Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | SUSANA MESQUITA GONÇALVES | ||
Descritores: | REGULAÇÃO PROVISÓRIA DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS ACÇÃO DE REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS NULIDADE DA DECISÃO FALTA DE FACTOS NA ACUSAÇÃO FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO FACTOS SUBSTITUIÇÃO TRIBUNAL DA RELAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/10/2024 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
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Sumário: | (elaborado pela Relatora, nos termos do artigo 663, n.º 7, do Código de Processo Civil) I. Para que se possa proferir decisão, ainda que provisória, sobre a regulação do exercício das responsabilidades parentais, é necessário que o Tribunal fixe os factos provados e não provados, ainda que a título indiciário, que se mostrem relevantes para esse efeito. II. Havendo falta de fundamentação de facto, a decisão é nula por violação do disposto no art.º 615º, n.º 1, b), do CPC. III. Não tendo sido fixados quaisquer factos provados, devem os autos ser remetidos à primeira instância, para prolação de nova decisão, devidamente fundamentada, não havendo em tal caso lugar à regra da substituição prevista no art.º 655º, n.º 1, do CPC, a fim de se garantir o duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 2ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I. Relatório: P (…), residente (…) Lisboa, veio, por apenso aos autos de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, intentar a presente providência tutelar cível de regulação das responsabilidades parentais contra A (…), residente (…), pedindo a fixação de um regime de regulação das responsabilidades parentais relativamente à filha de ambos, M (…), nascida a 28.01.2020. * Foi designada data para conferência de pais. * A Requerida foi citada para comparecer pessoalmente na conferência de pais, a fim de nela intervir. * Consultada a base de dados do ISS-IP, apurou-se que a última remuneração do Requerente, reportada a dezembro de 2023, ascendeu a 7.804,50 €, ascendendo a última remuneração da Requerida, igualmente reportada a dezembro de 2023, a 2.300,00 €. * No dia 05 de março de 2024 realizou-se a conferência de pais (procedendo-se à respetiva gravação), cujo teor, no essencial, aqui se reproduz: “(…) *** Iniciada a diligência às 09:19 minutos, não antes em virtude de se aguardar a presença de todos os intervenientes, a Mm. ª Juiz tomou declarações aos progenitores, que as prestaram, em súmula, nos seguintes termos: --- * O progenitor, o qual declarou: --- a) Exerce funções de piloto de aeronaves na TAP e recebe de ordenado €5,500 (cinco mil e quinhentos euros) líquidos; --- b) Paga em conjunto com a progenitora os empréstimos dos 3 imoveis que tem em comum, mas no qual não habitam nos mesmos, inclusive estão a ser arrendados, e com a renda que é paga conseguem liquidar os empréstimos ao Banco; --- c) Costuma estar em Lisboa 12 a 15 dias e 15 a 16 dias em viagem; --- d) Durante o mês, no máximo, tem 6 dias de prevenção, dias estes, que tem de estar pelo menos a 1 hora do Aeroporto de Lisboa, visto poder que fazer um voo de urgência; --- e) Vive com a sua atual companheira que trabalha como Assistente de Bordo e que recebe de ordenado €2,000 (dois mil euros) e pagam de renda €975 (novecentos e setenta euros); f) Paga atualmente à progenitora €200,00 (duzentos euros) de pensão de alimentos; g) A M (…) anda no Jardim de Infância no (…), e as despesas são repartidas da seguinte forma: o progenitor paga 70% e a progenitora 30% de uma mensalidade no valor de €620,00 (seiscentos e vinte euros); --- h) As despesas de saúde, vestuário e calçado são repartidas na proporção de 50%; --- i) A criança tem atividade extracurricular que é o Ballet, mas este já está incluído na mensalidade do Colégio; --- j) Tem estado com a filha, mas menos vezes do que suposto, visto a progenitora indicar compromissos ou até mesmo motivos sem justificação e ainda querer sempre que eu envie a escala de horário, mas o mesmo acha que é uma informação muito pessoal, e o que faz até ao dia 16/17 do mês que antecede é informar os dias que tem de folga; --- k) Os dias em janeiro e fevereiro que podia ter passado com a M (…), a progenitora, indicou que no dia 02 de janeiro a mesma estava de férias e queria estar com a filha, no dia 09 de janeiro indicou que ia ter como descansar, no dia 17 de janeiro não justificou o motivo, no dia 05 de fevereiro não daria, mas posteriormente foi buscar a filha, dado a progenitora ter se disponibilizado para o mesmo o fazer, no dia 16 e 17 de fevereiro a progenitora pediu o fim de semana e o mesmo cedeu e à ultima da hora a mesma cedeu-lhe novamente o fim de semana; --- l) Tem capacidade de cuidar da M (…) nos dias anteriores às viagens e após as mesmas, visto a criança já ter 4 anos, e dormir bem e os cuidados serem diferentes nesta idade; --- m) Tem família em Lisboa, concretamente os seus pais (os avós paternos da M) e a sua irmã; --- n) Tem disponibilidade para a residência alternada. --- * A progenitora, a qual declarou: --- a) Estão separados desde de dezembro de 2021; --- b) Exerce funções de Controle Financeira na Empresa (…) recebe de ordenado €1,600 (mil e seiscentos euros) líquidos. O seu horário de trabalho é se segunda a sexta-feira das 9h30 às 18h/18h30; --- c) Vive só com a M (…) numa casa que é dos pais e não paga renda; --- d) Confirma que as despesas relativamente ao Colégio, Ballet, Pensão de Alimentos e Saúde são da forma que o progenitor declarou, contudo, o progenitor só paga a pensão de alimentos desde de janeiro de 2024 através de Mbway ou transferência bancária; --- e) Não confirma as declarações das despesas de calçado e vestuário, visto ser a únicas despesas que não fazer repartição; --- f) O progenitor disse-lhe várias vezes que não pagaria pensão de alimentos, mas posteriormente começou a faze-lo; --- g) Nunca aconteceu o progenitor ter 15 dias disponíveis de folga por mês, ronda sempre os 12/13 dias e inclusive eu peço-lhe que me envie a escala do seu horário, e o mesmo não o faz desde que esta a viver com a sua atual companheira; --- h) Não se consegue recordar os motivos pelo qual o progenitor passou mais tempo com a M (…) nos meses de novembro, dezembro, janeiro e fevereiro; --- i) Não pretende dificultar os convívios, mas não se sente confortável que o progenitor esteja com a M (…) no dia anterior e no dia posterior às viagens, dado que quando estavam juntos o mesmo ficava bastante ansioso e cansado; Desde da última diligência realizada neste Tribunal, deu conta que nos dias anteriores aos voos, sente o progenitor nervoso e que o mesmo não tem capacidade mental para cuidar da filha, pois dorme muito e não é o mesmo a promover os cuidados à sua filha; Faz questão de ir sempre buscar a M (…), mal chega das viagens e faz questão de passar a noite com a mesma antes de ir de viagem; Aquilo que preocupa a mesma é a M (…) estar com outra pessoa e não com o pai, mas que até ao momento nunca houve qualquer incidente; --- j) Atualmente a M (…) esta a ser acompanhada psicologicamente, visto a uma queda que deu quando tinha 1 ano e meio, e acharam ambos que seria melhor a mesma ser acompanhada para se precaver eventuais problemas que surgissem; --- k) Refere que em maio de 2023, combinou com o progenitor um encontro para o mesmo ir buscar a M (…) e que a mesma se atrasou 5 minutos e mesmo não esperou e foi-se embora. -- * Após, a Mma. Juiz tentou a conciliação das partes, o que se frustrou por não haver consenso quanto ao regime de residência e convívios, findo o que deu a palava à Digna Procuradora do Ministério Público. --- * =PROMOÇÃO= Atento o adiantado da hora e as diligências agendadas ainda para esta manhã, promovo que seja aberta vista para me pronunciar sobre o acordo provisório. --- * ---De seguida, a Mma. Juiz proferiu o seguinte: --- =DESPACHO= Atenta a necessidade de ponderação e por relevar para a decisão da causa, determina-se que o progenitor junte aos autos as últimas 6 escalas relativamente ao seu horário de trabalho, e juntas que sejam, conclua os autos precedendo vista a fim de ser fixado regime provisório. --- * O despacho/sentença que antecede foi de imediato notificado a todos os presentes, que disseram ficar cientes, tendo a presente diligência terminado às 10:30 minutos. --- (…).” * Por requerimento de 07.03.2024, foram juntos aos autos pelo Requerente 6 emails por si enviados à Requerida, contendo as suas propostas para estar com a filha M (…) em cada um dos meses de outubro, novembro de dezembro de 2023 e janeiro, fevereiro e março de 2024, acompanhadas das suas escalas de trabalho referentes a cada um desses meses. * Em 18.03.2024 o Ministério público pronunciou-se nos seguintes termos: “P. se remetam as partes para audição técnica especializada, nos termos do disposto no artigo 38.º, alínea b) do RGPTC. * No que concerne aos convívios filio paternos, considerando os elementos carreados nos autos e as declarações dos progenitores, p. que provisoriamente se determine que a M (…) fique aos cuidados do progenitor 13 dias por mês com pernoita, nos dias das suas folgas, à semelhança do que vem já sendo praticado. Para execução do plano de tais dias, entendemos que o progenitor deverá informar a progenitora por email logo que tenha conhecimento dos dias de folga do mês seguinte, não sendo necessário enviar a sua escala de serviço. * P. se notifiquem os progenitores para informar a identidade e morada da psicóloga que acompanha a M (…) e, após, se solicite o envio do relatório psicológico da criança, com indicação da periodicidade das consultas e motivo da intervenção. (…).” * Por despacho de 28.04.2024 o Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão: “O artigo 37º, n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível preceitua que finda a conferência de pais: “1 - Estando ambos os pais presentes ou representados, o juiz procura obter acordo que corresponda aos interesses da criança sobre o exercício das responsabilidades parentais.” O artigo 38º do mesmo diploma estabelece, por outro lado, que: “Se ambos os pais estiverem presentes ou representados na conferência, mas não chegarem a acordo que seja homologado, o juiz decide provisoriamente sobre o pedido em função dos elementos já obtidos, suspende a conferência e remete as partes para: a) Mediação, nos termos e com os pressupostos previstos no artigo 24.º, por um período máximo de três meses; ou b) Audição técnica especializada, nos termos previstos no artigo 23.º, por um período máximo de dois meses.” O artigo 28º, n.º 1, do mesmo diploma estatui, por fim, que: “1. Em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o tribunal pode decidir provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final, bem como ordenar as diligências que se tornem indispensáveis para assegurar a execução efetiva da decisão.” No caso em apreço, realizada conferência de pais, os progenitores não alcançaram consenso quanto à regulação das responsabilidades parentais relativas à criança filha de ambos, M (…), nascida a 28.01.2020, atualmente com 4 anos de idade. Ponderada a documentação junta aos autos (as escalas de fls. 34-52) e as declarações prestadas pelos progenitores na conferência de pais, que se mostram gravadas e foram no essencial documentadas na ata de fls. 27-28, cujo teor se reproduz na íntegra, temos que a criança reside com a progenitora, que goza amplos convívios com o progenitor, maioritariamente nas suas folgas e férias, e ainda, que ambos revelam capacidade e disponibilidade para cuidar da criança, cujo superior interesse tendem a nem sempre priorizar por força do padrão de desconfiança e comunicação negativo estabelecido entre ambos após a separação conjugal. Pese embora o tempo decorrido desde a separação, os progenitores ainda revelam dificuldade em interagir de forma matura e responsiva no exercício de uma co parentalidade, elevando a possibilidade de contagiar a criança com as divergências e as dificuldades de superação e/ou contenção de narrativas e/ou emoções que somente aos mesmos pertence e do que a criança deverá ficar arredada porquanto tem o direito de crescer de forma harmoniosa, lado a lado com cada um dos progenitores e com as figuras de referência que estes decidam integrar nos seus agregados, desde que benéficas para o íntegro desenvolvimento da criança. Nesta conformidade, ponderado que a criança terá estabelecidas relações de afeto e de vinculação segura com ambos os progenitores, e, por outro lado, as condições pessoais, familiares, profissionais e económicas de cada um dos progenitores, melhor retratadas na ata de fls. 27-28, decide-se, ao abrigo dos artigos 28º, n.º 1, e 38º, do RGPTC e por só assim se acautelar e promover o superior interesse da criança, definir e estabilizar a situação vivencial da criança mediante a fixação do seguinte regime provisório regulador das responsabilidades parentais: 1. A criança fixa residência junto da progenitora. 2. As responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância devem ser exercidas por ambos os progenitores. 3. As responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente devem ser exercidas pela progenitora, sendo pelo progenitor no período de convívios com a criança, que deverá cumprir as orientações educativas mais relevantes tal como definidas pela primeira. 4. O progenitor conviverá com a criança nos dias de folga e nos dias que a antecedem desde que a sua prestação de trabalho termine até às 11h00, em número mensal não superior a 12 (doze) dias, recolhendo a criança no final do tempo letivo, no estabelecimento de ensino, no dia da folga ou no dia que a antecede, aí a entregando no início do tempo letivo do último dia de folga. 5. Fora do tempo letivo e/ou sempre que motivos justifiquem a ausência da criança ao estabelecimento de ensino, as entregas e recolhas da criança serão feitas pelo progenitor junto da residência da progenitora, nos horários correspondentes ao início/termo do tempo letivo. 6. O progenitor informará a progenitora, até ao dia 30 (trinta) de cada mês, os dias de folga que terá no mês subsequente, assim como os que a antecedem e cuja prestação de trabalho termine até às 11h00, correspondentes aos dias de convívio com a criança, conforme estabelecido na cláusula 4). 7. O progenitor conviverá com a criança em qualquer outra circunstância de tempo, modo e lugar desde que previamente acordada com a progenitora e isso não prejudique os tempos de repouso e as exigências escolares, extra curriculares e outras da criança. 8. A criança, quando ao cuidado de um progenitor, comunicará com o outro progenitor, por meio de comunicação telefónica, e, sempre que possível, por meio de videochamada, a realizar entre as 18h00 e as 20h00. 9. A comunicação a que se alude em 8) deverá ser efetuada para o telefone do progenitor que tiver a criança à sua guarda e cuidados, que promoverá este contacto filio parental. 10. A criança gozará com a mãe o dia da mãe e de aniversário desta, com quem pernoitará. 11. A criança gozará com o pai o dia de pai e o dia de aniversário deste, com quem pernoitará. 12. No dia de aniversário da criança, esta tomará uma das principais refeições (almoço/jantar) com cada um dos progenitores, a acordar e a alternar entre ambos. 13. A criança gozará a época festiva do natal (dias 24 e 25 de dezembro e 31 de dezembro e 01 de janeiro) alternadamente com cada um dos progenitores, em moldes a acordar entre ambos. Na falta de acordo, a mãe escolhe o dia e/ou a época festiva em ano par e o pai fá-lo em ano ímpar. 14. A criança gozará a sexta feira santa e o dia de Páscoa alternadamente, com cada um dos progenitores, em moldes a acordar entre ambos. 15. Durante o período não letivo, a criança gozará 15 (quinze) dias de férias com o progenitor, por períodos de uma semana cada, em datas concretas a acordar com a progenitora, até ao dia 15 de maio de cada ano. Na falta de acordo e/ou coincidência do período, a progenitora tem prioridade na escolha em ano par e o progenitor em ano ímpar. 16. O progenitor pagará € 300,00 (trezentos euros) mensais a título de pensão de alimentos devida à criança, destinada ao seu sustento (alimentação, vestuário e calçado), o que liquidará até ao dia 8 de cada mês, através de transferência bancária, para conta cujo IBAN a mãe indicar, a atualizar anualmente, em janeiro, de acordo com a taxa de inflação a publicar pelo Instituto Nacional de Estatística relativamente ao ano anterior. 17. As despesas escolares, as despesas de saúde (médicas e medicamentosas) e as despesas extracurriculares que forem acordadas entre ambos os progenitores, serão repartidas entre os progenitores, na proporção de 70% para o progenitor e de 30% para a progenitora. 18. O progenitor que suportar a despesa a que se alude em 17) remeterá ao outro progenitor, nos 10 dias subsequentes à realização da despesa, o seu comprovativo, em nome e com o NIF da criança, dispondo este outro progenitor de 10 dias para pagar o correspondente à sua quota parte, sendo-o através de transferência bancária para IBAN que conheça e/ou lhe seja indicado. DN., registo e notificação. (…).” * Não se conformando com essa decisão, dela veio recorrer o Requerente, formulando as seguintes conclusões que aqui se reproduzem: “1. Nos presentes autos de Regulação das Responsabilidades Parentais, o Tribunal proferiu Despacho a 02.05.2024, estabelecendo o regime provisório da regulação das responsabilidades parentais relativamente à M (…). 2. O Recorrente não se conforma com a Douta Decisão proferida que, de forma surpreendente e sem fundamento atendível face à factualidade constante dos presentes Autos – declarações dos progenitores e documentação junta aos Autos - estabeleceu o regime provisório em questão. 3. O Tribunal cingiu-se a uma brevíssima referência às declarações dos progenitores e à documentação junta aos autos – “documentação junta aos autos (as escalas de fls. 34-52) e as declarações prestadas pelos progenitores na conferência de pais, que se mostram gravadas e foram no essencial documentadas na ata de fls. 27-28” – sem discriminar os factos indiciariamente dados como provados e relevantes para sustentar a posição adoptada. 4. Sendo omissa a fundamentação do Despacho, assim como o elenco dos factos indiciariamente dados como provados, encontra-se a Decisão aqui recorrida eivada de nulidade, por força do artº. 615º nº 1 b) do CPC. 5. No que concerne o regime de convívio entre Pai e Filha, o Tribunal estabeleceu o seguinte: “4. O progenitor conviverá com a criança nos dias de folga e nos dias que a antecedem desde que a sua prestação de trabalho termine até às 11h00, em número mensal não superior a 12 (doze) dias, recolhendo a criança no final do tempo letivo, no estabelecimento de ensino, no dia da folga ou no dia que a antecede, aí a entregando no início do tempo letivo do último dia de folga. (…) 6. O progenitor informará a progenitora, até ao dia 30 (trinta) de cada mês, os dias de folga que terá no mês subsequente, assim como os que a antecedem e cuja prestação de trabalho termine até às 11h00, correspondentes aos dias de convívio com a criança, conforme estabelecido na cláusula 4). 7. O progenitor conviverá com a criança em qualquer outra circunstância de tempo, modo e lugar desde que previamente acordada com a progenitora e isso não prejudique os tempos de repouso e as exigências escolares, extra curriculares e outras da criança. (…) 13. A criança gozará a época festiva do natal (dias 24 e 25 de dezembro e 31 de dezembro e 01 de janeiro) alternadamente com cada um dos progenitores, em moldes a acordar entre ambos. Na falta de acordo, a mãe escolhe o dia e/ou a época festiva em ano par e o pai fá-lo em ano ímpar. 14. A criança gozará a sexta feira santa e o dia de Páscoa alternadamente, com cada um dos progenitores, em moldes a acordar entre ambos. 15. Durante o período não letivo, a criança gozará 15 (quinze) dias de férias com o progenitor, por períodos de uma semana cada, em datas concretas a acordar com a progenitora, até ao dia 15 de maio de cada ano. Na falta de acordo e/ou coincidência do período, a progenitora tem prioridade na escolha em ano par e o progenitor em ano ímpar.” 6. O Recorrente foi surpreendido pela decisão do Tribunal, nomeadamente pela fixação de um limite máximo de 12 dias permitidos para o convívio entre a M (…) e o Pai. 7. A Decisão proferida, para além de contrária e até inovadora face ao discutido em sede de conferência de pais, mostra-se prejudicial ao bem-estar da M (…), tendo em conta as limitações ao convívio com o Pai. 8. Consta dos Autos informação suficiente que comprova a disponibilidade do progenitor para conviver com a M (…) num intervalo de 13 a 15 dias, todos os meses: . Em outubro de 2023 o Pai teve disponibilidade para pernoitar com a M (…) 13 noites. . Em novembro de 2023 o Pai teve disponibilidade para pernoitar com a M (…) 19 noites. . Em dezembro de 2023 o Pai teve disponibilidade para pernoitar com a M (…) 18 noites. . Em janeiro de 2024 o Pai teve disponibilidade para pernoitar com a M (..) 14 noites. . Em fevereiro de 2024 o Pai teve disponibilidade para pernoitar com a M (…) 14 noites. . Em março de 2024 o Pai esteve com a M (…) 14 noites. . Em abril de 2024 o Pai esteve com a M (…) 14 noites. . Em maio de 2024, a previsão – conforme combinação com a Mãe – é que a M (…) esteja com o Pai 16 noites. 9. Durante a conferência de Pais, a Mma. Juiz mostrou-se disponível para que os progenitores tentassem chegar a um acordo, sensibilizando a Mãe para que tivesse uma postura mais complacente com o Pai, nomeadamente ao aceitar que este convivesse com a M (…) nos dias em que tivesse disponibilidade, num máximo de 15 dias. 10. Os convívios com o Pai, limitados a um máximo de 12 dias, ficam muito aquém daquilo que é a disponibilidade do Pai, e inclusivamente o que vem ocorrendo nos últimos 8 meses. 11. Não havendo um mínimo de dias de convívios assegurados entre a M (…) e o Pai, é a progenitora quem gere e consente os convívios entre o Recorrente e a menina, sem que, a nosso ver, tenha para tal legitimidade. 12. Neste sentido, a Mãe pode livremente opor-se à sugestão de convívios apresentada pelo Pai, sem sequer apresentar uma justificação válida. 13. A postura da progenitora, marcada por constante discordância face às declarações do progenitor, evidenciou a sua intenção de obstaculizar os convívios da M (…) com o Pai durante os dias pretendidos por este. 14. Para justificar alguns dos impedimentos, a progenitora fez alusões ao facto de o progenitor chegar cansado das viagens, e nesse sentido, não se encontrar apto a estar com a M (…). 15. O progenitor teve oportunidade de esclarecer o Tribunal que, para além da M (…) ser uma criança que dorme bastante bem durante a noite, o próprio Pai conhece os seus limites e sabe quando estará ou não capaz para estar com a M (…) de forma responsável. 16. Os dias de folga do Pai, antes de serem enviados à Mãe, já passaram pelo crivo do próprio Recorrente. 17. Do regime provisório, no que concerne as férias e festividades, ficou estabelecido que: “13. A criança gozará a época festiva do natal (dias 24 e 25 de dezembro e 31 de dezembro e 01 de janeiro) alternadamente com cada um dos progenitores, em moldes a acordar entre ambos. Na falta de acordo, a mãe escolhe o dia e/ou a época festiva em ano par e o pai fá-lo em ano ímpar. 14. A criança gozará a sexta feira santa e o dia de Páscoa alternadamente, com cada um dos progenitores, em moldes a acordar entre ambos. 15. Durante o período não letivo, a criança gozará 15 (quinze) dias de férias com o progenitor, por períodos de uma semana cada, em datas concretas a acordar com a progenitora, até ao dia 15 de maio de cada ano. Na falta de acordo e/ou coincidência do período, a progenitora tem prioridade na escolha em ano par e o progenitor em ano ímpar.” 18. A referência a um “período não lectivo”, deixa em aberto se este período corresponde à generalidade das férias, no sentido de uma interrupção escolar, ou se o Tribunal pretendeu apenas fazer referência às férias de Verão. 19. De resto, assumindo-se que o ponto 15 do acordo se refere ao período das férias de Verão, em que a M… fica aproximadamente dois meses de férias, não se compreende a razão pela qual este Tribunal entendeu ser benéfico para a criança passar apenas duas semanas com o Pai, e de forma intercalada. 20. Ao Tribunal impunha-se a diferenciação dos períodos de férias, de forma a permitir que a M… pudesse usufruir de tempo de qualidade com o Pai, nos períodos em que não tem escola, nomeadamente na Páscoa e no Natal. 21. Para além de omisso sobre os períodos de férias escolares, o regime provisório em questão nada estabelece sobre viagens ao estrangeiro, questão que se entende por muito relevante em sede de um regime de regulação das responsabilidades parentais, e que foi inclusivamente trazida aos autos pelo progenitor. 22. Sendo o exercício das responsabilidades parentais sobre a M (…), exercido em conjunto, entendemos que a deslocação da M (…) para o estrangeiro, não necessita do consentimento do outro progenitor, com excepção das deslocações para destinos turísticos comuns que suscitem preocupações de segurança excecionais. 23. E assim, acrescida à omissão de descrição da factualidade indiciariamente dada como provado e à total ausência de fundamentação, o Despacho recorrida é igualmente nulo por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 615 n.º 1 d) do CPC. 24. Relativamente à fixação da pensão de alimentos, o Tribunal estabeleceu que: 16. O progenitor pagará € 300,00 (trezentos euros) mensais a título de pensão de alimentos devida à criança, destinada ao seu sustento (alimentação, vestuário e calçado), o que liquidará até ao dia 8 de cada mês, através de transferência bancária, para conta cujo IBAN a mãe indicar, a atualizar anualmente, em janeiro, de acordo com a taxa de inflação a publicar pelo Instituto Nacional de Estatística relativamente ao ano anterior. 17. As despesas escolares, as despesas de saúde (médicas e medicamentosas) e as despesas extracurriculares que forem acordadas entre ambos os progenitores, serão repartidas entre os progenitores, na proporção de 70% para o progenitor e de 30% para a progenitora. 25. O Recorrente não pode conformar-se com a fixação do montante de pensão de alimentos, conforme consta do regime provisório, por totalmente desproporcional e desadequada. 26. Para a fixação da pensão não é suficiente a informação sobre o montante da remuneração mensal dos progenitores, sem referência às necessidades da criança ou às despesas dos próprios progenitores, sob pena de se penalizar o progenitor que aufere um rendimento maior. 27. Ao Tribunal impunha-se elencar a factualidade indiciariamente dada como provada, no que concerne as necessidades da M (…) e despesas dos progenitores, e que foi possível retirar da documentação junta aos Autos e da informação prestada em sede de conferência de Pais. 28. A simples menção às “condições pessoais, familiares, profissionais e económicas de cada um dos progenitores” não se basta para fundamentar um Despacho em que se fixa um regime provisório. 29. O Despacho do qual se recorre, para além de não elencar a factualidade referida supra, não especificou os motivos que levaram à fixação do montante de pensão de alimentos em questão. 30. Tão pouco fundamentou o Tribunal, a decisão de sobrecarregar o Pai com uma pensão de alimentos no montante de €300,00 quando passa com a M (…) entre 13 a 15 dias por mês, informação reconhecida pelo próprio Tribunal. 31. E assim, no que concerne a fixação da pensão de alimentos, o Recorrente entende que a decisão provisória proferida nos Autos, é nula, por total ausência de fundamentação de facto e de direito, nos termos do art.º 615 n.1 b) do CPC. 32. O Recorrente entende ainda que a decisão recorrida não assegura o superior interesse da M (…), por limitar, de forma infundada os convívios entre a menina e o Pai. 33. Nas decisões do Tribunal deve imperar um juízo de oportunidade ou conveniência sobre o interesse em causa: o da Criança. 34. Os termos em que o regime provisório é fixado, não preveem um amplo convívio entre a M (…) e o Pai. 35. Para além da limitação dos 12 dias mensais, o regime é omisso quanto aos diferentes períodos de férias e as viagens ao estrangeiro, o que reduz em larga medida as possibilidades de um convívio mais próximo e de qualidade da M (…) com o Pai. 36. Tão pouco se coaduna com o superior interesse da M (…), que não lhe seja permitido passar com o Pai mais do que uma semana seguida em período não lectivo. 37. O Tribunal, ainda que tenha, de forma activa alertado a Mãe para o beneficio que é para a M (…) estar com o Pai, decidiu de forma contrária, limitando de forma arbitrária e sem fundamento, os convívios entre pai e filha. 38. No caso vertente, a Decisão recorrida, ainda que seja uma Decisão provisória e não constitua a decisão final do processo, não assegura o bem-estar e o superior interesse da M (…), no que concerne ao seu direito a uma relação próxima com o seu Pai, até que seja proferida a decisão definitiva. 39. Requerer-se que a Decisão aqui recorrida seja considerada nula, por violação do art.º 615 n.1 b) e d) do CPC e por violação do superior interesse da M (…), consagrado nas convenções internacionais acima indicadas, e especialmente no art,º 4 do RGPTC e o art.º 1906 n.º1 do CC. 40. Requerendo-se ainda que o regime provisório anteriormente fixado seja substituído, tendo em consideração os fundamentos supra alegados em sede do presente recurso, nomeadamente que seja fixado um intervalo de dias – concretamente entre 13 e 15 dias – de forma a garantir amplos convívios da M (…) com o Pai, tendo em conta a disponibilidade do progenitor. 41. Requer-se ainda que sejam fixados regimes de férias com convívios com o progenitor, onde se incluam as férias de Verão, Páscoa e Natal, garantindo-se ainda que a criança possa passar com o progenitor pelo menos duas semanas seguidas. 42. Mais se querer que seja assegurado o direito da M (…) em viajar com o Pai e família paterna alargada para o estrangeiro, usufruindo assim das oportunidades que a família lhe pode oferecer. 43. Relativamente à pensão de alimentos, que se estabeleça um montante de pensão de alimentos adequado e proporcional, tendo em conta as necessidades da M (…) e as possibilidades dos progenitores, e que se tenha em consideração que a M (…) reside com o progenitor quase metade do mês.” * Com as suas alegações de recurso o Requerente juntou 18 documentos. * Notificado, o Ministério Público contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso. * O recurso foi corretamente admitido. * Foram os autos remetidos a este Tribunal e colhidos os vistos legais. * II. Questões a Decidir: Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente – art.ºs 635º, n.º 4 e 639º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante apenas CPC) –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal são as seguintes: - Nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação; - Mérito da decisão recorrida, relativamente ao regime fixado quanto às visitas e aos alimentos. * III. Mérito do recurso: - Nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação. Considera o Apelante que a decisão recorrida é omissa quanto à sua fundamentação, assim como quanto ao elenco dos factos indiciariamente dados como provados, encontrando-se como tal eivada de nulidade, por força do art.º 615º, n.º 1, b), do CPC (cfr. ponto 4. das conclusões recursivas). O Tribunal recorrido, no despacho que admitiu o recurso, não se pronunciou, como lhe incumbia, sobre a nulidade arguida (cfr. art.ºs 617º, n.º 1 e 641º, n.º 1, do CPC). No entanto, considerando que os elementos constantes dos autos permitem o conhecimento daquela nulidade, entende-se ser dispensável a baixa dos autos à 1ª instância (cfr. art.º 617º, n.º 5, do CPC), pelo que se passará, de imediato, à sua apreciação. Nos termos do art.º 607º, n.º 3, do CPC, aplicável por força do art.º 33º, n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (doravante apenas RGPTC), na fundamentação da sentença, deve “o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.” Por seu lado, o art.º 615º, n.º 1, b), do mesmo diploma, determina que é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Como ensina o Prof. Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, vol. V, Coimbra, 1984, págs. 139 a 141), “as partes precisam de ser elucidadas a respeito dos motivos da decisão. Sobretudo a parte vencida tem o direito de saber por que razão lhe foi desfavorável a sentença; e tem mesmo necessidade de o saber, quando a sentença admita recurso, para poder impugnar o fundamento ou fundamentos perante o tribunal superior. Este carece também de conhecer as razões determinantes da decisão, para as poder apreciar no julgamento do recurso. Não basta, pois, que o juiz decida a questão posta; é indispensável que produza as razões em que se apoia o seu veredicto (…). Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz a nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto (…).” Acresce que “relativamente à fundamentação de direito tem sido entendido que está fundamentada a decisão que, aplicando normas jurídicas, não as identifica (…). Está-se, com isto, a dizer que o juiz não tem de especificar os artigos ou demais fontes legais de que fez uso, embora não possa deixar de enunciar (de modo expresso ou de modo implícito, desde que inteligível, i.e., não ambíguo ou não obscuro) o teor material da regra ou princípio em que se apoiou” – cfr. Prof. Rui Pinto, in “Os meios reclamatórios comuns da decisão civil”, na “Julgar Online”, Maio de 2020, pág. 12, estudo disponível em https://julgar.pt/wp-content/uploads/2020/05/20200525-JULGAR-Os-meios-reclamat%C3%B3rios-comuns-da-decis%C3%A3o-civil-Rui-Pinto-v2.pdf. É ainda certo que as exigências de uma fundamentação (fáctica e jurídica) mais ou menos completa variam consoante estejamos perante uma decisão final ou perante um mero despacho interlocutório, assim como variam conforme exista, ou não, oposição, e ainda consoante estejamos perante uma decisão definitiva ou perante uma decisão meramente provisória e modificável. Aliás, o próprio Regime Geral do Processo Tutelar Cível contém, entre outros, nos seus art.ºs 4º, n.º 1, a), 12º, 28º e 38º, várias normas de simplificação processual, que apontam no sentido de poderem ser sumárias, quer as diligências probatórias, quer as decisões proferidas, em sede de fixação de um regime provisório, o que significa que são aligeiradas as exigências de fundamentação. No entanto, a licitude de uma fundamentação menos detalhada não equivale, nem pode equivaler, à licitude de uma completa falta de referência a elementos de facto e de direito - nem poderia ser de outra forma, atenta a exigência a que alude o art.º 205º nº1 da Constituição da República Portuguesa. Ora, no caso dos autos, a decisão recorrida estabeleceu um regime provisório, sem que, previamente, tenha fixado quaisquer factos provados e não provados, ainda que indiciariamente, limitando-se a identificar os meios probatórios ponderados nessa decisão e a remeter para o teor dos mesmos (“as escalas de fls. 34-52” e “as declarações prestadas pelos progenitores na conferência de pais, que se mostram gravadas e foram no essencial documentadas na ata de fls. 27-28, cujo teor se reproduz na íntegra”). Note-se que os factos não só não foram elencados prévia e autonomamente na decisão recorrida como também não foram, no seu dispositivo, expressamente identificados, no sentido de alicerçarem e justificarem a opção pelo concreto regime provisório estabelecido. E a indicação desses factos era essencial para que as partes pudessem sindicar a decisão proferida, desde logo, quanto à sua fundamentação de facto. Atento o exposto, entendemos que a decisão recorrida, não tendo especificado os fundamentos de facto que justificam a decisão, incorre na nulidade prevista no art.º 615º, n.º 1, b), do CPC, nulidade que aqui se declara (já no que à fundamentação de direito se refere, entendemos que a decisão recorrida não enferma de qualquer nulidade, uma vez que, conforme claramente resulta da sua leitura, na mesma são identificadas as normas ao abrigo das quais a mesma é proferida). Prevê o art.º 665º, n.º1, do CPC que, “ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação.” Assim, atentas as questões supra enunciadas, cumpriria apreciar o mérito da decisão recorrida, relativamente ao regime de exercício das responsabilidades parentais. Mas, para que tal pudesse ocorrer, teria este tribunal de recurso de ter, previamente, fixados factos que permitissem concluir da bondade, ou não, do regime estabelecido, o que, como vimos, não ocorreu. Como se refere no Ac. RL de 21.03.2012, processo n.º 1359/11.0TVLSB.L1-8, disponível em www.dgsi.pt, omitindo-se, em termos suficientes e adequados, a explicitação dos factos da causa, tal inviabiliza o controle interno da decisão, a reponderação a esse respeito do juízo de facto, para além de afetar as vias de defesa das partes. A ausência de decisão sobre a matéria de facto não pode deixar de se entender como a situação limite da decisão deficiente a que alude o art.º 662º, n.º 2, c), do CPC, o que significa que cabe anular a decisão proferida e reenviar o processo à primeira instância, para prolação de nova decisão. Com efeito, embora da literalidade do citado art.º 665º, n.º 1, do CPC, pudesse decorrer que competiria à segunda instância fixar os factos provados, suprindo totalmente a falta de fundamentação, não pode ser assim. O dever de substituição a que alude aquela norma compreende-se bem e é exequível nas demais nulidades previstas no art.º 615º, n.º 1, do CPC. Todavia, o mesmo já não sucede quanto à nulidade da falta de fundamentação de facto. Na verdade, um dos princípios basilares do atual sistema recursório civil é o da garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto - cfr. nesse sentido os artigos 640º e 662º do CPC e, os Acórdãos do STJ de 16.12.2021, processo n.º 513/19.0T8VPA.G1.S1 e de 26.05.2021, processo n.º 3277/12.5TBLLE-F.E2.S1. O dever de substituição previsto no art.º 665º, n.º 1, do CPC, visa, em primeira linha, conduzir a uma resolução célere do litígio, no pressuposto de que o Tribunal da Relação disponha dos elementos necessários para tal (cfr. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6ª ed., pág. 381). Todavia, a esse valor da celeridade há que contrapor o da garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto, afigurando-se que este valor é mais garantístico e proeminente para a realização de um processo equitativo, na vertente de um processo que permita, num prazo razoável, a descoberta da verdade material e a prolação de uma decisão ponderada – cfr. neste sentido o art.º 20º, n.º 4, da Constituição e Jorge Miranda e Rui Medeiros, in “Constituição Portuguesa Anotada”, Tomo I, 2ª ed., pág. 441). Havendo que se sacrificar um dos valores, cremos que deverá ser o da celeridade, tanto mais que a situação em apreço nem contém contornos que demandem particular urgência na sua definição final. Assim sendo, não será de aplicar o disposto no art.º 665º, n.º 1, do CPC, em situações como a presente, em que, perante uma total ausência de fundamentação de facto da decisão impugnada, ocorra a anulação dessa decisão, antes se ordenando ao Tribunal a quo que a fundamente, garantindo-se efetivamente o duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto. No sentido por nós decidido, veja-se o Ac. desta RL de 09.04.2024, processo n.º 903/23.4T8CSC-FL1-7, disponível em www.dgsi.pt, aqui seguido de perto. Deste modo, deverá o Tribunal a quo, como se disse, proferir nova decisão, devidamente fundamentada de facto (com enumeração dos factos provados e não provados e com análise crítica da prova). Em consequência, resulta prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso em análise. * IV. Decisão Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o coletivo desta 2ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa abaixo identificados em julgar parcialmente procedente o presente recurso, declarando-se nula a decisão recorrida, por falta de fundamentação, e determinando-se a devolução dos autos à primeira instância, para que aí se profira nova decisão, devidamente fundamentada, nos termos supra expostos. Custas do recurso pela parte vencida a final – art.ºs 527º do CPC e 6º, n.º 2, com referência à Tabela I-B, do RCP. Lisboa, 10.10.2024, Susana Mesquita Gonçalves Paulo Fernandes da Silva João Paulo Raposo – declaração de voto vencido: entendo que as exigências de fundamentação de uma decisão provisória de regulação das responsabilidades parentais se satisfazem sempre que, do teor da mesma, resultem claras as razões de facto que conduziram à conclusão de ser aquela decisão que melhor salvaguarda, naquele momento, a situação da criança, o que, entendo, se verifica no caso, razão porque manteria a decisão. |