Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
80/18.2GBMTJ.L1-5
Relator: JOÃO ANTÓNIO FILIPE FERREIRA
Descritores: ACTO SEXUAL DE RELEVO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: (da responsabilidade do relator):
I - Para aferição da natureza do ato praticado pelo arguido, é necessário analisar o ato em si mesmo, mas também o contexto em que o mesmo se insere, sendo aqui relevante não só todo o comportamento anterior e posterior do arguido que nos permite descortinar o contexto em que os mesmos foram praticados, mas também o local, o tempo e as condições em que os mesmos ocorreram, como fatores de potenciação da sua ocorrência.
II - Não se estando perante atos descontextualizados, antes, sendo os mesmos o culminar de uma atuação persistente do arguido de aproximação aos menores, quer através de conversas, ofertas de prendas e imposição de contatos objetivamente de natureza sexual, os mesmos apenas podem ter uma justificação: o de propiciar ao arguido contactos de cariz sexual para satisfação dos seus instintos sexuais (na subjectiva dimensão dos mesmos, ainda que comunicáveis a terceiros).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - RELATÓRIO
1. O ACÓRDÃO RECORRIDO
Por Acórdão proferido em 6.12.2023, no Processo Comum por Tribunal Coletivo n.º 80/18.2GBMTJ do Juízo Central Criminal de Almada – Juiz 4, foi decidido:
1. Absolver AA de dois crimes de abuso sexual de criança agravado previstos nos artigos 171º, nº1 e 177º, nº 1, b) e c) do Código Penal (ofendidos BB e CC).
2. Condenar AA, por dois crimes de abuso sexual de criança agravados previsto nos artigos 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, relativamente ao ofendido DD, relativamente à ação de agarrar as nádegas (subir ao primeiro andar) e toques/carícias e palmadas nas nádegas nuas, na pena de 2 anos de prisão por cada um;
3. Condenar AA, por um crime de abuso sexual de criança agravado previsto no artigo 171º, nº 1 e 177º, nº1, b) do Código Penal, relativamente ao ofendido EE e aos toques/carícias e palmadas nas nádegas nuas, na pena de 2 anos de prisão;
4. Condenar AA por um crime de abuso sexual de criança agravado previsto no artigo 171º, nº1 e 177º, nº1, b) do Código Penal, quando ao ofendido EE e ao toque no pénis, na pena de 3 anos de prisão;
5. Condenar AA, por um crime de pornografia de menores, previsto nos artigos 176.º, nº 5 do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão.
6. Operar o cúmulo jurídico, condenando o arguido na pena única global de 5 anos de prisão.
7. Suspender a execução da pena pelo período de cinco anos.
8. Determinar que a suspensão da execução da pena seja acompanhada de regime de prova para cumprimento de plano individual de reinserção direcionado ao desenvolvimento de consciência crítica, compreensão dos valores subjacentes à condenação, avaliação dos fatores de repetição da conduta, sensibilização para eventual avaliação clinica ou psicológica e continuidade da inserção laboral estável.
9. Condenar o arguido nas penas acessórias previstas nos artigos 69º-B, nº2 e 69º-C, nº2 do Código Penal, de proibição de exercer função, emprego, profissões ou atividades públicas ou privadas cujo exercício envolva contacto regular com menores e proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores pelo período de 5 anos.
10. Condenar o arguido no pagamento a DD da quantia de 3 000,00 € a título de compensação de danos não patrimoniais.
11. Condenar o arguido no pagamento a EE da quantia de 5 000,00 € a título de compensação de danos não patrimoniais.
12. Declarar a perda em favor do Estado de todos os equipamentos eletrónicos e suportes informáticos apreendidos na posse do arguido e determinar, após trânsito, a sua destruição.
13. Condenar o arguido no pagamento das custas do processo, com taxa de justiça no valor de 3,5 unidades de conta processual.
14. Determinar a recolha de amostra do ADN do arguido, nos termos do disposto no artigo 8º da Lei 5/2008, de 05 de fevereiro obrigatoriamente precedida do cumprimento, por escrito, do direito de informação, previsto nos artigos 9º e 17º, nº 3, alínea b), da referida Lei.
15. Determinar que o arguido continue a aguardar a tramitação superveniente do processo sujeito às obrigações decorrentes da aprestação de termo de identidade e residência, proibição de contactar, por qualquer meio, o ofendido EE e proibição de frequentar o mesmo ginásio que o ofendido frequenta.”
***
2. O RECURSO
Inconformado, o arguido AA recorreu do Acórdão condenatório, apresentando a sua motivação, extraindo as seguintes conclusões:
B) A discordância do arguido AA no que tange ao Douto Acórdão recorrido prende-se com:
1. A Falta de elementos probatórios para a matéria de fato considerada provada, nomeadamente nos pontos 20°, 21°, 22°, 23°, 24° 28°, 29°, 30°, 31°, 32°, 36°, 37°, sendo que a prova existente impõe decisão inversa da recorrida, ou seja, a absolvição do arguido (reapreciação da prova da matéria de fato) nomeadamente quanto aos 4 crimes de abuso sexual de criança em que foi condenado.
2.Os factos dados como provados não integram os elementos subjetivo e objetivo dos crimes de abuso sexual de criança agravado, previstos nos artigos 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alínea b) do código Penal, pelos quais o arguido, ora recorrente foi condenado.
3. Sem prejuízo da decisão a proferir quanto aos pontos em a) e b) supra, sempre as compensações pecuniárias, aplicadas ao arguido são excessivas e desproporcionais, devendo por isso ser reduzidas, ao abrigo do disposto nºs art. ºs 40.°,71.º e 77.º do C. Penal.
C) Recorre o arguido AA de fato e direito nos termos do art.º 412 do Código de processo penal.
D) Para considerar provados os fatos constantes nos Pontos 20°, 21°, 22°, 23, 24° 28°, 29°, 30°, 31°, 32°, 36, 37°, diz o Douto Tribunal que se baseou no depoimento do arguido, valorado em confronto com os depoimentos registadas para memória futura (CD de folhas 336) transcritas a folhas 336 e seguintes (BB) 358 e seguintes (CC) 377 e seguintes (DD) 385 e seguintes (EE): As imagens que aparecem, a título de amostragem, no relatório de exame preliminar de perícia informática, a folhas 275. Visualizadas, em sede de audiência: A imagem (foto) do menor EE integrava os ficheiros encontrados nos suportes informáticos apreendidos na posse do arguido (folhas 175 e seguintes). A prova pericial consubstanciada no exame de telemóvel realizado pela unidade de perícia tecnológica e informática da polícia judiciária, constante do Apenso II, Auto de busca e apreensão junto a folhas 270 a 272. teor dos documentos (assentos de nascimento) de folhas 493 e 499. Para prova da idade dos ofendidos, à data dos factos, isto é, entre 2014 e 2018 e o certificado de registo criminal junto aos autos (folhas 955, verso) doente aferiu à inexistência de condenações anteriores.
E) Sendo que as referidas provas foram apreciadas pelo Douto Tribunal a quo atento o princípio da livre apreciação da prova (art. 127° do CPP).
F) Tal não significa que a atividade de valoração da prova seja arbitrária, na medida em que está vinculada a busca da verdade. Sendo limitada quer por algumas restrições legais quer pelas regras de experiência comum.
G) As regras da experiência comum, não são meios de prova, mas antes raciocínios, juízos hipotéticos do conteúdo genérico, assentes na experiência comum independentes dos casos individuais em que se alicerçam.
H) No caso vertente, através da objetivação e motivação explanada no douto acórdão de que se recorre é, inequivocamente notório que foi usado para além do que é consentido pelas regras da experiência comum da vida, pelo que acabou por fundar conclusões completamente inaceitáveis e até contrárias à prova produzida
I) No decorrer da audiência de julgamento prestaram depoimento 30 testemunhas entre as arroladas pela Ministério Publico e as arroladas pelo arguido, depoimentos que foram totalmente ignorados pelo Douto Tribunal a quo
J) Se o Douto Tribunal a quo, erradamente, não o tivesse feito, forçosamente teria que concluir de outra forma, e absolver o arguido dos 4 crimes de abuso sexual de crianças agravado, em que o condenou.
K) Estamos na presença uma equipa de bairro, em que a maior parte dos atletas são de condições socio económicas baixas. Para estes atletas a equipa, os elementos da direção treinadores principais e adjuntos são também guias, amigos e orientadores de situações que vão para além dos treinos e jogos de futebol. E foi esta responsabilidade de ser um guia, um apoio e um amigo, para os atletas que o arguido avocou.
L) O teor das conversas / mensagens refletem preocupações, muito mais próximas de um progenitor que quase e em tom de brincadeira aferia do bem-estar dos menores pois versavam sobre os treinos e situações do quotidiano dos menores, como "se tinham comido" "o que comeram" "onde estavam" para além de algumas brincadeiras que matinha com os atletas, mormente com os ofendidos, não representando nunca um propósito de cariz sexual, nem tão pouco conversa, obscena.
M) Do conteúdo das mesmas não pode ser retirada qualquer outra intenção que não seja de que os menores o pudessem ver como alguém que ali estaria sempre pronto para os ouvir ajudar e incentivá-los a melhorar quer no treino quer jogo, quer até nos problemas que tivessem a ter nas vidas privadas.
N) Não se provando ou demonstrado ao longo de toda a prova produzida um qualquer outro interesse de aproximação, para um qualquer fim ilícito,
O) Nunca os atletas em geral ou os ofendidos em particular, alguma vez lhe deram a entender ou expressaram ao arguido o desagrado por esses contactos, as declarações prestadas pelos atletas inclusivamente ofendidos resultou provado inequivocamente que o arguido era tido como uma pessoa bem-disposta, alegre, brincalhona
(FF: Sim, era brincalhão. Mas era assim igualmente com todos, não era com uma pessoa especifico que eu me recorde.), Pese embora por vezes um bocadinho "Chata"
P) Os próprios atletas que procuravam de modo próprio, o colo do arguido e que o abraçavam, situações que aconteciam não só com o arguido, mas com os demais treinadores e membros da direção do Clube...
Q) Todas as situações relatadas como atirar os menores ao ar, abraçar os menores, "dar dentadas no entrecosto", beijos na testa, sentar ao colo, eram efetuadas no exterior do clube, perante os olhares dos progenitores diretores do clube e treinadores.
R) Durante o hiato temporal em que o arguido desempenhou funções no mencionado clube e o ofendido EE o frequentou foram criados laços de amizade ente o arguido o ofendido e a família deste que transvasaram a dinâmica e relação treinador atleta para uma relação de convívio e amizade. Entre o arguido o ofendido EE e a família deste, passando muitas vezes o arguido a conviver em festas /tertúlias passeios com estes e a convite destes. (GG: O AA. Chegou a ir almoçar com o pai do EE e irem todos para a tertúlia, que o pai do EE participa numa tertúlia no ...); (GG: E chegou a ir para a quinta do pai do EE andar a cavalo).
S) Avó do ofendido EE faleceu e, a mãe ficou doente. Na sequência desses acontecimentos o pai do menor solicitou que a equipa técnica (treinador principal e treinador adjunto) tivessem uma atenção redobrada ao comportamento do menor, pois o mesmo encontrava- se muito triste e deprimido (GG: Pelo menos eu acho que sim. Pelo menos na altura que a avó do EE faleceu e que a mãe teve doente, o próprio pai veio ter connosco para ver se nós dávamos uma força ao EE); (GG: Comigo e com o AA para ver se a gente dava uma força naquela altura ao EE, que ele estava a passar uma má fase e nós ajudámos no que podíamos.)
T) Há data dos fatos e fruto da relação de amizade que se construiu entre o arguido e a família do ofendido EE o arguido passou a trocar mensagens com a irmã do EE, tendo inclusivamente com esta falado sobre a Prenda que iria oferecer ao EE nos anos.
como se pode aferir do teor das fls dos autos. (GG: Acho que houve uma prenda dada)
U) As condições socio económicas dos atletas não eram as melhores, havendo como prática habitual, quer dos elementos da equipa técnica, quer da direção do clube, a oferta de materiais desportivos aos jogadores, para que estes não jogassem com equipamentos danificados. Dai a oferta de tênis e outros artigos desportivos, por parte do arguido, aos menores BB e CC. (GG: Havia de todo o tipo, havia pais que financeiramente eram estáveis que já viviam na parte, teoricamente, rica do ... e tínhamos meninos mesmo do bairro que também dependiam das chuteiras que nós dávamos a eles do clube, ou às vezes, nós treinadores tinha que ser do nosso bolso.); (GG: Sim, cheguei a oferecer umas luvas ao meu guarda redes, ao HH porque ele no treino de quinta feira rasgou as luvas e eu decidi comprar umas luvas para ele poder jogar no sábado.); (GG: Umas chuteiras, porque o miúdo, pelos vistos, tinha as chuteiras rotas e acho que isso é completamente normal.)
V) Por absoluta falta de prova, não poderia o Douto Tribunal a quo ter dado como provado em 29° da matéria de facto.
W) O arguido foi com os menores BB e CC e amigos destes atletas às piscinas de ..., o que fez a pedido destes por nunca terem ido às piscinas, sempre com um pequeno grupo e autorização dos pais, uma única vez e
X) Arguido foi uma vez ao cinema com os atletas sub 1, situação normal, acontecer no final nesta atividade desportiva e noutras, programas de equipa nos clubes de bairro e com autorização dos pais.
Y) Por absoluta falta de prova, não poderia o Douto Tribunal a quo ter dado como provado em 24° da matéria de facto.
Z) Relativamente ao fato refletido em 21º da matéria de fato, outra deveria ter sido a conclusão retirada pelo douto tribunal a quo, que e salvo melhor opinião apenas ponderou as declarações para memória futura do ofendido DD ignorando todas as outras declarações prestadas pelas testemunhas GG, FF, II, JJ: (DD: Sim, pronto. Só que eu prefiro tomar em casa, não é? E houve um jogo, um não, pronto houve um específico, sim que a gente tinha acabado o jogo, tínhamos ido para o balneário, e estava se tudo a preparar para ir tomar banho.
E supostamente, a gente toma banho como quiser e bem nos apetece certo? Vestidos ou não vestidos. Mas depois esse senhor ai lembrou-se de dizer que iriam tomar banho era sem nada, era todos despidos. E que, normalmente, também normalmente, todos os treinadores saem dos balneários e deixa-nos à vontade, certo? Mas pronto- posso dizer o nome dele certo? Que é para, pronto.... O sr. AA não quis sair do balneário, e queria ficar la ver.); (GG: Alguns tomavam de bóxeres, outros tomavam nus. Eu pessoalmente acho mal tomarem de bóxeres porque é uma falta de higiene.)
AA) Atendendo a globalidade da prova testemunhal produzida não poderia o Douto Tribunal à quo ter considerado no nº 21º dos fatos provados que o arguido (...) acedeu ao interior dos balneários destinados aos jogadores do clube, em vez de utilizar os balneários destinados aos treinadores, e ali permaneceu, enquanto os menores EE, DD e BB, entre outros, tomavam duche, insistindo para que o fizessem sem boxers, ou seja, completamente despidos. (Negrito e sublinhado nosso), porquanto a maioria da prova testemunhal contradiz a versão do ofendido DD. Errando manifestamente na apreciação da prova produzida.
AB) E assim não se entender, sempre se dirá que neste caso concreto no mínimo deveria ter sido suscitado duvida insanável ao Douto Tribunal a quo.
AC) Por falta de prova e ou por dúvida insanável, não poderia o Douto Tribunal "a quo" ter considerado provado, como o fez, o n.º 21 da matéria de fato.
AD) Por absoluta falta de prova, não poderia o Douto Tribunal "a quo ter dado como provado em 20.° da matéria de facto, "(...) e ao DD agarrava o com as mãos nas nádegas, assim as apalpando,
AE) O próprio arguido o confessou ter por uma ou duas vezes atirado o ofendido DD ao ar, porque este dizia ter vertigens (...)
AF) É difícil entender que quando o fazia, na descida conseguia segurar o ofendido com as 2 mãos nas nádegas, apalpando-as, até porque e atendendo a dinâmica da ação aqui descrita será difícil entender como conseguia o arguido proceder dessa forma e com essa intenção,
AG) O que o ofendido DD refere é que por vezes nessa ação o arguido tocava ou agarrava no rabo, ora e à luz das regras da experiência comum, o normal é de concluir que o tenha feito e, atendendo dinâmica da ação que se encontrava a decorrer, inadvertidamente com o único intuito de segurar o atleta, por forma a que o mesmo não caísse, E não que o tenha feito com a intenção de um qualquer intuito libidinoso; (DD: Sim imagine, nós estamos, ás vezes, substituem-nos impercetível Mas o AA tinha várias brincadeiras, com várias crianças, e uma delas... impercetível era comigo. Que ele chamava "subir ao primeiro andar". Que ele tipo, ele agarrava-me, jogava-me ao ar, e quê. Cenas assim, E de vez em quando impercetível... não dá para reparar, que ele tocava no rabo, percebe? E eu não gostava dessas situações.) (GG: Por exemplo, estamos todos num convívio depois do jogo, o miúdo vai ao pé dele e ele agarra o miúdo e atira ao ar e, brincadeiras entre eles, acho que não tem mal isso.)
AH) Atendendo à globalidade da prova testemunhal produzida (depoimento testemunhal de GG, declarações para memória futura do DD, teor das mensagens mantidas entre o arguido e o ofendido DD (constantes no fato nº 11 dos fatos provados) e declarações do arguido, temos que por absoluta falta de prova não poderia o Douto Tribunal a quo ter considerado como provado como o fez no número 20 dos factos provados que o arguido "(...) ao DD agarrava-o com as mãos nas nádegas, assim, apalpando (..)" porquanto nem o arguido, nem o ofendido, nem qualquer outra testemunha referiu tal situação.
AI) Pelo que e, face ao conjunto prova produzida em audiência de julgamento, o facto inscrito em 20 da matéria de facto, teria que ser dado como não provado, pois a mesma não justifica a motivação e convicção do Douto Tribunal a quo que o levou a condenar o arguido pela prática, como autor material de:
Dois crimes de abuso sexual de criança agravado, previsto nos art.ºs 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1. alínea b) do código Penal relativamente ao ofendido DD, relativamente à ação de agarrar as nádegas (subir ao primeiro andar) e toques e caricias e palmadas nas nádegas nuas, na pena de 2 anos de prisão para cada um.
AJ) Por absoluta falta de prova, não poderia o Douto Tribunal a quo ter dado como provado em 23° da matéria de facto, "(...) chegou a tocar, e em jeito de caricias e a dar palmadas nas nádegas nuas do DD e (...).
AK) Pois, tal situação não resulta inclusivamente das declarações para memória futura do ofendido DD, transcritas a folhas 377 e seguintes (DD: lá. Quer dizer, para a gente não, para eles, que eu sai logo, Para os meus colegas, porque eu sai) (Juiz: Não tomaste banho?
DD: Eu não.) (Juiz: Portanto aquilo que, daquilo disseste- foi a ideia que fica e que ele tinha comportamentos estranhos, não é. Mas nunca teve comportamentos deliberadamente sexual contigo, nem que tu visses? DD: Nem que eu visse, não)
AL) Em parte nenhuma das suas declarações o ofendido refere tal situação, acrescendo ainda que o ofendido nem sequer tomava banho após os jogos ou treinos no balneário do clube.
AM) Logo o facto inscrito em 23 da matéria de facto, relativamente ao ofendido DD teria que ser dado como não provado. Pois nenhuma prova se produziu que justifique a motivação e convicção do Douto Tribunal a quo que o levou a condenar o arguido pela prática, como autor material de:
Dois crimes de abuso sexual de criança agravado, previsto nos art.ºs 171.º, nº l 177.º, n.º 1, alínea b) do código Penal relativamente ao ofendido DD, relativamente a acção de agarrar as nádegas (subir ao primeiro andar) e toques e caricias e palmadas nas nádegas nuas, na pena de 2 anos de prisão para cada um.
AN) Por absoluta falta de prova, não poderia o tribunal à quo ter dado como provado em 23 da matéria de facto, "(...) o arguido chegou a tocar levemente em jeito de caricia e dar palmadas nas nádegas nuas (...) do EE", pois, tal situação não resulta inclusivamente das declarações das declarações para memória futura do ofendido EE, transcritas a folhas 385 e seguintes: (EE: E ele ás vezes tocava-nos no rabo quando a gente estava a se ir embora e a partir daí já não me estava a sentir muito à vontade) (Juiz: Mas, tocava-vos no rabo como? EE: Por exemplo, dava-nos chapadas no rabo com força às vezes. Pronto de início pensávamos que era brincadeira, mas depois sempre que acabámos era sempre.")
AO) Os "toques no rabo" eram no fundo chapadas com força e tal acontecia quando o ofendido em questão, se estava a ir embora. Logo, a luz das regras da experiência comum, não deveria certamente o menor estar nu, mas sim vestido. Não se entendendo de onde resultou (...) chegou a tocar levemente em jeito de caricias e a dar palmadas nas nádegas nuas (...)."
AP) Interpretou, incorretamente, o Douto Tribunal a quo as declarações para memória futura do ofendido EE. Pelo que não poderia este facto 23° da matéria de facto dada como provada, nenhuma prova se produziu que justifique a motivação e convicção do Douto Tribunal a quo que o levou a condenar o arguido pela prática, como autor material de:
Um crime de abuso sexual de criança agravado, previsto no artigo 171.º, nº 1 e 177.º, n.º 1, alínea b) do código Penal relativamente ao ofendido EE e aos toques e caricias e palmadas nas nádegas nuas, na pena de 2 anos de prisão para cada um.
AQ) Por absoluta falta de prova, não poderia o Douto Tribunal a quo ter dado como provado, como o fez em 30 dos factos provados, que, "(...) o arguido aplicou gelo em zona genital daquele e ao mesmo tempo com a outra mão tocou no pénis do ofendido, não obstante os protestos deste, dizendo que não lhe doía o pénis.".
AR)-Pois atendendo às declarações do ofendido, concluímos que a ação decorre no campo, numa situação de emergência, que o ofendido estava com dores na zona genital que por isso mesmo o arguido tentou se aperceber concretamente onde aplicar o gelo e para o fazer precisou de tocar no pénis do menor, por forma a desviá-lo de modo a poder colocar o gelo nos testículos do mesmo e que, assim, que o menor lhe indicou a zona concreta, o fez.
AS) Atendendo à emergência da situação, o local onde a mesma decorria (no campo, no decurso de um jogo de futebol, perante o olhar do público em geral, nomeadamente dos progenitores), não se pode concluir que o arguido quis, intencionalmente, tocar no pénis do ofendido EE por simples satisfação de um qualquer prazer libidinoso, mas sim, para socorrer convenientemente o atleta, pois tal conclusão contraria as regras da experiência, assim como das normais legais e ademais jurisprudência que tal ação possa ser enquadrada como um ato sexual de relevo.
AT) O contexto dos factos relatados, não apontam para qualquer intenção sexual, mas sim para outro tipo de intenções como o de APOIO e CUIDADO numa situação de emergência, o FESTEJAR os resultados favoráveis dos jogos e de DIVERSÃO brincando com os atletas, o que ocorriam lugar publico e à vista inclusivamente dos progenitores dos atletas e dos aqui ofendidos, os quais não revelaram preocupação ou incómodo com os mesmos o que é demonstrativo por si só da normalidade dos atos praticados.
AU) Pelo que não poderia este facto, 30º da matéria de facto dada como provada, e do conjunto da prova produzida em audiência de Julgamento ter resultado na motivação e convicção do Douto Tribunal a quo que o levou a condenar o arguido pela prática, como autor material de:
Um crime de abuso sexual de criança agravado, previsto no artigo 171.º, nº 1 e 177.º n.º 1, alínea b) do código Penal quanto ao ofendido EE e ao toque no pénis na pena de 3 anos de prisão.
AV) Quanto ao fato 22 e 36. da matéria de fato dada como provada. Feita a análise das imagens verifica-se que o arguido nas filmagens não aparece a repreender o menor, ora não pode é concluir o Douto Tribunal "à quo "que por não estar na gravação que não o tenha feito. Apenas não consta da gravação.
AW) A situação (filmagem pelos atletas com a GOPRO do arguido e sem autorização deste dos colegas dentro do balneário e até fora dele) aconteceu uma única vez no hiato de tempo que decorreu entre 2013 e 2019 e o arguido afirma não ter assistido às gravações, desconhecendo a natureza das mesmas.
AX) À luz das regras da experiência comum, o normal é fazer a transferência das gravações efetuadas por uma câmara quando a mesma atinge quase a totalidade da sua memória para um disco, muitas das vezes já sem nos recordarmos efetivamente do teor das gravações que efetuamos, quanto mais de uma que não efetuamos. Por isso não se entende que o tribunal a quo não tenha valorizado as declarações do arguido quando afirmou "que nem sequer verificou o que aí estava registado"
AY) A luz das regras da experiência comum, não poderia deixar de o fazer, pelo que não apresenta qualquer lógica, nem se encontra alicerçada em qualquer prova a conclusão do Douto Tribunal a quo.
AZ) Pelo que e, face à prova produzida em audiência de julgamento, os factos inscritos em 22 e 30 da matéria de facto, relativamente ao ofendido DD teria que ser dado como não provado.
BA) Relativamente ao episódio da deslocação da equipa ao torneio de ..., o Douto Tribunal a quo" não deveria ter concluído da forma como o fez porquanto referida imagem, representa o menor a dormir vestido embora destapado, foto esta que, objetivamente considerada, não tem cariz sexual erótico ou libidinoso, tendo em conta o local, ..., época do ano (Verão) em aconteceu, à luz das regras da experiência comum, ter-se-ia de concluir que o menor se tivesse destapado face ao calor.
BB) E tendo em conta, a relação de amizade estabelecida entre o arguido o EE e a família do EE, e vivendo, nós já a data dos fatos numa era digital, de que a utilização dos meios audiovisuais com preponderância para a imagem, nomeadamente, tendo-se tornado banal o envio de fotos e vídeos em estilo de mensagem, não se consegue entender a conclusão a que chegou o Douto Tribunal " a quo" pois à luz das regras da experiência comum, teria a obrigação de chegar a outra conclusão.
BC) Pelo que o Douto Tribunal "a quo" errou manifestamente na apreciação da prova produzida em audiência de julgamento, interpretada à Luz das regras da experiência comum, os factos inscritos em 32 e 37 da matéria de facto, teriam de serem dados como não provados.
BD) Não poderia, pois, o Douto Tribunal recorrido ter considerado, como o fez, provados os fatos constantes nos art.º 20°, 21°, 22°, 23°, 24°, 28°, 29°, 30°, 32º e 37º dos fatos provados da Douta Sentença recorrida, sendo que, uma correta apreciação da prova produzida impõe que se considerem como não provados estes fatos.
BE) Mesmo que assim não se entenda, o que não se concebe de todo, pelo menos, sempre será forçoso concluir estarmos perante uma dúvida insanável, que nos termos do principio geral de direito IN DUBIO PRO REO, o que conduzirá a absolvição do arguido
BF) Pelo que, e salvo o devido respeito, que é muito, o Douto Tribunal a quo analisou mal a prova produzida, violando o disposto 13º e 32.º n.º 2, 1ª parte da Constituição da República Portuguesa: 40.°, 50.º e 71.º n.º 1 e 2 do Código Penal, 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem 97.º n.º 5. 127.º, 374.º n.º 2 e 379.º n. 1 alínea a) e alínea c) todos do Código de Processo Penal,
BG) A Verdade é que com base na prova produzida e existente nos autos (ou na falta dela) não poderia o Douto Tribunal a quo ter considerado provados os fatos constantes no ponto art.º 20°, 21°, 22°, 23°, 24°, 28°, 29°, 30°, 32° e 37°. dos fatos provados da Douta sentença recorrida, não poderia ter condenado o arguido como o fez pela prática dos 4 crimes de abuso sexual pelos quais este foi condenado.
BH) Ao invés, uma correta apreciação da prova produzida, nomeadamente das declarações do arguido, das declarações para memoria futura dos menores/ofendidos DD, EE, e dos depoimentos das testemunhas GG, KK, FF, II e JJ, atrás transcritos, apreciados à luz das regras da experiência comum, impõe uma outra motivação e convicção contrária à adotada pelo Douto Tribunal à quo, o que impõe que se considerem NÃO provados os fatos referidos nos artigos 20°, 21° 22°, 23°, 24°, 28°, 29°, 30°, 31°, 32°, 36°e 37°, absolvendo-se o arguido da prática dos 4 crimes de abuso sexual de criança em que foi condenado.
BI) Nem que não fosse pela aplicação do Princípio Geral In Dubio Pro Reo, totalmente desconsiderado pelo Douto Tribunal a quo, e que impunha também, a absolvição do arguido de forma a fazer-se a esperada e costumada Justiça.
BJ) Pelo que deverá a Douta decisão recorrido ser substituída por outra onde, passe a constar nos fatos não provados os agora constantes nos nºs 20°, 21°, 22°, 23°, 24°, 28°, 29°, 30°, 31, 32, 36°e 37° dos fatos provados do Douto acórdão recorrido e se absolva o arguido AA da prática dos 4 crimes de abuso sexual de crianças agravado p. p. 171., nº 1 e 177.º, n.º 1, alínea b) do código Penal
BK) Os factos dados como provados não integram o elemento subjetivo e objetivo dos crimes de abuso sexual de criança agravado, previstos nos artigos 171., n° 1 e 177.º, n. 1, alinea b) do código Penal, pelos quais o arguido, ora recorrente foi condenado. Pois refere o art. 171°, nº 1 do Código Penal "Quem praticar "ato sexual de relevo" com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo com outra pessoa é punido com pena de prisão."
BL) E o elemento objetivo do crime de abuso sexual de crianças, como decorre da própria letra da lei, é a prática de um ato sexual de relevo
BM) São atos sexuais de relevo os que constituem uma ofensa séria e grave à intimidade do sujeito passivo e invadem de maneira objetivamente significativa aquilo que constitui a reserva pessoal, o património íntimo que no domínio da sexualidade é apanágio de todo o ser humano. De acordo com o professor Figueiredo Dias e Paulo Pinho Albuquerque
BN) Ora certo é que nenhum dos atos pelos quais o arguido ora recorrente foi condenado têm ou possamos atribuir um cariz sexual, ou num conceito que inclua a lascívia e intuito sexual de atos preparatórios para a prática de outros atos sexuais. nem no seu todo nem por si só são enquadráveis como atos sexuais de relevo, pois nunca foram praticados num contexto sexual nem com a intenção de satisfazer os seus instintos libidinosos.
BO) As mensagens escritas e trocadas não representam propósito de cariz sexual nem sequer estamos em sede da conversa obscena (sendo que, até nesta sede não poderia ser uma qualquer conversa que recaia sob temas sexuais, sendo sim necessário e suficiente é que a conversa tenha uma natureza e uma intensidade pesada e teor sexual, de tal modo que, ela se releve num instrumento idóneo para prejudicar um harmonioso desenvolvimento da personalidade da criança na esfera sexual). O que não aconteceu de todo.
BP) Todas as situações relatadas como atirar os menores ao ar, abraçar os menores, "dar dentadas no entrecosto", beijos na testa, sentar ao colo, eram efetuadas no exterior do clube, perante os olhares dos progenitores diretores do clube e treinador, não apontando nenhuma destas situações para qualquer intenção sexual, ou intuito libidinoso estando contextualizadas noutro tipo de intenções como o de ΑΡΟΙΟ aos atletas mesmo em situações particulares e de necessidade CUIDADO nas situações de emergência, FESTEJAR os resultados favoráveis dos jogos e de DIVERSÃO brincando com os atletas. Não podendo por isso ser enquadráveis como acto sexual muito menos de relevo.
BQ) E pese embora estejamos perante um crime de perigo abstrato (crime de mera atividade que não exija) certo é que, no caso concreto o elemento objetivo do tipo legal não se encontra preenchido, o arguido não praticou qualquer conduta que fosse suscetível de perturbar o desenvolvimento harmonioso dos menores aqui em causa, não atuando sobre estes por qualquer meio idóneo para prejudicar o livre e harmonioso desenvolvimento dos menores na esfera sexual.
BR) Quanto ao elemento subjetivo do tipo de crime exige-se dolo e atenta a factualidade produzida em audiência de julgamento não resultou que o arguido o tenha representado como consequência possivel na sua conduta o preenchimento de um tipo legal de crime e também não ficou provado que o arguido se conformou em atuar com aquela realização. Não se tendo verificado assim, a existência de dolo em qualquer das suas modalidades, incluindo o eventual.
BS) Os atos praticados pelo arguido não merecem qualquer censura penal. É assim manifesto que não se encontram reunidos os elementos objetivo e subjetivo do tipo legal de crime de que o arguido vem acusado.
BT) Sem prejuízo da decisão a proferir quanto aos pontos em a) e b) supra, sempre é insuficiente a matéria de fato provada no valor atribuído às compensações pecuniárias, aplicadas ao arguido que considera excessivas e desproporcionais, devendo por isso, serem reduzidas, ao abrigo do disposto no 52° n° 2 do C. Penal.
BU) O direito à indemnização com base em facto ilícito a favor dos menores requer, antes de mais, que estes tenham sido lesados e sofrido danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (conf. nº 1 do art.º 496° do Código Civil).
BV) No caso concreto não se apurou das condições socio económicas dos ofendidos e relativamente ao arguido das condições socio económicas, o Douto Tribunal a quo limitou-se a aferir quanto a este, o valor do seu vencimento (art.º 51.º n.º 2, do Código Penal, art.ºs 374.°, n.º 2 e 379.º n.º 1 alínea a) e alínea c) do Código de Processo Penal)
BW) Ora, face aos fundamentos supra expostos, a ausência de danos tutelados pelo direito, não se conforma o arguido com o montante das compensações pecuniárias de € 3 000,00 e de € 5 000,00, atribuídas respetivamente, aos menores DD e EE em que foi condenado.
BX) Pelo que, em nosso entender e quanto aos valores indemnizatórios em que o arguido foi condenado, a matéria de facto provada é insuficiente padecendo o Douto acórdão do tribunal a quo do vício descrito no art.º 410.º, n. 2 al. a), do Código de Processo Penal e violando o disposto no artigo 13º da C. R. P. e nos artigos 51.º n.º 2, do Código Penal,
BY) Ainda que assim não entenda o douto tribunal ad quem, sempre se dira, serem excessivos os montantes arbitrados a título de compensações pecuniárias que se deveriam fixar no montante máximo de € 1000,00 para cada ofendido.
BZ) Entendemos assim que se mostram violados o disposto no artigos 13º e 32.º n.º 2, 1º parte da Constituição da República Portuguesa: 40.°, 50.°, 51.º n.º 2, 71.º n.º 1 e 2 do Código Penal, 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem 97.º, n.º 5, 127.º, 374.º n.º 2 e 379.º n.º 1 alínea a) e alínea c) todos do Código de Processo Penal, e ainda o previsto no artigo 483.º do Código Civil, por ter considerado (mal), como provados, os factos descritos em, 20, 21, 22, 23, 24, 28, 29, 30, 31, 32, 36 e 37, da matéria de facto.
Nestes Termo, sempre com o Douto Provimento de V. Exas, Venerandos Juízes Desembargadores, deverá conceder-se integral provimento ao presente recurso, e em consequência, deve o Douto Acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro em que: Passe a constar nos fatos não provados os agora constantes nos nºs 20°, 21°, 22°, 23°, 24° 28°, 29°, 30°, 31°, 32°, 36°e 37° dos fatos provados do Douto acórdão recorrido e,
Se absolva o arguido AA da prática dos 4 crimes de abuso sexual de crianças agravado p. p. 171.º, n° 1 e 177.°, n.º 1, alínea b) do Código Penal, bem como das quantias a título de compensação de danos não patrimoniais em que foi condenado.
80 SEM PRESCINDIR, ainda que esse não seja o entendimento do Douto Tribunal as quem
Se absolva o arguido AA da prática dos 4 crimes de abuso sexual de crianças agravado p. p. 171.º, nº 1 е 177.°, n.º 1, alínea b) do código Penal, por os factos dados como provados não integrarem o elemento subjetivo e objetivo dos crimes de abuso. sexual de criança agravado, previstos nos artigos 171.º, nº 1 e 177.º, n. 1, alínea b) do código Penal, pelos quais o arguido, ora recorrente foi condenado, como das quantias a título de compensação de danos não patrimoniais em que foi condenado.
SEM PRESCINDIR, ainda que esse não seja o entendimento do Douto Tribunal as quem
A matéria de facto provada e insuficiente para condenar o arguido nas compensações pecuniárias de € 3 000,00 e de € 5 000,00, atribuídas respetivamente, aos menores DD e EE.
Ou e por mera cautela de patrocínio se assim não entender o Douto Tribunal ad quem considerar excessivos os montantes das compensações pecuniárias arbitrados aos menores DD e EE fixando os mesmos no montante máximo de €1000,00 para cada ofendido.
*
O Ministério Público em 1.ª instância respondeu ao recurso, apresentando a sua motivação, extraindo as seguintes conclusões:
A) Não se afigura que assista qualquer razão às recorrentes quanto a qualquer dos pontos de facto impugnados, já que, em nosso entender, o acórdão recorrido efectuou uma correcta apreciação da prova constante dos autos e daquela produzida em audiência, e uma rigorosa subsunção da factualidade provada ao Direito aplicável.
B) Da leitura atenta da fundamentação do acórdão recorrido (em especial da parte sublinhada supra), não se nos suscitam quaisquer dúvidas quanto ao raciocínio lógico-indutivo percorrido pelo Mm.º Tribunal a quo, raciocínio esse que cumpriu integralmente o disposto nos artigos 127.º e 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
C) O Mm.º Tribunal a quo analisou crítica e devidamente todos os elementos de prova relevantes – em especial as declarações do arguido, as declarações para memória futura, os depoimentos das testemunhas e o relatório pericial informático junto aos autos – explanando a sua convicção quanto à credibilidade de cada uma das versões, no confronto entre si, quanto a cada um dos pontos de facto em discussão, com apelo a regras da experiência comum e segundo critérios objectivos e atendíveis, de forma a alicerçar a sua convicção.
D) Fazemos nossas as palavras do Mm.º Tribunal a quo, designadamente quando evidencia a ausência de credibilidade e de compatibilidade com as regras da experiência comum das declarações do arguido na sua tentativa de conferir normalidade quer à ofertas dos ténis e equipamentos, quer ao “subir ao 1.º andar”, quer ao toque indesejado no pénis de EE, quer às mensagens juntas aos autos, quer à fotografia captada àquele menor enquanto dormia.
E) Mais não colhe a versão fornecida pelo arguido quanto à sua discordância na captação das filmagens no balneário e à invocação de que apenas guardou tais filmagens “inadvertidamente”, face à sua contrariedade com as regras da experiência comum tal como explanado pelo Mm.º Tribunal a quo, sendo reveladora a descontracção evidenciada pelo arguido em tais filmagens, sem descurar a confirmação por DD de que foi o arguido quem determinou que os menores tomassem banho totalmente nus.
F) Por outro lado, ao contrário do que sustenta o recorrente, não resultou provado que os comportamentos em causa ocorressem, como afirma, “perante os olhares dos progenitores diretores do clube e treinador”.
G) Também não nos merece qualquer censura a subsunção jurídica dos factos provados ao tipo de crime de abuso sexual de crianças, previsto no artigo 171.º, n.º 1, do Código Penal, tal como efectuada pelo Mm.º Tribunal a quo, porquanto os respectivos pressupostos objectivos e subjectivos (incluindo o conceito de acto sexual de relevo) se encontram, a nosso ver, integralmente preenchidos.
H) Como bem refere o Mm.º Tribunal a quo, e ao contrário do que sustenta o recorrente, os comportamentos de i) atirar ao ar e agarrar com as duas mãos nas nádegas, apalpando-as, ii) tocar em jeito de carícia nas nádegas nuas e dar-lhes palmadas, e iii) tocar o pénis de outrem, efectuados nos termos descritos, inculcam efectivamente um cariz sexual e significativamente lesivo para a liberdade sexual dos visados, sendo por isso passíveis de integrar o conceito de acto sexual de relevo.
I) Não nos merece, assim, o douto Acórdão recorrido, qualquer censura ou reparo.
J) Por tudo o acima exposto, não deve ser dado provimento ao recurso, devendo pois ser mantida, na íntegra, a decisão sub judice.
Assim se fazendo a acostumada Justiça,”
*
Admitido o recurso nos termos legais, neste Tribunal da Relação, o Exm.º Procurador Geral Adjunto emitiu o seu parecer, defendendo a total improcedência do recurso, nos termos propostos na resposta do Ministério Público junto da 1.ª instância.
*
Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o recorrente não reagiu.
Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos à conferência para decisão do recurso, nos termos do disposto no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do Código do Processo Penal.
***
II – FUNDAMENTAÇÃO
QUESTÕES A DECIDIR:
Dos poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso
Conforme jurisprudência fixada, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ de 19/10/1995, in D.R., série I-A, de 28/12/1995).
Atentas as conclusões de recurso, são estas as questões a decidir por este Tribunal:
1. Saber se houve erro de julgamento quanto aos factos 20º,21º, 22º, 23º, 24º 28º, 29º, 30º, 31º, 32º, 36º, 37º;
2. Saber se os factos dados como provados integram os elementos subjetivo e objetivo dos crimes de abuso sexual de criança agravado, previstos nos artigos 171.º, nº 1 e 177.º, n.º 1, alínea b) do código Penal,
3. Saber se as compensações pecuniárias, aplicadas ao arguido são excessivas e desproporcionais, devendo por isso ser reduzidas, ao abrigo do disposto nºs art.ºs 40º,71º e 77º do C. Penal.
*
FACTOS PROVADOS NO ACÓRDÃO RECORRIDO
Ficou a constar do Acórdão, como factos provados, o seguinte [transcrição parcial]:
A) PROVADOS (com relevo para a decisão):
1. O arguido integrou a estrutura do ...”, sito no ..., no ..., pelo menos desde ..., aí tendo permanecido até ao ano de ....
2. Nesse período de tempo, o arguido, por intermedio do referido clube, frequentou um curso de treinador, tendo obtido a correspondente certificação para exercer essas funções.
3. Enquanto esteve integrado no ...”, o arguido treinou várias crianças, sempre com idades compreendidas entre os 9 e os 12 anos de idade e convivia também com crianças de idades compreendidas entre os 12 e os 14 anos de idade.
4. No referido período temporal, frequentaram o ...”, entre outros: BB, nascido em ...-...-2001; DD, nascido em ...-...-2003; LL, nascido em ...-...-2004; CC, nascido em ...-...-2004 FF, nascido em ...-...-2005; MM, nascido em ...-...-2005; HH, nascido em ...-...-2005; NN, nascido em ...-...-2005; EE, nascido em ...-...-2005; JJ, nascido em ...-...-2005; OO, nascido em ...-...-2006 II, nascido em ...-...-2006; PP, nascido em ...-...-2006; QQ, nascido em ...-...-2006; e RR, nascido em ...-...-2006.
5. Entre 2014 e 2018, o arguido exerceu as funções de adjunto do treinador principal SS, ao qual foi atribuída a equipa do escalão SUB-13, tendo todos os jogadores desse escalão datas de nascimento situadas entre 2004 e 2006.
6. Em razão do exercício das suas funções, o arguido teve acesso aos números de telefone dos atletas, concretamente de LL, EE, e DD.
7. O arguido passou a manter conversas regulares com os mesmos, todos com idades inferiores a 14 anos à data, através de SMS e de aplicações como o Messenger e o Whatsapp.
8. As conversas mantidas pelo arguido com os menores em causa recaiam, num primeiro momento, sobre assuntos banais relacionados com os treinos de futebol, tendo depois passado a incidir sobre a vida privada daqueles, questionando-os o arguido sobre o que faziam, onde estavam, o que almoçavam ou jantavam, quais eram os seus gostos e desejos.
9. Em algumas dessas conversas, muitas vezes até horas tardias, o arguido perguntava frequentemente aos menores mencionados, se gostavam dele e se tinham saudades dele.
10. Quando os menores não respondiam às suas mensagens, o arguido insistia repetidas vezes pela resposta e, por vezes, assumia uma postura de vitimização, afirmando que os destinatários das mensagens já não gostavam dele.
11. Assim, no decurso do ano de ..., o arguido enviou várias mensagens, por SMS e através da aplicação GG, dirigidas ao menor DD, nas datas e com o teor infra indicados, entre outras:
¬No dia ...-...-2015 pelas 20.56 horas:
• Arguido: “só se tiver a chover muito na hora do treino pk senão é para aparecer, nem que seja pra falar do jogo”
• DD: “Sim eu sei”
• Arguido: “e levar roupa pra tocar”
• DD: “Sim”
• Arguido: “ϑ agora vai la ver a novela oh noveleiro”
• DD: “ok”. (…)
• Arguido: “DD. até amanhã meu negro ?
• DD “Até amanhã”
¬No dia ...-...-2015, pelas 21.01 horas:
• Arguido: “ok amigo? e subir ao primeiro andar, não tens saudades?”
• DD: “não”
• Arguido: “eu tenho kkkk ?”.
12. Igualmente no decurso do ano de 2015, o arguido enviou várias mensagens, através da plataforma GG e via SMS, dirigidas ao menor LL, nas datas e com o teor infra indicados, entre outras:
¬No dia ...-...-2015, pelas 18.12 horas:
• Arguido: “Hoje o treino é aonde?”
• LL: “Areias”
• Arguido: “Pensava que não ias responder”
• LL: “Tava a vestir”
• Arguido: “Tavas nu?? Não. Tavas a trocar de roupa”
• LL: “Lol”
• Arguido: “Ahahah. Bom treino meu gordo”.
¬Em data situada no mês de ...:
• Arguido: “Tás na poeta’”
• LL: “Ya.”
• Arguido: “Fixe”
• LL: “Ya”
• Arguido: “Pode ser que te veja ali no portão”
• LL: “Ya”
• Arguido: “Meu gordo”
• DD: “Meu gordão”
• Arguido: ??
• DD: ?
• Arguido: “Já tenho saudades tuas xD”.
13. No decurso dos anos de 2017 e 2018 o arguido enviou várias mensagens, através da plataforma GG e via SMS, dirigidas ao menor EE, nas datas e com o teor infra indicados, entre outras:
¬No dia ...-...-2017:
• Arguido: “O TT ajudou te e eu não tava a espera kkkk”
• EE: “Claro que tive que fugir”
• Arguido: “Mas pra próxima não foges kkkk”
• EE: “Ok
¬No dia ...-...-2018, pelas 19.47 horas:
• Arguido: “Sabes que quanto eu tiver ctg vais apanhar”
• EE: “Claro… Que não”
• Arguido: “Tás com duvidas? E qd voltas a ser sincero cmg? I can see through you like water”
• EE: “??”
• Arguido: “Não gosto de te ver assim (…) Desculpa estar a ser chato”
¬No dia ...-...-2018, pelas 21.49 horas:
• Arguido: “Não te dou abraços só porque sim, tou lá smp pra ti”
• EE: “Ok obg”
• Arguido: “Não sou obrigado. É porque gosto mm de ti mas mm muito de ti. Vais ser tu a vir ter cmg quando tiveres num dia menos bom?”
• EE: “Ok”
• Arguido: “Tás mesmo mal ☹? Desculpa não conseguir fazer mais nada. É desculpa ☹ Não era essa a minha intenção”
• EE: “Não faz mal”
¬No dia ...-...-2018, pelas 22.30 horas:
• Arguido: “Vai falando cmg… mais logo, amanhã… preciso de ir tendo noticias tuas
• EE: “Ok”
• Arguido: “Vais fazer?”
• EE: “Sim”
• Arguido: Te adoro ❤ até já”
¬No dia ...-...-2018, pelas 12.31 horas:
• Arguido: “Já estava a pensar em ir tomar o pequeno almoço ctg, mas esses cereais não XD. Não há mais nada?”
• EE: “Nada”
• Arguido: “Só pra eu não ir aí tomar o pequeno almoço kkkkk XD. És mau para mim XD. Já almoçamos?
• EE: “Sim”
• Arguido: “Sim és mau pra mim ou sim já almoçamos?
• EE: “Já almocei”.
¬No dia ...-...-2018, pelas 20.51 horas:
• Arguido: “Sabes que eu curto bué de ti” (…)
• Arguido: Eu sei que disseste que sim… eu só queria saber se é um sim que sabes que podes contar cmg e vais “me usar”” ¬No dia ...-...-2018, pelas 15.27 horas:
• Arguido: “Tenho saudades de dar uma dentada no entrecosto e chatear-te e receber um mega abraço”
¬No dia ...-...-2018, pelas 1030 horas:
• Arguido: “Tás a ver…. tu cheio de medo e afinal até curtiste. Faças o que fizeres não desistas”
• EE: “Obg”
• Arguido: “Sabes que eu te adoro como se fosses da minha família direta (desculpa ser bué chato). Vou mudar ♥ Nunca te vou esquecer”.
¬No dia ...-...-2018, pelas 14.19 horas:
• Arguido: “Não te vou poder comer entrecosto”
• EE: “Nem a equipa toda”
¬No dia ...-...-2018, pelas 21.58 horas:
• Arguido: “Paixão da minha vida?”
• EE: “?”
• Arguido: “Vais fazer alguma coisa no teu dia de anos. Fiquei de folga. Ant man?”
• EE: “Ya ia ao bowling”
• Arguido: “Ok. Vamos na semana a seguir”
• EE: “Pode ser”
• Arguido: “Ok. Depois digo-te o dia”.
14. O teor das mensagens e as insistências do arguido, bem como as horas em que eram enviadas, causava desconforto nos menores.
15. Ao agir da forma descrita, o arguido quis e conseguiu estabelecer uma relação de presença constante e crescente na vida dos menores em causa, abordando-os de forma subtil a fim de lhes criar a convicção de que a relação se baseava numa amizade profunda e desinteressada.
16. Além da proximidade emocional que conseguia, o arguido quis e logrou igualmente estabelecer com as crianças que treinava uma crescente proximidade ..., passando a abraçá-los, a dar-lhes beijos na face e na testa, toques e mordidas.
17. No exercício das funções de treinador e de treinador adjunto, no ...”, no período temporal referido em 5, o arguido tratava os menores que treinava com alcunhas e termos carinhosos, alguns dos quais não próprios da relação treinador-atleta.
18. Assim, o arguido apelidou frequentemente o menor EE, de "meu fraquinho", “príncipe”, “gordinho”, “feio” e “paixão da minha vida”, dizendo ademais que sentia falta do seu abraço, afirmações que eram do desagrado daquele, em virtude de o deixarem desconfortável.
19. E beijou o rosto e a cabeça de EE, independentemente do resultado dos jogos, sem qualquer motivo aparente e segurou também o menor contra a sua vontade, abraçando-o por trás, e mordiscando-o depois na zona das costelas.
20. E agarrou os menores EE e DD, perguntando-lhes “se queiram ir ao primeiro andar”, e mesmo perante a reposta negativa dos mesmos, atirava o EE e o DD ao ar e depois segurava-os na descida e, ao DD, agarrava-o com as mãos nas nádegas, assim as apalpando.
21. Entre 2014 e 2018, em todos os dias em que houve treino, jogo ou outra atividade similar, o arguido acedeu ao interior dos balneários destinados aos jogadores do clube, em vez de utilizar os balneários destinados aos treinadores, e ali permaneceu, enquanto os menores EE, DD e BB, entre outros, tomavam duche, insistindo para que o fizessem sem boxers, ou seja, completamente despidos.
22. Nessas ocasiões, o arguido deixava a sua câmara GOPRO acessível aos menores, que a utilizaram para se filmarem uns aos outros, despidos, a tomar banho ou a trocar de roupa, no interior do balneário, com o conhecimento do arguido que guardou os vídeos produzidos.
23. No mesmo período temporal, o arguido chegou a tocar levemente, em jeito de caricias e a dar palmadas nas nádegas nuas do DD e do EE.
24. No mesmo período temporal, o arguido convidou, com frequência, os menores do escalão SUB-13 do ...”, que treinava, a acompanhá-lo ao cinema ou às piscinas de ..., a pretexto de confraternizarem e realizarem outras atividades não relacionadas com os treinos de futebol, visando, dessa forma, conseguir uma maior proximidade com os menores e conquistar a sua confiança.
25. Nos dias ...-...-2018 a ...-...-2018, o arguido, enquanto treinador adjunto da equipa de SUB-13 do ...”, acompanhou a sua equipa a um torneio de futebol, na cidade de ....
26. Nesse local e nos dias em que durou o referido torneio de futebol, a equipa pernoitou num hotel, partilhando o arguido o quarto/suite com os menores EE, II e JJ,
27. Os menores II e JJ dormiram no quarto e o menor EE ficou na sala com o arguido.
28. Enquanto o menor EE dormia, o arguido fotografou-o, sem o conhecimento ou o consentimento dele.
29. No mesmo período temporal, entre 2014 e 2018, o arguido, sendo conhecedor das datas de aniversário dos menores que treinava, e, como forma de se aproximar dos mesmos, ofereceu presentes aos menores BB e CC, designadamente ténis e outros artigos da loja de desporto onde trabalhava, no caso a loja “...”, sita no..., e ofereceu a EE uma quantia em numerário, no caso € 60,00 como contribuição para a aquisição de uma consola de jogos que o mesmo desejava.
30. No decurso de um jogo, no mesmo período temporal, o EE sofreu uma lesão num testículo, pelo que o arguido aplicou gelo na zona genital daquele e, ao mesmo tempo, com a outra mão, tocou no pénis do ofendido, não obstante os protestos deste, dizendo que não lhe doía o pénis.
31. Ao agir da forma descrita, o arguido era conhecedor das idades dos menores identificados e estava ciente de que os seus comportamentos, perturbavam e prejudicavam, de forma grave, séria e permanente, o desenvolvimento integral daqueles, em particular dos menores EE e DD olha, principalmente o seu desenvolvimento psicológico e afetivo.
32. O arguido, ao praticar as condutas descritas, quis e conseguiu aproveitar o ascendente que tinha sobre os menores, enquanto treinador, e bem assim aproveitar a vulnerabilidade própria da idade daqueles, para satisfazer a sua líbido.
*
33. No dia ... de ... de 2019, o arguido tinha na sua residência, sita na …, ..., ..., os seguintes equipamentos e suportes informáticos:
- Um disco externo de marca ..., de cor preta, com o S/N ...
- Um disco externo de marca ..., de cor cinzenta, com o S/NJ...
- Um disco externo de marca ..., de cor preta e verde, ... ..., com o S/N...
- Um disco rígido de marca ..., de cor prateada, ... ..., com o S/N...;
- Um tablet de marca ..., de cor branca, com o S/N ...
- Um telemóvel de marca ..., de cor preta, com o IMEI ...com a respetiva bateria e um cartão micro SD da marca ... de 4 GB de capacidade;
- Um telemóvel de marca ..., de cor preta e branca, com o IMEI ... com a respetiva bateria;
- Um telemóvel de marca ..., de cor prateada, com o IMEI ...e
- Três mini discs – tipo DVD – da marca ....
34. Nos discos externos de marca ..., ... de cor preto e verde, e ..., de sua pertença, o arguido detinha 175 ficheiros multimédia, do tipo imagem, nos formatos .jpg, .png e .bmp, bem como 8 ficheiros do tipo vídeo, nos formatos .mp4 e .avi.
35. Tais ficheiros contêm imagens de menores de idade inferior a 14 anos de idade, crianças reais, em atos sexuais, em poses eróticas e em exibição dos órgãos genitais.
36. Ainda no disco rígido ..., ... …, numa pasta denominada GOPRO DVD, o arguido detinha imagens dos menores referidos na acusação e outros jogadores da mesma faixa etária, despidos, a tomar banho, recolhidas em filmagens realizadas no interior do balneário,
37. O arguido quis obter guardar nos referidos equipamentos e suportes informáticos, os ficheiros de imagem e vídeo supra identificados, a fim de satisfazer a sua líbido, o que conseguiu, bem sabendo que a sua detenção e visualização era proibida.
38. O arguido tinha perfeito conhecimento de que as referidas imagens e filmes tenham conteúdo pornográfico e neles eram retratadas crianças de idade inferior a 14 anos, bem sabendo que tais imagens e filmes induziam à exploração efetiva dessas crianças, utilizadas para a realização dos filmes e fotografias em causa, não obstante, não se inibiu de os visualizar e conservar nos suportes informáticos, que se encontravam na sua posse e foram apreendidos no seu domicilio.
39. Agiu o arguido livre, voluntaria e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
*
(do certificado de registo criminal):
40. Do certificado de registo criminal do arguido não constam condenações.
*
(Do relatório social):
41. AA é natural de …, sendo o mais novo de uma fratria composta por três elementos, todos do sexo masculino.
42. Não foram identificadas quaisquer disfuncionalidades familiares ou sociais, aquando do seu processo de crescimento e socialização.
43. Todavia, o modelo educativo dos progenitores baseava-se em crenças conservadoras, no que se refere à sexualidade, sendo a mãe mais rígida, na correção de comportamentos, e o pai mais permissivo.
44. Em idade adequada, AA integrou o sistema de ensino, com algumas dificuldades de integração, que o próprio associou a questões de descriminação étnica e racial.
45. No que respeita às aprendizagens, AA foi um aluno “razoável”, tendo concluído o ensino secundário.
46. AA praticou a modalidade de futebol, como atleta federado, durante a adolescência, tendo a sua rede de socialização sido formada no âmbito desta prática desportiva.
47. Não obstante, não são conhecidas relações de amizade significativas, estabelecidas nesta fase do crescimento.
48. No plano da sexualidade, AA terá adquirido os seus conhecimentos, sobre esta matéria, em conversas com amigos e programas de televisão, não tendo, em qualquer momento, procurado aprofundar saberes com familiares ou profissionais da área da saúde ou educação.
49. O arguido viria a vivenciar a sua primeira relação sexual após os 18 anos de idade, decorrente de uma relação de amizade, com uma pessoa do sexo feminino.
50. AA reconhece, como padrão comportamental, a tendência para se envolver sexualmente com pessoas de ambos os sexos, integrantes da sua rede de socialização, em episódios pontuais, os quais considera como gratificantes.
51. Entre os 20 e os 25 anos de idade, AA esteve a trabalhar na ..., numa …, juntamente com um dos seus irmãos, devido à falta de trabalho em Portugal, sendo que, em ..., o arguido já não regressou àquele país, após um período de férias passado em Portugal.
52. Em ..., AA começou a trabalhar, como …, na do ..., auferindo, nessa altura, um vencimento aproximado de 700€ mensais.
53. Em 2013, concomitantemente com a sua atividade profissional, AA assumiu funções como treinador adjunto de uma equipa de formação do ..., na sequência de um convite do treinador principal da mesma equipa.
54. Durante o período em que decorreu esta atividade, como treinador de futebol, o arguido continuou a residir com os pais, situação que mantém, não suportando quaisquer encargos financeiros.
55. No plano da socialização, não foram identificados quaisquer relacionamentos significativos, amorosos ou de amizade, mantendo, aparentemente, o arguido, o mesmo padrão de relacionamentos descrito.
56. O arguido reconheceu alguma dificuldade em estabelecer novos relacionamentos, porquanto teme as consequências negativas de uma eventual insatisfação causado pelos mesmos.
57. Na fase final do desempenho das funções de treinador adjunto, por parte do arguido, o mesmo veio a adquirir certificação para exercer como treinador principal, não tendo, contudo, alcançado esse estatuto.
58. Relativamente aos alegados factos de que vem acusado, nos presentes autos, AA adotou uma postura de negação dos mesmos, tendo procurado atribuir aos pais dos menores envolvidos sentimentos negativos sobre si que poderão estar na origem das queixas.
59. No mesmo sentido, o arguido evidenciou alguma dificuldade em refletir sobre o impacto negativo que os factos descritos no despacho de acusação poderão produzir, ao nível do desenvolvimento dos menores alegadamente envolvidos no presente processo.
60. Apesar de o arguido ter procurado veicular a imagem de que mantém o apoio e confiança, por parte da estrutura do clube, a atual direção do mesmo tomou a iniciativa de o afastar das funções de treinador e de toda a vida do clube, após a instauração do presente processo.
61. Já existiam queixas anteriores, efetuadas pelos pais dos menores, relativamente a alegados comportamentos similares por parte do arguido.
62. Atualmente, o arguido continua a viver com os progenitores, verificando-se uma postura desculpabilizante, por parte da mãe, face à acusação, todavia, a mesma aparenta pouco conhecer dos hábitos sociais por parte do arguido, mantendo uma atitude conservadora que poderá ser antagónica ao padrão comportamental assumido pelo arguido, no que se refere à sua sexualidade.
63. No plano profissional, AA continua a trabalhar na ..., tendo evoluído na complexidade das funções desempenhadas, exercendo atualmente as funções de …, tendo apenas como superior hierárquico o responsável pela loja de …, onde trabalha há cerca de um mês, auferindo um vencimento base de 1.000,00€, mas que poderá ascender aos 1.500,00€ em função de trabalho em horários suplementares e prémios de produtividade.”
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FACTOS NÃO PROVADOS NO ACÓRDÃO RECORRIDO
Ficou a constar do Acórdão, como factos não provados, o seguinte:
B) NÃO PROVADOS (com relevo para a decisão):
1. O arguido delineou plano no sentido de obter os números de telemóvel dos menores que integravam o escalão SUB-13 que treinava, o que conseguiu, alegando que assim o Clube poderia contactar mais facilmente com aqueles para solucionar alguma questão ou obter alguma informação que fosse necessária.
2. O arguido sentou os menores EE, DD e BB, por mais de uma vez, no seu colo.
3. Os menores não respondiam às mensagens do arguido por se sentirem intimidados e ele adotava então uma postura intimidatória e opressiva.
4. Na sequência de algumas das mensagens trocadas e depois de perceber onde as crianças se encontravam, o arguido ia ao encontro elas e contactava-as.
5. Com efeito, em algumas ocasiões, em datas não concretamente determinadas, mas por mais do que uma vez, o arguido deslocou-se aos estabelecimentos de ensino frequentados pelos menores EE, DD, BB e CC, embora logicamente ali já não estudasse, sem o conhecimento e consentimento dos respetivos progenitores.
6. Na situação descrita em 20 dos factos provados, o arguido agarrava as nádegas do EE.
7. O arguido, no interior do balneário, com o seu telemóvel, fotografava e filmava os menores despidos.
8. Em algumas situações, o arguido chegou a despir-se e tomar banho nu com as criança e comentou o tamanho dos respetivos órgãos genitais.
9. Em mais do que uma situação em que os menores o acompanharam ao cinema, no caso ao … área do ..., o arguido colocou as mãos nas coxas do então menor BB e deslizou-as na direção do órgão genital do mesmo, querendo tocar-lhe nessa zona intima, o que não conseguiu, em todas essas situações, em virtude daquele, sentindo-se desconfortável com a situação, retirar depois as mãos do arguido, dessa zona do seu corpo.
10. Nas mesmas situações, quando o então menor CC estava presente, o arguido colocava também as mãos nas coxas do mesmo e deslizava-as na direção do órgão genital do menor, querendo tocar-lhe nessa zona intima, o que não conseguiu, nessas situações, em virtude daquele, sentindo-se desconfortável com a situação, também retirar prontamente as mãos do arguido, dessa zona do seu corpo.
11. Na situação descrita em 25-27 dos factos provados, foi o arguido quem determinou que os menores II e JJ dormiriam no quarto, na cama de casal e que o menor EE ficaria a dormir com ele na sala.
12. EE, nessa ocasião dormiu com o arguido num sofá.
13. Nessa ocasião, o arguido fotografou EE por mais do que uma vez.
14. Apesar de não ter visualizado o arguido a tirar-lhe fotografias, durante essas noites, o menor EE sentiu-se bastante desconfortável e receoso dos comportamentos que aquele pudesse adotar, tendo pensado mesmo em levantar-se para ir ter com os seus amigos que estavam no quarto, mas como não cabiam os três na cama, acabou por deixar-se ficar.
15. O arguido aproveitou o facto de o menor EE se ter lesionado e saído do campo, para se munir de um saco de gelo, sem que ninguém se apercebesse.
16. O jogo de futebol a que se refere o facto anterior ocorreu no ano de 2019.
17. No período que mediou entre março e dezembro de 2021, o arguido circundou, por mais do que uma vez, o estabelecimento de ensino frequentado pelo menor EE, no caso a ..., sita no ..., no ..., observando o menor quando o mesmo entrava e saía das aulas.
18. A fim de inviabilizar por completo, qualquer tipo de contactos desencadeados pelo arguido e por recear fortemente o comportamento do mesmo, o menor EE acabou por mudar de numero de telemóvel.
19. O arguido praticou as condutas descritas, de forma reiterada e quase habitual, ao longo de cerca de cinco anos.”
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MOTIVAÇÃO DA DECISÃO
O Tribunal a quo fundamentou a sua convicção nos seguintes termos:
“O tribunal apreciou o conjunto da prova produzida, nos termos do disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal que, ressalvados os casos de prova vinculada, confere ao julgador poderes de livre apreciação, o que quer dizer que esta é avaliada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção de quem decide.
O artigo 374º do Código de Processo Penal estabelece os requisitos da sentença/acórdão, entre os quais a fundamentação que, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, consiste na exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
Este exame crítico «consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção (…). O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita exteriorizar as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte» (Acórdão do STJ de 25-01-... (processo n.º 05P3460), disponível em http://www.dgsi.pt.).
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Justifica-se um breve enquadramento dos princípios que regem a prova e sua apreciação em processo penal.
O artigo 127º do Código Processo Penal estabelece, relativamente à valoração da prova, três tipos de critérios: uma avaliação da prova inteiramente objetiva quando a lei assim o determinar; outra também objetiva, quando for imposta pelas regras da experiência; finalmente, uma outra, eminentemente subjetiva, que resulte da livre convicção do julgador.
A convicção resultante da livre convicção do julgador pode ser motivada e fundamentada, mas, neste caso, a motivação tem de se alicerçar em critérios subjetivos, embora explicitados para serem objeto de compreensão” (Ac STJ de 18/1/2001, proc nº 3105/00-5ª, SASTJ, nº 47,88).
Tal como diz o Prof Germano Marques da Silva, no Curso de Processo Penal, Vol II, pág. 131 “... a liberdade que aqui importa é a liberdade para a objectividade, aquela que se concede e que se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objetiva, isto é, uma verdade que transcende a pura subjectividade e que se comunique e imponha aos outros. Isto significa, por um lado, que a exigência de objectividade é ela própria um princípio de direito, ainda no domínio da convicção probatória, e implica, por outro lado, que essa convicção só será válida se for fundamentada, já que de outro modo não poderá ser objetiva”.
Ou seja, a livre apreciação da prova realiza-se de acordo com critérios lógicos e objetivos.
Sobre a livre convicção refere o Professor Cavaleiro de Ferreira que esta «é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundada da verdade» -Cfr. "Curso de Processo Penal", Vol. II, pág.30. Por outras palavras, diz o Prof. Figueiredo Dias que a convicção do juiz é "... uma convicção pessoal - até porque nela desempenha um papel de relevo não só a atividade puramente cognitiva, mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais -, mas em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros. (…) uma tal convicção existirá quando e só quando … o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável" (in Direito Processual Penal, 1º Vol., Coimbra Editora, Reimpressão, 1984, páginas 203 a 205).
O princípio da livre apreciação da prova assume especial relevância na audiência de julgamento, encontrando afloramento, nomeadamente, no artigo 355º do Código de Processo Penal. É aí que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na receção direta de prova.
Nas palavras do Prof. Germano Marques da Silva "... a oralidade permite que as relações entre os participantes no processo sejam mais vivas e mais directas, facilitando o contraditório e, por isso, a defesa, e contribuindo para alcançar a verdade material através de um sistema de prova objetiva, atípica, e de valoração pela intima convicção do julgador (prova moral), gerada em face do material probatório e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens". -Cfr. "Do Processo Penal Preliminar", Lisboa, 1990, pág. 68”.
Ainda relativamente ao conceito de livre apreciação da prova, ensinou o Professor Figueiredo Dias: “Uma coisa é desde logo certa: o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável e, portanto, arbitrária – da prova produzida. (...)
(...) a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada “verdade material” – de tal sorte que a apreciação há de ser, em concreto, reconduzível a critérios objetivos e, portanto, em geral suscetível de motivação e ao controlo efetivos.
(...) Do mesmo modo, a “livre” ou “íntima” convicção do juiz, de que se fala a este propósito, não poderá ser uma convicção puramente subjetiva, emocional e, portanto, imotivável.
Uma tal convicção existirá quando e só quando – parece-nos adequado este um critério prático, de se tem servido com êxito a jurisprudência anglo-americana – o tribunal tiver logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável.”.
No mesmo sentido de pronunciou o Tribunal Constitucional (Ac. TC 1166/96 de 19-11-1996, in D.R., II, 06-02-97, debruçando-se sobre o artigo 127 do Código de Processo Penal, concluiu que "a regra da livre apreciação de prova em processo penal não se confunde com apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova, de todo em todo imotivável. O julgador, ao apreciar livremente a prova, ao procurar através dela atingir a verdade material, deve observância às regras da experiência comum utilizando como método de avaliação e aquisição do conhecimento critérios objectivos, genericamente susceptíveis de motivação e controle".
Por último, importa referir o princípio constitucionalmente garantido do in dúbio pro reo, nos termos do qual, na decisão de factos incertos, a dúvida deve ser resolvida em benefício do arguido.
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O arguido prestou declarações parcialmente confessórias, admitindo a prática de alguns factos imputados, porém, essencialmente os que são aparentemente inócuos, que procurou sempre justificar, num quadro de normalidade.
Confirmou as deslocações ao cinema e às piscinas de ..., admitindo ter, neste local, filmado os menores que estavam consigo, o que aliás, resulta das fotos juntas a folhas 196 e 197, que o arguido confirmou. Negou, porém, ter tocado nas coxas ou na zona genital de BB e CC.
Esclareceu que não procurou obter os números de telemóvel dos menores em causa, nem para tal acedeu aos registos do clube, tendo tomado conhecimento dos mesmos através do grupo de GG que foi constituído.
Admitiu ter mantido com os menores as conversas que constam do print de folhas 4 a 9 (DD), 10 a 23 (UU), 24 a 29 (LL) 121 a 203 (EE) e ainda no Apenso I.
Admitiu também, sem justificar claramente, que se tornava insistente quando os menores não lhe respondiam ou demoravam a responder.
Confessou os abraços, por trás, e beijos ao EE, mas disse que o fazia com todos os jogadores, nomeadamente no início e no fim dos treinos e as crianças riam muito e nunca lhe disseram que não queriam.
Porém, assumiu que sentia uma empatia muito forte pelo EE e que essa empatia era mútua.
Confessou igualmente as dentadas nas costas do EE, por brincadeira, porque ele era muito magro, daí a referência a entrecosto.
Também admitiu que subir ao 1º andar, era efetivamente uma prática que mantinha de vez em quando, que qualificou de simples brincadeira, mas apenas com o DD, que não gostava porque tinha vertigens, sendo uma forma de se meter com ele e para o motivar a jogar como guarda-redes, numa época e que ele não estava motivado para tal.
Negou ter, de alguma forma agarrado as nádegas do menor DD ou de qualquer outro.
Explicou que a escola ..., que muitos dos menores frequentavam ficava no caminho que fazia habitualmente para ir trabalhar, pelo que nunca aí esteve para os contactar ou observar.
Confrontado com as expressões carinhosas que usava nas aludidas conversas com os menores, afirmou que com as mesmas pretendia apenas criar empatia. Assim, afirmou que as expressões: te adoro e paixão da minha vida, dirigidas ao EE, eram absolutamente normais e por si utilizadas muitas vezes nos diálogos com diversos jogadores no balneário.
Porém, mais à frente, nas suas declarações, admitiu que tais expressões pudessem não ser as mais corretas
Relativamente à nudez completa nos banhos, o arguido não adiantou muitos comentários ou explicações, afirmando apenas que não havia qualquer instrução da direção do clube sobre o assunto e negou ter obrigado algum a tomar banho nu.
Negou igualmente ter tomado banho nu na companhia dos menores, tê-los tocado ou comentado o tamanho dos órgãos genitais de cada um.
Admitiu que permanecia no balneário, mas apenas para organizar e agilizar os banhos e mudas de roupa, para que não demorassem demasiado tempo, mas negou ter tirado fotografias nessas ocasiões.
Afirmou que, na deslocação a ..., foram os próprios menores que se distribuíram entre o quarto e a sala para dormir, decidindo os demais que seria o EE a ficar na sala. Confessa que fotografou o EE enquanto este dormia, porém apenas para enviar a fotografia à irmã deste, que estava preocupada porque o menor é sonâmbulo.
Confessou que ofereceu chuteiras ao BB e ao CC porque eles necessitavam e também o presente em dinheiro ao EE para a aquisição da consola de jogos que ele queria, afirmando que os pais deste aceitaram o dinheiro e nunca lhe disseram nada sobre isso.
Relativamente à lesão no testículo do EE, afirmou que apenas lhe afastou o pénis para aplicar o gelo sobre o testículo e depois foi o próprio EE que segurou o gelo.
Quanto aos ficheiros existentes nos equipamentos eletrónicos que foram apreendidos na sua posse, o arguido afirmou que visualizava habitualmente pornografia de adultos e nesses sites apareceram-lhe duas ou três vezes, aleatoriamente, esses conteúdos de pornografia infantil e não se recorda de ter gravado tais imagens.
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Passando a valorar as declarações do arguido, no confronto com a restante prova, no que respeita aos factos respeitantes aos menores CC e BB, estes, nos seus depoimentos registados para memória futura (CD de folhas 336) transcritas a folhas 336 e seguintes (BB) e 358 e seguintes (CC), o primeiro refere que o arguido lhe enviava mensagens, insistentes, perguntando, por exemplo, se ele lhe pagava o almoço e estava sempre a querer fazer-lhe cócegas, o que desagradava ao menor e que, lhe ofereceu umas caneleiras e umas meias no fim de um treino;
e o segundo referiu comportamentos do arguido que considera estranhos, como abraços por trás, mãos nas pernas e outras coisas que qualificou de brincadeiras, que ele tentou fazer consigo, mas que nunca conseguiu, porque ele estava atento e nunca deixou. E que lhe ofereceu uma camisola do ..., umas chuteiras e caneleiras;
Referiu também o BB que o seu irmão CC lhe contou que o arguido tentou mexer no seu pénis, porém, não viu nada; certo é que o CC não referiu esse facto, pelo que, nesta parte, suscita-se ao tribunal dúvida que o conjunto da prova não logrou esclarecer, que deve, por aplicação do princípio in dubio pro reo, ser resolvida em favor do arguido, justificando-se os factos não provados correspondentes.
As práticas que o arguido qualifica de brincadeiras, como subir ao primeiro andar, e os abraços não são inocentes como aquele quis fazer crer, sobretudo tendo em conta a persistência das mesmas, o contacto físico próximo que implicavam e o facto de desagradarem aos menores, como confirmam o DD e o EE nos seus depoimentos registados para memória futura, transcritos a folhas 377 e seguintes e 385 e seguintes, respetivamente. Portanto, perdem credibilidade, nesta parte, as declarações do arguido, que afirmou que só atirava ao ar o DD, uma vez que o EE confirmou inequivocamente que também o fazia consigo, porém, ao contrário do DD, que o afirmou inequivocamente, não confirmou que o arguido lhe apertasse as nádegas na queda, o que justifica o facto não provado correspondente, porém referiu que, noutras ocasiões, o arguido tocava-lhe no rabo.
Acresce que a explicação do arguido, afirmando que apenas atirava ao ar o DD, que tinha vertigens, como forma de o motivar a jogar na posição de guarda-redes, é totalmente incompreensível e até absurda, sendo que, se o menor tinha vertigens, isso seria uma razão para se abster de o erguer no ar e não se vê como tal atitude poderia contribuir para a motivação do menor.
Os abraços, beijos, palmadas no rabo, dentadas nas costas (morder o entrecosto, expressão que surge mais do que uma vez nas conversas do arguido com o EE) não são obviamente inocentes, são claramente, considerando as regras de experiência comum, formas de o arguido conseguir manter contacto físico direto com os menores.
Assim como não são inocentes ou normais as expressões que o arguido dirigia aos menores ou os nomes pelos quais os chamava, concretamente ao menor EE, muitas vezes ao ouvido, como este referiu, como príncipe ou paixão da minha vida, que o arguido afirmou serem comuns nos diálogos com os jogadores, o que não se aceita à luz das regras de experiência comum.
Também as conversas longas, repetidas e insistentes que o arguido mantinha com os menores nas redes sociais, em particular com o EE, por quem, aliás, confessou ter o que disse ser especial empatia, são tentativas, muitas vezes claramente forçadas, de criar laços, cumplicidade ou amizade, procurando utilizar linguagem própria da idade dos menores, como: sabes que eu curto bué de ti e da leitura das mesmas resulta que eram cansativas, desinteressantes e até incómodas para os menores, que acabavam por responder por monossílabos, yah, ok ou usando o simples polegar para cima, ao que o arguido muitas vezes reagia, dizendo: não gosto nada quando respondes assim, como acontece na conversa com o EE, em ... de ... de 2017, transcrita a folhas 33 do Apenso I, sendo que todas as testemunhas inquiridas, além do EE, do DD, BB e CC, foram unânimes em referir-se ao arguido como chato.
Também não se vê, à luz das regras de experiência comum, qualquer normalidade nas ofertas que o arguido fez aos menores CC, BB e EE. Só assim seria se fosse o próprio clube a financiar equipamentos de jogadores com maiores dificuldades económicas, mas nunca uma quantia em dinheiro para adquirir uma consola de jogos, claro. Coisa diferente é um treinador gastar o seu próprio dinheiro em presentes para os jogadores, sobretudo quando se trata de uma quantia para comprar uma playstation. Uma vez mais, claramente, quis o arguido, desta forma, agradar, cativar os menores.
O DD afirmou, sem quaisquer dúvidas, que o arguido exigiu que todos os jogadores tomassem banho despidos. Também afirmou, assim como BB, que o arguido, contrariamente ao que faziam os outros treinadores, permanecia no balneário enquanto tomavam banho, o que o arguido confirmou, e que ficava sentado a olhar para eles. E acrescentou ainda o EE que chegou a tocar-lhes no rabo nessas ocasiões.
O arguido negou ter filmado ou fotografado os menores despidos no balneário e nenhuma testemunha o afirmou com certeza e .... Porém, o arguido tinha na sua posse, num dos suportes que foram apreendidos na sua residência, essas imagens, que aparecem, a título de amostragem, no relatório de exame preliminar de perícia informática, a folhas 275.
Visualizadas, em sede de audiência as aludidas filmagens, percebe-se que foram realizadas com a câmara GOPRO pertencente ao arguido, o que este confirmou, no interior do balneário, pelos próprios menores. Porém, algo mais é claramente percetível ao observador. O arguido aparece a certo momento na imagem, aproximando-se dos menores que utilizavam a câmara, de semblante tranquilo e sereno, sem se apressar a desligar a mesma e sem nada dizer, sem os repreender por fazerem algo que claramente estava errado. Assim, apelando às regras de experiência comum, é razoável concluir que o arguido deixou a sua GOPRO no balneário, acessível aos menores, sabendo que seria uma tentação a que dificilmente resistiriam. E naturalmente, o arguido guardou os conteúdos dessas filmagens, não merecendo credibilidade a sua afirmação de que nem sequer verificou o que aí estava registado, até porque o arguido sabia bem que os menores se tinham filmado uns aos outros nus, a fazer poses ou a mudar de roupa e, se não fosse de sua vontade guardar essas imagens, nunca deixaria de as apagar rapidamente.
Relativamente ao episódio da deslocação da equipa ao torneio em ..., não há dúvidas de que o arguido fotografou o menor EE, sendo que a foto em causa integrava os ficheiros encontrados nos suportes informáticos apreendidos na posse do arguido (folhas 175 e seguintes). Já a explicação apresentada pelo arguido, dizendo que fez a foto para enviar à irmã do EE, que estava preocupada porque ele era sonâmbulo e pretendia, dessa forma, sossegá-la, não é aceitável, à luz das regras de experiência comum, sendo que para tal bastaria enviar uma mensagem dizendo que ele se encontrava bem e a dormir tranquilamente e certamente não enviaria aquela fotografia em que o menor, embora completamente vestido, estava destapado, não sendo despiciendo sugerir que o arguido tenha destapado o menor para o fotografar, embora, obviamente, tal não esteja demonstrado. Evidente parece-nos, sim, que a fotografia reflete o afeto, o interesse especial que o arguido nutria pelo EE, a tal empatia que o próprio arguido assume.
Relativamente à situação respeitante à lesão sofrida pelo EE durante um jogo, num testículo, o menor, no seu depoimento registado para memória futura (folhas 385 e seguintes) afirmou, inequivocamente, que o arguido lhe aplicou gelo na zona genital, mas, antes, com a outra mão, mexeu-lhe no pénis, dizendo: deixa ver, não obstante os protestos do menor, que esclarecia que não era aí que lhe doía. Obviamente, esta ação foi completamente desnecessária, ponderando as regras de experiência comum, podendo e devendo o arguido, simplesmente, aplicar o gelo na região genital do menor e deixá-lo segurar e posicionar essa fonte de frio no local afetado.
Quis, portanto, o arguido, ainda que de forma fugaz e subtil, tocar o pénis de EE.
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A prova pericial consubstanciada no exame de telemóvel realizado pela unidade de perícia tecnológica e informática da polícia judiciária, constante do Apenso II, descreve todos os suportes informáticos encontrados na posse do arguido e o respetivo conteúdo, concretamente 175 ficheiros multimédia do tipo imagem, de formato .jpg, .png e .bmp e oito ficheiros do tipo vídeo, nos formatos .mp4 e .avi, nos quais aparecem menores, na sua maioria, com idade inferior a 14 anos, exibindo os órgãos genitais ou praticando atos de natureza sexual.
Esclareceu o perito informático interveniente, VV, que o número de ficheiros existente nos suportes informáticos apreendidos na posse do arguido afasta a possibilidade de se tratar de pop-ups aleatórios, automaticamente gravados na caixa do explorer, concluindo que tais ficheiros foram necessariamente obtidos de forma intencional, pelo que perde credibilidade, também nesta parte, a versão do arguido.
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O resultado da busca na residência do arguido está documentado no teor do auto de busca e apreensão junto a folhas 270 a 272.
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A idade dos ofendidos, à data dos factos, isto é, entre 2014 e 2018, resulta do teor dos documentos (assentos de nascimento) de folhas 493 e 499.
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Releva o certificado de registo criminal junto aos autos (folhas 955, verso) relativamente à inexistência de condenações anteriores.
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A factualidade respeitante às condições pessoais, resulta do teor do relatório social de folhas 843 a 845, que outra prova não infirmou.
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Relativamente aos demais factos não provados, nenhuma das testemunhas inquiridas os confirmou com certeza e ... e não se produziu outra prova sobre os mesmos, sendo que, concretamente, a data do jogo de futebol referido no facto provado 30 e no facto não provado 16, não poderia ter ocorrido em 2019, uma vez que, nesse ano, o arguido já estaria desligado das atividades do clube, o que confirmaram todas as testemunhas com conhecimento direto de tal facto, nomeadamente, GG, que era o treinador principal, esclarecendo que o arguido treinou apenas os atletas de escalão etário 12-13 anos.
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Os meios de prova que não foram especificados nesta motivação, não assumiram, em nosso entender, relevância para a descoberta da verdade, sendo que a maioria das testemunhas arrolada pelo arguido, procurou sustentar a versão dos factos apresentada por este, porém, sem grande ... ou certeza, até porque tal versão é, em pontos essenciais, insustentável.
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O tribunal expurgou da acusação os segmentos redundantes, os que descrevem factualidade inócua e irrelevante, nomeadamente ocorrida após o período temporal delimitado, os que consubstanciam alusões a meios de prova ou conclusões fácticas, completou a redação de alguns factos nos termos já definidos e alterou a sua redação/sistematização, no exercício da liberdade do relator.”
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III - APRECIAÇÃO DO RECURSO
QUESTÃO 1
Nas conclusões apresentadas insurge-se o recorrente contra a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, argumentando “A Falta de elementos probatórios para a matéria de fato considerada provada, nomeadamente nos pontos 20º, 21º, 22º, 23º, 24º 28º, 29º, 30º, 31º, 32º, 36º, 37º, sendo que a prova existente impõe decisão inversa da recorrida, ou seja, a absolvição do arguido (reapreciação da prova da matéria de fato) nomeadamente quanto aos 4 crimes de abuso sexual de criança em que foi condenado”.
Estando em causa a impugnação da matéria de facto, a mesma pode apresentar-se na sua forma restrita, situação em que o vício alegado resulta do texto da decisão recorrida por si só ou conjugada com as regras da experiência comum mas sem recurso a quaisquer elementos exteriores, e seja um dos que a lei enumera no artigo 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal), ou de forma alargada ou irrestrita, remetendo-nos para a prova documentada na primeira instância, exigindo-se ao Tribunal da Relação que proceda à audição ou visualização das passagens da documentação indicadas pelo recorrente e recorrido e outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa, socorrendo-se, para o efeito, do princípio da livre apreciação da prova, podendo, se for o caso, modificar a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto (cf. artigos 127.º, 412.º e 431.º, todos do Código de Processo Penal).
Em qualquer dos casos, estamos perante sempre vícios da decisão, não do julgamento, como refere Maria João Antunes, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Janeiro - Março de 1994, pág. 121.
Nos casos de impugnação ampla da matéria de facto, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, com base na audição de gravações, mas constitui apenas um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, sempre em relação aos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
Ao Tribunal de recurso cabe verificar se os concretos pontos de facto questionados pelo recorrente têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente, em cumprimento do disposto no artigo 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, e que este considera imporem decisão diversa (neste sentido, cf. Ac. STJ de 14.03.... (ECLI:PT:STJ:...:07P21.5C), de 23.05.2007 (ECLI:PT:STJ:2007:07P1498.95), de 03.07.2008 (ECLI:PT:STJ:2008:08P1312.21), de 29.10.2008 (ECLI:PT:STJ:2008:07P1016.19) e de 20.11.2008 (ECLI:PT:STJ:2008:08P3269.6B).
Não visando este tipo de recurso constituir-se como um novo julgamento do objeto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, impõe-se a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, estabelecendo o artigo 412.º, n.º 3, do C.P. Penal: «3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas
Neste plano, ao recorrente exige-se a especificação dos «concretos pontos de facto», isto é, a indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados, bem como a especificação das «concretas provas», isto é, a indicação do conteúdo do meio de prova ou de obtenção de prova e a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida. Acresce, que havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao que tiver sido consignado na ata, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens das gravações em que fundamenta a impugnação, não bastando a simples remissão para a totalidade de um ou de vários depoimentos, ou o seu resumo feito pelo recorrente, pois são essas passagens concretas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo Tribunal de recurso, como é exigido pelo artigo 412º, nºs 4 e 6 do Código de Processo Penal.
A especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do C.P.P. e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. artigo 430.º do C.P.P.).
Em suma, para dar cumprimento às exigências legais da impugnação ampla tem o recorrente de especificar, nas conclusões, quais os pontos de facto que considera terem sido incorretamente julgados, quais as provas [específicas] que impõem decisão diversa da recorrida, demonstrando-o, bem como referir as concretas passagens/excertos das declarações/depoimentos que, no seu entender, obrigam à alteração da matéria de facto, transcrevendo-as [se na acta da audiência de julgamento não se faz referência ao início e termo de cada declaração ou depoimento gravados] ou mediante a indicação do segmento ou segmentos da gravação áudio que suportam o seu entendimento divergente, com indicação do início e termo desses segmentos [quando na ata da audiência de julgamento se faz essa referência - o que não obsta a que, também nesta eventualidade, o recorrente, querendo, proceda à transcrição dessas passagens].
Analisando as alegações do arguido, não obstante o mesmo especificar os factos impugnados, a verdade é que tal impugnação, no essencial, não é sustentada pela indicação dos meios de prova que, em concreto, impõem decisão diversa da recorrida, antes remetendo-se sempre para uma apreciação geral da prova, nada mais fazendo que dar a sua visão pessoal da mesma e das conclusões que, a seu ver, o Tribunal a quo deveria ter chegado.
O cerne do recurso centra-se no entendimento do recorrente que todos os atos por si praticados eram uma prática habitual no relacionamento dos treinadores com os atletas no clube, não havendo nenhum comportamento especial do arguido em relação aos ofendidos, sendo que os factos praticados ocorreram na presença de terceiros, designadamente dos pais das crianças.
Para reforçar esta alegação, constata-se que o mesmo apela, essencialmente, para a prova em geral, ao referir que “que o Tribunal a quo ignorou por completo o depoimento de 30 testemunhas entre as arroladas pela Ministério Publico e as arroladas pelo arguido”.
Esta forma de colocar em causa a factualidade não preenche o ónus de impugnação que se impõe.
Mantendo-se numa contestação genérica, o arguido refere que “o teor das conversas/mensagens refletem preocupações, muito mais próximas de um progenitor que quase e em tom de brincadeira aferia do bem-estar dos menores pois versavam sobre os treinos e situações do quotidiano dos menores. Do conteúdo das mesmas não pode ser retirada qualquer outra intenção que não seja de que os menores o pudessem ver como alguém que ali estaria sempre pronto para os ouvir ajudar e incentivá-los a melhorar quer no treino quer jogo, quer até nos problemas que tivessem a ter nas vidas privadas.”
Estas menções genéricas apenas nos remetem para um erro notório da apreciação da prova (artigo 410.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Penal) e não para a impugnação de facto, conforme pretende o recorrente.
Por outro lado, quando concretiza os elementos de prova que, no seu entender, contrariam, a convicção do Tribunal a quo, a mesma assenta em depoimentos de testemunhas que demonstram pouco saber acerca das relações entre o arguido e os ofendidos e que, em nosso entender, não colocam em causa o teor das declarações dos ofendidos que, no essencial, fundamentaram a convicção do Tribunal a quo.
Em primeiro lugar, quanto aos factos imputados ao arguido há que atender ao facto de a prova da verificação dos factos nos crimes de natureza sexual, por força das circunstâncias, ser particularmente difícil, na medida em que escasseia a prova direta, e, regra geral, só têm conhecimento da maioria dos factos o arguido e a vítima. Daí que assuma especial relevância o depoimento das vítimas, desde que, como é evidente, os mesmos sejam credíveis e estejam em sintonia com as regras da experiência comum, pois só nesse caso são suscetíveis de formar a convicção do julgador.
Conforme refere o Acórdão da Relação do Porto de 6.3.1991, «I. O Tribunal coletivo aprecia livremente a prova e não está inibido de socorrer-se das declarações dos ofendidos desde que credíveis e coerentes. II. Tratando-se de crimes sexuais, essas declarações têm especial valor, dado o ambiente de secretismo que rodeia o seu cometimento» (in CJ, T.II, p. 287).
Ora, no caso em apreço, não só as declarações dos ofendidos se mostraram credíveis e coerentes, como a demais prova testemunhal ouvida e, designadamente, a mencionada pelo arguido no presente recurso, não são suscetíveis de as descredibilizar.
Numa avaliação global da mesma, dir-se-á que as testemunhas mencionadas pelo recorrente apenas referiram aquilo que era a sua prática, sendo manifesto que nenhum deles descreveu o que se passava no clube nos mesmos termos em que o fez o arguido, demonstrando aliás que o seu modo de atuação não era a prática comum do clube.
Desde logo, a testemunha GG, treinador dos ofendidos à data dos factos e amigo do arguido, apenas refere, no essencial, que era hábito os treinadores reconfortarem as crianças, dando um beijo na nuca ou na testa (nada falando de atirar ao ar as crianças, ou abraçá-las por detrás); dar material de futebol com o seu dinheiro (ele deu umas luvas ao guarda redes para ele poder jogar), mas não outros objetos. Mais referiu, que as crianças por vezes sentavam-se ao colo para falar com eles, mas eram as crianças que o faziam e não os treinadores que incentivavam tais comportamentos. Por fim, refere que falavam em grupo com os atletas por GG e não em grupos privados.
No mesmo sentido, a testemunha KK, adjunto da equipa de iniciados e dos benjamins, demonstrou nada saber sobre os banhos dos atletas, referindo que as atividades com as crianças eram feitas em grupo e não individualmente e, quando houve, foram sempre almoços. Quanto ao irem ao cinema e às piscinas sabia que eram realizadas, mas nunca participou nelas. Chegou a pagar uns ténis, sendo usual os treinadores oferecer equipamento desportivo aos atletas mais necessitados. Por fim, refere que nunca trocou mensagens pelas redes sociais com as crianças, que não fossem informações sobre a atividade desportiva e nunca à noite.
Ouvida a testemunha FF, atleta dos sub-13 em que era treinador o arguido, o mesmo confirmou que era o arguido que dizia aos atletas para se sentarem ao seu colo e até aos seus 15/16 nunca teve conversas com o arguido pelas redes sociais.
A testemunha II referiu não se lembrar de o arguido estar no balneário quando tomavam banho, em virtude da idade. Nunca ouviu o arguido chamar algum atleta de paixão da minha vida.
A testemunha JJ demonstrou nada saber sobre os factos referentes à viagem ao ... que contrariem a convicção do tribunal em apreciação nos presentes autos. Mais referiu que nunca lhe deram dentadas, nem viu a dar a ninguém
Nestes termos, analisada esta prova testemunhal, entendemos que a mesma não contraria a versão apresentada pelos ofendidos, a qual foi credível e coerente entre si, permitindo sustentar a convicção do Tribunal a quo, uma vez que os comportamentos valorados nos presentes autos são limitados no tempo e número de vezes praticados, não sendo possível, com os depoimentos das testemunhas supramencionadas, afastar a credibilidade dos depoimentos prestados pelos ofendidos.
Por sua vez, constata-se que o comportamento do recorrente extravasa os períodos em que estava em contacto físico direto com os ofendidos.
Nem se diga, como faz o arguido que havia, entre ele e os ofendidos, uma relação de quase família, por conviverem “em festas /tertúlias passeios com estes e a convite destes”, daqui retirando a conclusão que os mesmos se enquadravam no normal relacionamento de pessoas muito próximas, quase família. Infelizmente, dizem as estatísticas que neste tipo de crimes, a proximidade do agressor é um fator decisivo para o sucesso dos seus intentos, pelo que a mesma credibiliza a convicção do Tribunal que estamos perante comportamentos padronizados em que a proximidade ao menor e à sua família, aproveitando fragilidades económicas e familiares do seu meio familiar, aliciamento dos menores com prendas e atividades de lazer, se enquadram num comportamento do arguido visando facilitar os contactos de cariz sexual em contextos que não exigem os mesmos.
Estamos a falar de jovens que à data tinham menos de 14 anos, e com os quais o arguido tinha uma conversa demasiado infantilizada e sexualizada com manifesta intencionalidade de promover o contacto com os jovens, em termos que não só não eram manifestamente necessários para a relação que se deve estabelecer entre treinador e atletas, como eram desajustados, apenas se compreendendo com a necessidade de o arguido criar uma proximidade que facilitaria posteriormente os seus contactos de carácter sexual. Aliás, as repetidas mensagens enviadas aos jovens refletem uma personalidade obstinada, que não apresenta os habituais limites existentes neste tipo de relacionamento.
Como resulta das declarações dos demais treinadores, não era habitual os mesmos estabelecerem com as crianças conversas privadas nas redes sociais e muito menos às horas em que o arguido o fazia. Esta forma inadequada de comportamento é mais acentuada se atentarmos ao conteúdo das conversas. Expressões como “te adoro e paixão da minha vida” dirigidas ao ofendido EE, apenas se compreendem num contexto de uma certa obsessão do arguido em relação ao ofendido. Apenas numa visão distorcida das relações que devem orientar os comportamentos de um adulto, não familiar, em relação a um menor, permitem enquadrar este tipo de comportamento como habitual e que apenas visaria criar empatia, como afirmado pelo arguido.
Por outro lado, a alegação do arguido de que “eram os próprios atletas que procuravam de modo próprio, o colo do arguido e que o abraçavam, situações que aconteciam não só com o arguido, mas com os demais treinadores e membros da direção do Clube”, não só não resulta de qualquer elemento probatório credível junto aos autos ou produzido em audiência de julgamento, como mais não é que uma visão distorcida do normal relacionamento que um adulto deve ter perante um jovem, em fase de desenvolvimento da sua personalidade (aqui se incluindo a sua sexualidade). Com efeito, cabe ao adulto assegurar o espaço de privacidade do menor, não promovendo, como manifestamente o fez o arguido, o contacto com os jovens de tal modo que os mesmos se sentiam desconfortáveis. Esse desconforto, resultado da natureza sexual dos contactos, não podia ser estimulado pelo arguido como o foi, ao reiterar as suas condutas, nem tais contactos podem ser enquadrados como apoio, cuidado, festejo e diversão como alegado pelo arguido. Neste plano, são sintomáticas as declarações de CC e BB que referiram que o arguido promovia insistentemente o contacto físico com os atletas incluindo eles, o que era do seu desagrado. Mais, convidava-os para irem à piscina e ao cinema, sendo que nunca quiseram ir sozinhos com o mesmo.
Concretizando os comportamentos do arguido que fundamentaram a convicção do Tribunal a quo da prática por este dos crimes de abuso sexual de criança agravados, entendemos que os mesmos resultam das declarações dos ofendidos, as quais não levantam a este tribunal, como não levantaram ao Tribunal a quo, qualquer dúvida sobre a sua veracidade.
Quanto aos factos respeitantes ao ofendido DD, as suas declarações foram claras ao mencionar o desconforto com os comportamentos do arguido, referindo que o mesmo tinha atitudes e atos que os demais treinadores que já teve, nunca tiveram. É neste contexto, que se torna compreensível a relevância de uma vez o arguido obrigar as crianças a despirem-se para ir tomar banho, tendo ficado a vê-los a tomar banho. No mesmo sentido, o mesmo confirmou que o mesmo tinha por hábito o arremessar ao ar, comportamento que ele não gostava, sendo que por vezes ao descer, ele tocava-lhe no rabo. Ainda que este comportamento fosse feito de forma pública, é relevante que o mesmo refira que “não dá para reparar, que ele tocava no rabo, percebe”, o que demonstra que tais contactos eram feitos de tal modo que mesmo publicamente não eram evidentes para terceiros. Acresce que o arguido mantinha estes comportamentos, mesmo após o ofendido lhe ter manifestado o seu desagrado. Por fim, este ofendido relatou o mesmo comportamento abusivo e desapropriado nas conversas tidas com ele. Por fim, resulta das suas declarações uma total omissão do facto mencionado no artigo 23.º dos factos provados quando a este ofendido, isto é, que o arguido lhe tenha dado palmadas nas nádegas nuas, não havendo na restante prova produzida elementos donde se possa retirar como verificada tal factualidade.
Nestes termos, não pode deixar de ser dada como não provada tal factualidade em relação ao ofendido DD. Quanto à demais factualidade, designadamente a prova dos factos 20.º e 21.º tem total sustento nas declarações deste ofendido, cuja credibilidade e veracidade, que fundou a convicção do Tribunal a quo, não nos merece qualquer censura.
No que diz respeito aos factos respeitantes ao ofendido EE, as suas declarações merecem toda a credibilidade, uma vez que são coerentes entre si e refletem o padrão de discurso correspondente à sua maturidade psicológica, sendo manifesto o desconforto que todos os comportamentos do arguido provocaram na sua pessoa. Aliás, a descrição dos comportamentos do arguido não só corrobora as declarações do ofendido EE e do CC e BB, como reforçam a existência de um padrão comportamental do arguido que contextualiza e dá sentido aos seus comportamentos, no sentido expresso pelo Tribunal a quo.
Nestes comportamentos, merece não só destaque o atirar os ofendidos ao ar e na descida de, “tocar-lhes no rabo”, como “abraçá-los por detrás”, referido por vários menores. É também neste contexto que ganha relevância os beijos na testa e na cara, de forma insistente e sem se ater perante o evidente desconforto dos visados.
Acresce que destas declarações, resulta evidente que os toques no rabo ocorriam no final do banho, o que nos remete para as referidas “nádegas nuas”.
Quanto à factualidade referida no artigo 30.º, este ofendido foi esclarecedor no relato que fez da mesma, evidenciando-se da mesma que o arguido primeiro mexeu no pénis do EE e só depois é que lhe colocou o gelo na zona dos testículos. Por isso mesmo, não colhe a versão do arguido que o toque no pénis foi contemporâneo com o colocar o gelo. Ainda que tal contemporaneidade possa ter existido em uma parte do tempo, o toque do pénis iniciou-se antes, demonstrando uma intenção que extravasa a mera assistência ao atleta. Mais confirmou que a entrega dos 60,00 Euros não foi feita no contexto de uma qualquer época do ano especial, ou num contexto que o justificasse.
Conjugados todos estes elementos, não se afigura a este tribunal que tenha ocorrido qualquer erro de julgamento em face da prova produzida e existente nos autos, com a ressalva da referência feita ao ofendido DD feita no artigo 23.º, conforme supramencionado.
Quanto à demais factualidade contestada, o arguido assenta as suas alegações essencialmente no argumento que as regras de experiência aplicáveis a situações similares não permitiam que o Tribunal a quo chegasse às conclusões valorativas a que chegou, uma vez que os mesmos não poderiam ter natureza sexual e de satisfação da líbido do arguido conforme concluído pelo Tribunal a quo, antes tais comportamentos eram socialmente adequados naquele meio.
Neste plano, a versão fornecida pelo arguido quanto à sua discordância na captação das filmagens no balneário e à invocação de que apenas guardou tais filmagens “inadvertidamente”, face à sua contrariedade com as regras da experiência comum, concordamos inteiramente com a posição assumida pelo Tribunal a quo, no seguimento de toda a sua motivação, para cuja fundamentação aqui remetemos. Ninguém deixa uma câmara em local que sabe que vai ser utilizado por jovens, para filmar em locais privados e depois as mantém, sem sequer saber do seu conteúdo.
Com efeito, estas alegações, remetem-nos essencialmente para o erro notório da apreciação da prova, o princípio da livre apreciação da prova e a sua compatibilização com as regras de experiência.
O erro notório na apreciação da prova - vício elencado no art.º 410º, nº2, al. c) do C.P.P.- terá de resultar do texto da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum1, o que vale dizer que para o reconhecimento da sua existência não é possível o recurso a elementos estranhos àquela decisão, ainda que constantes do processo.
Conforme refere o Acórdão do STJ de 27.05.2010 (ECLI:PT:STJ:2010:18.07.2GAAMT.P1.S1.3B), “O erro-vício não se confunde com errada apreciação e valoração das provas. Tendo como denominador comum a sindicância da matéria de facto, são muito diferentes na sua estrutura, alcance e consequências. Aquele examina-se, indaga-se, através da análise do texto; esta, porque se reconduz a erro de julgamento da matéria de facto, analisa-se em momento anterior à produção do texto, na ponderação conjugada e exame crítico das provas produzidas do que resulta a formulação de um juízo, que conduz à fixação de uma determinada verdade histórica que é vertida no texto; daí que a exigência de notoriedade do vício se não estenda ao processo cognoscitivo/valorativo, cujo resultado vem a ser inscrito no texto. A invocação do erro notório na apreciação da prova só é possível e viável quando reportado ao texto da decisão e não se direccionado ao modo de valoração das provas (…)
Nesta medida, só existe erro notório na apreciação da prova quando do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum2, resulta, com toda a evidência, a conclusão contrária à que chegou o tribunal, ou seja, quando se dão como provados factos que, face às regras da experiência comum e à lógica corrente, não se teriam podido verificar ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsos, isto é, quando se dá como provado um facto com base em juízos ilógicos, arbitrários ou contraditórios, claramente violadores das regras da experiência comum. (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 4.2.2020, ECLI:PT:TRE:2020:60.16.2GEBNV.E1.B7).
No erro notório na apreciação da prova, estamos perante uma falha grosseira e ostensiva na análise da prova, em cara violação das regras probatórias ou das “legis artis”, que conduz a retirar-se de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável.
É dizer, constitui uma insuficiência que só pode ser verificada no texto e no contexto da decisão recorrida, quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou entre cada um desses, ou traduza uma apreciação manifestamente ilógica, e por isso incorreta, incongruência esta que resulta duma descoordenação factual patente que a decisão imediatamente revela, por incompatibilidade no espaço, de tempo ou de circunstâncias entre os factos, seja natural e no domínio das correlações imediatamente físicas, ou verificável no plano da realidade das coisas e apreciada não por simples projeções de probabilidade, mas segundo as regras da “experiência comum” e da lógica normal da vida, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, ao homem médio ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed. p. 341).
Em todos os casos, estaremos sempre perante um erro notório, grosseiro, evidente, que não escapa ao homem comum, facilmente constatável pelo observador médio.3
Todavia, é necessário ter presente, como salienta o Acórdão do STJ de 27.05.2010 (ECLI:PT:STJ:2010:18.07.2GAAMT.P1.S1.3B), que não se estando em face de prova vinculada ou tarifada, a impugnação da valoração da prova produzida, reconduzir-se-á à impugnação da convicção do tribunal. Ora, neste plano, o que releva é, necessariamente, a convicção formada pelo tribunal, a qual tendo respeitado as “leges artis” aplicáveis, se sobrepõe à convicção pessoalmente alcançada pelas partes sobre os factos.
Neste caso, estamos sempre perante um vício do raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão.
Por outro lado, a lei não considera relevante a convicção pessoal de cada um dos intervenientes processuais, no sentido de a mesma se sobrepor à convicção do Tribunal, até porque, se assim fosse, não seria possível existir qualquer decisão final.
Para este efeito, como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 11/03/2021 (Processo nº 179/19.8JDLSB.L1-9, in www.dgsi.pt): «O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique «os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado».
E nesta apreciação judicial, não podemos ter uma visão atomista da prova, mas uma visão integrada da mesma, isto é, cada elemento probatório deve ser analisado e valorado no conjunto e em correlação com os demais elementos probatórios, pois só assim é possível compreender os seus espaços intercomunicantes e atingir uma visão global e de conjunto que se imponha no processo lógico de fundamentação da decisão.
Como expressivamente refere Sérgio Poças: “Se as provas credíveis se ajudam umas às outras – mutuamente se fortalecendo nesta comunicação – a prova resultado, por força deste factor de comunicação, é necessariamente maior de que a mera junção daquelas provas”. 4
Discorrendo sobre esta matéria, o Acórdão do STJ de 20.1.2021 (ECLI:PT:STJ:2021:611.16.2PALSB.L1.S1.F4) anota, de forma pertinente que “o Tribunal a quo, ao apreciar a prova (o que tem de fazer de uma forma lógica e racional, sempre segundo as regras da experiência comum), deve fazer uma análise dos elementos disponíveis, de forma conjugada e crítica, nada impedindo que, nessa conjugação, atribua crédito a parte de determinado depoimento mas já não estribe a sua convicção noutra parte do mesmo. Por outro lado, também nada obsta a que a convicção do Tribunal se funde num único depoimento, desde que o mesmo ofereça credibilidade bastante. Como é evidente, não é pelo facto de o arguido negar determinado facto e não haver testemunhas do sucedido, para além da própria vítima, que esse facto deve ter-se por indemonstrado, pois que, não sendo o Tribunal um receptáculo acrítico de declarações e depoimentos, tudo depende da credibilidade que as diversas declarações lhe merecem e da sua conjugação com outros elementos de prova que no caso existam. De igual modo, não é por determinada versão ser sustentada por mais de uma pessoa que ela oferece necessariamente mais credibilidade do que uma outra, mesmo que “solitária”. Nas sábias palavras de Bacon: «os testemunhos não se contam, pesam-se», não vigorando no nosso ordenamento jurídico o princípio testis unus, testis nullus
Tendo presente todo este contexto, sufragamos o entendimento plasmado no Acórdão da Relação de Lisboa de 07.05.2019 (ECLI:PT:TRE:2005:2328.04.1.B4), que refere, “Traduzindo-se a livre apreciação das provas numa valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, a falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, a não vivência do julgamento, sede do contraditório, com privação da possibilidade de intervir na produção da prova pessoal, serão, por assim dizer, limites epistemológicos a que a Relação deverá atender na sua apreciação, ainda que não constituam barreiras intransponíveis a que faça a ponderação, em concreto e autónoma, das provas identificadas pelo recorrente, que pode conduzir à conclusão de que tais elementos de prova impõem um juízo diverso do da decisão recorrida.”
Neste plano, regendo o princípio da livre apreciação da prova, é necessário ter presente que o juízo sobre a valoração da prova tem diferentes níveis.
Desde logo, tal juízo assenta na credibilidade que mereceu ao tribunal os meios de prova apresentados e produzido, o qual depende substancialmente da imediação, intervindo elementos não racionalmente explicáveis.
Por outro lado, é importante realçar que a valoração da prova resulta de um processo lógico-racional assente em deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios. Este é um momento que assentando naquele primeiro plano de valoração da prova assente na imediação, já não depende desta, baseando nas regras da lógica, nos princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência.
Tendo presente estes dois planos, facilmente se constata que a credibilidade dos depoimentos sendo um juízo eminentemente subjetivo, depende, essencial e substancialmente, da imediação, princípio que, pressupondo a oralidade, domina a recolha das provas de índole testemunhal, permite, num quadro de emissão e receção de sinais de comunicação - que não apenas de palavras, mas também de gestos ou outras formas de ação/reação, como o próprio silêncio - potenciar a adequada apreciação dos depoimentos.
Esta imediação é absolutamente fundamental para avaliar a prova produzida, designadamente para aferir da credibilidade de um depoimento, uma vez que este não ocorre no vazio, numa realidade assética, antes desenvolve-se num contexto captado pelo julgador, em audiência de julgamento, na observação da respetiva posição corporal, gestos, olhares e hesitações, tom de voz, embaraços e desembaraços evidenciados ao longo do mesmo.
Como expressivamente refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26.10.2021 (ECLI:PT:TRL:2021:510.19.6S5LSB.L1.5.DD), “apenas séria discrepância entre o que motivou o tribunal de 1ª instância e aquilo que resulta da prova por declarações prestada, no seu todo e à luz de regras de experiência comum, pode ser de molde a inverter aquela factualidade, impondo, nas palavras da lei, outra decisão (…). As declarações são ainda indissociáveis da atitude e postura de quem as presta, olhares, trejeitos, hesitações, pausas e demais reacções comportamentais às diversas perguntas e questões abordadas, isoladas ou entre si combinadas, bem como a regras de experiência e senso comuns à luz da normalidade dos comportamentos humanos. Nunca se poderá ainda perder de vista a circunstância de, por princípio, ter aquela observação levado em devida conta a apreciação comunitária e o exame individual de todos os intervenientes no caso, perante o tribunal e durante a audiência, com todas as vantagens atinentes e intrínsecas à imediação, desta resultando, sem qualquer tipo de reserva, factores impossíveis de controlar após o respectivo encerramento. De resto, tal como em relação à prova em geral, especialmente no que toca à prova por declarações e muito particularmente depois a todo o seu caldeamento com a generalidade do material probatório recolhido. Toda a sensibilidade que ali desfila, individual, mas também geral, tem enorme importância no sentenciamento justo e é impossível apartá-lo da resposta que o tribunal irá dar ao caso concreto, em nome da comunidade. Matéria tão importante quanto impossível de captar para futura reprodução. Só a imediação, a par da oralidade, garante o processo e decisão justos, princípios adquiridos com ..., vai para mais de um século.”
Neste plano, cabe apenas ao tribunal de recurso verificar, controlar, se o tribunal a quo, ao formar a sua convicção, fez um bom uso do princípio de livre apreciação da prova, aferindo da legalidade do caminho que prosseguiu para chegar à matéria fáctica dada como provada e não provada, sendo certo que tal apreciação deverá ser feita com base na motivação elaborada pelo tribunal de primeira instância, na fundamentação da sua escolha – ou seja, no cumprimento do disposto no artigo 374º, nº 2 do Código de Processo Penal.
Nesta matéria, é necessário ter sempre presente que havendo duas, ou mais, possíveis soluções de facto, face à prova apresentada, se a decisão recorrida se mostrar devidamente fundamentada e couber dentro de uma das possíveis soluções, face às regras da experiência comum, é esta que deve prevalecer, mantendo-se intocável e inatacável, porquanto foi proferida em obediência ao previsto nos art.ºs 127º e 374º, nº 2 do Cód. Proc. Penal ( cf., Ac. TRL de 02.11.2021, ECLI:PT:TRL:2021:477.20.8PDAMD.L1.5.A4.).
Só quando das provas indicadas apenas for possível uma decisão diversa da decidida é que a decisão recorrida deverá ser alterada pelo Tribunal de recurso. Como anota o Tribunal da Relação de Lisboa de 29.03.2011, (ECLI:PT:TRL:2011:288.09.1GBMTJ.L1.5.12) “A ausência de imediação determina que o tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida e não apenas se a permitirem”.
Conforme refere o Juiz Conselheiro Pires da Graça, no Acórdão do STJ de 13.02.2008 (ECLI:PT:STJ:2008:07P4729.2B), «O recurso da matéria de facto não se destina a postergar o princípio da livre apreciação da prova, que tem consagração expressa no art. 127.° do CPP. A livre apreciação da prova é indissociável da oralidade com que decorre o julgamento em 1.ª instância. O art. 127.° indica-nos um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e da imediação na recolha da prova
Nestes termos, como decorre do supra exposto, não só não houve por parte do Tribunal a quo qualquer violação do princípio da livre apreciação da prova5, consagrado no artigo 127.º do C.P.Penal, como todo o trabalho valorativo e discursivo do Tribunal a quo é um corolário direto do uso de tal princípio, segundo os ditames da lei.
Com efeito, lida a motivação, constatamos que a sua convicção, nos pontos controvertidos, assentou nas seguintes considerações:
Passando a valorar as declarações do arguido, no confronto com a restante prova, no que respeita aos factos respeitantes aos menores CC e BB, estes, nos seus depoimentos registados para memória futura (CD de folhas 336) transcritas a folhas 336 e seguintes (BB) e 358 e seguintes (CC), o primeiro refere que o arguido lhe enviava mensagens, insistentes, perguntando, por exemplo, se ele lhe pagava o almoço e estava sempre a querer fazer-lhe cócegas, o que desagradava ao menor e que, lhe ofereceu umas caneleiras e umas meias no fim de um treino;
e o segundo referiu comportamentos do arguido que considera estranhos, como abraços por trás, mãos nas pernas e outras coisas que qualificou de brincadeiras, que ele tentou fazer consigo, mas que nunca conseguiu, porque ele estava atento e nunca deixou. E que lhe ofereceu uma camisola do ..., umas chuteiras e caneleiras;
Referiu também o BB que o seu irmão CC lhe contou que o arguido tentou mexer no seu pénis, porém, não viu nada; certo é que o CC não referiu esse facto, pelo que, nesta parte, suscita-se ao tribunal dúvida que o conjunto da prova não logrou esclarecer, que deve, por aplicação do princípio in dubio pro reo, ser resolvida em favor do arguido, justificando-se os factos não provados correspondentes.
As práticas que o arguido qualifica de brincadeiras, como subir ao primeiro andar, e os abraços não são inocentes como aquele quis fazer crer, sobretudo tendo em conta a persistência das mesmas, o contacto físico próximo que implicavam e o facto de desagradarem aos menores, como confirmam o DD e o EE nos seus depoimentos registados para memória futura, transcritos a folhas 377 e seguintes e 385 e seguintes, respetivamente. Portanto, perdem credibilidade, nesta parte, as declarações do arguido, que afirmou que só atirava ao ar o DD, uma vez que o EE confirmou inequivocamente que também o fazia consigo, porém, ao contrário do DD, que o afirmou inequivocamente, não confirmou que o arguido lhe apertasse as nádegas na queda, o que justifica o facto não provado correspondente, porém referiu que, noutras ocasiões, o arguido tocava-lhe no rabo.
Acresce que a explicação do arguido, afirmando que apenas atirava ao ar o DD, que tinha vertigens, como forma de o motivar a jogar na posição de guarda-redes, é totalmente incompreensível e até absurda, sendo que, se o menor tinha vertigens, isso seria uma razão para se abster de o erguer no ar e não se vê como tal atitude poderia contribuir para a motivação do menor.
Os abraços, beijos, palmadas no rabo, dentadas nas costas (morder o entrecosto, expressão que surge mais do que uma vez nas conversas do arguido com o EE) não são obviamente inocentes, são claramente, considerando as regras de experiência comum, formas de o arguido conseguir manter contacto físico direto com os menores.
Assim como não são inocentes ou normais as expressões que o arguido dirigia aos menores ou os nomes pelos quais os chamava, concretamente ao menor EE, muitas vezes ao ouvido, como este referiu, como príncipe ou paixão da minha vida, que o arguido afirmou serem comuns nos diálogos com os jogadores, o que não se aceita à luz das regras de experiência comum.
Também as conversas longas, repetidas e insistentes que o arguido mantinha com os menores nas redes sociais, em particular com o EE, por quem, aliás, confessou ter o que disse ser especial empatia, são tentativas, muitas vezes claramente forçadas, de criar laços, cumplicidade ou amizade, procurando utilizar linguagem própria da idade dos menores, como: sabes que eu curto bué de ti e da leitura das mesmas resulta que eram cansativas, desinteressantes e até incómodas para os menores, que acabavam por responder por monossílabos, yah, ok ou usando o simples polegar para cima, ao que o arguido muitas vezes reagia, dizendo: não gosto nada quando respondes assim, como acontece na conversa com o EE, em ... de ... de 2017, transcrita a folhas 33 do Apenso I, sendo que todas as testemunhas inquiridas, além do EE, do DD, BB e CC, foram unânimes em referir-se ao arguido como chato.
Também não se vê, à luz das regras de experiência comum, qualquer normalidade nas ofertas que o arguido fez aos menores CC, BB e EE. Só assim seria se fosse o próprio clube a financiar equipamentos de jogadores com maiores dificuldades económicas, mas nunca uma quantia em dinheiro para adquirir uma consola de jogos, claro. Coisa diferente é um treinador gastar o seu próprio dinheiro em presentes para os jogadores, sobretudo quando se trata de uma quantia para comprar uma playstation. Uma vez mais, claramente, quis o arguido, desta forma, agradar, cativar os menores.
O DD afirmou, sem quaisquer dúvidas, que o arguido exigiu que todos os jogadores tomassem banho despidos. Também afirmou, assim como BB, que o arguido, contrariamente ao que faziam os outros treinadores, permanecia no balneário enquanto tomavam banho, o que o arguido confirmou, e que ficava sentado a olhar para eles. E acrescentou ainda o EE que chegou a tocar-lhes no rabo nessas ocasiões.
O arguido negou ter filmado ou fotografado os menores despidos no balneário e nenhuma testemunha o afirmou com certeza e .... Porém, o arguido tinha na sua posse, num dos suportes que foram apreendidos na sua residência, essas imagens, que aparecem, a título de amostragem, no relatório de exame preliminar de perícia informática, a folhas 275.
Visualizadas, em sede de audiência as aludidas filmagens, percebe-se que foram realizadas com a câmara GOPRO pertencente ao arguido, o que este confirmou, no interior do balneário, pelos próprios menores. Porém, algo mais é claramente percetível ao observador. O arguido aparece a certo momento na imagem, aproximando-se dos menores que utilizavam a câmara, de semblante tranquilo e sereno, sem se apressar a desligar a mesma e sem nada dizer, sem os repreender por fazerem algo que claramente estava errado. Assim, apelando às regras de experiência comum, é razoável concluir que o arguido deixou a sua GOPRO no balneário, acessível aos menores, sabendo que seria uma tentação a que dificilmente resistiriam. E naturalmente, o arguido guardou os conteúdos dessas filmagens, não merecendo credibilidade a sua afirmação de que nem sequer verificou o que aí estava registado, até porque o arguido sabia bem que os menores se tinham filmado uns aos outros nus, a fazer poses ou a mudar de roupa e, se não fosse de sua vontade guardar essas imagens, nunca deixaria de as apagar rapidamente.
Relativamente ao episódio da deslocação da equipa ao torneio em ..., não há dúvidas de que o arguido fotografou o menor EE, sendo que a foto em causa integrava os ficheiros encontrados nos suportes informáticos apreendidos na posse do arguido (folhas 175 e seguintes). Já a explicação apresentada pelo arguido, dizendo que fez a foto para enviar à irmã do EE, que estava preocupada porque ele era sonâmbulo e pretendia, dessa forma, sossegá-la, não é aceitável, à luz das regras de experiência comum, sendo que para tal bastaria enviar uma mensagem dizendo que ele se encontrava bem e a dormir tranquilamente e certamente não enviaria aquela fotografia em que o menor, embora completamente vestido, estava destapado, não sendo despiciendo sugerir que o arguido tenha destapado o menor para o fotografar, embora, obviamente, tal não esteja demonstrado. Evidente parece-nos, sim, que a fotografia reflete o afeto, o interesse especial que o arguido nutria pelo EE, a tal empatia que o próprio arguido assume.
Relativamente à situação respeitante à lesão sofrida pelo EE durante um jogo, num testículo, o menor, no seu depoimento registado para memória futura (folhas 385 e seguintes) afirmou, inequivocamente, que o arguido lhe aplicou gelo na zona genital, mas, antes, com a outra mão, mexeu-lhe no pénis, dizendo: deixa ver, não obstante os protestos do menor, que esclarecia que não era aí que lhe doía. Obviamente, esta ação foi completamente desnecessária, ponderando as regras de experiência comum, podendo e devendo o arguido, simplesmente, aplicar o gelo na região genital do menor e deixá-lo segurar e posicionar essa fonte de frio no local afetado.
Quis, portanto, o arguido, ainda que de forma fugaz e subtil, tocar o pénis de EE.
Apreciada a decisão recorrida, não se constata qualquer erro notório na apreciação da prova, uma vez que a mesma está elaborada de forma equilibrada, lógica e fundamentada. O Tribunal a quo, procedeu à apreciação da prova segundo as regras da experiência e em respeito ao princípio da livre convicção do julgador, pelo que a mera valoração da prova feita pelo recorrente em sentido diverso do que lhe foi atribuído pelo julgador não constitui, só por si, fundamento para se concluir pela sua errada apreciação, tanto mais que sendo a apreciação da prova em primeira instância enriquecida pela oralidade e pela imediação, o tribunal de primeira instância está naturalmente melhor apetrechado para aquilatar da credibilidade das declarações e depoimentos produzidos em audiência, porquanto teve perante si os intervenientes processuais que os produziram, podendo valorar não apenas o conteúdo das declarações e depoimentos, mas também e, sobretudo, o modo como estes foram prestados.
No caso em apreço, a prova produzida consente as ilações retiradas pelo Tribunal a quo e as regras da experiência não a contradizem.
Aliás, é relevante o contexto em que se situam os comportamentos do arguido com especial enfoque nas mensagens tidas com os ofendidos, designadamente o ofendido EE. Lidas as mensagens e contextualizando-as, atendendo à relação que por regra existe entre os atletas jovens e os seus treinadores, é manifesto que o conteúdo das mesmas e as horas em que as mesmas foram emitidas, não podem ser lidas nos termos alegados pelo arguido, uma vez que tal leitura é manifestamente contrária ao que é expectável e aceitável na relação entre treinadores e atletas.
Conclui-se, pois, que o Tribunal a quo apreciou a prova de modo lógico-racional, objetivo e motivado, com respeito pelas regras da experiência comum, não competindo a este tribunal ad quem censurar a decisão recorrida com base na convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida, sob pena de se postergar o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127.º do Código Processo Penal.
Por conseguinte, inexiste qualquer violação do artigo 127º do Código de Processo Penal, não merece censura a decisão de facto e, como tal, não se altera a matéria de facto, apenas com a ressalva da factualidade constante do artigo 23.º relativamente ao ofendido DD.
Vem, o arguido, neste contexto, alegar que o Tribunal a quo devia ter dado como não provado tais factos, por aplicação do princípio in dubio pro reo. Para tanto refere que “sempre será forçoso concluir estarmos perante uma dúvida insanável, que nos termos do principio geral de direito IN DUBIO PRO REO, o que conduzirá a absolvição do arguido. A Verdade é que com base na prova produzida e existente nos autos (ou na falta dela) não poderia o Douto Tribunal a quo ter considerado provados os fatos constantes no ponto art. 20°, 21°, 22°, 23°, 24°, 28°, 29°, 30°, 32° e 37°. dos fatos provados da Douta sentença recorrida, não poderia ter condenado o arguido como o fez pela prática dos 4 crimes de abuso sexual pelos quais este foi condenado”
Este princípio decorre do princípio da presunção de inocência, consagrado no artigo 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa. Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira (in Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª edição revista, p. 519), “Além de ser uma garantia subjectiva, o princípio é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa”.
A Jurisprudência do STJ tem vindo a entender que a violação do princípio in dubio pro reo pode e deve ser tratada como erro notório na apreciação da prova, mas a sua existência só pode ser afirmada, desde logo, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma mais do que evidente, que o tribunal, v. g., na dúvida, optou por decidir contra o arguido.
Todavia, estando em causa a apreciação do recurso por parte do Tribunal da Relação – o qual não está limitado à apreciação das questões de direito – sufragamos o entendimento plasmado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07.05.2019 (ECLI:PT:TRE:2005:2328.04.1.B4), que defende, “Para quem entenda que apenas o estado de dúvida subjectivamente sentida pelo julgador constitui o pressuposto específico do princípio in dubio pro reo, aquele princípio não se mostrará violado quando o tribunal de julgamento não se confrontou com dúvida séria sobre a prova do facto desfavorável ao arguido. Uma outra abordagem da questão é a de que o princípio in dubio pro reo deve ser entendido objectivamente, não se exigindo a dúvida subjectiva ou histórica, para que possa ocorrer a sua violação. Nesta perspectiva – que é a nossa -, no caso de o tribunal dar como provados factos duvidosos desfavoráveis ao arguido, mesmo que não tenha manifestado ou sentido a dúvida, mesmo que não a reconheça, há violação do princípio se, do confronto com a prova produzida, se conclui que se impunha um estado de dúvida. Ou seja: fora dos limites do erro notório na apreciação da prova, o recurso da decisão de facto, no âmbito da impugnação ampla, habilita a Relação, que conhece de facto, a reapreciar as provas, a formular a sua livre convicção quanto às mesmas e a determinar se o tribunal de 1.ª instância, independentemente de se ter visto subjectivamente confrontado com a situação de dúvida, julgou provado facto desfavorável ao arguido apesar de a prova disponível não permitir, de forma racional e objectiva, à luz das regras da experiência e/ou de regras legais ou princípios válidos em matéria de direito probatório, ultrapassar o estado de dúvida sobre a realidade do facto (neste sentido, o acórdão da Relação de Évora, de 13/09/2016, processo 89/15.8GTABF.E2, relator António João Latas)” (no mesmo sentindo, vide Cristina Líbano Monteiro, Perigosidade de Inimputáveis e « In Dubio Pro Reo», Coimbra Editora)
Este entendimento não pode, todavia, deixar de ter em atenção que a apreciação feita pelo Tribunal da Relação é sempre de segundo grau, sem a necessária imediação do Tribunal de primeira instância, o que poderá condicionar as suas próprias conclusões quanto à valoração da prova produzida. Por outro lado, a aplicação deste princípio « não significa dar relevância às dúvidas que as partes encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos.» (neste sentido, vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24.03.... - ECLI:PT:TRP:2004:0315046.29)
Este princípio, constituindo-se um princípio de prova, consubstancia uma verdadeira regra de decisão, nas situações que produzida a prova e efetuada a sua valoração, não ficou demonstrado a culpa do acusado para além de toda a dúvida razoável, subsistindo no espírito do Julgador uma dúvida insanável sobre a verificação ou não de determinado facto, não sendo admissível uma decisão de non liquet ou qualquer inversão do ónus da prova. Nestes casos, deve este decidir sempre a favor do arguido, dando como não provado o facto que lhe é desfavorável.
Como afirmado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.01.2008 (ECLI:PT:STJ:2008:07P4198.95), “a prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade»: «no trabalho de verificação dos enunciados factuais, a posição do investigador - juiz pode, de algum modo, assimilar-se à do historiador: tanto um como o outro, irremediavelmente situados num qualquer presente, procuram reconstituir algo que se passou antes e que não é reprodutível». Donde que «não seja qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável ao arguido», mas apenas a chamada dúvida razoável (a doubt for which reasons can be given). Pois que «nos actos humanos nunca se dá uma certeza contra a qual não militem alguns motivos de dúvida». «Pedir uma certeza absoluta para orientar a actuação seria, por conseguinte, o mesmo que exigir o impossível e, em termos práticos, paralisar as decisões morais. (…) a dúvida que há-de levar o tribunal a decidir pro reo tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária, ou, por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal.”
O recurso a este princípio por parte do julgador, pressupõe que o mesmo previamente tenha esgotado todos os elementos de análise da prova ao seu dispor, as regras da lógica e as normas de experiência6 aplicáveis ao caso em apreciação e, ainda assim, subsista uma dúvida inultrapassável, insuscetível de ser superado por qualquer esforço adicional de prova. Só nesta situação, o Julgador, perante “ duas ou mais perspetivas probatórias igualmente verosímeis e razoáveis”, não podendo proferir uma decisão de non liquet, deve decidir “por aquela que favorece o réu”.
Por outro lado, “Tem entendido este Supremo Tribunal de Justiça, (…) [que] só pode sindicar a aplicação do princípio in dubio pro reo quando da decisão recorrida resulta que o Tribunal a quo ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido. Não se verificando esta hipótese, resta a aplicação do mesmo princípio enquanto regra de apreciação da prova no âmbito do dispositivo do art. 127.º do CPP” (Ac. de 19/10/2000, proc. n.ºs 2728/00-5 e 1552/01-5).
Neste sentido, a violação deste princípio só pode ocorrer em concreto, uma vez que só em concreto pode ocorrer a conclusão de que permanece uma dúvida importante e séria sobre o ato externo e a culpabilidade do arguido. Tal aferição não pode ser feita em abstrato. Se as provas levadas em conta forem legais, só em concreto se pode aferir se o tribunal ficou, ou devia ter ficado, com dúvidas relevantes.
Ora, no caso em apreço, como resulta evidente da motivação da decisão de facto, em nenhum momento, quanto aos factos dados como provados, o Tribunal a quo ficou com qualquer dúvida sobre a prova, a sua valoração e relevância na afirmação dos factos dados como provados, pelo que não pode pôr-se a questão de violação do princípio in dubio pro reo.
Não vislumbramos na sentença recorrida, quer na matéria de facto julgada provada, quer na sua fundamentação, que, ao fazer esta opção fáctica, o Tribunal a quo tivesse tido qualquer hesitação quanto à valoração da prova, não se vislumbrando também que, na concreta situação dos autos, devesse ter tido qualquer dúvida, com a ressalva da factualidade do artigo 23.º quanto ao ofendido DD.
Deste modo, mostrando-se a opção fáctica feita pelo Tribunal a quo baseada em prova produzida e constante dos autos, e à qual o Tribunal atribuiu credibilidade e verosimilhança, nenhum reparo merece a decisão recorrida, sendo evidente que o recorrente não indicou prova que obrigasse a decisão diferente da adotada pelo Tribunal a quo, apenas com a ressalva já supre mencionada.
Deste modo, sendo os factos dados como provados na sentença recorrida conclusões lógicas da prova produzida em audiência e plausíveis face a essas provas, a convicção assim formada pelo julgador não pode ser censurada, sob pena de violação do princípio da livre apreciação da prova.
Consequentemente, inexistindo qualquer erro de julgamento ou qualquer violação do princípio in dubio pro reo, impõe-se manter a matéria de facto nos precisos termos fixados pela 1ª Instância, com a ressalva da factualidade do artigo 23.º quanto ao ofendido DD.
Daqui decorre que não existe qualquer violação do direito à presunção da inocência e do princípio do in dúbio pro reo, constitucionalmente previstos no art.º 32.º, n.º 2 da CRP, improcedendo a invocada inconstitucionalidade.
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QUESTÃO 2
Nas conclusões apresentadas insurge-se ainda o recorrente contra a qualificação jurídica dos factos efetuada pelo Tribunal a quo, argumentando que “Os factos dados como provados não integram os elementos subjetivo e objetivo dos crimes de abuso sexual de criança agravado, previstos nos artigos 171.º, nº 1 e 177.º, n.º 1, alínea b) do código Penal, pelos quais o arguido, ora recorrente foi condenado”, uma vez que “nenhum dos atos pelos quais o arguido ora recorrente foi condenado têm ou possamos atribuir um cariz sexual, ou num conceito que inclua a lascivia e intuito sexual de atos preparatórios para a prática de outros atos sexuais. nem no seu todo nem por si só são enquadraveis como atos sexuais de relevo, pois nunca foram praticados num contexto sexual nem com a intenção de satisfazer os seus instintos libidinosos.”
Concretizando tais alegações, refere o recorrente que “As mensagens escritas e trocadas não representam propósito de cariz sexual nem sequer estamos em sede da conversa obscena (sendo que, até nesta sede não poderia ser uma qualquer conversa que recaia sob temas sexuais, sendo sim necessário e suficiente é que a conversa tenha uma natureza e uma intensidade pesada e teor sexual, de tal modo que, ela se releve num instrumento idóneo para prejudicar um harmonioso desenvolvimento da personalidade da criança na esfera sexual). O que não aconteceu de todo.” e “Todas as situações relatadas como atirar os menores ao ar, abraçar os menores, "dar dentadas no entrecosto", beijos na testa, sentar ao colo, eram efetuadas no exterior do clube, perante os olhares dos progenitores diretores do clube e treinador, não apontando nenhuma destas situações para qualquer intenção sexual, ou intuito libidinoso estando contextualizadas noutro tipo de intenções como o de ΑΡΟΙΟ aos atletas mesmo em situações particulares e de necessidade CUIDADO nas situações de emergência, FESTEJAR os resultados favoráveis dos jogos e de DIVERSÃO brincando com os atletas. Não podendo por isso ser enquadráveis como acto sexual muito menos de relevo.”.
Conclui, alegando que “Quanto ao elemento subjetivo do tipo de crime exige-se dolo e atenta a factualidade produzida em audiência de julgamento não resultou que o arguido o tenha representado como consequência possivel na sua conduta o preenchimento de um tipo legal de crime e também não ficou provado que o arguido se conformou em atuar com aquela realização. Não se tendo verificado assim, a existência de dolo em qualquer das suas modalidades, incluindo o eventual.
No caso em apreço, insurge-se o recorrente contra a qualificação dos citados factos como integrantes de quatro crimes p. e p. pelos artigos 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alínea b) do código Penal, quer porque no seu entender os mesmos não configuram a prática de atos sexuais de relevo, quer porque não se encontra preenchido o elemento subjectivo – o dolo em qualquer uma das suas modalidades.
Nesta matéria, da decisão recorrida consta o seguinte enquadramento jurídico-penal:
“No caso em apreço, está assente que o arguido atirou DD ao ar e depois segurou-o na descida, agarrando-o com as duas mãos nas nádegas, assim as apalpando.
E que tocou levemente, em jeito de carícias e deu palmadas nas nádegas nuas do DD e do EE, após o banho.
E que no decurso de um jogo, o EE sofreu uma lesão num testículo, pelo que o arguido aplicou gelo na zona genital daquele e, ao mesmo tempo, com a outra mão, tocou no pénis do ofendido, não obstante os protestos deste, dizendo que não era aí que lhe doía.
Ato sexual é o comportamento que objetivamente assume um conteúdo ou significado reportado ao domínio da sexualidade da vítima. podendo estar presente um intuito libidinoso do agente, conquanto a incriminação persista sem esse intuito (Acórdão do TRP, se 13/03/2013).
E ato sexual de relevo, é toda a ação com conotação sexual com gravidade significativa em sede de lesão do bem jurídico protegido.
O bem jurídico tutelado pelas normas é a autodeterminação sexual, em função da circunstância de determinadas condutas de natureza sexual que, tendo em consideração a pouca idade da vítima, podem, mesmo com ausência de coação, prejudicar gravemente o livre desenvolvimento da personalidade da criança (neste sentido leia-se Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, I, 541). Neste sentido ainda, entre outros, o Acórdão do STJ de 12.10.2011 (processo n.º 4/10.5GBFAR.E1.S1, disponível no site www.dgsi.pt).
Trata-se de um crime de perigo abstrato, na medida em que a possibilidade de um perigo concreto para o desenvolvimento livre, físico ou psíquico, do menor ou o dano correspondente podem vir a não ter lugar, sem que com isso fique afastado o ilícito (neste sentido, Jorge de Figueiredo Dias, in "Comentário Conimbricense do Código Penal", tomo I, pág. 542).
Resumidamente, está assente que o arguido, numa ocasião, apalpou as nádegas do DD e noutra ocasião, tocou levemente, em jeito de carícias e deu palmadas nas nádegas nuas do DD;
E que tocou levemente, em jeito de carícias e deu palmadas nas nádegas nuas do EE; e noutra ocasião, tocou o pénis do EE.
Sem dúvida, os atos descritos revestem conteúdo/significado claramente associado ao domínio da sexualidade dos ofendidos e revelam, por banda do arguido, intuito libidinoso.
A factualidade assente integra a prática, pelo arguido, relativamente a cada um dos ofendidos, de atos sexuais de relevo, pois revestem cariz sexual explícito, pelo que tais condutas são objetivamente censuráveis, por referência aos sentimentos gerais da comunidade e constituem uma ofensa séria e grave da intimidade e liberdade da vítima, sendo que os ofendidos, tinham à data desses factos, entre 11 e 13 anos de idade.
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Os factos assentes são claramente autonomizáveis, pois aconteceram em ocasiões distintas, sendo de considerar dois atos relativamente a cada um dos ofendidos, estando, assim, suficientemente determinado o número dos mesmos.
Estabelece o artigo 30º, nº1 do Código Penal: O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
Assim, estando determinado o número concreto de atos praticados, concluímos pela prática, pelo arguido, de quatro crimes de abuso sexual de criança, previstos no artigo 171º, nº1 do Código Penal, operando o tribunal a correspondente alteração da qualificação jurídica.
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Dispõe o artigo 177º, nº1, alínea b) e c) do Código Penal:
As penas previstas nos artigos 163.º a 165.º e 167.º a 176.º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima:
(…) b) se encontrar numa relação familiar, de coabitação, de tutela ou curatela, ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho do agente e o crime for praticado com aproveitamento desta relação.
c) for pessoa particularmente vulnerável, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez (…).
No caso em apreço, sem dúvida, o arguido, sendo o treinador de futebol dos ofendidos, aproveitou uma situação de dependência hierárquica típica, que lhe proporcionava, além do mais, efetiva proximidade, relação de confiança e o dever de obediência por parte daqueles, que o arguido, objetivamente, aproveitou, pelo que está preenchida a circunstância agravante estabelecida na alínea b) do nº1 do artigo 177º do Código Penal.
Já relativamente à agravação prevista na alínea c), concretamente a especial vulnerabilidade da vítima em razão da idade, alguma jurisprudência tem afastado a sua aplicação, no caso de crimes de abuso sexual de criança, com fundamento na proibição da dupla valoração da mesma circunstância, por serem idênticos os fundamentos da incriminação e a motivação do legislador para a agravação (neste sentido, entre outros, o Acórdão da Relação de Évora de 25-05-2023, Processo 24/23.0GAMFR-A.E1, disponível em www.dgsi.pt. ).”
Concordamos com o enquadramento jurídico-penal supra enunciado pela decisão recorrida, apenas com a ressalva resultante de não se ter como provado que o arguido tocou nas nádegas nuas do ofendido DD.
Com efeito, há que ter em atenção que os crimes sexuais são, como resulta da sua inserção sistemática, crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual, enquanto bens jurídicos pessoais (embora com uma clara refracção sistémico-funcional, como reflexo de uma das principais dimensões ontológicas do homem, a sua sexualidade – o Eros de cada um – que deve ser preservada e tutelada, como outros bens jurídicos inerentes à pessoa humana) e não supra-individuais (os mores sexuais, que divergem muito dentro da própria sociedade, fracturando-se a unanimidade perante os valores de origem judaico-cristã).
Quanto aos crimes cometidos contra menores pretende-se tutelar a “protecção da liberdade pessoal na esfera sexual e o desenvolvimento imperturbado da juventude, reconduzindo-se este à protecção da liberdade na medida em que a protecção da juventude se deve à circunstância de o jovem não ser ainda capaz de se autodeterminar na esfera sexual. O que mostra, desde logo, que, nos crimes em que as vítimas são menores, a liberdade e a auto-determinação sexual se mostram imbricadas, uma vez que o menor pode ter escolhido livremente praticar o acto sexual, mas sem que, pela sua idade, se possa autodeterminar quanto a esse aspecto (por não ter maturidade suficiente para o efeito).
Como refere Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo I, Coimbra, 1999, p. 541, visa-se, assim, punir “condutas que, em face da consideração da pouca idade da vítima, podem, mesmo sem coacção, prejudicar gravemente o livre desenvolvimento da sua personalidade”. Os menores, só a partir de uma certa idade (embora, esta, naturalmente, tenha diminuído em consequência da natural alteração das concepções sexuais e da sua influência e repercussão junto dos mais novos), estão aptos a determinar com algum grau de liberdade e ponderação a sua vida sexual, sendo que “por volta da idade de l4 anos, a sexualidade, pelo trabalho forçado do órgão de secreção interna e o amadurecimento do aparelho genital, entra numa fase eminentemente activa, dirigindo-se o impulso sexual, naturalmente, para as relações sexuais” – Wilhelm Reich, apud Carmona da Mota, ob. e loc. cit..
Esta idade (os 14 anos, entendidos a nível do tipo legal como idade cronológica e não mental) é, assim, considerado um marco a partir do qual o menor já se pode autodeterminar sexualmente, presumindo (de forma não ilídivel, iuris et de iure) o legislador que anteriormente não o poderia fazer (pelo que grande parte dos crimes sexuais contra menores são crimes de perigo abstracto, uma vez que, apesar dessa idade, o menor já pode ter a maturidade suficiente para se autodeterminar sexualmente).
Como se pode ler no Acórdão da Relação do Porto de (ECLI:PT:TRP:2009:530.03.2TAPVZ.P1.70)“II.- No crime de abuso sexual de criança protege-se essencialmente a sexualidade durante a infância e o começo da adolescência, mediante a preservação de um adequado desenvolvimento sexual nestas fases de crescimento.”.
Por ato sexual de relevo entende-se toda a acção de conotação sexual de uma certa gravidade objectiva realizada na vítima (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código Penal, 2008, p. 442; no mesmo sentido Jorge de Figueiredo Dias in Comentário Conimbricense do Código Penal, Vol. I. 2ª ed., p. 718).
No dizer de Paulo Pinto de Albuquerque, “O seu conteúdo é determinado de acordo com uma perspectiva normativa objectiva própria de urna sociedade democrática, pluralista e tolerante.” (in Comentário do Código Penal, 2008, p. 439). No dizer de Jorge de Figueiredo Dias, “Acto sexual será assim todo aquele comportamento que, de um ponto de vista predominantemente objectivo e segundo uma compreensão natural, assume uma natureza, um conteúdo ou um significado directamente relacionados com a esfera da sexualidade e, por aqui, com a liberdade de determinação sexual de quem o sofre ou o pratica” (Jorge de Figueiredo Dias in Comentário Conimbricense do Código Penal, Vol. I. 2ª ed., p. 718/719).
Daqui decorre que um qualquer ato não se torna em “sexual” para efeito típicos penais exclusivamente por força da motivação sexual do agente, antes carecendo que o seja considerado por um critério objetivo reconhecível pela comunidade em geral (sendo desnecessário que o ato seja reconhecível pela vítima como sexualmente significativo (v.g. menor), ou sequer se aperceba do ato segundo os sentido - v.g. vítima adormecida ou inconsciente). Com efeito, a atuação do agente pode ser dominada por outros sentimentos - v.g. desprezo, de cinismo, curiosidade, etc. - e ainda ser objetivamente um ato sexual (in Jorge de Figueiredo Dias in Comentário Conimbricense do Código Penal, Vol. I. 2ª ed., p. 719)
Por fim, a exigência que tal ato seja de relevo visa excluir do tipo os atos considerados insignificante ou bagatelares (função negativa), e impor que se investigue do seu relevo na perspectiva do bem jurídico protegido, impondo-se que o ato se apresente como entrave com importância para a liberdade de determinação sexual da vítima, remetendo para outros tipos legais - v.g. importunação sexual - todos os atos que pela sua quantidade, ocasionalidade ou instantaneidade não entravem de forma significativa a livre determinação sexual da vítima (função positiva) (in Jorge de Figueiredo Dias in Comentário Conimbricense do Código Penal, Vol. I. 2ª ed., p. 719/720).
Em resumo, como salienta o Acórdão da Relação do Porto de (ECLI:PT:TRP:2009:530.03.2TAPVZ.P1.70)“I.- Acto sexual de relevo é toda a acção que tenha uma conotação sexual e seja suficientemente ofensiva ou condicionante da liberdade e da autonomia sexual que cada um tem pleno direito a preservar e a desenvolver.”.
Temos, assim, como essencial, para aferição da natureza do ato praticado pelo arguido, analisar o ato em si mesmo, mas também o contexto em que o mesmo se insere, sendo aqui relevante não só todo o comportamento anterior e posterior do arguido que nos permite descortinar o contexto em que os mesmos foram praticados, mas também o local, o tempo e as condições em que os mesmos ocorreram, como fatores de potenciação da sua ocorrência.
Por outro lado, toda a conduta do arguido tem uma forte componente sexual, quer quando o mesmo exige que os atletas tomem banho nus e fica a vê-los, sem qualquer razão objetiva que o justifique, quer quando os abraça por detrás, dá “dentadas no entrecosto”, “toca nas nádegas nuas”, “atira-os ao ar e agarra o DD com as mãios nas nádegas, assim as apalpando” quer quando estabelece com os mesmos um contacto via mensagens nas redes sociais desajustadas quer quanto aos conteúdos (chamando o ofendido EE de “paixão da minha vida”), quer quanto às horas em que as mesmas ocorrem É todo este contexto que nos permite descortinar a intencionalidade sexual do arguido subjacente à sua conduta.
Com efeito, “uma vez que o dolo pertence à vida interior de cada um e é, portanto, de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão, só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns, de que o mesmo se possa concluir, entre os quais surge, com maior representação, o preenchimento dos elementos integrantes da infracção, socorrendo-nos de presunções, ligadas ao princípio da normalidade ou da regra geral da experiência. Neste caso é legítimo o recurso à prova por presunção judicial, uma vez que são admissíveis em processo penal as provas que não forem proibidas por lei (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de , ECLI:PT:TRC:2016:7.12.5GAPCV.C1.A9).
Atentas estas considerações, e analisada a factualidade dada como provada, como se deixou já escrito supra, as condutas do arguido não só configuram atos sexuais de relevo, como a sua prática, no contexto em que se inserem, demonstram claramente que o arguido visou com as mesmas satisfazer os seus instintos sexuais.
Os toques nas nádegas, e no pénis do menor EE, são objetivamente atos de cariz sexual, sendo-o efetivamente atento o contexto em que foram praticados. Não estamos perante atos descontextualizados, antes, são os mesmos o culminar de uma atuação persistente do arguido de aproximação aos menores, quer através de conversas, ofertas de prendas e imposição de contatos objetivamente de natureza sexual, que apenas podem ter uma justificação: o de propiciar ao arguido contactos de cariz sexual para satisfação dos seus instintos sexuais (na subjectiva dimensão dos mesmos, ainda que comunicáveis a terceiros).
Pelo exposto, dúvidas não restam a este Tribunal, que com as suas condutas o arguido preencheu os elementos objetivos e subjetivos dos crimes imputados, na qualificação jurídica dada pelo Tribunal a quo, apenas com uma ressalva, resultante de não se ter como provado que “o arguido chegou a tocar levemente, em jeito de caricias e a dar palmadas nas nádegas nuas do DD”.
Nestes termos, o arguido deve ser absolvido da prática de um condenado pela prática de um crime de abuso sexual de crianças agravado (toques/carícias e palmadas nas nádegas nuas), previsto nos artigos 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal.
Em face do decaimento de um dos crimes pelos quais o arguido foi condenado, coloca-se a questão de saber se a mesma se deve refletir na pena única a que o mesmo foi condenado, uma vez que a moldura do concurso, no seu limite máximo baixou dois anos.
Nesta matéria, não contestada pelo recorrente, entendemos que as considerações expressas pelo Tribunal a quo, são de manter-se, pelo que deverá a nova pena única refletir a absolvição por um dos crimes a que foi condenado.
Tomando em considerações todos os elementos já ponderados pelo Tribunal a quo na fixação da pena única, entendemos que a nova pena única deverá situar-se em 4 anos e 6 meses, uma vez que a mesma deve situar-se um pouco acima do ponto médio da moldura abstrata da pena única.
Tendo em atenção que à data d e algum dos factos, a redação do artigo 50.º, n.º 5 do Código Penal determinava que o período de suspensão fosse igual à pena de prisão aplicada, sendo este o regime penal mais favorável ao arguido (artigo 2.º, n.º 4 do Código Penal), determina-se a suspensão da pena única de prisão de 4 anos e 6 meses, por igual período, sujeito às mesmas condições já fixadas na decisão recorrida.
Por fim, quanto à pena acessória, entendemos que as considerações expressas na decisão recorrida são aqui totalmente aplicáveis, e, em face da moldura abstracta da sanção acessória, consideramos justa, proporcional e adequada a pena acessória de 5 anos nos termos fixados pela decisão recorrida.
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QUESTÃO 3
Por fim, alega o recorrente que “sempre as compensações pecuniárias, aplicadas ao arguido são excessivas e desproporcionais, devendo por isso ser reduzidas, ao abrigo do disposto nºs art.ºs 40 º,71º e 77º do C. Penal”.
Fundamenta a sua alegação no facto de, “No caso concreto não se apurou das condições socio económicas dos ofendidos e relativamente ao arguido das condições socio económicas, o Douto Tribunal a quo limitou-se a aferir quanto a este, o valor do seu vencimento”, “padecendo o Douto acórdão do tribunal a quo do vício descrito no art.º 410.º, n. 2 al. a), do Código de Processo Penal e violando o disposto no artigo 13º da C. R. P. e nos artigos 51.º n.º 2, do Código Penal”
Conclui, alegando que “Ainda que assim não entenda o douto tribunal ad quem, sempre se dira, serem excessivos os montantes arbitrados a título de compensações pecuniárias que se deveriam fixar no montante máximo de € 1000,00 para cada ofendido”
Nesta matéria, entendemos que os argumentos invocados pelo arguido para fundamentar o seu pedido de redução são manifestamente improcedentes.
Analisada a decisão recorrida, constata-se que o Tribunal a quo fixou valores indemnizatórios, atendendo às condições económicas do arguido descritas na decisão, sendo que a gravidade dos danos e suas consequências para os ofendidos é manifesta, permitindo fundamentar os valores indemnizatórios fixados. A forma como o arguido atuou sobre os ofendidos DD e EE, são de molde a condicionar o saudável desenvolvimento dos mesmos, criando traumas que cuja gravidade carece de ser acautelada em termos indemnizatórios.
Quanto à fixação do quantum indemnizatório relativamente ao ofendido EE, o mesmo reflete não só a gravidade dos atos sexuais de relevo praticados, mas também toda a demais atuação do arguido, bem expresso nas mensagens enviadas e no tratamento desadequado que as mesmas refletem. Nestes termos, nenhuma censura merece a fixação do valor indemnizatório feito pelo Tribunal a quo, quanto ao mesmo.
No que diz respeito ao ofendido DD, apenas ter-se-á que proceder à redução do valor indemnizatório fixado, uma vez que tendo decaído um dos crimes, o valor indemnizatório deverá deflectir tal decaimento, fixando-se em 1.500,00 (mil e quinhentos) Euros, o valor da indemnização a pagar ao referido ofendido.
Por fim, na parte referente à fixação da indemnização aos ofendidos, a decisão recorrida inclui um parágrafo que é um manifesto lapso de inserção informática de texto ao referir “No caso em apreço, tendo a ofendida 13 anos de idade, manteve o arguido com ele relações sexuais de cópula completa, de que resultou gravidez”.
É manifesto que tal texto nada tem a ver com os presentes autos, sendo o resultado de uma incorreta inserção de texto no corpo da decisão, o qual em nada afeta a decisão recorrida nesta parte. Nestes termos, apenas resta proceder à sua eliminação.
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IV – DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção - Criminal - deste Tribunal da Relação:
1. Julgar parcialmente procedente o recurso, e em consequência:
Considerar como não provada a seguinte factualidade: “No mesmo período temporal, o arguido chegou a tocar levemente, em jeito de caricias e a dar palmadas nas nádegas nuas do DD”.
Absolver AA, por um crime de abuso sexual de criança agravados previsto nos artigos 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, relativamente ao ofendido DD, relativamente à ação de dar toques/carícias e palmadas nas nádegas nuas;
Operar o cúmulo jurídico, condenando o arguido na pena única global de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Suspender a execução da pena pelo período de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses, acompanhada de regime de prova para cumprimento de plano individual de reinserção direcionado ao desenvolvimento de consciência crítica, compreensão dos valores subjacentes à condenação, avaliação dos fatores de repetição da conduta, sensibilização para eventual avaliação clínica ou psicológica e continuidade da inserção laboral estável.
Condenar o arguido no pagamento a DD da quantia de 1.500,00 € a título de compensação de danos não patrimoniais.
3. Determina-se a eliminação do parágrafo “No caso em apreço, tendo a ofendida 13 anos de idade, manteve o arguido com ele relações sexuais de cópula completa, de que resultou gravidez”
2. Mantendo-se quando ao demais a decisão recorrida, nos seus precisos termos.
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Sem custas (artigo 513.º, n.o 1 a contrário do Código de Processo Penal).
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Lisboa, 21.05.2024
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator – artigo 94.º, n.º 2, do CPP -, com assinaturas eletrónicas apostas na 1.ª página, nos termos do art.º 19.º da Portaria n.º 280/2013, de 26-08, revista pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09)
João Ferreira
Sara André reis Marques
Carlos Espírito Santo
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1. Como refere Jaime Torres (Presunción de Inocencia y Prueba en el Proceso Penal, pág. 65), importa distinguir dois tipos diferentes de regras de experiência: as de conhecimento geral ou, dito por outra forma, as regras gerais empíricas cujo conhecimento se pressupõe existente em qualquer pessoa que tenha um determinado nível de formação geral e, por outro lado, as máximas de experiência especializada cujo conhecimento só se pode supor em sujeitos que tenham uma formação especifica num determinado ramo de ciência, técnica ou arte. (citado por Santos, Manuel Simas, Leal-Henriques, Manuel & Santos, João Simas (2020). “Noções de Processo Penal”. Letras e Conceitos, Lda., 4.ª edição, p. 656.
2. Como refere Jaime Torres (Presunción de Inocencia y Prueba en el Proceso Penal, pág. 65), importa distinguir dois tipos diferentes de regras de experiência: as de conhecimento geral ou, dito por outra forma, as regras gerais empíricas cujo conhecimento se pressupõe existente em qualquer pessoa que tenha um determinado nível de formação geral e, por outro lado, as máximas de experiência especializada cujo conhecimento só se pode supor em sujeitos que tenham uma formação especifica num determinado ramo de ciência, técnica ou arte. (citado por Santos, Manuel Simas, Leal-Henriques, Manuel & Santos, João Simas (2020). “Noções de Processo Penal”. Letras e Conceitos, Lda., 4.ª edição, p. 656.
3. Paulo Pinto de Albuquerque (in Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3.ª ed., pág. 1094), delimitando de forma positiva este vício, dá-nos conta que constituí erro notório na apreciação da prova, posto que ressalte do texto da decisão, “o erro sobre facto notório, neles se incluindo factos históricos do conhecimento geral; a ofensa das leis da natureza (isto é, das leis ... e mecânicas); a consideração como provado de facto física ou mecanicamente impossível; a consideração como não provado de facto em violação da regra tertium non datur; a ofensa das leis da lógica (Denkengesetze); a valoração da não confissão (mesmo que conjugada com outros meios de prova) para fundamentar os factos provados; a valoração da confissão integral para fundamentar os factos não provados; a incompatibilidade entre um facto objetivo provado e um facto subjetivo provado; a incompatibilidade entre um facto subjetivo não provado e um facto objetivo não provado; a incompatibilidade entre um facto objetivo provado e um facto subjetivo não provado; a incompatibilidade entre um facto subjetivo provado e um facto objetivo não provado; a incompatibilidade entre o meio de prova invocado na fundamentação e os factos dados como provados com base nesse meio de prova (por exemplo, a incompatibilidade entre o conteúdo do documento invocado na fundamentação e o facto dado como provado com base nesse meio de prova); a ofensa dos conhecimentos científicos criminológicos e vitimológicos (por exemplo, a afirmação de que a ereção é sinónimo da voluntariedade da participação no ato sexual)”.
Por seu turno, agora delimitando de forma negativa este vício, diz-nos que não constituem erro notório na apreciação da prova os seguintes casos: “o erro de escrita (este vício constitui uma irregularidade da sentença – art.º 380.º, n.º 1., alínea b) do Código de Processo Penal ); o erro de direito (v.g. a violação das regras que regulam o modo de formação da convicção, isto é, os graus de convicção necessários para a decisão, as proibições de prova, a presunção da inocência, a violação do princípio in dubio pro reo, a ofensa do caso julgado); a omissão de diligências "essenciais" para a descoberta da verdade (este vício constitui uma nulidade do julgamento - art.º 120.º, n.º 2, al. d) do Código de Processo Penal); a omissão de diligências "necessárias" para a descoberta da verdade (este vício constitui uma irregularidade do julgamento); a omissão de pronúncia sobre questões de que o tribunal devesse conhecer (este vício constitui uma nulidade da sentença – art.º 379.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Penal); a contradição com meios de prova, incluindo documentos constantes dos autos, mas não ponderados ou ponderados erroneamente na sentença (este vício pode ser conhecido no recurso da decisão sobre a matéria de facto); o erro na apreciação dos depoimentos da audiência (com base na documentação da prova) (este vício só pode ser conhecido no recurso da decisão sobre a matéria de facto).”
4. Cf. Sérgio Poças “Da sentença penal – fundamentação de facto”, em Revista Julgar nº 3, pág. 38.
5. Quanto a este princípio, é importante salientar que a convicção do julgador terá sempre de ser uma convicção possível e explicável pelas regras da lógica e da experiência comum.
6. As normas da experiência são “...definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto «sub judice», assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade.” -Cfr. Prof. Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, Vol. II, pág.300.