Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5132/21.9T8FNC-C.L1-2
Relator: JOSÉ MANUEL MONTEIRO CORREIA
Descritores: PENHORA
QUINHÃO HEREDITÁRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.- O executado que, notificado da penhora de direitos de que é titular em execução contra si instaurada, não reage oportunamente através de oposição à penhora - atacando os fundamentos da penhora -, ou de reclamação contra a prática de ato não permitido por lei - atacando a forma como foi elaborado o auto de penhora -, vê precludido o direito de o fazer ulteriormente, designadamente, quando já está em curso a venda.
2.- A menção, no auto de penhora de quinhões hereditários, aos bens que potencialmente integram as heranças a que respeitam tais quinhões, não só não é legalmente vedada, como é aconselhável para assegurar os fins da execução, permitindo a indicação, naquele auto, do valor dos direitos penhorados, bem como a fixação do valor base dos direitos aquando da decisão sobre a modalidade da venda pelo agente de execução e, finalmente, a formação da decisão de adquirir por parte do adquirente.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa os Juízes Desembargadores abaixo identificados,

I.- Relatório
Na execução comum para pagamento de quantia certa, com o n.º …/…, que o Banco Credibom, S.A. instaurou a RV, foram, além do mais, penhorados, em 16 de maio de 2022, os seguintes direitos do executado:
i.- quinhão hereditário na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de MV, com o NIF …, da qual previsivelmente fazem parte os bens constantes da participação para efeitos de imposto de selo n.º …, do Serviço de Finanças do Funchal 2;
ii.- quinhão hereditário na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de MM, com o NIF …, da qual previsivelmente fazem parte os bens constantes da participação para efeitos de imposto de selo n.º …, do Serviço de Finanças do Funchal 2.
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Penhorados tais direitos, pelo agente de execução foi ordenada, a 18 de abril de 2023, a sua venda em leilão eletrónico, a decorrer até ao dia 24 de maio de 2023.
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Notificado do agendamento do leilão eletrónico, o Executado, por requerimento de 4 de maio de 2023, requereu a correção do auto de penhora e a suspensão imediata do leilão eletrónico em curso.
Baseou o seu requerimento no facto de, naquele auto de penhora, se ter dito que, dos quinhões hereditários penhorados, presumivelmente faziam parte determinados bens, o que é incorreto, já que os quinhões hereditários constituem apenas o direito a uma quota ou a uma fração ideal do acervo hereditário e não a uma parte específica dos bens que o integram.
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Na sequência de tal requerimento, foi proferido pelo Ex.mo Sr. Juiz de Direito titular do processo o seguinte despacho:
A pretensão do executado não tem qualquer cabimento legal.
Um quinhão hereditário incide sobre uma herança. Uma herança é composta por vários bens. O interesse na aquisição dum determinado quinhão hereditário tem em vista o acervo patrimonial dessa herança. Logo, é de toda a conveniência fazer constar do anúncio do leilão eletrónico bens que constem da relação de bens apresentada quanto à herança em causa. Não se está a afirmar no anúncio que esse quinhão será preenchido com esses bens por ainda não haver partilha.
Custas pelo incidente pelo executado que se fixam em 01 UC, mantendo-se, pois, o ato do agente de execução.
Notifique.
Funchal, data supra certificada”.
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Inconformado com esta decisão, veio o Executado interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões, que assim se transcrevem:
           
“1 – No âmbito desta execução foi penhorado o quinhão hereditário do executado nos seguintes termos:
‘Direito que o executado detém na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de MV, NIF … onde previsivelmente fazem parte da herança os bens constantes da participação de imposto de selo nº … do Serviço de Finanças do Funchal 2. Direito que o executado detém na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de MM, NIF … onde previsivelmente fazem parte da herança os bens constantes da participação de imposto de selo nº … do Serviço de Finanças do Funchal 2”
2 – O executado, foi notificado da venda do seu quinhão hereditário, em 06/03/2023;
3 – Por requerimento datado de 04/05/2023 com Ref. 45478155, o executado requereu ao Tribunal a quo, que decidisse pela anulação da venda judicial em curso, já que o quinhão hereditário em venda, não pode especificar os bens que o compõe;
4 – Por douto despacho datado de 29/05/2023 com Ref. 53643643, veio o douto Tribunal indeferir a pretensão do executado com os seguintes fundamentos:
“A pretensão do executado não tem qualquer cabimento legal.
Um quinhão hereditário incide sobre uma herança. Uma herança é composta por vários bens. O interesse na aquisição dum determinado quinhão hereditário tem em vista o acervo patrimonial dessa herança. Logo, é de toda a conveniência fazer constar do anúncio do leilão eletrónico bens que constem da relação de bens apresentada quanto à herança em causa. Não se está a afirmar no anúncio que esse quinhão será preenchido com esses bens por ainda não haver partilha.
Custas pelo incidente pelo executado que se ficam em 01 UC, mantendo-se, pois, o ato do agente de execução.”
5 – O executado não se conforma com tal decisão, já que não há cobertura legal, para que o quinhão hereditário, como quota ideal e abstrata, possa ser concretizável no ato da venda, através da relação de bens indicada;
6 – Antes da partilha, o executado apenas tem uma quota ideal;
7 – A penhora e venda do quinhão hereditário tal como foi anunciado, padece de irregularidade e ilegalidade.
8 – A indicação dos bens constantes da participação do imposto de selo n.º …, o Sr. A.E. está a concretizar a quota ideal, o que é ilegal;
9 – O ato de aceitação da herança ilíquida e indivisa, os herdeiros apenas adquirem uma quota ideal e abstrata, e só com a partilha ficam a conhecer os concretos bens que lhes são atribuídos.
10 – Até à partilha, os herdeiros têm apenas o direito a uma quota ou fração ideal do acervo hereditário, e não a uma parte específica dos respetivos bens;
11 – O Sr. AE fez constar do auto uma menção, sem cabimento legal;
12 – Não pode anunciar-se a venda de um quinhão hereditário com a menção de que fazem parte da herança os bens da participação do selo integram a herança um determinado bem;
13 – Da penhora e anúncio da venda deveria constar apenas a penhora do quinhão hereditário do executado, sem a menção dos bens que presumivelmente integram a herança.
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Ao recurso respondeu, na qualidade de comprador dos quinhões hereditários penhorados, o interveniente incidental JV, formulando as seguintes conclusões:
           
“1ª) – O douto despacho de que o Executado quer recorrer, afigura-se como sendo “de mero expediente” (art.º 152º/4/1ªpte. CPC), e como tal irrecorrível (art.º 630º/1 CPC), pelo que o recurso não deverá ser admitido; e a sê-lo, só o poderá ser no efeito meramente devolutivo.
2ª) – O Apelante não tem qualquer razão, porque não foram penhorados nem vendidos bens concretos das heranças, nem partes especificadas deles, mas apenas os quinhões que ele tinha nelas.
3ª)- Tendo a Sra. Agente de Execução simplesmente identificado os processos fiscais de Imposto de Selo onde os potenciais interessados poderiam buscar informação sobre a composição das heranças a que se reportavam os quinhões a vender.
4ª)- Composição que constitui informação essencial para a formação da vontade de potenciais interessados em concorrer à compra deles”.
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O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo e assim recebido nesta Relação, que o considerou corretamente admitido e com o efeito legalmente previsto.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II.- Das questões a decidir
O âmbito dos recursos, tal como resulta das disposições conjugadas dos art.ºs 635.º, n.º 4, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 641.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Civil (doravante, CPC), é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente.
Isto, com ressalva das questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado ou das que se prendem com a qualificação jurídica dos factos (cfr., a este propósito, o disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 663.º, n.º 2 e 5.º, n.º 3 do CPC).
Neste pressuposto, a questão que, neste recurso, importa apreciar e decidir é a seguinte:
.- saber se a menção, em auto de penhora de dois quinhões hereditários do executado, aos bens que potencialmente integram as heranças a que tais quinhões respeitam é ou não legalmente admissível.
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III.- Fundamentação
III.I.- São os seguintes os factos que, em função dos elementos constantes dos autos, se mostram provados e que importa considerar na decisão a proferir:
1.- Na presente execução comum para pagamento de quantia certa foi, em 16 de maio de 2022, lavrado auto de penhora de direitos do executado, ali descritos do seguinte modo:
.- Verba n.º 1: quinhão hereditário na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de MV, com o NIF …, da qual previsivelmente fazem parte os bens constantes da participação para efeitos de imposto de selo n.º …, do Serviço de Finanças do Funchal 2;
.- Verba n.º 2: quinhão hereditário na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de MM, com o NIF …, da qual previsivelmente fazem parte os bens constantes da participação para efeitos de imposto de selo n.º …, do Serviço de Finanças do Funchal 2.
2.- Por carta e por comunicação telemática expedidas no mesmo dia e dirigidas, respetivamente, ao executado e ao seu mandatário foi o primeiro notificado, relativamente à referida penhora, e além do mais, do seguinte modo:
Nos termos do disposto nos artigos 784.º e 785.º do Código de Processo Civil (CPC), fica pela presente notificado para, no prazo de 10 (dez) dias deduzir, querendo, oposição à penhora dos bem(s) identificado(s) em anexo, com algum dos seguintes fundamentos:
a. Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada;
b. Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda;
c. Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência.
(…)
Não sendo deduzida oposição, não havendo fundamento de suspensão ou não sendo paga a dívida, os bens penhorados serão vendidos ou adjudicados, para pagamento da dívida e eventuais créditos que sejam reclamados”.
3.- Na sequência de tal notificação o Executado não reagiu à penhora mediante a prática de qualquer ato processual, nomeadamente, reclamação ou oposição à penhora.
4.- Penhorados os direitos, pelo agente de execução foi ordenada, a 18 de abril de 2023, a sua venda em leilão eletrónico, a decorrer até ao dia 24 de maio de 2023.
5.- Notificado do agendamento do leilão eletrónico, o Executado dirigiu aos autos, a 4 de maio de 2023, o seguinte requerimento:
(…)
O exequente no auto de penhora indica bens que presumivelmente lhe pertencem, que aqui reproduz.
Até à partilha os herdeiros têm apenas o direito a uma quota ou fração ideal do acerco hereditário e não a uma parte específica dos respetivos bens.
O facto de constar no auto de penhora a menção que previsivelmente, pertencem determinados bens, conforme consta do auto, para além de não ter cabimento legal não pode o Sr. A.E., fazer constar tal menção “presumivelmente” ou a presunção que lhe pertenceu determinados bens – AC. TRP 1/07/2021
Pelo exposto, requer-se que o Sr. A.E., seja notificado para corrigir o auto de penhora e suspender imediatamente o leilão eletrónico a decorrer, pelos motivos expostos.
(…)”.
6.- Sobre tal requerimento recaiu o seguinte despacho do Ex.mo Sr. Juiz de Direito titular do processo, proferido a 29 de maio de 2023, alvo deste recurso:
A pretensão do executado não tem qualquer cabimento legal.
Um quinhão hereditário incide sobre uma herança. Uma herança é composta por vários bens. O interesse na aquisição dum determinado quinhão hereditário tem em vista o acervo patrimonial dessa herança. Logo, é de toda a conveniência fazer constar do anúncio do leilão eletrónico bens que constem da relação de bens apresentada quanto à herança em causa. Não se está a afirmar no anúncio que esse quinhão será preenchido com esses bens por ainda não haver partilha.
Custas pelo incidente pelo executado que se fixam em 01 UC, mantendo-se, pois, o ato do agente de execução.
Notifique.
Funchal, data supra certificada”.
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III.II.- Do objeto do recurso
.- Do enquadramento jurídico dos factos
.- O quadro com que nos deparamos neste recurso é o seguinte.
Na presente execução foram penhorados os quinhões hereditários do executado, aqui recorrente, nas heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito de MV e de MM.
No auto de penhora correspondente, o agente de execução, na descrição que nele fez dos direitos penhorados, fez constar expressamente que de tais heranças “previsivelmente faz[iam] parte os bens constantes da participação para efeitos de imposto de selo n.º …, do Serviço de Finanças do Funchal 2 [quanto à primeira] e …, do Serviço de Finanças do Funchal 2 [quanto à segunda]”.
Ou seja, o agente de execução identificou os direitos do executado (os quinhões hereditários) penhorados e, na medida do possível, descreveu os bens que “previsivelmente” os integravam, não detalhadamente, mas por associação às participações efetuadas no competente Serviço de Finanças para efeitos de liquidação do imposto de selo.
O executado, aqui recorrente, partindo do pressuposto de que a que a penhora, por dizer respeito a quinhões hereditários, incide sobre uma quota ideal ou abstrata desses quinhões e não sobre bens concretos e determinados, entende que a referida descrição dos bens que “previsivelmente” integram as heranças é ilegal.
Neste pressuposto, anunciada a venda por leilão eletrónico dos quinhões hereditários em causa, dirigiu aos autos de execução um requerimento visando a correção do auto de penhora e a suspensão imediata do leilão eletrónico em curso, o que foi desatendido por despacho do tribunal a quo.
A questão que importa decidir aqui é, pois, sendo deste despacho que recai o presente recurso, tão singela quanto a de saber se a alusão a bens concretos e determinados que possam integrar uma herança para efeitos de descrição de quinhão hereditário penhorado em execução é ou não admissível à face da lei.
E a resposta a tal questão não pode deixar de ser positiva.
Vejamos.
A respeito da questão decidenda cumpre começar por dizer o seguinte.
O despacho do tribunal a quo recorrido recaiu sobre o requerimento do executado de 4 de maio de 2023, requerimento esse que acima se transcreveu no facto provado n.º 5.
Como decorre da leitura desse requerimento, aquilo que, por via dele, pretendia o executado, aqui recorrente, era que o agente de execução corrigisse o auto de penhora e, consequentemente, que se suspendesse imediatamente o leilão eletrónico então em curso.
Temos, pois, que aquilo que, nesse requerimento, o executado quis atacar foi, não a venda por leilão eletrónico que estava a decorrer, mas o ato de penhora dos seus quinhões hereditários.
É clara nesse sentido a formulação da parte final do requerimento em apreço, quando o mesmo afirma expressamente o seguinte: “Pelo exposto, requer-se que o Sr. A.E., seja notificado para corrigir o auto de penhora e suspender imediatamente o leilão eletrónico a decorrer, pelos motivos expostos” [sublinhado nosso].
Sucede que, como flui dos factos provados, efetuada a penhora dos quinhões hereditários em causa em 16 de maio de 2022 e notificado quer o executado, quer o seu mandatário da mesma por comunicação remetida nesse mesmo dia, incumbia-lhe, discordando, como, pelos vistos, discordava, da penhora realizada, reagir nesse momento contra a mesma.
E reagir, desde logo, pretendendo atacar os próprios fundamentos da penhora, mediante a dedução de oposição à penhora com os fundamentos previstos no art.º 784.º, n.º 1 do CPC e no prazo (10 dias) previsto no art.º 785.º do mesmo código.
Ou então, pretendendo apenas atacar a forma como se processou a penhora, mediante a dedução de reclamação contra a prática de ato não admitido por lei, nos termos e no prazo (de 10 dias) previstos nos art.ºs 195.º e 149.º, este ex vi art.º 199.º do CPC.
O executado, contudo, como resulta do facto provado n.º 3, notificado da penhora, não reagiu à mesma através da prática de qualquer ato processual praticado nos prazos acima referidos, com o que viu precludido o direito de o vir a fazer ulteriormente.
Ao fazê-lo depois de anunciada a venda dos quinhões hereditários através do seu requerimento de 4 de maio de 2023, fê-lo, portanto, de forma extemporânea, aproveitando-se do anúncio da venda dos quinhões para se insurgir contra os termos de ato processual verificado mais de onze meses antes.
A pretensão do executado que mereceu indeferimento por via do despacho recorrido não poderia, pois, só por isto, ser acolhida.
Independentemente do que acaba de ser exposto, nunca a mesma mereceria provimento porque, tal como se referiu no despacho recorrido, não tem cabimento legal.
Vejamos.
Tem razão o Recorrente quando afirma, nas suas alegações de recurso, que os quinhões hereditários penhorados nos autos principais não incidem sobre bens concretos e determinados, mas sobre uma quota ideal e abstrata do acervo hereditário das heranças a que dizem respeito, permanecendo estas ilíquidas e indivisas.
Na verdade, como se refere no Acórdão da Relação do Porto de 01-07-2021, mencionado pelo Recorrente nas suas alegações, “com o acto de aceitação da herança ilíquida e indivisa os herdeiros apenas assumem uma quota ideal e abstracta do todo hereditário, e só com a partilha, ainda que com efeitos retroactivos à abertura da herança, é que cada um dos herdeiros fica a conhecer e obtém a qualidade de sucessor dos concretos bens que lhe foram atribuídos”.
Por conseguinte, ainda que seja “legalmente admitida a penhora do direito a uma herança por partilhar, o que é equivalente a penhora de um quinhão hereditário, ou seja, admite-se a penhora do direito que a esses bens, ainda não determinados nem concretizados, tiver o executado”, já proíbe a lei “a que se proceda à penhora de uma parte especificada de bem indiviso” (Acórdão disponível na internet, no sítio com o endereço www.dgsi.pt).
Trata-se aqui, de resto, de regra que resulta expressamente do art.º 743.º, n.º 1 do CPC, preceito este que, no que aqui interessa considerar, dispõe que na execução movida apenas contra algum ou alguns dos contitulares de património autónomo, não podem ser penhorados os bens compreendidos no património comum ou uma fração de qualquer deles, nem uma parte especificada do bem indiviso.
Nesses casos, a penhora incidirá sobre o direito ideal do executado no património autónomo (i.e., sobre o quinhão), concretizando-se nos termos do art.º 781.º, n.º 1 do CPC, ou seja, mediante a notificação do facto aos contitulares, com a expressa advertência de que o direito do executado fica à ordem do agente de execução, desde a data da primeira notificação efetuada.
A questão é que se o quinhão hereditário não incide sobre uma quota ideal ou abstrata do todo hereditário e não sobre bens concretos e determinados, não só nada obsta, como, pelo contrário, tudo o impele a que, na respetiva penhora, se identifiquem, na medida do possível, os bens que compõem a herança em causa.
Desde logo, para garantir o cumprimento do próprio regime de execução da penhora.
Desta lavra-se, nos termos do art.º 753.º, n.º 1 do CPC, o auto correspondente e desse auto consta, sempre que possível, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 766.º, n.º 1 e 783.º do CPC, o valor aproximado de cada verba, o que, em se tratando de penhora de quinhão hereditário, só pode ser obtido mediante a consideração dos bens que integram a herança.
Depois, operando-se a penhora em vista da venda do direito, para garantir o cumprimento do regime dessa mesma venda.
A venda começa, como decorre do n.º 1 do art.º 812.º do CPC, com a decisão do agente de execução sobre a mesma e tal decisão, nos termos da alínea b) do n.º 2, tem por objeto o valor base dos bens, que, depois, no caso do leilão eletrónico, será anunciado aquando da sua publicitação, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 817.º, n.º 3 e 837.º, n.º 2.
Este valor só pode ser fixado, todavia, com o conhecimento dos bens que integram a herança, pelo que a sua consideração no auto de penhora acaba por ser determinante para a devida realização da venda.
Finalmente, a herança é um património autónomo do qual podem fazer parte bens de diversa natureza, pelo que o quinhão do herdeiro nesse património autónomo, não lhe garantindo por si só um direito sobre algum desses bens, investe-o na expectativa jurídica de vir a adquiri-los na partilha da herança ou, pelo menos, de vir a receber um valor pecuniário correspondente à sua quota.
A penhora do quinhão hereditário e a subsequente venda deste no âmbito da execução, garantindo ao seu adquirente o direito de, na partilha da herança, ocupar a posição que o executado nela detinha, garante-lhe, consequentemente, o direito de vir a adquirir bens que a integram ou, pelo menos, o valor pecuniário correspondente à quota parte do herdeiro.
A menção que, no auto de penhora, possa ser feita aos bens que integram ou potencialmente integram o todo hereditário de que o quinhão hereditário faz parte é, por conseguinte, de todo o interesse para que o potencial comprador possa fundar, livre e esclarecidamente, a sua decisão de adquirir.
Como bem se referiu, a este propósito, no despacho recorrido “o interesse na aquisição dum determinado quinhão hereditário tem em vista o acervo patrimonial dessa herança”, pelo que “é de toda a conveniência fazer constar do anúncio do leilão eletrónico bens que constem da relação de bens apresentada quanto à herança em causa”.
Em suma, a menção dos bens que integram a herança a que pertence o quinhão hereditário penhorado em processo executivo não só não está legalmente vedada, como, pelo contrário, é aconselhável para assegurar os fins da própria execução.
Ora, no caso em apreço foi exatamente isso o que ocorreu.
O agente de execução penhorou os dois quinhões hereditários do executado, aqui recorrente, nas heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito de MV e de MM e foram esses direitos e nada mais, designadamente, os bens que potencialmente integram as heranças, que foram penhorados.
Por outro lado, aludiu aos bens que integrariam essas heranças por associação às participações efetuadas para efeitos de liquidação de imposto de selo no competente Serviço de Finanças, mas fê-lo, não para que se entendesse que tais bens estavam abrangidos pelas penhoras, mas a título informativo ou esclarecedor sobre o universo potencial de bens que podiam constitui-las.
Aliás, o agente de execução caracterizou os bens como aqueles que “previsivelmente” integrariam a herança, o que, além de evidenciar que a penhora realmente efetuada recaiu sobre os quinhões hereditários e não sobre os bens, revela um cuidado acrescido em dar conta de que os bens em causa podem não ser os únicos a integrar as heranças ou até podem não integrá-las de todo.
A menção aos bens em causa não constitui, assim, qualquer vício suscetível de afetar a validade da penhora e, consequentemente, da venda dos quinhões hereditários do executado, aqui recorrente.
E não constituindo qualquer vício, nenhuma censura merece o despacho recorrido, que, em função do que acaba de ser dito, há que manter, com isso se negando provimento ao recurso.
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IV.- Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso de apelação e, consequentemente, confirma-se o despacho recorrido.
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Custas pelo Recorrente.
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Lisboa, 9 de novembro de 2023
José Manuel Correia
Higina Castelo
Inês Moura