. E bem assim António Menezes Cordeiro[6] que, precisamente fazendo a contraposição entre o regime do art.º 800º do CC e o regime do art.º 500º do mesmo diploma anota: “Contraposição com a comissão (500.º). Esta implica: (1) um vínculo de comissão, que pressupõe: (a) liberdade de escolha do comitente; (b) incumbência da comissão a outrem; (c) aceitação pelo escolhido, que se torna comissário ou comitido; (d) uma relação daí decorrente; (e) uma atuação por conta do comitente; (2) uma responsabilidade aquiliana ou puramente objetiva, que implica: (a) previsão da responsabilidade; (b) danos; (c) causalidade; (d) imputação ao comissário; (3) ao exercício das funções do comissário (500.º/ 2). No caso dos representantes legais ou auxiliares (800.º/1): (1) há, apenas, uma representação legal (logo: não voluntária) ou uma qualquer situação que mereça o epíteto de “auxiliar”; (2) uma responsabilidade obrigacional, resultante do não-cumprimento; (3) relativa ao vínculo existente entre os credores e devedores considerados.” No tocante ao argumento extraído pelos recorrentes da regra do nº 5 do art.º 6º do CSC, há que precisar que a própria sociedade tem personalidade e capacidade jurídicas e é sujeito de obrigações, inclusive de indemnização, pelos seus atos, o que esta regra não posterga. Como melhor refere Soveral Martins[7] em anotação ao correspondente preceito do CSC: “O art.º 6º, 5, obriga a uma reflexão introdutória. As sociedades comerciais são representadas organicamente pelos membros dos órgãos de representação. Quando esses membros atuam nessa qualidade e vinculam a sociedade, é a própria sociedade que atua. Os atos ou omissões não são atos ou omissões dos representantes da sociedade, mas sim desta. Nesses casos, a sociedade responde civilmente por ato seu. Não tem lugar a aplicação do nº 5. Contudo, se os membros dos órgãos de representação de sociedades comerciais atuam com excesso ou com abuso de poderes de representação e a sociedade não fica vinculada, julgamos que o art.º 6º, 5, ainda se poderá aplicar. Aí, os atos e omissões já não podem ser vistos como atos ou omissões da sociedade, mas ainda assim a sociedade poderá ter que responder pelos danos causados. As sociedades comerciais podem atuar através de representantes voluntários (mandatários, procuradores). Também esses podem representar legalmente a sociedade. Parece forçado dizer que quem legalmente representa a sociedade é apenas quem tem a qualidade de representante por força da lei. Quanto a esses representantes voluntários, o art.º 6º, 5, justifica-se também. Acrescente-se ainda que a remissão feita para o regime da responsabilidade do comitente por atos ou omissões dos comissários só valerá quanto à responsabilidade de que trata o art.º 500º do CCiv.. Relativamente à responsabilidade contratual, vale o disposto no art.º 800º do CCiv..”[8] É profundamente ilustrativo o percurso traçado por Menezes Cordeiro[9] da evolução da responsabilidade das pessoas coletivas que, numa primeira fase, eram consideradas insuscetíveis de incorrer em responsabilidade civil, depois, ultrapassada a ideia da ficção e não aplicabilidade analógica de normas e realidades ficciosas, surgiram as dificuldades causadas pela noção de que a responsabilidade teria sempre que se basear na culpa, de que aquelas são insuscetíveis e ainda as dificuldades de representação (cujos poderes não se alargariam a atos ilícitos). “O primeiro avanço consistiria em estabelecer a responsabilidade civil das pessoas colectivas. Procedeu-se em duas fases: a da responsabilidade contratual e a da responsabilidade delitual ou aquiliana. Quanto à contratual, fácil foi demonstrar que a pessoa colectiva podia não cumprir as suas obrigações; seria mesmo injusto ilibá-la, nesse ponto, de responsabilidade, uma vez que isso iria provocar grave desigualdade nos meios económico-sociais. No tocante à aquiliana, a dificuldade era maior. Procedeu-se, então, à utilização do esquema da responsabilidade do comitente.”, que se rege pelo disposto no art.º 500º do CC. Face ao exposto, para a decisão da aplicação do art.º 500º ou 800º do CC, é crucial a caraterização da responsabilidade feita valer nos autos[10], questão de direito na qual o tribunal não está sujeito à alegação das partes (cfr. art.º 5º nº3 do CPC). Os recorridos, então primitivo A., na petição inicial deixaram alegado ser este cliente do BES onde tinha um depósito à ordem e que pretendendo renovar a aplicação das suas poupanças, em 2013 e 2014 entregou o total de € 343.100,00 convencido que havia celebrado um contrato de depósito a prazo, montante que não logrou reaver. Nunca celebrou qualquer contrato de intermediação financeira com o BES. Os recorrentes, em sede de contestação, alegaram ter sido celebrado entre o A. e o BES um contrato de registo e depósito de instrumentos financeiros e terem sido emitidas pelo A. ordens de subscrição de ações preferenciais e de venda das mesmas em 2013 e 2014, investimento registado na conta de valores mobiliários associada à conta co-titulada pelo A. Mais alegaram que o A. não invoca a violação do contrato celebrado com o BES mas sim a violação de um conjunto de princípios e deveres legais relativos ao exercício da atividade e organização interna do BES, enquanto intermediário financeiro e instituição bancária, que reconduzem a responsabilidade extracontratual e que referem não se encontrar completamente regulada no art.º 304º-A do CVM. Como se verifica, o A. foi muito parco na qualificação da responsabilidade, mas invocou uma relação contratual com o banco (cliente há vários anos, depósito à ordem, vários depósitos a prazo, referindo também que em julho de 2013 e em fevereiro de 2014 pretendia “renovar a aplicação das suas poupanças” o que pressupõe um enquadramento anterior). O que o A. invocou foi uma relação de clientela com o banco, uma “clara obrigação duradoura”[11], no domínio de uma relação contratual complexa. As RR., embora qualificando juridicamente a responsabilidade invocada como extracontratual, alegaram a existência de um contrato de registo e depósito de instrumentos financeiros, regulando a receção, transmissão e execução de ordens e o cumprimento de duas ordens de compra/subscrição de ações emitidas pelo A. Ou seja, embora qualificando juridicamente a responsabilidade invocada pelo A. como delitual (o que, como já vimos, não é exato) invocou factos que, provados, levam à caraterização da responsabilidade como contratual. O que significa que teremos que em geral caraterizar a responsabilidade do intermediário financeiro – papel que claramente o BES exerceu – perante o cliente. Em nota prévia, sendo o enquadramento temporal dos factos a juízo assente – as datas das subscrições de ações e o momento a partir do qual o A. não logrou recuperar o capital investido (julho de 2013 até fevereiro de 2016, última data para a qual subsistia uma ordem de venda) - há que determinar o regime legal aplicável. As normas aplicáveis à atividade de intermediação financeira (centralmente o Código dos Valores Mobiliários, mas não só), são as normas vigentes à data da realização dos investimentos, atento o disposto no art.º 12º do Código Civil[12], ou seja, na versão dada pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro (que transpôs para a ordem jurídica portuguesa a Diretiva 2004/39/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, ou DMIF I). A norma a ter em conta é, assim, o disposto no art.º 304º-A do CVM, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro[13], no qual se estabelece, sob a epígrafe Responsabilidade civil: «1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública. 2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.» Uma das questões que tem sido discutida é a da natureza da responsabilidade aqui prevista, nomeadamente se se prevê quer a responsabilidade contratual, expressamente mencionada no nº2, quer extracontratual, por via do nº1[14]. André Alfar Rodrigues defende que “Não existem quaisquer dúvidas de que a relação entre intermediário financeiro e cliente é obrigacional pois o cliente (credor), tem o direito de exigir ao intermediário financeiro (devedor), a realização de uma prestação proveniente da sua atividade de intermediação financeira.”[15] Também com o intermediário financeiro se desenvolve uma relação de clientela – “uma relação obrigacional complexa e duradoura, iniciada nas negociações de um primeiro contrato e desenvolvida continuamente por subsequentes e repetidas ou renovadas operações de negócios firmadas pelas partes, com novos contratos, em que, a par de prestações primárias (ou secundárias) surgirão obrigações acessórias de cuidado ou deveres de proteção cominados por acordo dos contraentes, pela lei ou pela boa fé, para satisfação do interesse do credor.”[16] A. Barreto Menezes Cordeiro[17], debruçando-se sobre o tema enumera a clássica doutrina que tende a reconduzir o art.º 304º-A do CVM ao universo da responsabilidade civil aquiliana, mais especificamente na parte relativa à violação das normas de proteção mas indicando que os autores “não afastam a aplicação do artigo 304.º-A/1 das violações de deveres cometidas no âmbito de relações de intermediação financeira, maxime, as que se sustentam em contratos-quadro – p. ex.: contratos de abertura de conta que cobrem tanto a banca comercial (Direito Bancário), como a banca de investimento (Direito dos Valores Mobiliários). Ora, se no âmbito da prestação do serviço de investimento de consultoria para investimento, realizado ao abrigo de um contrato de abertura de conta, uma instituição de crédito, atuando nas vestes de intermediário financeiro, prestar informação incorreta ao cliente, estaremos, dogmaticamente, no universo da responsabilidade aquiliana? Não vemos como.” E segue enumerando doutrina que vê nesta cláusula uma dupla natureza ou natureza especial e indicando que a jurisprudência segue, maioritariamente, a orientação de que se trata de responsabilidade contratual, como resulta claramente do AUJ nº 8/2022, sobre o qual nos debruçaremos infra. Este autor acaba por concluir pela dupla natureza da responsabilidade prevista no art.º 304º-A do CVM assinalando que “O artigo 304.º-A será aplicado em conjunto com o artigo 798.º do CC sempre que estejamos no âmbito contratual ou no âmbito pré-contratual, e isso independentemente do dever em concreto violado: tanto espoleta a invocação da responsabilidade obrigacional o dano causado em virtude da violação do dever de informação, como o dano causado em virtude da violação de normas de organização interna – pense-se no caso paradigmático do dever genérico de identificação de conflitos de interesses. Mesmo que assim não se entenda, a violação de deveres de organização interna irá, invariavelmente, implicar, a jusante, a violação de deveres específicos, pelo que cairíamos, por este caminho, na responsabilidade obrigacional.” E rematando que, assim sendo “o espaço deixado para a responsabilidade aquiliana do artigo 483.º/1, 2.a parte do CC é particularmente exíguo: excluem-se, ab initio, todos os deveres específicos, visto apenas emergirem no âmbito pré-contratual ou contratual, e excluem-se, também, os deveres de informação. Restam, assim, apenas os deveres de organização interna – p. ex.: deveres de compliance, deveres de gestão de riscos, deveres de auditoria interna ou deveres (genéricos) de identificação de conflitos de interesses – cuja violação originem danos na esfera jurídica de terceiros com os quais os intermediários financeiros não tenham qualquer relação obrigacional.” Também na jurisprudência encontramos a tese da dupla natureza, como se decidiu no ac. TRL de 03/12/2020 (Arlindo Crua – 831/17)[18], na sequência de argumentação, com a qual genericamente se concorda, que conclui que a responsabilidade do intermediário financeiro, por regra, se insere na responsabilidade obrigacional, dado que a relação de intermediação tem por base um negócio antecedente, designado normalmente como negócio de cobertura, que serve de base à subscrição ou transação de valores mobiliários, não havendo, porém, face à letra da lei que afastar a segmentação dos pressupostos de responsabilidade civil[19] e recusando a posição doutrinária que considera incluída na presunção de ilicitude o nexo de causalidade entre o ilícito e o dano “os intermediários financeiros são responsáveis pelo ressarcimento dos danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, presumindo-se a sua culpa (admitindo-se, ainda, que esta presunção abranja o juízo de ilicitude) quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais. Assim sendo, no caso concreto, seja por via da relação de clientela bancária invocada pelo A., seja por via da relação de clientela dupla (banqueiro/intermediário financeiro), sempre estaremos, como decidido em 1ª instância, ante responsabilidade contratual. Como já se indiciava, face à alegação das partes[20] e se veio a confirmar (factos 39, 45 e 47, não impugnados no presente recurso), estamos, claramente no âmbito de responsabilidade contratual derivada da relação estabelecida entre o A., como cliente, e o BES, enquanto intermediário financeiro, nos termos que temos vindo a caracterizar, pelo que a regra do art.º 500º do CC, prevista para a responsabilidade extracontratual, não é aplicável, antes o sendo a regra do art.º 800º nº1 do CC, nos exatos termos decididos pelo tribunal recorrido, não tendo, assim, ocorrido preterição de litisconsórcio necessário, dado que o intermediário financeiro responde diretamente pelos seus atos. E tratando-se de responsabilidade direta da pessoa coletiva, que responde pelos respetivos atos e pode exercer os respetivos direitos de defesa, como o fez no caso presente, estão assegurados, quer o direito a tutela judicial efetiva, quer os princípios da igualdade de armas e do processo equitativo, previstos nos artigos 13.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa. Improcedem, assim, as conclusões J) a O) das alegações de recurso. * 4.2. Nulidade da sentença Os recorrentes imputam à sentença recorrida as nulidades previstas no art.º 615º nº1, als. b) e d) do CPC, em síntese por: - no tocante à matéria de facto, o tribunal ter omitido qualquer fundamentação da sua decisão quanto à matéria de facto constante do ponto 6 dos temas da prova e ter omitido qualquer apreciação da prova documental junta aos autos, exceção feita ao documento 4 junto com a contestação; - o tribunal não se ter pronunciado sobre todas as questões alegadas pelos recorrentes, indicando como não conhecidas as questões alegadas nos arts. 223º, 224º e 229º da contestação no tocante à dedução ao crédito de todas as quantias que o A. podia ter recebido, e as questões suscitadas nos arts. 233º a 241º da contestação, relativas à cotitularidade da conta pelo A. Requerem a respetiva sanação nos termos e para efeitos dos artigos e 615.º, n.º 4, in fine, e 665.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC. Os recorridos pugnaram pela inexistência de qualquer das nulidades, alegando que do teor da decisão recorrida é perfeitamente possível alcançar o quadro factual e jurídico subjacente ao sentido decisório contido na mesma decisão, estando devidamente especificados os factos provados e não provados e respetiva fundamentação e que é perfeitamente claro o enquadramento factual tido por assente e considerado relevante pelo tribunal de 1ª instância, assim como o quadro normativo aplicável e subjacente à decisão, permitindo aos respetivos destinatários exercer a sua análise e a sua crítica, suscitando a sua reapreciação, como ora sucede na presente instância de recurso. Apreciando: Dispõe o n.º 1 do art.º 615º do CPC, nas suas alíneas b) e d): «1 - É nula a sentença quando: a) (…) b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) (…) d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) (…).» O art.º 615º do CPC prevê o elenco taxativo de nulidades que podem afetar a sentença. Como é uniformemente prevenido pela doutrina e jurisprudência, importa sempre distinguir as nulidades de processo e as nulidades de julgamento, sendo que o regime deste preceito apenas se aplica às segundas. As questões que devem ser apreciadas abrangem, desde a versão dada pelo Decreto-Lei n.º 41/2013 de 26 de junho, a pronúncia sobre a matéria de facto, atento o disposto nos nºs 3 e 4 do artigo 607º do CPC. Hoje em dia os vícios da sentença não se autonomizam dos vícios da decisão sobre a matéria de facto, diversamente do que antes sucedia. No entanto, “Esta circunstância, se não justifica a aplicação, sem mais, do regime do art.º 615 à parte da sentença relativa à decisão sobre a matéria de facto – desde logo porque a invocação de vários dos vícios que a esta dizem respeito é feita nos termos do art.º 640 e porque a consequência desses vícios não é necessariamente a anulação do ato (cf. os n.º’ 2 e 3 do art.º 662) -, obriga, menos, a ponderar, caso a caso, a possibilidade dessa aplicação.”[21] Importa, assim, como no caso presente, em que foi arguida a nulidade por omissão de pronúncia quanto a matéria de facto, traçar rigorosamente os limites entre a nulidade e a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, que os recorrentes também efetuaram no tocante aos mesmos factos. Quanto à previsão da al. b) do n.º 1 do art.º 615º do CPC relativa à falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, importa ter em conta que a elaboração da sentença deve respeitar determinadas exigências formais, que o legislador contempla no art.º 607º do CPC. O nº 3 deste artigo impõe ao juiz que na sentença faça a discriminação autónoma dos factos que considera provados e que indique, interprete e aplique as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final, acrescentando o nº 4 a exigência de análise crítica das provas. Esta obrigação de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão reflete o dever de fundamentação das decisões imposto pelo nº 1 do artigo 205º da Constituição da República Portuguesa (nos termos do qual «as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei»), também regulamentado no art.º 154º do CPC. O art.º 154.º do CPC sob a epígrafe “dever de fundamentar a decisão”, estabelece: “1. As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. 2. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.” As partes têm o direito de saber as razões da decisão do tribunal, o que lhes permitirá avaliar a mesma e ponderar a sua impugnação. O dever de fundamentação assenta na necessidade de esclarecimento das partes e constitui uma fonte de legitimação da decisão judicial. O grau de fundamentação exigível dependerá tanto da complexidade da questão sobre a qual incide a decisão, como da controvérsia revelada pelas partes sobre a situação a decidir. Como referem Jorge Miranda e Rui Medeiros[22], a fundamentação das decisões judiciais, além de ser expressa, clara, coerente e suficiente, deve também ser adequada à importância e circunstância da decisão. Quer isto dizer que as decisões judiciais, ainda que tenham que ser sempre fundamentadas, podem sê-lo de forma mais ou menos exigente (de acordo com critérios de razoabilidade) consoante a função dessa mesma decisão. Tem vindo a ser entendido, que só a absoluta falta de fundamentação pode determinar a nulidade da sentença, não se bastando tal vício com uma fundamentação menos exaustiva - neste sentido, entre muitos outros, os Acs.[23] STJ de 08/02/2024 (Nuno Pinto Oliveira – 995/20), 10/05/2021 (Henrique Araújo - 3701/18), 06/07/2017 (Nunes Ribeiro - 121/11), de 10/07/2008 (Sebastião Póvoas - 08A2179) e os Acs. TRL de 18/04/2024 (Carla Cristina Figueira Mato – 7115/20), 11/03/2021 (Inês Moura - 1074/18) e de 18/04/2024 (José Manuel Monteiro Correia – 1912/21)[24], entre muitos outros. A fundamentação da sentença deve ser de facto e de direito: com a indicação dos factos provados e não provados e com a indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes. Só assim poderá ser compreensível pelos destinatários. Além da total ausência ou inexistência de fundamentação, esta nulidade ocorrerá também se a referida fundamentação, pela sua formulação, não permite apreender qual o processo lógico seguido pelo julgador na formação da sua convicção, não sendo possível aferir as razões que levaram a decidir de um determinado modo, colocando em crise a construção do silogismo judiciário (e não o erro de julgamento, que leva à alteração ou revogação e não à nulidade). O julgamento do tribunal relativamente à matéria de facto pode estar errado, mas essa é matéria recursiva de mérito – “Não está em causa saber se o facto de que o tribunal não pode tomar conhecimento ocorreu ou não – ou se resulta da prova produzida a sua verificação -, isto é, não está em causa se foi bem julgada a sua ocorrência, mas sim se é processualmente admissível o ato que o tenha por objeto (arts. 5º, 607º, nº2, e 608º, nº 2, segunda parte).”[25] A omissão que gera nulidade da sentença, em sede de julgamento de matéria de facto é a de pronúncia sobre todos os factos essenciais alegados carecidos de prova, atento o disposto nos arts. 607º nº3 e 608º nº2 do CPC. Isto porque, na decisão relativa à matéria de facto o juiz tem necessariamente que se pronunciar sobre os factos essenciais alegados bem como sobre os factos complementares necessários. Se necessário[26] devem também ser enunciados os factos concretizadores da factualidade que se apresente mais difusa. “Quanto aos factos instrumentais, para além de não carecerem de alegação (aliás, o ónus de alegação respeita somente aos factos essenciais, isto é, àqueles de cuja prova depende a procedência ou improcedência da ação ou da defesa), podem ser livremente discutidos e apreciados na audiência final (cf. anot. aos arts. 5º, 186º e 552º). Consequentemente, atenta a função secundária que desempenham no processo, tendente a justificar simplesmente a prova dos factos essenciais, para além de, em regra, não integrarem os temas da prova, nem sequer deverão ser objeto de juízo probatório específico.”[27] O que significa que os factos instrumentais podem ser utilizados na motivação da decisão de facto, porque contribuem para formar a convicção do julgador sem necessidade de se mostrarem espelhados como provados ou não provados na enunciação da matéria de facto provada, sem que tal omissão seja enquadrável como nulidade. O primeiro fundamento de nulidade apontado é a falta de pronúncia do tribunal recorrido sobre a matéria de facto constante do nº6 dos temas de prova[28]. A omissão de pronúncia sobre matéria de facto compreendida em qualquer tema de prova apenas será suscetível de geral nulidade se a omissão, existindo, incidir sobre factos essenciais alegados pelas partes como já exposto. Atenta a formulação dos temas da prova, que pode ser mais ou menos abrangente e a circunstância de neles poderem constar não apenas factos essenciais mas também complementares e, eventualmente, concretizadores, não basta alegar omissão de pronúncia sobre um tema de prova para compor a invocação de nulidade por omissão de pronúncia sobre fundamentos de facto, tal como prevista na al. d) do nº1 do art.º 615º do CPC. No caso, e completando a alegação dos recorrentes, verificamos que o tema de prova nº6 se refere às alegações efetuadas pelos recorrentes na sua contestação nos nºs 49, 51 a 61 e 223 a 232, relativas a propostas que terão sido efetuadas a todos os investidores na situação do A., e, consequentemente, a este, após a resolução do BES e que as RR/Recorrentes entendem relevar para a determinação do quantum da indemnização quer tenham sido aceites, quer tenham sido recusadas. Na sentença foram dados como provados no tocante a este acervo, os factos nºs 73 a 80 e não provados os factos constantes das alíneas i) e j), correspondentes, no essencial a matéria alegada na contestação. Como é evidente, na sentença, o tribunal não fundamentou temas de prova, fundamentou factos dados como provados e não provados englobados nos temas de prova que havia oportunamente fixado. Compulsada a sentença sob recurso verificamos que não só foi fundamentada a decisão de prova dos factos 73 a 80, quer indicando as testemunhas ouvidas sobre a matéria (als. c), d), e) e f) de II da motivação), quer os documentos em que se baseou (alíneas b) a f) de III da motivação), como fundamentou a não prova, de forma sintética, é certo, mas percetível: não produção de prova, principalmente testemunhal que sustentasse a versão vertida na oposição. Não há, igualmente, omissão de apreciação dos documentos juntos aos autos, dado que a sentença recorrida referiu expressamente os documentos que considerou para prova de determinados factos: ponto III da motivação e referiu “No que concerne à prova documental, o Tribunal teve em consideração a constante dos autos, em especial a que foi analisada na audiência de julgamento e que foi confirmada pelo autor RC.”. Foram ainda apreciados os extratos bancários juntos aos autos na motivação da matéria de facto não provada (al. a) de II), onde se explicitou que “Apesar de existirem nos autos extractos bancários que poderiam indiciar que o autor MC subscreveu produtos financeiros como os dos autos durante anos, estes documentos foram impugnados. Assim, competia aos réus[29] fazerem prova cabal do que afirmavam, nomeadamente trazendo testemunhas que comprovassem o por si alegado, ou eventualmente juntando os registos telefónicos que atestassem que o autor MC tinha perfeita consciência dos produtos que estava a adquirir e dos riscos que corria.” Ou seja, o que se retira da apreciação efetuada, na sua globalidade, é que foram considerados os documentos que de alguma forma foram corroborados por outros meios de prova e que os demais, se impugnados, não foram considerados. Trata-se de fundamentação sintética, mas compreensível, e que permite a respetiva impugnação, pelo que não se vislumbra neste ponto nulidade por falta de fundamentação. Para os efeitos da alínea d) do nº1 do art.º 615º do CPC, quando se comina com nulidade a sentença, em que o juiz “…deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar…” referem-se as questões que constituem o objeto da sentença. O preceito deve ser conjugado com o art.º 608º, com vista à determinação das questões a resolver na sentença. Essas questões, aquelas que se impõe ao juiz resolva na sentença são, em primeira linha as questões de forma, alegadas pelas partes ou de conhecimento oficioso e finalmente as questões de fundo, que constituem o mérito da causa, suscitadas pelas partes como fundamento do pedido ou como fundamento das exceções e ainda as que o juiz deva conhecer oficiosamente – cfr. nº2 do art.º 608º. Na lição de Ferreira de Almeida[30] “Integra esta causa de nulidade a omissão do conhecimento total ou parcial do pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não fundamentação jurídica adrede invocada por qualquer das partes). Não confundir, porém, questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vingar as suas posições (jurídico-processuais ou jurídico-substantivas); só a omissão da abordagem de uma qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de um qualquer elemento da retórica argumentativa produzida pelas partes.” Trata-se, aliás, de questão pacífica na jurisprudência, como nos apontam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa[31] - o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e bem assim as questões de conhecimento oficioso, mas que não obriga a que se incida sobre todos os argumentos, pois que estes não se confundem com “questões”. “Na verdade, o que a lei impõe é, antes de mais, que os fundamentos e a parte dispositiva de uma decisão sejam construídos em jeito de resposta aos problemas fundamentais com que as partes construíram a causa de pedir, os pedidos ou as exceções; não em jeito de resposta aos raciocínios em que as partes suportam as suas posições. Deste modo, uma decisão não tem de ser o espelho do teor argumentativo da extensão do requerimento ou dos articulados respetivos. Dito isto, é natural que uma decisão bem fundamentada “dialogue” com a argumentação das partes quando esta seja decisiva na substanciação da causa de pedir, pedidos ou exceções. Ou seja: a não apreciação de certo argumento expendido pela parte pode, indiretamente, ter consequências na (já referida) suficiência do mérito demonstrativo dos fundamentos da decisão, sindicável por recurso, quando admissível.”[32] Os pontos apontados como omitidos são os alegados na contestação nos arts. 223º, 224º e 229º a 232º, bem como os constantes dos arts. 233º a 241º da mesma peça processual. O primeiro ponto, em síntese, corresponde à alegação de que o facto de o A. ter recebido da EG Premium uma proposta de acordo que lhe permitiria recuperar 47% do valor investido em ações preferenciais, determina que o valor oferecido deve ser deduzido do valor peticionado, por força do disposto no art.º 570º do CC, dado que, se o recebeu estaríamos ante enriquecimento sem causa, nos termos do disposto no art.º 473º do CC e que, se o não recebeu teve ao seu alcance a hipótese de eliminar essa parte dos prejuízos por si alegados e optou por o não fazer, nos termos do art.º 570º do CC. Há a notar que na contestação foi alegada a existência de uma outra proposta – nos arts. 225 a 228, efetuada pelo Novo Banco ao A., cuja dedução igualmente pediu nos mesmos e exatos termos indicados: se a recebeu por enriquecimento sem causa e se a não recebeu nos termos do art.º 570º do CC. Tal matéria foi levada aos temas da prova sob o nº6 e veio a dar origem aos factos dados como provados sob 73 a 80[33] e não provados nas alíneas i) e j)[34], ou seja, e resumindo, da alegação da R. apenas se provou a apresentação de duas propostas aos A., ambas pelo Novo Banco, que lhes permitiriam recuperar numa 75% e noutra 25% do capital investido e que aceitaram a proposta dos 75%, tendo recebido a quantia de € 75.389,40 quanto às ações preferenciais Poupança Plus 6, ou seja, 39,75% do capital (facto 45). A decisão recorrida refletiu este apuramento dos factos, deduzindo ao capital investido, que apontou como montante do dano, € 75.389,40. Ou seja, quanto aos montantes que se apuraram recebidos, e cuja dedução a R. pediu com base no disposto no art.º 473º do CC (enriquecimento sem causa), foram, efetivamente deduzidos, como peticionado. Face à não prova do recebimento de qualquer quantia pelas ações EG Premium 2 a questão da dedução por enriquecimento sem causa ficou, face à forma como foi alegada, notoriamente, prejudicada, pelo que não há qualquer omissão de pronúncia neste particular. No tocante à alegação de que o A. contribuiu para a produção ou agravamento dos danos[35] as hipóteses contempladas no nº1 do art.º 570º do CC, a sua apreciação tinha por pressuposto a não aceitação de uma determinada proposta. Ora, não se apurou sequer que a proposta EG Premium, alegada nos arts. 229 a 232 da contestação tivesse sido apresentada aos AA (ou ao A. primitivo) pelo que, tendo a questão ficado resolvida no apuramento da matéria de facto, na não prova do pressuposto, não havia que analisar se a conduta de, depois do dano produzido, não aceitar uma proposta de reembolso parcial se pode reconduzir a um agravamento do dano (a produção estaria já fora de hipótese, dado o facto dado como provado sob 72) para os efeitos do art.º 570º do CC. O Tribunal apenas não repetiu o que acima já havia decidido, na decisão relativa à matéria de facto (alíneas i) e j) da matéria de facto provada), ou seja, que não se havia provado nem a aceitação nem a recusa de uma proposta relativa às ações EG Premium, o que não se analisa em omissão de pronúncia que configure nulidade. O ponto seguinte arguido como omitido refere-se à alegação produzida nos arts. 233º a 241º[36] da contestação, em síntese, que tendo as ações sido subscritas através de uma conta de depósitos à ordem da qual o A. não é exclusivo titular, presumindo-se a igualdade quantitativa do direito de cada contitular, a existirem os danos patrimoniais alegados, o A. apenas teria direito a ½ dos mesmos, atento o disposto no art.º 32º nº1, 2ª parte, do CPC o que imporia a redução em conformidade. Sucede que, pese embora de forma extremamente sintética, a decisão recorrida justificou a decisão de reconhecimento por inteiro ao A. da indemnização que apurou ser devida. O tribunal, no apuramento da responsabilização da R. (pg. 61 da sentença recorrida, referiu: “Com a “queda” do Banco Espírito Santo, S.A., o autor ficou desapossado da quantia de € 343.100 que entregou àquela instituição bancária em troca de um produto financeiro que nunca teria adquirido, se não fossem as informações enganosas prestadas por aquele banco, enquanto intermediário financeiro. E aqui refira-se que tendo sido o autor MC a subscrever as referidas acções preferenciais em seu nome, assistia-lhe a faculdade de demandar por si os réus enquanto sucessores do Banco Espírito Santo, S.A.” O tribunal justificou, pelo facto de as ordens terem sido subscritas apenas pelo A., ter este direito ao ressarcimento dos danos sofridos. Sendo sintética, não se pode considerar que o ponto não foi conhecido e fundamentado, pelo que não subsiste qualquer omissão de pronúncia. Improcedem, nestes termos, as conclusões P) a V) das alegações dos recorrentes. * 4.3. Impugnação da matéria de facto Os recorrentes impugnaram a matéria de facto apontando como erradamente julgados os factos dados como provados sob os n.ºs 43), 44), 51), 59), 60), 61, 77) e 78), e os factos dados como não provados correspondentes às alíneas d), e), f), g), h) 4) e 5), i), j), k), l), m), n), o) e q). Os recorridos pugnaram pela improcedência total da impugnação da matéria de facto. Apreciando: O atual CPC introduziu o duplo grau de jurisdição também quanto à matéria de facto havendo que aferir, relativamente a cada uma das impugnações deduzidas se estão preenchidos todos os requisitos enunciados nos n.ºs 1 e 2, alínea a) do art.º 640.º do CPC. Na reapreciação da decisão de facto cumpre à Relação observar o que dispõe o art.º 662.º do CPC, devendo formar a sua própria convicção, para o que lhe cumpre avaliar todas as provas carreadas para os autos, sem ter que estar sujeita às indicações dadas pelo recorrente e pelo recorrido. Nos termos do disposto no art.º 341.º do Código Civil (doravante CC) as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos. Não se podendo exigir que esta demonstração conduza a uma verdade absoluta (objetivo que sempre seria impossível de atingir), quem tem o ónus da prova de um facto terá de conseguir “criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”. Há que atentar não apenas nas regras sobre o ónus da prova que constam dos art.ºs 342º a 346.º do CC mas também no disposto no art.º 414.º do CPC, que estabelece que na dúvida acerca da realidade de um facto ou sobre a repartição do ónus da prova, tal dúvida se resolve contra a parte à qual o facto aproveita. Importa recordar que o apenso de verificação e graduação posterior de créditos em insolvência não se encontra abrangido pelo disposto no art.º 11º do CIRE, ou seja, não vigora o princípio do inquisitório, aplicando-se, sim, nos termos do disposto no nº1 do art.º 17º do CIRE, a regra geral do CPC, ou seja, rege o princípio do dispositivo quanto aos factos e o princípio do inquisitório quanto às provas – cfr. art.º 5º do CPC[37]. Assim, os factos essenciais terão que ter sido alegados pela parte para que se possam considerar, podendo o tribunal considerar ainda (art.º 5º nº2 do CPC): - os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; - os factos complementares ou concretizadores dos que as partes tenham alegado que resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; e - os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções. Há a notar que, num apenso de processo de insolvência, mesmo num apenso em que não seja aplicável o disposto no art.º 11º do CIRE, como o presente, assumem grande relevância os factos de que o tribunal tem conhecimento devido ao respetivo exercício de funções e o princípio da aquisição processual (cfr. 412º e 413º do CPC), mas que tal não pode ser confundido com a aplicabilidade do princípio do inquisitório previsto no CIRE apenas para alguns dos apensos onde se discutem essencialmente interesses gerais e comuns aos credores. Na verdade, ao chegar ao momento da prolação da sentença no apenso de verificação e graduação de créditos, o tribunal já processou a fase declarativa da insolvência[38], já decidiu a abertura de qualificação da mesma, já tem bens apreendidos e, eventualmente liquidados, ou seja, já sabe muitos factos sobre a insolvente e sobre as pessoas que à volta dela gravitavam. E se esses factos forem relevantes para a decisão da verificação e graduação, pode e deve usá-los, independentemente da respetiva proveniência, desde que observadas as demais regras aplicáveis. É neste enquadramento que devem ser analisadas as impugnações da decisão relativas à matéria de facto. Nos termos do disposto no nº1 do art.º 640º do CPC, quando seja impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Nos termos do nº2, al. a), do referido preceito legal, no caso previsto na alínea b), deve também o recorrente, quando os meios probatórios tenham sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de transcrição dos excertos considerados importantes, sob pena de imediata rejeição. Nos termos da alínea b) do mesmo nº2, cabe ao recorrido desenvolver a mesma indicação em sentido inverso, ou seja, indicar as concretas passagens que infirmam as conclusões do recorrente, e querendo proceder à sua transcrição, sem prejuízo, porém, dos poderes de investigação oficiosa do tribunal. Como refere Abrantes Geraldes[39] a verificação das exigências previstas neste preceito deve ser feita à luz de um critério de rigor, já que decorre do princípio da autorresponsabilidade das partes e apenas assim se impede que este tipo de impugnação resvale no mero inconformismo. Importa, porém, não exponenciar os requisitos formais em violação do princípio da proporcionalidade, denegando a reapreciação da matéria de facto “…com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador.” É, pois, um exercício de equilíbrio que se pede, sendo necessário rigor ancorado no texto da lei, mas sem excessivo formalismo, garantindo o efetivo conhecimento em impugnação de matéria de facto, sempre que as partes cumpram, efetivamente o seu ónus. Tal como se refere no Ac. STJ de 17/12/19[40] é “…orientação consolidada da jurisprudência deste Supremo Tribunal no sentido da atenuação do excessivo formalismo no cumprimento dos ónus do art.º 640º do CPC, designadamente em todos aqueles casos em que o teor do recurso de apelação se mostre funcionalmente apto à cabal identificação da impugnação da matéria de facto e ao respectivo conhecimento sem esforço excessivo. Cfr., a este respeito, entre muitos, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 08-02-2018 (proc. n.º 8440/14.1T8PRT.P1.S1), de 15-02-2018 (proc. n.º 134116/13.2YIPRT.E1.S1), consultáveis em www.dsgi.pt, e os acórdãos de 17-04-2018 (proc. n.º 1676/10.6TBSTR.E2.S1) e de 24-04-2018 (proc. n.º 3438/13.0TBPRD.P1.S1), cujos sumários se encontram disponíveis em www.stj.pt.” Recorde-se que, relativamente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o art.º 640º já citado, tem como solução para o seu incumprimento (diversamente da previsão do art.º 639º nº3) a rejeição do recurso, total ou parcialmente, não existindo possibilidade de despacho de aperfeiçoamento - cfr. arts. 635º nº 4, 640º nº 2, al. a) e 641º nº 1, al. b), ambos do CPC. Analisando a alegação dos recorrente à luz das exigências do artigo 640º do CPC e mantendo presente que a menção à impugnação da matéria de facto e a identificação dos concretos pontos de facto erradamente julgados devem constar das conclusões [cfr. 635º nº 4, 641º, nº 2, al. b) e 640º nº 1, al. a), todos do CPC] e que a especificação dos meios probatórios, a indicação das passagens da gravação e a posição expressa sobre o resultado pretendido devem constar da motivação[41], constatamos que: - os recorrentes identificam na motivação e nas conclusões, como erradamente julgados os factos dados como provados sob os n.ºs 43), 44), 51), 59), 60), 61, 77) e 78), e os factos dados como não provados nas alíneas d), e), f), g), h) 4) e 5), i), j), k), l), m), n), o) e q) da sentença recorrida – cls. W); - indicam, quer na motivação, quer nas conclusões, qual a decisão que no seu entender deve ser proferida – cls. II), JJ), PP), OOO), PPP), XXX) e BBBB); - indicam, na motivação e nas conclusões os concretos meios probatórios que impunham diversa decisão: cls. AA) a HH), KK) a OO), RR) a NNN) e SSS) a WWW). Os recorrentes cumpriram, assim, o seu ónus pelo que compre conhecer da impugnação deduzida quanto ao julgamento da matéria de facto. * Recordando, o tribunal deu como provado sob os nºs 43 e 44 da matéria de facto provada: 43) O autor MC recebia extractos com a epigrafe “carteira de Títulos”. 44) Estes extractos iam para a residência do autor em França, sita em …, Meung sur Loire. E como não provado sob as alíneas e) e g) da matéria de facto não provada: e) O autor MC recebeu os avisos de lançamento das operações sobre valores mobiliários, dos quais consta expressamente o dossier de Títulos n.º 000005557907, associado à conta DO n.º …, e a referência a compra/venda de “Títulos”, identificados como sendo acções “Escriturais”. g) O autor MC recebeu as declarações de movimentos de registo/depósito de valores mobiliários, nomeadamente, a declaração fiscal relativa ao ano 2013, na qual consta, no “dossier de valores mobiliários”, sob “Ações” as operações de venda de valores mobiliários, “SCBES0AE011 POUPANÇA PLUS INVESTMENTS (JERSEY)”, no valor de €91.62,31, e de compra de valores mobiliários “SCBES0AE0269 POUPANÇA PLUS INVESTMENTS (JERSEY)”, no valor de € 91.050. Os recorrentes pretendem a alteração dos nºs 43 e 44 nos seguintes termos: 43) O autor MC recebia extractos com a epigrafe “carteira de Títulos”, avisos de lançamento das operações sobre valores mobiliários e declarações de movimentos de registo/depósito de valores mobiliários. 44) Estes documentos iam para a residência do autor em França, …, Meung sur Loire. Bem como que a matéria constante de e) e g) da matéria de facto não provada passe a provada. Trata-se de matéria que foi alegada pelas RR. na contestação em 48 viii), ix), x), xi) e xii), claramente em duas pespetivas: que o A. tomou conhecimento e recebeu aqueles documentos (48 viii), ix) e xii); e que o A. realizou outros investimentos similares previamente aos investimentos dos autos. Neste ponto da impugnação tratam-se dos pontos relativos à chegada ao conhecimento do A. destes documentos (a realização dos investimentos é objeto de outro ponto da impugnação da matéria de facto). O que foi dado por não provado foi que o A. recebesse especificamente aqueles documentos alegados, tendo o tribunal indicado, na motivação que “No que concerne à prova documental, o Tribunal teve em consideração a constante dos autos, em especial a que foi analisada na audiência de julgamento e que foi confirmada pelo autor RC.” Fica claro desta motivação que os documentos impugnados que não foram confirmados por outro meio de prova, não foram considerados. Começaremos por referir que, ouvida integralmente a prova, só o depoente RC foi confrontado com documentos em audiência. Nenhuma das demais testemunhas foi sequer confrontada com documentos constantes dos autos. Alegam os recorrentes que, além da falta de fundamentação (que no ponto 4.2. deste acórdão já se conheceu e indeferiu), nada justifica que se dê aos docs. 5 e 6 juntos com a contestação um tratamento diferente do que foi dado ao doc. nº4, dado que: a) Nos articulados: o A. MC limitou-se a dizer que tais documentos nunca chegaram ao conhecimento do A.[42] e que a alegação efetuada de que, para os efeitos do disposto no art.º 374º nº3 do CC, declara desconhecer se é ou não verdadeiro o seu teor ou conteúdo, é incompreensível. b) nas suas declarações o depoente RC apenas disse que não conhecia estes documentos; Compreendendo-se que o tribunal tenha dado como provada a receção dos extratos, é incompreensível que não tenha tratado da mesma forma todos os documentos. Mais defendem que da impugnação dos documentos não poderá retirar-se o efeito que se pretende no plano da prova e que o disposto no art.º 374º nº2 do CC não tem aqui qualquer cabimento porque são documentos cuja autoria e declarações não vêm imputadas ao primitivo autor, vindo erroneamente associado à impugnação da veracidade do seu conteúdo, numa vã tentativa de beneficiar de uma inversão do ónus da prova. Apontam ainda que o documento nº5 não inclui qualquer assinatura, nem tampouco é manuscrito. Os recorridos contrapuseram que não deve ser alterada a matéria de facto no sentido proposto pela apelante, dado que a parte do depoimento de RC transcrito apenas refere que era o seu pai que tratava da sua documentação bancária e que confirmou a morada do mesmo. Apreciando: Compulsados os autos verificamos que os documentos 5 e 6 foram juntos com a contestação (como documentos confidenciais, natureza negada por despacho judicial) e que mereceram dos AA.[43] em 01/10/2021 um articulado de estrito exercício de contraditório relativamente aos documentos juntos no qual (art.º 5º) referiram que os documentos 4 a 10 nunca chegaram ao conhecimento do A. e, não sendo da sua autoria, declararam desconhecer a mesma para os efeitos previstos no nº 2 do art.º 374º do CC. Os documentos 5 e 6 são documentos particulares – cfr. art.º 363º do CC. Os documentos, em geral, são meios de prova – cfr. art.º 362º do CC – e dividem-se em documentos declarativos e narrativos ou descritivos. “Esta classificação tem como pressuposto a prova da efetiva proveniência subjetiva do documento, designadamente através da sua assinatura.”[44] A lei, no que toca aos documentos particulares, estabelece um controlo da função e aptidão do documento como meio de prova em dois momentos sucessivos: em primeiro lugar apura-se se o autor real do documento corresponde ao seu autor aparente através do controlo da genuinidade da subscrição. Por si a subscrição é meio de prova do critério de paternidade[45]; então, e num segundo momento, "depois de fixada a genuinidade do documento é que cumpre aferir o seu valor probatório material, ou seja, mensurar a credibilidade que o seu autor merece a respeito dos factos representados e que são objeto do thema probandum. Num primeiro momento, em sede de genuinidade, visa-se determinar a relação entre o emissor aparente e emissor real. Volvido com êxito esse momento, há que apurar algo adicional: a veracidade da declaração contida no documento, relação de correspondência entre o declarado a verdade históric[a].”[46] A impugnação efetuada pelos sucessores do A. situa-se neste primeiro momento e foi efetuada nos termos previstos no art.º 444º do CPC, sem censura processual por parte do tribunal,[47] e enquadra-se no nº 2 do art.º 374º do CC no qual se prevê expressamente que a impugnação da genuinidade (primeiro momento) pode ser efetuada em relação a documento da autoria de terceiro («não lhe sendo elas imputadas»). É certo que nenhum dos documentos é manuscrito e que o documento nº5 não contém qualquer assinatura. Mas a assinatura não é a única forma de estabelecimento de autoria. A subscrição pode ser objeto de declaração expressa ou tácita no sentido do reconhecimento[48]. As consequências desta impugnação são as melhor descritas no Ac. TRL de 17/09/2009 (Fátima Galante – 785/06): “I - Ao invés dos documentos autênticos, que fazem prova por si mesmos da proveniência que ostentam, os documentos particulares não provam, só por si, a sua procedência da pessoa que aparentemente assume a sua autoria ou paternidade». II - A parte contra a qual o documento particular é apresentado pode impugnar a veracidade da letra ou da assinatura ou declarar que não sabe se aquelas são verdadeiras, não lhe sendo imputadas, caso em que cabe à parte que o ofereceu fazer prova da veracidade da subscrição pela pessoa a cuja autoria é atribuído. III - Não sendo estabelecida a genuinidade do documento particular, porque impugnado e não demonstrada a sua veracidade pelo apresentante, o mesmo constitui apenas um meio de prova livremente apreciado pelo julgador, ficando arredada a sua força probatória plena.” Este o fundamento da posição assumida pelo tribunal que, perante o facto alegado, ou seja, que aqueles documentos haviam chegado ao conhecimento do A., e na ausência de qualquer prova documental de envio (cópia de registo de correio, protocolo de envio, aviso de receção, etc.), valorou o depoimento de parte que admitiu, em geral, que os extratos eram enviados e chegavam ao conhecimento do A. RC, em depoimento de parte e exatamente como consta da assentada efetuada em ata, nos termos do disposto no art.º 463º do CPC, que não sofreu qualquer reclamação, disse nunca ter visto qualquer extrato mas confirmou saber que eram enviados para o seu pai para a morada que referiu[49]. E ouvido integralmente o seu depoimento apenas foram referidos extratos e não qualquer outro tipo de documentos. Não há, assim, nenhuma incongruência no diverso tratamento dado pelo tribunal aos documentos (extratos) referidos nos factos 43 e 44 (provados), corroborados por outro elemento de prova, o depoimento de RC e os demais, que não foram mencionados ou confirmados por qualquer outro elemento. Não há, deste modo, qualquer fundamento para alterar, seja a redação dos nºs 43 e 44 da matéria de facto provada, seja para dar como provados os factos dados como não provados sobas alíneas e) e g) da matéria de facto não provada. * Os recorrentes pedem a eliminação do ponto 51 da matéria de facto provada, ou seja: “51) Todos os documentos assinados pelo autor RC não lhe foram lidos nem explicados, nem este procedeu à sua leitura.” Alegam, em síntese, que não se trata de facto alegado pelas partes, tendo sido enxertado pelo tribunal sem qualquer necessidade, dado que como ficou provado sob 52, a relação do BES era direta com o A. MC, atuando RC como mero núncio, não sendo necessário que lhe tivessem sido lidos ou explicados os documentos. Acresce que tal ponto foi dado como provado com base no depoimento de parte de RC, em parte não confessória, mediante declarações não desinteressadas ou isentas pelo que o tribunal não se pode basear exclusivamente nessas declarações para formar a sua convicção. Os recorridos citaram os depoimentos de RC e da testemunha PS relativos à instrução e capacidades de MC e concluíram não ser de deferir esta concreta alteração da matéria de facto. A impugnação do facto dado como provado sob 51 desenvolve-se sobre três ordens de argumentos: tratou-se de facto não alegado e que assim sendo não podia ter sido inserido; é inócuo (está prejudicado) face ao facto dado como provado sob 52; foi dado como provado tendo como motivação exclusivamente o depoimento de parte de RC em parte não confessória, meio de prova que não é suficiente, por si. Os argumentos dos recorridos não respeitam a este facto ou a qualquer destes argumentos. Nos termos do disposto no art.º 5º nº 1 do CPC «Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiem as exceções invocadas.» Os factos essenciais a apurar nos autos respeitam aos temas da prova fixados oportunamente sem qualquer reclamação, sinteticamente, a utilização da conta bancária do A. e mulher junto do BES, a aplicação das poupanças do A., a subscrição de produtos financeiros pelo A. e respetivas circunstâncias, o cumprimento dos deveres do BES enquanto intermediário financeiro e ainda as propostas de acordo posteriores à resolução do BES. A revisão do CPC operada em 2013 concentrou na sentença toda a decisão da matéria de facto, como resulta do atual artigo 607º do CPC. Na decisão relativa à matéria de facto o juiz tem necessariamente que se pronunciar sobre os factos essenciais alegados bem como sobre os factos complementares necessários. Se necessário[50] devem também ser enunciados os factos concretizadores da factualidade que se apresente mais difusa. “A enunciação dos factos complementares e concretizadores far-se-á desde que se revelem imprescindíveis para a procedência da ação ou da defesa, tendo em conta os diversos segmentos normativos relevantes para o caso. Quanto aos factos instrumentais, para além de não carecerem de alegação (aliás, o ónus de alegação respeita somente aos factos essenciais, isto é, àqueles de cuja prova depende a procedência ou improcedência da ação ou da defesa), podem ser livremente discutidos e apreciados na audiência final (cf. anot, aos arts. 5º, 186º e 552º). Consequentemente, atenta a função secundária que desempenham no processo, tendente a justificar simplesmente a prova dos factos essenciais, para além de, em regra, não integrarem os temas da prova, nem sequer deverão ser objeto de juízo probatório específico.”[51] Trata-se da previsão do art.º 5º nº 2 do CPC, no qual se estatui claramente que, em matéria factual, o juiz considera, ainda, além dos factos essenciais alegados pelas partes, os factos instrumentais que resultem da discussão da causa, os factos complementares ou concretizadores dos factos essenciais que resultem da discussão da causa, desde que sobre eles as partes tenham tido oportunidade de se pronunciar e ainda os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento em virtude do exercício das suas funções. Em síntese, esta profunda alteração processual significa que o juiz, na sentença, pode utilizar factos não alegados pelas partes, desde que sejam instrumentais, complementares ou concretizadores e resultem da discussão da causa, notórios ou do conhecimento do tribunal por virtude do respetivo exercício de funções. São claros exemplos de factos não alegados e que o tribunal usou por serem do seu conhecimento em virtude do exercício de funções os factos constantes de 1) a 21) e 22) a 34) da matéria de facto provada, que não foram alegados por qualquer das partes neste apenso, mas resultam adquiridos nos demais apensos e principal deste processo. Apurados os factos resultantes dos documentos juntos pelas RR., que RC era procurador dos titulares da conta bancária associada à conta de valores mobiliários e que havia assinado as ordens cuja execução levou à compra dos valores mobiliários[52], e estando em causa o cumprimento dos deveres de informação ao cliente, o facto em causa é, muito claramente, um facto instrumental e que resultou da instrução da causa, nomeadamente do depoimento de parte do referido procurador. Os factos instrumentais podem ser enunciados como provados ou utilizados na motivação da decisão de facto, porque contribuem para formar a convicção do julgador podendo ou não[53] estar espelhados como provados ou não provados na enunciação da matéria de facto provada. Estabelecido que tal facto podia ser considerado pelo tribunal há que afirmar a sua relevância para o tema das circunstâncias da realização do investimento e que o mesmo não resulta prejudicado pelo facto nº 52: RC era procurador do A. MC sem limitações apuradas [factos nº38 e 37) a)] pelo que o dever de informação aplicável podia ser cumprido na pessoa do procurador. Passando ao tema da motivação do facto, a convicção do tribunal recorrido parece ter assentado exclusivamente no depoimento de parte de RC. O tribunal apontou a conjugação do depoimento deste e dos prestados pelas testemunhas NR e PS quanto aos factos 41 e 44 a 80, mas frisando que o NR relatou os esforços de recuperação do dinheiro e que PS descreveu as capacidades do A. MC (poucos estudos e capacidade de compreensão). Foi o depoimento de parte de RC que o fundou como consta da motivação “Mais referiu que os contactos do Banco Espírito Santo, S.A., com o autor MC eram efectuados pelo telefone, limitando os autores RC e LC a deslocarem-se à agência de Fafe do Banco Espírito Santo, S.A., para assinarem a documentação, sem nunca a terem lido.”, sendo os depoimentos daquelas testemunhas relevados “quanto à personalidade e modo de agir do autor MC”. Neste ponto defendem os recorrentes que o tribunal não pode basear-se exclusivamente num depoimento de parte não confessório, dada a sua natureza não isenta ou desinteressada, citando o Ac. STJ de 21/06/2022 (Maria João Vaz Tomé – 5419/17). O douto aresto citado trata questão conexa com esta, mas situada a montante – decide que pese embora o depoimento de parte possa ser valorado na parte não desfavorável ao depoente, uma vez prestado, a sua admissibilidade depende de ser indicado a factos desfavoráveis, por ser instrumental em relação à confissão. Mas a posição defendida pelas RR. é efetivamente uma das posições defendidas na nossa jurisprudência. Na sequência do progressivo abandono da posição estrita – que apenas admitia o depoimento de parte como meio de prova de factos desfavoráveis[54] - generalizou-se a posição referida, ou seja de que o depoimento podia ser livremente valorado pelo juiz na parte não confessória, mas que dada a posição interessada do depoente, deveria ser, por regra, valorado em conjunto com outros meios de prova. Foi, aliás, essa a ideia por trás da consagração das declarações de parte[55], em relação às quais se colocam exatamente as mesmas questões. Mas como resulta da maioria da jurisprudência, não se formulou uma regra abstrata de impossibilidade de prova de factos exclusivamente com base no depoimento de parte: tratando-se de jurisprudência, o que resulta dos muitos arestos sobre a matéria é exatamente um critério casuístico que, num juízo de normalidade, impõe uma valoração do depoimento de parte, no segmento não desfavorável, com especial cuidado[56]. E, na verdade, como explicitado por Luís Filipe Pires de Sousa[57] embora a propósito das declarações de parte, mas com toda a aplicabilidade ao depoimento de parte não desfavorável, “nada obsta a que (…) constituam o único arrimo para dar certo facto como provado desde que as mesmas logrem alcançar o standard de prova exigível para o concreto litígio em apreciação.” A essencialidade do direito à prova e a tendência crescente de remoção aos obstáculos de natureza processual não nos permitem retirar da previsão da existência do meio de prova declarações de parte (em especial pela forma como foi instituído) uma redução do âmbito já alcançado para o depoimento de parte[58]. Assim, não existindo qualquer inadmissibilidade legal de prova apenas com base num depoimento de parte, quanto a factos não desfavoráveis, o que se impõe é um standard de valoração adequado à realidade de estarmos a lidar com uma parte, com óbvio interesse no desfecho da causa. E isso leva-nos à apreciação concreta do depoimento de parte prestado nos autos por RC. O seu depoimento, valorado pelo tribunal a quo como “credível, sincero, não obstante ser parte na presente acção.”, não nos impressionou integralmente pela mesma forma. Há claramente momentos que merecem grande credibilidade e revelam sinceridade, em especial no tocante à relação com o pai e a um claro sentimento de culpa por ter assinado, ele próprio, as ordens que originaram a questão a juízo. Mas também é bastante claro, em especial na parte inicial do depoimento, que trazia uma história para contar, a que julgava mais favorável às suas (do pai) pretensões o que ficou visível pela forma como, a qualquer pergunta acabava, por referir o mesmo com recurso a algumas palavras chave (“depósitos a prazo”, “produtos de risco”, o pai não sabia o que era uma ação, etc.). À medida que o depoimento se foi desenrolando descontraiu mais e foi revelando outros pormenores, na parte que a nós nos pareceu mais credível. No tocante ao específico ato de assinatura, confrontado com os documentos disse “Eu não vi, não li, assinei”, com especificação que por ordem do pai. Mas mais tarde acabou por dizer que quando o pai lhe falou do investimento, com uma taxa de 6.5% (3,25 por ano), manifestou ao pai a sua preocupação. Evidentemente, sendo um homem de negócios, em 2013/2014, bem sabia que não havia depósitos a prazo a pagar este tipo de taxas. Disse, numa declaração que nos impressionou como credível, que o pai lhe terá dito que quem mandava no dinheiro dele era ele. Com esta conversa antecedente, chegar ao banco para assinar e nada ler e nada perguntar não faz qualquer sentido, mesmo para um homem que reclama não ser “técnico de literatura”, uma expressão curiosa que usou para explicar que não lia nada nos bancos[59]. O que faz sentido é o que acabou também por admitir em fase já adiantada do depoimento, que, quando assinou as ordens, perguntou ao Sr. C (que identificou como o gerente da agência de Fafe e que se veio a verificar ser a testemunha JOC) se tinha risco, ao que este lhe terá respondido que não. E nesta parte o depoimento acaba por sair confirmado por outro elemento, o depoimento de JOC que, sem referir esta conversa, que na verdade, não lhe foi perguntada por qualquer dos intervenientes, disse que o produto não tinha risco, porque era garantido pelo BES e nunca lhe passou pela cabeça que viria a suceder o que sucedeu; e disse também que não sabia a composição do produto (foi-lhe perguntado se sabia que eram ações). Assim sendo, resulta claro que à pergunta de então, se o produto tinha risco, JOC teria respondido o que o depoente RC afirmou ter respondido e ainda que não era capaz de proceder a explicações sobre o produto. A única parte não confirmada é a parte do “não li”, que, num juízo de experiência comum é também a menos credível, em especial neste enquadramento – de especial preocupação e afeto pelo pai revelados pelo depoente. Entendemos assim, em parcial procedência da impugnação, que a redação do ponto 51 da matéria de facto provada deve ser alterada por forma a traduzir esta avaliação do depoimento de parte e do depoimento da testemunha JOC, passando a ter a seguinte redação: “51) Os documentos referidos em 45) a 48) não foram lidos nem explicados ao autor RC.” * Prosseguindo no conhecimento da impugnação da matéria de facto, os recorrentes e RR. impugnaram a não prova de d), f), h) 4 e 5, k), l), m), n), o) e q) e os factos dados como provados sob 59), 60) e 61). Pretendem que a matéria das alíneas d), f), h) 4 e 5, k), l), m), n), o) e q) da matéria de facto provada passe a provada e que o facto nº 59) seja dado como não provado, bem como alterados os factos 60) e 61) da matéria de facto provada, nos seguintes termos: 60) A preocupação do autor era a rentabilização do dinheiro que ganhou em França, bem como as vantagens fiscais. 61) O autor quis investir o dinheiro que ganhou em França em coisa diferente de depósitos a prazo para garantir uma maior rentabilização do mesmo e beneficiar de vantagens fiscais. Alegaram, em síntese, como meios de prova a considerar: i) os extratos bancários juntos aos autos, repetindo argumentos quanto à impugnação efetuada pelos AA.: que se tratou apenas da genérica alegação de que não chegaram ao conhecimento do A., o que é falso e contraditório com os demais factos provados (não concretizados) e a incongruência da alegação para os efeitos do disposto no art.º 374º nº2 do CC; ii) o depoimento de JOC no tocante aos motivos pelos quais MC teria optado por este tipo de produto e quanto ao facto de ter este tipo de aplicações há vários anos; iii) o depoimento de parte de RC quanto à conversa tida com o pai sobre a taxa de juro e não ter risco; bem como a parte relativa aos anteriores investimentos dos quais referiu não ter provas; iv) as ordens de subscrição e venda de ações e o seu teor, revestidas de força probatória plena nos termos e para os efeitos do art.º 374º nº1 do CC; que não podiam, como o fez o tribunal, ser contrariadas por prova testemunhal; v) a ausência de prova que MC estivesse convencido de estar a subscrever depósitos a prazo; vi) o “Contrato de Registo e Depósito de Instrumentos Financeiros” celebrado a 10.07.2008 entre o BES e o AUTOR primitivo, e por este subscrito. Os recorridos pugnaram pela improcedência da impugnação argumentando com a falta de prova da versão das RR. e enunciando os depoimentos de IT e JOC que não souberam explicar o modo de funcionamento do produto financeiro. Recordando, o tribunal deu como provado: 59) O autor MC sempre achou que estava a investir o seu dinheiro em depósitos a prazo. 60) A preocupação do autor era a rentabilização do dinheiro que ganhou em França. 61) O autor não sabia o que eram acções preferenciais. E deu como não provado: d) O autor MC investia em valores mobiliários Séries Comerciais de Ações Preferenciais – pelos menos, desde 2008, tendo, desde esta data, por diversas ocasiões, efectuado investimentos em diversos instrumentos financeiros, como por exemplo: 1) De acordo com o extracto 2/2008, o autor era titular de Top Renda 4 RE Jul.08-10 4Ser, com o código ISIN ZZZZZ9791328, no valor de € 150.181,64; 2) De acordo com o extrato 02/2009, o autor era titular de Top Renda 4 RE Jul.08-10 4Ser, com o código ISIN ZZZZZ9791328, no valor de € 150.181,64; 3) De acordo com o extrato 02/2010, o autor era titular de Poupança Plus 6 Re Jan.10-11 3.Ser, com o código ISIN SCBES0AE0003, no valor de € 161.921,40; 4) De acordo com o extrato 02/2011, o autor era titular de Poupança Plus 6 Re Jan.10-11 3.Ser, com o código ISIN SCBES0AE0003, no valor de € 161.921,40; 5) De acordo com o extrato 03/2011, o autor era titular de Poupança Plus 1RE Maio 11 24M 2.S, com o código ISIN SCBES0AE0110, no valor de € 167.000, bem como de Poupança Plus 1RE Maio 11 15M 3.S, com o código ISIN SCBES0AE0111, no valor de € 145.100; 6) De acordo com o extrato 03/2012, o autor era titular de Poupança Plus 1RE Maio 11 24M 2.S, com o código ISIN SCBES0AE0110, no valor de € 167.000, bem como de Poupança Plus 1RE Maio 11 15M 3.S, com o código ISIN SCBES0AE0111, no valor de € 145.100; 7) De acordo com o extrato 04/2012, o autor era titular de Poupança Plus 1RE Maio 11 24M 2.S, com o código ISIN SCBES0AE0110, no valor de € 167.000; 8) De acordo com o extrato 01/2013, o autor era titular de Poupança Plus 1RE Maio 11 24M 2.S, com o código ISIN SCBES0AE0110, no valor de € 167.000, bem como de Poupança Plus 6 10/12 16Re01, com o código ISIN SCBES0AE0228, no valor de € 152.950; 9) De acordo com o extrato 03/2013, o autor era titular de Poupança Plus 6 10/12 16Re01, com o código ISIN SCBES0AE0228, no valor de € 152.950,00, bem como de Poupança Plus 6, com o código ISIN SCBES0AE0269, no valor de € 182.100. f) O autor investiu em valores mobiliários – séries comerciais de acções preferenciais – por diversas ocasiões, tendo subscrito as seguintes acções preferenciais: 1) Aviso Nr.º 1020479 de 28/01/2010: Venda de Títulos TR 4RE JUL.08-10 4, com o código ISIN ZZZZZ9791328, no valor de € 161.947,13; 2) Aviso Nr.º 1022543 de 28/01/2010: Compra de Títulos PP 6RE JAN.10-11 3, com o código ISIN SCBES0AE0003, no valor de €161.921,40; 3) Aviso Nr.º 1014978 de 29/04/2011: Venda de Títulos PP 6RE JAN.10-11 3, com o código ISIN SCBES0AE0003, no valor de € 168.074,41; 4) Aviso Nr.º 1053873 de 20/05/2011: Compra de Títulos PP 1RE MAI11 15M 3, com o código ISIN SCBES0AE0111, no valor de €145.100; 5) Aviso Nr.º 1031934 de 24/08/2012: Venda de Títulos PP 1RE MAI11 15M 3, com o código ISIN SCBES0AE0111, no valor de 152.920,89; 6) Aviso Nr.º 1040235 de 20/05/2011: Compra de Títulos PP 1RE MAI11 24M 2, com o código ISIN SCBES0AE0110, no valor de € 167.000; 7) - Aviso Nr.º 1029512 de 30/05/2013: Venda de Títulos PP 1RE MAI11 24M 2, com o código ISIN SCBES0AE0110, no valor de € 182.124,62; 8) Aviso Nr.º 1048193 de 26/10/2012: Compra de Títulos PP 6 10/12 16RE01, com o código ISIN SCBES0AE0228, no valor de € 152.950; 9) Aviso Nr.º 1024994 de 17/02/2014: Venda de Títulos de PP 6 10/12 16RE01, com o código ISIN SCBES0AE0228, no valor de € 161.090,34; 10) Aviso Nr.º 1036252 de 24/06/2013: Compra de Títulos POUPANÇA PLUS 6, com o código ISIN SCBES0AE0269, no valor de € 182.100; 11) Aviso N.º 1028480 de 17/02/2014: Compra de 6.440,00 Títulos de EGPR2 VGG295731134, com o código ISIN SCBES0AE0316, no valor de € 161.000. h) O produto das acções preferenciais consistia no seguinte: 4) Embora não existisse qualquer compromisso formal de compra ou de assegurar a venda, a experiência (ao longo de anos, mais de uma década) era a de que as acções preferenciais encontravam sempre compradores interessados nas datas e preços constantes das ordens de venda; 5) Com a aplicação da medida de resolução ao Banco Espírito Santo, S.A., no dia 3 de Agosto de 2014, deixou de ser possível vender, por ausência de compradores interessados, as acções preferenciais emitidas pelas indicadas sociedades veículo pelos valores e nas datas indicadas nas ordens de venda; k) O autor MC investiu em valores mobiliários – séries comerciais de acções preferenciais – tendo em consideração as vantagens e rendibilidade oferecida por este produto. l) Rendibilidade esta que não teriam conseguido num simples depósito a prazo. m) A decisão de investimento do autor foi tomada de modo livre e esclarecido, com a intenção, evidente, de aplicar as suas poupanças num produto que disponibilizava uma remuneração diferenciada. n) O autor quis um produto que proporcionasse uma rendibilidade acrescida e vantagens fiscais que não teria num simples depósito a prazo e com a plena consciência que estava a investir num produto que não era um depósito a prazo. o) O autor foi devidamente esclarecido e estava ciente de que (i) o contrato de intermediação financeira era de mera recepção e execução de ordens; (ii) que o banco não estava obrigado a determinar a adequação do investimento e que (iii) estava a adquirir acções preferenciais (não depósitos) e dos riscos e características inerentes a tais instrumentos financeiros. q) O autor escolheu, de forma autónoma, os instrumentos financeiros em que investiu, limitando-se o Banco Espírito Santo, S.A., enquanto intermediário financeiro, a executar uma ordem por aqueles emitida. Damos aqui por reproduzidas as considerações tecidas no tocante aos documentos 5 e 6 na apreciação do pedido de alteração dos nºs 43 e 44. Pelos mesmos e exatos motivos não podem ser considerados. Passando à apreciação dos depoimentos prestados os recorrentes acusam o tribunal a quo de ter menorizado o depoimento de JOC, descrevendo-o como vago e impreciso. Neste ponto há que referir que JOC prestou um depoimento bastante credível e seguro, assinalando com clareza o que sabia e o que não sabia, nomeadamente assumindo desde logo que desconhecia a composição concreta deste tipo de produtos, mas revelando conhecer os mesmos e as suas caraterísticas de mais valia comercial. Também assinalou desde logo nunca ter negociado com MC ou procedido a qualquer explicação sobre estes produtos, mas sendo muito claro quanto ao facto de MC já investir neste tipo de soluções há vários anos. Aliás na resposta a uma pergunta conclusiva após várias respostas negativas (Então não sabe nada sobre o Sr. MC?) foi incisivo: sei que ele tinha este tipo de aplicação há vários anos. Foi também claro e credível na resposta à pergunta que tipo de cliente era o A. Respondeu sem hesitação “Conservador”. E acrescentou que se o A. investiu era porque tinha garantia de capital referindo que “nenhum gestor lhe ia dar um produto de risco”. Neste ponto identificou parte dos produtos em que o A. investiu (Poupança Plus), descreveu-os comercialmente (ativos investidos no estrangeiro com garantia por parte do BES) e referiu existirem desde 2001. Referiu também serem produtos pensados para os emigrantes por terem várias das caraterísticas preferidas deste tipo de clientela: sem risco, não comunicado ao estrangeiro (diferentemente dos depósitos a prazo), com uma rendibilidade alta para esse tipo de produtos e com mobilização por prazos relativamente curtos. Referiu que, por causa da questão da comunicação para o estrangeiro – cujos motivos não adiantou – os emigrantes optavam por exemplo por PPRs, em vez de depósitos a prazo, o que é corroborado pelas declarações do depoente RC que mencionou a existência de um PPR de seu pai – cujo vencimento teria determinado a disponibilidade para a subscrição das ações aqui em causa. Foi também muito preciso quanto ao que não sabia – não sabia a composição do produto; não sabia quem negociava com o Sr. MC, presumindo que tudo passaria pelos filhos e pelo gestor que não soube identificar (foi bastante interrogado quanto a este ponto, tendo dito várias vezes que teve vários gestores durante os 11 anos em que foi gerente de Fafe, não conseguindo recordar-se de todos, nem de quem teria o Sr. MC, o que é razoável dado o tempo decorrido e as funções desempenhadas); disse também que não sabia se a venda deste produto era ao Banco ou intermediada pelo Banco e que só sabia que o BES garantia o valor investido mais os juros. Como o garantia, disse não saber. A testemunha foi muito clara quanto ao tipo de caraterização que comercialmente seria feita deste tipo de produtos: se no fim do período o produto não lucrasse o Banco suportava o prejuízo. O único risco que o produto tinha era o desaparecimento do BES, que ao tempo era inimaginável, porque se trava de uma instituição credível. Acrescentou que aconselharia este produto a familiares e amigos. Foi-lhe perguntado, em abstrato se um emigrante confundiria este tipo de produto com um depósito a prazo e a resposta foi bastante assertiva – não por causa da questão da comunicação com o estrangeiro, à qual eram sensíveis. Passando ao depoimento de parte de RC, embora tivesse começado por referir com muita insistência os depósitos a prazo acabou por admitir que tinha tido uma conversa telefónica com o pai na qual foi referida a taxa de juros favorável, completamente impossível num depósito a prazo, tanto assim que o referido RC declarou ter advertido o pai de se não haveria risco, pergunta que só faz sentido se não se tratar de um depósito a prazo. Perguntado ao depoente o que seriam produtos sem risco respondeu: depósito a prazo, embora posteriormente – e recordado do processo em que estava a depor - tenha corrigido que só tem o risco de falência. Esse não era um risco que os clientes de retalho discutissem para o BES em 2013, ou mesmo no início de 2014 (de facto nem muitos dos bancários, já que JOC admitiu ter comprado ações do BES no último aumento de capital sempre arredando qualquer cenário de desaparecimento do banco). Assim, o risco advertido pelo depoente ao seu pai na conversa relatada revela com clareza que não se tratava de um depósito a prazo, do que ambos estavam cientes. O depoimento de NR em nada contraria esta conclusão. É um claro depoimento de ouvir dizer, tendo relatado uma conversa na qual, numa viagem, RC lhe disse que ia resgatar uns depósitos a prazo dos pais. Pode ter sido modo de falar, mas nada acrescenta ou retira aos demais elementos de prova. Já o depoimento de PS, claro e objetivo, relatou factos de que tinha conhecimento direto: as caraterísticas do A. MC confirmando nessa parte o depoimento de RC. O A. MC era uma pessoa com pouca instrução e dificuldades de compreensão de realidades que lhe fossem estranhas (no caso tratar de questões na Segurança Social e compreender o que era necessário e se o que lhe entregavam correspondia ao que havia pedido). Sendo esta a prova produzida temos a assinalar que não se provou que o A. MC pensasse estar a fazer depósitos a prazo quando fez as aplicações aqui em causa. Pese embora o respetivo perfil: conservador, pouco instruído, com algumas dificuldades de perceção de realidades não quotidianas, teimoso; - o A. estava habituado a investir o seu próprio dinheiro (o PPR referido pelo filho), as várias aplicações em ações preferenciais apuradas antes, com total autonomia e sabia que os depósitos a prazo não estavam a pagar cerca de 3%. Parecia também ser sensível à questão da comunicação ao estrangeiro, o que explicaria o PPR anterior. A conversa telefónica com o seu pai relatada por RC – sobre as taxas de juro e o risco que poderia ter – inserida na parte mais credível do depoimento, conjugada com a não prova de que o referido RC, na qualidade de procurador, tenha assinado sem sequer olhar as ordens de compra e de venda, onde consta claramente “ações”, levam-nos à mesma conclusão. O depoimento de NR, referenciado pelo tribunal como corroborante do convencimento de que seriam depósitos a prazo não teve, neste ponto, qualquer relevância. A testemunha limitou-se a relatar uma conversa com RC, já na altura do colapso do BES (pouco antes, referiu) na qual aquele lhe terá dito que ia ao Banco resgatar um depósito a prazo dos pais. Ou seja, referiu o que lhe disse RC, o mesmo depoente que, no início do seu depoimento disse tantas vezes quantas pode que o seu pai só fazia depósitos a prazo (o que acabou por desmentir, ao menos com a menção do PPR) e nos termos transcritos nas alegações de recurso dos recorrentes: «Ó Dra., era um bocado tudo, aquilo que eles disseram é, não há risco, é 3.25 e ainda por cima não há impostos. Um emigrante que tenha um bocadinho de dinheiro, que lhe proponham isso, ele fecha os olhos.» O falecimento de MC e a impossibilidade de colher e valorar a sua versão deixam-nos como elementos de valoração elementos indiretos e juízos de experiência comum que, no caso, apontam todos para uma conclusão: MC queria saber se o capital estaria garantido e se tinha alguma rendibilidade; sabia que não eram depósitos a prazo, por causa da taxa, mas foi-lhe garantido (depoimento de JOC, caraterísticas comerciais do produto) que o Banco garantia o capital e os juros. Não sabia o que eram ações preferenciais (depoimento de PS), como a maior parte das pessoas não sabe, mas sabia que já tinha, com êxito e segurança, feito este tipo de investimento com os resultados prometidos. Investiu sabendo que não eram depósitos a prazo, mas não sabendo o que eram: só sabendo que lhe garantiam o capital e rendimento fixo em data certa. Assim, impõe-se não a não prova da matéria constante de 59, mas a sua alteração, em termos muito próximos da alegação do próprio A. no art.º 11º da petição inicial – um produto semelhante a um depósito a prazo porque garantido pelo banco quanto ao capital e juros findo determinado prazo. Não há, porém, qualquer razão para a alteração dos nºs 60 e 61 da matéria de facto provada, ambos correspondentes a declarações de RC credíveis e emocionadas (sobre o facto de o pai nunca querer por em risco as poupanças de uma vida de trabalho) e confirmadas pelo depoimento de PS quanto à impossibilidade de saber o que eram ações preferenciais[60]. Relativamente à matéria de facto não provada, não se podem considerar provados os factos precisos constantes dos pontos 1 a 9 da alínea d), ou sequer o termo inicial dos investimentos em ações preferenciais. Do depoimento de JOC extrai-se que, efetivamente, houve investimentos anteriores neste tipo de produtos, pelo que há que dar por provada a existência de investimentos anteriores, mantendo-se como não provados os específicos investimentos constantes apenas de documentos impugnados e não corroborados por qualquer outro meio de prova. Tal só não sucede com o produto referido na parte final do nº 9 da alínea d) - Poupança Plus 6, com o código ISIN SCBES0AE0269, no valor de € 182.100 – por se tratar da subscrição constante de 45) da matéria de facto provada, sendo a sua manutenção na matéria de facto não provada contraditório com os factos dados como provados no local referido. Nos mesmos termos, a parte geral da al. f) deve passar para os factos provados – trata-se essencialmente da repetição do proémio da al. d) mantendo-se, porém, como não provadas as subscrições especificas constantes dos nºs 1 a 9, e eliminando-se os nºs 10 e 11 (por corresponderem às subscrições constantes dos nºs 45) e 47) da matéria de facto provada) atenta a impugnação dos documentos respetivos. Os factos constantes da alínea h), pontos 4 e 5 retiram-se da natureza dos produtos subscritos, ações preferenciais e do teor das ordens de compra e de venda dadas por provadas em 45 a 48 da matéria de facto provada e dadas por integralmente reproduzidas em 45) e 47). Tratam-se de ações a adquirir em OTC (over the counter) ou seja, transacionadas em mercado secundário, fora de bolsa, no âmbito de relações bilaterais entre as duas partes[61], que por definição o intermediário já tem “em carteira” para fazer adquirir pelos seus clientes e a vender no mesmo mercado, não constando da ordem de venda qualquer compromisso do Banco de as adquirir, mas antes e apenas a obrigação de as vender. Por se tratarem de relações contratuais bilaterais é possível o estabelecimento de preços de venda posteriores. Mas sendo ações a negociar fora de bolsa, caso existisse uma obrigação de compra por parte do intermediário teria que estar expressamente prevista. Ali consta expressamente venda em OTC e sem qualquer indicação de contraparte, quer no documento 2, quer no documento 3. Por outro lado, do depoimento de JOC resulta que estes produtos eram historicamente sempre vendidos pelo preço acordado e que tal só deixou de acontecer quando o banco colapsou. Nas palavras da testemunha “só tinha risco BES”. Assim, do teor dos documentos (ordens de compra e de venda) referidos em 45) e 47) e do depoimento de JOC é possível concluir pela correção da pretensão dos recorrentes, devendo ser eliminados os nºs 4 e 5 da al. h), da matéria de facto não provada e aditados aos factos provados. A matéria constante das alíneas k) e l) da matéria de facto provada resulta provada pelos fundamentos acima expostos e que determinam a alteração do nº 59 da matéria de facto provada. Apurado que o A. não subscreveu os produtos dos autos convencido de que se trataria de um depósito a prazo, mas sim de um investimento garantido pelo Banco, tal já se encontra refletido na matéria de facto provada como acima decidido. A motivação de obtenção de maior rendibilidade resulta do depoimento de parte de RC, na parte em que relatou a conversa telefónica tida com o seu pai, na qual o tema, e o que o preocupou, foi precisamente a (mais) alta rendibilidade do investimento que veio a ser feito[62]. O facto de tal rendibilidade, patente na comparação entre os valores constantes da ordem de compra e de venda ser superior às então obtidas com depósitos a prazo é um facto notório. Não foi produzido – nem indicado nas alegações – qualquer elemento de prova quanto à matéria constante de m), n), o) e q). Alegam os recorrentes, em argumento que deve ser examinado a propósito da matéria por si alegada e aqui dada por não provada sob a alínea o) que o tribunal não podia ter valorado a prova testemunhal e por depoimento de parte produzida para infirmar as declarações que constam das ordens de compra e de venda - tal como consta do facto dado como provado 53) – por tais declarações estarem revestidas de força probatória plena nos termos e para os efeitos previstos no art.º 374º nº1 do CC, sem prejuízo do disposto no art.º 393º do CC. Há que assinalar que o trecho da motivação de facto constante da sentença transcrito em 106 das alegações não se refere nem à motivação dos factos provados, nem ao teor das declarações constantes das ordens de subscrição e venda constantes da matéria de facto provada sob 53). O trecho transcrito é a motivação geral da matéria de facto não provada como se verifica da transcrição completa: “A resposta do Tribunal quanto aos Factos dados como Não Provados resultou, por um lado, do facto terem sido infirmados pela prova produzida em audiência, nomeadamente o depoimento de parte e a prova testemunhal produzida e nessa medida estarem em manifesta contradição com os factos dados por provados. E por outro lado, a circunstância de não terem produzido prova, principalmente testemunhal que sustentasse o por si vertido na sua oposição.” Assim, o que se afirma é que quanto à matéria de facto dada como não provada, a convicção do tribunal assentou, ou na prova produzida em sentido contrário, quanto a uns, ou na ausência de prova, quanto a outros. Mas passando à análise do argumento suscitado, recorda-se que foi dado como provado: 53) Consta dos documentos de ordem de compra/subscrição e de venda de acções preferenciais (“Operações Sobre Instrumentos Financeiros” de fls. 70v e seguintes) supra mencionados o seguinte: a) “Instrumentos Financeiros Complexos – Falta de Perfil de Investidor: Declaro ter sido avisado de que a minha recusa em fornecer informação necessária à realização do teste de adequação impede a determinação do meu perfil de investidor.” b) “Declaro (…) que para todos os efeitos legais, conheço e aceito as condições da operação, as comissões e custos devidos pela realização da presente operação, compreendo os riscos envolvidos e possuo todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, tendo sido informado pelo Banco que a respetiva ficha técnica ser-me-á disponibilizada, caso a solicite;” Está em causa o teor da alínea b), dado que a alínea a) não tem qualquer aplicação à situação apurada nos autos. O facto de ter sido assinalada a quadrícula referente à alínea a) (Instrumentos financeiros complexos) não implica, por si só, que se tratem de ordens relativas a esse tipo de produtos. A classificação dos produtos é uma realidade, fática e jurídica completamente diversa da classificação dos clientes. A classificação do cliente é um dever do intermediário financeiro[63], enquanto que a classificação dos produtos financeiros é uma classificação legal em função de determinadas caraterísticas dos produtos, sendo obrigatória a sua identificação como complexos, reunidas tais caraterísticas[64]. O intermediário financeiro tem, assim, um dever de identificação dos produtos complexos (e para isso tem que os classificar), mas a própria classificação é objetiva, resultando das caraterísticas dos instrumentos. Assim sendo, o facto de a liquidanda mencionar num impresso de ordem de aquisição e venda destes produtos a classificação de complexos, não é relevante. O que releva é se o produto é ou não complexo, e para chegar a essa conclusão há que ponderar a natureza dos instrumentos. O único facto que hipoteticamente poderia ser relevante não foi, de todo, alegado: só seria suscetível de configurar uma violação dos deveres da liquidanda enquanto intermediária financeira se, relativamente a produtos complexos, os não tivesse identificado como tais ou não tivesse cumprido os acrescidos deveres previstos no art.º 2º do Decreto Lei nº 211-A/2008. No mais, a questão da complexidade do produto apenas é suscetível de relevar em sede de intensidade dos direitos de informação e de avaliação do cumprimento (se devido) dos deveres de adequação. E, para esse efeito, não importa a classificação que lhe foi dada: o que importa é se os produtos são ou não efetivamente complexos. Os instrumentos financeiros subscritos são ações, ou seja, uma fração de capital social de uma sociedade anónima[65], representado, correspondente a participação social; ou “o conjunto unitário de direitos e obrigações, actuais e potenciais do acionista, e como valor mobiliário”[66] - cfr. art.º 271º do CSC e art.º 1º, nº1, al. a) do CVM. “O termo ação é um vocábulo polissémico, assumindo, no campo do Direito Comercial, três preenchimentos distintos: i) participação social; ii) fração do capital social; e iii) forma de representação. (…) Aos três preenchimentos introdutoriamente avançados, cumpre acrescentar um quarto: o de ação enquanto vm[67]. Não se trata, contudo, de uma efetiva quarta aceção distinta das demais. A mobiliarização do termo leva, isso sim, a uma adaptação da posição jurídica dos sócios e da sua forma de representação ao universo do DVM[68].”[69] As ações podem ser ordinárias, ou seja, “participações sociais que integram direitos e deveres que a lei atribui, imperativa e supletivamente, quantitativa e qualitativamente, às ações em geral. Estas ações apenas podem apresentar outras caraterísticas ou por desvio de regras legais supletivas, que não recaiam sobre o seu conteúdo essencial, ou «por efeito reflexo da criação expressa de certas categorias de ações».[70] Temos depois, ações privilegiadas, que são as “participações que conferem, aos respetivos titulares, vantagens relativamente às situações jurídicas que caraterizam as demais ações, podendo ser de diversas categorias”[71], como resulta do disposto no art.º 302º do CSC[72]. Temos, e seguindo as regras societárias, ações privilegiadas sem conteúdo imediatamente patrimonial[73], atípicas com conteúdo patrimonial, como as ações preferenciais sem direito de voto, previstas nos arts. 341º a 345º do CSC, mas podendo ter conteúdos atípicos. No caso não temos muita informação sobre as ações em causa, mas sabemos que eram ações privilegiadas com conteúdo patrimonial face ao acréscimo de valor previsto entre a compra e a venda. Tendo presente o regime do Decreto Lei nº 211-A/2008, de 03/11, em vigor à data dos factos[74] são produtos financeiros complexos «Os instrumentos financeiros que, embora assumindo a forma jurídica de um instrumento financeiro já existente, têm características que não são directamente identificáveis com as desse instrumento, em virtude de terem associados outros instrumentos de cuja evolução depende, total ou parcialmente, a sua rendibilidade» Pese embora esta categoria tenha sido abolida em 2018, a categoria concetual ficou, como resulta da atual redação do art.º 314º, nº1, al. a), subalínea v) do CVM, bem como as especiais exigência de informação e publicidade que os rodeiam, dadas as suas caraterísticas de “instrumentos financeiros cuja especial complexidade, sobretudo no que respeita à percepção dos riscos que o investimento neste tipo de produtos envolve” por incorporarem riscos e características de dois ou mais instrumentos financeiros de diferente estrutura e natureza sob a aparência de um instrumento financeiro único. As ações em causa nos autos não revestem qualquer destas caraterísticas, são ações preferenciais de conteúdo patrimonial que apenas comportam o risco da emitente pelo que, com segurança, concluímos que estas ações não são produtos financeiros complexos. Passando à análise da declaração contida na al. b) trata-se de um elemento padronizado incluído do impresso de formalização da subscrição de valores mobiliários, invocando os recorrentes que, tratando-se de documentos assinados pelo A. (através do procurador) e não impugnados[75] são dotados de força probatória plena, nos termos do art.º 374º nº1 do CC, não podendo ser contrariados por prova testemunhal e muito menos por depoimento de parte, sem prejuízo do nº3 do art.º 393º do CC. Estabelece o nº1 do art.º 374º do CC: «1. A letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras.» Como melhor se escreveu no Ac. TRC de 24/10/2023 (Henrique Antunes – 2548/21): “Relativamente aos documentos particulares assinados pelo seu autor, a lei estabelece um sistema gradativo de ilações. - Primeira ilação: genuinidade da assinatura e, portanto, da autoria do documento; invocado um documento assinado, fica objecto de prova bastante que a assinatura é genuína: se a parte não impugnar a veracidade da assinatura, tem-se ela por demonstrada (art.º 374.°, n.° 1, do Código Civil); se a parte impugnar a veracidade da assinatura ou então, não sendo a assinatura da própria parte, declarar que não sabe se é genuína (art.º 374.°, n.° 1, do Código Civil), a genuinidade da assinatura terá de ser objecto de prova, recaindo o ónus da prova sobre o apresentante do documento (devendo o tribunal, na dúvida, tomar a assinatura como não genuína) (art.º 374.°, n.° 2, do Código Civil). - Segunda ilação: da genuinidade da assinatura, conclui-se a genuinidade do texto do documento; o documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos descritos faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento (art.º 376.°, n.° 1, do Código Civil); - Terceira ilação: a demonstração da genuinidade do texto transforma o documento em confessório, isto é, os factos nele relatados consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante (art.° 376.°, n.° 2, do Código Civil); isto não impede, no entanto, que o autor do documento possa demonstrar a inveracidade daqueles. O valor probatório do documento assinado pode ser ilidido através da prova de uma das seguintes circunstâncias: a demonstração da falsidade material do documento (art.º 376.°,n.° 1, in fine, do Código Civil), i.e., a prova da alteração do seu conteúdo, antes ou depois da subscrição pelo signatário; se o documento tiver sido assinado em branco, a demonstração de que foi violado um pacto de preenchimento ou de que o documento foi subtraído ao signatário (art.º 378.° do Código Civil); se o documento tiver sido subscrito por pessoa que não saiba ou não possa ler ou a rogo, a demonstração de que a subscrição não foi confirmada perante notário (art.º 373.°, n.°s 3 e 4, do Código Civil).” Seguindo estas três ilações foi dado como provado o facto 53, que não sofreu impugnação por qualquer das partes. Ou seja, está provado que o documento foi assinado pelo procurador, e que este, por essa via, declarou “que para todos os efeitos legais, conheço e aceito as condições da operação, as comissões e custos devidos pela realização da presente operação, compreendo os riscos envolvidos e possuo todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, tendo sido informado pelo Banco que a respetiva ficha técnica ser-me-á disponibilizada, caso a solicite”. O que esta declaração não prova é que tenham sido prestados todos os esclarecimentos e informações aplicáveis ao caso concreto pelo Banco, o intermediário financeiro, mas apenas que foi declarado pelo cliente que estava ciente da operação, dos riscos e que possuía toda a informação (por ele, cliente) considerada necessária. A única referência a informação prestada pelo Banco é a de disponibilidade da ficha técnica incluída na força probatória do documento. Ainda que assim não fosse, não seria por via da aplicação do sistema de ilações previsto nos arts. 374º nº1 e 376º, nºs 1 e 2 do CC que, por através de uma cláusula tipo, assinalada com quadrícula num impresso de ordem de investimento, iríamos considerar demonstrado o integral cumprimento dos deveres do intermediário financeiro para com o seu cliente não profissional. Como se desenvolverá infra, nos termos do nº2 do art.º 304º do CVM, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência. Trata-se do princípio da atuação de boa-fé, concretizado em várias regras do CVM e que corporiza também autonomamente a imposição de atuação com elevados padrões de diligência e, ter, para com os seus clientes, cujos interesses está vinculado (304º nº1 do CVM) a proteger, elevados padrões de lealdade e transparência. O critério de aferição não é efetuado de acordo com o padrão civilista do bonus pater familiae mas sim pelo padrão do diligentissimus bonus pater familiae[76]. O dever de lealdade pautado por estes elevados padrões, na sua vertente positiva (atuar no melhor interesse do cliente), é sempre avaliado em concreto, “tendo por referência um cliente específico e um serviço efetivamente prestado. A categorização do cliente - cliente profissional, contraparte elegível ou cliente não profissional – afeta, naturalmente, a intensidade do dever de lealdade positivo. Todavia, daqui não resulta que os intermediários financeiros possam proceder ao preenchimento do conceito de “melhor interesse” tendo por referência um conjunto predeterminado de perfis ou de clientes-padrão.”[77] Ou seja, uma declaração padronizada, sem qualquer referência concreta, nunca seria suscetível de provar o cumprimento de deveres, seja os genéricos (dever de lealdade), sejam específicos (dever de informação modulado ao cliente concreto) do intermediário financeiro. Assim, o facto dado como provado sob 53 não contribui, por qualquer forma para a demonstração de qualquer dos factos dados como não provados sob as alíneas m), n) o) e q), não havendo qualquer razão para a respetiva alteração. Pelo exposto: - Em parcial procedência da impugnação da matéria de facto dada como provada sob 59 altera-se, nos seguintes termos, a respetiva redação: 59) O autor MC achou que estava a investir o seu dinheiro num produto semelhante a um depósito a prazo com garantia do montante de capital investido e juros no prazo. - Em parcial procedência da impugnação da matéria de facto dada como não provada sob d) e f), adita-se à matéria de facto provada o seguinte facto: 61) a) O A. MC investiu em valores mobiliários – séries comerciais de ações preferenciais – por diversas ocasiões antes dos factos referidos em 45) a 48) da matéria de facto provada. - Em parcial procedência da impugnação da matéria de facto dada como não provada sob k) e l), adita-se à matéria de facto provada o seguinte facto: 61) b) Os investimentos referidos em 61) a) e 45) a 48) tiveram também em consideração a rendibilidade oferecida por aqueles produtos, superior à rendibilidade de depósitos a prazo. - Altera-se a redação da alínea d) da matéria de facto não provada nos seguintes termos: d) Os investimentos referidos em 61) a) da matéria de facto provada foram realizados pelo A. MC pelo menos desde 2008, como por exemplo: 1) De acordo com o extracto 2/2008, o autor era titular de Top Renda 4 RE Jul.08-10 4Ser, com o código ISIN ZZZZZ9791328, no valor de € 150.181,64; 2) De acordo com o extrato 02/2009, o autor era titular de Top Renda 4 RE Jul.08-10 4Ser, com o código ISIN ZZZZZ9791328, no valor de € 150.181,64; 3) De acordo com o extrato 02/2010, o autor era titular de Poupança Plus 6 Re Jan.10-11 3.Ser, com o código ISIN SCBES0AE0003, no valor de € 161.921,40; 4) De acordo com o extrato 02/2011, o autor era titular de Poupança Plus 6 Re Jan.10-11 3.Ser, com o código ISIN SCBES0AE0003, no valor de € 161.921,40; 5) De acordo com o extrato 03/2011, o autor era titular de Poupança Plus 1RE Maio 11 24M 2.S, com o código ISIN SCBES0AE0110, no valor de € 167.000, bem como de Poupança Plus 1RE Maio 11 15M 3.S, com o código ISIN SCBES0AE0111, no valor de € 145.100; 6) De acordo com o extrato 03/2012, o autor era titular de Poupança Plus 1RE Maio 11 24M 2.S, com o código ISIN SCBES0AE0110, no valor de € 167.000, bem como de Poupança Plus 1RE Maio 11 15M 3.S, com o código ISIN SCBES0AE0111, no valor de € 145.100; 7) De acordo com o extrato 04/2012, o autor era titular de Poupança Plus 1RE Maio 11 24M 2.S, com o código ISIN SCBES0AE0110, no valor de € 167.000; 8) De acordo com o extrato 01/2013, o autor era titular de Poupança Plus 1RE Maio 11 24M 2.S, com o código ISIN SCBES0AE0110, no valor de € 167.000, bem como de Poupança Plus 6 10/12 16Re01, com o código ISIN SCBES0AE0228, no valor de € 152.950; 9) De acordo com o extrato 03/2013, o autor era titular de Poupança Plus 6 10/12 16Re01, com o código ISIN SCBES0AE0228, no valor de € 152.950,00. - Altera-se a redação da al. f) da matéria de facto não provada nos seguintes termos: f) Os investimentos referidos em 61) a) da matéria de facto provada foram realizados pelo A. MC mediante a subscrição das seguintes ações preferenciais: 1) Aviso Nr.º 1020479 de 28/01/2010: Venda de Títulos TR 4RE JUL.08-10 4, com o código ISIN ZZZZZ9791328, no valor de € 161.947,13; 2) Aviso Nr.º 1022543 de 28/01/2010: Compra de Títulos PP 6RE JAN.10-11 3, com o código ISIN SCBES0AE0003, no valor de €161.921,40; 3) Aviso Nr.º 1014978 de 29/04/2011: Venda de Títulos PP 6RE JAN.10-11 3, com o código ISIN SCBES0AE0003, no valor de € 168.074,41; 4) Aviso Nr.º 1053873 de 20/05/2011: Compra de Títulos PP 1RE MAI11 15M 3, com o código ISIN SCBES0AE0111, no valor de €145.100; 5) Aviso Nr.º 1031934 de 24/08/2012: Venda de Títulos PP 1RE MAI11 15M 3, com o código ISIN SCBES0AE0111, no valor de 152.920,89; 6) Aviso Nr.º 1040235 de 20/05/2011: Compra de Títulos PP 1RE MAI11 24M 2, com o código ISIN SCBES0AE0110, no valor de € 167.000; 7) - Aviso Nr.º 1029512 de 30/05/2013: Venda de Títulos PP 1RE MAI11 24M 2, com o código ISIN SCBES0AE0110, no valor de € 182.124,62; 8) Aviso Nr.º 1048193 de 26/10/2012: Compra de Títulos PP 6 10/12 16RE01, com o código ISIN SCBES0AE0228, no valor de € 152.950; 9) Aviso Nr.º 1024994 de 17/02/2014: Venda de Títulos de PP 6 10/12 16RE01, com o código ISIN SCBES0AE0228, no valor de € 161.090,34. - Eliminam-se os nºs 4 e 5 da al. h) da matéria de facto não provada; - Aditam-se à matéria de facto provada os seguintes: 50) a) Dos documentos referidos em 45) e 47) não consta qualquer compromisso formal de compra ou de assegurar a venda, sendo a experiência de que as acções preferenciais encontravam sempre compradores interessados nas datas e preços constantes das ordens de venda; 50) b) Com a aplicação da medida de resolução ao Banco Espírito Santo, S.A., no dia 3 de Agosto de 2014, deixou de ser possível vender, por ausência de compradores interessados, as acções preferenciais emitidas pelas indicadas sociedades veículo pelos valores e nas datas indicadas nas ordens de venda; - Eliminam-se as alíneas k) e l) da matéria de facto não provada. - mantém-se como integralmente não provadas a totalidade das als. m), n), o) e q) da matéria de facto não provada. * Pedem ainda os recorrentes a alteração da redação dos nºs 77 e 78 da matéria de facto provada e que a matéria dada por não provada sob as als. i) e j) da matéria de facto não provada passe a integrar o elenco dos factos provados. Alegam, para o efeito, que os factos dados como provados não correspondem à minuta de solução comercial apresentada ao autor primitivo em 2015 a respeito das ações preferenciais Poupança Plus constante do ofício do Novo Banco de 30/06/2023 que lhe permitia recuperar 90% do valor investido, mais constando desse ofício que os AA. não aceitaram, nem a proposta efetuada em 2015, nem a proposta efetuada em 2017, tendo sido efetuado o pagamento na proporção das ações preferenciais emitidas pela Poupança Plus, como resulta do oficio do Novo Banco de 30/01/2024. Indicam como o ofício do Novo Banco de 30/06/23 e o certificado de bloqueio junto em 29/02/2024 como fundamentos para dar como provados os factos i) e j) da matéria de facto não provada. Pedem seja dada aos factos 77 e 78 a seguinte redação: 77) O NOVO BANCO, S.A., apresentou ao Autor uma proposta de acordo em 2015 e em 2017 que lhe permitia recuperar, respetivamente, 90% e 75% do valor investido nas ações preferenciais emitidas pela Poupança Plus. 78) Os Autores não aceitaram as soluções comerciais propostas pelo Novo Banco, tendo recebido liquidez na proporção das ações preferenciais que detinham no capital da Poupança Plus. Os recorridos não se pronunciaram quanto a este núcleo da impugnação da matéria de facto. O tribunal deu como provado: 77) O NOVO BANCO, S.A., apresentou sucessivamente aos autores duas propostas de acordo relativamente à quantia de € 343.100 concernente às acções preferenciais supra mencionadas e que permitiria àqueles recuperar numa 75% e noutra 25% do capital investido. 78) No início de Agosto de 2017, os autores aceitaram a proposta do NOVO BANCO, S.A., de receberem 75% da quantia de € 343.100 investida em acções preferenciais. E foi dado como não provado: i) Na sequência da implementação da solução comercial disponibilizada pelo Novo Banco em 2017 – assente na recompra da totalidade das obrigações sénior do Novo Banco constantes destas carteiras - foram extintas as acções preferenciais emitidas por todas as Sociedades-Veículo, excepto a EG Premium e a EuroAforro 10, e, em consequência: 1) Os investidores que tivessem aderido à solução comercial de 2015 mantiveram todos os direitos emergentes da mesma e ficaram com a garantia que a solução oferecida permitia efectivamente a recuperação de 90% do valor investido inicialmente; 2) Os investidores que aderiram à solução comercial de 2017 receberam liquidez na proporção das acções preferenciais que detinham no capital dessas sociedades, a qual em conjunto com os depósitos compensação previstos no acordo do Novo Banco, permitiu recuperar, imediatamente 60% e a, prazo, 75%, do valor investido inicialmente. 3) Os investidores, titulares de acções preferenciais daquelas sociedades que não aceitaram as soluções comerciais propostas pelo Novo Banco receberam liquidez na proporção das acções preferenciais que detinham no capital dessas sociedades, cujo montante se desconhece e varia de caso para caso. 4) As soluções comerciais acima referidas foram oferecidas a todos os titulares de acções preferenciais, excepto as emitidas pelas sociedades EG Premium e Euroaforro 10. j) Os investidores que recusaram a oferta da EG Premium e, bem assim, os que investiram em EuroAforro 10, permanecem titulares das acções preferenciais emitidas por estas sociedades, cujo valor será o equivalente às quantias que tenham recebido (se algumas) e à respectiva proporção nos capitais próprios da sociedade emitente. Apreciando: O tribunal a quo fundamentou a sua convicção no tocante aos factos 77 e 78 no depoimento de parte de RC. Indicou, globalmente, também os depoimentos de PS e NR, mas, nos termos supra referidos, estes apenas se referiram, a primeira ao nível de compreensão de MC e o segundo a uma conversa com RC sobre resgatar depósitos a prazo perto da altura do colapso do BES. A não prova dos factos constantes de i) e de j) deveu-se, na motivação do tribunal a quo à ausência de prova, nomeadamente testemunhal que sustentasse o vertido na oposição. Na verdade, a ausência de prova quanto a estes factos é evidente, nem que seja pelo facto de os recorrentes indicarem como suportando a sua pretensão ofícios do Novo Banco. A minuta de proposta de solução comercial junta em 03/07/2023 – ref.ª 36429630 (bem como as notícias na imprensa e cópia de minuta de procuração juntos com a contestação) é isso mesmo, uma minuta, sem data e sem identificação de destinatário. O que aos RR. incumbia provar, na sequência do alegado, era que aquela, aliás, aquelas (2015 e 2017), solução comercial tinha sido proposta ao A., o que uma minuta não prova. A informação constante do texto do ofício de que “O cliente não aceitou a solução proposta. Nem a solução comercial apresentada em 2015 nem a solução comercial apresentada em 2017.” é, rigorosamente, uma resposta a uma pergunta sobre factos alegados na contestação, a que uma terceira entidade responde. Consubstancia, assim, um depoimento por escrito efetuado por pessoas que não revestem qualidade que lhe permita dispor de tal prerrogativa nos termos do disposto no art.º 503º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (pessoas indicadas nas alíneas a) e b) do nº1 e alíneas a) a i) do nº2), e, assim sendo, inadmissível, nos termos do disposto no art.º 443 nº1 in fine do Código de Processo Civil. Ou seja, o pedido e a sua resposta tinham utilidade – e por isso foram ordenados pelo tribunal – como forma de obter informações sobre os meios de prova a produzir: por exemplo, confrontando uma testemunha que tivesse intervindo na apresentação da proposta ao A. com a minuta para que confirmasse ser aquela a proposta formulada (o que não sucedeu), ou mesmo identificando as formas pelas quais as propostas haviam sido feitas, por exemplo, caso tivesse sido enviada uma comunicação escrita, junção dos comprovativos de envio da mesma e cópia do seu teor. Mas como meio de prova, esta informação não tem qualquer valor. Assim, não há, como referido pelo tribunal a quo, qualquer prova de que tenha sido apresentada ao A. nem uma proposta que lhe permitiria receber 90% do valor investido em 2015, nem 75% do valor investido em 2017. Apenas RC no seu depoimento de parte e JOC aludiram à questão das propostas de acordo Poupança Plus, nenhuma referência tendo sido feita à EG Premium. RC disse terem aceite a proposta dos 75% (ou seja, a proposta de 2017, pese embora perguntado não soubesse dizer o ano) e terem recebido cerca de 25%. Perguntado como sabia terem recebido 25% disse que então ainda tinha acesso à conta (declarou ter-lhe sido depois cortado, impondo a intervenção da mãe, de avançada idade) e fez as contas. Mas na verdade, feitas as contas, o montante em causa, dado por provado em 79, representa 39,7% do capital investido em Poupança Plus (e 21% do montante total investido que incluía EG Premium). Não parece, assim, tratar-se de nenhuma das soluções comerciais descritas nos autos como oferecidas, nomeadamente a solução de 2017, dado que de acordo com os elementos (gerais, não especificamente dirigidos aos AA.) dos autos, tal permitiria a recuperação imediata de 60%, e não de 40%). JOC referiu ter sido ele a apresentar aos AA. a proposta de 2015 (situando uma reunião para o efeito mais perto da altura da queda do BES), e que os AA. não a aceitaram, sendo então o descontentamento muito grande, e mais declarando desconhecer por completo quaisquer desenvolvimentos posteriores. Finalmente, o extrato nº 7/2017, emitido pelo Novo Banco em nome do primitivo autor[78], enquanto documento[79] comprova a existência, em depósito à ordem de € 75.506,77, destes € 75.389,40 a título de reembolso antecipado Poupança Plus 6, na medida em que foi confirmado pelo depoente RC, que referiu o recebimento de € 75.000,00 em 2017. O que significa, quanto às propostas de soluções comerciais feitas aos AA. e respetiva recusa e aceitação que não podemos alterar a matéria de facto nos exatos termos propostos, impondo-se, porém, a respetiva alteração para corresponder aos elementos de prova efetivamente produzidos. Sinteticamente, dos elementos de prova produzidos temos que foram apresentadas duas propostas aos AA. ambas relativas à Poupança Plus, a primeira em 2015 por JOC e a segunda em 2017 referida por RC, ambas com teor desconhecido, e que os AA. receberam cerca de € 75.000 que não sabemos se derivaram da aceitação da segunda proposta ou simplesmente da liquidação dos ativos. No tocante à matéria de facto provada sob 77 e 78, procede parcialmente a impugnação da matéria de facto, alterando-se a redação respetiva nos seguintes termos: 77) O Novo Banco, S.A., apresentou aos autores duas propostas de acordo, em 2015 e 2017, relativamente à quantia de € 182.100 investida em ações preferenciais emitidas pela Poupança Plus. 78) Os autores não aceitaram a solução comercial oferecida em 2015. Passando à apreciação da matéria de facto não provada, resulta do já exposto que não foi produzido qualquer elemento de prova quanto a toda a matéria constante da al. i). Embora a pergunta tivesse sido feita às testemunhas IT e LL, a primeira declarou não ter feito parte da equipa, nada sabendo e o segundo apenas descreveu as soluções em termos extremamente gerais e incompletos, declarando desconhecer quem aceitou e referindo que os que recusaram ou não aceitaram “foram excluídos dessas soluções comerciais”. Quanto à al. j) há de facto um elemento de prova – a certidão de bloqueio emitida pelo Novo Banco a pedido do tribunal, com data de 29/02/2024[80] – que nos termos do art.º 78º nº1 do CVM prova a titularidade dos AA. de 3.220 ações EG Premium 2 (SCBES0AE0316), pelo que, nada se tendo apurado quanto a soluções comerciais para estas ações, podemos, ainda assim, dar como provado que os AA. são, ainda hoje, titulares destas ações. A integralidade da alínea, referida a todos os investidores que recusaram a oferta da EG Premium e Euroaforro 10, permanecerá não provado – dado que não inclui os AA. a quem não se apurou tenha sido dirigida a proposta, logo, não se podendo concluir que a recusaram; mas dela se retirará a matéria que releva e que foi possível apurar: a titularidade atual das mesmas. Nestes termos procede parcialmente a impugnação da matéria de facto dada como não provada sob as als. i) e j) da matéria de facto não provada, nos seguintes termos: - mantém-se como integralmente não provada a totalidade da al. i) da matéria de facto não provada; - mantém-se como integralmente não provada a totalidade da al. j) da matéria de facto não provada: - adita-se à matéria de facto provada, sob o nº81, o a seguinte: 81) Os AA. são titulares de 3.220 ações EG Premium 2 (SCBES0AE0316), registadas no Novo Banco, no dossier de títulos nº 000005557907, em nome de MC. * Nos termos do disposto nos artigos 662º nº1, 663º nº 2 e 607º nº 3, do CPC, consideram-se apurados ainda os seguintes factos, com relevância para a decisão do recurso: 37) a) – Consta da ficha de abertura de conta bancária do primitivo autor: “A conta que acabamos de abrir neste Banco, constitui depósito colectivo em nome dos signatários da presente, que para todos os fins legais, se declaram e reconhecem depositantes solidários. Fica muito expressamente consignado que qualquer dos signatários poderá livremente movimentar e dispor desta conta, parcial ou totalmente, inclusive liquidando-a antecipadamente, se de depósito a prazo se tratar, sempre sem carecer de autorização ou intervenção, dos restantes, ficando o Banco isento de qualquer responsabilidade pela entrega de todo ou parte do depósito contra recibo, cheque ou qualquer outro documento de quitação, passado por um só dos signatários. Qualquer outra conta de dinheiro ou títulos que. de futuro venhamos a abrir colectivamente em nossos nomes, fica sujeita às mesmas condições da presente, salvo qualquer disposição que porventura fique exarada aquando da abertura dessas contas. O Banco fica desde já autorizado a lançar a crédito desta conta colectiva todas as importâncias que, sob qualquer forma lhe sejam remetidas ou entregues, embora mencionem como beneficiário somente o nome de um dos signatários.” Nos termos e ao abrigo dos mesmos preceitos, em consequência da parcial procedência da impugnação da matéria de facto (nomeadamente no tocante ao facto dado como provado sob 59), altera-se a redação do facto dado como provado sob 72), do qual passará a constar: 72) O autor MC não conseguiu resgatar o dinheiro que tinha investido no Banco Espírito Santo, S.A nos termos referidos em 45) e 47). Nos termos e ao abrigo dos mesmos preceitos, por constatação de evidente lapso de escrita, altera-se a redação dos factos dados como provados sob 24) e 25), eliminando o segmento final de ambos “com quem o autor mantinha permanente contacto” e “entre eles o autor”, dado que não foi sequer alegado nem se mostra verosímil, face à matéria de facto dada como provada, que o autor MC tenha alguma vez integrado a Comissão de Auditoria do Banco Espírito Santo, SA, ficando os factos redigidos pela seguinte forma: 24) A função de fiscalização externa era exercida pelo Auditor Externo, KMPG SCROC, S.A., e pelas autoridades de supervisão a que estava sujeito no exercício da sua actividade como o BdP, a CMVM e o ISP. 25) Nos termos dos artigos 26.º e 27.º dos Estatutos do Banco Espírito Santo, S.A., a Comissão de Auditoria era composta por três administradores não executivos e independentes, designados em simultâneo com os outros membros da Comissão de Auditoria. * Procede, assim, parcialmente, a impugnação da matéria de facto. * 4.3.1. Reprodução da decisão relativa à matéria de facto com inclusão das alterações decididas: Para melhor compreensão, dada a extensão da decisão atingida e respetivos fundamentos, passa a reproduzir-se a matéria de facto provada e não provada com as alterações decididas acima (a negrito): “Com relevância para a apreciação do pedido considero provados os seguintes factos: 1) Em 11 de Julho de 2014, o Banco de Portugal emitiu o seguinte comunicado: "Comunicado a propósito da situação financeira do Banco Espírito Santo, S.A. 11 jul. 2014 Em face do comportamento especialmente adverso no mercado de capitais nacional decorrente da incerteza latente sobre a situação financeira do Banco Espírito Santo, S.A. (BES), o Banco de Portugal esclarece que, tendo em conta a informação reportada pelo BES e pelo seu auditor externo (KPMG), o BES detém um montante de capital suficiente para acomodar eventuais impactos negativos decorrentes da exposição assumida perante o ramo não financeiro do Grupo Espírito Santo (GES) sem pôr em causa o cumprimento dos rácios mínimos em vigor. A este propósito, relembra-se que a situação do ramo não financeiro do GES foi detetada na sequência de uma auditoria transversal realizada por entidade independente por determinação do Banco de Portugal, no final de 2013, aos oito maiores grupos bancários portugueses. Recorda-se ainda que, na sequência das conclusões extraídas dessa auditoria, foram determinadas várias medidas destinadas a salvaguardar a posição financeira do BES relativamente aos riscos emergentes do ramo não financeiro do GES. Importa sublinhar que esta auditoria concluiu um ciclo de 4 ações transversais de inspeção desenvolvidas pelo Banco de Portugal desde 2011 e que permitiram uma revisão aprofundada das carteiras de crédito dos principais bancos portugueses. Não existem motivos que comprometam a segurança dos fundos confiados ao BES, pelo que os seus depositantes podem estar tranquilos. Lisboa, 11 de julho de 2014" 2) Por Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, aprovada em Reunião Extraordinária de 3 de Agosto de 2014, às 20 horas, foi determinada a sujeição do Banco Espírito Santo, S.A., à medida de resolução prevista no artigo 145.º-G, n.º 5, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras ("Medida de Resolução"). 3) Nos termos da Medida de Resolução foi, ainda, determinada a constituição de um banco de transição - Novo Banco -, e a transferência para o mesmo da quase da totalidade dos activos, licenças e direitos do Banco Espírito Santo, S.A., incluindo direitos de propriedade, bem como todos os trabalhadores e prestadores de serviços que, até então, se integravam naquele. 4) No que respeita ao Banco Espírito Santo, S.A., o Banco de Portugal deliberou que permaneceriam no mesmo "[Q]uaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude, violações de disposições regulatórias, penais ou contraordenacionais" (cfr. a alínea H) da Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, aprovada em Reunião Extraordinária a 11 de Agosto de 2014, às 17 horas, destinada a clarificar e ajustar determinados aspetos das medidas aprovadas na supra referida Deliberação "Activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco Espírito Santo objeto de transferência para o Novo Banco, SA"). 5) Com a subsequente clarificação de que "não foram transferidos do BES para o Novo Banco quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do BES que, às 20:00 horas do dia 3 de agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais) independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES." (cfr. a alínea A) da Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, aprovada em Reunião Extraordinária a 29 de Dezembro de 2015, destinada a clarificar e ajustar determinados aspectos das medidas aprovadas na supra-referida Deliberação). 6) O Banco de Portugal nomeou, ainda, no dia 3 de Novembro de 2014, novos administradores do Banco Espírito Santo, S.A., com o objectivo de gerirem os activos que não foram transferidos para o Novo Banco, S.A.. 7) Paralelamente, no dia 11 de Agosto de 2014, o Banco de Portugal aplicou ao Banco Espírito Santo, S.A., as seguintes medidas de intervenção correctiva e providências, com efeitos a 3 de Agosto de 2014: a) Proibição de concessão de crédito e de aplicação de fundos em quaisquer espécies de activos, excepto na medida em que esta aplicação de fundos se revelasse necessária para a preservação e valorização do seu activo; b) Proibição de recepção de depósitos; c) Dispensa, pelo prazo de um ano (posteriormente prorrogado pelo período adicional de um ano, na sequência de Deliberação do Banco de Portugal de 30 de Novembro de 2015, e com produção de efeitos a 3 de Agosto de 2015), da observância das normas prudenciais aplicáveis e do cumprimento pontual de obrigações anteriormente contraídas, excepto se esse cumprimento se revelasse indispensável para a preservação e valorização do seu activo, caso em que o Banco de Portugal poderia autorizar as operações necessárias. 8) Na prática, tais medidas determinaram que, a partir de 3 de Agosto de 2014, o Banco Espírito Santo, S.A., tenha deixado de exercer qualquer actividade bancária, pois ficou impedido de efectuar qualquer uma das operações previstas no artigo 4.º, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, limitando-se o novo órgão de administração a prosseguir os objectivos delineados na Medida de Resolução e nas demais normais legais aplicáveis, designadamente nas que regulam a adopção dessa mesma medida. 9) De acordo com o Banco de Portugal, a Medida de Resolução foi desencadeada na sequência e devido à informação divulgada pelo Banco Espírito Santo, S.A., junto da CMVM, em 30 de Julho 2014 ("Comunicação BES de 30 de Julho de 2014"). 10) Na referida comunicação, o Banco Espírito Santo, S.A., divulgou prejuízos no montante global de € 3.577,3M com referência à actividade do primeiro semestre de 2014, resultantes, por sua vez, de encargos com imparidades e contingências no montante global de € 4.253,5M. 11) Assim, segundo o Banco de Portugal “As perdas registadas vieram alterar substancialmente os rácios de capital do BES, a nível individual e consolidado, colocando-o globalmente em níveis muito inferiores aos mínimos exigidos pelo Banco de Portugal, que se situam atualmente nos 7% para os rácios Common Equity Tier 1 (CET1) e Tier 1 (T1) e nos 8% para o rácio total…”. 12) O que configurou “um grave incumprimento dos requisitos mínimos de fundos próprios do Banco Espírito Santo, SA, em base consolidada, não respeitando, deste modo, os rácios mínimos de capital exigidos pelo Banco de Portugal, nos termos do artigo 94.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras…”. 13) Neste contexto, já por carta datada de 29 de Julho de 2014, o Banco de Portugal tinha solicitado ao Banco Espírito Santo, S.A., a sua recapitalização, tendo este último comunicado, no dia 31 de Julho de 2014, que não era possível concretizar tal solução. 14) O Banco Espírito Santo, S.A., encontrava-se numa “situação de grave insuficiência de liquidez, sendo que, desde o fim de junho até 31 de julho [de 2014], a posição de liquidez do Banco Espírito Santo, S.A., diminuiu em cerca de 3.350 milhões de euros", o que determinou que o Banco Espírito Santo, S.A., se tivesse visto "forçado a recorrer à cedência de liquidez em situação de emergência (ELA - Emergency Liquidity Assistance) por um valor que atingiu, na data de 1 de agosto, cerca de 3.500 milhões de euros", porquanto já não podia recorrer "a fundos obtidos em operações de política monetária, por esgotamento dos ativos de garantia aceites para o efeito e também pela limitação imposta pelo BCE em relação ao aumento do recurso do BES às operações de política monetária". 15) No dia 1 de Agosto de 2014, o Conselho do Banco Central Europeu decidiu (i) suspender o estatuto de contraparte do Banco Espírito Santo, S.A., com efeitos a partir do dia 4 desse mês, e (ii) obrigar esta instituição bancária a reembolsar o crédito de aproximadamente € 10.000M ao Eurosistema. 16) De acordo com o Banco de Portugal, “a decisão do BCE de suspensão do Banco Espírito Santo, SA, como contraparte de operações de política monetária tornou insustentável a situação de liquidez deste, que já o tinha obrigado a recorrer excecionalmente, com especial incidência nos últimos dias, à cedência de liquidez em situação de emergência por parte do Banco de Portugal.”. 17) Ainda, segundo o Banco de Portugal, os factos supra expostos "colocaram o Banco Espírito Santo, S.A., numa situação de risco sério e grave de incumprimento a curto prazo das suas obrigações e, em consequência, dos requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua atividade, nos termos dos n.ºs 1 e 3, alínea c) do artigo 145.º - C do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), pelo que, não sendo tomada, com urgência, a medida de resolução ora adotada, a instituição caminharia inevitavelmente para a suspensão de pagamentos e para a revogação da autorização nos termos do artigo 23.º do RGICSF, com a consequente entrada em processo de liquidação, o que representaria um enorme risco sistémico e uma séria ameaça para a estabilidade financeira." 18) Na sequência da aplicação da Medida de Resolução supramencionada, que esteve em vigor durante cerca de dois anos, em 13 de Julho de 2016, o Banco Central Europeu revogou a autorização do Banco Espírito Santo, S.A., para o exercício da actividade bancária, a partir das 19 horas desse dia, o que implicou a dissolução e a entrada em liquidação do banco. 19) Esta decisão do Banco Central Europeu não foi objecto de impugnação para o Tribunal Geral, nos termos do artigo 263.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. 20) Na sequência dessa deliberação, o Banco de Portugal requereu a liquidação judicial do Banco Espírito Santo, S.A., tendo sido proferido despacho de prosseguimento em 21 de Julho de 2016, no âmbito do Processo n.º 18588/16.2T8LSB-J1, da 1.ª Secção do Comércio da Instância Central da Comarca de Lisboa. 21) No despacho de prosseguimento dos autos de liquidação judicial, o Tribunal Judicial nomeou, no âmbito dos presentes autos, e a pedido do Banco de Portugal, os Exmos. Srs. Drs. CB, MM e JM para formar a Comissão Liquidatária do Banco Espírito Santo, S.A.. 22) O Banco Espírito Santo, S.A., adoptava o Modelo de Governo Societário Anglo-saxónico. 23) A função do órgão de fiscalização interna do Banco Espírito Santo, S.A., era atribuída à Comissão de Auditoria do Conselho de Administração e a fiscalização externa do Banco Espírito Santo, S.A., era exercida pelo AE/ROC a KPMG SROC, S.A., bem como pelas autoridades de supervisão a que estava sujeito no exercício da sua actividade, BdP, CMVM e ISP. 24) A função de fiscalização externa era exercida pelo Auditor Externo, KMPG SCROC, S.A., e pelas autoridades de supervisão a que estava sujeito no exercício da sua actividade como o BdP, a CMVM e o ISP (eliminado). 25) Nos termos dos artigos 26.º e 27.º dos Estatutos do Banco Espírito Santo, S.A., a Comissão de Auditoria era composta por três administradores não executivos e independentes, designados em simultâneo com os outros membros da Comissão de Auditoria (eliminado). 26) O Regulamento da Comissão de Auditoria do Banco Espírito Santo, S.A., determinava no seu artigo 4.º, o seguinte: “1. A Comissão de Auditoria tem as competências previstas na Lei, enquanto órgão de fiscalização societário, e, ainda, quaisquer outras atribuições que por Lei especial lhe sejam fixadas, nomeadamente, e entre outras: a) Fiscalizar a administração da sociedade; b) Zelar pela observância (i) da lei e do contrato de sociedade do BES, (ii) do Código de Conduta em vigor no BES e no conjunto de sociedades por este participadas e incluídas no perímetro de supervisão em base consolidada a que o BES está sujeito (Grupo BES ou GBES) e (iii) das disposições regulamentares aplicáveis emitidas pelas entidades supervisoras das instituições financeiras e do mercado de valores mobiliários; c) Acompanhar o processo de preparação e de divulgação de informação financeira; d) Elaborar anualmente relatório sobre a sua ação fiscalizadora e dar parecer sobre o relatório, contas e propostas apresentados pelo Conselho de Administração; e) Apreciar a adequação e eficácia do sistema de controlo interno, bem como das funções de gestão de riscos, de auditoria interna e de “compliance”; f) Elaborar anualmente parecer para o Banco de Portugal (BdP), emitindo opinião detalhada sobre a adequação e a eficácia do sistema de controlo interno do BES, com excepção da parte desse sistema subjacente ao processo de preparação e divulgação da informação financeira (relato financeiro) do BES1; g) Propor à Assembleia Geral a designação do auditor externo/revisor oficial de contas; h) Acompanhar o processo de auditoria externa /revisão legal dos documentos de prestação de contas do BES e do GBES, bem como do processo de avaliação pelos auditores externos/revisores oficiais de contas da parte do sistema de controlo interno do BES subjacente ao relato financeiro; i) Zelar pela independência do auditor externo/revisor oficial de contas, designadamente, no tocante à prestação de serviços adicionais; j) Obter de qualquer administrador, quadro superior ou empregado do BES ou de qualquer outra sociedade do GBES, toda a informação que considere necessária para o desempenho das suas funções, estando aqueles autorizados e obrigados a prestar essas informações sem quaisquer limitações; k) Reunir com os auditores externos e/ou membros dos órgãos de fiscalização das sociedades do GBES, na medida em que o considere necessário para o exercício das suas funções. l) Solicitar ao Conselho de Administração a contratação dos peritos externos considerados necessários para coadjuvarem um ou vários dos seus membros no exercício das respetivas funções, devendo a contratação e a remuneração desses peritos ter em conta a importância dos assuntos aos mesmos cometidos e a situação económica da sociedade; m) Receber as comunicações de irregularidades apresentadas por acionistas, colaboradores da sociedade ou outros; n) Convocar a Assembleia Geral, quando o presidente da respetiva mesa o não faça, devendo fazê-lo; o) Cumprir as demais atribuições constantes da lei, do contrato de sociedade ou das disposições regulamentares aplicáveis.” 27) Nos termos do artigo 6.º do Regulamento da mesma Comissão de Auditoria do Banco Espírito Santo, S.A., constituíam deveres e responsabilidades gerais dos seus membros, os seguintes: “1. Os membros da Comissão de Auditoria têm o dever de: a) Participar nas reuniões da Comissão; b) Participar nas reuniões do Conselho de Administração e estar presente nas Assembleias Gerais de acionistas; c) Participar nas reuniões da Comissão Executiva do Conselho de Administração onde se apreciem as contas do exercício e, também, de assistir a quaisquer outras para que sejam convocados pelo presidente daquela Comissão ou em que o presidente da Comissão de Auditoria considere conveniente solicitar a presença dos membros desta Comissão; d) Guardar segredo dos factos e informações de que tiverem conhecimento em razão das suas funções, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do presente artigo; e) Registar por escrito todas as verificações, fiscalizações, denúncias recebidas e diligências que tenham sido efetuadas e o resultado das mesmas; f) Participar em quaisquer outras atividades relacionadas com as suas responsabilidades e para que sejam solicitados especificamente pelo Conselho de Administração; g) Iniciar e supervisionar investigações especiais que a Comissão considere necessário efetuar; h) Aprovar eventuais alterações ao presente Regulamento, sempre que as mesmas se afigurem necessárias; i) Confirmar anualmente, em relatório a enviar ao Conselho de Administração, que as responsabilidades da Comissão constantes deste Regulamento foram efetivamente cumpridas. j) Apreciar anualmente o desempenho coletivo da Comissão, bem como o de cada um dos seus membros, por referência a este Regulamento, informando, por escrito, o Conselho de Administração das conclusões respetivas. 2. Para além de outras obrigações previstas nas disposições legais e regulamentares aplicáveis, compete aos membros da Comissão de Auditoria, no exercício do seu dever legal de vigilância, designadamente: a) Ao presidente da Comissão, participar ao Ministério Público os factos delituosos de que tenha tomado conhecimento e que constituam crimes públicos; b) A qualquer um dos membros da Comissão, sempre que se apercebam de factos ou situações de que resultem impedimentos ao desenvolvimento normal da atividade social do BES, comunicá-los imediatamente ao auditor externo/revisor oficial de contas, por carta registada.” 28) Por seu lado, o artigo 7.º do aludido Regulamento estatuía os deveres e responsabilidades relacionadas com a auditoria e supervisão externas do seguinte modo: “1 - As contas individuais do BES e as contas consolidadas do GBES devem ser objeto de exame anual de auditoria/revisão legal por auditores externos/revisores oficiais de contas, competindo a estes, também, emitir parecer anual a enviar para o Banco de Portugal (BdP) sobre a adequação e eficácia da parte do sistema de controlo interno subjacente ao processo de preparação e divulgação de informação financeira (relato financeiro) do BES. 2. Relativamente aos auditores externos/revisores oficiais de contas, compete à Comissão de Auditoria: a) Escolher os auditores externos/revisores oficiais de contas do GBES, promovendo e assumindo a realização do respetivo processo de seleção; b) Propor à Assembleia Geral de acionistas a sua designação por um período de tempo não superior a quatro anos, eventualmente renovável; c) Analisar a proposta de planeamento anual da auditoria das contas individuais do BES e consolidadas do GBES, bem como da avaliação da parte do sistema de controlo interno subjacente ao relato financeiro do BES; d) Apreciar e dar parecer sobre a razoabilidade da proposta anual de honorários apresentada pelo auditor externo relativa aos serviços de auditoria das contas e de apreciação da parte que lhes compete do controlo interno; e) Acompanhar e avaliar anualmente o seu desempenho profissional, designadamente, através da discussão prévia das minutas dos relatórios de auditoria das contas e do parecer sobre o sistema de controlo interno, bem como da realização regular de reuniões de informação sobre o desenvolvimento e conclusões provisórias ou definitivas dos trabalhos de auditoria ao longo do ano e, também, da coordenação do seu trabalho com o Departamento de Planeamento e Contabilidade (DPC) e o Departamento de Auditoria e Inspeção (DAI) do BES, com os auditores internos das Entidades do GBES que se situam fora do âmbito de ação do DAI e com outros revisores oficiais de contas que prestam serviços a algumas Entidades do GBES; f) Zelar pela independência pessoal e profissional dos respetivos membros, designadamente através da obtenção e discussão de declarações dos mesmos sobre as suas relações profissionais, tanto pessoais como institucionais, com o GBES, bem como estabelecendo e implementando um processo de aprovação prévia de outros serviços que se proponham prestar a qualquer Entidade do GBES para além dos de auditoria externa regular; g) Apresentar ao Conselho de Administração e à Assembleia Geral proposta devidamente fundamentada para a sua destituição antes do fim do prazo da sua designação, sempre que se verifique justa causa para o efeito. 3. Complementarmente, compete à Comissão de Auditoria assegurar-se de que toma conhecimento tempestivo de todos os pedidos de informação dos Reguladores Financeiros (BdP ou CMVM) e ações de análise ou investigação iniciadas pelos mesmos em qualquer sector de atividade do BES, em Portugal ou no estrangeiro, e de que recebe cópia não só dos relatórios daquelas Entidades, como das respetivas respostas e ou esclarecimentos às entidades de supervisão, fazendo posteriormente o seguimento das mesmas até resolução definitiva dos assuntos tratados.” 29) A Comissão de Auditoria do Banco Espírito Santo, S.A., tinha ainda os deveres e responsabilidades relacionadas com as funções de gestão de riscos, compliance e de auditoria interna, definidos no artigo 8.º do Regulamento da Comissão de Auditoria do Banco Espírito Santo, S.A.: “1- A Comissão de Auditoria tem como suportes fundamentais da sua ação de supervisão, para além da auditoria externa, os Relatórios e Informação solicitadas e prestadas às funções de – • Gestão de riscos, a cargo do Departamento de Risco Global (DRG), responsável por assegurar a aplicação efetiva do sistema de gestão de riscos; • “Compliance”, a cargo do Departamento de “Compliance” (DCom), a quem cabe controlar o cumprimento dos normativos legais, regulamentares ou outros aplicáveis ao BES; • Auditoria interna, a cargo do Departamento de Auditoria e Inspeção (DAI), que procede com carácter permanente a avaliações autónomas, periódicas e/ou extraordinárias do sistema de controlo interno.”. 30) A Comissão de Auditoria do Banco Espírito Santo, S.A., devia, nos termos estabelecidos no artigo 5.º do seu Regulamento, reunir, pelo menos, uma vez em cada dois meses. 31) Contudo, a Comissão de Auditoria do Banco Espírito Santo, S.A., reuniu formalmente, em média, mais de uma vez por mês, tendo-se reunido 13 vezes no ano de 2013 e 10 entre 1 de Janeiro de 2014 e 31 de Julho de 2014. 32) Os membros da Comissão de Auditoria do Banco Espírito Santo, S.A., não estavam inseridos em qualquer cadeia hierárquica. 33) Eram não executivos e eram independentes. 34) A Comissão de Auditoria do Banco Espírito Santo, S.A., elaborou pareceres sobre o Sistema do Controlo Interno (SCI) do Banco Espírito Santo, S.A., e das suas Sucursais que foram remetidos ao Banco de Portugal, acompanhando Relatórios SCI, designadamente, os três relatórios datados de 21 de Junho de 2013 e os três relatórios datados de 30 de Junho de 2014. 35) O primitivo autor MC era, juntamente com HC, titular da conta de depósitos à ordem n.º 649021290009. 36) Esta conta bancária foi originalmente aberta no Banco Espírito Santo, S.A.; 37) Actualmente esta conta está domiciliada no NOVO BANCO, S.A.; 37) a) – Consta da ficha de abertura de conta bancária do primitivo autor: “A conta que acabamos de abrir neste Banco, constitui depósito colectivo em nome dos signatários da presente, que para todos os fins legais, se declaram e reconhecem depositantes solidários. Fica muito expressamente consignado que qualquer dos signatários poderá livremente movimentar e dispor desta conta, parcial ou totalmente, inclusive liquidando-a antecipadamente, se de depósito a prazo se tratar, sempre sem carecer de autorização ou intervenção, dos restantes, ficando o Banco isento de qualquer responsabilidade pela entrega de todo ou parte do depósito contra recibo, cheque ou qualquer outro documento de quitação, passado por um só dos signatários. Qualquer outra conta de dinheiro ou títulos que. de futuro venhamos a abrir colectivamente em nossos nomes, fica sujeita às mesmas condições da presente, salvo qualquer disposição que porventura fique exarada aquando da abertura dessas contas. O Banco fica desde já autorizado a lançar a crédito desta conta colectiva todas as importâncias que, sob qualquer forma lhe sejam remetidas ou entregues, embora mencionem como beneficiário somente o nome de um dos signatários.” 38) Consta da ficha de abertura de conta bancária do primitivo autor que LC e RC eram procuradores; 39) O autor MC, em conjunto com a contitular da conta, celebrou, no dia 10 de Julho de 2008, um “Contrato De Registo E Depósito De Instrumentos Financeiros” com o Banco Espírito Santo, S.A., que regula o serviço de recepção, transmissão e execução de ordens (cfr. documento n.º 1, junto aos autos a fls. 64 e seguintes, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos); 40) O autor MC faleceu no dia 29 de Janeiro de 2017, em …, França. 41) Quando faleceu, o autor tinha 79 anos de idade. 42) Este era casado com a autora HC sob o regime de comunhão geral de bens. 43) O autor MC recebia extractos com a epigrafe “carteira de Títulos”. 44) Estes extractos iam para a residência do autor em França, sita em …, Meung sur Loire. 45) No dia 19 de Junho de 2013, o autor MC deu ordem de compra/subscrição de 3.642 acções preferenciais (“AÇÕES”), com o valor unitário de € 50, emitidas pela sociedade “Poupança Plus”, com o Código ISIN SCBES0AE0269, pela importância total de € 182.100 (cfr. Doc. n.º 2, de fls. 70 e seguintes e cujo seu teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos). 46) Na mesma data do investimento foi, em simultâneo, com a ordem de subscrição/compra, entregue pelo aqui autor ao Banco Espírito Santo, S.A., uma ordem de venda das referidas 3.642 acções, cujo valor unitário ascendia a € 53,289111000, no montante total de € 194.068, para a data de 22 de Junho de 2015. 47) No dia 10 de Fevereiro de 2014, o autor MC deu ordem de compra/subscrição de 6.440 acções preferenciais (“AÇÕES”), com o valor unitário de € 25, emitidas pela sociedade “Eg Premium 2”, pelo montante total de € 161.000 (cfr. Doc. n.º 3, de fls. 72 e seguintes e cujo seu teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos). 48) Na mesma data do investimento o referido autor entregou ao Banco Espírito Santo, S.A., em simultâneo, com a ordem de subscrição/compra, uma ordem de venda das referidas 6.440 acções, com o valor unitário de € 26,65885000, no montante total de € 171 683, para a data de 22 de Fevereiro de 2016. 49) As ordens de compra referidas em 45) e 47) foram assinadas pelo autor RC a pedido e sob as ordens do primitivo autor MC. 50) Igualmente, o autor RC assinou os documentos referentes às ordens de venda mencionados em 46) e 48) dos Factos Provados a pedido e sob as ordens do primitivo autor MC. 50) a) Dos documentos referidos em 45) e 47) não consta qualquer compromisso formal de compra ou de assegurar a venda, sendo a experiência de que as ações preferenciais encontravam sempre compradores interessados nas datas e preços constantes das ordens de venda; 50) b) Com a aplicação da medida de resolução ao Banco Espírito Santo, S.A., no dia 3 de Agosto de 2014, deixou de ser possível vender, por ausência de compradores interessados, as ações preferenciais emitidas pelas indicadas sociedades veículo pelos valores e nas datas indicadas nas ordens de venda; 51) Os documentos referidos em 45) a 48) não foram lidos nem explicados ao autor RC. 52) A “aplicação” das quantias de € 182.100 e de € 161.000, bem como de outras quantias anteriormente, em “produtos do Banco Espírito Santo, S.A.” foi tratada por telefone” pelo autor MC com um Departamento desta instituição bancária que lidava com emigrantes. 53) Consta dos documentos de ordem de compra/subscrição e de venda de acções preferenciais (“Operações Sobre Instrumentos Financeiros” de fls. 70v e seguintes) supra mencionados o seguinte: a) “Instrumentos Financeiros Complexos – Falta de Perfil de Investidor: Declaro ter sido avisado de que a minha recusa em fornecer informação necessária à realização do teste de adequação impede a determinação do meu perfil de investidor.” b) “Declaro (…) que para todos os efeitos legais, conheço e aceito as condições da operação, as comissões e custos devidos pela realização da presente operação, compreendo os riscos envolvidos e possuo todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, tendo sido informado pelo Banco que a respetiva ficha técnica ser-me-á disponibilizada, caso a solicite;” 54) Nos termos da cláusula 7.5 do Contrato de Registo e Depósito de Instrumentos Financeiros referido em 39) dos Factos Provados, “Para a prestação de serviços de mera execução de ordens, por iniciativa do Cliente, em relação a instrumentos financeiros não complexos, tais como acções admitidas à negociação em mercado regulamentado ou equivalente, obrigações que não incorporem derivados, instrumentos de mercado monetário, unidades de participação em organismos de investimento colectivo em valores mobiliários harmonizados, o BES não é obrigado a determinar a adequação dos instrumentos financeiros às circunstâncias pessoais do cliente”. 55) Consta do “Anexo I - Deveres de Informação a Investidores”, do referido “Contrato de Registo e Depósito de Instrumentos Financeiros”, a definição dos vários produtos de investimento, estando para as acções preferenciais assinalado que “(...) Os riscos inerentes a estes instrumentos financeiros são associados ao risco de incumprimento por parte do emissor das acções preferenciais, nomeadamente no reembolso de capital e à imprevisibilidade da distribuição de dividendos”. 56) Aquando da assinatura das referidas ordens de compra foi transmitido pelo gerente da agência de Fafe do Banco Espírito Santo, S.A., JOC, aos (actuais) autores RC e LC, que os produtos subscritos em questão não tinham risco nenhum. 57) O autor MC tinha um perfil conservador. 58) Ele não investia em produtos de risco. 59) O autor MC achou que estava a investir o seu dinheiro num produto semelhante a um depósito a prazo com garantia do montante de capital investido e juros no prazo. 60) A preocupação do autor era a rentabilização do dinheiro que ganhou em França. 61) O autor não sabia o que eram acções preferenciais. 61) a) O A. MC investiu em valores mobiliários – séries comerciais de ações preferenciais – por diversas ocasiões antes dos factos referidos em 45) a 48) da matéria de facto provada. 61) b) Os investimentos referidos em 61) a) e 45) a 48) tiveram também em consideração a rendibilidade oferecida por aqueles produtos, superior à rendibilidade de depósitos a prazo. 62) O investimento em acções preferenciais foi registado na conta de valores mobiliários associado à conta co-titulada pelo autor MC. 63) Este confiava mais no Banco Espírito Santo, S.A., do que nos seus filhos. 64) O autor MC emigrou para França por volta do ano de 1966, onde fixou residência e trabalhava. 65) Desde dada não concretamente apurada o autor MC residia em …, em França. 66) Nos anos de 2013 e 2014, o autor MC residia nesta morada. 67) Em França, este autor foi operário fabril. 68) O autor MC possuía a 2.ª classe (correspondente ao actual 2.º ano do 1.º ciclo). 69) O autor MC regressou a Portugal no ano de 2017. 70) Entre o final de Julho e o princípio de Agosto de 2014, mas antes do dia 3 de Agosto, os autores pediram o resgaste das duas “contas” que o autor MC tinha no Banco Espírito Santo, S.A., na sequência da audição de notícias na comunicação social sobre a situação económica difícil desta instituição bancária. 71) Nessa altura foi transmitido ao autor MC de que, pese emboras as notícias que circulavam na comunicação social, podia estar à vontade, pois continuava tudo igual, estando o seu dinheiro seguro e sem qualquer risco. 72) O autor MC não conseguiu resgatar o dinheiro que tinha investido no Banco Espírito Santo, S.A nos termos referidos em 45) e 47). 73) O Novo Banco, S.A., por comunicado divulgado no dia 1 de Outubro de 2015 informou que “…apresentou uma solução comercial aos Clientes detentores de Ações Preferenciais dos Veículos Poupança Plus, Top Renda e EuroAforro 8 (“Veículos”)” à qual aderiram “80% dos Clientes (titulares de 77% do número de Ações Preferenciais emitidas pelos Veículos)” (cfr. doc. n.º 7 de fls. 55 e cujo seu teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos). 74) Posteriormente, por comunicado divulgado no dia 28 de Junho de 2016, o Novo Banco, S.A., informou que “…estava concluída a implementação da solução comercial apresentada pelo Novo Banco” que a mesma tinha merecido a adesão do “80,8% do total de Clientes elegíveis” e que “…os Clientes que não aderiram à solução comercial e que, por sua opção, não exerceram a opção de liquidação em espécie das Ações Preferenciais [...] poderão fazê-lo nos anos seguintes [...], sem solução comercial associada…” ( cfr. doc. n.º 8 de fls. 56, cujo seu teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais). 75) De acordo com o comunicado da CMVM de 6 de Novembro de 2019, a EG Premium lançou uma oferta, voluntária e particular, de aquisição das acções preferenciais, de 6 de Novembro de 2019 a 8 de Janeiro de 2020 (cfr. doc. n.º 11 – a fls. 50v -, cujo seu teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos). 76) Por notícias publicadas no “Jornal Económico”, no dia 6 de Novembro de 2019 e no “Jornal de Notícias, no dia 7 de Novembro de 2019, o NOVO BANCO, S.A., iria apresentar uma proposta de acordo aos titulares de acções preferenciais emitidas pela sociedade EG Premium que permitiria recuperar 47% do capital investido (cfr. documentos n.ºs 12 e 13 – a fls. 51v e 52v a 54 – e cujo seu teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos). 77) O Novo Banco, S.A., apresentou aos autores duas propostas de acordo, em 2015 e 2017, relativamente à quantia de € 182.100 investida em ações preferenciais emitidas pela Poupança Plus. 78) Os autores não aceitaram a solução comercial oferecida em 2015. 79) Em 9 de Outubro de 2017, o NOVO BANCO, S.A., reembolsou os herdeiros do autor MC com a quantia de € 75.389,40, relativamente às acções preferenciais “Poupança Plus 6”. 80) As obrigações emitidas pelo Banco Espírito Santo, S.A., e adquiridas pelas referidas sociedades-veículo foram transferidas, no âmbito da medida de resolução, para o Novo Banco que passou, assim, a ser o devedor dessas quantias: directamente perante as sociedades-veículo e indirectamente perante os investidores. 81) Os AA. são titulares de 3.220 ações EG Premium 2 (SCBES0AE0316), registadas no Novo Banco, no dossier de títulos nº 000005557907, em nome de MC. * B. FACTOS NÃO PROVADOS a) O autor MC nunca assinou qualquer contrato de aplicação financeira. b) Não foi entregue a este autor cópia deste documento. c) Não foi apresentado ou assinado qualquer documento de aquisição das acções. d) Os investimentos referidos em 61) a) da matéria de facto provada foram realizados pelo A. MC pelo menos desde 2008, como por exemplo: 1) De acordo com o extracto 2/2008, o autor era titular de Top Renda 4 RE Jul.08-10 4Ser, com o código ISIN ZZZZZ9791328, no valor de € 150.181,64; 2) De acordo com o extrato 02/2009, o autor era titular de Top Renda 4 RE Jul.08-10 4Ser, com o código ISIN ZZZZZ9791328, no valor de € 150.181,64; 3) De acordo com o extrato 02/2010, o autor era titular de Poupança Plus 6 Re Jan.10-11 3.Ser, com o código ISIN SCBES0AE0003, no valor de € 161.921,40; 4) De acordo com o extrato 02/2011, o autor era titular de Poupança Plus 6 Re Jan.10-11 3.Ser, com o código ISIN SCBES0AE0003, no valor de € 161.921,40; 5) De acordo com o extrato 03/2011, o autor era titular de Poupança Plus 1RE Maio 11 24M 2.S, com o código ISIN SCBES0AE0110, no valor de € 167.000, bem como de Poupança Plus 1RE Maio 11 15M 3.S, com o código ISIN SCBES0AE0111, no valor de € 145.100; 6) De acordo com o extrato 03/2012, o autor era titular de Poupança Plus 1RE Maio 11 24M 2.S, com o código ISIN SCBES0AE0110, no valor de € 167.000, bem como de Poupança Plus 1RE Maio 11 15M 3.S, com o código ISIN SCBES0AE0111, no valor de € 145.100; 7) De acordo com o extrato 04/2012, o autor era titular de Poupança Plus 1RE Maio 11 24M 2.S, com o código ISIN SCBES0AE0110, no valor de € 167.000; 8) De acordo com o extrato 01/2013, o autor era titular de Poupança Plus 1RE Maio 11 24M 2.S, com o código ISIN SCBES0AE0110, no valor de € 167.000, bem como de Poupança Plus 6 10/12 16Re01, com o código ISIN SCBES0AE0228, no valor de € 152.950; 9) De acordo com o extrato 03/2013, o autor era titular de Poupança Plus 6 10/12 16Re01, com o código ISIN SCBES0AE0228, no valor de € 152.950,00, (eliminado). e) O autor MC recebeu os avisos de lançamento das operações sobre valores mobiliários, dos quais consta expressamente o dossier de Títulos n.º 000005557907, associado à conta DO n.º …, e a referência a compra/venda de “Títulos”, identificados como sendo acções “Escriturais”. f) Os investimentos referidos em 61) a) da matéria de facto provada foram realizados pelo A. MC mediante a subscrição das seguintes ações preferenciais: 1) Aviso Nr.º 1020479 de 28/01/2010: Venda de Títulos TR 4RE JUL.08-10 4, com o código ISIN ZZZZZ9791328, no valor de € 161.947,13; 2) Aviso Nr.º 1022543 de 28/01/2010: Compra de Títulos PP 6RE JAN.10-11 3, com o código ISIN SCBES0AE0003, no valor de €161.921,40; 3) Aviso Nr.º 1014978 de 29/04/2011: Venda de Títulos PP 6RE JAN.10-11 3, com o código ISIN SCBES0AE0003, no valor de € 168.074,41; 4) Aviso Nr.º 1053873 de 20/05/2011: Compra de Títulos PP 1RE MAI11 15M 3, com o código ISIN SCBES0AE0111, no valor de €145.100; 5) Aviso Nr.º 1031934 de 24/08/2012: Venda de Títulos PP 1RE MAI11 15M 3, com o código ISIN SCBES0AE0111, no valor de 152.920,89; 6) Aviso Nr.º 1040235 de 20/05/2011: Compra de Títulos PP 1RE MAI11 24M 2, com o código ISIN SCBES0AE0110, no valor de € 167.000; 7) - Aviso Nr.º 1029512 de 30/05/2013: Venda de Títulos PP 1RE MAI11 24M 2, com o código ISIN SCBES0AE0110, no valor de € 182.124,62; 8) Aviso Nr.º 1048193 de 26/10/2012: Compra de Títulos PP 6 10/12 16RE01, com o código ISIN SCBES0AE0228, no valor de € 152.950; 9) Aviso Nr.º 1024994 de 17/02/2014: Venda de Títulos de PP 6 10/12 16RE01, com o código ISIN SCBES0AE0228, no valor de € 161.090,34; 10) Eliminado; 11) Eliminado. g) O autor MC recebeu as declarações de movimentos de registo/depósito de valores mobiliários, nomeadamente, a declaração fiscal relativa ao ano 2013, na qual consta, no “dossier de valores mobiliários”, sob “Ações” as operações de venda de valores mobiliários, “SCBES0AE011 POUPANÇA PLUS INVESTMENTS (JERSEY)”, no valor de €91.62,31, e de compra de valores mobiliários “SCBES0AE0269 POUPANÇA PLUS INVESTMENTS (JERSEY)”, no valor de € 91.050. h) O produto das acções preferenciais consistia no seguinte: 1) Os investidores adquiriam acções preferenciais emitidas por determinadas sociedades-veículo: três sedeadas em New Jersey com as denominações "Euroaforro Investments Jersey Limited", ("Euroaforro"), "Poupança Plus Investments Jersey Limited" ("Poupança Plus") e "Top Renda Limited" ("Top Renda"), constituídas em 2001 e 2002, e uma com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, constituída em 2004, com a denominação "EG Premium"; 2) Em simultâneo com a aquisição das acções preferenciais os investidores davam uma ordem de venda com data futura (e.g. um ou dois anos) e por um preço superior ao da compra; 3) Na data futura constante da ordem de venda o Banco Espírito Santo, S.A., colocava os títulos no mercado, promovendo a sua aquisição por outros interessados; 4) Eliminado; 5) Eliminado; 6) Nessa data o património das sociedades-veículo, excepto o da EG Premium e da EuroAforro 10, cuja composição se desconhece, era composto por obrigações sénior emitidas pelo BES e numerário. i) Na sequência da implementação da solução comercial disponibilizada pelo Novo Banco em 2017 – assente na recompra da totalidade das obrigações sénior do Novo Banco constantes destas carteiras - foram extintas as acções preferenciais emitidas por todas as Sociedades-Veículo, excepto a EG Premium e a EuroAforro 10, e, em consequência: 1) Os investidores que tivessem aderido à solução comercial de 2015 mantiveram todos os direitos emergentes da mesma e ficaram com a garantia que a solução oferecida permitia efectivamente a recuperação de 90% do valor investido inicialmente; 2) Os investidores que aderiram à solução comercial de 2017 receberam liquidez na proporção das acções preferenciais que detinham no capital dessas sociedades, a qual em conjunto com os depósitos compensação previstos no acordo do Novo Banco, permitiu recuperar, imediatamente 60% e a, prazo, 75%, do valor investido inicialmente. 3) Os investidores, titulares de acções preferenciais daquelas sociedades que não aceitaram as soluções comerciais propostas pelo Novo Banco receberam liquidez na proporção das acções preferenciais que detinham no capital dessas sociedades, cujo montante se desconhece e varia de caso para caso. 4) As soluções comerciais acima referidas foram oferecidas a todos os titulares de acções preferenciais, excepto as emitidas pelas sociedades EG Premium e Euroaforro 10. j) Os investidores que recusaram a oferta da EG Premium e, bem assim, os que investiram em EuroAforro 10, permanecem titulares das acções preferenciais emitidas por estas sociedades, cujo valor será o equivalente às quantias que tenham recebido (se algumas) e à respectiva proporção nos capitais próprios da sociedade emitente. k) Eliminado. l) Eliminado. m) A decisão de investimento do autor foi tomada de modo livre e esclarecido, com a intenção, evidente, de aplicar as suas poupanças num produto que disponibilizava uma remuneração diferenciada. n) O autor quis um produto que proporcionasse uma rendibilidade acrescida e vantagens fiscais que não teria num simples depósito a prazo e com a plena consciência que estava a investir num produto que não era um depósito a prazo. o) O autor foi devidamente esclarecido e estava ciente de que (i) o contrato de intermediação financeira era de mera recepção e execução de ordens; (ii) que o banco não estava obrigado a determinar a adequação do investimento e que (iii) estava a adquirir acções preferenciais (não depósitos) e dos riscos e características inerentes a tais instrumentos financeiros. p) O autor MC foi cabalmente informado das características e dos riscos associados às acções preferenciais. q) O autor escolheu, de forma autónoma, os instrumentos financeiros em que investiu, limitando-se o Banco Espírito Santo, S.A., enquanto intermediário financeiro, a executar uma ordem por aqueles emitida. r) Nesta qualidade, o Banco Espírito Santo, S.A., não tinha o dever de explicar as características do produto (não obstante o ter feito) * 5.2. Fundamentos de direito – pressupostos da responsabilidade do intermediário financeiro Matéria que foi ganhando regulação e importância no CVM[81], os deveres dos intermediários financeiros podem ser agrupados em duas categorias principais: “(i) deveres específicos para com cada cliente/investidor individualmente considerado – p. ex.: dever de sigilo, dever de informação ou dever de adequação, mas também o dever de prestação principal; e (ii) deveres genéricos de organização interna – p. ex.: dever de compliance, dever de auditoria interna ou dever de gestão de riscos.”[82] A estes soma-se uma “terceira” categoria que não é privativa dos intermediários financeiros, mas se aplica a todos os intervenientes do mercado: os deveres genérico relativos ao bom funcionamento do mercado. Os deveres específicos por sua vez, dividem-se em dever de prestação principal, cujo conteúdo varia em função do serviço de investimento efetivamente prestado, no caso concreto, conforme apurado[83], serviço de execução de ordens transmitidas pelo cliente, e em deveres acessórios ou deveres de prestação secundária gerais que independem do serviço concretamente prestado, como deveres de lealdade ou deveres de informação e deveres de prestação secundária específicos que variam em função da prestação principal[84]. O art.º 304º do CVM identifica os interesses que se impõem ao intermediário financeiro no exercício da sua atividade: os interesses dos seus clientes e os interesses da eficiência do mercado (nº1 do referido preceito), em consagração dos dois grandes princípios formais do Direito dos Valores Mobiliários, a proteção dos investidores e a eficiência do mercado; bem como dos dois princípios materiais, a transparência e a integridade. O princípio da proteção dos investidores é concretizado em diversos deveres específicos, como o dever de informação e de adequação, e deveres genéricos, como o dever de organização interna por forma a evitar conflitos de interesses. O nº2 do art.º 304º tem merecido uma interpretação corretiva[85] da doutrina e da jurisprudência maioritárias[86] não são apenas os ditames da boa-fé que devem ser observados com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, sendo a diligência, “autonomizada do princípio da boa-fé, assume-se como uma bitola de esforço exigida aos intermediários em todas as atuações que desenvolvam.”[87] Nestes termos é impossível não aplicar a fórmula que dita que os intermediários financeiros devem atuar de forma honesta, equitativa e profissional em função do melhor interesse dos clientes.[88] É, nestes termos, exigido aos intermediários financeiros que atuem com elevados padrões de diligência, já caraterizados como de diligentissimus pater familie[89], ou seja mais exigentes que a medida de esforço do bem pai de família[90]. É à luz desta medida que é aferido o cumprimento dos deveres, legalmente impostos ou contratualmente assumidos e bem assim a responsabilidade dos intermediários financeiros[91]. A responsabilidade civil emergente da violação de deveres por parte do intermediário financeiro está, entre nós definida legalmente – arts. 314º do CVM, na versão originária, e hoje em dia 304º-A do mesmo diploma – cuja caraterização importa efetuar, em primeiro lugar, com vista à determinação dos respetivos pressupostos e aplicabilidade da jurisprudência fixada pelo AUJ nº 8/2022, que se passará a efetuar. * 5.2.1. Enquadramento geral Em 06/12/2021, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº8/2022[92] relativo à responsabilidade civil do intermediário financeiro, uniformizando jurisprudência nos seguintes termos: “1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano. 2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM. 3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir. 4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.” Pese embora se trate de jurisprudência fixada no domínio da versão do CVM anterior à alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, ou seja, a versão diversa da aplicável aos presentes autos[93], há que sopesar os argumentos que levaram o Supremo Tribunal à decisão de uniformização de jurisprudência e ponderar se têm aplicação aos casos concretos em apreciação nos presentes recursos. Como se escreveu no Ac. STJ de 01/10/2019[94] (Raimundo Queirós – 1012/15), “os acórdãos de uniformização constituem um precedente qualificado, de carácter persuasivo, a merecer especial ponderação, que se julgou suficiente para assegurar a desejável unidade da jurisprudência. Daí que os tribunais só devam afastar-se da jurisprudência uniformizada quando disponham de argumentação nova e convincente que seja de molde a pôr em causa a doutrina fixada. Não basta, pois, não se concordar com o entendimento adotado no acórdão uniformizador, sob pena de a uniformização se revelar um instituto sem utilidade, por subsistir, nos mesmos termos, a controvérsia jurisprudencial.” No nosso caso, é esta caraterística de precedente qualificado que deve ser ponderada, tendo em conta a natureza da jurisprudência uniformizada havendo que aferir se a diversidade de regime importa o afastamento da mesma ou se, pelo contrário, a ratio da uniformização se faz sentir também no domínio da legislação aplicável. Em síntese: não vale formalmente a jurisprudência fixada, mas os argumentos ponderados e decididos merecem especial atenção nossa. O Acórdão Uniformizador foi tirado num caso em que a subscrição de valores mobiliários (obrigações SLN), por investidores não qualificados ocorreu até 2006 e em que, em 1ª instância, o pedido[95] dos AA. foi julgado totalmente improcedente, tendo o Acórdão da Relação, proferido em recurso desta decisão, julgado a apelação parcialmente procedente, alterando a decisão de facto e revogando a sentença, condenando a Ré a pagar aos Autores a quantia de €300.000,00, acrescida de juros remuneratórios desde maio de 2016 e os respetivos juros de mora contados desde a citação até integral pagamento, à taxa de 4% ao ano, sendo a Ré absolvida do restante pedido. Desta decisão foi interposta revista e o Supremo Tribunal de Justiça que, considerando inverificado o incumprimento do dever de informação e, complementarmente, não demonstrado o nexo de causalidade entre a conduta da Ré e o dano alegado pelos Autores, concedeu a revista, revogando o acórdão recorrido e absolveu a Ré dos pedidos. Os AA. interpuseram recurso extraordinário para o Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça com vista à uniformização de jurisprudência e à revogação daquele Acórdão, nos termos dos artigos 688.º e ss do Código de Processo Civil, invocando, como fundamento, a contradição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão deste Tribunal de 25 de outubro de 2018, proferido no processo n.º 2581/16.8T8LRA.C2.S1. O STJ considerou verificada a contradição de jurisprudência que identificou nos seguintes termos: “perante factos análogos, se adotaram decisões diferentes: - no que respeita à verificação/demonstração da ilicitude e à verificação/demonstração do nexo de causalidade; - foram defendidas conceções diferentes sobre o conteúdo dos deveres de informação impostos ao intermediário financeiro perante investidores não profissionais, que se reportavam quer à intensidade quer à extensão;” No enquadramento de direito, o STJ começou por afirmar a regra de aplicação de lei no tempo a que acima aludimos: tendo os investimentos sido efetuados até 10 de abril de 2006, a versão do CVM aplicável é a anterior ao Decreto Lei nº 357-A/2007, de 31 de outubro (que transpôs a DMIF I), nos termos do art.º 12º do CC. Seguidamente, o Supremo Tribunal caraterizou a atividade do banco, no caso como atividade de intermediação financeira e concluiu pela respetiva sujeição ao cumprimento dos princípios ou regras de conduta estabelecidas nos artigos 304.° a 342.° do CVM. Foram também enumeradas as regras dos arts. 73.°, 74.° e 75.° do RGICSF, também aplicáveis dada a natureza de instituição de crédito do intermediário financeiro. O Supremo aponta como norma geral quanto ao dever de informação, o art.º 7º[96] CVM, concluindo estar consagrado um padrão elevado de qualidade informativa e após enumerar os arts. 304º, 309º, 310º e 312º nº 1 do CVM e citar doutrina e jurisprudência relevantes, enuncia que o intermediário financeiro: “- tem o dever de se informar sobre o cliente e proporcionar-lhe informação clara, cabal e relevante para a opção que pretende tomar; - tem de ter a iniciativa para prestar a informação, não tendo o investidor não institucional dever de a solicitar.” O STJ enumerou extensivamente doutrina e jurisprudência sobre o âmbito funcional do dever de informação, que delimitou, e passou seguidamente à análise da responsabilidade civil do intermediário financeiro à luz do art.º 314º CVM, indicando estar prevista no nº2, uma presunção de culpa ilidível, suscetível de prova do contrário, nos termos do artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil. Foram enumerados os requisitos da responsabilidade contratual e pré-contratual à luz do art.º 798º do CC[97] e indicado que o artigo 563.º do Código Civil prevê “o critério da causalidade adequada, pela formulação negativa, ou seja, o incumprimento contratual tem, em concreto, de ter constituído condição necessária ao dano, só se excluindo a responsabilidade se ele for, pela sua natureza, indiferente para a produção daquele tipo de prejuízos, isto é, se o lesante provar que apenas a ocorrência de circunstâncias extraordinárias ou invulgares determinou a aptidão causal daquele facto para a produção do dano verificado.” O douto aresto, em recopilação, fundamentou que: “- podemos dizer que ocorre um facto ilícito quando a prestação de informação é errónea, por omissão, no quadro de relação negocial bancária; - a culpa, para efeitos de responsabilidade do intermediário financeiro, consiste na não adoção de uma conduta que o agente poderia e deveria ter adotado, de acordo com o comando legal; - nas relações pré-contratuais e contratuais em que intervenham intermediários financeiros, a culpa presume-se (artigo 304.º, n.º2, do CVM); presunção que também resulta do disposto no artigo 799.º, n.º1, do Código Civil. - o dano: o prejuízo resultante do investimento nas obrigações; - o nexo de causalidade: para serem indemnizáveis os danos devem ligar-se causalmente ao incumprimento do dever pré-contratual ou contratual (a prestação, por omissão, de informação errónea). Aqui chegado, o AUJ conclui que, mesmo que uma situação seja configurada como facto ilícito, tal pode não ser causal à subscrição e consequente dano e, prosseguindo: “Ora, se a culpa se presume, mas a presunção não abrange o nexo de causalidade, este terá de ser alegado e comprovado, pois como decorre do artigo 563.º do Código Civil, a obrigação de indemnizar só ocorre em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não houvesse lesão. Quer isto dizer que incumbe ao cliente (investidor) a prova do nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, que se tivesse sido informado, por completo, da concreta identificação, natureza e características do produto financeiro que lhe foi proposto, bem como da sua natureza, não as teria adquirido, pois cabe a quem invoca o direito à indemnização alegar e demonstrar o nexo causal entre o facto ilícito e o dano, que também não se presume, nos termos do disposto no n.º1 do artigo 342.º do Código Civil. E isto é assim porque não encontramos no regime do CVM norma aplicável à violação do dever de informação de indemnizar que consagre uma solução distinta da consagrada no Código Civil em sede da respetiva matéria já indicada. No CVM apenas se estabelece uma presunção de culpa. E essa presunção de culpa não vem aí formulada em termos de se poder dela extrair uma ilação em termos de nexo de causalidade entre o facto ilícito e os danos.” Após a enumeração e citação de jurisprudência nesse sentido, o douto aresto concede que “O que o regime do CVM pode trazer de diverso é a diminuição da exigência do regime da prova do nexo de causalidade no sentido de se dever facilitar ao investidor a demonstração da sua ocorrência, por forma a não se inverter a lógica do sistema de responsabilidade civil, pois é de reconhecer que é difícil ao investidor demonstrar, sem sombra de dúvidas, que nunca realizaria o investimento efetuado se a informação em falta lhe tivesse sido prestada, mas tal facilitação não se traduzirá numa inversão do ónus da prova, nem da adesão à doutrina do “comportamento conforme à informação”, que tem sido propugnada por alguns autores e já subscrita por algumas decisões dos tribunais.” E remata esta parte da sua fundamentação indicando não desconhecer posições diversas à adotada, mas ser esta a solução consagrada pelo legislador. No mais o AUJ fundamenta a segunda parte das questões que havia identificado e conclui que o intermediário financeiro que não informa o seu cliente, investidor não profissional, dos riscos do reembolso do capital investido, ou a sua perda significativa, sabendo que esse reembolso depende da solidez financeira do emitente das obrigações, bem como não esclarece o que sejam obrigações subordinadas, viola os seus deveres de informação previstos no CVM. Sendo estes os fundamentos da decisão de jurisprudência uniformizada, é bastante claro que são também transponíveis para a versão do CVM aplicável nestes autos (e também à versão posterior, embora esse não seja aqui um tema). As regras analisadas e interpretadas pelo STJ, ou não sofreram alterações – caso das regras do Código Civil – ou as alterações sofridas não são de molde a pôr em causa os fundamentos da jurisprudência fixada. Assim, a regra relativa à responsabilidade civil do intermediário financeiro, o art.º 314º do CVM foi deslocada, constando agora (e ainda) do art.º 304º-A do CVM, sendo as seguintes as diferenças de redação (com sublinhado nosso):
A regra do nº2 do art.º 314º que estabelece a presunção de culpa, analisada para efeitos de determinar se a presunção abarca o nexo de causalidade, não foi alterada. A regra do nº1 acrescentou a violação dos deveres relativos à organização da atividade, numa intervenção legislativa densificadora, sem inovação, dado que já na versão anterior o dever de prevenir ou reduzir conflitos de interesses se encontrava inscrito no art.º 309º (onde foi também acrescentado o dever de organização, no mesmo tipo de intervenção, além de alterações de vocabulário). Também os arts. 304º e 310º do CVM, fora uma certa densificação (304º nºs 3 e 5) e alteração de vocabulário (310º nº1), não sofreram alterações que os afastem da linha de argumentação do acórdão de fixação de jurisprudência, e, quanto ao art.º 312º, nº1, al. a), corresponde textualmente ao art.º 312º, nº1, al. e) do CVM. O art.º 7º do CVM foi depurado, no seu nº1, continuando, porém, a lei a exigir que a informação seja «completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita». Não estando este tribunal literalmente vinculado pela jurisprudência ali uniformizada, por não literalmente aplicável, dado o teor dos arts. 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, há que se reconhecer que o referido Decreto Lei nº 357-A/2007, de 31/10 não introduziu, neste particular, nenhuma alteração que invalide a aplicação do argumentário da jurisprudência uniforme, que assim deve ser seguida, como aliás já se decidiu expressamente nos Ac. STJ de 06/07/2023 (Maria da Graça Trigo – 1715/18 e 1647/16) e de 20/06/2023 (Maria Clara Sottomayor – 15440/17), entre outros. Feita esta análise /e advertência, ou seja, de que este tribunal seguirá, nestes moldes, os argumentos da jurisprudência uniformizada, há, evidentemente que a aplicar apenas e quando se justifique, o que será aferido no caso concreto. * 5.2.2. Enquadramento concreto A sentença recorrida, em resumo, começou por concluir que a liquidanda agiu na qualidade de intermediária financeira e caraterizou o contrato que se apurou celebrado entre o A. e aquela como um contrato de intermediação financeira e execução de ordens de subscrição de ações preferenciais. Analisou, seguidamente, o cumprimento dos deveres de informação para com o A., começando por enunciar as regras legais aplicáveis e concluindo que: “Dos enunciados normativos importa reter, por um lado, que a relação contratual obrigacional que se estabelece entre o cliente e o intermediário financeiro, deve estar sempre pautada pela lealdade, sustentada no rigor informativo pré-contratual e contratual por parte do intermediário financeiro, condizente a uma informação objectiva, completa, verdadeira, actual, clara, e lícita, tendo em conta, sublinhamos, que entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto a da contraparte. Por outro lado, o reconhecimento por parte do legislador da dependência que os investidores apresentam face aos intermediários financeiros e da clara influência que o gestor de conta exerce sobre estes investidores através da informação que presta7 – e daí o especial dever de proteger os interesses destes nos contratos de intermediação financeira. Por outro lado, o nº 2 do artigo 312º, do Código dos Valores Mobiliários, dispõe que o dever de informação que impende sobre o intermediário financeiro há de ser adequado ao nível de conhecimentos de cada cliente, exigindo um comportamento proactivo por parte do intermediário financeiro no sentido de diligenciar pela obtenção de dados que lhe permitam traçar o perfil do cliente que tem perante si, a fim de determinar o grau ou a extensão das informações a prestar ao cliente. Com efeito, na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar a fim de facultar a estes uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada (nº 1 do artigo 312º, do Código dos Valores Mobiliários). É dever do intermediário financeiro buscar informações acerca do cliente, com o objectivo de possibilitar efectivamente a avaliação de que o cliente compreende os riscos envolvidos, para então formar o seu juízo acerca da adequação do investimento, ou não, e o informar. Relativamente a esta matéria Filipe Canabarro Teixeira considera haver aqui «uma obrigação de resultado, onde tem de ser alcançado um objectivo específico, não bastando o seu mero cumprimento.» (in obra citada, pág. 61). Este dever de conhecimento do cliente encontra-se relacionado com o denominado princípio da proporcionalidade inversa consagrado no nº 2 do artigo 312º, do Código de Valores Mobiliários, relativamente aos deveres de informação, segundo o qual a «extensão e a profundidade da informação a prestar pelo intermediário ao cliente devem ser tanto maiores quanto menor for o seu grau de conhecimento e experiência. A inversão da proporcionalidade entre a informação a prestar e o grau de conhecimento do investidor cria, na esfera do intermediário financeiro um dever de conhecimento do cliente (Know your cliente rule) e traduz, uma vez mais, a necessidade de tratamento diferenciado entre investidores com vista à superação de inevitáveis desigualdades informativas e à possível reposição de uma tendencial igualdade». Reconduziu o conteúdo da informação necessário aos elementos mínimos constantes do art.º 312º do CVM e passou, seguidamente à aferição do respetivo cumprimento em concreto, advertindo que ao investidor cabe a prova da violação do dever de informação e ao intermediário a prova de que cumpriu cabalmente o dever de informar. Subsumindo os factos ao direito considerou não ter sido demonstrada a transmissão de informação essencial à compreensão do produto financeiro subscrito pelo A. – ações preferenciais – em momento prévio à aquisição de tais aplicações. Da prova produzida concluiu não só não terem sido transmitidas informações suficientes sobre o produto em causa, como terem sido prestadas informações enganosas que conduziram o A. a acreditar que estaria a realizar dois depósitos a prazo. Seguidamente foram caraterizados os instrumentos financeiros subscritos – ações preferenciais – e enumeradas as diferenças relevantes para depósitos a prazo: são créditos de baixa prioridade no caso de insolvência do emitente e não beneficiam do Fundo de Garantia de Depósitos. Acresce que não poderiam ser antecipadamente resgatadas. Compaginando os factos apurados, em especial o perfil do A., concluiu a sentença recorrida que o BES levou aquele a investir num produto que não correspondia ao que pretendia, tendo sido omitida informação essencial e emitida informação enganosa em especial ao garantir a ausência de riscos. Foram enumerados os tipos de riscos para ilustrar que afirmar a ausência de risco é falso e mina a confiança do público nos mercados financeiro e bancário. No caso entendeu também que o A. foi levado a subscrever dois produtos que não correspondiam ao seu perfil e à sua vontade. Concluiu pelo incumprimento pelo BES dos deveres de informação impostos pelo art.º 312º do CVM: “nomeadamente os previstos nas alíneas a), c), d) e g) do seu nº 1: - Aos instrumentos financeiros e às estratégias de investimento propostas, incluindo se o instrumento financeiro se destina a investidores profissionais ou não profissionais, tendo em conta o mercado-alvo identificado; - Quanto aos riscos especiais envolvidos na operação a realizar – risco de liquidez, risco de crédito e risco de mercado; - Quanto à existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção ou equivalente que abranja os serviços a prestar.” A sentença recorrida entrou, seguidamente na análise dos pressupostos da responsabilidade civil do intermediário financeiro concluindo pela verificação da ilicitude, na constatação da violação do disposto no art.º 312º do CVM, “pela omissão de informação de elementos essenciais da aplicação financeira que lhe estava a ser proposta, privando o autor dos elementos necessários a uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada.”; a culpa foi considerada verificada por presunção, nos termos do nº2 do art.º 304º-A do CVM, tendo-se considerado que os RR. não lograram afastar tal presunção. Frisou-se que a omissão de elementos essenciais e a equiparação a depósitos a prazo são censuráveis, não residindo essa censurabilidade na não previsão da sua própria insolvência, mas na omissão de transmissão ao cliente de aspetos desvantajosos destes produtos financeiros. No tocante ao dano considerou sempre abrangido o interesse contratual negativo, ou seja, os danos que o lesado não teria sofrido se não lhe fosse prestada a informação deficiente. Relativamente ao nexo de causalidade, considerou que o nº2 do art.º 304º-A do CVM contém igualmente uma presunção de causalidade, com a consequente inversão do ónus da prova, presunção não ilidida no caso concreto. Apontou, ainda assim, que, com a queda do BES o A. ficou desapossado da quantia entregue para subscrição de produtos, que nunca teria adquirido se não fossem as informações enganosas prestadas por aquele banco, enquanto intermediário financeiro. Concluiu assim estarem preenchidos todos os requisitos de responsabilização, decidindo que o A. tem o direito de demandar por si os RR. por ter sido ele a subscrever as ações preferenciais, que deve ser reconhecido o crédito reclamado, enquanto crédito comum, deduzido da importância que se apurou recebida. Os apelantes, além dos argumentos relativos à nulidade, impugnação da matéria de facto e ilegitimidade, já conhecidos, argumentaram, em síntese que: No tocante à violação dos deveres de informação (ilicitude): - o tribunal aplicou uma inversão do ónus da prova, quanto à ilicitude, sendo que tal inversão não tem apoio nem na doutrina nem na jurisprudência, como resulta do AUJ 8/2022, aplicável ao caso concreto conforme Ac. STJ de 06/07/2023; - ainda que assim se não entendesse, o tribunal não aplicou o princípio da proporcionalidade ao caso concreto, dado que não valorou o facto de o produto em causa ser um produto não complexo (314º-D nº2 do CVM), se tratar de uma mera relação de receção transmissão e execução de ordens (290º als. a) e b) do CVM) e de o dever de avaliação do carater adequado da operação não ser aplicável (314º-D nº1 do CVM) por motivo imputável ao A. primitivo (facto provado 53 a) da sentença); - dos factos 54 e 55 resulta que o A. foi informado de todos os factos mencionados e dos riscos inerentes às ações preferenciais; - do facto 53 b) resulta declaração do primitivo A. que tem que ser tida por suficiente pra efeitos de verificação do ónus dos recorrentes, sob pena de assim não se considerando ser verdadeiramente impossibilitada a prova do cumprimento dos deveres de informação que recaem sobre os intermediários financeiros, em especial atento que as informações bancárias são por regra transmitidas por carta não registada ou oralmente, assim se premiando o investidor negligente ou de má-fé; - impunha-se a conclusão de que o BES não violou os deveres de informação a que estava adstrito; Quanto à culpa: - não há qualquer base para entender a conduta do BES como enganosa, dado que a expressão “produtos sem risco” ou “produtos garantidos” não consubstancia o intuito de enganar os investidores mas antes o significado de se tratarem de investimentos não especulativos sem riscos especiais além dos riscos de mercado como tem sido entendido na jurisprudência; - é manifesto que o risco só se verificou pela situação de insolvência do BES, cuja previsibilidade não era exigível; - não está presente o segundo pressuposto, pelo menos sob a forma de culpa grave; Quanto ao dano: - o tribunal deveria, sem conceder, também ter deduzido do valor a receber pelos AA. o valor que teriam recebido se tivessem aceite as propostas de reembolso e recompra que lhes foram apresentadas, nos termos do art.º 570º do CC, bem como o valor a liquidar das ações EG Premium de que permanecem titulares, uma vez que se tratará de enriquecimento sem causa dos recorridos, nos termos do art.º 473º do CC; Quanto ao nexo de causalidade: - o tribunal considerou que se presumia o nexo de causalidade, assim se invertendo o ónus da prova, o que não decorre de qualquer preceito legal nem resulta da jurisprudência, contrariando frontalmente o AUJ nº 8/2022, sem sequer invocar qualquer argumento inovador, pelo que não se poderá ter por demonstrado. Os recorridos, nas suas contra-alegações sustentaram: - que ficou provado ter sido fornecida ao primitivo A. informação não verdadeira, que o capital era garantido e sem risco, ficando o A. plenamente convencido de estar a investir num produto comum e conservador, um depósito a prazo; - provou-se que o A. sofria de absoluta iliteracia financeira, sendo incapaz de perceber o produto em causa nos autos; - o argumento do capital garantido e boa taxa de rentabilidade determinou a decisão positiva de investimento, que não teria sido tomada se o falecido A. tivesse consciência de que poderia perder os juros e o capital, que correspondia às poupanças de uma vida; - estão, assim, preenchidos todos os pressupostos para a responsabilidade civil do banco. Passemos agora à análise dos pressupostos da responsabilidade civil da liquidanda, que fundaram a decisão sob recurso. * 5.2.2.1. Ilicitude A primeira questão suscitada prende-se com uma alegada inversão do ónus da prova que o tribunal a quo terá entendido aplicar-se a este pressuposto e que teria ditado a conclusão pela verificação do pressuposto por falta de prova produzida pelas RR. O raciocínio feito pelo tribunal recorrido não foi exatamente o apontado. Como ficou expressamente consignado na pág. 42 da sentença recorrida: “Ao investidor lesado em virtude do incumprimento de um dever de informação por parte do intermediário financeiro, cabe demonstrar a existência desse dever. Sobre o intermediário financeiro recai o ónus da prova de que cumpriu cabalmente o dever de informar, de acordo com os padrões enunciados nos artigos 7º e 312º, do Código dos Valores Mobiliários.”[98] Trata-se de posição absolutamente conforme à jurisprudência uniformizada no AUJ nº8/2022[99], no qual se fundamentou (ponto 4.2.) “Ora, sendo factos constitutivos do seu direito, compete ao Autor demonstrar a ilicitude, o dano e o nexo de causalidade (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil), sendo que a culpa se presume, pelo que se pode concluir que a responsabilidade civil do intermediário financeiro pressupõe, para além da sua culpa presumida, a prova, por parte do lesado, da ilicitude resultante do incumprimento dos deveres legais ou contratuais bem como do nexo de causalidade adequada entre esse incumprimento e o dano sofrido. O que o regime do CVM pode trazer de diverso é a diminuição da exigência do regime da prova do nexo de causalidade no sentido de se dever facilitar ao investidor a demonstração da sua ocorrência, por forma a não se inverter a lógica do sistema de responsabilidade civil, pois é de reconhecer que é difícil ao investidor demonstrar, sem sombra de dúvidas, que nunca realizaria o investimento efetuado se a informação em falta lhe tivesse sido prestada, mas tal facilitação não se traduzirá numa inversão do ónus da prova, nem da adesão à doutrina do "comportamento conforme à informação", que tem sido propugnada por alguns autores e já subscrita por algumas decisões dos tribunais.” O que incumbe provar ao cliente/lesado é a violação objetiva do dever de informação, ou seja, omissão de informações relevantes para a tomada de decisão ou prestação de informação falsa. Ao intermediário financeiro cabe a prova de que a informação que prestou revestia as qualidades necessárias (completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, proporcional). E percorrendo a análise efetuada pelo tribunal recorrido[100] verificamos que constatou a prestação de informação sobre as operações realizadas (facto 55 da matéria de facto provada), mas também a insusceptibilidade de compreensão dessa informação pelo cliente em concreto (factos 57 a 61 e 67 a 68). Concluiu também que havia sido prestada informação enganosa, omitindo-se um dos riscos (a subordinação do crédito em relação à sociedade emitente), bem como o não benefício do Fundo de Garantia de Depósitos e a impossibilidade de resgate antecipado. Destas omissões extraiu a conclusão que o A. foi levado a investir num produto que não correspondia ao que pretendia. Tendo sido apurado que foi prestada informação no sentido da inexistência de risco [factos 56, 58, 59 e 60)], essa foi considerada uma informação deturpada e que levou à subscrição de produtos que não correspondiam ao perfil do A. Assim, não têm razão os recorrentes ao afirmar que o tribunal considerou verificada a ilicitude apenas com base numa suposta inversão do ónus da prova. O tribunal considerou provada a omissão de prestação relevante (ónus do A.) e não provado que a informação prestada revestisse as caraterísticas legalmente exigidas (ónus das RR). Recorde-se que o A. havia alegado a total ausência de informação quanto aos produtos subscritos (sendo ações o A. ficou convencido de ter subscrito produtos similares a depósitos a prazo, o que veio a ter tradução na matéria de facto apurada sob os nºs 45 a 48 e 59) e que as RR. apenas alegaram a prestação de informações concretas no contrato de execução de ordens, que se provou sob os nºs 39 e 55. Os recorrentes defendem que o tribunal não respeitou, na determinação do cumprimento dos deveres de informação, o princípio da proporcionalidade, não tendo tomado em conta: - que o dever de informação também varia de acordo com a complexidade do instrumento, tendo sido desvalorizado que as ações preferenciais são um instrumento não complexo; - que se tratou de uma mera relação de receção, transmissão e execução de ordens, nos termos das als. a) e b) do art.º 290º nº1 do CVM; - que por esses dois motivos não se aplica o dever de avaliação do carater adequado da operação previsto no art.º 314º-D nº1 do CVM. O tribunal invocou e aplicou o princípio da proporcionalidade, na avaliação do cumprimento/incumprimento do dever de informação, tendo referido expressamente os deveres que impendem sobre os intermediários financeiros (art.º 304º do CVM), dando destaque ao princípio da proteção dos interesses legítimos do cliente, nomeadamente quando este não seja qualificado. Citou o nº2 do art.º 312º do CVM[101] como impondo um dever proactivo dos intermediários financeiros, o denominado dever de conhecimento do cliente[102]. Tratando-se de uma regra geral, o princípio da proporcionalidade inversa é aplicável em função dos concretos factos apurados e independentemente da concreta relação contratual estabelecida, não se confundindo com o dever de adequação em sentido estrito. O dever de adequação, que parte do dever de conhecimento do cliente tem um regime geral (appropriatness test) que obriga o intermediário, nos termos dos arts. 304º nº3 e 314º nº1 do CVM, a obter informação suficiente para avaliar se o cliente compreende os riscos envolvidos no investimento em causa. Quando se trata de gestão de carteiras ou de consultoria para investimento o dever de recolha de informação é acrescido, nos termos do art.º 314º-A (suitability test) do CVM, não aplicável no caso dos autos. Quando estejamos, como no caso presente, perante um contrato de execução de ordens, o dever de adequação não aplica quando se verifiquem as circunstâncias previstas nas alíneas a) a d) do nº1 do art.º 314º-D do CVM, sendo a al. a) preenchida nos termos das alíneas a) a d) do nº2 do mesmo preceito. No essencial, e como alegado pelos recorrentes, o dever de adequação não se aplica a produtos não complexos. É certo que o tribunal não expressou a conclusão de que os produtos subscritos (ações preferenciais) não eram produtos complexos. Mas caraterizou extensivamente as ações, nas suas várias modalidades, em apreciação que aqui se subscreve integralmente, e da qual se retira com linearidade que, efetivamente, não se tratavam de produtos complexos, como aliás já se concluiu supra em 4.3., com fundamentos que aqui se dão por reproduzidos. Em corolário, o tribunal não apontou qualquer falha no cumprimento do dever de adequação, que nunca imputou impendesse sobre o BES. As falhas apontadas pelo tribunal foram do dever de informação, ao qual se aplica a regra da proporcionalidade inversa, tal como aos demais deveres. Uma das omissões valoradas pelo tribunal foi a de prestação de informações específicas sobre os instrumentos subscritos, a saber, omissão de informação prévia à aquisição das ações de que: i) em caso de insolvência do emitente, os titulares deste tipo de ações apenas serão ressarcidos após os serem todos os credores garantidos, privilegiados e comuns, só tendo prioridade sobre os titulares de ações ordinárias, ii) não benefício do Fundo de Garantia de Depósitos; iii) falta de liquidez – impossibilidade de resgate antecipado. Defendem os recorrentes que os riscos inerentes às ações foram advertidos no contrato de intermediação financeira celebrado em 2008. Neste ponto apurou-se que (facto 55): 55) Consta do “Anexo I - Deveres de Informação a Investidores”, do referido “Contrato de Registo e Depósito de Instrumentos Financeiros”, a definição dos vários produtos de investimento, estando para as acções preferenciais assinalado que “(...) Os riscos inerentes a estes instrumentos financeiros são associados ao risco de incumprimento por parte do emissor das acções preferenciais, nomeadamente no reembolso de capital e à imprevisibilidade da distribuição de dividendos”. Compulsando o contrato (integralmente reproduzido no ponto 39 da matéria de facto dada como provada), encontramos informações de natureza padronizada sobre vários aspetos incluindo: - Mercados OTC – “Embora a maioria dos mercados OTC apresentem níveis de liquidez elevados, a negociação em mercado OTC envolve maior risco que a negociação em mercado regulamentado, dado que não beneficia da segurança introduzida pelas regras subjacentes aos mercados organizados, não sendo possível, em certas circunstâncias, liquidar ou fechar uma operação existente ou determinar o seu valor justo, estando a liquidez do mercado dependente da existência de intermediários dispostos a transacionar os instrumentos financeiros.” - Riscos dos Instrumentos Financeiros – “O Investimento em Instrumentos financeiros envolve riscos de diversas naturezas, não mutuamente exclusivos e que se poderão afetar reciprocamente. O risco de mercado é o risco de perda financeira devido à exposição dos Instrumentos financeiros às variações dos preços dos activos sobre os quais incidem, normalmente relacionados com taxas de juro, taxas de câmbio, acções, índices ou mercadorias, entre outros, O risco de crédito prende-se com a probabilidade de incumprimento das obrigações financeiras por parte do emitente ou contraparte do Instrumento financeiro. O risco de liquidez é o risco de liquidificação dos instrumentos financeiros, isto é a probabilidade dos instrumentos financeiros não poderem ser convertidos em dinheiro. Os instrumentos financeiros podem atrair outros riscos para os investidores, para além dos previamente referidos, como por exemplo o risco operacional (risco de incorrer em perdas em virtude do inadequado tratamento processual das operações financeiras) e o risco legal (risco das operações financeiras serem incompatíveis com ordenamento jurídico). Neste contexto, os investidores devem proceder à identificação e análise da totalidade dos riscos de cada instrumento financeiro, divulgados na ficha técnica ou nos termos e condições de cada operação.” - Risco e rendibilidade - O risco e a rendibilidade dos instrumentos financeiros encontram-se diretamente correlacionados. Geralmente, os instrumentos financeiros que permitem alcançar níveis de rendibilidade superiores aos que seriam obtidos em investimentos de risco reduzido, tais como obrigações da divida pública, certificados de aforro ou depósitos a prazo, incorporam maior risco que os instrumentos financeiros referidos e como tal encontram-se sujeitos a maiores variações de valor em virtude da alteração dos preços de mercado e do risco de crédito. Em determinadas circunstâncias, instrumentos financeiros que proporcionam elevadas rendibilidades poderão estar sujeitos a perdas superiores ao valor neles investido. Por norma, os instrumentos financeiros que proporcionam níveis de rendibilidade reduzidos encontram-se menos sujeitos a variações de valor devido a alterações das condições de mercado e de crédito.” Instrumentos Financeiros – “(…) ii) Acções Preferenciais Algumas empresas emitem várias classes de capital, como sejam as acções preferenciais. As acções preferenciais pagam um dividendo fixo, que não depende da performance das empresas como acontece no caso das acções ordinárias. Esta classe de acções é subordinada a outras dividas da empresa mas os seus dividendos têm preferência sobre os dividendos das acções ordinárias. Os riscos inerentes a estes instrumentos financeiros são associados ao risco de incumprimento por parte do emissor das acções preferenciais, nomeadamente no reembolso de capital e à imprevisibilidade da distribuição de dividendos”. Como resulta dos excertos transcritos, o contrato continha, em geral, a advertência do risco do mercado OTC, do risco de crédito e do risco de perda, por incumprimento, do capital e dos rendimentos esperados (dividendos) para o investimento em ações preferenciais. Os recorrentes consideram que estas menções do contrato satisfazem as necessidades de informação no caso concreto. Também entendem, questão que já antes se abordou[103], que a declaração padronizada constante das ordens de compra e de venda assinadas pelo procurador do A. constante da al. b) do facto nº 53 é suficiente para que se tenha verificado o cumprimento do dever de informação por parte do BES. Nos termos do disposto no art.º 321º nº 3 do CVM, sempre na redação aplicável: «Aos contratos de intermediação financeira é aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais, sendo para esse efeito os investidores não qualificados equiparados a investidores.» Tem sido discutido se esta norma é igualmente aplicável aos instrumentos de execução, no caso, às ordens de subscrição, tema que aqui releva porquanto os factos provados nº 54 e 55 respeitam ao contrato de intermediação financeira e a declaração constante da alínea b) do facto 53 está inserida numa ordem de compra. O tema tem sido discutido na jurisprudência a propósito da nulidade – questão que aqui não se encontra em apreciação – e a resposta tem sido afirmativa, ou seja, o preceito tem sido entendido aplicável aos contratos de intermediação financeira[104] e aos contratos de execução – ver por todos os Ac. STJ de 14/11/2024 (Isabel Salgado – 3994/20). Pese embora, na sequência da mais autorizada doutrina[105], não vejamos as ordens de subscrição como contratos de execução, mas sim como negócios jurídicos unilaterais, tal não altera os dados da questão, dado que, como refere Paulo Câmara[106] “Sendo negócios jurídicos unilaterais, a inserção sistemática do regime das ordens no capítulo dos contratos de intermediação afigurar-se-ia prima facie como criticável. Deve, no entanto, reiterar-se a existência de um contrato-quadro, de mandato sem representação, a operar como negócio de cobertura entre o ordenador e o intermediário. A ordem – negócio unilateral - não só se dirige à celebração de contrato transmissivo, como também é resultado de um contrato de mandato, que a enquadra. Esta construção foi, de resto, confirmada com o regime vigente. A necessária preexistência de uma política de execução de ordens (art.º 330º, n.ºs 4-9), de cunho contratual, leva a que deixem de existir por princípio ordens isoladas – sendo antes as ordens precedidas por contratos-quadro. Ordem é, pois, em si, negócio, mas insere-se num contrato mais amplo. Existindo tal contrato-quadro, a não aceitação das ordens, se não for permitida (cfr. art.º 326º), deve ser tratada como um incumprimento contratual, aplicando-se as consequências respetivas.” Num quadro legal de preponderância da proteção do investidor, com especial atenção ao investidor não qualificado, dificilmente se configuraria outra solução. Nos termos do disposto no art.º 5º do Decreto Lei nº 446/85, de 25/10, na versão em vigor à data da assinatura do contrato e das ordens de subscrição: «1 - As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las. 2 - A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência. 3 - O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.» O que implica que recaía sobre o Banco o ónus de demonstrar a comunicação efetiva destas cláusulas ao A., no caso do contrato de intermediação (prova não efetuada) e ao procurador que assinou as ordens de subscrição (tendo-se provado que tal comunicação não foi efetuada – facto nº 51). Como frisado no Ac. STJ de 04/05/17 (Lopes do Rego – 1961/13) uma declaração pré-elaborada e padronizada na qual o declarante afirma estar conhecedor do conteúdo e riscos da operação “não desvincula o Banco do ónus de demonstrar o cumprimento adequado do dever de informação cominado imperativamente pela norma do nº 3 do art.º 5º do DL 446/85 – valendo apenas (nos casos em que tal cláusula não é absolutamente proscrita, por se estar no domínio das relações com consumidores) como elemento sujeito a livre apreciação das instâncias”. Isto porque, e ainda citando os fundamentos do douto aresto: “o objecto de tal dever de informação, legalmente imposto com base no respeito pelo princípio da boa fé, não é propriamente cada uma das cláusulas inseridas no negócio concreto, atomisticamente considerada, pressupondo antes uma explicação consistente acerca da funcionalidade do negócio, como um todo, e o devido esclarecimento da contraparte acerca dos riscos financeiros em que incorre, perante uma alteração significativa do quadro económico, desfazendo o eventual equívoco do outro contraente acerca da real natureza do negócio, face à globalidade do conteúdo respetivo”. No mesmo e exato sentido se pronunciaram o Ac. STJ de 26/03/19 (Acácio das Neves – 1942/12) e o Ac. TRG de 11/04/2024 (Joaquim Boavida – 3994/20). Assim sendo, não podemos ter o dever de informação por cumprido apenas com base nas cláusulas contratuais invocadas e provadas ou com base na declaração padronizada constante da ordem de subscrição, havendo que apreciar, em concreto, se foi cumprido o dever de informação. Referem os recorrentes, em remate a este argumento, que a não se entender como defendem (suficiência das declarações padronizadas para prova do cumprimento dos deveres de informação) seria impossibilitada a prova de cumprimento dos deveres de informação que impende sobre o intermediário financeiro, uma vez que as informações bancárias são comumente transmitidas por meio de carta não registada ou oralmente – ao balcão ou por telemóvel, e que assim se premiaria, incompreensivelmente, o investidor negligente e o investidor de má-fé. Trata-se, porém, de um argumento que não colhe, dado que a proteção legal se dirige aos investidores, em especial aos investidores não qualificados e não ao intermediário financeiro que, ciente das regras legais, se deve precaver, criando um registo do cumprimento dos deveres. As regras ao tempo aplicáveis impunham a forma escrita, nomeadamente para os contratos de receção, transmissão e execução de ordens, celebrados com investidores não qualificados (arts. 321º nº1 e 290º nº1, als. a) e b) do CVM) e relativamente às ordens, previa-se que podiam ser dadas oralmente ou por escrito, mas que «As ordens dadas oralmente devem ser reduzidas a escrito pelo receptor e, se presenciais, subscritas pelo ordenador.»[107] Aqui chegados teremos que verificar se, em concreto, ficou demonstrada a violação dos deveres de informação por parte do BES, enquanto intermediário financeiro, tomando em conta as alterações decididas quanto à matéria de facto. Há assim que verificar se foram cumpridos os deveres de informação e integralmente respeitada a geometria variável dos referidos deveres que impendem sobre o intermediário financeiro: “a intensidade dos deveres de informação varia em função do tipo contratual em causa e do concreto perfil do cliente” – cr. Ac. STJ de 11/10/2018 (Maria do Rosário Morgado – 2339/16) – cfr. art.º 312º nº2 do CVM – ou seja, se a informação disponibilizada foi adequada ao perfil do cliente e à natureza do investimento. Nos termos do nº1 do art.º 312º[108] do CVM o intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo, nomeadamente as respeitantes: “a) Ao intermediário financeiro e aos serviços por si prestados; b) À natureza de investidor não qualificado, investidor qualificado ou contraparte elegível do cliente, ao seu eventual direito de requerer um tratamento diferente e a qualquer limitação ao nível do grau de protecção que tal implica; c) À origem e à natureza de qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço a prestar, sempre que as medidas organizativas adoptadas pelo intermediário nos termos dos artigos 309.º e seguintes não sejam suficientes para garantir, com um grau de certeza razoável, que serão evitados o risco de os interesses dos clientes serem prejudicados; d) Aos instrumentos financeiros e às estratégias de investimento propostas; e) Aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar; f) À sua política de execução de ordens e, se for o caso, à possibilidade de execução de ordens de clientes fora de mercado regulamentado ou de sistema de negociação multilateral; g) À existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar; h) Ao custo do serviço a prestar.” Tendo por objetivo assegurar que o investidor tome uma decisão esclarecida, o intermediário deve prestar as informações necessárias, com a antecedência suficiente para essa tomada de decisão[109]. A qualidade da informação está regulada no art.º 7º do CVM que prescreve que deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita. “A qualidade da informação é essencial ao funcionamento do mercado de instrumentos financeiros. É instrumental à eficiência, equilíbrio e justiça do mercado. E é, em si mesma, uma das metas visadas pelo regime vigente de regulação das atividades relacionadas com instrumentos financeiros.”[110] Em geral: A informação é completa quando são incluídos na mensagem informativa “todos os elementos legalmente exigidos e contextualmente relevantes a respeito do referente[111]”. O conteúdo abrange não só todos os elementos exigidos por lei, mas também todas as informações de contexto relevantes. A informação é verdadeira quando existe uma equivalência total entre o referente e a mensagem. Nas informações sobre o futuro, sendo este incerto, deve analisar-se a informação com referência à data de divulgação e aferir se era previsível – ou devia ser – para o agente que a afirmação ia ou não acontecer. Deve ser atual, ou seja, corresponder com exatidão ao momento do referente por incluir todos os elementos disponíveis sobre o referente aquando da emissão da mensagem. Este requisito assume grande relevo na informação relativa a emitentes. A clareza é a aptidão da mensagem para elucidar o destinatário em relação ao referente, pressupõe adequação e tem como padrão o investidor médio. A mensagem terá que ser inteligível, facilmente percetível, inequívoca, sem impor um esforço de interpretação desrazoável. A informação é objetiva quando tenha aptidão para descrever o referente de forma rigorosa, direta e concisa. Pressupõe um certo distanciamento do agente em relação ao objeto sobre o qual informa. Pede uma descrição de factos, mas não preclude a emissão de juízos ou opiniões, desde que identificados como tal. A informação é lícita quando, em si mesma, o seu conteúdo, não viola preceitos legais aplicáveis à difusão da informação, direta ou indiretamente. Mas o preenchimento do “sexteto do art.º 7.º apenas é possível à luz de critérios sistemáticos, que atentem, por um lado, aos vários preceitos que prosseguem, individualmente, à sua concretização e, por outro lado, à luz dos grandes princípios formais que moldam o Direito dos Valores Mobiliários: a proteção dos investidores e a eficiência do mercado. Se o primeiro aponta no sentido de uma exigência máxima, nomeadamente em relação às qualidades da completude e da clareza, já o segundo justifica a introdução de bitolas mínimas. Nesse sentido, o intérprete-aplicador deve promover um preenchimento proporcional, que atente, especialmente, à natureza dos clientes, aos serviços prestados, aos instrumentos financeiros envolvidos, à complexidade da operação, aos riscos associados e aos meios de comunicação empregues.”[112] A comunicação tem que ser adaptada ao cliente em concreto, aos seus conhecimentos e experiência. “Sendo que este perfil individual releva para o próprio preenchimento das qualidades do artigo 7.º/1. Pense-se na seguinte afirmação: “trata-se de um produto financeiro seguro e sem risco”. Para um cliente sem qualquer conhecimento do funcionamento do mercado e que, ao longo da sua vida, apenas colocou as suas poupanças em depósitos a prazo, esta afirmação pode ser recebida literalmente. O mesmo não ocorre, em princípio, para outro cliente que esteja ciente que todos os produtos financeiros são intrinsecamente arriscados.”[113] A sentença recorrida considerou o perfil do A. apurado (factos 57 a 61 e 67 a 68) e entendeu omitidos três tipos de informação: - omissão de informação da subordinação do crédito – em relação ao risco de insolvência ou incumprimento da sociedade emitente); - omissão da informação de que este tipo de produto não beneficiava do Fundo de Garantia de Depósitos; - omissão da informação de que o produto não podia ser antecipadamente resgatado. Apurou-se, com relevância: - quanto ao perfil do A. 40) O autor MC faleceu no dia 29 de Janeiro de 2017, em …, França. 41) Quando faleceu, o autor tinha 79 anos de idade. 42) Este era casado com a autora HC sob o regime de comunhão geral de bens. 66) Nos anos de 2013 e 2014, o autor MC residia nesta morada. 67) Em França, este autor foi operário fabril. 68) O autor MC possuía a 2.ª classe (correspondente ao actual 2.º ano do 1.º ciclo). 57) O autor MC tinha um perfil conservador. 58) Ele não investia em produtos de risco. 60) A preocupação do autor era a rentabilização do dinheiro que ganhou em França. 61) O autor não sabia o que eram acções preferenciais. 63) Este confiava mais no Banco Espírito Santo, S.A., do que nos seus filhos. 64) O autor MC emigrou para França por volta do ano de 1966, onde fixou residência e trabalhava. Em resumo o A., ex-operário fabril emigrado em França, tendo como habilitações literárias a 2ª classe, desconhecedor de produtos financeiros e apenas interessado em rentabilizar as poupanças de toda uma vida de trabalho, confiava plenamente no intermediário BES. No tocante à prestação de informações, para além das menções padronizadas constantes de 53 a 55 da matéria de facto provada, apurou-se que: 59) O autor MC achou que estava a investir o seu dinheiro num produto semelhante a um depósito a prazo com garantia do montante de capital investido e juros no prazo. 45) No dia 19 de Junho de 2013, o autor MC deu ordem de compra/subscrição de 3.642 acções preferenciais (“AÇÕES”), com o valor unitário de € 50, emitidas pela sociedade “Poupança Plus”, com o Código ISIN SCBES0AE0269, pela importância total de € 182.100 (cfr. Doc. n.º 2, de fls. 70 e seguintes e cujo seu teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos). 46) Na mesma data do investimento foi, em simultâneo, com a ordem de subscrição/compra, entregue pelo aqui autor ao Banco Espírito Santo, S.A., uma ordem de venda das referidas 3.642 acções, cujo valor unitário ascendia a € 53,289111000, no montante total de € 194.068, para a data de 22 de Junho de 2015. 47) No dia 10 de Fevereiro de 2014, o autor MC deu ordem de compra/subscrição de 6.440 acções preferenciais (“AÇÕES”), com o valor unitário de € 25, emitidas pela sociedade “Eg Premium 2”, pelo montante total de € 161.000 (cfr. Doc. n.º 3, de fls. 72 e seguintes e cujo seu teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos). 48) Na mesma data do investimento o referido autor entregou ao Banco Espírito Santo, S.A., em simultâneo, com a ordem de subscrição/compra, uma ordem de venda das referidas 6.440 acções, com o valor unitário de € 26,65885000, no montante total de € 171 683, para a data de 22 de Fevereiro de 2016. 49) As ordens de compra referidas em 45) e 47) foram assinadas pelo autor RC a pedido e sob as ordens do primitivo autor MC. 50) Igualmente, o autor RC assinou os documentos referentes às ordens de venda mencionados em 46) e 48) dos Factos Provados a pedido e sob as ordens do primitivo autor MC. 51) Os documentos referidos em 45) a 48) não foram lidos nem explicados ao autor RC. 56) Aquando da assinatura das referidas ordens de compra foi transmitido pelo gerente da agência de Fafe do Banco Espírito Santo, S.A., JOC, aos (actuais) autores RC e LC, que os produtos subscritos em questão não tinham risco nenhum. 52) A “aplicação” das quantias de € 182.100 e de € 161.000, bem como de outras quantias anteriormente, em “produtos do Banco Espírito Santo, S.A.” foi tratada por telefone pelo autor MC com um Departamento desta instituição bancária que lidava com emigrantes. 61) a) O A. MC investiu em valores mobiliários – séries comerciais de ações preferenciais – por diversas ocasiões antes dos factos referidos em 45) a 48) da matéria de facto provada. 61) b) Os investimentos referidos em 61) a) e 45) a 48) tiveram também em consideração a rendibilidade oferecida por aqueles produtos, superior à rendibilidade de depósitos a prazo. Em resumo, sem que se tenha apurado qualquer informação sobre as ações preferenciais em causa, o A., que contactava com funcionários do BES por telefone, ordenou ao filho que subscrevesse o necessário para a concretização de uma operação que repetia. O facto de já ter antes investido no mesmo tipo de produtos – tal como lhe eram apresentados, dado que se apurou o seu desconhecimento sobre o que fossem ações preferenciais – funcionou claramente como incentivo para o investimento e não como indicador de desnecessidade de informação. O facto de não ser a primeira vez que investia em ações sem saber o que fossem as mesmas coadjuva a demonstração do que também se apurou – que essencial para o A. era rentabilizar as suas poupanças e que achava estar a fazer um investimento seguro [factos 59, 60 e 61 b)]. Estamos assim, embora num enquadramento factual diverso da primeira instância, em condições de confirmar que: - o A. não foi informado sobre o tipo de produto em que investia nem sobre os riscos específicos deste – baixa hierarquia do crédito em relação ao emitente comportando um risco de não recuperação do capital - als. d) e e) do nº1 do art.º 312º do CVM; - o A. não foi informado da inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção relativamente ao investimento em ações preferenciais – al. g) do nº1 do art.º 312º CVM. Não há qualquer facto provado que permita concluir que a questão da liquidez, ou seja, a possibilidade de desmobilização antecipada da quantia, fosse um tema para o A., pelo que não concordamos que essa tenha sido uma informação relevante omitida. Adquirido que o A., não sabendo em que investia, sabia não estar a fazer depósitos a prazo, essa é uma caraterística desse tipo de aplicações que perde importância no caso concreto. Passando à segunda parte da violação do direito à informação tal como analisada pelo tribunal a quo, não podemos igualmente deixar de concordar que a convicção, adquirida pelo A. de que investia o seu dinheiro num produto semelhante a um depósito a prazo com garantia do montante de capital investido e juros no prazo, só pode ter sido adquirida por informação do intermediário financeiro, como o corrobora o facto apurado sob o nº 56. Trata-se de informação falsa, como vem decidindo a nossa jurisprudência[114] e resulta ainda expressamente da fundamentação do AUJ nº 8/2022 (com sublinhado nosso): “5 - Se o intermediário financeiro que não informa investidores-clientes não profissionais sobre o risco em que, em abstrato, pode vir a incorrer, decorrente do incumprimento do emitente (maxime em virtude de insolvência) de obrigações (maxime subordinadas) viola - ou não - os deveres legais de informação que sobre si impendem, designadamente nos termos do artigo 312.º, n.º 1, alínea e), do CVM. Como atrás se referiu, o intermediário financeiro está vinculado a um conjunto de deveres de entre os quais se destaca o dever de informação, que é decorrente do princípio da conduta transparente e leal. E esse dever de informação implica informar com clareza, lealdade e transparência os clientes acerca dos elementos caracterizadores dos produtos financeiros propostos para que os investidores possam tomar uma decisão de investimento esclarecida (artigo 7.º do CVM), sendo que a informação deve ser mais aprofundada quanto menor for o conhecimento do investidor, sendo certo que o intermediário financeiro tem o dever de prestar todas as informações de que tenha sobre um produto financeiro, tomando a iniciativa do esclarecimento das características do produto financeiro, e não de prestar somente os esclarecimentos solicitados pelo investidor. Ora, se o intermediário financeiro equipara simplesmente a subscrição de obrigações subordinadas a um depósito a prazo, viola esse dever de informação, porquanto existem diferenças assinaláveis e muito significativas entre os dois produtos, que aqui resumidamente se apontam: - As obrigações representam um direito de crédito sobre a entidade emitente (artigo 348.º do Código das Sociedades Comerciais), o que implica que é a entidade emitente que fica obrigada a restituir ao titular da obrigação (credor obrigacionista) quer o montante que lhe é mutuado quer os juros respetivos, quando convencionados, restituição que dependerá sempre da solidez financeira da entidade emitente. A subscrição de uma obrigação é um investimento e, através da sua aquisição, os investidores aplicam as suas poupanças visando uma remuneração do capital investido mais elevada, embora com mais riscos do que aqueles que resultariam de outras aplicações do capital, designadamente, através dos depósitos a prazo. As entidades emitentes colocam no mercado, pelo melhor preço que consigam obter, os valores mobiliários que emitem no intuito de conseguirem formas alternativas de financiamento da sua atividade sem os custos do recurso ao crédito bancário. - Os depósitos a prazo são exigíveis no fim do prazo por que foram constituídos, podendo as instituições de crédito conceder aos seus depositantes, nas condições acordadas, a sua mobilização antecipada (artigo 1.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 430/91, de 2 de novembro). (…) Assim, as informações não serão verdadeiras se se proceder a essa equiparação, porquanto as obrigações não são um produto equivalente aos depósitos a prazo e constituem um investimento com riscos superiores aos dos depósitos a prazo, não podendo o capital investido e respetivos juros serem levantados quando o cliente assim o desejar.” Defendem os recorrentes que “na jurisprudência foi já esclarecido que o recurso a expressões como «produtos sem risco» ou a «produtos garantidos», na comercialização de instrumentos financeiros, frequentemente utilizadas, não consubstancia o intuito de enganar o investidor, mas, ao invés, tem o significado de investimentos não especulativos, sem riscos especiais a assinalar para além dos riscos normais de mercado que qualquer investimento comporta.”[115], citando para o efeito os Acs. TRL de 28/04/2016 (Teresa Soares – 428/12) e o Ac. STJ de 21/03/2019[116] (Oliveira Abreu - 28438/16). Trata-se de ponto em que a jurisprudência se tem dividido, mas que maioritariamente – e o AUJ 8/2022 – vem decidindo nestes termos. Como se vem precisando, a solução é sempre casuística e muito depende dos demais factos apurados. A. Barreto Menezes Cordeiro adverte exatamente para este ponto, frisando que a equiparação a depósito a prazo não é em si, violadora do dever de informação, mas sim a simples equiparação, havendo que pesar todos os factos. Por outro lado, a afirmação de que se trata de um produto seguro ou sem risco “deve ser interpretada, em princípio e à luz do critério do declaratário normal, como sendo uma operação que envolve um risco reduzido ou mínimo. Esta dimensão objetiva, recorde-se, não é absoluta, no sentido em que o sistema impõe que a comunicação se adapte ao cliente em concreto, aos seus conhecimentos e experiência.”[117] E no caso concreto, conjugando o perfil do A. apurado, a relação de confiança com o Banco e as motivações do investimento não temos quaisquer duvidas em situar este cliente como um daqueles que tomaria a afirmação de semelhante a um depósito a prazo, com capital garantido, como uma afirmação literal e não apenas como uma afirmação de produto de baixo risco, como o entenderia um declaratário investidor médio. Não se trata de proteger um investidor desatento ou negligente, mas de reconhecer a quase total iliteracia financeira do A. e, consequentemente, a especial intensidade do dever de informação neste caso concreto. Aqui chegados, e com uma única exceção, pese embora as alterações da matéria de facto, atingimos a mesma conclusão que o tribunal recorrido, ou seja, que o BES, na sua qualidade de intermediário financeiro violou os deveres de informação a que se encontrava adstrito. Tal como o tribunal recorrido, não censuramos a falta de informação sobre o risco de insolvência do emitente – sendo que foi a insolvência do intermediário que causou a não execução das ordens de venda e impossibilitou a recuperação do capital investido – mas sim a ausência de comunicação sobre o tipo de produto, o tipo de riscos envolvidos, a inexistência de qualquer garantia e a falsidade da informação de que se trataria de um produto sem risco, devido à forma (expectável, ante o perfil do cliente) como essa informação foi percecionada pelo cliente. Improcedem, nestes termos, as conclusões GGGG) a RRRR). * 5.2.2.2. Culpa A sentença recorrida, tendo considerado verificada a violação dos deveres de informação por parte da liquidanda, fez operar a presunção de culpa prevista no art.º 304º-A nº2 do CVM e considerou não ter sido ilidida a presunção. Considerou que os factos apontam “para a ocorrência de culpa grave da sua parte nas informações que foram prestadas ao autor MC e que levaram este a subscrever dois produtos que não correspondiam à sua vontade e omitindo-lhe as características e riscos dos mesmos.” Para tanto considerou o elevado padrão de diligência imposto pelo CVM, o facto de se tratar de um banco, merecedor de especial investimento de confiança. Os recorrentes argumentam nos termos já acima referidos e conhecidos, ou seja, que “na jurisprudência foi já esclarecido que o recurso a expressões como «produtos sem risco» ou a «produtos garantidos», na comercialização de instrumentos financeiros, frequentemente utilizadas, não consubstancia o intuito de enganar o investidor, mas, ao invés, tem o significado de investimentos não especulativos, sem riscos especiais a assinalar para além dos riscos normais de mercado que qualquer investimento comporta.” , citando para o efeito os Acs. TRL de 28/04/2016 (Teresa Soares – 428/12) e o Ac. STJ de 21/03/2019 (Oliveira Abreu - 28438/16). Alegam ainda que a própria sentença reconheceu tratarem-se, as ações preferenciais, de investimentos de risco relativamente baixo e que o risco somente se verificou pela situação de insolvência do BES, que, para o efeito, não era exigível fosse prevista. Defendem, assim, a não verificação do segundo pressuposto de responsabilidade civil, pelo menos, sem conceder, sob a forma de culpa grave. Os recorridos alegaram, em geral estarem verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil, incluindo a culpa. Na parcial procedência da matéria de facto provada, continua, ainda assim, a verificar-se, como decidido no ponto que antecede, a violação dos deveres de informação por parte do BES para com o aqui A. O que significa que está formada a presunção prevista no nº 2 do art.º 304º-A do CVM. A culpa traduz-se no facto de o intermediário não ter adotado a conduta prevista na lei quando devia tê-lo feito. Para a ponderação da censurabilidade da conduta relevam, em primeiro lugar o padrão de aferição previsto no nº2 do art.º 304º do CVM – o diligentissimus pater familiae, que se rege por elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, ou seja, num patamar mais exigente que o critério do bom pai de família consagrado no art.º 483º do CC. Já acima analisámos a questão suscitada, quanto à informação de produto sem risco, dado que, a ser procedente, excluiria a ilicitude, não exatamente a culpa, tendo-se concluído pela sua improcedência, no caso concreto. A afirmação de que o risco se verificou pela situação de insolvência do BES poderia, caso houvessem sido apurados elementos para tal (o que não sucedeu), levar a outro tipo de indagações sobre eventuais ligações entre os emitentes e o BES, mas, à parte tal situação, é completamente irrelevante. O facto de o investimento em ações preferenciais ser, em comparação, um produto de baixo risco, não significa que fosse um produto que correspondia aos objetivos de investimento do A., e, principalmente, não significa que não tivesse os seus riscos próprios e que a liquidanda estivesse desonerada de lhos transmitir. Não se mostram apurados quaisquer factos que permitam concluir pela ilisão da presunção de culpa formada nos termos do nº2 do art.º 304º-A do CVM. Como se decidiu no Ac. STJ de 10/04/2024 (Nelson Borges Carneiro – 7249/17) “numa situação de tipo obrigacional, a mera falta de informação do beneficiário responsabiliza, automaticamente, o obrigado. O responsabilizado só se liberará se lograr provar que, afinal, prestou a informação ou se beneficiou de alguma causa de justificação ou de escusa”. Não se tendo provado nem a prestação da informação, nem a existência de uma causa de justificação ou escusa temos verificada a culpa da liquidanda. Vejamos agora a medida da culpa, que a sentença considerou ser grave. Existem elementos objetivos que ajudam a densificar o conceito de culpa grave. “A título de exemplo, a qualidade profissional do lesante, por um lado, e a natureza essencial da obrigação violada no quadro global do interesse do credor, por outro.”[118] No caso a qualidade profissional do banco e o perfil não qualificado do cliente refletem, precisamente, a maior censurabilidade da conduta daquele ao omitir informações relevantes e ao transmitir informações falsas com vista a garantir a subscrição de determinados produtos financeiros. No quadro concreto, o grau de confiança depositado pelo A. no Banco foi defraudado por uma entidade de quem se esperava competência, boa-fé e elevadas lealdade e diligência. Atento o elevado padrão legal já referido, a culpa não pode deixar de ser qualificada, tal como na sentença recorrida, como grave. Improcedem, desta forma, as conclusões SSSS) a XXXX). * 5.2.2.3. Dano Dano é “todo o prejuízo, desvantagem ou perda que é causada nos bens jurídicos, de caracter patrimonial ou não, de outrem[119]. Os danos podem ser emergentes ou relativos a lucros cessantes - art.º 564º nº1 do Código Civil. “Os primeiros correspondem aos prejuízos sofridos, ou seja, à diminuição do património (já existentes) do lesado; os segundos, aos ganhos que se frustraram, aos prejuízos que lhe advieram por não ter aumentado, em consequência da lesão, o seu património.”[120]. No que toca aos danos patrimoniais, sempre que possível, a reposição natural é de adotar em primeira linha, por ser a forma mais genuína de reparação. Sendo ela impossível de efetuar, há que lançar mão do que resulta da teoria da diferença consagrada nos arts. 562º e 566º nº2 do Código Civil, segundo a qual a indemnização deve concretizar-se “pela diferença entre a situação real e a situação hipotética atual do património do lesado (no momento em que se efetiva a operação diferencial) e a situação em que o seu património se encontraria se a conduta que obriga a reparar não tivesse sido praticada”[121]. Assim, a indemnização poderá, também, operar-se mediante a entrega de uma quantia em dinheiro e equivalente ao valor em que o património atingido diminuiu, em consequência do dano surgido. No caso concreto o pedido formulado pelo A. foi de reconhecimento como crédito sobre a insolvência do valor investido, em singelo, do qual, como se apurou (factos nº 70 e 72) não foi recuperado nos termos previstos, mediante a não execução da ordem de venda que havia sido emitida simultaneamente com a ordem de subscrição (factos 45 a 48), ou seja, € 343.100,00, o que corresponde à reposição do património do A. na situação em que se encontraria caso não houvesse efetuado estes dois investimentos. A decisão recorrida frisou que o dano indemnizável, na responsabilidade por violação do dever de informação, abrange sempre o interesse contratual negativo, ou seja, os danos que o lesado não teria sofrido se não lhe tivesse sido prestada informação deficiente. Entendeu que tendo o A. subscrito as ações preferenciais em seu nome assistia-lhe a faculdade de, por si só, pedir o reconhecimento do crédito. Finalmente relevou o facto dado como provado sob o nº79 e subtraiu ao crédito correspondente ao valor investido € 75.389,40, fixando o crédito – e o dano indemnizável – em € 267.710,60. Os recorrentes alegam que deveriam ainda ter sido subtraídas as quantias que o A. primitivo poderia ter recebido caso tivesse aceite as propostas de reembolso que lhe foram apresentadas (factos provados 73 a 77 da sentença), por força do art.º 570º do CC. Mais alegam que deve ainda ser subtraído o valor a liquidar das ações preferenciais emitidas pela EG Premium de que os recorridos permanecem titulares, resultando do facto de estes valores não terem sido considerados, o enriquecimento dos recorridos, sem qualquer causa. Finalmente, em sede de arguição de nulidade da sentença os recorrentes haviam alegado que tendo as ações sido subscritas através de uma conta de depósitos à ordem da qual o primitivo A. não é exclusivo titular, presumindo-se a igualdade quantitativa do direito de cada contitular, a existirem os danos patrimoniais alegados, o A. apenas teria direito a ½ dos mesmos, atento o disposto no art.º 32º nº1, 2ª parte, do CPC o que imporia a redução em conformidade, ponto que deve ora ser apreciado de mérito. Apreciando, iniciaremos a nossa análise pela alegação de culpa do lesado na produção do dano, com uma advertência metodológica. A questão da culpa do lesado deveria ter sido tratada no ponto anterior, relativo à culpa. Apenas dele aqui conhecemos por ter sido essa a ordem de arguição dos recorrentes, que apenas alegaram este fundamento com respeito à fixação do quantum indemnizatório. Estabelece o art.º 570º do CC, sob a epígrafe Culpa do lesado: «1. Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída. 2. Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar.» Estará em causa, na perspetiva dos recorrentes, apenas o nº1 do art.º 570º do CC, dado que apenas é referida a diminuição do montante do dano indemnizável. Aliás, e como refere André Alfar Rodrigues[122] em matéria de responsabilidade civil do intermediário financeiro, o nº2 do art.º 570º do CC é de difícil aplicação atento que deve ser conjugado com a presunção de culpa prevista no artigo 304º-A nº2 do CVM: “Apesar da sua cláusula de mitigação da responsabilidade do intermediário financeiro, na prática poucas vezes será acionado o mecanismo do artigo 570º, nº 2. Isto, pois, a negligência evidenciada pelo cliente na condução da sua estratégia de investimento é quase sempre motivada pela inércia do intermediário financeiro, que deve advertir o cliente acerca dos riscos do seu investimento. Daí que, a culpa do profissional prevalecerá sempre sobre uma “culpa do cliente”. No caso em que o cliente persista com o seu investimento arriscado, quando tenha sido avisado pelo intermediário financeiro a não fazê-lo, este último não tem culpa ao agir segundo o artigo 304º, nº 2 do CVM.” O relevo da culpa do lesado corresponde a um princípio geral da teoria da responsabilidade civil, aplicável a todas as suas modalidades[123]. Exige-se, para que tenhamos verificada a possibilidade conferida pelo nº1 do art.º 570º do CC, que o ato do lesado tenha sido uma das causas do dano ou do seu agravamento, com aplicação das regras próprias do nexo de causalidade[124]. A lei abrange quer o concurso para a produção dos danos, quer o agravamento dos mesmos[125]. Já aludimos ao dano tal como foi delineado na sentença recorrida e que se deu com a não recuperação do capital investido nas ações preferenciais em causa nestes autos. Para sermos precisos, o dano consumou-se em dois momentos, as datas em que, após o colapso do BES, não foram cumpridas as ordens de venda que o A. havia emitido, ou seja, 22/06/15 e 22/02/16 (factos nº 46, 48 e 72). O que os RR. alegam como conduta putativamente concorrente para a produção ou agravamento do dano (a alegação não elabora qualquer distinção) por parte do A. ou dos seus herdeiros é a não aceitação de propostas de mitigação de um dano já consumado – a liquidação dos produtos acompanhado de uma solução comercial. Como é evidente, tal conduta, mesmo houvesse sido inteiramente apurada, não causou o dano e não contribuiu para o seu agravamento. Quanto muito poderia minorar o dano, mas essa (não adotar uma conduta suscetível de diminuir um dano já integralmente produzido) não é uma conduta que esteja contemplada no nº1 do art.º 570º do CC. Como refere A. Barreto Menezes Cordeiro, a alegação de culpa do lesado é feita amiúde pelos intermediários financeiros, mas por regra sem êxito. O autor refere que apenas se logra identificar dois tipos de casos em que a questão tem efetiva pertinência jurídica: “(i) o intermediário financeiro alega que o cliente poderia, a todo o tempo, ter alienado os instrumentos financeiros de que era titular, tendo optado, livremente, por não o fazer, muito embora tivesse conhecimento ou não pudesse desconhecer a desvalorização do seu património mobiliário (assim evitando uma desvalorização); e (ii) o intermediário financeiro invoca que o cliente não questionou a informação por si disponibilizada ou que o cliente não demonstrou qualquer reserva à sugestão de investimento por si avançada, limitando-se a seguir, acriticamente, o intermediário financeiro (concorrendo com a sua atitude negligente para a aquisição e posterior perca).”[126] Ambos os tipos de casos se dirigem a condutas que podiam, previamente, ter evitado o dano ou contribuído para sua menor dimensão, quando se verificasse, não para a sua diminuição após verificado. O nº 1 do art.º 570º do CC não tem, assim, no caso concreto, e nos termos alegados, qualquer campo de aplicação. O ponto seguinte de discordância respeita ao facto, apurado, de os AA. serem ainda titulares das ações EG Premium – facto nº 81. Defendem os recorrentes que, sob pena de enriquecimento sem causa dos AA., terá que ser deduzido o valor destas ações do montante da indemnização a conceder. O instituto do enriquecimento sem causa está previsto no art.º 473.º do CC, onde se dispõe: «1 - Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou. 2 - A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.» O enriquecimento sem causa pode dar lugar à ação de restituição ou à obrigação de restituir, quando o enriquecimento já se tenha verificado, assim como pode dar lugar à exceção de enriquecimento sem causa, para evitar que ele se verifique[127]. No caso presente, o instituto foi invocado como exceção, ou seja, na tese dos recorrentes para impedir a ocorrência de enriquecimento injusto. Tal tem como imediata consequência que o ónus da prova dos factos integradores pertence aos RR. e aqui recorrentes nos termos do disposto no art.º 342º nº2 do CC. A obrigação de restituir ou a paralisação de uma obrigação de indemnização fundadas em enriquecimento sem causa ou locupletamento à coisa alheia pressupõem a verificação cumulativa dos seguintes três requisitos: i) Que haja um enriquecimento de alguém (ou que a procedência do pedido venha a determinar um enriquecimento). O enriquecimento consiste “na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista”[128], tanto podendo traduzir-se num aumento do ativo patrimonial, numa diminuição do passivo, no uso ou consumo de coisa alheia ou no exercício de direito alheio ou na poupança de despesas. ii) Que o enriquecimento careça de causa justificativa - “ou porque nunca a tenha tido, ou porque, tendo-a inicialmente, a haja entretanto perdido”[129]. “O enriquecimento é injusto quando, segundo a ordenação substancial dos bens aprovada pelo Direito, ele deve pertencer a outra.”[130] Dado que a lei não define tal conceito, e dada a natureza diversa da fonte de que pode emergir, tal significa que o enriquecimento injusto terá sempre que ser apreciado e aferido casuisticamente, interpretando e integrando a lei à luz dos factos apurados.[131] iii) Que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição. “A correlação exigida por lei entre a situação dos dois sujeitos traduzir-se-á, em regra, no facto de a vantagem patrimonial alcançada por um deles resultar do sacrifício económico correspondente suportado pelo outro.”[132] O benefício obtido pelo enriquecido deve, pois, resultar de um prejuízo ou desvantagem do empobrecido, exigindo-se um nexo causal entre a vantagem patrimonial auferida por um e o sacrifício sofrido por outro. Finalmente, e atento o disposto no art.º 474º do CC, é ainda necessário que a lei não faculte ao empobrecido outro meio de ser restituído/indemnizado. Percorrendo os requisitos enunciados deparamo-nos com dificuldades logo no primeiro. De acordo com os factos apurados, os AA. não lograram a venda das ações EG Premium na data ordenada ou posteriormente, pese embora as referidas ações tenham sido transferidas para um novo intermediário financeiro (factos nºs 72 e 81). Tratando-se de ações a serem transacionadas em mercado OTC, a sua possibilidade de transação estava dependente das relações bilaterais estabelecidas ou controladas pelo intermediário financeiro, o que, face à liquidação deste, implica desde logo dificuldades de acesso ao mercado. Não temos qualquer facto ou elemento de prova relativo ao valor destas ações, nomeadamente se elas têm, sequer, qualquer valor patrimonial, dez anos decorridos[133]. Assim sendo, não temos forma de saber se a titularidade destas ações e o reconhecimento do direito à indemnização correspondente ao preço pago por elas (não recuperado) corresponde a uma vantagem patrimonial para os AA. e aqui recorridos. Uma vez que o ónus da prova pertence às RR. e recorrentes, este non liquet terá que ser valorado contra estas, não se encontrando desde logo preenchido o primeiro dos requisitos cumulativos de enriquecimento sem causa, o que determina a inutilidade no prosseguimento da apreciação dos demais. Improcede, pois, esta exceção de direito material, no tocante ao valor das ações EG Premium da titularidade dos AA. Em sede de contestação os recorrentes haviam alegado que tendo as ações sido subscritas através de uma conta de depósitos à ordem da qual o primitivo A. não é exclusivo titular, presumindo-se a igualdade quantitativa do direito de cada contitular, a existirem os danos patrimoniais alegados, o A. apenas teria direito a ½ dos mesmos, atento o disposto no art.º 32º nº1, 2ª parte, do CPC o que imporia a redução em conformidade, ponto que deve ora ser apreciado de mérito. O tribunal, no apuramento da responsabilização da R. (pg. 61 da sentença recorrida, referiu: “Com a “queda” do Banco Espírito Santo, S.A., o autor ficou desapossado da quantia de € 343.100 que entregou àquela instituição bancária em troca de um produto financeiro que nunca teria adquirido, se não fossem as informações enganosas prestadas por aquele banco, enquanto intermediário financeiro. E aqui refira-se que tendo sido o autor MC a subscrever as referidas acções preferenciais em seu nome, assistia-lhe a faculdade de demandar por si os réus enquanto sucessores do Banco Espírito Santo, S.A.” Vejamos então a correção da fundamentação do tribunal a quo. Os dados de facto apurados nos autos com relevo para a decisão deste ponto são os seguintes: 35) O primitivo autor MC era, juntamente com HC, titular da conta de depósitos à ordem n.º 649021290009. 36) Esta conta bancária foi originalmente aberta no Banco Espírito Santo, S.A.; 37) Actualmente esta conta está domiciliada no Novo Banco, S.A.; 37) a) – Consta da ficha de abertura de conta bancária do primitivo autor: “A conta que acabamos de abrir neste Banco, constitui depósito colectivo em nome dos signatários da presente, que para todos os fins legais, se declaram e reconhecem depositantes solidários. Fica muito expressamente consignado que qualquer dos signatários poderá livremente movimentar e dispor desta conta, parcial ou totalmente, inclusive liquidando-a antecipadamente, se de depósito a prazo se tratar, sempre sem carecer de autorização ou intervenção, dos restantes, ficando o Banco isento de qualquer responsabilidade pela entrega de todo ou parte do depósito contra recibo, cheque ou qualquer outro documento de quitação, passado por um só dos signatários. Qualquer outra conta de dinheiro ou títulos que. de futuro venhamos a abrir colectivamente em nossos nomes, fica sujeita às mesmas condições da presente, salvo qualquer disposição que porventura fique exarada aquando da abertura dessas contas. O Banco fica desde já autorizado a lançar a crédito desta conta colectiva todas as importâncias que, sob qualquer forma lhe sejam remetidas ou entregues, embora mencionem como beneficiário somente o nome de um dos signatários.” 38) Consta da ficha de abertura de conta bancária do primitivo autor que LC e RC eram procuradores; 39) O autor MC, em conjunto com a contitular da conta, celebrou, no dia 10 de Julho de 2008, um “Contrato de Registo e Depósito de Instrumentos Financeiros” com o Banco Espírito Santo, S.A., que regula o serviço de recepção, transmissão e execução de ordens (cfr. documento n.º 1, junto aos autos a fls. 64 e seguintes, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos); 45) No dia 19 de Junho de 2013, o autor MC deu ordem de compra/subscrição de 3.642 acções preferenciais (“AÇÕES”), com o valor unitário de € 50, emitidas pela sociedade “Poupança Plus”, com o Código ISIN SCBES0AE0269, pela importância total de € 182.100 (cfr. Doc. n.º 2, de fls. 70 e seguintes e cujo seu teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos). 46) Na mesma data do investimento foi, em simultâneo, com a ordem de subscrição/compra, entregue pelo aqui autor ao Banco Espírito Santo, S.A., uma ordem de venda das referidas 3.642 acções, cujo valor unitário ascendia a € 53,289111000, no montante total de € 194.068, para a data de 22 de Junho de 2015. 47) No dia 10 de Fevereiro de 2014, o autor MC deu ordem de compra/subscrição de 6.440 acções preferenciais (“AÇÕES”), com o valor unitário de € 25, emitidas pela sociedade “Eg Premium 2”, pelo montante total de € 161.000 (cfr. Doc. n.º 3, de fls. 72 e seguintes e cujo seu teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos). 48) Na mesma data do investimento o referido autor entregou ao Banco Espírito Santo, S.A., em simultâneo, com a ordem de subscrição/compra, uma ordem de venda das referidas 6.440 acções, com o valor unitário de € 26,65885000, no montante total de € 171 683, para a data de 22 de Fevereiro de 2016. 49) As ordens de compra referidas em 45) e 47) foram assinadas pelo autor RC a pedido e sob as ordens do primitivo autor MC. 50) Igualmente, o autor RC assinou os documentos referentes às ordens de venda mencionados em 46) e 48) dos Factos Provados a pedido e sob as ordens do primitivo autor MC. Os contratos de intermediação financeira estão regulados, em geral e em especial nos arts. 321º e ss. do CVM, podendo genericamente caraterizar-se como “um negócio jurídico celebrado entre um intermediário financeiro e um investidor, relativo à prestação de uma atividade de intermediação financeira (aqui se englobando esquematicamente operações por conta alheia, operações por conta própria e prestação de serviços) e tendo por objeto mediato, para além das ações, obrigações ou unidades de participação (valores mobiliários tradicionais), também bilhetes de tesouro ou obrigações de caixa (instrumentos financeiros) e futuros, "swaps", opções, "caps", "forwards", "floors", "collars" (instrumentos derivados)»[134]. A execução de ordens e a gestão de carteiras terão sempre por base uma relação de clientela que o art.º 322º nº3 do CVM refere, de forma exemplificativa[135] emergir: i) da celebração de um contrato de gestão de carteiras; ii) ser o intermediário financeiro destinatário frequente de ordens dadas pelo investidor; e iii) a celebração de um contrato de registo ou depósito de instrumentos financeiros. Como certeiramente adverte A. Barreto Menezes Cordeiro[136] a redação da al. b) do nº2 do art.º 322º CVM presta-se a interpretações menos corretas: “a relação de clientela não emerge da simples receção, mesmo que frequente, de ordens, mas da celebração de um contrato quadro, no seio do qual o cliente proceda a ordens de compra e venda.” Na vida prática, prossegue o mesmo autor, a relação de clientela surge associada a um número indeterminado de contratos, sendo frequentes os contratos de abertura de conta com previsão de conta de instrumentos financeiros associada a conta à ordem, o contrato de intermediação financeira prevendo a receção, transmissão e execução de ordens ou o registo e depósitos de instrumentos financeiros e os denominados contratos ou negócios de cobertura. No caso foi celebrado um Contrato de Registo e Depósito de Instrumentos Financeiros com o Banco Espírito Santo, S.A., que regula o serviço de receção, transmissão e execução de ordens – facto 39). A receção, transmissão e execução de ordens está regulada nos arts. 325º a 334º do CVM[137]. “Uma ordem mobiliária corresponde a uma declaração de vontade exteriorizada por um cliente e dirigida a um intermediário financeiro relativa à realização de uma operação mobiliária sobre instrumentos financeiros. Trata-se, nesse sentido, de um negócio jurídico unilateral, na medida em que corresponde a uma manifestação de vontade produtora de efeitos jurídicos – o que nos coloca no universo dos atos jurídicos em sentido amplo – que se caracteriza pela existência de liberdade de celebração e de estipulação – o que nos remete para o campo dos negócios jurídicos.”[138] Mas, e como refere Paulo Câmara[139] “Sendo negócios jurídicos unilaterais, a inserção sistemática do regime das ordens no capítulo dos contratos de intermediação afigurar-se-ia prima facie como criticável. Deve, no entanto, reiterar-se a existência de um contrato-quadro, de mandato sem representação, a operar como negócio de cobertura entre o ordenador e o intermediário. A ordem – negócio unilateral - não só se dirige à celebração de contrato transmissivo, como também é resultado de um contrato de mandato, que a enquadra. Esta construção foi, de resto, confirmada com o regime vigente. A necessária preexistência de uma política de execução de ordens (art.º 330º, n.ºs 4-9), de cunho contratual, leva a que deixem de existir por princípio ordens isoladas – sendo antes as ordens precedidas por contratos-quadro. Ordem é, pois, em si, negócio, mas insere-se num contrato mais amplo. Existindo tal contrato-quadro, a não aceitação das ordens, se não for permitida (cfr. art.º 326º), deve ser tratada como um incumprimento contratual, aplicando-se as consequências respetivas.” A execução de ordens não se reveste de autonomia contratual, como assinalado no Ac. STJ de 23/02/2021 (Maria Clara Sottomayor – 1/19), onde se decidiu: “II – O negócio jurídico de intermediação financeira deve considerar-se como um "contrato-quadro", um "negócio de cobertura" ou um contrato organizatório, que tem a função de previsão das diretrizes gerais do projeto a desenvolver no futuro e das relações negociais, devendo ser reduzido a forma escrita (artigo 321.º, n.º 1, do CVM) e observar um conteúdo mínimo imposto por lei, funcionando assim como um instrumento de informação e de transparência contratual (artigo 321.º-A, do CVM). III – A tese do recorrente, segundo a qual os negócios de execução são autónomos e permanecem válidos, porque se referem a ordens de compra assinadas pelo cliente, que o banco executou em nome deste, ao abrigo de um mandato com representação, não tem qualquer sustentação nos factos provados nem na lei.” Consta do contrato de registo e depósito de instrumentos financeiros dado por reproduzido em 39 da matéria de facto provada ao abrigo do qual foram emitidas e cumpridas as ordens de subscriçao que (Cláusula 2): “2. Conta de Registo e Depósito de Instrumentos Financeiros 2.1. A Conta de IFs é aberta no BES em nome do Cliente para registo e depósito de Instrumentos Financeiros. A Conta de IFs está sempre associada a uma conta de depósito à ordem aberta no BES (Conta D/O), coincidindo necessariamente os seus titulares, a forma da sua movimentação e as pessoas autorizadas a movimentá-la. O disposto quanto à forma de movimentação não afasta a necessidade do Cliente cumprir os requisitos e formalismos exigidos por lei para a realização das operações de que resulte tal movimentação. 2.2. O Cliente poderá ter abertas mais do que uma Conta de IFs junto do BES. Sempre que essas contas estejam associadas a uma única conta D/O ficam abrangidas pelas disposições do presente Contrato, devendo, nesse caso, o Cliente, relativamente a cada operação, especificar a respectiva conta. 2.3. Salvo convenção em contrário, presume-se que todos os titulares da Conta de IFs comparticipam em partes iguais na titularidade dos Instrumentos Financeiros nela depositados ou registados.” E consta ainda do referido contrato, imediatamente antes da data e assinatura pelo A. e por HC: “Mais declaro(amos)que a conta D.O. a que a conta de IFs fica associada é a Conta de Depósito à Ordem, nº …, Balcão de Fafe”, ou seja, a exata conta referida em 35 a 38 da matéria de facto provada. E quanto à conta DO à qual ficou associada esta conta de IFs, tal como consta de 37-A da matéria de facto provada, trata-se de uma conta solidária, em nome do primitivo A. e da sua esposa, tendo por procuradores dois filhos. Assim, e nos termos da cláusula 2.1. do contrato de registo e depósito de instrumentos financeiros, também a conta de registo e depósito é uma conta solidária, que pode ser movimentada nos termos previstos: por qualquer um dos titulares, podendo mesmo qualquer deles liquidar a conta e podendo o banco entregar o todo ou parte do depósito a cada um deles isoladamente. Tal explica que, sob este negócio de cobertura e esta relação de clientela, tenham sido emitidas ordens de compra e de venda apenas por um dos titulares, representado por um procurador – nas condições previstas para a conta de depósitos à ordem. Quanto à titularidade, a conta bancária pode ser individual ou coletiva e, quando coletiva, existe contitularidade da conta que pode revestir as seguintes modalidades[140]: - conta conjunta – só pode ser movimentada por todos os titulares em simultâneo; - conta solidária – qualquer dos titulares pode movimentar sozinho livremente a conta; o banqueiro exonera-se, no limite, entregando a totalidade dos depósitos a um único dos titulares; - conta mista – alguns dos titulares só podem movimentar a conta em conjunto com outros. A conta solidária tem um elemento fiduciário bastante vincado – qualquer um dos titulares pode proceder ao levantamento ou ao recebimento da quantia por inteiro, mesmo quando, nas relações internas entre os contitulares, só parte lhe pertencer[141]. Há que distinguir as regras da movimentação da conta da titularidade das quantias ou, mais rigorosamente, do saldo da conta, como referido no Ac. STJ de 24/10/2004, citado por Pestana de Vasconcelos[142] “São perfeitamente distintos, o direito de crédito de que é titular cada um dos depositantes solidários – que se traduz num poder de mobilização do saldo – o e direito real que recai sobre o dinheiro, direito que pode pertencer, apenas, a algum ou a alguns dos titulares da conta ou, até, a terceiro.” Parece-nos ser essa a distinção que as recorrentes não fazem. Perante uma conta solidária pode ser estipulado entre os titulares qual a quota parte ideal que cabe a cada um. Não o tendo sido, funciona a presunção do art.º 516º[143] do CC: presume-se que todos os titulares têm idêntica percentagem sobre o saldo, podendo a presunção ser ilidida nos teros gerais. Trata-se exatamente do que ficou consagrado na cláusula 2.3. do contrato de registo e depósito de instrumentos financeiros celebrado entre o A., sua esposa e o BES, que respeita, assim, à propriedade do saldo da conta. Mas porque estamos ante uma conta solidária, tal é alheio ao Banco, que, se se pode exonerar entregando o saldo a qualquer um dos titulares, também pode ser condenado a reconhecer o crédito de apenas um deles, sendo depois a questão da repartição respeitante às relações internas entre os contitulares da conta. Por outras palavras, o A. podia vir pedir a verificação e graduação da totalidade do crédito que entendia ambos os titulares da conta terem direito e o Banco não corre o risco de ser novamente confrontado com este pedido por parte do outro titular. O art.º 32º do CPC, precisamente, reflete a natureza das obrigações que compõem a relação material controvertida, não podendo o nº1 do art.º 32º ser lido isoladamente do seu nº2. O preceito é aplicável às situações de litisconsórcio voluntário, a situação que se dá quando o que podia ser repartido por várias ações é obtida numa única ação. Seguindo os ensinamentos de Castro Mendes e Teixeira de Sousa[144] o litisconsórcio voluntário pode ter por base três situações: “- O direito apreciado na acção é divisível por vários titulares activos ou passivos; - A lei atribui a qualquer titular do direito ou interesse legitimidade para tutelar esse direito ou interesse; - A lei faz depender a produção de certos efeitos da presença dm vario s interessados em juízo.” No primeiro, caso, ou seja, quando o direito é divisível, o tribunal deve conhecer unicamente das quotas partes do interesse ou responsabilidade das partes em juízo, mesmo quando o pedido abrange a totalidade – é o caso previsto no art.º 32º nº1 do CPC. Mas, nos casos de legitimidade concorrente, ou seja, quando é atribuída legitimidade a cada um dos titulares direito ou interesse em substituição de todos os demais titulares desse direito ou interesse, é aplicável o nº 2 do art.º 32º do CPC, ou seja, o tribunal pode conhecer da totalidade do pedido, mesmo havendo uma pluralidade de titulares. “Uma das situações de legitimidade concorrente verifica-se nas obrigações solidárias, que são aquelas em que cada um dos credores tem a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral (solidariedade activa) ou em que cada um dos devedores responde pela prestação integral (solidariedade passiva (art.º 512.º, n.º 1, CC). Segundo o disposto no n.º 2, a acção pode ser proposta por um único dos credores solidários ou contra um único dos devedores solidários, apesar de ser pedida a totalidade do crédito. (b) A propositura da acção por um contra um dos titulares da obrigação solidária é uma faculdade que é reconhecida a esses titulares. Como resulta do disposto no n.º 1 e especificamente do disposto no art.º 517.º CC, nada impede que a acção seja proposta por vários ou todos os credores ou contra vários ou todos os devedores: nesta hipótese, constitui-se um litisconsórcio voluntário. (c) No caso de a acção ser proposta por um ou alguns credores ou contra um ou vários devedores, as condições que determinam a extensão do caso julgado aos credores ou aos devedores que não participaram da acção é regulada, respectivamente, pelo disposto nos art.º 531.º e 522.º CC.”[145] Tratando-se de uma conta solidária, as obrigações dela emergentes são igualmente solidárias, pelo que é aplicável ao caso concreto o nº2 do art.º 32º do CPC e não o nº1, não havendo que conhecer apenas de uma quota parte do crédito. Improcedem, assim, as conclusões YYYY) a CCCCC). * 5.2.2.4. Nexo de causalidade A sentença recorrida optou expressamente pela posição de que o nº 2 do artigo 304º-A, do Código dos Valores Mobiliários, contém igualmente uma presunção de causalidade com a consequente inversão do ónus da prova. Considerando não terem os RR. logrado ilidir tal presunção e que “os factos dados como provados confirmam que a vontade do autor foi determinada pelas informações enganosas que lhe foram prestadas pelo Banco Espírito Santo, S.A.”, considerou assim verificado este requisito. O tribunal também referiu - embora noutro local[146] – que “considerando a factualidade apurada, em particular o perfil de investidor do autor MC, somos levados a concluir que o Banco Espírito Santo, S.A., levou aquele a “investir” num produto que não correspondia ao que pretendia. Com efeito, o Banco Espírito Santo, S.A., não só omitiu informações relevantes e essenciais para o conhecimento do tipo de produto em causa, como levou o autor MC a crer que estava a subscrever dois depósitos a prazo. Além disso, a referida instituição bancária prestou uma informação falsa ao afirmar que as mencionadas acções preferenciais não tinham quaisquer riscos, o que levou a criar uma imagem deturpada da realidade, especialmente junto de quem não domina a linguagem financeira.” Ou seja, embora optando pela teoria da presunção da causalidade, o tribunal a quo não deixou de efetuar uma subsunção dos factos ao direito que considerou levar à conclusão pela existência de nexo de causalidade entre o dano sofrido pelo A. e a violação dos deveres de informação cometida pela liquidanda. Os recorrentes alegaram que a conclusão do tribunal foi exclusivamente fundada na inversão do ónus da prova para efeitos do nexo de causalidade, defendendo que esta inversão não decorre de qualquer preceito legal, não te sido aceite pela jurisprudência nacional e contraria frontalmente jurisprudência uniformizada, sem apresentar qualquer argumento inovador. Começaremos por referir que, como já foi esclarecido em 5.2.1. deste acórdão, a posição assumida expressamente pelo tribunal recorrido não contraria a jurisprudência fixada pelo AUJ nº 8/2022, que foi fixada para uma versão do CVM diversa da aqui aplicável. O que não quer dizer, o que igualmente já se assumiu, que não deva ser seguida. Há também a referir que a teoria da presunção da causalidade tem ilustres seguidores na doutrina[147] e havia já sido (minoritariamente, é certo) acolhida por alguma jurisprudência[148]. Mas no essencial, e como já se fundamentou supra, também nós, na sequência da aplicação ao caso concreto da jurisprudência fixada pelo AUJ nº 8/2022, não por imperativo legal, mas por todos os argumentos serem aplicáveis à versão do CVM em causa nos autos, entendemos que o nº 2 do art.º 304º-A do CVM não contém uma presunção do nexo de causalidade entre o dano e a ilicitude, o qual, como decidido no AUJ nº 8/2022, tem que ser demonstrado pelo lesado, ou seja, pelos aqui AA. e recorridos. Para serem indemnizáveis os danos devem ligar-se causalmente ao incumprimento do dever pré-contratual ou contratual (nexo de causalidade). Nos termos do artigo 563.º, do Código Civil «A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão», ou seja, não fora o incumprimento do dever de informação. Este preceito consagra o “critério da causalidade adequada[149], pela formulação negativa, ou seja, o incumprimento contratual “tem, em concreto, de ter constituído condição necessária ao dano, só se excluindo a responsabilidade se ele for, pela sua natureza, indiferente para a produção daquele tipo de prejuízos, isto é, se o lesante provar que apenas a ocorrência de circunstâncias extraordinárias ou invulgares determinou a aptidão causal daquele facto para a produção do dano verificado”[150]. Recordando, nos pontos 3 e 4 do AUJ nº 8/2022 fixou-se jurisprudência no seguinte sentido: “3 - O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir. 4 - Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.” Para a prova do nexo de causalidade importa fique demonstrado[151] “(…) para além de fáctica ou naturalisticamente se ter de apurar se uma determinada atuação (ação ou omissão) provocou o dano (…) cumpre ainda averiguar, tendo em conta as regras da experiência, se era ou não provável que da ação ou omissão resultasse o prejuízo sofrido, ou seja, se aquela não realização é causa adequada do prejuízo verificado: o juízo de adequação normativa ínsito no artigo 563.º do Código Civil pressupõe a causalidade fáctica. Daí que antes de indagar se a causa foi adequada à produção do dano, deve o intérprete verificar se a causa foi “conditio sine qua non” do referido dano.” No caso apurou-se que o primitivo A. subscreveu as ações preferenciais em causa sem consciência dos riscos, que não lhe foram adequadamente explicados, achando que estava a fazer um investimento semelhante a um depósito a prazo, com garantia do montante de capital e juros no prazo fixado (facto 59). O primitivo A. tinha 75 e 76 anos de idade, ao tempo dos investimentos, tinha um perfil conservador, não fazia investimentos de risco e tinha como única preocupação a rentabilização das poupanças de uma vida de trabalho em França – factos 40, 41, 57, 58, 60, 64 e 67. O A. tinha a 2ª classe, não sabia o que eram ações preferenciais e tinha uma elevada confiança no Banco – superior à confiança que tinha nos seus filhos – factos 68, 61 e 63. Como adverte acertadamente A. Barreto Menezes Cordeiro[152], no preenchimento em concreto das qualidades da informação, em litígios reais, o intérprete-aplicador deve evitar proceder a análises individuais de cada um dos factos dados como provados, sob pena de as conclusões não se adequarem ao conjunto da matéria de facto[153]. No caso concreto, da conjugação do perfil conservador e motivações apuradas do A. (rentabilizar o produto de uma vida de trabalho) resulta claramente uma aversão ao risco. Não temos, porém, apurado – e conforme verificamos da petição inicial, não foi sequer alegado – que se tivesse sido concretamente informado de que a subscrição daqueles produtos tinha risco de perda de capital a não teria feito. Temos apurado que o A. estava convencido da inexistência de risco diverso do risco de um depósito a prazo (facto nº 59) – equivalente, no caso concreto a sem risco, dadas a confiança e a baixa literacia financeira do A. que permitem presumir que este entenderia esta informação de forma literal. Mas tanto não basta para preencher o elemento naturalístico do nexo de causalidade, a condição sine qua non da qual se poderá extrair, como base no globo da prova produzida, o elemento abstrato do referido nexo. Como se decidiu lapidarmente no Ac. STJ de 26/03/19 (Alexandre Reis – 2259/17), seguido por vários outros, entre os quais o A. STJ de de 20/06/2023 (Maria Clara Sottomayor – 15440/17): “É consensual o entendimento de que o nosso sistema jurídico, com a citada norma, acolheu a doutrina segundo a qual, para que um facto seja causa de um dano, é necessário que, no plano naturalístico, ele seja uma condição sem a qual o dano não se teria verificado e, além disso, que, no plano geral e abstracto, ele seja causa adequada desse mesmo dano. É matéria de facto o nexo causal naturalístico e é matéria de direito o juízo sobre o segundo momento da causalidade, referente ao nexo de adequação, de harmonia com o qual o facto que actuou como condição do dano deixa de ser considerado como causa adequada quando para a sua produção tiverem contribuído decisivamente circunstâncias anormais ou extraordinárias: «o facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa adequada se se mostrar inidóneo para o provocar ou se apenas o tiver provocado por intercessão de circunstâncias anormais, anómalas ou imprevisíveis» Como já se decidiu[154], na sequência da fixação de jurisprudência pelo AUJ nº 8/2022, o uso de presunções judiciais é possível com vista ao estabelecimento do nexo de causalidade, desde que não colidam com os nºs 3 e 4 do referido AUJ. O que significa que não podemos prescindir do nexo causal naturalístico, enquanto matéria de facto, e só apurado este poderemos usar presunções judiciais para apurar o segundo momento de causalidade, enquanto matéria de direito. Nestes exatos termos “Apesar de o AUJ n.º 8/2022 não ter aceitado a tese da presunção do comportamento conforme à informação, não quis dificultar ao investidor não qualificado o cumprimento do ónus da prova do nexo causal, nem afastar todo o lastro doutrinal e jurisprudencial produzido acerca do nexo de causalidade, pretendendo até facilitar o ónus da prova para não se inverter a lógica do instituto da responsabilidade civil.[155], o Ac. STJ de 04/07/2023 (Maria Clara Sottomayor – 3443/17), deduziu da prova de um facto e à luz de todas as circunstâncias apuradas o nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano. Aqui chegados há que reconhecer que não se mostra apurado o nexo naturalístico que nos permitiria presumir o elemento abstrato, de acordo com a jurisprudência citada. Não se provou, aliás porque não foi sequer alegado, que se o A. houvesse sido informado da existência do risco de perca de capital, não teria subscrito a compra de ações objeto dos autos, o referido elemento naturalístico. Sobre esse elemento haveria ainda que fazer um juízo de adequação que deveria valorar devidamente o facto de a impossibilidade de recuperação integral do valor investido se ter ficado a dever à insolvência do intermediário financeiro (e não do emitente, o risco típico deste tipo de valores mobiliários). Em suma, não temos presente o nexo de causalidade, cujo ónus cabia ao A., razão pela qual o respetivo pedido terá que improceder. Pelo que procedem as conclusões DDDDD) a GGGGG). * Não se encontram assim, preenchidos todos os requisitos da responsabilização civil da liquidanda, pelo que deve ser revogada a decisão recorrida, que reconheceu aos recorridos um crédito de € 267.710,60, a graduar como crédito comum. * Os apelados, porque vencidos, suportarão integralmente as custas do presente recurso que, in casu se traduzem apenas nas custas de parte devidas, porquanto se mostra paga a taxa de justiça devida pelo impulso processual do recurso e o recurso não envolveu diligências geradoras de despesas – arts. 663.º, n.º 2, 607.º, n.º 6, 527.º, n.º 1 e 2, 529.º e 533.º, todos do Código de Processo Civil[156]. * 6. Decisão Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar integralmente procedente a apelação, decidindo-se revogar a sentença recorrida, absolvendo os RR. do pedido formulado. Custas de parte na presente instância recursiva pelos recorridos. * Notifique. Lisboa, 14 de janeiro de 2025 Fátima Reis Silva Nuno Teixeira Isabel Fonseca _______________________________________________________ [1] Cfr. Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, junho de 2018, pg. 115. [2] Trata-se quase de uma improbabilidade estatística que um administrador do BES tenha atendido e acompanhado o A. no balcão de Fafe. [3] Em Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das obrigações em geral, UCP, 2018, pg. 386. [4] Como aponta Ana Prata em anotação ao art.º 500º em Código Civil Anotado, I Vol., Almedina, 2021, pg. 692. [5] Ana Prata, local citado na nota anterior, Rui Soares Pereira em Código Civil Comentado, II Vol., Das Obrigações em Geral, coord. António Menezes Cordeiro, CIDP/Almedina, 2021, pg. 460, e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I Vol., 4ª edição, Coimbra Editora, 1987, pg. 507, entre outros. [6] Em Código Civil Comentado, II Vol., Das Obrigações em Geral, coord. António Menezes Cordeiro, CIDP/Almedina, 2021, pgs. 1027 e 1028. [7] Em Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. I, 2ª edição, Almedina/IDET, 2017, pgs. 135 e 136. [8] No mesmo sentido Henrique Sousa Antunes em Responsabilidade civil de intermediário financeiro por danos imputáveis a um agente vinculado, Revista de Direito Comercial, Liber Amicorum Pedro Paes de Vasconcelos, pgs. 991 e 992, disponível em https://www.revistadedireitocomercial.com/index-liber-amicorum-pedro-pais-de-vasconcelos#artigos-liber-amicorum-pedro-pais-de-vasconcelos. [9] Em Manual de Direito das Sociedades, Vol. I, Almedina, 2004, pgs. 332 e ss. [10] Pese embora não seja de afastar liminarmente a responsabilidade direta das pessoas coletivas na responsabilidade aquiliana, como refere Menezes Cordeiro em Tratado…, já citado. [11] António Menezes Cordeiro em Direito Bancário, 6ª edição, Almedina, pgs. 278 e 258. [12] Neste sentido o Acórdão do STJ de 6 de junho de 2013 (Abrantes Geraldes – 364/11), mas também, no mesmo sentido, entre outros, o Ac. STJ de 06/02/2014 (Granja da Fonseca - 1970/09), onde, analisando a questão da não prova de entrega de ficha técnica do investimento aos recorrentes se escreveu “O CVM aprovado pelo DL n.º 486/99, de 13 de Novembro, que estava em vigor à data da subscrição do produto ora em causa por parte dos recorrentes, não faz qualquer referência a tal ficha técnica.”, o Ac. STJ de 12/01/2017 (Olindo Geraldes – 428/12), onde se referiu “ A responsabilidade civil do intermediário financeiro, por violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, impostos por lei ou regulamento emanado de autoridade pública, está, especificamente, prevista no art. 314.º, n.º 1, do Código dos Valores Mobiliários (CVM), sendo aplicável, atendendo à data dos factos dos autos, a versão anterior à introduzida pelo DL n.º 357-A/2007, de 31 de outubro.”, Ac. STJ de 12/04/2018 (Olindo Geraldes – 1050/06), Ac. STJ de 07/06/2018 (Abrantes Geraldes - 2393/09), de 14/03/2019 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza – 2547/16), de 30/11/2022 (Fernando Baptista – 3383/19), de 07/12/2023 (Cura Mariano – 10221/18), todos disponíveis em www.dgsi.pt [13] Não tendo, este preceito em concreto, sofrido qualquer alteração posterior. [14] Assim, André Alfar Rodrigues em Deveres e Responsabilidade dos Intermediários Financeiros, Almedina, 2020, pgs. 98 e 99. [15] André Alfar Rodrigues, local citado. [16] Ana Cristina Oliveira Neto em O regime da responsabilidade civil do intermediário financeiro, Data Venia, Ano 11 (2023), nº14, pg. 336. [17] Em Dos Intermediários Financeiros - Dogmática Geral, Deveres e Responsabilidade Civil, Almedina, 2024, pg. 628. [18] Disponível, como todos os demais citados sem referência, em www.dgsi.pt. [19] Assim acabando por remeter a responsabilidade do intermediário financeiro para uma modalidade numa zona intermédia entre a responsabilidade obrigacional e extracontratual, tal como se decidiu no Ac. STJ de 17/03/2016 (Maria Clara Sottomayor – 70/13). [20] Em especial das RR. [21] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 2019, 4ª edição, Almedina, pg. 734. [22] Em Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra, 2007, pgs. 72 e 73. [23] Todos disponíveis em www.dgsi.pt. [24] Este último com exaustiva citação de doutrina e jurisprudência. [25] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro em Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Volume 1º, 2014, 2ª edição, Almedina, pg. 606. [26] Seguimos de perto Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa em Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª edição, Almedina, 2022, em anotação ao art. 607º, pgs. 771 e 772. [27] Autores e local citados na nota anterior. [28] O qual tem o seguinte teor “6) Das propostas de acordo apresentadas a MC após a Medida de Resolução do Banco Espírito Santo, S.A.” [29] Da sentença consta, em claro lapso de escrita, que se corrige, que competia aos “autos” fazerem prova. [30] Em Direito Processual Civil, Vol. II, Almedina, 2015, pg. 371. [31] Em Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, pg. 738. [32] Rui Pinto em Os meios reclamatórios comuns da decisão civil (artigos 613.º a 617.º CPC), Julgar Online, maio de 2020, pg. 26. [33]Factos provados: 73) O Novo Banco, S.A., por comunicado divulgado no dia 1 de Outubro de 2015 informou que “…apresentou uma solução comercial aos Clientes detentores de Ações Preferenciais dos Veículos Poupança Plus, Top Renda e EuroAforro 8 (“Veículos”)” à qual aderiram “80% dos Clientes (titulares de 77% do número de Ações Preferenciais emitidas pelos Veículos)” (cfr. doc. n.º 7 de fls. 55 e cujo seu teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos). 74) Posteriormente, por comunicado divulgado no dia 28 de Junho de 2016, o Novo Banco, S.A., informou que “…estava concluída a implementação da solução comercial apresentada pelo Novo Banco” que a mesma tinha merecido a adesão do “80,8% do total de Clientes elegíveis” e que “…os Clientes que não aderiram à solução comercial e que, por sua opção, não exerceram a opção de liquidação em espécie das Ações Preferenciais [...] poderão fazê-lo nos anos seguintes [...], sem solução comercial associada…” ( cfr. doc. n.º 8 de fls. 56, cujo seu teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais). 75) De acordo com o comunicado da CMVM de 6 de Novembro de 2019, a EG Premium lançou uma oferta, voluntária e particular, de aquisição das acções preferenciais, de 6 de Novembro de 2019 a 8 de Janeiro de 2020 (cfr. doc. n.º 11 – a fls. 50v -, cujo seu teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos). 76) Por notícias publicadas no “Jornal Económico”, no dia 6 de Novembro de 2019 e no “Jornal de Notícias, no dia 7 de Novembro de 2019, o NOVO BANCO, S.A., iria apresentar uma proposta de acordo aos titulares de acções preferenciais emitidas pela sociedade EG Premium que permitiria recuperar 47% do capital investido (cfr. documentos n.ºs 12 e 13 – a fls. 51v e 52v a 54 – e cujo seu teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos). 77) O NOVO BANCO, S.A., apresentou sucessivamente aos autores duas propostas de acordo relativamente à quantia de € 343.100 concernente às acções preferenciais supra mencionadas e que permitiria àqueles recuperar numa 75% e noutra 25% do capital investido. 78) No início de Agosto de 2017, os autores aceitaram a proposta do NOVO BANCO, S.A., de receberem 75% da quantia de € 343.100 investida em acções preferenciais. 79) Em 9 de Outubro de 2017, o NOVO BANCO, S.A., reembolsou os herdeiros do autor MC com a quantia de € 75.389,40, relativamente às acções preferenciais “Poupança Plus 6”. 80) As obrigações emitidas pelo Banco Espírito Santo, S.A., e adquiridas pelas referidas sociedades-veículo foram transferidas, no âmbito da medida de resolução, para o Novo Banco que passou, assim, a ser o devedor dessas quantias: directamente perante as sociedades-veículo e indirectamente perante os investidores. [34] Factos não provados: i) Na sequência da implementação da solução comercial disponibilizada pelo Novo Banco em 2017 – assente na recompra da totalidade das obrigações sénior do Novo Banco constantes destas carteiras - foram extintas as acções preferenciais emitidas por todas as Sociedades-Veículo, excepto a EG Premium e a EuroAforro 10, e, em consequência: 1) Os investidores que tivessem aderido à solução comercial de 2015 mantiveram todos os direitos emergentes da mesma e ficaram com a garantia que a solução oferecida permitia efectivamente a recuperação de 90% do valor investido inicialmente; 2) Os investidores que aderiram à solução comercial de 2017 receberam liquidez na proporção das acções preferenciais que detinham no capital dessas sociedades, a qual em conjunto com os depósitos compensação previstos no acordo do Novo Banco, permitiu recuperar, imediatamente 60% e a, prazo, 75%, do valor investido inicialmente. 3) Os investidores, titulares de acções preferenciais daquelas sociedades que não aceitaram as soluções comerciais propostas pelo Novo Banco receberam liquidez na proporção das acções preferenciais que detinham no capital dessas sociedades, cujo montante se desconhece e varia de caso para caso. 4) As soluções comerciais acima referidas foram oferecidas a todos os titulares de acções preferenciais, excepto as emitidas pelas sociedades EG Premium e Euroaforro 10. j) Os investidores que recusaram a oferta da EG Premium e, bem assim, os que investiram em EuroAforro 10, permanecem titulares das acções preferenciais emitidas por estas sociedades, cujo valor será o equivalente às quantias que tenham recebido (se algumas) e à respectiva proporção nos capitais próprios da sociedade emitente. [35] A R. na contestação optou por não alegar se essa conduta teria, hipoteticamente, causado ou agravado os danos, tendo referido que o A. “teve ao seu alcance a hipótese de eliminar essa parte dos prejuízos por si alegados e optou por o não fazer”. [36] 233. Ainda que assim não se entenda — o que apenas se admite por mera cautela de patrocínio -, sempre se dirá que o Autor não terá um direito indemnizatório pelos danos alegadamente sofridos, correspondente à totalidade do valor das ações preferenciais subscritas/adquiridas, tal como alegado, cabendo-lhe tão somente o valor correspondente à sua quota-parte. 234. Conforme referido supra e melhor resulta dos Docs. n.os 1 a 3 já juntos, o Autor subscreve as ações preferenciais em causa através da conta de depósitos à ordem (D.O.) n.º …., tendo sido registadas na conta de valores mobiliários associada à referida conta, da qual o Autor não é exclusivo titular, na medida em que a mesma tem ainda mais 1 titular adicional. 235. Com efeito, o montante investido nas ações preferenciais em causa nos autos foi debitado da referida conta bancária, tendo as ações preferenciais sido registadas na conta de valores mobiliários associada a essa conta, que tinha outro titular além do Autor. 236. A propósito da contitularidade do saldo de uma conta de depósitos à ordem, já se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão n.º 226/11.1TVLSB.L1.S1, de 4 de junho de 2013, nos seguintes termos: “[e]mbora, ao menos genérica e directamente, não encontre assento na lei civil e comercial, presunção de contitularidade do dinheiro depositado nas contas de depósito à ordem, tem vindo a ser pacificamente entendido como acolhida pelo regime dos arts. 512.º e 516.º C. Civil e aparece expressamente consagrada no n.º 2 do artigo 861.º-A do CPC”. 237. A lei estabelece, ainda, a presunção da igualdade quantitativa do direito de cada contitular (cfr. artigos 1404.º e 1403.º, n.º 2, ambos do CC). 238. Assim, os danos patrimoniais — caso existissem, o que não se concede — decorrentes do investimento nas ações preferenciais em causa afetaram o património existente na referida conta. 239. Sendo que apenas 1/2 do mesmo – tem de presumir-se - era património do Autor. 240. Assim, conforme resulta do disposto no artigo 32.º, n.º 1, 2.ª parte, do CPC, deve o Tribunal, neste caso, “conhecer apenas da respetiva quota-parte do interesse ou da responsabilidade, ainda que o pedido abranja a totalidade”. 241. Pelo exposto, ainda que existisse um direito de crédito sobre o BES, o que apenas se admite por dever de patrocínio, o aqui Autor só teria direito ao valor correspondente às ações preferenciais de que é exclusivo titular, pelo que sempre se imporia a respetiva redução proporcional do valor peticionado. [37] Cfr. neste sentido Ac. TRP de 28/03/2012 (Leonel Serôdio - 2384/08) e Ac. TRL de 18/12/2019 (1240/16), por nós relatado. [38] Sem apreciação de mérito, no caso concreto da liquidação de instituições de crédito, nos termos do disposto no art. 8º nº2 do Decreto-Lei n.º 199/2006 de 25/10, na sua versão atual. [39] Cfr. Abrantes Geraldes em Recursos no Novo Código de Processo Civil, 7ª edição, Almedina, 2022, pgs. 201 e 202. [40] Relatora Maria da Graça Trigo, proc. nº 363/07. [41] Cfr. AUJ nº 12/2023, publicado no DR, Iª série de 04/12/2023 e Abrantes Geraldes, local já citado, pgs. 197 e 198 e jurisprudência ali citada. [42] O teor integral da alegação é de que o fez “para além de, falsamente”. [43] O primitivo A. faleceu em 29/01/2017, conforme certidão junta em 12/10/2021 no apenso DN). [44] Luís Filipe Pires de Sousa em Direito Probatório Material Comentado, Almedina, 2020, pg. 109. [45] Seguimos de perto Luís Filipe Pires de Sousa, local citado, pg. 154. [46] Idem, pgs. 154 e 155. [47] Que posteriormente à sua apresentação ordenou ainda o exercício de contraditório quanto às exceções antes da realização da audiência prévia. [48] De novo Luís Filipe Pires de Sousa, local citado, pg. 155. [49] …, França. [50] Seguimos de perto Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa em Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª edição, Almedina, 2022, em anotação ao art. 607º, pgs. 771 e 772. [51] Autores e local citados na nota anterior. [52] Cfr. requerimentos de 01/10/2021 e 11/10/2021 juntos, respetivamente pelos AA. e pelas RR. respeitantes aos documentos nºs 2 e 3 juntos com a contestação. Tais documentos e a demais prova produzida levaram à inserção na matéria de facto provada de outros factos instrumentais não expressamente alegados, precisamente os factos nº 49 e 50, não impugnados por qualquer das partes. [53] Nesse caso podendo ser utilizados apenas na motivação. [54] Ver Remédio Marques em A aquisição e a valoração probatória de factos (des)favoráveis ao depoente ou à parte chamada a prestar informações ou esclarecimentos, Julgar nº16, 2012, Coimbra Editora, disponível em ulgar.pt/wp-content/uploads/2012/01/07-DEBATER-A-aquisição-e-a-valoração-probatória-de-factos-desfavoráveis.pdf. [55] Ver Luís Filipe Pires de Sousa em As declarações de parte. Uma síntese, abril de 2017, disponível em www.trl.mj.pt. [56] As palavras são do Ac. TRE de 06/10/16 (Tomé Ramião – 1457/15). [57] Local citado e bem assim no Ac. TRL de 26/04/17 (Luís Filipe Pires de Sousa – 18591/15). [58] E é também nesse sentido que se pronuncia a doutrina, reclamando a unificação das duas figuras no “testemunho de parte”, como nos relata Luís Filipe Pires de Sousa, no local citado. [59] O que em si é uma declaração muito pouco credível para um homem de negócios com sucesso como o próprio fez questão de frisar mais que uma vez. [60] E já não iremos ao pormenor, não alegado, mas constante das ordens de se tratarem de valores OTC (over the counter) adquiridos e vendidos fora de bolsa, em mercado não organizado, mediante acordos bilaterais. [61] Tradução livre de https://www.investopedia.com/terms/o/otc.asp. [62] Apesar da prova da existência de investimentos anteriores em produtos similares, faz sentido que esta conversa apenas tenha sido tida a propósito destes últimos investimentos, os únicos que MC necessitou de fazer intervir os procuradores, como referido também no depoimento de parte da RC – de que antes o pai ia ao banco sozinho quando estava em Portugal. [63] Neste sentido André Alfar Rodrigues em Deveres e Responsabilidade dos Intermediários Financeiros, Almedina, 2020, pg. 33, onde escreveu: “Em suma, podemos afirmar que a categorização de clientes não se reconduz a uma mera opção do intermediário financeiro, sendo este um dever a que o mesmo está adstrito.” No mesmo sentido, identificando-o como um prius lógico em relação aos demais deveres e relacionando-o com o dever de conhecimento do cliente e com o dever de adequação, no sentido em que o dever de categorização obriga ao conhecimento do cliente, Paulo Câmara em Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 4ª edição, Almedina, 2018, pg. 407. [64] Art. 2º nº1 do Decreto Lei nº 211-A/2008, de 03/11, na redação vigente à data da subscrição dos instrumentos financeiros, prévia à entrada em vigor da redação dada pela Lei nº 35/2018 de 20 de julho. [65] Ou de sociedade em comandita por ações. [66] Jorge Alves Morais e Joana Matos Lima em Código dos Valores Mobiliários Anotado, Quid Juris, 2015, pg. 31. [67] Valor Mobiliário. [68] Direito dos Valores Mobiliários. [69] A. Barreto Menezes Cordeiro, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 2ª edição, Almedina, 2019, pgs. 158 e 159. [70] Paulo Olavo Cunha em Direito das Sociedades Comerciais, 7ª edição, Almedina, 2022, pg. 447, citando Raúl Ventura. [71] Idem, pg.447. [72] Preceito meramente exemplificativo como refere Paulo Olavo Cunha, Direito…., pg. 450. [73] Por exemplo, o direito de preferência na transmissão de ações nominativas. [74] O art. 2º do Decreto Lei nº 211-A/2008 foi explicitamente revogado pelo art. 29º f) da Lei nº 35/2018, de 20 de julho. [75] Os documentos nº2 e nº3 foram objeto de pronúncia por parte do A. alegando que o primeiro estava em nome de outra pessoa (no caso RC) e não de MC e que o segundo não estava assinado pelo A.. Esclarecido pelas RR. tratarem-se de documentos em nome do procurador da conta e assinados por este, ou seja, RC, os AA. não se pronunciaram, pelo que os documentos nãos foram, efetivamente, impugnados no tocante à autoria da assinatura – cfr. requerimento do A. de 01/10/2021 (refª 30414898), despacho de 06/10/2021 (refª 409110334), requerimento das RR. de 11/10/2021 (refª 30486861) e despacho de 10/11/2021 (refª 410260768), sem resposta. [76] José Engrácia Antunes em Deveres e Responsabilidade do Intermediário Financeiro, em Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, nº 56, abril de 2017, pg. 34, disponível em https://www.cmvm.pt/pt/EstatisticasEstudosEPublicacoes/CadernosDoMercadoDeValoresMobiliarios/Pages/Cadernos-do-mercado-de-valores-mobiliarios.aspx?pg.. [77] A. Barreto Menezes Cordeiro em Dos Intermediários Financeiros – Dogmática Geral, Deveres e Responsabilidade Civil, Almedina, 2024, pg. 258. [78] Junto aos autos em 29/01/2024 (refª 38311860). [79] E não uma mera declaração. [80] Ofício refª 387200001 de 07/03/2024. [81] Em especial após a transposição da DMIF I, versão aplicável a estes autos, e da DMIF II, versão já não aplicável a estes autos. [82] A. Barreto Menezes Cordeiro em Dos Intermediários Financeiros – Dogmática Geral, Deveres e Responsabilidade Civil, Almedina, 2024, pg. 221. [83] Facto nº 39) da matéria de facto provada. [84] Seguimos de perto A. Barreto Menezes Cordeiro em Dos Intermediários Financeiros…, pg. 224. [85] Mais precisamente uma interpretação conforme aos instrumentos europeus. [86] Ver A. Barreto Menezes Cordeiro em Dos Intermediários Financeiros…, pg. 244 e jurisprudência ali citada, André Alfar Rodrigues, em anotação ao rt. 304º em Código dos Valores Mobiliários, Anotado e Comentado, AAFDL Editora, 2021, pgs. 492 e 493 e doutrina ali citada. [87] A. Barreto Menezes Cordeiro em Dos Intermediários Financeiros…, pg. 244. [88] Idem, pg. 245. [89] José Engrácia Antunes em Deveres e Responsabilidade do Intermediário Financeiro, em Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, nº 56, abril de 2017, pg. 46, disponível em https://www.cmvm.pt/pt/EstatisticasEstudosEPublicacoes/CadernosDoMercadoDeValoresMobiliarios/Pages/Cadernos-do-mercado-de-valores-mobiliarios.aspx?pg. [90] A. Barreto Menezes Cordeiro em Dos Intermediários Financeiros…, pg. 250 e jurisprudência ali citada, na nota 919. [91] Incluindo, mas não só, a culpa – cfr. A. Barreto Menezes Cordeiro em Dos Intermediários Financeiros…, pg. 251 e José Engrácia Antunes em Deveres e Responsabilidade do Intermediário…, Cadernos, nº56, já citado, pg. 34. [92] Trata-se do Acórdão proferido no processo 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, em 06/12/2021, transitado em julgado em 19/09/2022 e publicado no Diário da República, Iª Série, de 03.11.2022. [93] Os factos em causa nos autos são todos posteriores à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro (que transpôs para a ordem jurídica portuguesa a Directiva 2004/39/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril de 2004, ou DMIF I) e anteriores à entrada em vigor da Lei nº 35/2018, de 20 de julho (que transpôs para a ordem jurídica portuguesa a Diretiva, a Diretiva 2014/65/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, ou DMIF II). [94] Entre outros. [95] Os AA. pediram “a título principal, a condenação da Ré a pagar-lhes o capital e juros vencidos e garantidos que, à data da entrada da petição inicial, perfaziam o montante de €385 000,00, assim como os juros vincendos desde a citação até integral pagamento. Subsidiariamente, pedem a declaração de nulidade de qualquer eventual contrato por adesão que a Ré invoque como fundamento da aplicação da quantia de €300 000,00, que os Autores lhe entregaram, em obrigações subordinadas SLN 2006, assim como a declaração de ineficácia em relação aos Autores da aplicação que a Ré haja feito daquele montante e, ainda, a condenação da Ré na restituição do valor de €385 000,00, que representa a soma da quantia entregue à Ré e dos juros vencidos à taxa acordada, acrescida de juros legais vincendos desde a data da citação até integral cumprimento. Requereram ainda, em qualquer caso, a condenação da Ré no pagamento do montante de €10 000,00 a título de danos não patrimoniais.” [96] Que sofreu uma alteração não relevante com o Decreto Lei nº 357-A/2007, dado que apenas foram atualizadas as denominações das atividades e operações a que se aplica, prescrevendo-se em ambas as versões que a informação deve ser deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita. [97] Nos seguintes termos: “- o facto voluntário, enquanto comportamento dominável pela vontade, que pode revestir a forma da ação ou da omissão; - a ilicitude, desconformidade entre a conduta devida e o comportamento do intermediário financeiro, traduzindo-se na inexecução da obrigação para com o cliente (investidor); no caso da responsabilidade pré-contratual, a ilicitude consiste na violação de algum dos deveres de boa-fé contratual, como o dever de informação, o dever de lealdade e o dever de diligência.” [98] Citando o Ac. TRL de 22/03/18 (Jorge Leal - 14202/16), em cujo sumário, transcrito na sentença, consta “V. Ao investidor lesado em virtude de incumprimento de um dever de informação por parte de intermediário financeiro, cabe demonstrar a existência desse dever; sobre o intermediário financeiro recai o ónus da prova de que cumpriu cabalmente o dever de informar, de acordo com os padrões enunciados nos artigos 7.º n.º 1, 312.º n.ºs 1 e 2 do CVM; sobre o intermediário financeiro recai o ónus da prova de falta de culpa no alegado incumprimento (n.º 2 do art.º 314.º do CVM, na redacção anterior à introduzida pelo DL 357-A/2007, de 31.10); sobre o investidor recai o ónus da prova do dano decorrente da actuação do intermediário financeiro e do nexo de causalidade entre o facto do intermediário financeiro e o dano, ou seja, de que se tivesse formado a sua vontade de modo esclarecido, ter-se-ia abstido de celebrar qualquer negócio ou teria optado por outro investimento.” [99] Que como vimos supra se ocupou basicamente da questão do ónus da prova do nexo de causalidade. [100] Págs. 43 e ss., sob a epígrafe (in)cumprimento dos deveres de informação por parte do Banco Espírito Santo, SA. [101] Onde se estabelece: «A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.» [102] Trata-se da também denominada regra da proporcionalidade inversa, como nos dá conta André Alfar Rodrigues em Deveres e Responsabilidade dos Intermediários Financeiros, Almedina, 2020, pgs. 65 e 66 e Paulo Câmara, em Manual …, Almedina, 2018, pg. 415. [103] No ponto 4.3. e se referiu ir-se desenvolver, o que agora se faz na sede própria. [104] O negócio jurídico de intermediação financeira é considerado um contrato quadro, um negócio de cobertura ou um contrato organizatório. [105] Assim Paulo Câmara, em Manual…, pg. 509, A. Barreto Menezes Cordeiro em Manual… (2019), pgs. 324 e 325, e demais doutrina por estes citada. [106] Local citado na nota anterior. [107] Vamos deliberadamente afastar-nos da questão da natureza desta formalidade, irrelevante no caso concreto, dado que as ordens foram dadas por escrito e subscritas, deixando apenas enunciado que a jurisprudência, de forma esmagadora, afasta quer a natureza ad substantium, quer a natureza ad probationem da exigência de forma escrita, o que não merece a concordância de toda a doutrina – Paulo Câmara, por exemplo, no seu Manual…, (pgs. 504 e 505), defende a natureza ad probationem; A. Barreto Menezes Cordeiro exprime dúvidas, indicando a natureza ad probationem em Dos Intermediários Financeiros…, pgs. 178 a 181. [108] Sempre na versão aplicável aos autos. [109] André Alfar Rodrigues em Deveres e Responsabilidade dos Intermediários Financeiros, Almedina 2020, pg. 62. [110] Pedro Boullosa Gonzalez em Qualidade da Informação, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários nº 49, dezembro de 2014, pg. 9, autor que seguimos de perto. [111] Referente no sentido de situação para a qual a linguagem remete – Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Academia das Ciências de Lisboa, Verbo, 2001, pg. 3142. [112] A. Barreto Menezes Cordeiro em Dos Intermediários Financeiros…, pg. 346. [113] Idem, pg. 348. [114] Assim Acs. STJ de 28/01/2020 (José Rainho – 2142/16), de 23/03/2021 (Graça Amaral – 2243/18), de 11/03/2018 (Ana Paula Boularot – 6917/16), de 15/12/2020 (Graça Amaral – 2243/18), de 19/06/2019 (Rosa Tching – 3341/15), entre outros. [115] Nºs 172 a 174 da motivação. [116] E não de 28/03/2019. [117] Em Dos Intermediários Financeiros…, pgs. 348 e ss. [118] André Alfar Rodrigues em Deveres e Responsabilidade…, pg. 106. [119] Vaz Serra em BMJ 84º-8. [120] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 4ª edição, Coimbra Editora, 1987, I vol., pg. 579. [121] Pereira Coelho em O Problema da Causa Virtual na Responsabilidade Civil, Almedina, 1998, pg. 261 e ss. [122] Em Deveres e Responsabilidade…, pgs. 123 e 124. [123] Assim José Brandão Proença em comentário ao art. 570º do CC, em Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, UCP Editora, 2018, pg. 578 e A. Barreto Menezes Cordeiro em Dos Intermediários Financeiros…, pg. 640. [124] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I vol., pg. 587. [125] Idem, pg. 579. [126] Em Dos Intermediários Financeiros…, pg. 640, com entre parêntesis nossos. [127] Como referido por Antunes Varela em Das Obrigações em Geral, vol. I, Almedina, 1991, pg. 463. [128] Antunes Varela, local citado na nota anterior, pg. 468. [129] Idem, pg. 470. [130] Idem, pg.474. [131] Acs. TRC de 02/11/10 (Isaías Pádua – 1867/08) e STJ de 14/03/23 (Pedro de Lima Gonçalves – 5837/19), entre outros. [132] Antunes Varela em Das Obrigações em Geral, vol. I, Almedina, 1991, pg. 476. [133] As RR., na sua contestação, pediram a notificação da Sanne Group para juntar aos autos vários elementos orientados para a prova do valor das ações em causa (ponto E do requerimento de meio de prova na contestação). Tal foi deferido por despacho de 06/10/2021 (refª 409110334), tendo por pressuposto a informação a prestar pelo Novo Banco da respetiva denominação completa e sede (também pedida e deferida). O Novo Banco forneceu tais elementos por ofício junto aos autos em 30/11/2021 (refª 30986403). A notificação foi efetuada em 20/12/2021 e respondida em 10/01/2022 (refª 31320479) – embora sem tradução, foi notificada às partes e dela consta que não lhes é possível fornecer as informações. Nessa sequência as RR. pediram a notificação direta da EG Premium e, em caso de esta não se encontrar em condições de a prestar, do Novo Banco para vir informar qual a respetiva entidade gestora (requerimento refª 31642738 de 10/02/2022). A notificação foi enviada em 30/03/22 (cota dessa data refª 414530194) e novamente enviada em 24/06/2022 (cota refª 32440295). Em 07/11/2022 foi proferido despacho expressamente notificando os RR. da falta de resposta da EG Premium, nada tendo sido requerido. Em 31/05/2023 as RR. pediram a notificação do Novo Banco para fornecer a denominação completa da entidade gestora da EG Premium, o que foi deferido por despacho proferido em ata (audiência prévia de 06/06/23). O Novo Banco forneceu a informação solicitada por mail de 03/07/2023 e oficio de 04/07/2023 (refª 36448871), que, apesar de não notificado, chegou ao conhecimento das partes, nomeadamente das RR., que na sequência da respetiva junção vieram requerer diligências quanto a outras informações prestadas no mesmo ofício (requerimento de 29/08/23, refª 36847086), nada requerendo quanto à notificação da entidade gestora. Verifica-se que a entidade gestora e sede indicadas em 04/07/2023 eram as mesmas para as quais já tinham sido enviadas duas notificações sem resposta. [134] Ac. STJ de 23/02/2021 (Maria Clara Sottomayor – 1/19). [135] Assim A. Barreto Menezes Cordeiro em Manual…, pg. 322. [136] Em Manual…, pg. 323. [137] Ainda e sempre na versão aplicável aos autos, anterior à transposição da DMIF II e à entrada em vigor do Regulamento Delegado (UE) 2017/565. [138] A. Barreto Menezes Cordeiro em Dos Intermediários Financeiros…, pg. 173. [139] Em Manual…, pg. 509. [140] Seguimos de perto Menezes Cordeiro em Direito Bancário, 6ª edição, Almedina, 2018, pg. 550. [141] Miguel Pestana de Vasconcelos em Direito Bancário, 3ª edição, Almedina, 2022, pg. 105. [142] Local citado. [143] Onde se estabelece, sob a epígrafe “Participação nas dividas e nos créditos”: «Nas relações entre si, presume-se que os devedores ou credores solidários comparticipam em partes iguais na dívida ou no crédito, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes, ou que um só deles deve suportar o encargo da dívida ou obter o benefício do crédito.» [144] Em Manual de Processo Civil, Vol. I, AAFDL Editora, 2022, pgs. 352 a 354. [145] Miguel Teixeira de Sousa em anotação ao art. 32º do CPC em CPC online, art. 1.º a 129.º, versão de 2024/02, pg. 43, acessível em https://blogippc.blogspot.com/2024/02/cpc-online-19.html. [146] Pg. 52 em “-(In)cumprimento dos deveres de informação por parte do banco Espírito Santo, SA”. [147] Além dos citados na sentença, André Alfar Rodrigues, em Deveres e Responsabilidade…, pg. 117 e Menezes Cordeiro, embora numa construção diversa, unitária, de ilicitude, culpa e nexo de causalidade, em Direito Bancário, 6ª edição, Almedina, 2018, pg. 439. [148] De que são exemplos os Acs. STJ de 10/04/18 (Fonseca Ramos – 753/16) e de 25/10/18 (Bernardo Domingos – 2581/16). [149] É este o entendimento que deve ser seguido na opinião de André Alfar Rodrigues – em Deveres e Responsabilidade…, pg. 111, e Gonçalo Castilho dos Santos em A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o Cliente, Almedina, 2008, pgs. 224 e 225. [150] Ac. STJ de 18/06/24 (Maria dos Prazeres Beleza – 25743/18). [151] Fundamentação do AUJ nº 8/2022 no ponto 7.5.1. [152] Em Dos Intermediários Financeiros…, pg. 349. [153] E dá o que denomina um exemplo de escola: “pense-se nos seguintes factos, no âmbito de um aconselhamento de investimento para a aquisição de obrigações: 1. O intermediário financeiro informou o cliente que o risco do produto era semelhante ao de um depósito a prazo; 2. O intermediário financeiro esclareceu que o Fundo de Garantia de Depósitos apenas cobre os depósitos a prazo, não existindo nenhum mecanismo semelhante aplicável a obrigações. O facto 1 lido isoladamente é falso, mas já não o é quando conjugado com o facto 2.” [154] Acs. STJ de 16/11/2023 (Maria João Vaz Tomé – 11826/17), de 20/06/2023 (Maria Clara Sottomayor – 15440/17). [155] Consta do ponto 4.2. da fundamentação do AUJ 8/2022: «O que o regime do CVM pode trazer de diverso é a diminuição da exigência do regime da prova do nexo de causalidade no sentido de se dever facilitar ao investidor a demonstração da sua ocorrência, por forma a não se inverter a lógica do sistema de responsabilidade civil, pois é de reconhecer que é difícil ao investidor demonstrar, sem sombra de dúvidas, que nunca realizaria o investimento efetuado se a informação em falta lhe tivesse sido prestada, mas tal facilitação não se traduzirá numa inversão do ónus da prova, nem da adesão à doutrina do “comportamento conforme à informação”, que tem sido propugnada por alguns autores e já subscrita por algumas decisões dos tribunais».” [156] Vide neste sentido Salvador da Costa in Responsabilidade das partes pelo pagamento das custas nas ações e nos recursos, disponível em https://blogippc.blogspot.com/. |