Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | RUI POÇAS | ||
Descritores: | FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DESPACHO JUDICIAL BUSCA DOMICILIÁRIA MANDADO VÍCIOS DO ARTº 410º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/08/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | (da responsabilidade do relator): I - A falta ou insuficiência da fundamentação do despacho judicial que autoriza a realização de uma busca domiciliária, por não estar expressamente prevista noutra disposição legal como nulidade, recai na previsão genérica do art.º 123.º do CPP, pelo que tem de ser arguida pelo interessado, pela forma e no prazo previsto na lei, sob pena de ficar sanada. II – Sendo a busca executada por órgãos de polícia criminal, em cumprimento de um mandado judicial, sendo que no momento da sua realização ainda não tinha ocorrido a constituição de arguido, a mesma não se enquadra na noção de um ato judicial nos exatos termos dos artigos 92º, n.º 2 e 64º, n.º 1, alínea d) , 176º e 177º do CPP, pelo que a arguição de irregularidade do despacho de autorização das buscas por falta de fundamentação, em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido imediatamente subsequente, seria tempestiva. III - Não existe um conteúdo pré-definido na lei para o despacho que autoriza a realização de buscas, nem existe qualquer norma paralela à do art.º 141º nº 4 al. d) e e) ou do art.º 194º nº 6 al. a) e b), ambos do CPP, que imponha que ao visado seja dado conhecimento dos concretos factos sob investigação e meios de prova que os sustentam. IV - O despacho que autorizou a busca em apreço está suficientemente fundamentado de facto e de direito, na medida em que recai sobre uma promoção do Ministério Público, na qual se descrevem com maior pormenor os indícios recolhidos, dos quais se conclui pela necessidade de realizar buscas aos espaços na disponibilidade dos arguidos, tendo em vista a apreensão de produto estupefaciente e de outros objetos que se relacionem com o tráfico, permitindo alcançar as razões de facto e de direito que o justificam. V – O despacho que autorizou a busca numa residência sita num edifício dividido em frações, ordenando a passagem de mandados de busca que incluam arrecadações, anexos, caixas de correio e outras dependências fechadas, engloba a garagem fechada situada em piso inferior do mesmo edifício, utilizada em exclusivo pelo arguido, ainda que o acesso ao interior do espaço pelas viaturas seja feito pela rua traseira à da entrada principal do prédio onde se situa a habitação. VI - Os vícios do artigo 410.º, n.º 2 do CPP são vícios da sentença final, pois reportam-se à matéria de facto provada, não se aplicando a outros despachos, como aquele que aplica medidas de coação, em que apenas existe matéria de facto indiciada. Neste caso, a sua sindicância apenas pode ser feita através do regime das invalidades (nulidades ou irregularidades processuais). | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: Relatório No Juízo de Instrução Criminal de Loures, Comarca de Lisboa Norte, foram os arguidos AA e BB sujeitos a primeiro interrogatório judicial de arguido detido, em .../.../2024, na sequência do qual foi proferido o seguinte despacho: «A detenção dos arguidos foi legal, porquanto efetuada em flagrante delito - artigos 255º, número 1, al. a) e 256º, número 1, ambos do Código de Processo Penal. Ademais, foram apresentados em juízo no prazo previsto nos artigos 28º da Constituição da República Portuguesa e 141º do Código de Processo Penal, pelo que vai validada a supra aludida detenção. Ponderados todos os elementos probatórios juntos aos autos, e tendo em conta, conjugadamente, o teor do(a)(s): — autos de detenção e relatório policial; — clichés policiais; — autos de busca e apreensão; — testes rápidos; — autos de exame e avaliação; — cota; — folhas de suporte. — fls. 1962/74,1978/9,4212/3,4212/6, 4241/3» 4244/5,4268/71,4291, — fls. 1975/7, 4272/4 - ficha policial e pesquisa do IMTT, referente a AA e BB. — fls. 1979/80 - pesquisa referente à viatura ligeira de passageiros de marca …, ... Golf com a matrícula ..-..-ZQ — fls. 3217/9 - pesquisa referente à viatura ligeira de passageiros de marca ..., modelo ... com a matrícula AN-..-TU — Das escutas — Apenso 2 e 3. Consignando-se, sem daqui retirar conclusões, o silêncio dos arguidos, com exceção do arguido AA no segmento atinente às suas condições pessoais, profissionais, familiares e financeiras, considera-se fortemente indiciado que: 1 - Desde pelo menos ...de 2023 até à presente data, na área desta comarca, o arguido AA dedica-se à venda a terceiros, revenda e auxílio na venda de produtos estupefacientes, nomeadamente, heroína e cocaína, em contrapartida de quantias monetárias não concretamente apuradas. 2 - Para tal o arguido era ainda responsável pela preparação, divisão e armazenamento do produto estupefaciente. 3 - Desde pelo menos ... de 2024 até à presente data, na área desta comarca, o arguido BB dedica-se - designadamente ao arguido AA, à venda de produtos estupefacientes, nomeadamente, heroína e cocaína, em contrapartida de quantias monetárias não concretamente apuradas. 4 - O arguido AA, desde pelo menos... de 2023 até à presente data, cartão ... (alvo 131662040), nos telemóveis com o IMEI ... (alvo 131662050) e ... (alvo 131662051). 5 - O arguido BB, desde pelo menos ... de 2023 até à presente data o cartão ... (alvo 137066060), nos telemóveis com o IMEI ... (alvo 131662050) e ... (alvo 131662051). 6 - Na prossecução desta atividade e tendo em vista a iludir as autoridades policiais e a dificultar a sua deteção, os arguidos trocavam sistematicamente de números de telemóvel e de aparelhos telefónicos utilizando estes n.os de telemóvel para contactar entre si e com os consumidores, normalmente, muitas vezes através das redes sociais como o ínstagram, “WattsApp”, “Messenger", "Signal”, para acertarem os preços e as quantidades de produto estupefaciente a transacionar através de linguagem codificada e um discurso curto. 7 - No dia ... de ... de 2024, na residência sita na Rua ..., o arguido AA na sua posse: — Em cima de uma cómoda, mais concretamente no interior de uma bolsa em tecido de cor preta, da marca “...”, um saco hermético contendo vários pedaços de produto que após despistagem toxicológico, resultou tratar-se de Ecstasy com o peso total de 0,73 grs; — 860€, valor fracionado em 2x100€, 13x50€, 1X10€; — 670€, valor fracionado em 3x50€, 2x20€ e 12x10€; — Duas chaves, respeitantes à viatura ligeira de passageiros de marca ..., modelo ...com a matrícula AN-..-TU; — no interior do guarda fatos, a quantia monetária de 3.500€, valor fracionado em 33x100€ e 1x100€; — no interior de uma meia de cor preta foram localizadas e apreendidas, 12 (doze) munições por deflagrar, calibre .32H&R Mag; — No WC do quarto do visado, em cima do lavatório da casa de banho, foi localizado e apreendido um telemóvel de marca ..., ... 24 ultra com o IMEI ... e cartão/SIM - ..., que se encontrava intercetado e identificado como alvo 131662051 e 131662040, respetivamente - apenso 2. No interior da garagem n.º …, sita na ..., de que o arguido AA é usufrutuário e único utilizador: — Viatura ligeira de passageiros de marca ..., ... A com a matrícula AN-..-TU e respetiva documentação; — Em cima de uma prateleira, dentro de um saco de pano cor rosa, foi localizado e apreendido, um saco transparente que continha um produto que após despiste toxicológico, resultou tratar-se de produto indeterminado com o peso total de 358,78 grs; — um saco de plástico transparente contendo no seu interior "meia placa” de um produto, que após despistagem toxicológica, resultou tratar-se de Cocaína com o peso total de 515,10 grs; - um saco transparente contendo um produto que após despistagem toxicológica, resultou tratar-se de Heroína com o peso total de 242,55 grs; — Em cima de um sofá, mais concretamente no interior de um saco de ráfia de compras, foi localizado e apreendido um saco transparente contendo um produto que após despistagem toxicológica, resultou tratar-se de Heroína com o peso total de 88,18 grs; — Em cima de uma prateleira do lado direito da garagem, mais concretamente no interior de uma saco de viagem em pele de cor castanha, foi localizado e apreendido, um saco transparente contendo um produto que após despistagem toxicológica, resultou tratar-se de produto indeterminado com o peso total de 531,69 grs; — Um saco hermético metalizado contendo no seu interior, um outro saco transparente, contendo um produto que após despistagem toxicológica, resultou tratar-se de produto indeterminado com o peso total de 922,59 grs; — Um saco transparente contendo no seu interior um produto que após despistagem toxicológica, resultou tratar-se de produto indeterminado com o peso total de 12,80 grs; — Um saco transparente contendo no seu interior um produto que após despistagem toxicológica, resultou tratar-se de Cocaína com o peso total de 4,43 grs; — Um saco transparente contendo no seu interior um produto que após despistagem toxicológica, resultou tratar-se de Heroína com o peso total de 12,51 grs; — Um saco transparente contendo no seu interior um produto que após despistagem toxicológica, resultou tratar-se de Heroína com o peso total de 15,85 grs; — Um saco transparente contendo no seu interior um produto que após despistagem toxicológica, resultou tratar-se de Heroína com o peso total de 3,63 grs; — Um saco transparente contendo no seu interior um produto que após despistagem toxicológica, resultou tratar-se de Heroína com o peso total de 1,94 grs — Uma balança digital de cor bordeaux, de marca "QILIVE”, com pesagem desconhecida, em funcionamento e contendo resíduos de produto estupefaciente; — Uma balança de precisão de cor cinzenta e de marca "QBAK" com pesagem entre as 0.1 e as 100 gramas, em funcionamento e contendo resíduos de produto estupefaciente; — Uma caixa em plástico de cor laranja, própria para alojar munições, contendo no seu interior 50 munições por deflagrar de calibre .22CCJ MaxiMag; — Duas facas de cozinha em Inox, contendo resíduos de produto estupefaciente; — No interior de uma caixa de sapatos de marca “...”, foram localizados e apreendidos; — Um revólver prateado, de marca ..., com 0 número de série..., calibre 22 Magnum com platinas em madeira castanha - que constava como furtado desde ........2013 - junto de anexa auto de notícia NUIPC 70/13.1PEOER. — Uma arma de fogo semiautomática, de marca ..., modelo..., com 0 número de série ..., calibre 9 mm; — Dois carregadores próprios de arma de fogo, contendo alojadas várias munições por deflagrar calibre 9 mm, que não foram contabilizadas por terem sido preservadas para lofoscopia; — Uma caixa em cartão de cor preta e azul, própria para alojar munições, contendo no seu interior 50 munições por deflagrar de calibre 9 mm de marca “...”; — Uma caixa em cartão de cor preta e azul, própria para alojar munições, contendo no seu interior 7 munições por deflagrar de calibre 9 mm de marca "..."; — Uma caixa em plástico de dourado, própria para alojar munições, contendo no seu interior 20 munições por deflagrar de calibre 9 mm de marca "..."; — Uma caixa em cartão de cor cinzenta, própria para alojar munições, contendo no seu interior 13 munições por deflagrar de calibre .32 H&R Mag; — Quarenta e seis munições por deflagrar de calibre 380 Auto Win; — Cinco munições por deflagrar de calibre .22 Long; — Três munições por deflagrar de calibre 380 Auto G.F.L.; — Uma munição por deflagrar de calibre 380 Auto PPU; — Um moinho de cozinha de marca “...", ... …, com resíduos de estupefaciente/heroína, remetido para análise toxicológica; — No chão da garagem, mais concretamente no interior de um saco de ráfia de cor vermelha, foi localizado e apreendido, uma tesoura com o cabo em plástico de cor preta e vermelha, com resíduos de estupefaciente; — uma faca de cozinha com 0 cabo em plástico de cor verde, com resíduos de estupefaciente; — Dois rolos de sacos plásticos transparentes; — Dois rolos de fita cola de cor castanha; Em cima da caixa do contador da electricidade, foi localizado e apreendido, uma faca de cozinha de serrilha de cabo preto, com resíduos de estupefaciente; — uma chave de fendas com cabo em madeira de cor vermelha, com resíduos de estupefaciente; Uma tábua de cozinha, com resíduos de estupefaciente, artigos remetidos para análise toxicológica; — No chão da garagem, mais concretamente no interior de um saco plástico de lixo de cor preta, foram localizados e apreendidos, 10 embalagens em formato circular, com o seu interior em saco plástico transparente marcado com fita de cor verde, que supostamente acondicionaram heroína atendendo aos resíduos ainda existentes; — Três embalagens em formato rectangular, envoltas em fita cola de cor castanha, que supostamente acondicionaram heroína atendendo aos resíduos ainda existentes; — Seis invólucros em formato quadrado, com o seu interior em saco plástico transparente, que supostamente acondicionaram heroína atendendo aos resíduos ainda existentes; — Duas embalagens rectagulares cortadas a meio (respeitante a uma embalagem de kilograma de cocaína); — Quatro embalagens circulares em formato de bola, que supostamente terão acondicionado cocaína atendendo aos resíduos ainda existentes; — Um autocolante com a inscrição “XBOX”, que nos parece fazer parte da embalagem com fita de cor preta respeitante a um quilograma; — Um saco hérmetico rectagular cortado a meio; — Um saco hérmetico rectangular prateado; — Vários sacos em plástico transparentes, que supostamente terão acondicionado heroína atendendo aos resíduos ainda existentes; — Uma embalagem transparente contendo um produto que após despistagem toxicológica, resultou tratar-se de Heroína com o peso total de 1,44 gramas; — Vários sacos do lixo de cor lilás; — Uma embalagem em papel químico de cor preta; — No chão da garagem, foi localizado e apreendido, uma forma metálica construída artesanalmente de cor cinzenta; — Uma forma metálica construída artesanalmente; — Uma forma metálica construída artesanalmente de cor cinzenta, maior; — Uma forma metálica construída artesanalmente; — Uma prensa hidrálica artesanal, constituída por estrutura em metal pintada de cinzenta; — Uma prensa hidrálica artesanal, constituida por estrutura em metal pintado de cinzenta; — Um macaco hidrálico de cor vermelha, de marca “...", compressão de 32 toneladas e respectiva alavanca; - Um macaco hidrálico de cor vermelha de marca “...", compressão de 12 toneladas e respectiva alavanca; - Um macaco hidrálico de cor preta, de marca “...", compressão de 20 toneladas e respectiva alavanca; — Uma chave inglesa cabo preto de marca ...; — Uma chave fendas com cabo em plástico de cor preto; 8 - No dia ... de ... de 2024, na residência sita na Rua ..., o arguido BB na sua posse: — Em cima do parapeito da janela, um saco hermético de cor cinza, contendo no seu interior um pedaço de saco de plástico com uma substância que depois de ser sujeita a teste toxicológico, determinou tratar-se de cocaína, com o peso de 142,99 grs.; — Um saco hermético transparente com uma substância que depois de ser sujeita a teste toxicológico, determinou tratar-se de heroína, com o peso de 151,09 grs; — Ainda no quarto, a primeira gaveta da mesa de cabeceira, foi localizado e apreendido uma balança de marca “...", em funcionamento, desde 5 Grs/5 e5 Kg; — 900€, valor fracionado, 18x50€. 9 - Os produtos estupefacientes, que acima se descreveram, que os arguidos detinham eram por si destinados à sua cedência a terceiros a título oneroso. 10 - Os arguidos destinavam todos os objetos que detinham na sua posse e acima se descreveram para serem utilizados na atividade de cedência a terceiros dos produtos estupefacientes em causa. 12 - As quantias em dinheiro detidas pelos arguidos, nos termos supra indicados, eram única e exclusivamente produto dessa atividade. 13 - Os arguidos conheciam as características estupefacientes dos produtos que adquiriram e detiveram para venda, e que efetivamente transportaram, guardaram, venderam, entregaram a terceiros e que destinavam a ceder a terceiros a troco de dinheiro e com intenção de obter lucro. 14 - Os arguidos conheciam os efeitos nefastos para a saúde humana dos produtos estupefacientes por si guardados, transportados, cedidos a terceiros e/ou detidos. 15 - Ao arguido BB não é conhecida qualquer atividade licita. 16 - Os arguidos sabiam que é penalmente proibido guardar, adquirir, transportar, vender, ceder ou entregar a terceiros, como fizeram, ou por qualquer meio deter como detinham, nas circunstâncias acima descritas e para o efeito a que os destinavam, produtos estupefacientes da natureza e com as características especificadas, tanto mais que não tinham autorização legal para o efeito, e, não obstante, quiseram e agiram do modo descrito, de modo a obter vantagens económicas, como obtiveram, que bem sabiam não lhes serem devidas. 17 - Os arguidos ao agirem da forma descrita, fizeram-no com o propósito de proceder à venda/cedência a terceiros de produto estupefaciente, designadamente, heroína e cocaína, como lograram através das várias vendas/cedências a terceiros que efetivaram. 18 - O arguido AA não era titular de autorização administrativa para deter as referidas armas e munições, sendo conhecedor das características das mesmas e sabedor que a não poderia ter consigo. 19 - Agiram os arguidos em tudo e sempre de forma livre, deliberada e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal. * No que toca à convicção do tribunal sobre a factualidade supra discriminada, avaliando o teor das buscas, apreensões, vigilâncias, intercepções telefónicas, acima identificadas, e resultado sobretudo, mas não exclusivamente, das apreensões, basta atentar nas características dos objectos apreendidos, e, uma breve reflexão sobre a quantidade, diversidade e qualidade do estupefaciente apreendido aos arguidos, dos demais objectos e das quantias monetárias em dinheiro, encontradas em seu poder, para concluir como por demais evidenciados fortes indícios da prática de todos os factos que lhes são imputados. Reflita-se que o arguido AA detinha, cerca de 5.000€ em notas em seu poder, quantia invulgarmente detida em dinheiro por qualquer cidadão a menos que destinada a pagamento especifico, menos ainda quando se encontra separada em diferentes quantias e locais, e por fim, incompatível com os rendimentos declarados pelo arguido à AT ou na presente diligencia - desconformes também entre si. Acresce a esta quantia, diferentes qualidades de estupefaciente, embalado de forma organizada e em embalagens separadas, correspondente, nada mais, nada menos, que a cerca de 2.591 doses de cocaína e 3.641 doses de heroína, por referência ao padrão fornecido pela portaria 96/94, ao que acresce quantia residual de extasy, e os demais objectos elencados, claramente conexos ou relacionáveis com a actividade de venda de estupefacientes. A estes objectos juntam-se ainda 149 munições de diferentes calibres, e duas armas de fogo proibidas. Não há como negar a evidencia de que qualquer cidadão que detém esta diversidade e quantidade de estupefaciente os destina a venda, dedicando-se a tal actividade com regularidade. Afirmar o contrário significa um atentado aos mais elementares juízos de experiência comum. Tal raciocínio serve também a convicção do tribunal relativamente ao arguido BB, ainda que a quantidade dos estupefacientes e a quantia monetária detidos seja inferior, mantendo-se, porém, ainda, longe do conceito insipiente (cf. o equivalente a cerca de 710 doses heroína, e a cerca de 1500 doses de cocaína, e 900€ em quantia monetária - detenção também desconforme com a ausência de rendimentos encontrados ao arguido). De resto, abstraindo agora das apreensões efectuadas, os diálogos interceptados aos arguidos, reconduzíveis a linguagem codificada referenciando encontros e “unidades" - cf. “(...) quer só 1, queres mais 1...” - manifestamente compatíveis com a negociação de venda de estupefacientes, especialmente depois de conjugada com a quantidade de estupefaciente encontrado na posse de ambos; ou, quanto ao arguido BB, podendo referir-se a titulo exemplificativo e complementar do raciocínio indiciário já indicado, o resultado das vigilâncias efectuadas das quais se extrai a observação do arguido numa vulgarmente designada “troca de mãos”, compatível com a compra e venda de estupefaciente a terceiro e contactos subsequentes com co arguido AA. Lembra-se por fim, que nesta fase processual a prova a apreciar é indiciária, conceito manifestamente distinto da “prova incondicional” a que a defesa fez referência, e que se reconduz a uma aparência qualificada da ocorrência dos factos. Face ao exposto, e, excepcionando apenas o art.º 15º do requerimento do MP, no segmento atinente ao arguido AA, dado 0 conteúdo da declaração de rendimentos entregue neste acto, consideram-se fortemente indiciados os demais factos. Aderindo à qualificação jurídica consignada pelo Ministério Publico, nenhuma duvida se suscita, face aos indícios apurados de que são susceptíveis de fazer incorrer os arguidos na prática de: -1 (um) crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21.º e 24.º, alínea c) do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I- A, I B e ll-A (arguido AA), anexas ao aludido diploma legal, e, bem assim, aos artigos 14.0 e 26.0, ambos do Cód. Penal. E o arguido o AA na prática, na forma consumada, em autoria material, em concurso efectivo: - um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro (arma classe B) - um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro (arma classe B1); - um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro (munições). * Pressuposto da aplicação de qualquer medida de coacção, é a indiciação - ou forte indiciação em certos casos - da prática de factos tipificados pela lei como crime (“fumus comissi deliti”). Sabido é também que a aplicação de medidas de coacção que não sejam o Termo de Identidade e Residência depende da verificação da existência de: a) Fuga ou perigo de fuga; b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou, c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas. Circunstâncias estas conhecidas por “pericula libertatis”. No caso concreto, o tipo de crime em causa, os elevadíssimos ganhos que proporciona, aliás evidenciados pelas elevadas quantidades de estupefaciente detido por ambos, especialmente pelo arguido AA, com o consequente e proporcional ganho que representam, o lapso de tempo pelo qual perdura indiciariamente tal actividade, mais elevado quanto ao arguido AA mas também expressivo quanto ao arguido BB (suficiente para se concluir que não se trata de actividade pontual mas reiterada), a circunstancia de o arguido AA aparentemente ser titular de rendimentos e tal não o impedir de praticar os factos indiciados e o desconhecimento de rendimentos ao arguido BB demonstra fortíssimo perigo de continuação da actividade criminosa. Cientes de que nenhum cidadão detém centenas e/ou milhares de doses individuais de estupefaciente, sem que lhes cheguem num contexto mais ou menos organizado, de compra e venda, porquanto, afirmar o contrário corresponderá a um atentado aos mais elementares juízos de razoabilidade, é manifesto, ainda que a investigação já perdure há bastante tempo, que ante a consciência da pendência destes autos, seja os arguidos, seja os demais elementos que obrigatoriamente com estes interagem na execução da conduta indiciada, procurem dissipar ou sonegar outros elementos de prova, designadamente os atinentes a outros envolvidos, existindo, consequentemente, forte perigo de perturbação do inquérito. O tipo de criminalidade indiciada - considerada criminalidade altamente organizada (cf. art.º 1º, alínea m) do CPP) - e as consequências desta actividade, seja directamente na saúde publica, seja no incremento da criminalidade que se lhe encontra associada (essencialmente contra o património), evidenciam forte perigo de perturbação da tranquilidade publica. Como se sabe, a escolha das medidas de coacção a aplicar deve ser norteada pelos princípios da necessidade e da proporcionalidade, quer isto dizer, que não deve ser aplicada medida mais grave que a que, no caso concreto, for apta a debelar os perigos que se verificarem. Por outro lado, é de levar em conta também que as medidas de coacção a aplicar devem ser escolhidas tendo em conta a pena que previsivelmente virá a ser aplicada ao arguido. Mais, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação apenas devem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção. Face à quantidade e qualidade do estupefaciente detido, e demais objectos e bens conexos com tal actividade, ao lapso de tempo pelo qual os arguidos indiciariamente se dedicam a esta actividade, referindo-se de forma residual o contacto pontual do arguido AA com o sistema penal (condenado pela pratica de crime de condução de veiculo em estado de embriagues), a ausência de rendimentos conhecidos ao arguido BB e a circunstancia de os rendimentos conhecidos ao arguido AA não o terem impedido de praticar as condutas indiciadas, tudo associado ao elevado desvalor das condutas indiciadas por referencia ao tipo de crime em causa, aponta, face às elevadas quantidades de estupefacientes envolvidos e consequentes ganhos associados, para a probabilidade de lhes vir a ser aplicada pena privativa de liberdade, em caso de condenação. Por outro lado, e ponderando o exposto, o afastamento dos arguidos da liberdade surge como única medida adequada a evitara concretização dos perigos identificados. Face à criminalidade indiciada é manifestamente, entende-se como liminarmente afastada a adequação da medida de coacção prevista no art.º 201º do CPP, porquanto, grande parte dos factos indiciados foram e seguramente continuariam a ser praticados nas residências dos arguidos. Pelo exposto, e atendendo ao disposto nos artigos 191º a 194º, 196º, 204º, alíneas b) e c), 200º, n.º 1, alínea d) e 202º, n.º 1, alínea c), todos do Código de Processo Penal, com referência aos artigos acima referidos que tipificam os ilícitos penais imputados aos arguidos, decide-se aplicar-lhes as seguintes medidas de coacção: a) Termo de Identidade e Residência, previsto no artigo 196º do Código de Processo Penal, já prestado; b) Proibição de contactos por qualquer meio entre si ou com as testemunhas que venham a ser identificadas nos autos; c) Prisão preventiva. Cumpra o disposto no art.º 194º, n.º 10 do CPP. Passe mandados de condução dos arguidos ao EP Comunique ao EP e ao TEP. Notifique, e, de seguida, remetam-se os autos ao Ministério Publico, para prosseguimento do inquérito». * Inconformado, recorreu o arguido AA, formulando as seguintes conclusões: a) «I - O despacho de fls. 4444, que determinou a realização de buscas domiciliárias encontra-se ferido de nulidade ou irregularidade, por falta de fundamentação. II - Não especificando o despacho que autoriza a realização de busca domiciliária ao Recorrente os motivos de facto já disponíveis nos autos que permitiam suspeitar que pudessem ser encontrados objetos relacionados com a prática de algum crime, deve o mesmo ser declarado nulo, nos termos do artigo 379º, n.ºl, alínea a) do C.P.P. Sendo certo que, mesmo que se considerasse que não estávamos perante uma Nulidade, mas apenas uma mera irregularidade, nos termos do artigo 123º do C.P.P. sempre a mesma se considera invocada em tempo. III - O Tribunal a quo violou o artigo 205º da Constituição da República Portuguesa, bem como os artigos 152º do C.P.C. e 97º, n.º 5 do C.P.P. IV - Sempre serão inconstitucionais os artigos 123º e 174º do C.P.P. quando interpretados no sentido de que está o Arguido, desacompanhado de advogado, obrigado a suscitar a irregularidade de uma busca domiciliária, nomeadamente, por falta de fundamentação do despacho que a decreta, no próprio ato. Tal interpretação sempre seria claramente violadora dos artigos 2º, 20º e 32º, todos da Constituição da República Portuguesa. Inconstitucionalidade que, por dever de patrocínio, desde já se invoca. b) V - Como acima tivemos oportunidade de referir o despacho que autoriza a busca domiciliária á residência do Recorrente não contém quaisquer factos suscetíveis de enquadrar a necessidade de levar a cabo a referida busca domiciliária. VI - O Artigo 174º do C.P.P. é claro ao determinar que "Quando houver indícios de que...'', ora, no caso sub judice o despacho que decreta a realização de busca á residência do Recorrente não apresenta um único indício de que na sua habitação sejam guardados objetos relacionados com a prática de crimes. VII - No caso sub judice, não constando do despacho que autorizou a busca domiciliária ao Recorrente "... uma suspeita baseada numa fundamentação plausível assente em indícios objetivos", a mesma viola o princípio da necessidade e proporcionalidade, consubstanciando uma prova proibida nos termos do artigo 126º, n.º 3 do C.P.P. VIII - Sendo certo que sempre serão inconstitucionais os artigos 177º e 126º, n.º 3 do C.P.P. quando interpretados no sentido de que é válida uma busca domiciliária quando o despacho que a autorizou não apresenta qualquer indício de que aí se encontrem objetos relacionados com a prática de um crime. Tal interpretação é violadora do artigo 34º da Constituição da República Portuguesa. c) IX - Conforme acima se referiu a fls. 4438 dos autos consta uma promoção do Ministério público datada de 18/09/2024 onde se refere, nomeadamente o seguinte: "O Ministério Publico, vem nos termos do disposto nos artigos 174. º, números 2 e 3, 176. º, 177.0 n.º 1, 178. º, 269. º, n. º 1, ai. c), todos do Cód. Proc. Penai, e artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-lei n.ç 15/93 de 22 de Janeiro requerer que se digne autorizar a busca. AA - Rua ... - Garagem n.º ..., sito na ...." X - Em 19/09/2024, a fls. 4444, a Senhora Juíza de Instrução Criminal proferiu despacho nos seguintes termos: "Por se revelar um meio essencial para obtenção da prova, e, assim, para a descoberta a verdade, não se vislumbrando outro meio de obtenção de prova menos gravoso, capaz de obter os elementos de prova pretendidos, ao abrigo do preceituado nos artigos 174.º , n.º 1, 2, 3 e 4, 176.º, 177.º, 178.º números 1 e 3, 179.º, n.º 1, 187.º, n.º 1, al.c), n.º 4, ai. a) e 269.º, n.º 1, al. c) todos do Cód. Proc. Penal determina-se a realização de busca, se necessário com arrombamento, às residências sitas na: - Rua ... - Rua ... Passe Mandados de busca que incluam arrecadações, anexos, caixas de correio e outras pendências fechadas, aos quais irá agravado cópia do presente despacho." XI - A Senhora Juíza de instrução Criminal, ao contrário do solicitado na Promoção do Ministério Público deixou de fora do seu despacho a Garagem n.º ..., sito na .... XII - A "Garagem n.º ..., sito na ...", não está afeta ao Recorrente. XIII - Acresce que o despacho de autoriza a busca á residência do Recorrente, para além de não ter autorizado a busca levada a cabo na "Garagem n.º ..., sito na ....”, também não deu autorização a que fossem efetuadas buscas em qualquer garagem. XIV - Acresce, ainda, que a garagem onde foi apreendido o que vem descrito no artigo 7º da matéria indiciária, não pertence ao Recorrente, nem faz parte da sua fração. XV - Conforme resulta da certidão permanente que se anexa a Garagem afeta á fração C, corresponde ao 1º andar esquerdo, sito na Rua ... é a que se situa na cave do edifício com o número 3 e não com o n.º .... XVI - Assim a busca efetuada á garagem Garagem n.º ..., sito na ..., não fazendo parte da fração ocupada pelo Recorrente configura prova proibida, nos termos do artigo 126º, n.º 3 do C.P.P., a qual assim deve ser declarada. d) XVII - Refere o despacho em crise, no que aos elementos do processo que indiciam os factos imputados, o seguinte: "Para além da prova já indicada ao longo da apresentação, para a qual se remete, estribam-se igualmente nos seguintes elementos: Das buscas, a fls. - autos de detenção e relatório policial; - clichés policiais; - autos de busca e apreensão; - testes rápidos; - autos de exame e avaliação; - cota; - folhas de suporte. - fls. 1962/74, 1978/9, 4212/3, 421 2/6, 4241/3, 4244/5, 4268/71, 4291; - fls. 1975/7, 4272/4 - ficha policial e pesquisa do IMTT, referente a AA e BB. - fls. 1979/80 — pesquisa referente à viatura ligeira de passageiros de marca …, ... com a matrícula ..-..-ZQ - fls. 3217/9 — pesquisa referente à viatura ligeira de passageiros de marca ..., ... com a matrícula ..-..-TU; - Das escutas - Apenso 2 e 3” XVIII - O despacho em crise faz referência, nomeadamente, a alegadas escutas telefónicas sem que as mesmas se mostrassem minimamente identificáveis. XIX - Mas, como se isso não bastasse, para fundamentar a aplicação ao Recorrente da medida de coação de prisão preventiva, o Tribunal a quo, ao longo da sua fundamentação, vai fazendo referência a essas alegadas escutas telefónicas. XX - Acontece, porém, que, quer o despacho de apresentação, quer depois o despacho de aplicação de medidas de coação, limita-se apenas e só a referir "Das Escutas", sem qualquer outra identificação; XXI - Não são indicadas quaisquer sessões, em concreto, dias, meses, anos, ou até alvos, rigorosamente nada. Torna-se, portanto, impossível ao Recorrente exercer um efetivo contraditório. XXII - Por esse motivo, em sede de 1º interrogatório judicial de arguido detido, o Recorrente suscitou, nos termos do artigo 123º do C.P.P. a irregularidade do referido despacho, o que fez como segue: Acresce que, XXIII - Ressalvados os pontos 4º, 5º, 7º (Iª parte) e 8º da matéria indiciária todos os restantes pontos deveriam ser dados como não escritos, estamos perante matéria conclusiva que não encontra qualquer sustentação em matéria factual. XXIV – Analisando toda a matéria indiciária comunicada ao recorrente constatamos que, até ao dia ... de ... de 2024, não se mostra identificado um único acontecimento da vida real. XXV - Com efeito, o Ministério Público não indica um único facto que pudesse permitir concluir que o Recorrente "... dedica-se à venda a terceiros, revenda e auxílio na venda de produtos estupefacientes, nomeadamente, heroína e cocaína, em contrapartida de quantias não concretamente apuradas." XXVI - Ora, nos termos do artigo 141º, n.º 4, alínea d), o Recorrente deveria ter sido informado "Dos factos que lhe são concretamente imputados, incluindo, sempre que forem conhecidas, as circunstâncias de tempo, lugar e modo; XXVII - No caso sub judice o Recorrente, para além de não ter sido confrontado com quaisquer provas concretas, não foi, igualmente, confrontado com factos mas apenas com considerações e juízos de valor, não sindicáveis em factos concretos. XXVIII - Assim, é evidente que o despacho proferido pelo Tribunal a quo padece de manifesta nulidade, nos termos do artigo 379º, n.º 1, alínea c) do C.P.P., ou irregularidade, nos termos do artigo 123º do C.P.P., a qual foi arguida em tempo. XXIX - Por questões de economia processual damos aqui integralmente reproduzido o que acima se deixou escrito, pelo que os pontos 1º, 2º, 3º, 6º, 9º a 17º, devem ser retirados da matéria indiciária. XXX - Quanto ao ponto 7º, 2ª parte: "No interior da garagem n.º…, sita na ..., de que o arguido AA é usufrutuário e único utilizador:" Como acima tivemos oportunidade de referir o interior da garagem n.º …, constitui uma zona comum dos condóminos e não uma zona afeta em exclusivo a um morador. XXXI - Acresce que a garagem afeta ao imóvel que o Recorrente ocupa sito na Rua ..., corresponde ao n.º…, situa-se na cave (Vide doc. 1) e encontra-se arrendada a terceira pessoa. XXXII - Assim, nunca poderia o Tribunal a quo considerar indiciado que o Recorrente é usufrutuário e único utilizador do "interior da garagem n.º …, sita na ...." XXXIII - Assim, deveria o ponto 7º, 2ª parte referir que se mostrava unicamente indiciado: "No interior da garagem n.º…, sita na ...:" XXXIV - Os presentes autos apresentam graves lacunas ao nível da investigação. A liberdade de uma pessoa não pode ser comprometida com base neste tipo de processos e investigações. XXXV - O Arguido não tem averbado no seu registo criminal a prática de qualquer crime, encontra-se social e familiarmente inserido. XXXVI - Associando o facto de que não tem averbado no seu registo criminal a prática de qualquer crime, como facto de que se encontrava empregado, pelo que possui, por isso, uma fonte de rendimentos lícita, fica, desde logo, afastado qualquer perigo que pudesse existir de continuação da atividade criminosa. XXXVII - No caso Sub Júdice a aplicação ao arguido da medida de coação de prisão preventiva é manifestamente desproporcional e desadequada, em face até das dúvidas suscitadas sobre a existência ou não do domínio sobre o local onde foi apreendido o produto estupefaciente. A certidão predial junta aos autos demonstra, claramente que a garagem afeta á residência do Recorrente tem o n.º 3 e não o n.º .... XXXVIII - No caso sub judice, mesmo que o Tribunal a quo considerasse que ao Arguido deveria ser aplicada uma medida de coação privativa da liberdade, o que por mera hipótese académica se admite, então deveria o mesmo ficar sujeito a OPHVE. XXXIX - Em face de tudo o que ficou exposto e presentes que são, por um lado, os princípios da excecionalidade, da adequação e da proporcionalidade, Artigos 28º, n.º 2 e 193 do CPP, da medida de coação de prisão preventiva, e por outro que “cumpre…rodear de todas as cautelas necessárias e razoáveis a aplicação de uma medida que incide sobre cidadãos que se presumem inocentes e que reveste uma gravidade extrema" afigura-se-nos por adequada e proporcional a medida de coacção de obrigação de apresentações periódicas semanais Artigo 198º do C.P.P. ou caso se entenda que e de aplicar ao arguido medida privativa da liberdade,, o que por mero dever de patrocínio se admite, então deve ser-lhe aplicada a medida de coação de "Obrigação de Permanência na Habitação", artigo 201º do C.P.P. XL - Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou os artigos 26º, 27º, do Código penal, 21º do Decreto Lei nº 15/93 e 192º, 193º, 202º, 204º do Código de Processo penal e bem assim os artigos 28º e 32º da Constituição da República Portuguesa». * Também o arguido BB recorreu, formulando as seguintes conclusões: «1 - O presente recurso versa sobe o Despacho de 18OUT2024 (ref.ª 162575671), o qual decide sobre a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva ao arguido BB. 2 - O Despacho recorrido deu como fortemente indiciada a prática pelo ARGUIDO de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo 21º e 24º c), do DL 15/93 de 22JAN, por referência à Tabela I-A, I-B e II-A, anexa ao mesmo diploma. 3 - Impondo-se decisão diversa porquanto se constata: A) – CRIME DE TRÁFICO AGRAVADO (art.º 21º do DL 15/93 de 22JAN): insuficiência dos indícios e errado enquadramento da factualidade no tipo de crime do art.º 21º em detrimento do tipo do art.º 25º (tráfico de menor gravidade), e violação dos art.ºs 191º, 192º, 193º, 202º e 204º, todos do CPP, por falta de fundamentação e ausência de elementos concretos de facto que suportem os perigos que sustentam a prisão preventiva e, consequentemente, por não se verificarem reunidos os pressupostos, quer formais, quer materiais, subjacentes à determinação da medida de coacção de prisão preventiva, em razão da sua desadequação, desproporcionalidade e desnecessidade e, por conseguinte, na necessidade de aplicação de outra medida de coacção menos gravosa, que ao caso do Arguido caberá por mais adequada, proporcional e efectivamente necessária. 4 - A única factualidade que é imputada ao BB é a que consta dos artigos 3º, 5º e 8º do Despacho recorrido. 5 - O exarado no artigo 3º como factualidade, a mesma é imprecisa, vaga e indeterminável, e o Despacho recorrido nada concretiza, nem quanto às circunstâncias exactas da ocorrência, por referência ao um concreto produto estupefaciente, sua quantidade, qualidade e características. 6 - Sendo que no resto do Despacho recorrido também não se encontra identificada ou narrada qualquer concreta situação da actividade de tráfico. 7 - Fica por apurar o quando, onde, como, o quê, que produto estupefaciente, quantidade, grau de pureza, de que modo, em que circunstâncias, com quem, a quem. 8 - O Aresto recorrido aceitou como bons os termos constantes exarados nos artigos 6º, 9º, 10º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º, 17º, 19º, mas os ditos termos constituem tão somente premissas singelamente conclusivas e desprovidas de qualquer descrição de circunstâncias. 9 - Do texto referido nos mencionados artigos do Despacho não resulta qualquer factualidade concreta que permita ser enquadrada no tipo de crime de tráfico de estupefacientes. 10 - Assim, há insuficiência da matéria de facto, para efeitos do art.º 410º n.º 2 al. a) CPP, quando não se apura qual o produto estupefaciente, que quantidade e que concreta intervenção tiveram os arguidos quer na alegada aquisição, transacção, transporte, destino. 11 - De igual modo, há insuficiência da matéria de facto quando ficam por apurar os factos concretos com base nos quais se diz que o Arguido cometeu o crime de tráfico de estupefacientes bem como ainda fica por apurar qual o animus subjacente à conduta do arguido, designadamente, era de aquisição, de cedência, de posse de produto estupefaciente, ou que outra forma? 12 - O Aresto recorrido encontra-se inquinado, por insuficiência da matéria de facto para a forte indiciação pelo crime imputado ao BB. 13 - O Tribunal a quo lavrou fora de rego e errou na apreciação dos elementos e prova que importavam, errando também na subsunção jurídica. 14 - Os elementos de prova enunciados pelo Tribunal a quo não se mostram suficientes para sustentar a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva. 15 - → Autos de detenção e relatório policial; - O auto de notícia por detenção não traz nem acarreta qualquer indício da prática de um qualquer crime de tráfico de estupefacientes, e muito menos na forma agravada, pois trata-se singelamente do expediente processado por força da detenção levada a cabo por OPC. - Quanto ao relatório policial, o mesmo não tem nem pode ter a valia processual ou legal que o Tribunal a quo lhe atribui. O dito relatório não merece consignação legal como meio de prova. E o que nele vem exarado sempre deverá ser suportado por prova diversa, nomeadamente, os competentes documentos. E na falta destes, o relatório não se lhes poderá substituir. Ademais, o que nele parece vir espelhado, nada mais é do que um depoimento escrito do OPC revelando a sua convicção e interpretação do ocorrido, violando o art.º 130º CPP. - O dito relatório não constitui sequer qualquer auto nos termos do art.º 99º do CPP. - Sendo que o auto de notícia por detenção deverá bastar-se a si mesmo, sob pena de a detenção ser ilegal, por violação do disposto nos art.ºs 254º, 255º, 257º, e 259º, todos do CPP. 16 - → clichés policiais; - Os clichés policiais nada mais trazem na sua essência do que as fotografias tiradas ao ARGUIDO pelo OPC nas instalações policiais, após a detenção. Delas não resulta qualquer facto ou circunstância que permita ser enquadrável no tipo objectivo ou subjectivo do tipo de ilícito em discussão. 17 – → Autos de busca e apreensão, testes rápidos, autos de exame e avaliação; - A fls. 4608 e seguintes dos autos, consta o auto de buscas efectuadas em ..., na residência sita à ..., na presença do BB, ou seja, o que resulta, efectivamente, é que na referida habitação habitavam e encontravam-se diversas pessoas, para além do BB, nomeadamente, CC, DD, uma menor de nome EE, FF e ainda GG. - Ou seja, mais quatro pessoas (maiores) para além do ARGUIDO. Sendo que, no quarto que dizem ser do BB, se encontrava CC. - E de fls. 4610 a 4612, que representa o auto de busca e apreensão, resulta que o produto estupefaciente se encontrava num espaço da referida casa que, ainda que se diga ser o quarto do ARGUIDO, estava a ser ocupado por CC. - Sinal evidente disso mesmo, é que a fls. 4611 constam fotogramas onde bem se percebe que há diversos pertences femininos, que, certamente, não são propriedade nem para uso do ARGUIDO, como ainda o espaço aparenta, sem margem para dúvidas, que é usado por mais do que uma pessoa. - O Tribunal a quo assume, peremptoriamente que o produto estupefaciente apreendido e a balança encontrada serão pertença do BB. - Mas tal asserção não decorre do expediente em análise, como de resto, não resulta do demais que se encontra relacionado como elementos de prova ponderados pelo Tribunal a quo para determinar a medida de coacção de prisão preventiva ao BB. - Nem se diga que o BB poderia ter esclarecido os factos, ao invés de se remeter ao silêncio, pois o silêncio é um direito constitucionalmente consagrado, que, nos termos do art.º 61º n.º 1 d) CPP, visará, no seu reduto último, o respeito pelo princípio da não auto-incriminação. O que terá maior extensão se, em conjugação com o art.º 134º n.º 1 b) CPP, se se pensar que, a qualquer testemunha assiste a faculdade de recusar o depoimento, quando tiver vivido ou conviver em condições análogas às dos cônjuges e/ou coabitação. - A apreensão ocorreu numa casa ocupada por diversas pessoas a que acresce o facto de que a parte da casa onde ocorreu a apreensão, era ocupada e onde também se encontrava CC, companheira do ARGUIDO. Donde também não se impunha ao ARGUIDO que, por alguma forma, como meio de esclarecer os factos, viesse ou pudesse, de alguma forma, estar a ferir a esfera de protecção concedida pela norma do art.º 134º n.º 1 b) CPP, depondo contra alguém que é da sua esfera íntima. 18 - O mais que poderia ter sido a conclusão do Tribunal a quo é que “foi apreendido estupefaciente e uma balança na habitação onde também se encontrava o BB, de entre outras pessoas”. 19 - → Cota e folha de suporte; - A cota (fls 4491) é totalmente estéril para efeitos de fundamentação de uma qualquer medida de coacção privativa de liberdade: trata-se do contacto telefónico do OPC ao MºPº dando conta que efectuou detenções e apreensões. O mesmo é de dizer quanto às folhas de suporte. - Delas não resulta qualquer indiciação do arguido pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes. 20 - → Fls. 1962/74, 1978/9, 4214/3, 4212/6, 4241/3, 4244/5, 4268/71, 4291 (relatórios de vigilância); - São relatórios de vigilância concretizados pelos OPC, mas dos mesmos nenhuma matéria resulta apurada relativamente a uma qualquer intervenção ou actuação do BB. - O BB não é visado em nenhuma delas, como também em nenhuma delas aparece!! Pelo que, errou notoriamente o Tribunal a quo quando exarou e fundamentou a sua convicção nos seguintes termos: ou, quanto ao arguido BB, podendo referir-se a título exemplificativo e complementar do raciocínio indiciário já indicado, o resultado das vigilâncias efetuadas das quais se extrai a observação do arguido numa vulgarmente designada “troca de mãos”, compatível com a compra e venda de estupefaciente a terceiro e contactos subsequentes com o arguido AA. 21 - → Fls. 1975/7, 4272/4, ficha policial e pesquisa do IMTT, referente a AA e BB. - Apenas o que consta a fls. 4272/4 versa sobre o BB, sendo a ficha respeitante ao BB no Sistema Estratégico de Informação e Gestão e Controlo Operacional, onde constam os dados de identificação do ARGUIDO. - daqui não resulta qualquer elemento que funde a forte indiciação do BB pela prática do crime de tráfico de estupefacientes. - O restante expediente que vem sendo mencionado neste ponto nada tem que ver com o BB. 22 - → Fls. 1979/80 – pesquisa referente à viatura ligeira de passageiros de marca …, … com a matrícula ..-..-ZQ → Fls. 3217/9 – pesquisa referente à viatura ligeira de passageiros de marca ..., ... A com a matrícula ..-..-TU - Este expediente nenhuma relação tem com o BB, sendo respeitante a outro interveniente processual. 23 - → Escutas: Apenso 2 e 3 - Sobre este meio de prova, resulta que o Apenso 2 respeita a AA, cartão ..., alvo 131662040. - E o Apenso 3 respeita a AA, cartão ... (...), alvo 131662051. - Não respeitam, portanto ao BB. - Não se alcança de onde resultam os termos que o Tribunal a quo exara no Despacho recorrido, para efeitos de fundamentação da aplicação da medida de coacção de prisão preventiva: De resto, abstraindo agora das apreensões efetuadas, os diálogos intercetados aos arguidos, reconduzíveis a linguagem codificada referenciando encontros e unidades – cf (…) quer só 1…manifestamente compatíveis com a negociação e venda de estupefacientes. - O erro é notório. Não se alcança de é extraída a referida referência, tendo em conta os elementos de prova indicados no próprio Despacho recorrido. 24 - Assim, os referidos elementos de prova não são bastantes nem suficientes para sustentar uma forte indiciação do BB pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, nem sequer na forma agravada. 25 - De resto, nenhum elemento de prova dá estribo à agravante do art.º 24º c) do DL 15/93 (o agente obteve ou procurava obter avultada compensação remuneratória). 26 - Sendo ainda mais certo que o montante monetário apreendido (€900,00) na habitação buscada não representa nem é suficiente para fortemente indiciar a agravante em causa. 27 - Resulta inexoravelmente a falência dos argumentos expendidos no Despacho recorrido que sustentam uma alegada forte indiciação do Arguido pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado do art.º 21.º e 24º c) do DL 15/93. 28 – Ainda que, em tese, se pudesse apontar ao Arguido a posse do produto estupefaciente aprendido (que já se viu, ficou por dar como suficientemente demonstrado), a verdade é que à míngua de outros e válidos meios de prova, a apreensão de estupefaciente não é bastante para a subsunção à norma do art.º 21º nem do art.º 24º c), ambos do DL 15/93. 29 - Pelo que, resultaria sempre que os factos teriam de ser enquadrados e subsumidos à norma do art.º 25º do DL 15/93. 30 - Da compulsão dos demais elementos de prova enunciados no Despacho recorrido, o que resulta mais não pode ser do que uma actuação singular e sem qualquer estrutura, não existindo qualquer sofisticação de recursos nem de meios. 31 - Do elemento de prova enunciado (auto de apreensão) apenas é passível a inferência de que se trata de uma situação idêntica a um estádio de comercialização simplista, inexistindo qualquer estrutura organizativa, sem recurso a qualquer técnica ou meio especial, de matriz simplista. 32 - E a circunstância de a quantidade de produto estupefaciente ser considera elevada, tal não exclui nem dá amparo ao afastamento da subsunção à norma do art.º 25º (tráfico de menor gravidade), conforme já o antecipou o Legislador pela Lei 55/2023_08SET. 33 - O mesmo tendo sido acolhido pelo STJ, Ac. de 18DEZ2016, proc. n.º 34/14.6GAAMT, relatado pelo Senhor Conselheiro Santos Cabral: 34 - Pelo que, também por aqui andou mal o Tribunal a quo, errando quando subsumiu a conduta do Arguido/Recorrente ao tráfico agravado do art.º 21º e 24º c). 35 - Neste sentido, a medida de coacção de prisão preventiva encontra-se irremediavelmente ferida de ilegalidade, por violação do disposto no art.º 202º do CPP. Quanto ao perigo de continuação da actividade criminosa. 36 - Dos elementos de prova enunciados no Despacho recorrido, não decorre uma especial propensão do BB para a delinquência. E menos ainda para a reincidência. 37 - A referência que vem feita pelo Tribunal a quo sobre este perigo (continuação da actividade criminosa) é tão genérico que fica esvaziado de conteúdo. Sendo que o MºPº não trouxe aos autos qualquer elemento a partir do qual se pudesse/possa deduzir que o BB não tem actividade profissional, ou rendimentos que lhe permitam governar a vida em condições económicas normais. 38 - Na ausência de elementos probatórios que o demonstrassem (ou seja, que demonstrassem que o ARGUIDO não tem actividade profissional e não tem como fazer face as despesas e seu sustento), não podia o Tribunal a quo inverter o princípio in dúbio pro reu, fazendo recair sobre o mesmo uma presunção de culpabilidade e perigosidade decorrente de o MºPº não ter trazido aos autos a concreta condição económica-financeira do Arguido. 39 - Também não se impunha ao ARGUIDO fazer prova de tal, sob pena de inversão do princípio e estrutura acusatória do processo penal. 40 - Borrega o argumento singelo e generalista de que o perigo de continuação da actividade criminosa resulta da natureza do ilícito e dos fáceis e elevados proventos económicos que dela resultam para que a pratica. 41 - Resulta evidente a violação do art.º 204º n.º 1 c) do CPP. Donde, nesta parte resulta ilegal a medida de coacção de prisão preventiva, por desadequada, desproporcional e desnecessária, em razão da violação dos art.ºs 191º, 193º, 202º e 204º n.º 1 c), do CPP. Quanto ao perigo de perturbação de inquérito. 42 - O MºPº não indica e o Tribunal a quo também não explica que diligências investigatórias concretas se impõem que justifiquem ser acauteladas porque podem ser perturbadas pelo BB e em que medida ou de que modo este o poderá fazer. 43 - Cabe indagar se dois anos de investigação ainda foram suficientes para o MºPº ter oportunidade de identificar os alegados “demais elementos que obrigatoriamente com os Arguidos interagem na execução da conduta indiciada” (termos do Tribunal a quo)? 44 - O que o Tribunal a quo acaba por fazer é prender para o MºPº investigar, o que representa um autêntico entorse ao princípio da presunção de inocência, do acusatório em processo penal e da dignidade da pessoa humana indelevelmente ferido pela sujeição à prisão cautelar. 45 - O MºPº e o Tribunal a quo não especificam nem concretizam qualquer circunstância que demonstre o concreto perigo do BB na perturbação do inquérito. 46 - O Tribunal a quo não identifica uma só situação nem a concreta prova relativamente à qual possa sustentar que o BB poderá comprometer o decurso normal da investigação, perturbando o processo formativo da prova. 47 - Resulta evidente a violação do art.º 204º n.º 1 b) do CPP. Donde, nesta parte resulta ilegal a medida de coacção de prisão preventiva, por desadequada, desproporcional e desnecessária, em razão da violação dos art.ºs 191º, 193º, 202º e 204º n.º 1 b), do CPP. Quanto ao perigo de perturbação da tranquilidade pública. 48 - O Tribunal faz decorrer o referido perigo exclusivamente do tipo de crime que dá por indiciado e das consequências desta actividade (que o Tribunal a quo também acaba por não identificar). 49 - Tais termos são manifestamente insuficientes para fundamentar a decisão recorrida que decreta a prisão preventiva. 50 - O Despacho que decretou a medida de coacção máxima, de prisão preventiva, porque eivado dos vícios supra escalpelizados, torna a medida manifestamente excessiva, desadequada e desnecessária, revelando-se ilegal por frontal violação do disposto nos art.ºs 191º, 193º, 202º e 204º b) e c), todos do CPP, encontrando-se irremediavelmente ferido de ilegalidade, devendo ser revogado e, em consequência, determinada outra medida de coacção menos gravosa e conforme aos princípios e normativos legais supra enunciados». * O Ministério Público respondeu a ambos os recursos, concluindo pela sua total improcedência. * Os recursos foram admitidos, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo. * Nesta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência dos recursos. * Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, tendo os arguidos apresentado resposta. Proferido despacho liminar e colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência. * Cumpre decidir. OBJECTO DO RECURSO Nos termos do art.º 412.º do Código de Processo Penal, e de acordo com a jurisprudência há muito assente, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação por si apresentada. Não obstante, «É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito» [Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 7/95, Supremo Tribunal de Justiça, in D.R., I-A, de 28.12.1995] Desta forma, tendo presentes tais conclusões, são as seguintes as questões jurídicas a decidir: 1 - Recurso do arguido AA: a) Questão prévia – admissibilidade da apresentação de documento com o recurso; b) Nulidade/irregularidade do despacho que autorizou a busca domiciliária por falta de fundamentação; c) Violação dos princípios da necessidade e proporcionalidade aquando da emissão de mandados de busca domiciliária; d) Nulidade da busca à garagem; e) Nulidade/irregularidade do despacho que aplicou as medidas de coação; f) Adequação e proporcionalidade da aplicação da medida de coação de prisão preventiva. 2 - Recurso do arguido BB: a) Insuficiência da matéria de facto para a forte indiciação do crime imputado ao arguido; b) Insuficiência dos elementos de prova enunciados pelo Tribunal a quo para sustentar a indiciação do arguido pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado do art.º 21.º e 24º c) do DL 15/93; c) Subsunção dos indícios à norma do art.º 25.º do DL n.º 15/93 (tráfico de menor gravidade); d) Ausência de elementos probatórios que revelem os perigos previstos no art.º 204.º, n.º 1, al. b) e c) do CPP. * Fundamentação 1 - Recurso do arguido AA: a) Questão prévia – admissibilidade da apresentação de documentos com o recurso. O arguido AA apresentou um documento com a motivação do seu recurso. No entanto, tal apresentação não é admissível, porque o Tribunal ad quem não pode apreciar elementos de prova que o tribunal recorrido não apreciou. Na verdade, é há muito pacífico, na doutrina e na jurisprudência que os recursos estão configurados no nosso sistema processual penal como remédios jurídicos, visam apenas modificar as decisões recorridas e não criar novas decisões sobre matérias ou questões novas que não foram, nem podiam ter sido, suscitadas ou conhecidas pelo tribunal recorrido (cfr. Vinício Ribeiro, Código de Processo Penal- Notas e Comentários, Coimbra, 2008, com abundantes referências doutrinais e jurisprudenciais, págs. 848-849) «A missão do tribunal de recurso é a de apreciar se uma questão decidida pelo tribunal de que se recorreu foi bem ou mal decidida e extrair daí as consequências atinentes; o tribunal de recurso não pode pronunciar-se sobre questão nova, salvo se isso for cometido oficiosamente pela lei» –. Acs. do ST J de 6-2-87 e de 3-10-89, BMJ n.º 364, pág 714 e n.º 390, pág. 408. «Se a Relação atendesse ao conteúdo dos documentos agora juntos, não formularia um juízo sobre a justeza da decisão recorrida, considerando os elementos ao dispor do tribunal a quo, mas estaria a proferir decisão nova sobre a questão» (Ac. da Rel. do Porto de 9-12-2004, proc.º n.º 0415010). Como consequência da inadmissibilidade da junção de documentos em sede de recurso, as conclusões de recurso que incidam sobre esses documentos não são atendíveis, por diretamente versarem sobre o conteúdo dos anteditos documentos (cfr., neste sentido, o Ac. da Rel. de Évora de 03/11/2015, P. 51/11.0PAMRA.E3 em www.dgsi.pt). Face ao exposto, não se admite a junção aos autos do documento junto com a peça recursiva e determina-se o seu desentranhamento. Mais se consigna que não se tomará conhecimento das conclusões XV, XXXI e XXXVII, segunda parte, do recurso, porquanto as mesmas versam diretamente sobre o documento apresentado. b) Nulidade/irregularidade do despacho que autorizou a busca domiciliária A primeira questão suscitada pelo arguido AA consiste na nulidade ou irregularidade do despacho judicial de 19/09/2024, que autorizou as buscas domiciliárias. O arguido alega que o despacho de 19/09/2024 é nulo, nos termos do art.º 379.º, n.º 1, al. a) do CPP, porque não especifica os motivos de facto disponíveis nos autos que permitiam suspeitar que pudessem ser encontrados objetos relacionados com a prática de algum crime. Cumpre apreciar. Com relevo para a apreciação da questão, importa tomar em consideração o encadeamento de atos processuais que resulta da consulta do processo: Em 18/09/2024, o Ministério Público lavrou a seguinte promoção (cfr. certidão ref.ª Citius 163290078 – fls. 4438 e seguintes): «Nos presentes autos encontra-se em investigação factos que em abstracto consubstanciam a eventual prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo atrigo 2lº do DL 15/93. Nestes autos apurou-se até ao momento, conforme relatório policial que antecede, que AA apresentava ligações a HH e II, quando, no seguimento de vigilância efetuada a esses, em frente ao n.º 35 da ..., se testemunhou entre as 23h57 e as 00h10, dos dias .../....2023, em ação concertada a entrega de um saco de plástico que, supostamente, possuía quantidade indeterminada de heroína e produto de corte - vide prova testemunhal (RV) de fls. 1692/74. Posteriormente e resultante de pesquisas efetuadas, identificou-se o cartão ... (alvo 131662040), utilizado por AA, nos telemóveis com o IMEI ... (alvo 131662050) e ... (alvo 131662051). Ainda quanto à forma como o encontro sucedeu não restam dúvidas que terão ocorrido conversações entre ambos, porém ou certamente, através de canais não rastreáveis na medida em que nenhuma outra nos telemóveis intercetados foram sinalizadas. Nesse enredo, mais tarde, confirmou-se que efetivamente utilizava os canais WhatsApp e Signal - sessões 132B 3,20514,2147 do alvo 131662040. Do rastreio às conversações que foi sujeito, ao longo da investigação ainda que parcas ou espaçadas, foram identificadas algumas que quanto ao seu teor escrito ou verbal, indicam fortes indícios que o mesmo se dedica ao comércio de estupefacientes e que pode ter colaboradores vulgarmente indicados por "correios”. O suspeito BB, surge em conversações com AA, na tarde do dia ...2024, indicando poder estar-lhe a fornecer e estupefaciente. Identificado o cartão SIM que utilizava, ou seja, ... (a1vo 137066060), verificou-se que estava a ser utilizado no aparelho com o IMEI ... (alvo 137066070) e do resultado das conversações intercetadas, percebeu-se teor que, supostamente, se dedica ao comércio de estupefacientes. Do resultado de pesquisas, verificou-se que apresenta como morada, ..., cfr. pesquisa junta aos autos. * DOS MANDADOS DE BUSCAS DOMICILIÁRIAS: Considerando tudo quanto vem de se dizer, consideramos que se se mostra essencial proceder a buscas aos espaços que estão na sua disponibilidade dos suspeitos que infra se irão elencar, tendo em vista a apreensão não só do próprio produto estupefaciente como ainda de outros objectos que se possam relacionar com a prática do mencionado crime de tráfico de estupefacientes. Sucede que os locais onde se encontrará armazenado o dito produto estupefaciente - residências dos suspeitos acima referidos - são reservados e não livremente acessíveis ao público, não sendo provável que, atendendo à natureza dos factos, consintam na realização de tais atos. O domicílio e o sigilo da correspondência e dos meios de comunicação privada são invioláveis, dispõe o artigo 34º, nº l, da Constituição da República Portuguesa, sendo que "a entrada nos domicílios dos cidadãos contra a sua vontade só pode ser ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as formas previstas na lei" - artigo 34º, na lida Constituição da República Portuguesa. Assim, o regime processual dos meios de obtenção de prova carece de ser interpretado em harmonia com o princípio reitor da restrição mínima dos direitos fundamentais que dimana do artigo 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa. Nos termos do disposto no artigo 174º, nº 2 do Código de Processo Penal, são pressupostos do decretamento de busca a existência de indícios de que quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, ou o arguido ou outra pessoa que devam ser detidas, se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, sendo certo que, tratando-se de uma busca em casa habitada ou numa sua dependência fechada, só pode ser autorizada pelo juiz e efectuada entre as sete e as vinte e uma horas - artigo I77º, nº l do Código de Processo Penal. Acresce que, atenta a natureza dos crimes em causa, a forma de atuação adotada e o atual estado da investigação, não é possível recorrer a meios de obtenção de prova que, de forma menos lesiva dos direitos dos suspeitos, permita alcançar de modo eficaz, as finalidades da investigação, concluindo-se que do confronto entre a reserva da intimidade da vida privada e a necessidade de segurança dos cidadãos e a repressão do crime, terá o primeiro dos valores, necessariamente, de ceder. Pelo que, atento o conflito de direitos que se gera - o direito à intimidade e à reserva da vida privada e o interesse na realização da justiça - há que fazer preceder a realização de quaisquer actos lesivos dos direitos do denunciado da autorização judiciaÌ competente, tanto mais que está em causa, também, o domicílio de cidadãos. Termos em que: O Ministério Público vem, nos termos do disposto nos artigos 174º, n.ºs 2 e 3, 176.º, l77.º, nº 1, l78.º e 269.º,n.º l, alínea c), todos do Cód. Proc. Penal; e artigo 21.º, n.º 1 do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, requerer a V. Exa. se digne autorizar a busca (emitindo os respectivos mandados para o efeito) à residência - assim como aos respectivos logradouros, anexos, arrecadações, garagens e quintais e, se necessário, com recurso a arrombamento -, onde residem habitualmente os suspeitos: AA (…)». Sobre esta promoção recaiu, em 19/09/2024, despacho com o seguinte teor (cfr. certidão ref.ª Citius 163290078 – fls. 4444 e seguintes): «BUSCAS DOMICILIÁRIAS investigam-se factos suscetíveis de integrar a prática de crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1, do DL 15/93. Compulsados os autos existem fortes indícios que os suspeitos AA e BB usam as residências abaixo identificadas para aí armazenar estupefacientes e outros objetos relacionados com a execução do ilícito. Por se revelar um meio essencial para a obtenção de prova e, assim, para a descoberta da verdade, não se vislumbrando outro meio de obtenção de prova menos gravoso capaz de obter os elementos de prova pretendidos, ao abrigo do preceituado nos artígos,174º nos. 1,2,3 e 4, 176º, 177º, 178º, 179º, n.º 1, 187º, nº 1 al. a), nº 4 al. a) e 269º, nº 1, al. c) todos do C.P.P., determina-se a realização de busca, se necessário com arrombamento, às residências sitas na: ... (suspeito AA); ... (suspeito BB) (…) Passe mandados de busca, que incluam arrecadações, anexos, caixas de correio e outras dependências fechadas, aos quais irá agrafada cópia do presente despacho que será notificado e entregue no acto da diligência, a quem tiver a disponibilidade do local. Mais deverá constar daqueles que quem tiver a disponibilidade do local pode assistir à diligência, fazendo-se acompanhar ou substituir por pessoa da sua confiança que se apresente sem delonga (…)». Consta do auto de primeiro interrogatório que «Pedida a palavra pelo Ilustre Mandatário do Arguido AA, que no uso da mesma disse: Primeiro - A fls. 4438 consta da promoção do Ministério Publico datada de 18-092024 com o seguinte conteúdo: “O Ministério Publico, vem nos termos do disposto nos artigos 174.º, números 2 e 3, 176.º, 177.º, n.º 1, 178.º, 269.º, n.º 1, al. c), todos do Cód. Proc. Penal, e artigo 21º, n.º 1 do Decreto-lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro requerer que se digne autorizar a busca... AA - Rua ... Garagem n.º ..., sito na ....” Segundo - Resulta desde logo que estamos perante frações autónomas situadas em ruas diferentes. Terceiro - Em 19-09-2024 a fls. 4444 a Senhora Juíza da Instrução Criminal proferiu despacho nos seguintes termos; “Por se revelar um meio essencial para obtenção da prova, e, assim, para a descoberta a verdade, não se vislumbrando outro meio de obtenção de prova menos gravoso, capaz de obter os elementos de prova pretendidos, ao abrigo do preceituado nos artigos 174.º, n.º 1, 2, 3 e 4, 176.º, 177.º, 178.º, números 1 e 3, 179.º, n.º 1, 187.º, n.º 1, al. c), n.º 4, al. a) e 269.º, n.º 1, al. c) todos do Cód. Proc. Penal determina-se a realização de busca, se necessário com arrombamento, às residências sitas na: - Rua ... - Rua do .... Passe Mandados de busca que incluam arrecadações, anexos, caixas de correio e outras pendências fechadas, aos quais irá agravado cópia do presente despacho. Quarto a fls. 4449 datado de 20-09-2024 encontra-se um mandado de busca à residência sito na Rua ... Quinto - Analisando o referido mandado constata-se desde logo no modesto entendimento da defesa que o mesmo extravasa o despacho de 19-09-2024 uma vez que vem permitir a busca a locais que o despacho não confere poderes, nomeadamente garagens e quintais. Sexto - Acresce que o OPC sem que fosse titular de mandado de busca com autorização do arguido, do proprietário, do arrendatário ou usufrutuário do imóvel, levou a cabo uma busca na fração autónoma garagem sito na Rua ... Sétimo - Nos termos do artigo 174.º, números 2 e 3 do Cód. Proc. Penal as revistas e buscas são autorizadas ou ordenadas pela autoridade judiciária competente pelo que no caso em apreço mesmo que se admitisse que a referida garagem não corresponde ao domicílio do arguido sendo o local fechado e reservado ao domínio público a busca a realizar só poderia ocorrer, se existisse pelo menos um mandado do Ministério Público, o que no caso em apreço não aconteceu. Oitavo - Assim, entende a defesa do arguido que a busca á garagem sito na Rua Dona Brites, n.º ... em Massamá viola de forma flagrante o disposto no artigo 176.º do Cód. Proc. Penal pelo que considera a defesa que nos termos do artigo 126.º, n,º 3 do Cód. Proc. Penal estamos perante prova proibida ou caso assim não se entenda de nulidade nos termos do artigos 174.º, 120.º, n.º 2, al. b) do Cód. Proc. Penal ou em ultima hipótese também se levanta de irregularidade nos termos do artigo 123.º do Cód. Penal nulidade ou irregularidade que desde já se suscita». Refere o ora recorrente que em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido suscitou a nulidade ou irregularidade do dito despacho, nomeadamente por falta de fundamentação, nos termos do art.º 123.º do CPP, tendo a mesma sido indeferida. No entanto, embora o requerimento supra transcrito contenha a arguição de nulidade ou irregularidade das buscas, nenhuma referência é aí feita à falta de fundamentação do despacho judicial que as autorizou. O fundamento da arguição de nulidade ou irregularidade da busca prende-se com o âmbito da autorização e a alegada desconformidade entre o despacho e o mandado. Por outro lado, embora o recorrente invoque a norma do art.º 379.º, n.º 1, al. a) do CPP como fundamento do recurso, é fora de dúvida que este preceito consagra um regime especial de nulidade que se aplica exclusivamente ao ato processual sentença ou acórdão, conforme previsto no art.º 97.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do CPP (cfr. José Mouraz Lopes, Comentário Judiciário do CPP, Tomo IV, 2ª Ed., p. 805). O art.º 205.º, n.º 1 da Constituição proclama que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. O dever de fundamentação é uma garantia integrante do Estado de direito democrático, embora dependente da lei, à qual compete definir o âmbito do dever de fundamentação, podendo garanti-lo com maior ou menor latitude (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª Ed., p. 798). O art.º 97.º, n.º 5 do CPP dispõe que os atos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão. A falta ou insuficiência da fundamentação do despacho, por não estar expressamente prevista noutra disposição legal como nulidade, recai na previsão genérica do art.º 123.º do CPP, pelo que tem de ser arguida pelo interessado pela forma e no prazo previsto na lei, sob pena de ficar sanada. Não se entra na questão de inconstitucionalidade suscitada pelo recorrente, porque não se procede à aplicação dos arts. 123.º e 174 do CPP interpretados no sentido de que está o arguido, desacompanhado de advogado, obrigado a suscitar a irregularidade de uma busca domiciliária, nomeadamente, por falta de fundamentação do despacho que a decreta, no próprio ato. No momento da realização da busca ainda não tinha ocorrido a constituição de arguido, sendo certo que a diligência foi realizada por órgãos de polícia criminal, em cumprimento de um mandado judicial, pelo que a mesma não se enquadra na noção de um ato judicial nos exatos termos dos artigos 92º, n.º 2 e 64º, n.º 1, alínea d) , 176º e 177º do CPP – cfr., neste sentido, os Acórdãos da Relação de Lisboa de 15/06/2021, P. 5/19.8ZCLSB-C.L1-9 e da Relação do Porto de 23/10/2019, P. 38/19.4PAMAI-A.P1 em www.dgsi.pt. Entende-se, assim, que a arguição de irregularidade do despacho de autorização das buscas por falta de fundamentação em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido seria tempestiva. Só que não foi isso que sucedeu no caso em apreço, pois, como se viu, não resulta do requerimento supra transcrito a arguição de irregularidade do despacho de autorização das buscas por falta de fundamentação, em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, pelo que, ainda que existisse alguma irregularidade, a mesma encontrar-se-ia sanada. Em todo o caso, sempre se dirá que o despacho em apreço se encontra suficientemente fundamentado de facto e de direito, desde logo porque recai sobre uma promoção do Ministério Público, que o antecede, na qual se descrevem com maior pormenor os indícios recolhidos, dos quais se conclui pela necessidade de realizar buscas aos espaços na disponibilidade dos arguidos, tendo em vista a apreensão de produto estupefaciente e de outros objetos que se relacionem com o tráfico. Ao deferir a dita promoção, o despacho acolhe a fundamentação aí descrita. Acresce que o próprio despacho sintetiza os motivos que justificam as buscas, quais sejam: a investigação de factos suscetíveis de integrar a prática de crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1 do DL 15/93; a existência de fortes indícios de que os arguidos usam as suas residências para aí armazenar estupefacientes e outros objetos relacionados com a execução do ilícito; a essencialidade das buscas para a obtenção da prova e inexistência de outro meio menos gravoso que permita alcançar esse objetivo. Não existe um conteúdo pré-definido na lei para o despacho que autoriza a realização de buscas, nem existe qualquer norma paralela à do art.º 141º nº 4 al. d) e e) ou do art.º 194º nº 6 al. a) e b), ambos do CPP, que imponha que ao visado seja dado conhecimento dos concretos factos sob investigação e meios de prova que os sustentam (cfr., neste sentido, o Acórdão da Relação de Lisboa de 02/03/2021, P. 7/17.9IFLSB-E.L1-5 em www.dgsi.pt). Deste modo, encontrando-se o despacho dos autos suficientemente fundamentado de facto e de direito, permitindo compreender as razões subjacentes à sua prolação, improcede o recurso nesta parte. c) Violação dos princípios da necessidade e proporcionalidade aquando da emissão de mandados de busca domiciliária O arguido reitera que o despacho que autoriza a busca à sua residência é omisso na descrição de indícios de que existissem objetos na sua residência relacionados com a prática de crimes, não se baseando numa fundamentação plausível assente em indícios objetivos, pelo que viola o princípio da necessidade e proporcionalidade, consubstanciando prova proibida, nos termos do art.º 126.º, n.º 3 do CPP. Quanto a esta matéria, já acima se deixou expresso o entendimento de que o despacho que autorizou a busca em apreço se encontra suficientemente fundamentado de facto e de direito, na medida em que recai sobre uma promoção do Ministério Público, na qual se descrevem com maior pormenor os indícios recolhidos, dos quais se conclui pela necessidade de realizar buscas aos espaços na disponibilidade dos arguidos, tendo em vista a apreensão de produto estupefaciente e de outros objetos que se relacionem com o tráfico. Deste modo, o despacho acolhe a fundamentação aí descrita, sendo certo que não deixa de referir que se investigam factos suscetíveis de integrar a prática do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1 do DL 15/93 e que existem fortes indícios de que os arguidos usam as suas residências para aí armazenar estupefacientes e outros objetos relacionados com a execução do ilícito. O despacho faz ainda um juízo sobre a essencialidade das buscas para a obtenção da prova e inexistência de outro meio menos gravoso que permita alcançar esse objetivo. O art.º 34.º da CRP dispõe que: «1. O domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis. 2. A entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade só pode ser ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as formas previstos na lei (…)». Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, «as restrições ao direito à inviolabilidade do domicílio (n.º 2 e 3) estão sob reserva de lei – a qual deverá tipificar os casos em que pode ter lugar (..) e as formas – e sob reserva de decisão judicial…» (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª Ed., p. 213). Por sua vez, os arts. 174.º, 176.º e 177.º do CPP densificam no plano legal os requisitos e formalidades a que deve obedecer a busca domiciliária, conciliando os interesses e direito em conflito. Uma vez que esta interfere com direitos de dignidade constitucional, a mesma deve ter caráter excecional e respeitar as exigências materiais e formais do art.º 18.º, n.º 2 da CRP, obedecendo aos princípios da adequação, da necessidade e da proporcionalidade (cfr. João Conde Correia, Comentário Judiciário do CPP, 4.ª Ed., p. 620). No caso dos autos, foram respeitados os requisitos legais previstos nas citadas normas legais, pois foi proferido um despacho judicial a autorizar as buscas, com fundamento na existência de indícios de que o arguido se dedicava à prática do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1 do DL 15/93 e que usava a sua residência para armazenar estupefacientes e outros objetos relacionados com a execução do ilícito, de harmonia com o disposto nos arts. 174.º, n.º 2 e 3 e 177.º, n.º 1 do CPP. Tendo em conta a gravidade do ilícito investigado, a forte indiciação (aliás comprovada pela elevada quantidade de produto estupefaciente e dinheiro em numerário apreendidos), bem como a facilidade de ocultação e destruição da prova, a realização da busca domiciliária apresenta-se como adequada, necessária e proporcional, não existindo um meio alternativo de obtenção e conservação da prova menos gravoso que pudesse ser utilizado. Não se verifica, face ao exposto, a aplicação de qualquer interpretação dos arts. 126.º, n.º 3 e 177.º do CPP violadora da Constituição, nomeadamente do seu art.º 34.º. O recurso improcede também quanto a esta questão. d) Nulidade da Busca à garagem sita no n.º ..., sita na .... O recorrente alega que o despacho que autorizou as buscas apenas abrange o domicílio sito na ..., deixando de fora a garagem sita n.º ..., sito na ..., pelo que é nula a busca efetuada à garagem do arguido. O ora recorrente suscitou esta nulidade em sede de primeiro interrogatório de arguido detido, através do requerimento consignado em auto que acima se transcreveu. Sobre esse requerimento recaiu despacho da Mma. Juiz de Instrução, que se encontra gravado em sistema, do qual se extrai, em síntese: - Nos termos do art.º 174 do CPP, no qual constam os pressupostos gerais das buscas, estas devem ser autorizadas ou ordenadas pela autoridade judiciária, ressalvando desta exigência os casos previstos e excecionais no n.º 5 do artigo e ainda, face ao disposto no art.º 51º do DL 15/93 de 1 de janeiro, que equipara a casos de terrorismo e criminalidade altamente organizada as condutas que integram crimes, entre outros, de tráfico de estupefacientes, nomeadamente do art.º 21.º. - Há ainda o regime das buscas domiciliárias, regime especialmente contido no art.º 177 CPP, ao abrigo da qual esta deve ser ordenada ou autorizada por um juiz a certas horas, sob pena de nulidade. - No caso em apreço, ao abrigo do art.º 51º, a busca em casa habitada ou sua dependência também pode ser ordenada pelo MP ou pelo OPC (arts. 177/3/a e 174/5 do mesmo Diploma), sendo a realização da diligência imediatamente comunicada ao juiz de instrução, sob pena de nulidade, para sua validação. - Portanto, no caso da busca à casa e garagem que serve esta, foram efetuadas no dia ... de ... de 2024, estando por isso no período de trânsito do art.º 174/7 CPP, sujeita a confirmação judicial. - Porém, uma dependência fechada como é aquela dos autos, é espaço fechado, e consta do auto de busca e apreensão, sirva a habitação objeto da busca, é um local que se encontra expressamente abrangido pelo despacho que autorizou a busca domiciliária, no segmento em que refere arrecadações, anexos, caixas do correio e outras dependências fechadas. - A tal não obsta a circunstância de a morada fiscal ou a inscrição predial desta garagem respeitar a inscrição predial distinta. - Ainda que assim não fosse, considerando-se a garagem objeto da busca não abrangida pela autorização judicial prévia, o que não se concebe, ante os indícios que determinaram a detenção dos arguidos e o enquadramento jurídico em causa – crime de tráfico de estupefacientes p. e p. 21º DL 15/93 – é evidente a necessidade de realização desta busca em vista da preservação dos objetos ali encontrados, neste ponto essenciais à investigação dos factos indiciados e à correspondente necessidade a evitar a sua sonegação posterior, se na data em causa não fosse realizada, a diligência sempre se configuraria como perfeitamente proporcional porque indispensável aos fins visados e preservação da prova, sujeitando-se a validação judiciária subsequente, ao abrigo das disposições legais acima consignadas. - Mais ainda, ainda que por hipótese académica se considerasse que a busca à garagem não estava autorizada judicialmente, tal nulidade sempre seria enquadrável no art.º 120.º CPP, dependente de arguição nos termos da al. a) do n.º 3. Termos em que julgo não verificada a nulidade da busca. A questão que se coloca é a de saber se a busca à garagem em apreço estava abrangida pelo despacho que autorizou a busca. O despacho que autorizou a busca refere a residência sita na ..., o que poderia sugerir que o Tribunal quis excluir a garagem utilizada pelo recorrente no mesmo edifício, já que a promoção do Ministério Público pedia que fosse autorizada a busca supra citada residência e na garagem n.º ..., sito na .... No entanto, o despacho prossegue ordenando a passagem de mandados de busca, «que incluam arrecadações, anexos, caixas de correio e outras dependências fechadas, aos quais irá agrafada cópia do presente despacho que será notificado e entregue no acto da diligência, a quem tiver a disponibilidade do local». Ora, como se refere no despacho que recaiu sobre a arguição de nulidade da busca, em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, a garagem utilizada pelo arguido é um espaço fechado que serve a habitação deste, pelo que é um local que se encontra expressamente abrangido pelo despacho que autorizou a busca domiciliária, no segmento em que refere arrecadações, anexos, caixas do correio e outras dependências fechadas. A dependência fechada a que alude o art.º 177.º, n.º 1 do CPP «não tem de ser fisicamente anexa ao domicílio stricto sensu, sendo suficiente que exista uma ligação funcional, no sentido de ela ter funções complementares, tornando-se numa espécie de extensão daquele. Ninguém duvidará, por exemplo, que uma garagem fechada, ainda que localizada noutra zona do prédio é um aparte componente do mesmo domicílio. Apesar de separados fisicamente, ela ainda é uma dependência daquele, sendo quase impensável sem ele. Mais do que a localização física e geográfica, importa saber o que ali se faz e a relação entre essa utilização e da residência» (cfr. João Conde Correia, Comentário Judiciário do CPP, 4.ª Ed., p. 655). Alega, ainda assim, o recorrente que a garagem em apreço não lhe está afeta. Tal afirmação é contrariada pelos autos de busca e apreensão, nos quais é identificada a residência do arguido e a garagem adstrita à respetiva fração, como tendo sido aquela onde foi realizada a busca, não sendo evidente qualquer erro quanto à localização do espaço, visto que a diligência foi acompanhada pelo próprio arguido. De resto, veja-se que o auto de busca à residência e relatório anexo ao auto de detenção mencionam que naquela se encontravam duas chaves da viatura de matrícula ..-..-TU, pertencente ao ora recorrente, viatura que se encontrava no interior da garagem com o n.º ... da ..., pelo que é manifesto que tal espaço estava efetivamente adstrito ao arguido. Aliás, o conhecimento da utilização da dita garagem pelo recorrente já resultava de elementos probatórios anteriores, como os relatórios de vigilância de fls. 4241 a 4245, onde é visível a saída do arguido desse local a conduzir a viatura de matrícula ..-..-TU. Embora a garagem em apreço esteja identificada com uma morada com o n.º ... da ..., trata-se do mesmo edifício onde se situa a residência do arguido, garagem que fica num piso inferior do mesmo. O facto da morada da garagem ser diferente do apartamento deriva do facto de acesso ao interior do espaço pelas viaturas ser feito pela rua traseira à da entrada principal do prédio onde se situa a habitação. Não se discute no presente processo qualquer questão civilística sobre a propriedade horizontal e a natureza comum ou privada da dita garagem, nem sequer se a mesma pertence ao arguido. O que releva é que se trata de um espaço fechado situado no edifício onde o arguido tem a sua residência, e que dela se serve, existindo uma ligação de complementaridade da garagem em relação à casa de habitação do arguido. Importa, pois, concluir que sobredita garagem se encontrava abrangida pelo despacho que autorizou a busca domiciliária, pelo que as provas dela resultantes não configuram prova proibida, nos termos do art.º 126.º, n.º 3 do CPP, ficando prejudicada a apreciação dos demais argumentos expostos no despacho proferido em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido sobre a arguição de nulidade em apreço. O recurso improcede quanto a esta questão. e) Nulidade/irregularidade do despacho que aplicou as medidas de coação. O recorrente refere que invocou a irregularidade do despacho que aplicou a medida de coação, porquanto o mesmo faz referência a escutas telefónicas sem que estas sejam minimamente identificáveis por sessões, dias, meses, anos ou até alvos, tornando impossível o exercício de um efetivo contraditório. Ouvida a sessão do primeiro interrogatório judicial de arguido detido, verifica-se que, após a prolação do despacho que aplicou a medida de prisão preventiva ao recorrente, o seu Il. Mandatário formulou um requerimento com o seguinte teor: «Nos termos do artigo 141, nº 7 do Código de Processo Penal, apenas o interrogatório do arguido é gravado em áudio. Os despachos que aplicam medidas de coação contendo os fundamentos de facto e direito dessa medida devem ser reproduzidos por escrito. A omissão desse registo configura no mínimo uma irregularidade prevista nos termos do artigo 123 do Código de Processo Penal. Acresce ainda que no despacho proferido pela Mma. Senhora Juíza de Instrução fez referência a provas com as quais os arguidos não foram confrontados. Aliás, não fundamenta em concreto quais as provas que permitiram dar como indiciados os factos constantes do despacho de apresentação do Ministério Público. Por esse motivo, entende a defesa do arguido que o despacho proferido carece de falta de fundamentação e por isso é também irregularidade que desde já se argui». Quanto à primeira parte do requerimento, o mesmo não está aqui em discussão, tendo a irregularidade sido reparada pelo Tribunal recorrido. Quanto à segunda parte da arguição, verifica-se que a mesma tem um conteúdo diferente daquele que agora fundamenta o recurso. Nada do agora alegado quanto à não identificação de escutas no despacho de aplicação de medidas de coação foi invocado em sede de primeiro interrogatório de arguido detido. Aliás, o arguido também alega no recurso a irregularidade do despacho de apresentação a primeiro interrogatório, por apenas referir “as escutas” e por não ter sido informado dos factos concretamente imputados, nos termos do art.º 141.º, n.º 4, al. d) do CPP. Ora, conferido o auto de primeiro interrogatório de arguido detido, verifica-se que do mesmo consta que a Mma. Juiz de Instrução «lnformou ainda, nos termos das alíneas c), d) e e), do n.o 4 do citado art.o 141.o do Cód. Proc. Penal, dos motivos da detenção, dos factos que lhes são concretamente imputados e dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, que se passam a transcrever e que pelos arguidos, pelos llustres Advogados e pela Digna Magistrada do Ministério Público foi dito prescindirem da leitura dos mesmos (tendo sido previamente facultada cópia à defesa e consulta integral dos presentes autos), a saber…». Não consta do auto a arguição de qualquer irregularidade, nomeadamente por omissão dos deveres de informação a que alude o art.º 141.º, 4, al. d) ou e) do CPP, pelo que, ainda que tivesse existido alguma irregularidade nessa parte, a mesma estaria sanada por falta de arguição no próprio ato, nos termos do art.º 123.º, n.º 1 do CPP. Quanto à alegada falta de fundamentação do despacho que aplicou a medida de coação, não se vê a que provas é que o recorrente se pretende referir quando diz «que o despacho proferido pela Mma. Senhora Juíza de Instrução fez referência a provas com as quais os arguidos não foram confrontados», tanto mais que, segundo consta do auto, foi facultada a consulta integral do processo à defesa. Os apensos referentes às interceções de escutas permitem identificar os alvos e os suspeitos a que correspondem, pelo que não é impossível o exercício do contraditório. Por outro lado, no que respeita à fundamentação dos factos indiciados, o despacho que aplica a medida de coação está fundamentado, pois começa por enunciar a prova recolhida para os autos, a qual, embora relativamente extensa, pode ser identificada (cfr. pág. 18 e 19 do auto de interrogatório de arguido detido); a partir da pág. 28 do auto, o despacho fundamenta em concreto os factos indiciados, fazendo uma apreciação crítica dos meios de prova enunciados: «No que toca à convicção do tribunal sobre a factualidade supra discriminada, avaliando o teor das buscas, apreensões, vigilâncias, intercepções telefónicas, acima identificadas, e resultado sobretudo, mas não exclusivamente, das apreensões, basta atentar nas características dos objectos apreendidos, e, uma breve reflexão sobre a quantidade, diversidade e qualidade do estupefaciente apreendido aos arguidos, dos demais objectos e das quantias monetárias em dinheiro, encontradas em seu poder, para concluir como por demais evidenciados fortes indícios da prática de todos os factos que lhes são imputados. Reflita-se que o arguido AA detinha, cerca de 5.000€ em notas em seu poder, quantia invulgarmente detida em dinheiro por qualquer cidadão a menos que destinada a pagamento especifico, menos ainda quando se encontra separada em diferentes quantias e locais, e por fim, incompatível com os rendimentos declarados pelo arguido à AT ou na presente diligencia - desconformes também entre si. Acresce a esta quantia, diferentes qualidades de estupefaciente, embalado de forma organizada e em embalagens separadas, correspondente, nada mais, nada menos, que a cerca de 2.591 doses de cocaína e 3.641 doses de heroína, por referência ao padrão fornecido pela portaria 96/94, ao que acresce quantia residual de extasy, e os demais objectos elencados, claramente conexos ou relacionáveis com a actividade de venda de estupefacientes. A estes objectos juntam-se ainda 149 munições de diferentes calibres, e duas armas de fogo proibidas. Não há como negar a evidencia de que qualquer cidadão que detém esta diversidade e quantidade de estupefaciente os destina a venda, dedicando-se a tal actividade com regularidade. Afirmar o contrário significa um atentado aos mais elementares juízos de experiência comum. Tal raciocínio serve também a convicção do tribunal relativamente ao arguido BB, ainda que a quantidade dos estupefacientes e a quantia monetária detidos seja inferior, mantendo-se, porém, ainda, longe do conceito insipiente (cf. o equivalente a cerca de 710 doses heroína, e a cerca de 1500 doses de cocaína, e 900€ em quantia monetária - detenção também desconforme com a ausência de rendimentos encontrados ao arguido). De resto, abstraindo agora das apreensões efectuadas, os diálogos interceptados aos arguidos, reconduzíveis a linguagem codificada referenciando encontros e “unidades" - cf. “(...) quer só 1, queres mais 1...” - manifestamente compatíveis com a negociação de venda de estupefacientes, especialmente depois de conjugada com a quantidade de estupefaciente encontrado na posse de ambos; ou, quanto ao arguido BB, podendo referir-se a titulo exemplificativo e complementar do raciocínio indiciário já indicado, o resultado das vigilâncias efectuadas das quais se extrai a observação do arguido numa vulgarmente designada “troca de mãos”, compatível com a compra e venda de estupefaciente a terceiro e contactos subsequentes com co arguido AA. Lembra-se por fim, que nesta fase processual a prova a apreciar é indiciária, conceito manifestamente distinto da “prova incondicional” a que a defesa fez referência, e que se reconduz a uma aparência qualificada da ocorrência dos factos». É certo que a fundamentação é sucinta, mas ainda assim suficiente, tendo em conta a fase processual e a circunstância de se basear em indícios, e não uma prova com o grau de completude e certeza pressuposto pela fase de julgamento. Invoca ainda o recorrente que, ressalvados os pontos 4, 5, 7 (1ª parte) e 8 da matéria indiciária todos os restantes pontos deveriam ser dados como não escritos, por ser matéria conclusiva. Dispõe o art.º 194.º, n.º 6 do CPP: «a fundamentação do despacho que aplicar qualquer medida de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção do termo de identidade e residência, contém, sob pena de nulidade: a) A descrição dos factos concretamente imputados ao arguido, incluindo, sempre que forem conhecidas, as circunstâncias de tempo, lugar e modo; b) A enunciação dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, sempre que a sua comunicação não puser gravemente em causa a investigação, impossibilitar a descoberta da verdade ou criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime; c) A qualificação jurídica dos factos imputados; d) A referência aos factos concretos que preenchem os pressupostos de aplicação da medida, incluindo os previstos nos artigos 193.º e 204.º». Conferidos os pontos 1, 2 e 3, reconhece-se que os mesmos são algo genéricos, embora não totalmente conclusivos, pois definem uma baliza espácio-temporal para os factos aí descritos, os quais podem ser deduzidos dos que adiante se concretizam, nomeadamente os respeitantes aos produtos apreendidos. Quanto aos demais pontos, os mesmos contêm uma suficiente especificação de facto que permite exercer o contraditório, não podendo esquecer-se que o ponto fulcral da matéria indiciária consiste no produto estupefaciente apreendido aos arguidos e demais bens, indício material de que estes praticaram o ilícito imputado. Em suma, o despacho em apreço não enferma da nulidade prevista no art.º 194.º, n.º 6 ou qualquer irregularidade, nos termos do art.º 123.º do CPP. Tão pouco se vê motivo para a invocação da nulidade a que alude o art.º 379.º, n.º 1, al. c) do CPP, pois não só não está em causa uma sentença ou acórdão, como não foi invocado qualquer omissão ou excesso de pronúncia, nem tal vício resulta do despacho em apreço. O recurso improcede também nesta parte. f) Adequação e proporcionalidade da aplicação da medida de coação de prisão preventiva. O direito à liberdade pessoal, na aceção de liberdade ambulatória, é um direito fundamental da pessoa, proclamado em instrumentos legislativos internacionais (artigos III, IX e XXIX da Declaração Universal dos Direitos Humanos; artigo 9.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e art.º 5.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem) e no art.º 27.º da Constituição da República Portuguesa. O direito fundamental a não ser detido, preso ou total ou parcialmente privado da liberdade não é, porém, um direito absoluto, como os próprios instrumentos de direito internacional e a Constituição da República Portuguesa, admitem, sendo as medidas de coação meios processuais de limitação da liberdade pessoal que têm por função acautelar a eficácia do procedimento penal, quer no que respeita ao seu desenvolvimento, quer quanto à execução das decisões condenatórias (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. II, pág. 254). A prisão preventiva é aplicável, quando esteja fortemente indiciada a prática de algum dos crimes enumerados no artigo 202º do Código de Processo Penal e se verifique algum dos perigos previstos no artigo 204º do mesmo diploma. Os pressupostos legais de carácter geral, aplicáveis quer à prisão preventiva, quer a qualquer outra medida de coação diferente do TIR, referem-se à verificação de algum ou algum dos perigos enumerados nas alíneas a) a c) do artigo 204º do Código de Processo Penal: a) Fuga ou perigo de fuga; b) Perigo de perturbação da investigação; c) Perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade pública ou de continuação da atividade criminosa. Quanto aos pressupostos específicos da prisão preventiva, estes estão previstos no artigo 202º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código de Processo Penal, e são cumulativos: a existência de fortes indícios da prática de crime; que o crime indiciado seja doloso; que o crime indiciado corresponda a criminalidade violenta ou seja punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos. Por ser a medida de coação prevista no Código de Processo Penal mais gravosa para os direitos fundamentais do arguido, pois implica a total restrição da sua liberdade individual, tem natureza subsidiária e excecional. Deste modo, a prisão preventiva só deve ser aplicada se todas as restantes medidas se mostrarem inadequadas ou insuficientes para a salvaguarda das exigências processuais de natureza cautelar que o caso requeira. Por outro lado, à semelhança das restantes medidas de coação, com exceção do Termo de Identidade e Residência, deve ser proporcional à gravidade do crime e às sanções que, num juízo de prognose em relação ao julgamento, virão, possivelmente, a ser aplicadas (cfr. os artigos 191º, nº 1, 193º e 204º do Código de Processo Penal, de acordo, aliás, com os princípios constitucionais consagrados nos artigos 18º, nº 2, 27º e 28º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa). O princípio da adequação das medidas de coação exprime a exigência de que exista uma correspondência entre os interesses cautelares a tutelar no caso concreto e a concreta medida de coação imposta ou a impor. Afere-se por um critério de eficiência, partindo da comparação entre o perigo que justifica a imposição da medida de coação e a previsível capacidade de esta o neutralizar ou conter. O princípio da necessidade tem subjacente uma ideia de exigibilidade, no sentido de que só através da aplicação daquela concreta medida de coação se consegue assegurar a prossecução das exigências cautelares do caso e não de outra qualquer ou da não aplicação de qualquer delas. O princípio da proporcionalidade assenta num conceito de justa medida ou proibição do excesso entre os perigos que se pretendem evitar e a aplicação da medida de coação escolhida. De acordo com o disposto no artigo 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e, tal como em todos os demais campos de aplicação, em matéria de aplicação das medidas de coação o princípio da proporcionalidade também terá de ser decomposto «em três subprincípios constitutivos: o princípio da conformidade ou da adequação; o princípio da exigibilidade ou da necessidade e o princípio da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito» (Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 264). Assim, no que respeita ao princípio da proporcionalidade, é imperioso que, em cada fase do processo, exista uma relação de idoneidade entre a medida aplicada ou a aplicar e a importância do facto imputado, bem assim, a sanção que se julga que pode vir a ser imposta, ou seja, tem de existir uma correlação entre a privação da liberdade individual que a medida de coação implica, a gravidade do crime e a natureza e medida da pena que, previsivelmente, virá a ser aplicada ao arguido. Estes princípios são uma emanação do princípio jurídico-constitucional da presunção de inocência constante no artigo 32º, nº 2 da Constituição. Tanto no que se refere à aplicação das medidas de coação em geral, como, muito especialmente, no que concerne às medidas de prisão preventiva e de obrigação de permanência na habitação, às quais é expressamente atribuído carácter excecional ou subsidiário, terão, pois, necessariamente, de obedecer a estes princípios constitucionais da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, consagrados nos artigos 18º, 27º e 28º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa (cfr. José António Barreiros, As medidas de Coacção e de Garantia Patrimonial no Novo Código de Processo Penal, Tolda Pinto, in “A Tramitação Processual Penal”, 2ª edição, Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, 2ª edição, volume II, pág. 250; Leal-Henriques e Simas Santos, Código de Processo Penal Anotado, vol. 1, 3ª edição, pág. 1270). No caso dos autos, o arguido começa por reiterar que devem ser excluídos os pontos 1, 2, 3, 6 e 9 a 17 da matéria indiciária, por ser conclusiva. Quanto ao ponto 7, 2ª parte, o arguido diz que o interior da garagem com o n.º … é uma zona comum dos condóminos e não uma zona afeta em exclusivo a um morador, não lhe estando afeta. Ambas as questões já foram tratadas acima, pelo que se dão por reproduzidas as considerações já expendidas sobre estes temas, das quais resulta a manutenção de todos os pontos considerados fortemente indiciados no despacho recorrido. O Tribunal recorrido considerou fortemente indiciada a prática pelo ora recorrente de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo art.º 21.º e 24.º, al. c) do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas l- A, I B e ll-A, anexas ao aludido diploma legal, e, bem assim, um crime de detenção de arma proibida, p.e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro (arma classe B); um crime de detenção de arma proibida, p.e p. pelo artigo 6º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro (arma classe B1); e um crime de detenção de arma proibida, p.e p. peto artigo 86.º, n.º 1, alínea b) do mesmo Diploma (munições). Quanto ao crime de tráfico agravado, tem-se entendido que o tipo desenhado no artigo 24º, com o aditamento de circunstâncias atinentes à ilicitude que agravam a pena prevista para o crime fundamental do art.º 21.º, se destina a prevenir os casos de excecional gravidade (cfr. o Ac. STJ de 15/01/2020, P.23/17.0PEBJA.S1, citando Ac. do mesmo STJ de 26/05/2005, proferido no processo nº 3438/05, 3ª secção, em www.dgsi.pt). Sobre a circunstância agravante prevista na alínea c) do art.º 24.º - avultada compensação remuneratória - a jurisprudência do STJ, de há alguns anos a esta parte, tem-se pronunciado, quase unanimemente, no sentido do conceito de avultada compensação remuneratória dever ser preenchido através da ponderação global de diversos fatores indiciários, de índole objetiva, nomeadamente da qualidade e quantidade dos estupefacientes traficados, do volume de vendas, da duração da atividade, do seu nível de organização e de logística, do grau de inserção do agente na rede clandestina, fatores que, valorados globalmente, são suscetíveis de fornecerem uma imagem objetiva e aproximada da remuneração obtida ou tentada (cfr. o Ac. STJ de 10/10/2018, P. 5/16.0GAAMT.S1 em www.dgsi.pt). No caso sob apreciação, o Tribunal integrou os indícios no tipo de crime agravado, com base na alínea c) do art.º 24.º do DL n.º 15/93. Todavia, apesar da quantidade e qualidade elevada de produto estupefaciente, bem como a detenção de quantias pecuniárias e em numerário, os indícios não permitem detetar a excecional gravidade que caracteriza a agravação, não resultando dos factos indiciados dados objetivos suficientes que permitam proceder a uma ponderação global que revele a verificação daquela agravante. Afigura-se, assim, que apenas está preenchido o tipo base do crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo art.º 21.º do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas l- A, I B e ll-A, anexas ao aludido diploma. Ainda assim, os ilícitos em apreço admitem a aplicação da medida de coação de prisão preventiva (art.º 202.º, n.º 1, al. a) e c) do CPP). Quanto aos perigos a que alude o art.º 204.º do CPP, concorda-se com a avaliação feita pelo Tribunal recorrido: Há perigo de continuação da atividade criminosa, considerando a elevada quantidade de produto estupefaciente detida pelo arguido e os elevados ganhos económicos proporcionados pelo tráfico, o lapso de tempo pelo qual perdura indiciariamente tal actividade. É certo que o arguido invoca que não tem averbado no seu registo criminal a prática de qualquer crime, encontra-se social e familiarmente inserido, tendo também uma fonte de rendimentos lícita. Todavia, essas circunstâncias não o afastaram da prática dos factos indiciados, pelo que não permite afastar o perigo de continuação da atividade criminosa. Também há perigo de perturbação do inquérito, pois a elevada quantidade de estupefaciente indicia a existência de um certo grau de organização, por via da qual o recorrente interage com outras pessoas, pelo que a sua colocação em liberdade permitiria, quer ao arguido, quer aos demais elementos que com este interagem na execução da conduta indiciada, dissipar ou sonegar elementos de prova, designadamente os atinentes a outros envolvidos. Acresce que «o tipo de criminalidade indiciada - considerada criminalidade altamente organizada (cf. art.º 1º, alínea m) do CPP) - e as consequências desta actividade, seja directamente na saúde publica, seja no incremento da criminalidade que se lhe encontra associada (essencialmente contra o património), evidenciam forte perigo de perturbação da tranquilidade publica». A prisão preventiva revela-se, assim, necessária e adequada para afastar os perigos enunciados. Considerando a quantidade e qualidade de produto estupefaciente detida pelo arguido, dinheiro em numerário e demais bens conexos com a atividade de tráfico de estupefacientes, a que acrescem as armas, que constituem um ilícito adicional, bem como o lapso de tempo pelo qual se indicia durar a atividade, é provável a aplicação de uma pena de prisão efetiva, em caso de condenação. Deste modo, a aplicação da prisão preventiva é proporcional à gravidade dos crimes e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas. O arguido alega que, caso se considerasse que ao Arguido deveria ser aplicada uma medida de coação privativa da liberdade, então deveria o mesmo ficar sujeito a OPHVE. Discorda-se, pois a medida prevista no art.º 201.º do CPP é claramente insuficiente para afastar os perigos supra enunciados, face aos ilícitos em apreço no caso concreto, desde logo porque não impede o prosseguimento da atividade criminosa a partir da residência do arguido. Veja-se, aliás, a quantidade de produto de estupefaciente detida pelo arguido, que revela a possibilidade de prosseguir a prática do ilícito na sua residência. Menos ainda se equaciona a mera obrigação de apresentações periódicas semanais. Face ao exposto, importa concluir pela total improcedência do recurso do arguido AA. *** 2 - Recurso do arguido BB a) Insuficiência da matéria de facto para a forte indiciação do crime imputado ao arguido/ nulidade ou irregularidade da decisão por falta de fundamentação. A primeira questão suscitada pelo recorrente consiste na insuficiência da matéria de facto indiciada para permitir imputar-lhe o crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo 21º e 24º c), do DL 15/93, alegando este que apenas lhe respeita a matéria dos pontos 3º, 5º e 8º, sendo que a factualidade do ponto 3º é imprecisa, vaga e indeterminável. Quanto aos pontos 6º, 9º, 10º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º, 17º, 19º, constituem tão somente premissas singelamente conclusivas e desprovidas de qualquer descrição de circunstâncias. O recorrente conclui que existe insuficiência da matéria de facto, nos termos do art.º 410º n.º 2, al. a) CPP, quando não se apura qual o produto estupefaciente, que quantidade e que concreta intervenção tiveram os arguidos quer na alegada aquisição, transação, transporte e destino. Cumpre apreciar. Preliminarmente, há que observar que os vícios do artigo 410.º CPP, são claramente vícios da sentença final, sobretudo, são vícios da matéria de facto (cfr. Ac. STJ de 20/06/2002, P. 01P4250 em www.dgsi.pt). São vícios relativos à sentença pois reportam-se à matéria de facto provada, e não a outros despachos, como aquele que se encontra sob recurso, em que apenas existe matéria de facto indiciada (cfr., neste sentido, o Ac. Rel. Porto de 15/02/2012, P. 918/10.2TAPVZ.P1 em www.dgsi.pt). Daí que a sua sindicância apenas possa passar pelo regime das invalidades (nulidades ou irregularidades processuais), e não pela arguição dos vícios previstos no art.º 410.º, n.º 2 do CPP, como se decidiu nos Ac. Rel. Coimbra 08/11/2023, P. 421/19.5T9PNI-C.C1 e Rel. Lisboa 09/01/2024, P. 20/22.4SWLSB-A.L1-5 em www.dgsi.pt). Por conseguinte, não tem cabimento a apreciação do vício invocado relativamente ao despacho recorrido. Não obstante, foi invocada pelo ora recorrente, em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, a nulidade/irregularidade do despacho que aplicou a medida e coação, por falta de fundamentação, nomeadamente por a matéria indiciada não conter uma suficiente especificação factual na parte que lhe respeita. É a seguinte a matéria de facto indiciada referente ao ora recorrente: «1 – (…). 2 – (…). 3 - Desde pelo menos ... de 2024 até à presente data, na área desta comarca, o arguido BB dedica-se - designadamente ao arguido AA, à venda de produtos estupefacientes, nomeadamente, heroína e cocaína, em contrapartida de quantias monetárias não concretamente apuradas. 4 – (…). 5 - O arguido BB, desde pelo menos ...de 2023 até à presente data o cartão ... (alvo 137066060), nos telemóveis com o IMEI ... (alvo 131662050) e ... (alvo 131662051). 6 - Na prossecução desta atividade e tendo em vista a iludir as autoridades policiais e a dificultar a sua deteção, os arguidos trocavam sistematicamente de números de telemóvel e de aparelhos telefónicos utilizando estes n.os de telemóvel para contactar entre si e com os consumidores, normalmente, muitas vezes através das redes sociais como o ínstagram, “WattsApp”, “Messenger", "Signal”, para acertarem os preços e as quantidades de produto estupefaciente a transacionar através de linguagem codificada e um discurso curto. 7 – (…). 8 - No dia ... de ... de 2024, na residência sita na Rua ..., o arguido BB na sua posse: — Em cima do parapeito da janela, um saco hermético de cor cinza, contendo no seu interior um pedaço de saco de plástico com uma substância que depois de ser sujeita a teste toxicológico, determinou tratar-se de cocaína, com o peso de 142,99 grs.; — Um saco hermético transparente com uma substância que depois de ser sujeita a teste toxicológico, determinou tratar-se de heroína, com 0 peso de 151,09 grs; — Ainda no quarto, a primeira gaveta da mesa de cabeceira, foi localizado e apreendido uma balança de marca “...", em funcionamento, desde 5 Grs/5 e5 Kg; — 900€, valor fracionado, 18x50€. 9 - Os produtos estupefacientes, que acima se descreveram, que os arguidos detinham eram por si destinados à sua cedência a terceiros a título oneroso. 10 - Os arguidos destinavam todos os objetos que detinham na sua posse e acima se descreveram para serem utilizados na atividade de cedência a terceiros dos produtos estupefacientes em causa. 12 - As quantias em dinheiro detidas pelos arguidos, nos termos supra indicados, eram única e exclusivamente produto dessa atividade. 13 - Os arguidos conheciam as características estupefacientes dos produtos que adquiriram e detiveram para venda, e que efetivamente transportaram, guardaram, venderam, entregaram a terceiros e que destinavam a ceder a terceiros a troco de dinheiro e com intenção de obter lucro. 14 - Os arguidos conheciam os efeitos nefastos para a saúde humana dos produtos estupefacientes por si guardados, transportados, cedidos a terceiros e/ou detidos. 15 - Ao arguido BB não é conhecida qualquer atividade licita. 16 - Os arguidos sabiam que é penalmente proibido guardar, adquirir, transportar, vender, ceder ou entregar a terceiros, como fizeram, ou por qualquer meio deter como detinham, nas circunstâncias acima descritas e para o efeito a que os destinavam, produtos estupefacientes da natureza e com as características especificadas, tanto mais que não tinham autorização legal para o efeito, e, não obstante, quiseram e agiram do modo descrito, de modo a obter vantagens económicas, como obtiveram, que bem sabiam não lhes serem devidas. 17 - Os arguidos ao agirem da forma descrita, fizeram-no com o propósito de proceder à venda/cedência a terceiros de produto estupefaciente, designadamente, heroína e cocaína, como lograram através das várias vendas/cedências a terceiros que efetivaram. 18 – (…). 19 - Agiram os arguidos em tudo e sempre de forma livre, deliberada e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal». A matéria em apreço resulta da imputação feita pelo Ministério Público, sendo certo que o arguido não prestou declarações no primeiro interrogatório de arguido detido. O art.º 194.º, n.º 6, al. a) do CPP dispõe que a fundamentação do despacho que aplicar qualquer medida de coação ou de garantia patrimonial, à exceção do termo de identidade e residência, contém, sob pena de nulidade a descrição dos factos concretamente imputados ao arguido, incluindo, sempre que forem conhecidas, as circunstâncias de tempo, lugar e modo. Quanto ao ponto 3.º, é verdade que o mesmo tem uma formulação algo genérica, como que introdutória dos pontos de facto subsequentes. Ainda assim, o mesmo contém alguma concretização no tempo (desde... de 2024), no espaço (nesta comarca) e até quanto aos sujeitos (venda ao arguido AA), sendo certo que, em conjugação com a restante matéria, nomeadamente a que resulta do ponto 8.º, permite uma suficiente enunciação de facto para se concluir pela imputação do ilícito. O mesmo se diga quanto aos pontos 6º, 9º, 10º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º, 17º e 19º, que não são premissas puramente conclusivas, especialmente quando conjugadas com o ponto 8º, cujo grau de concretização é pleno e consiste no cerne da matéria indiciária, pois a quantidade de produto estupefaciente e demais material detido pelo arguido constitui um fortíssimo indício material da prática do ilícito. Do exposto se conclui que não se verifica a nulidade prevista no art.º 194.º, n.º 6 ou qualquer irregularidade, nos termos do art.º 123.º do CPP, pelo que o recurso improcede quanto a esta questão. b) Insuficiência dos elementos de prova enunciados pelo Tribunal a quo para sustentar a indiciação do arguido pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado do art.º 21.º e 24º c) do DL 15/93. A segunda questão que o recorrente suscita consiste na ausência de elementos probatórios para justificar a indiciação pelo crime de tráfico de estupefacientes agravado. A este propósito, o despacho recorrido cindiu a fundamentação em dois momentos: num primeiro momento indicou os meios de prova do processo (autos de detenção e relatório policial; clichés policiais; autos de busca e apreensão; testes rápidos; autos de exame e avaliação; cota; folhas de suporte; fls. 1 962/74, 1978/9, 4212/3, 4212/6, 4241/3, 4244/5, 4268/71, 4291; fls. 1975/7,4272/4; ficha policial e pesquisa do IMTT, referente a AA e BB; fls. 1979/80 - pesquisa referente à viatura ligeira de passageiros de marca M/V, ... Golf com a matrícula ...; fls. 321719 - pesquisa referente à viatura ligeira de passageiros de marca ..., ... A com a matrícula ..-..-TU; Das escutas – Apenso 2 e 3); num segundo momento, após a enunciação dos factos, o despacho procede à concreta fundamentação. O recorrente põe em causa os meios de prova indicados e a sua relevância. Há que reconhecer que o despacho recorrido, ao indicar em conjunto os meios de prova, sem distinguir quais se reportam a cada um dos arguidos separadamente, permite ao ora recorrente invocar que muitos dos indicados não lhe respeitam. É o que sucede quanto aos relatórios de vigilância de fls. 1962/74, 1978/9, 4214/3, 4212/6, 4241/3, 4244/5, 4268/71, 4291, e as pesquisas de viaturas, os quais não respeitam ao recorrente, não podendo fundamentar a convicção quanto ao mesmo. No entanto, não é motivo para dizer que não existem elementos de prova respeitantes ao ora recorrente, nomeadamente os autos de busca, apreensão e detenção. Por outro lado, embora o relatório policial anexo ao auto de detenção não seja ele próprio meio de prova, contém informações relevantes para o exercício do direito de defesa, nomeadamente a identificação das escutas em que é identificado o recorrente em conversa com o arguido AA (nomeadamente as sessões 29267, 29274 e 29276 do alvo 13166240), pelo que não pode o recorrente excluir a relevância dos apensos de escutas pelo facto de respeitarem a AA, já que foi o cruzamento com este último que levou à sua identificação e à realização de busca à sua residência. Ainda quanto ao auto de busca, é indesmentível que do mesmo resulta que foi encontrado na residência do ora recorrente, sita na Rua ..., em cima do parapeito da janela do quarto onde este dormia, um saco hermético de cor cinza, contendo no seu interior um pedaço de saco de plástico com uma substância que depois de ser sujeita a teste toxicológico, determinou tratar-se de cocaína, com o peso de 142,99 grs.; um saco hermético transparente com uma substância que depois de ser sujeita a teste toxicológico, determinou tratar-se de heroína, com 0 peso de 151,09 grs; ainda no quarto, a primeira gaveta da mesa de cabeceira, foi localizado e apreendido uma balança de marca “...", em funcionamento, desde 5 Grs/5 e5 Kg; 900 €, valor fracionado, 18 x 50 €. Diz o recorrente que além dele estavam mais cinco pessoas em casa, incluindo CC, sua companheira, no mesmo quarto que o arguido. Seria, no entanto, contrário às mais elementares regras de experiência atribuir a esta ou a qualquer outras das ocupantes da casa a detenção destes produtos, visto que não consta que alguma delas tenha sido visada em investigação, contrariamente ao ora recorrente, relativamente ao qual já existia a suspeita de se dedicar ao tráfico de estupefacientes. Assim, não merece censura o juízo feito pelo Tribunal recorrido quando refere «não há como negar a evidencia de que qualquer cidadão que detém esta diversidade e quantidade de estupefaciente os destina a venda, dedicando-se a tal atividade com regularidade. Afirmar o contrário significa um atentado aos mais elementares juízos de experiência comum. Tal raciocínio serve também a convicção do tribunal relativamente ao arguido BB, ainda que a quantidade dos estupefacientes e a quantia monetária detidos seja inferior, mantendo-se, porém, ainda, longe do conceito insipiente (cf. o equivalente a cerca de 710 doses heroína, e a cerca de 1.500 doses de cocaína, e 900 € em quantia monetária detenção também desconforme com a ausência de rendimentos encontrados ao arguido)». Importa, pois, concluir que existem fortes indícios da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto no art.º 21.º do DL 15/93. Já quanto à agravação prevista no art.º 24.º, al. c) do mesmo Diploma, dão-se aqui por reproduzidas as considerações relativas à caracterização do tipo e à circunstância agravante (avultada compensação remuneratória), que acima se expenderam na apreciação do recurso do arguido AA. À semelhança do aí decidido – e até por maioria de razão - atenta a menor quantidade de produto estupefaciente e quantia pecuniária em numerário detidos, afigura-se que os indícios não permitem detetar a excecional gravidade que caracteriza a agravação, não resultando dos factos indiciados dados objetivos suficientes que permitam proceder a uma ponderação global que revele a verificação daquela agravante. c) Subsunção dos indícios à norma do art.º 25.º do DL n.º 15/93 (tráfico de menor gravidade). O recorrente defende que os factos devem ser enquadrados na norma do art.º 25.º do DL n.º 15/93, pois da prova recolhida não resulta mais do que uma atuação singular e sem qualquer estrutura, não existindo qualquer sofisticação de recursos nem de meios. Do auto de apreensão apenas é passível a inferência de que se trata de uma situação idêntica a um estádio de comercialização simplista, sem qualquer estrutura organizativa, sendo que circunstância de a quantidade de produto estupefaciente ser considera elevada não exclui nem dá amparo ao afastamento da subsunção à norma do tráfico de menor gravidade. De acordo com o disposto no art.º 21.º, n.º 1, do DL 15/93, «quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser em venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artº 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos». Por sua vez, o art.º 25.º do mesmo Diploma prevê o seguinte: «Se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de: a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI; b) Prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV». O crime de tráfico de menor gravidade, previsto no art.º 25.º do DL 15/93, de 22-01, pressupõe que a ilicitude se mostre consideravelmente diminuída. Como se refere no Ac. STJ de 12/03/2015 (P. 7/10.0PEBJA.S1 em www.dgsi.pt), «a ilicitude exigida neste tipo legal tem de ser, não apenas diminuta, mas mais do que isso, consideravelmente diminuta, pelo desvalor da acção e do resultado, tendo em conta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a quantidade ou a qualidade das plantas ou substâncias estupefacientes, como factos-índice a atender numa valoração global, não isolada, de que a configuração da acção típica não prescinde, em que a quantidade não é o único nem, eventualmente, o mais relevante». No caso dos autos, a matéria de facto indiciada não permite verificar a existência de um conjunto de circunstâncias que revele uma ilicitude consideravelmente diminuta. Desde logo, porque se imputa uma atuação que perdura, pelo menos, desde ... de 2024, logo não é uma atuação esporádica; que respeita a cocaína e heroína, que são das drogas mais devastadoras em termos de consequências para o consumidor; sendo certo que é reportada a venda ao arguido AA, ele próprio indiciado por tráfico. Deste modo, ainda que sem grande sofisticação de meios, os indícios apontam para uma forma de colaboração entre traficantes, sendo certo que a quantidade de produto detido não é despicienda, o que afasta um cenário de ato isolado e de diminuto impacto, para sustentar o próprio consumo, pois não resulta dos autos que o recorrente seja toxicodependente. Em suma, não estão indiciados factos que revelem uma ilicitude consideravelmente diminuída, pelo que a conduta do arguido não se subsume ao crime de tráfico de menor gravidade, previsto no art.º 25.º do DL 15/93, mas sim ao art.º 21.º do mesmo Diploma, o qual admite a aplicação da medida de prisão preventiva (art.º 202.º, n.º 1, al. a] e c do CPP). d) Ausência de elementos probatórios que revelem os perigos previstos no art.º 204.º, n.º 1, al. b) e c) do CPP. A última questão suscitada no recurso consiste na não verificação dos periculum libertatis invocados no despacho recorrido. Quanto a esta matéria, por razões de economia processual, dão-se aqui por reproduzidas as considerações já feitas na apreciação do recurso do arguido AA no que respeita à definição dos pressupostos legais da aplicação da medida de prisão preventiva. Considerou o Tribunal recorrido que havia perigo de continuação criminosa por parte do ora recorrente, atentos os elevados ganhos proporcionados pela atividade, a elevada quantidade de produto estupefaciente (não tão grande como no caso do co-arguido, mas ainda assim significativa), bem como a duração da conduta, suficiente para concluir que não se trata de atividade isolada, mas reiterada. Concorda-se com esta apreciação. O recorrente alega que não decorre dos elementos de prova enunciados no despacho recorrido uma especial propensão do mesmo para a delinquência e que o Ministério Público não trouxe aos autos qualquer elemento a partir do qual se possa deduzir que o arguido não tem atividade profissional, ou rendimentos que lhe permitam governar a vida em condições económicas normais. Discorda-se: a duração da conduta indiciada revela uma reiteração do ilícito, sendo certo que nada permite afastar a conclusão retirada pelo Tribunal de que não são conhecidos rendimentos ao recorrente. Também se considera existir perigo de perturbação do inquérito, pois a elevada quantidade de estupefaciente indicia a existência de um certo grau de organização no qual o arguido se enquadra (nomeadamente com o co-arguido), pelo que a sua colocação em liberdade permitiria, quer ao recorrente, quer aos demais elementos que com este interagem na execução da conduta indiciada, dissipar ou sonegar elementos de prova, designadamente os atinentes a outros envolvidos. Por último, atento o tipo de criminalidade e as consequências do tráfico de estupefacientes, que tem impacto direto na saúde dos consumidores e é em si mesma disruptora da vida familiar e social, para além de fomentar a criminalidade associada, entende-se existir um concreto perigo de perturbação da tranquilidade pública. A aplicação de uma medida detentiva apresenta-se, deste modo, necessária e adequada para afastar os perigos enunciados. Por outro lado, atenta a quantidade e qualidade de produto estupefaciente detida pelo arguido, dinheiro em numerário e demais bens conexos com a atividade de tráfico de estupefacientes, o lapso de tempo pelo qual se indicia durar a atividade, é provável a aplicação de uma pena de prisão efetiva ao arguido, em caso de condenação, pelo que prisão preventiva é proporcional à gravidade do crime e à sanção que previsivelmente venha a ser aplicada. Como se assinalou a propósito do recurso do co-arguido, a medida prevista no art.º 201.º do CPP é claramente insuficiente para afastar os perigos supra enunciados, face aos ilícitos em apreço no caso concreto, desde logo porque não impede o prosseguimento da atividade criminosa a partir da residência, sendo este, aliás, o local onde se encontrava o produto estupefaciente detido. Face ao exposto, importa concluir pela total improcedência do recurso * IV – Decisão Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar os recursos interpostos pelos arguidos AA e BB totalmente improcedentes, mantendo-se a decisão recorrida, que determinou a sujeição dos arguidos a prisão preventiva. Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC. * Comunique-se à 1ª instância. * Lisboa, 08/04/2025 Rui Poças Alda Tomé Casimiro Ana Lúcia Gordinho |