Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
715/19.0GAALQ.L1-5
Relator: MAFALDA SEQUINHO DOS SANTOS
Descritores: ATO EXIBICIONISTA
CRIME DE IMPORTUNAÇÃO SEXUAL
PROIBIÇÃO DE LECCIONAR AULAS A MENORES
LIMITE MÍNIMO DE CINCO ANOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: I–A respeito do preenchimento do tipo legal de crime previsto no art. 170.º do Cód. Penal, na modalidade de delito exibicionista, temos por adequado o entendimento que considera desnecessário demonstrar que o ato exibicionista suscitou fundado receio da prática subsequente de um ato sexual com a vítima, por estarmos perante um crime de dano que se consuma com a efetiva importunação da vítima.

II–Impondo o número 2, do art. 69.º-B, do Cód. Penal, a obrigatoriedade de condenação na proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, ainda que não remuneradas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período fixado entre 5 e 20 anos, e tendo a duração da sanção acessória que ser determinada em função do facto praticado e da culpa do agente, dentro da moldura abstrata prevista, situações haverá em que o limite mínimo– de 5 anos – poderá afigurar-se manifestamente desproporcional.

III–É o que ocorre em situações no limiar da justificação da punibilidade, como nos delitos exibicionistas.

IV–Nestas situações, como a que nos ocupa, o imposto limite mínimo de 5 anos não permite graduar a pena acessória em função do concreto facto praticado, das inerentes exigências de prevenção e da culpa do agente, pelo que a norma em causa mostra-se contrária à Constituição da República Portuguesa, por violação do princípio da proporcionalidade ínsito no art. 18.º, n.º 2, devendo ser recusada a respetiva aplicação.

(Sumário da responsabilidade da relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal (5.ª) do Tribunal da Relação de Lisboa:


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IRELATÓRIO


No Juízo local Criminal de Alenquer (J1), foi submetido a julgamento o arguido AA, solteiro, técnico superior de desporto, atualmente desempregado, nascido em .../.../1991, natural de ..., filho de BB e de CC, residente na ..., sendo-lhe imputada a prática, em autoria material, sob a forma consumada, de cinco crimes de importunação sexual, previstos e punidos pelos artigos 170.º e 69.º-B, n.º 2, do Código Penal.

Por sentença de 9 de maio de 2023, decidiu-se:
i.-Condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material, sob a forma consumada, e em concurso efetivo, de 5 (cinco) crimes de importunação sexual, previstos e punidos pelo artigo 170.º do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão quanto a cada um deles.
ii.-Em cúmulo jurídico, condenar o arguido AA, na pena única de 12 (doze) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 18 (dezoito) meses, ao abrigo do artigo 50.º, n.ºs 1 e 5, do Código Penal.
iii.-Condenar o arguido na pena acessória de proibição de exercer a profissão ou atividade, pública ou privada, de docência a menores de idade, ou funções de semelhante natureza que impliquem lecionar aulas a menores de idade ou cujo exercício envolva contacto regular com menores (tais como, as funções ou cargo de monitor ou formador), pelo período de 5 anos, ao abrigo do artigo 69.º-B, n.º 2, do Código Penal.
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Não concordando com a decisão condenatória, interpôs o arguido recurso da mesma, pugnando pela respetiva absolvição pela prática dos crimes por que foi condenado, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:
«I– Na data de 9 de Maio de 2023 foi proferida douta sentença no âmbito dos presentes autos, a qual veio considerar provada a prática por parte do Recorrente de cinco crimes de importunação sexual, previstos e punidos pelo artigo 170º do Código Penal.
II–O Recorrente foi condenado, quanto ao referido crime, em cúmulo jurídico, numa pena única de 12 (doze) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 18 (dezoito) meses, ao abrigo do disposto no artigo 50º, nºs 1 e 5 do Código Penal.
III–Foi ainda o Recorrente condenado na pena acessória de proibição de exercer a profissão ou actividade, pública ou privada, de docência a menores de idade, ou funções de semelhante natureza que impliquem leccionar aulas a menores de idade ou cujo exercício envolva contacto regular com menores (tais como as funções de monitor ou formador) pelo período de 5 (cinco) anos, ao abrigo do disposto no artigo 69º - B, nº 2 do Código Penal.
IV–O Recorrente não se pode conformar com a decisão desfavorável, discordando quer da condenação pela prática do crime de importunação sexual quer da pena acessória aplicada, discordância que motiva o presente recurso.
V–Na verdade, o Recorrente entende não ter praticado o crime de importunação sexual, inexistindo nos autos prova concreta e segura que permita a sua condenação, em clara violação do princípio in dubio pro reo, tendo a sentença recorrida violado ainda o disposto nos artigos 40º, 70º e 71º, nº.s 1 e 2, todos do Código Penal, para além de os factos descritos na acusação não integrarem o crime de importunação sexual, mostrando-se, assim, igualmente violado o disposto no artigo 170º do Código Penal.
VIConforme consta da sentença recorrida, na parte da fundamentação da motivação da decisão de facto, o Tribunal formou a sua convicção, essencialmente com base nas declarações das menores (tomadas para memória futura) e nos depoimentos das testemunhas DD e EE, inquiridas em sede de audiência de julgamento, mais concretamente:
a)- No que respeita aos pontos 6 a 11 e 15, nas declarações da menor FF, alegadamente secundadas, segundo a Mta Juiz “a quo”, pelo depoimento da sua progenitora, a testemunha DD;
b)- No que respeita aos pontos 13 a 15, nas declarações da menor GG, secundadas, segundo a Mta Juiz “a quo”, pelo depoimento da sua amiga, a testemunha EE, “ a qual relatou o que lhe foi transmitido pela ofendida, no que respeita à conduta de que tinha sido alvo, em moldes, no essencial, coincidentes com os descritos pela ofendida. “
VII–Da fundamentação constante da sentença recorrida resulta, claramente, que a resposta dada a estes concretos pontos da matéria dada como provada, assenta unicamente nas declarações prestadas pelas ofendidas, uma vez que as outras testemunhas (DD e EE) indicadas possuem, tal como se extrai da sentença, um conhecimento meramente indirecto dos factos imputados ao arguido, conhecimento que obtiveram das informações que lhe foram dadas por ambas as menores.
VIII–Ora, apesar desse seu conhecimento indirecto dos factos, a verdade é que estas testemunhas não vieram corroborar as declarações prestadas pelas ofendidas, vindo, ao invés, fazer um depoimento que abala o depoimento das ofendidas e que põe em crise a ocorrência dos factos por cuja prática o arguido vem condenado.
IX–Assim, sobre os factos relatados pela ofendida FF apenas depôs a sua mãe, DD, que veio declarar em tribunal que todos os factos alegadamente ocorridos com a sua filha ocorreram, sem qualquer dúvida, sempre após as 15h da tarde, no final do período diário lectivo da filha, e não entre as 12h40m e as 14h30m, período no qual o Tribunal deu como provado que os factos ocorreram, baseando-se nas declarações da ofendida.
X–Entre o período temporal indicado pela ofendida, plasmado na acusação e na sentença e o indicado pela testemunha, que dele teve conhecimento pelo relato da ofendida, não existe qualquer período coincidente, discrepância que não pode deixar de suscitar no julgador uma forte e fundada dúvida sobre a ocorrência dos factos.
XI–O Tribunal recorrido desvalorizou expressamente esta divergência, fazendo constar da sentença que o facto de a testemunha DD não ter secundado as declarações da ofendida FF quanto aos períodos temporais em que os factos terão ocorrido não suscitou dúvidas ao Tribunal quanto à veracidade do depoimento da ofendida, uma vez que, “quanto a este aspecto, DD revelou mero conhecimento indirecto do sucedido”, o que segundo o Tribunal “o torna nesta parte, falível e desprovido de rigor, “não tendo presenciado qualquer das situações descritas pela ofendida.”
XII–Ora, a verdade é que todo o depoimento da testemunha DD quanto à ocorrência dos factos susceptíveis de integrar a prática do crime de importunação sexual, é totalmente indirecto, pelo que o tribunal não o pode valorar com diferentes graus de credibilidade, de forma arbitrária e não fundamentada, o que significa que se o depoimento desta testemunha é falível e desprovido de rigor quanto à hora em que os factos terão ocorrido, também o será, necessariamente, quanto à ocorrência dos próprios factos, uma vez que o seu conhecimento foi obtido do mesmo modo – através de informações da ofendida.
XIII–A discrepância sobre as circunstâncias de tempo da prática dos actos imputados ao arguido entre a acusação pública, as declarações da ofendida, e o depoimento da testemunha não permitem fundamentar qualquer certeza da ocorrência dos factos mas sim criar uma dúvida, mais do que razoável, sobre a sua ocorrência, tanto mais que nenhuma outra prova, de qualquer natureza e valor probatório, existe sobre a ocorrência dos mesmos.
XIV–Importa ainda salientar que, conforme relatado por esta testemunha, quando confrontou o arguido, directamente, com a prática dos factos, este negou categoricamente a prática dos mesmos, facto que não pode ser desvalorizado pelo Tribunal, como o foi.
XV–Por outro lado, os factos relatados pela ofendida GG também não foram presenciados por qualquer testemunha, importando salientar a clara contradição entre o seu depoimento e o depoimento da testemunha EE, testemunha cujo depoimento o Tribunal, apesar de indirecto, considerou relevante e fundamentador da resposta positiva aos pontos 13 a 15 da matéria de facto provada.
XVI–Da prova produzida ressalta uma claríssima e flagrante contradição entre o depoimento da ofendida e desta testemunha relativamente aos factos, tendo ambas relatado diferentes ocorrências com diferentes explicadoras imediatamente após a alegada ocorrência dos factos, actos que imputam a alturas diferentes (antes e depois da explicação da ofendida com a explicadora HH).
XVII–Tais divergências são, por si só, suficientes para criar no julgador uma dúvida razoável, como, aliás, aconteceu no decurso do julgamento, tendo o Tribunal, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, ordenado a comparência das explicadoras indicadas por esta ofendida e pela testemunha, respectivamente, HH e II, para prestarem depoimento na audiência de julgamento, enquanto testemunhas.
XVIII–Tais testemunhas vieram, no entanto, negar a versão dos acontecimentos relatada quer pela ofendida GG (testemunha HH) quer pela testemunha JJ (testemunha II), resultando do seu depoimento, ao contrário do constante da sentença, não só que qualquer uma delas não demonstrou qualquer conhecimento ou memória do sucedido mas também que, a terem ocorrido os factos, certamente se lembrariam dos mesmos, bem como teriam, no momento, realizado mais diligências para averiguar os factos relatados, dada a sua função de explicadoras de alunas menores, nomeadamente teriam contactado os pais das ofendidas, o que não aconteceu.
XIX–Os seus depoimentos vieram, assim, não corroborar mas antes abalar fortemente o depoimento da ofendida GG, bem como da testemunha EE, ao contrário do que, erradamente, entendeu o Tribunal.
XX–Se dúvidas não se tivessem suscitado ao Tribunal, não teria este ordenado a inquirição destas testemunhas, pelo que, não pode, depois de realização das diligências de prova que resultaram infrutíferas, no sentido de confirmação da acusação, tendo, ao contrário, reforçado a dúvida que levou à realização da inquirição, ignorar este reforço da dúvida, e dar como provado um facto que, antes da realização desta concreta diligência probatória era incerto, por contraditório com a prova apresentada até então.
XXI–Em face das contradições nos depoimentos de ofendidas e testemunhas acima enunciadas e inexistindo qualquer outra prova susceptível de comprovar a ocorrência dos factos imputados ao arguido, negando este em absoluto a prática dos mesmos, inexiste prova suficiente para condenar o arguido pela prática dos factos de que vem acusado, beneficiando este da presunção legal de in dubio pro reo”, presunção que, aliás, o Ministério Público aplicou no despacho de arquivamento.
XXII–Os factos relatados pelas ofendidas, nos termos em que o foram, não parecem fazer sentido do ponto de vista da dinâmica dos factos, sendo manifestamente incongruentes, nomeadamente quanto ao facto de, em plena via pública, à luz do dia, no Verão, numa altura em que na mesma circulam muitas pessoas, a maioria vindas do agrupamento escolar, as ofendidas, que se encontram também a deslocar-se da escola para os seus locais de destino, terem conseguido visualizar correctamente, nas várias ocasiões por si descritas, que a imagem no ecrã do telemóvel que lhes era exibido fugazmente pelo arguido, sem que lhes interrompesse a marcha, era uma imagem de um pénis erecto, incongruência que o tribunal nem sequer considerou.
XXIII–Acresce que a matéria dada como provada nos pontos 16, 17 e 18, se baseou apenas, como, aliás, se mostra reconhecido na sentença, num raciocínio por inferência, baseado nas “máximas da experiência comum e nas regras do normal acontecer.”, sem que sobre a mesma tenha sido produzida qualquer prova directa, seja testemunhal seja documental.
XXIV–O Tribunal ignorou ainda, apesar de o transcrever parcialmente, o relatório social junto aos autos, do qual resulta que o arguido tem um percurso de vida pautado por um padrão comportamental normativo, sendo este o seu primeiro e único contacto com o sistema de justiça, manifestando preocupação face à sua situação jurídico-processual, bem como a sua ligação à família constituída, a sua identificação com a prática desportiva e o percurso escolar e profissional investido, tendo optado por uma pena de prisão duríssima, bem como por uma pena acessória que subvertem completamente os princípios aplicáveis ao caso em apreço.
XXV–Para além da violação do princípio legal da presunção da inocência do arguido, é ainda entendimento do arguido que os factos constantes da acusação não integram o tipo de crime de importunação sexual.
XXVI–Conforme reconhecido na sentença recorrida, a incriminação prevista no artigo 170º do Código Penal, visa a tutela do direito à autodeterminação sexual, sendo o bem jurídico que se pretende proteger com a incriminação a liberdade sexual e não os valores morais.
XXVII–Os factos em causa nos presentes autos apenas são susceptíveis de integrar a prática de actos exibicionistas e não qualquer outra conduta típica do crime em questão.
XXVIII–Ora, nos presentes autos não resulta sequer indiciada a existência de qualquer conotação sexual na alegada actuação do arguido com vista a, contra a vontade das ofendidas, perturbar a liberdade sexual das mesmas.
XXIX–Aliás, os elementos psicológicos e volitivos imputados na sentença ao arguido resultam, conforme reconhecido na mesma, de um raciocínio por inferência das condutas do arguido dadas como provadas e do circunstancialismo subjacente às mesmas e não de qualquer prova directa, da intenção de perturbar a liberdade sexual das ofendidas.
XXX–Os actos imputados ao arguido por parte das ofendidas – a exibição de uma fotografia de um pénis erecto no ecrã do seu telemóvel - não é por estas acompanhada do relato de qualquer acto de constrangimento a contactos de natureza sexual ou de perturbação da liberdade sexual das ofendidas, constrangimento ou perturbação que, para se verificarem, exigem mais do que um contacto inesperado e instantâneo, como é relatado nos autos.
XXXI–Como bem refere Anabela Miranda Rodrigues, em comentário ao artigo 171º do Código Penal de 1995, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, pág. 53, o qual punia “ actos exibicionistas “, plenamente aplicável ao caso em apreço: “ Com efeito, há uma certa realidade que deve ser criminalizada. Mas apenas e só na exacta medida em que o acto dito exibicionista representa para a pessoa perante o qual é praticado, um perigo de que se lhe siga a prática de um acto sexual que ofenda a sua liberdade de autodeterminação sexual por forma a constituir crime. Só assim se pode dizer que é a liberdade sexual da pessoa visada com o acto exibicionista, já quando esta liberdade está em perigo, que a incriminação visa proteger. “(itálico e sublinhado da responsabilidade do recorrente).
XXXII–Para esta Autora, cujo entendimento se perfilha, deve ficar de fora do tipo do crime em questão tudo aquilo que seja uma mera expressão de uma imoralidade intrínseca do agente, pelo que “... fica definitivamente afastado qualquer entendimento que persista em ver nesta incriminação a proteção da moralidade ou do pudor de outrem “, concluindo que “ não é o acto em si que é passível de punição – por ter, como tem na maioria dos casos, um significado atentatório daqueles valores -, mas o perigo que representa de constituir uma agressão à (uma violação da) liberdade sexual da pessoa perante o qual é praticado.”
XXXIII–No presente caso não existiu qualquer perturbação da liberdade sexual das ofendidas, as quais, como aliás consta da sentença, se poderão ter sentido assustadas, desconfortáveis e enojadas com a alegada actuação do arguido (ponto 15º da matéria de facto provada), mas não coagidas na sua liberdade sexual, coação ou restrição que não consta da matéria provada.
XXXIV–Pelo que, por todo o supra exposto, é entendimento do arguido que os factos que lhe são imputados, para além de não se mostrarem provados, não preenchem o tipo legal do crime de que vem acusado, devendo, em consequência, também por esta fundamento, ser o arguido absolvido da prática dos crimes de importunação sexual.
XXXV–Acresce que, em caso de condenação, o que por mera cautela se equaciona, no entendimento do recorrente as penas aplicadas revelam-se manifestamente desproporcionais e injustas.
XXXVI–Conforme resulta do artigo 40º do Código Penal, a aplicação de penas e medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, devendo o Tribunal, nos termos do disposto no artigo 70º, em caso de previsão alternativa de pena privativa e pena não privativa da liberdade, dar preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
XXXVII–No caso em apreço, o Tribunal ao optar por uma pena privativa da liberdade, violou os supra citados artigos 40º e 70º do Código Penal, uma vez que nenhuma justificação existe para a aplicação deste tipo de pena, revelando-se mais adequada e proporcional uma pena não privativa da liberdade do arguido.
XXXVIII–Na verdade, os factos em causa nos presentes autos, a terem ocorrido, o que só por mera cautela se concebe, ocorreram num curto espaço temporal, no ano de 2019, tendo já passado mais de 3 anos sobre os mesmos sem notícias de quaisquer actos semelhantes por parte do arguido; as ofendidas atingiram, entretanto, a maioridade, tendo deixado de existir as especiais exigências de prevenção especial que o Tribunal considerou justificativas da pena de prisão aplicada; o arguido encontra-se totalmente inserido familiar e profissionalmente, tendo sempre pautado o seu comportamento por padrões normativos, conforme resulta do relatório social transcrito na sentença; concluindo-se neste relatório que,” atentos os níveis de inserção do arguido, em caso de condenação e a ser ponderada uma medida na comunidade, consideramos que aquele tem condições para que a sua execução possa decorrer sem a intervenção destes serviços.”.
XXXIX–Atendendo ao supra exposto, inexistem razões objectivas e justificáveis para a aplicação ao arguido de uma pena de prisão em detrimento da pena de multa alternativa, constituindo a mesma uma sanção excessiva e desproporcionada face às circunstâncias do caso concreto, e, em consequência, injusta.
XL–O mesmo se diga da pena acessória aplicada, a qual se revela manifestamente injusta e desproporcional, não salvaguardando a reintegração do arguido/Recorrente na sociedade, como determinam os artigos 71º e 40º do Código Penal.»
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O Ministério Público apresentou resposta, pugnando pela improcedência do recurso, formulando as seguintes conclusões:
«a)-O recurso apresentado pelo arguido, relativamente à impugnação da matéria de facto, tem que improceder, uma vez que todos os factos dados como provados na decisão recorrida foram apreciados, de acordo com a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, de modo irrepreensível, tendo por base as regras da experiência comum e livre apreciação da prova.
b)-Sendo que o que está na base da discordância do arguido em relação à decisão recorrida é, apenas e só, uma diferente perspectiva da prova produzida.
c)-Não servindo o recurso em matéria de facto para possibilitar a intervenção reparadora do tribunal de recurso face a toda e qualquer discordância relativamente ao decidido pelo tribunal recorrido, relativamente à matéria de facto.
d)-Para além disso, a perspectiva que o recorrente traz da prova, não é sequer defensável, face ao que na audiência de discussão e julgamento se provou.
e)-Acresce que ressalta, de forma límpida, do texto da sentença recorrida, que o tribunal, após ponderada reflexão e análise crítica sobre a prova recolhida, obteve convicção plena, porque subtraída a qualquer dúvida razoável, sobre a verificação dos factos imputados ao arguido e que motivaram a sua condenação.
f)-Encontram-se, por isso, ao contrário do que entende o arguido, preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime em apreço, pelo que, não tendo sido apurada factualidade susceptível de consubstanciar qualquer causa de exclusão da culpa ou da ilicitude, outra solução não resta senão a de se concluir que o arguido cometeu o crime de que vinha acusado, devendo, por isso, ser condenado.
g)-A pena na qual o arguido foi condenado, pela prática de cinco crimes de importunação sexual, não merece qualquer censura, mostrando-se adequada.
h)-Pois, tendo em conta a moldura penal abstractamente aplicável ao crime em questão, assim como as exigências de prevenção geral e especial sentidas, não poderia o Tribunal a quo optar por uma pena de multa, sob pena de não ser reposta a norma jurídica violada para a comunidade, por um lado, nem se espelhar o grau de ilicitude e culpa da conduta do arguido, por outro.
i)-A isto acresce que também não iria satisfazer as exigências de prevenção geral e especial que o caso requer.
j)-O mesmo se diga em relação à pena acessória.
k)-Cuja aplicação é obrigatória quando estamos perante uma vitima menor.
l)-Sendo que, por se tratar de uma verdadeira pena, a sua aplicação depende da alegação e prova de pressupostos autónomos relacionados com a prática do crime e com a valoração dos critérios de determinação das penas e da sua medida.
m)-Face ao exposto, consideramos que o Tribunal aplicou de forma correcta a pena, manejando de forma acertada os critérios da sua fixação.»
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O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.

Uma vez remetido a este Tribunal, o Exmº Senhor Procurador-Geral Adjunto imitiu parecer, sufragando a posição da primeira instância.

Proferido despacho liminar e colhidos os “vistos”, teve lugar a Conferência.
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II–QUESTÕES A DECIDIR NO RECURSO

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da motivação que o recorrente produziu para fundamentar a sua impugnação da decisão da primeira instância, sem prejuízo das questões que forem de conhecimento oficioso (artigos 379.º, 403.º, 410.º e 412.º, nº 1 do Cód. Processo Penal e AUJ n.º 7/95, de 19/10/95, in D.R. 28/12/1995) designadamente a verificação da existência dos vícios indicados no n.º 2 do art. 410.º do Cód. Proc. Penal.
Não se detetam, nem são sinalizadas, questões de conhecimento oficioso que imponham a intervenção deste Tribunal. Atendendo às conclusões apresentadas, cumpre conhecer:
- Do recurso da matéria de facto (erro de julgamento);
- Do preenchimento do tipo objetivo do crime de importunação sexual;
- Da natureza e medida da pena aplicada;
- Da pena acessória.
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III.–FUNDAMENTAÇÃO

A)–Decisão recorrida – juízo de facto (transcrição)
É o seguinte o teor da decisão recorrida na parte atinente à matéria de facto, cuja apreciação vem questionada em sede de recurso:
«Realizada a audiência de julgamento, encontram-se provados, com relevância para a boa decisão da causa, os factos seguintes:
1.–O arguido, pelo menos no ano de 2019, exerceu funções como técnico para assegurar o desenvolvimento de actividades de enriquecimento escolar no primeiro ciclo do ensino básico no ..., no âmbito das quais exerceu funções como docente de educação ....
2.–Em tal ano, os progenitores do ora arguido exploraram um estabelecimento de restaurante denominado ...”, sito na ..., em Alenquer.
3.–Durante a hora do almoço, o arguido deslocava-se a tal local.
4.–Permanecendo em alguns períodos, no exterior do mesmo.
5.–FF nasceu no dia ... de ... de 2005.
6.–Em ..., FF contava 14 anos de idade e frequentava a ..., em Alenquer, para onde se deslocava diariamente.
7.–No dia ... de ... de 2019, a hora não concretamente apurada, compreendida entre as 12 horas e 40 minutos e as 14 horas e 30 minutos, FF seguia apeada, para o referido estabelecimento escolar.
8.–Ao seguir no passeio da ..., junto à ... e ao estabelecimento de restauração denominado ...”, em Alenquer, a menor veio a ser abordada pelo arguido que, sem que nada o fizesse prever, munido do respectivo aparelho de telemóvel, lhe exibiu uma fotografia de um pénis erecto.
9.–Tal conduta veio a ser repetida no dia ... de ... de 2019, a hora não concretamente apurada, compreendida entre as 12 horas e 40 minutos e as 14 horas e 30 minutos, no mesmo local, quando a ofendida se deslocava para casa.
10.–No mesmo dia, a hora não concretamente apurada, compreendida entre as 12 horas e 40 minutos e as 14 horas e 30 minutos, ao dirigir-se para o estabelecimento escolar que frequentava, veio a menor, novamente, a ser abordada pelo arguido nos exactos termos já referidos.
11.–No dia ... de ... de 2019, a hora não concretamente apurada, compreendida entre as 12 horas e 40 minutos e as 14 horas e 30 minutos, quando efectuava, apeada, o percurso da escola para casa, ao passar no referido local, veio o arguido a abordá-la e a exibir-lhe a fotografia do pénis erecto que mantinha guardada no respectivo aparelho de telemóvel.
12.–GG, nasceu no dia ... de ... de 2003.
13.–No ano lectivo de ...1.../2020, a ofendida frequentava a ..., em Alenquer, para onde se deslocava diariamente.
14.–Em dia não concretamente determinado, mas situado entre os meses de ..., a hora não concretamente apurada, compreendida entre as 13 horas e 25 minutos e as 14 horas e 30 minutos, ao passar, apeada, junto à ..., sita em Alenquer, foi abordada pelo arguido que, sem que nada o fizesse prever, lhe exibiu um aparelho de telemóvel contendo uma fotografia de um pénis erecto.
15.–Em todas as descritas ocasiões, as ofendidas sentiram-se assustadas, desconfortáveis e enojadas com a actuação do ora arguido.
16.–Ao actuar pela forma descrita o arguido, propositadamente, satisfez os seus instintos libidinosos, tendo actuado com o propósito concretizado de importunar as ofendidas, que sabia serem menores de idade, em plena via pública, exibindo-lhes uma fotografia de um pénis erecto, sem que a isso as mesmas houvessem consentido, assim as constrangendo e perturbando.
17.–Mais sabia o arguido que agia contra a vontade das menores e que colocava em crise os sentimentos de pudor e vergonha das mesmas, além do sentimento de decência inato à generalidade das pessoas.
18.–O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, sabendo estar a agir contra a vontade e sem a autorização das menores ofendidas e serem as suas condutas proibidas por lei.
19.–Não se encontram averbadas quaisquer condenações no Certificado do Registo Criminal do arguido.
20.–O arguido encontra-se presentemente desempregado.
21.–Não aufere qualquer prestação social.
22.–Vive com a companheira, em habitação própria, suportando a título de amortização do empréstimo contraído para a sua aquisição o valor mensal de € 350.
23.–Não tem filhos.
24.–Suporta prestação mensal no valor de € 120 para amortização de crédito pessoal.
25.–Tem mestrado em Desporto.
26.–De acordo com o relatório social junto aos autos:
“KK é o mais novo de dois filhos de um casal de modesta condição sócio cultural, ambos trabalhadores do setor da restauração.
O seu processo de desenvolvimento decorreu num ambiente familiar equilibrado, securizante ao nível afetivo e promotor da interiorização de valores e regras pró sociais.
Apresenta um percurso escolar investido, tendo concluído aos 23 anos de idade, uma licenciatura em desporto, com posterior mestrado em Treino Desportivo.
Iniciou atividade profissional após a conclusão da licenciatura, como Técnico Superior de Desporto (... de Educação ...) no ..., em Alenquer.
Adepto da prática desportiva, nomeadamente da modalidade de basquetebol, o arguido está inscrito na ..., como treinador, atividade que tem desenvolvido no ....
A trajetória profissional do arguido, que não apresenta descontinuidades e, ilustra a interiorização de hábitos de trabalho.
No plano afetivo, iniciou aos 18 anos de idade uma relação de namoro com LL, dois anos mais nova, com quem refere ter iniciado a sua vida sexual. Este relacionamento evoluiu para uma união de facto, iniciada em ..., que se mantém na atualidade.
(...)
No período temporal atribuído aos factos pelos quais de encontra acusado, ..., KK integrava o agregado familiar dos pais.
Mantinha uma relação de namoro com LL, situação que ambos descrevem como estável e gratificante, nomeadamente no plano sexual.
O casal tinha adquirido uma habitação que se encontrava em obras, com o objetivo de iniciarem coabitação, situação que virá a concretizar-se pouco tempo depois.
O arguido encontrava-se a concluir o mestrado. Trabalhava como Técnico Superior de desporto (... de Educação ...) num ..., atividade que manteve até .... Segundo informação do Vice-Diretor, o arguido é descrito como um profissional responsável e empenhado, sem registo de problemas relacionais com alunos ou colegas.
Assumia também funções de treinador de basquetebol num clube local, auferindo ajudas de custo, em valores que não especificou.
Descreve a sua situação económica como estável, até porque, sempre que lhe era possível, prestava alguma colaboração aos pais, proprietários de um restaurante, em Alenquer.
(...)
Na atualidade, KK estabeleceu uma união de facto com LL, de 29 anos de idade, profissionalmente ativa. O arguido e companheira fazem economia de casal e ambos descrevem um relacionamento afetuoso, compreensivo e cooperante. A vida afetiva e sexual é descrita por ambos, como ajustada e gratificante.
Após o termo do contrato com o ... (...), por razões não imputadas ao próprio, o arguido ficou desempregado, situação que mantém até ao presente, ainda que durante o verão tenha desenvolvido algumas atividades num campo desportivo.
Refere uma atitude ativa no sentido de ultrapassar este constrangimento, nomeadamente através da procura de cursos e formações profissionais.
Para além de continuar a ser treinador de basquetebol, também colabora com os pais no restaurante destes, pelo que recebe contrapartidas económicas, que não quantificou.
O orçamento familiar assenta fundamentalmente no ordenado da companheira, no valor aproximado de €1000.
Como principais despesas fixas, indica o pagamento de um crédito para compra de habitação (€380); um crédito pessoal (€120); despesas com eletricidade, gás, água e telecomunicações de cerca de €150.
Descreve a sua situação financeira como controlada, perspetivando uma melhoria quando começar a trabalhar, o que prevê a curto prazo.
Na comunidade de residência é associado a um estilo de vida normativo.
(...)
KK revela preocupação face à sua situação jurídico-processual, porquanto este é o seu primeiro contacto com o sistema de justiça.
A presente situação processual não teve impacto ao nível familiar, profissional ou social, mantendo o arguido uma imagem positiva na comunidade de residência.
A companheira, LL, afirma ter conhecimento do presente processo e do teor da acusação.
Aquela disponibiliza-lhe todo o apoio, verbalizando sentimentos de afeto e compreensão.
IV - Conclusão
O percurso de vida de KK aponta para um padrão comportamental normativo, sendo este o seu primeiro contacto com o sistema da justiça.
Sobressai a ligação à família constituída, a identificação com a prática desportiva e um percurso escolar e profissional investido, ainda nos últimos meses tenha revelado algumas dificuldades para conseguir um posto de trabalho estável.
Na atualidade não evidencia vulnerabilidades condicionadoras da sua inserção social, apresentando um adequado enquadramento sócio familiar e manifestando uma atitude proactiva que, segundo o próprio, promoverá a curto prazo, a sua inclusão no mercado de trabalho.
Face ao exposto, atentos os níveis de inserção do arguido, em caso de condenação e a ser ponderada uma medida na comunidade, consideramos que aquele tem condições para que a sua execução possa decorrer sem a intervenção destes serviços.”.
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2.2.–Matéria de Facto Não Provada
Com relevo para a boa decisão da causa, não se provou que:
a)-A factualidade descrita em 9. ocorreu cerca das 11 horas e 55 minutos.
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No mais, inexistem factos não provados, não tendo sido considerada a matéria de Direito, conclusiva ou sem relevância para a boa decisão da causa.
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2.3.–Motivação da Decisão de Facto
Relativamente à matéria da acusação, o Tribunal formou a sua convicção com base nas declarações das menores FF e GG (tomadas para memória futura, ao abrigo dos artigos 271.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e 33.º, n.º 1, da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, conforme resulta de fls. 178 a 180), nos depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento, conjugadas com a prova documental e pericial junta aos autos, tendo tal prova sido concatenada entre si e apreciada segundo as regras da experiência e ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127.º do Código de Processo Penal.
Foram inquiridas as seguintes testemunhas:
- DD, mãe de FF;
- EE, irmã de EE;
- EE, irmã de EE;
- EE, amiga de GG;
- II, explicadora de EE;
- HH, explicadora de GG;
- CC, mãe do arguido.
Assim, no que concerne à factualidade vertida no ponto 1 da matéria de facto provada, a decisão do Tribunal fundou-se no teor do contrato de trabalho de fls. 213 a 214 verso e nas declarações do arguido, que confirmou que no âmbito das actividades de enriquecimento escolar que leccionava, se incluía a actividade de educação ....
No que tange à factualidade constante dos pontos 5 e 12 da matéria de facto provada, a decisão do Tribunal fundou-se no teor do assento de nascimento de FF, constante do sistema Citius sob a Ref.ª ..., e no teor da ficha de identificação do aluno de GG de fls. 110, da pesquisa na base de dados da ... constante do sistema Citius com a Ref.ª ..., e nas declarações das ofendidas.
No que concerne à factualidade vertida nos pontos 2 a 4 da matéria de facto provada, a decisão do Tribunal fundou-se nas declarações do arguido, o qual confirmou tal factualidade, as quais se revelaram secundadas pelo depoimento de CC, mãe do arguido, a qual confirmou que explora tal estabelecimento há 19 anos e que o arguido, à data dos factos, ajudava no restaurante aos almoços, praticamente todos os dias.
No que respeita à factualidade vertida nos pontos 6 a 11 e 15 da matéria de facto provada, a convicção do Tribunal estribou-se, em primeira linha, nas declarações de FF, que relatou, de forma espontânea, circunstanciada, segura e coerente, a aludida factualidade no exacto sentido em que resultou provada, confirmando, em particular, que em 4 ou 5 ocasiões, à hora de almoço, no percurso escola-casa e, numa ocasião, no percurso casa-escola, quando ia a passar junto a um restaurante, o arguido se encontrava junto ao mesmo e lhe exibiu o telemóvel contendo uma fotografia de um pénis erecto, sem que lhe tenha verbalizado nada.
As declarações da ofendida mostraram-se secundadas pelo depoimento de DD, sua mãe, a qual relatou o que lhe foi transmitido pela sua filha, quanto aos actos de que foi alvo, em moldes, no essencial, coincidentes com os descritos pela ofendida, mais tendo confirmado que apurou a identidade do arguido no interior do estabelecimento ..., através do pai do mesmo, e que nessa sequência confrontou o arguido com o sucedido.
O depoimento desta testemunha revelou-se espontâneo, contextualizado, seguro, e coerente, e pese embora a ligação familiar que a une à ofendida, não foram notadas no seu depoimento quaisquer circunstâncias que denotassem um empolamento do relato efectuado ou a ocultação ou deturpação de circunstâncias de modo a prejudicar o arguido, pelo que mereceu credibilidade.
No que respeita às concretas datas em que tais condutas se verificaram, atendeu-se também às declarações de FF prestadas em sede de inquérito, de fls. 66 a 69, com as quais a ofendida foi confrontada aquando da sua tomada de declarações para memória futura, nos termos do artigo 356.º, n.º 2, al. b), e n.º 5, do Código de Processo Penal, tendo a ofendida esclarecido que prestou declarações perante a Polícia Judiciária logo após o sucedido, tendo, então, memória concreta e segura sobre a data dos acontecimentos.
Por seu turno, no que concerne à concreta hora dos factos, a ofendida não logrou concretizar a hora exacta em que ocorreu, especificamente, cada uma das situações que descreveu, pelo que se atendeu ao balizamento temporal efectuado pela ofendida, a qual situou temporalmente tais situações no período da sua hora de almoço, o que poderia ter lugar pelas 12h40, 13h25 ou pelas 13h40, e o respectivo termo até às 14h25).
Cumpre notar que a circunstância de o depoimento de DD não ter secundado as declarações de FF quanto aos períodos temporais em que tais situações ocorreram, não suscitou dúvida sobre a veracidade do depoimento da ofendida, pois que, quanto a este aspecto, DD revelou mero conhecimento indirecto do sucedido (que o torna, nesta parte, falível e desprovido de rigor), não tendo presenciado qualquer das situações descritas pela ofendida.
No que respeita à factualidade vertida nos pontos 13 a 15 da matéria de facto provada, a convicção do Tribunal estribou-se, em primeira linha, nas declarações de GG, que relatou, de forma espontânea, circunstanciada, segura e coerente, a aludida factualidade no exacto sentido em que resultou provada, confirmando, em particular, que em data que não logrou precisar, quando frequentava o 9.º ano de escolaridade, no ano de 2019, quando se deslocava para a sua explicadora, ao passar junto a um café nas proximidades da ..., o arguido esticou o braço e colocou o seu telemóvel à frente da cara da ofendida, exibindo a fotografia de um pénis erecto.
As declarações da ofendida mostraram-se secundadas pelo depoimento de EE, colega de turma e amiga de GG, a qual relatou o que lhe foi transmitido pela ofendida, no que respeita à conduta de que tinha sido alvo, em moldes, no essencial, coincidentes com os descritos pela ofendida.
II, explicadora de EE, e HH, explicadora de GG, não evidenciaram qualquer conhecimento ou memória do sucedido, pelo que os seus depoimentos não lograram contribuir para a formação da convicção do Tribunal.
De notar que os depoimentos de II e HH, na medida em que não demonstraram qualquer memória sobre a situação em apreço, não contrariaram directamente o relato efectuado pela ofendida, e como tal, não se revelaram suficientes para abalar a veracidade do depoimento da ofendida.
No que respeita às exactas circunstâncias de tempo e lugar, a decisão do Tribunal fundou-se nos depoimentos de GG (que balizou temporalmente o sucedido no ano de 2019, quando frequentava o 9.º ano de escolaridade e fazia bom tempo) e de EE, que situou o sucedido entre ... do ano lectivo em que frequentou o 9.º ano de escolaridade.
Ora, o arguido prestou declarações sobre a factualidade que lhe é imputada, tendo negado peremptoriamente a prática dos factos, declarando que não conhecia as ofendidas.
Porém, as declarações do arguido não lograram infirmar a veracidade dos meios de prova produzidos, nem lograram suscitar dúvida sobre a autoria dos factos pelo arguido.
Com efeito, pese embora FF à data dos factos não conhecesse o arguido, a mesma relatou que a mãe veio a apurar que o mesmo era ... na escola das Paredes, e que juntamente com a mãe foi ao seu encontro, nesse local, onde o confrontaram com o sucedido, não tendo a ofendida denotado qualquer dúvida que a pessoa que veio a confrontar na escola se tratava da pessoa que lhe exibiu o telemóvel nas circunstâncias descritas, sendo que o próprio arguido confirmou ter sido abordado na referida escola, onde exercia funções, pela ofendida e pela sua progenitora.
Por seu turno, GG relatou que não conhecia o arguido e que ao contar o sucedido a EE, esta mostrou-lhe uma fotografia do arguido, que logo a ofendida identificou como tendo sido o indivíduo que lhe exibiu o telemóvel nas circunstâncias descritas. O depoimento de GG revelou-se secundado pelo depoimento de EE, a qual relatou conhecer o arguido há vários anos, previamente à situação que lhe foi relatada por GG, dado morar nas proximidades do estabelecimento explorado pelos pais do arguido e haver visualizado várias vezes o arguido em tal estabelecimento, inclusivamente na altura em que ... lhe relatou o sucedido, e confirmou ter exibido a GG uma fotografia do arguido quando a mesma lhe descreveu o ocorrido.
O depoimento de EE revelou-se espontâneo, sereno, contextualizado, seguro e coerente, tendo denotado conhecimento directo e seguro sobre a identidade do arguido e tendo explicado, de forma lógica e coerente, a razão pela qual o relato de GG a levou a exibir à ofendida a fotografia do arguido (atento o local onde ocorreu o sucedido, muito próximo do restaurante dos pais do arguido, e explicando que ela própria havia sido alvo de condutas que considerou impróprias por parte do arguido), pelo que o mesmo mereceu credibilidade.
De notar que de acordo com o depoimento de EE, à data em que GG lhe relatou o sucedido, a testemunha não era próxima de FF (apenas a conhecia de vista), e desconhecia qualquer situação que pudesse ter ocorrido entre esta e o arguido, o que vem reforçar a espontaneidade e sinceridade do seu depoimento, em particular, no que respeita aos motivos que a levaram a exibir a ... a fotografia do arguido.
Ora, os depoimentos de FF, por um lado, e de GG conjugado com o depoimento de EE, por outro lado, permitiram, com o grau de certeza e de segurança que se exige em processo penal, considerar suficientemente demonstrada a autoria dos factos pelo arguido.
Com efeito, para além do que já ficou exposto supra, cumpre salientar que duas pessoas distintas, que não tinham ligação directa entre si, descreveram o mesmo exacto tipo de conduta, no mesmo local, em circunstâncias temporais próximas, perpetrado por pessoa com características físicas idênticas, sendo que o próprio arguido confirmou que frequentava assiduamente o restaurante ..., no período do almoço, dado ajudar os pais no restaurante durante esse período, mais tendo confirmado que se dirigia ao exterior do estabelecimento nas suas pausas, para fumar, quando o serviço permitia, o que veio reforçar, de forma significativa, a plausibilidade das declarações das ofendidas.
Por outro lado, o arguido não aventou qualquer explicação para que duas pessoas distintas, que à data dos factos nem o conheciam, lhe imputassem (falsamente) tais condutas.
Ora, as ofendidas descreveram de forma espontânea, segura, coerente e circunstanciada os actos de que foram alvo, respectivamente, tendo efectuado relatos que se mantiveram consistentes ao longo dos seus depoimentos, não tendo sido notadas incongruências ou quaisquer outras circunstâncias que fizessem suscitar dúvida sobre a veracidade das suas declarações, tendo apresentado versões lógicas e congruentes dos acontecimentos, e, como tal, plausíveis e verosímeis.
As declarações das ofendidas mostraram-se ainda secundadas pela referida prova testemunhal, sem que as declarações do arguido, ou qualquer outro meio de prova, as tenham logrado infirmar, nos termos sobreditos, pelo que as declarações das ofendidas mereceram credibilidade e revelaram-se suficientemente seguras e consistentes para, em conjugação com os referidos meios de prova, fundar a convicção do Tribunal.
Assim, tudo visto e ponderado, afigura-se-nos que o referido conjunto probatório se revelou suficientemente sólido e consistente para fundar a convicção do Tribunal, tendo permitido considerar suficientemente demonstrada a aludida factualidade.
Relativamente aos elementos psicológicos e volitivos imputados ao arguido, a convicção do Tribunal resultou de uma apreciação da factualidade objectiva apurada à luz das máximas da experiência comum e das regras do normal acontecer, tendo-se considerado que aqueles elementos decorriam de forma segura, por inferência e com apoio nas regras de normalidade, das descritas condutas do arguido e do circunstancialismo subjacente às mesmas.
As testemunhas EE e EE não demonstraram conhecimento, directo ou indirecto, sobre as situações em apreço, pelo que os seus depoimentos não lograram contribuir para a formação da convicção do Tribunal.
No que respeita à ausência de antecedentes criminais do arguido, teve-se em consideração o teor do Certificado de Registo Criminal junto aos autos, de fls. 244.
No que concerne às condições pessoais e económicas do arguido, atendeu-se às suas declarações, complementadas pelo teor do relatório social de fls. 245 a 247.
A decisão do Tribunal no que respeita à matéria de facto não provada, resultou da sua total ausência de prova.»
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B)–Recurso da matéria de facto (erro de julgamento):
Invoca o recorrente o erro de julgamento da matéria de facto, que ocorre quando o tribunal considera como provado determinado facto, sem que o mesmo tenha sido objeto de comprovação na audiência de julgamento ou dá por não provado facto que, perante a prova produzida, deveria ter sido considerado como provado. Trata-se de erro no processo de valoração da prova por parte do Tribunal, em conexão com o princípio da livre apreciação da prova constante do art. 127.º do Cód. Penal.
De acordo com o art. 428.º do Cód. Processo Penal, o Tribunal da Relação conhece de facto e de direito, mas os seus poderes de cognição são limitados. Isto porque o recurso permite a verificação e fiscalização, por parte de um tribunal superior, de eventuais erros na decisão da matéria de facto, mas não equivale a um novo julgamento do objeto do processo.
Por isso se considera que a reapreciação, com vista a detetar erros de julgamento de facto, é limitada aos pontos de facto concretos que o recorrente considera julgados de forma incorreta e às razões concretas invocadas para sustentar essa discordância.
O mecanismo de impugnação da matéria de facto aqui previsto visa corrigir erros manifestos, ostensivos de julgamento, por apelo à prova produzida e que se extraíam do registo da mesma, não legitimando a repetição do julgamento pelo tribunal ad quem.
O tribunal de recurso, ao apreciar os fundamentos da impugnação da matéria de facto, deve verificar se o tribunal de 1ª instância apreciou os meios de prova de acordo com as regras de experiência comum, não retirando deles conclusões ilógicas, irrazoáveis, sem sentido ou contrárias à lei. E, fora destes casos, deve respeitar a livre convicção do tribunal recorrido, em obediência ao princípio expresso no art. 127.º do Cód. Processo Penal.
“Isto significa que o Tribunal de recurso não pode sindicar certos meios de prova quando para a credibilidade do testemunho foi relevante o funcionamento do princípio da imediação, embora possa controlar a convicção do julgador da primeira instância quando ela se mostre contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos (…) Assim, a determinação da credibilidade como segmento do âmbito estritamente do juiz de primeira instância está condicionada pela aplicação de regras da experiência que tem de ser válidas, e legítimas, dentro de um determinado contexto histórico e jurídico»1.
O art. 127.º do Cód. Processo Penal, complementado com o art. 374.º, n.º 2 do mesmo diploma, impõe limites à discricionariedade, uma vez que a livre convicção não se confunde com a íntima convicção do julgador: o ato de julgar está delimitado pelas regras da experiência comum e pela lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica, impondo que se extraía das provas um convencimento lógico e motivado.
Porque o art. 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal exige o “exame crítico das provas” é que o tribunal deve fundamentar a decisão em operações intelectuais que permitam explicar a razão das opções e da convicção do julgador, a sua lógica e raciocínio e deve observar as normas processuais relativas à prova, segundo o aludido princípio geral da livre apreciação, mas respeitando as proibições de prova (arts. 125.º e 126.º do Código de Processo Penal), as nulidades de prova, as regras de valoração de alguns tipos de prova como a testemunhal (arts 129.º e 130.º do Código de Processo Penal) pericial (art. 163.º do Código de Processo Penal) e a documental (167.º a 169.º do Código de Processo Penal).
Em suma, no recurso cumpre verificar a prova e o respetivo processo de aquisição probatória, nomeadamente a observância dos princípios da igualdade, oralidade, imediação e contraditório, mas privilegiando-se a valoração da prova efetuada pela 1.ª instância.
A este propósito se refere no Ac. RL 20/02/20192 «Essa apreciação livre da prova não pode ser confundida com a apreciação arbitrária da prova nem com a mera dúvida gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; tem como valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio.
Trata-se da liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência da vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação, ou no dizer de Castanheira Neves da “liberdade para a objectividade”.
Também a este propósito, salienta o Prof. Figueiredo Dias “a liberdade de apreciação da prova é uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a verdade material - de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo”.
É na audiência de julgamento que tal princípio assume especial relevo, tendo, porém, que ser sempre motivada e fundamentada a forma como foi adquirida certa convicção, impondo-se ao julgador o dever de dar a conhecer o seu suporte racional, o que resulta do art. 374° n° 2 do Código de Processo Penal.
Assim, a livre convicção não pode confundir-se com a íntima convicção do julgador, impondo-lhe a lei que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido da responsabilidade e bom senso.
O art. 127° do Código de Processo Penal indica-nos um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e da imediação na recolha da prova.
Assim, ao tribunal de recurso cumpre verificar se o tribunal a quo recorreu às regras de experiência e apreciou a prova de forma objectiva e motivada, se na sentença se seguiu um processo lógico e racional de apreciação da prova, ou seja, se a decisão recorrida não se mostra ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, todavia sem esquecer que, face aos princípios da oralidade e da imediação, é o tribunal de 1ª instância que está em condições melhores para fazer um adequado uso do princípio de livre apreciação da prova.»
Na génese do art. 412.º, n.º3, al.b), do Cód. Processo Penal, não basta que se apure a possibilidade de ocorrência de uma versão distinta. A imposição de decisão diversa, em que a norma se sustenta, implica que a decisão de facto recorrida está errada, que se mostra impossível ou é destituída de toda e qualquer lógica ou razoabilidade (de acordo com as regras de experiência comum), que o tribunal recorrido fez uso de meios de prova não idóneos ou que existem contradições nas provas produzidas, que levaram à formação de uma convicção inaceitável e que, por isso, não se poderá manter.
O conhecimento dos factos por parte do Tribunal Superior é, como referimos, limitado, apenas podendo introduzir alterações quando exista erro manifesto ou a audição dos registos de prova permita, com toda a segurança, afirmar que foram violadas as regras da experiência comum, não se encontrando em posição privilegiada para sindicar as convicções do tribunal recorrido no que respeita à prova oral produzida.
E a diferente valoração do recorrente quanto à prova produzida também não sustenta a existência de erro de julgamento.
Quando impugne a decisão sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e as provas que devem ser renovadas (art. 412.º, n.º 3 do Cód. Processo Penal).
Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 3 do art. 412.º do Cód. Processo Penal fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no art. 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação3.
Na presente situação, analisadas as alegações de recurso, verificamos que o recorrente cumpriu de modo algo precário o ónus de especificação.
Indica os concretos pontos de facto provados que, na sua ótica, estão incorretamente julgados e enumera os meios de prova que, em seu entender, determinariam a consideração daqueles como não provados.
Mas, na realidade, não aponta nenhum erro ao Tribunal na formação da respetiva convicção, nem os elementos de prova que enumera impõem distinta apreciação. E julgando o tribunal de acordo com as regras da experiência e a livre convicção e só sendo admissível a alteração da matéria de facto quando as provas especificadas conduzam necessariamente a decisão diversa da recorrida, a demonstração desta imposição compete também ao recorrente.
E este ónus não foi devidamente exercido.
Convoca, o recorrente, de forma global e genérica, elementos de prova e insiste em que a não admissão dos factos pelo arguido e a falta de testemunhas presenciais deveria ter determinado o Tribunal recorrido na dúvida e, consequentemente, a considerar tais factos não provados, desconsiderando os depoimentos das ofendidas.
Ora, não sendo o recurso um novo julgamento, mas um mero instrumento processual de correção de concretos vícios praticados e que resultem de forma clara e evidente da prova indicada pelo recorrente, é patente a necessidade de impugnação especificada com a devida fundamentação da discordância no apuramento factual, em termos de a prova produzida, as regras da lógica e da experiência comum, imporem diversa decisão (cfr. acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 25.01.20224).
E o alegado pelo recorrente não satisfaz as exigências da impugnação ampla.
Mas, na verdade, o que realmente resulta, desde logo, das conclusões do recurso, é a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e aquela que o Tribunal alcançou sobre os factos, o que se prende com a apreciação da prova em conexão com o princípio da livre apreciação da mesma consagrado no artigo 127.º do Cód. de Processo Penal.
Mas o tribunal de recurso só poderá censurar a decisão do julgador, fundamentada na sua livre convicção e assente na imediação e na oralidade, se se evidenciar que a solução por que optou, de entre as várias possíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum.
Ao tribunal superior cumpre verificar a existência da prova e controlar a legalidade da respetiva produção, nomeadamente, no que respeita à observância dos princípios da igualdade, oralidade, imediação, contraditório e publicidade, verificando, outrossim, a adequação lógica da decisão relativamente às provas existentes. E só em caso de inexistência de provas, para se decidir num determinado sentido, ou de violação das normas de direito probatório (nelas se incluindo as regras da experiência e/ou da lógica) cometida na respetiva valoração feita na decisão da primeira instância, esta pode ser modificada, nos termos do artigo 431.º do Código de Processo Penal.
Como podemos ver da transcrição, da sentença condenatória resultam as razões que determinaram o juízo probatório do Tribunal a quo, nomeadamente a prova que levou à convicção quanto à autoria dos factos que é, na verdade, o que o recorrente contesta.
O Tribunal enunciou os meios de prova em que sustentou a sua convicção, e fê-lo de forma exaustiva, não escamoteando as discrepâncias pontuais nos depoimentos e as razões pelas quais credibilizou o depoimento das ofendidas.
Nomeadamente, quanto aos factos enunciados nos pontos 6 a 11 e 15, que se reportam à vítima FF, refere o Tribunal a quo «…a convicção do Tribunal estribou-se, em primeira linha, nas declarações de FF, que relatou, de forma espontânea, circunstanciada, segura e coerente, a aludida factualidade no exacto sentido em que resultou provada, confirmando, em particular, que em 4 ou 5 ocasiões, à hora de almoço, no percurso escola-casa e, numa ocasião, no percurso casa-escola, quando ia a passar junto a um restaurante, o arguido se encontrava junto ao mesmo e lhe exibiu o telemóvel contendo uma fotografia de um pénis erecto, sem que lhe tenha verbalizado nada.
As declarações da ofendida mostraram-se secundadas pelo depoimento de DD, sua mãe, a qual relatou o que lhe foi transmitido pela sua filha, quanto aos actos de que foi alvo, em moldes, no essencial, coincidentes com os descritos pela ofendida, mais tendo confirmado que apurou a identidade do arguido no interior do estabelecimento ..., através do pai do mesmo, e que nessa sequência confrontou o arguido com o sucedido.
O depoimento desta testemunha revelou-se espontâneo, contextualizado, seguro, e coerente, e pese embora a ligação familiar que a une à ofendida, não foram notadas no seu depoimento quaisquer circunstâncias que denotassem um empolamento do relato efectuado ou a ocultação ou deturpação de circunstâncias de modo a prejudicar o arguido, pelo que mereceu credibilidade.
No que respeita às concretas datas em que tais condutas se verificaram, atendeu-se também às declarações de FF prestadas em sede de inquérito, de fls. 66 a 69, com as quais a ofendida foi confrontada aquando da sua tomada de declarações para memória futura, nos termos do artigo 356.º, n.º 2, al. b), e n.º 5, do Código de Processo Penal, tendo a ofendida esclarecido que prestou declarações perante a Polícia Judiciária logo após o sucedido, tendo, então, memória concreta e segura sobre a data dos acontecimentos.
Por seu turno, no que concerne à concreta hora dos factos, a ofendida não logrou concretizar a hora exacta em que ocorreu, especificamente, cada uma das situações que descreveu, pelo que se atendeu ao balizamento temporal efectuado pela ofendida, a qual situou temporalmente tais situações no período da sua hora de almoço, o que poderia ter lugar pelas 12h40, 13h25 ou pelas 13h40, e o respectivo termo até às 14h25).
Cumpre notar que a circunstância de o depoimento de DD não ter secundado as declarações de FF quanto aos períodos temporais em que tais situações ocorreram, não suscitou dúvida sobre a veracidade do depoimento da ofendida, pois que, quanto a este aspecto, DD revelou mero conhecimento indirecto do sucedido (que o torna, nesta parte, falível e desprovido de rigor), não tendo presenciado qualquer das situações descritas pela ofendida.»
Resultam evidentes as razões que determinaram a formação da convicção do Tribunal, em nada abalando a mesma a mera discrepância (que o recorrente quer valorizar) entre o depoimento da ofendida e da testemunha DD, progenitora da vítima, quanto ao período horário em que os factos terão ocorrido.
Não só o decurso do tempo afeta a memória e pode condicionar a qualidade da reprodução dos eventos, como raramente as versões dos factos trazidas a juízo coincidem a cem por cento. As divergências em aspetos não essenciais (como é o caso, pois que qualquer um dos períodos temporais indicados pelas testemunhas coincide com períodos do dia em que o arguido permanecia no local) evidenciam que não houve qualquer prévia coordenação dos depoimentos (o que nem seria difícil entre mãe e filha) e em nada descredibilizam o depoimento da vítima, ao contrário do sustentado pelo recorrente.
Confrontado com esta divergência, o Tribunal resolveu-a, valorizando o depoimento da vítima, por a mesma ter conhecimento direto dos factos (em detrimento da versão da sua mãe, que sabe a este respeito o que lhe foi relatado pela filha).
Este juízo mostra-se perfeitamente conforme às regras da valoração da prova, nomeadamente da experiência comum – é natural que quem foi diretamente afetado pelos factos se possa recordar com maior rigor dos respetivos contornos, do que a pessoa a quem os factos foram posteriormente relatados.
E nenhuma regra probatória impede o Tribunal de valorar um determinado depoimento credibilizando aspetos do mesmo e desvalorizando outros, ao contrário do que sustenta o recorrente. O Tribunal justificou cabalmente (e não de forma arbitrária como vem alegado) o motivo pelo qual fixou o período horário da prática dos factos de acordo com as declarações da ofendida e esse juízo não nos merece qualquer reparo.
E o mesmo se diga quanto à matéria de facto provada no que respeita aos factos 13 a 15 e à ofendida GG.
As dissemelhanças nos depoimentos desta ofendida relativamente ao depoimento na testemunha EE reportam-se a circunstâncias meramente laterais (relativamente a supostas terceiras pessoas a quem terão relatado a ocorrência dos factos) e não determinam, ao contrário do que vem sustentado, que o Tribunal tivesse que permanecer na dúvida quanto à ocorrência dos mesmos.
Já no essencial – nas circunstâncias em que a testemunha EE encontrou a vítima perturbada, logo após os factos e a levou a mostrar uma foto do arguido, que esta identificou-, nenhuma discrepância de relevo se deteta.
As testemunhas HH e II não têm memória do ocorrido, pelo que os respetivos depoimentos não relevaram para a formação da convicção do Tribunal. Nada a apontar, portanto.
Já quanto aos factos 16, 17 e 18, que se reportam ao elemento subjetivo, não tendo sobre a mesma sido produzida qualquer prova direta (pois que o arguido não confessou) os mesmos foram extraídos dos demais elementos de facto, como é de esperar que aconteça. Refere o Tribunal a quo «a convicção do Tribunal resultou de uma apreciação da factualidade objectiva apurada à luz das máximas da experiência comum e das regras do normal acontecer, tendo-se considerado que aqueles elementos decorriam de forma segura, por inferência e com apoio nas regras de normalidade, das descritas condutas do arguido e do circunstancialismo subjacente às mesmas.»
E o recorrente nada alega que possa infirmar as conclusões dessa forma extraídas, nem o Tribunal deteta qualquer razão para questionar o juízo da primeira instância, conforme às regras da experiência comum, considerando todo o circunstancialismo envolvente.
O recorrente nega os factos, tal como o fez quando confrontado pela mãe da vítima, o que obviamente foi valorado pelo Tribunal (desde logo não considerando qualquer confissão), mas tais circunstâncias não determinaram que o Tribunal devesse ter permanecido na dúvida quanto à autoria na prática dos factos, não esquecendo que o arguido está comprometido com a causa e não obrigado a nenhum dever de verdade.
É certo que apenas as vítimas presenciaram os factos e apenas estas depuseram diretamente sobre os mesmos. E é também verdade que o Tribunal, no essencial, considerou a matéria de facto provada por atribuir inteira credibilidade às vítimas.
Mas, ouvidos os respetivos depoimentos, nenhum reparo nos merece o juízo do Tribunal de primeira instância.
Na realidade, o recurso não aponta qualquer óbice às declarações das vítimas (não questionando que as ofendidas tenham tido um discurso espontâneo, seguro, coerente e circunstanciado), procurando alegadas dissonâncias meramente laterais para os descredibilizar, sem êxito. E as circunstâncias relatadas são perfeitamente viáveis, pois tendo o arguido erguido o ecrã do telemóvel ao nível do rosto das vítimas e imediatamente à frente do mesmo é de esperar que estas, surpreendidas pelo ato, visualizem o conteúdo exposto.
Os discursos foram espontâneos, circunstanciados, seguros e coerentes, nada indicando a existência de alguma razão que determinasse as ofendidas contra o arguido, que nem conheciam. E não podemos aqui deixar de relevar a circunstância de as ofendidas não terem anterior relação entre si e relatarem factos da mesma exata natureza. Como bem refere o Tribunal a quo «cumpre salientar que duas pessoas distintas, que não tinham ligação directa entre si, descreveram o mesmo exacto tipo de conduta, no mesmo local, em circunstâncias temporais próximas, perpetrado por pessoa com características físicas idênticas, sendo que o próprio arguido confirmou que frequentava assiduamente o restaurante ..., no período do almoço, dado ajudar os pais no restaurante durante esse período, mais tendo confirmado que se dirigia ao exterior do estabelecimento nas suas pausas, para fumar, quando o serviço permitia, o que veio reforçar, de forma significativa, a plausibilidade das declarações das ofendidas.»
O recorrente não concorda e tem outra leitura.
Não obstante, a convicção do recorrente, não se sobrepõe à do julgador.
As conclusões, bem explícitas, do Tribunal a quo relativas à matéria de facto estão em consonância com a prova produzida. A convicção assentou, essencialmente, nas declarações para memória futura das ofendidas, pontualmente corroboradas pelos depoimentos das testemunhas DD e EE.
E a impugnação apresentada pelo recorrente não cumpriu o que se lhe exigia – que fundamentasse a imperiosa existência de erro de julgamento, desconstruindo a argumentação expendida pelo julgador -, limitando-se, na verdade, a aportar ao processo aquela que é a sua versão dos acontecimentos, não demonstrando com argumentos a verificação de qualquer erro judiciário.
No fundo, o recorrente critica a valoração da prova feita pelo Tribunal recorrido, pretendendo fazer valer uma perspetiva diferente da mesma, a sua versão dos factos, o que não se reconduz a uma real impugnação da matéria de facto.
E observada a decisão recorrida e ouvida a prova, verificamos que o Tribunal a quo, de forma que não nos merece qualquer reparo, demonstrou o processo do seu convencimento, indicando os meios probatórios e os motivos por que foram esses meios determinantes para a sua convicção, fazendo-o em conformidade com as boas regras de apreciação da prova.
Temos, pois, que a conjugação de todos os elementos probatórios recolhidos e devidamente explicitados na decisão do Tribunal a quo permite inferências suficientemente seguras no sentido da matéria dada como provada, não se vislumbrando qualquer razão de sentido divergente que justifique, e muito menos que imponha, solução diferente daquela a que chegou o Tribunal recorrido.
Pretende o recorrente, que vingue a sua visão pessoal sobre a prova produzida, quando a convicção prevalecente, se alcançada com isenção e imparcialidade na avaliação do conjunto da prova que perante ele é produzida, é a do Tribunal.
E assim é pois o Tribunal recorrido, que está numa posição de imparcialidade, teve contacto imediato com o arguido, as vítimas e as testemunhas, de onde extraiu um sem número de impressões, que transpôs para a motivação da respetiva convicção, onde não só se elencaram as provas reputadas relevantes, como, também, se procedeu ao seu exame crítico de forma exaustiva, explicitando-se, ainda, o processo de formação da convicção, tecendo considerações sobre a credibilidade a conferir aos depoimentos.
Não se vislumbra qualquer falha de lógica na convicção do tribunal a quo nem violação das regras da experiência: os factos provados e não provados não conflituam entre si, nem com a motivação e com a decisão e são bastantes para fundamentar a qualificação jurídica dos factos e a decisão e a motivação aparece na sequência lógica da factualidade provada e não provada, clarificando e esclarecendo a convicção do Tribunal de acordo com as regras da experiência.
A sentença proferida pelo Tribunal a quo assenta em operações intelectuais válidas e justificadas e com respeito pelas normas processuais atinentes à prova.
Em conclusão, analisada a prova produzida em audiência, os juízos dados como assentes apresentam-se plenamente legítimos, face ao conteúdo do princípio da livre apreciação da prova, sendo a versão dada como provada plenamente plausível, face às provas em análise, não revelando ter havido qualquer arbítrio, ou discricionariedade na sua apreciação, nem atentado contra a lógica, ou as regras da experiência comum.

§ Da violação do in dubio pro reo

Por último, invoca, ainda o recorrente, e no que respeita à apreciação da matéria de facto, a violação do princípio in dubio pro reo, alegando que, no limite, deveria o Tribunal ter ficado na dúvida quanto à autoria dos factos.
Como vimos, o Tribunal alcançou a sua convicção pela conjugação de distintos elementos de prova, em juízo que respeita a lógica e o senso comum, não ficando na dúvida quanto à autoria dos factos dados como assentes.
Por isso, nesta parte, o Tribunal não se socorreu do princípio in dubio pro reo (que apenas significa que perante factos incertos, a dúvida favorece o arguido) porque não teve quaisquer dúvidas da valoração da prova e ficou seguro do juízo quanto à autoria dos factos.
Tal princípio só teria sido violado se da prova produzida e documentada resultasse que, ao condenar o arguido com base naquela, o julgador tivesse contrariado as regras da experiência comum ou atropelasse a lógica intrínseca dos fenómenos da vida, caso em que, ao contrário do decidido, deveria ter chegado a um estado de dúvida insanável e, por isso, deveria ter decidido a favor do arguido.
Como se refere no Ac. da RE de 8/03/2018 5 «Quando se aprecia a prova no âmbito do artigo 127º do C.P.P. usa-se a razão, os conhecimentos empíricos, os conhecimentos técnicos e científicos, as regras sociais e de experiência comum. Aqui não há método dubitativo, há métodos racionais de dedução e indução.
A final do labor anteriormente referido, o princípio in dubio pro reo impõe ao tribunal que, na dúvida, favoreça o arguido quando formula uma apreciação racional sobre o acontecer naturalístico, no caso de se não ter a certeza sobre esse acontecer.
O princípio in dubio pro reo, com efeito, «parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador» – Cristina Líbano Monteiro, «In Dubio Pro Reo», Coimbra, 1997. Essa «dúvida que há-de levar o tribunal a decidir pro reo tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária, ou, por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal». Ac. STJ de 25-10-2007, in proc. 07P3170, relator Cons. Carmona da Mota, citando a autora anteriormente citada.
Operar o princípio in dubio pro reo pressupõe, assim, um juízo positivo de dúvida resultante de um inultrapassável impasse probatório, mas apenas no final do processo racional de decisão sobre a matéria de facto.
Por fim, quando se formula um juízo de convicção tem-se presente a existência de uma presunção de inocência e, por isso, não vale um mero juízo de maior probabilidade de que os factos terão ocorrido de determinada forma, exigindo-se um forte juízo de certeza de que os factos terão ocorrido de determinada forma, não de outra.»
Se a fundamentação não viola o princípio da legalidade das provas e da livre apreciação da prova, alicerçando-se em provas legalmente válidas e valorando-as de forma racional, lógica, objetiva e em consonância com a experiência comum, não pode concluir-se que a mesma prova gera factos incertos, que implique dúvida razoável que afaste a valoração efetuada pelo Tribunal e que imponha a alteração da decisão de facto recorrida, sendo por conseguinte, lícita e válida a decisão do Tribunal a quo.
O principio in dubio pro reo não pode ser convocado perante qualquer dúvida ou inconsistência do manancial probatório à disposição do Tribunal para fundar o seu juízo de facto, mas apenas perante dúvidas irresolúveis, insuperáveis, inultrapassáveis que, na presente situação não sobrevieram após as operações intelectuais levadas a cabo pelo Tribunal a quo.
No caso dos autos a livre apreciação da prova não conduziu à subsistência de qualquer dúvida razoável sobre a existência dos factos dados por assentes e do seu autor, nem a mesma se impunha. Por isso, não há lugar a invocar aqui o princípio in dubio pro reo.
Assim, e na medida que da decisão recorrida não resulta ter havido qualquer dúvida quanto à culpabilidade do arguido, assim como quanto ao preenchimento dos elementos constitutivos dos ilícitos criminais por que foi aquele condenado, improcede, também, nesta parte, o recurso, por não ter existido qualquer violação do princípio in dubio pro reo ou violação do disposto no art. 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
Improcedendo o recurso quanto à matéria de facto, entremos na apreciação das questões de direito suscitadas pelo recorrente.

C)–Do preenchimento do tipo objetivo do crime de importunação sexual

Alega o recorrente que o factos provados não integram o tipo de crime de importunação sexual previsto no art. 170.º do Cód. Penal, na medida em que não resulta indiciada a existência de qualquer conotação sexual na atuação do arguido de modo a perturbar a liberdade sexual das vítimas, que não se sentiram coagidas na sua liberdade sexual (mas apenas assustadas, desconfortáveis e enojadas).

A propósito do enquadramento jurídico-legal dos factos, refere o Tribunal a quo:
«Preceitua o artigo 170.º do Código Penal, que “Quem importunar outra pessoa, praticando perante ela atos de carácter exibicionista, formulando propostas de teor sexual ou constrangendo-a a contacto de natureza sexual, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.”.
A presente incriminação visa a tutela do direito à autodeterminação sexual.
O tipo objetivo pressupõe, assim, a importunação de uma pessoa, praticando perante ela actos de carácter exibicionista, formulando propostas de teor sexual ou constrangendo-a a contacto de natureza sexual.
O primeiro elemento do tipo consiste na importunação da vítima: “exige-se que a vítima se sinta importunada, no sentido de que foi “obrigada” a visualizar ou a sentir no seu corpo um ato com conotação sexual sendo, por isso, molestada e ofendida na sua liberdade pessoal, concretamente na sua liberdade de não querer presenciar ou sofrer comportamentos de natureza sexual que não pretendia” (JOSÉ MOURAZ LOPES / TIAGO CAIADO MILHEIRO, Crimes Sexuais, 3.ª ed., Almedina, 2021, p. 165).
Trata-se, assim, de um crime de resultado, devendo verificar-se, em concreto, a importunação, como resultado do acto exibicionista ou do contacto físico, ambos de natureza sexual, bem como da formulação de propostas de teor sexual. Deve, pois, existir um nexo causal entre o acto encetado e a importunação.
A lei não tipificou os meios do exibicionismo, contactos de natureza sexual ou quais as propostas de teor sexual, pelo que serão todos aqueles que tenham esta natureza e em concreto tenham importunado a vítima (ob. cit., p. 166).
Os actos exibicionistas pressupõem actos ou gestos com significado sexual, sendo este inferido das circunstâncias em que o crime é cometido (ob. cit., pp. 166-167).
Os actos exibicionistas não envolvem contacto físico com a vítima, assim se distinguindo da terceira modalidade típica prevista no artigo 170.º do Código Penal.
Outra modalidade de acção típica consiste no constrangimento a contacto de natureza sexual. Estando em causa contacto de natureza sexual, o tipo pressupõe um acto sexual, deixando de fora do âmbito do tipo contactos físicos que não tenham a natureza de um acto sexual e as palavras e gestos grosseiros de natureza sexual dirigidos à vítima que poderão subsumir-se a um crime de injúria (ob. cit, p. 169).
Por “acto sexual” entende-se todo o comportamento (activo ou omissivo) que, “de um ponto de vista predominantemente objectivo, assume uma natureza, um conteúdo ou um significado directamente relacionados com a esfera da sexualidade e, por aqui, com a liberdade de determinação sexual de quem o sofre ou pratica” (Comentário Conimbricense..., p. 447).
Cumpre notar que, pese embora esta esteja praticamente sempre presente no agente, a intenção de satisfação libidinosa não integra o conceito de acto sexual, que se basta com a prática de actos susceptíveis de produzir efeito na esfera sexual de outrem.
Prevê ainda o tipo, como modalidade de actuação, a formulação de propostas de teor sexual.
Neste âmbito, exige-se a formulação de uma proposta, ou seja, um convite, uma oferta, uma sugestão a um acto de natureza sexual.
A formulação de propostas de teor sexual pode assumir a forma verbal, gestual, escrita ou qualquer outra forma de comunicação que não implique contacto físico.
De forma a salvaguardar os princípios da necessidade e fragmentariedade do Direito Penal, a “configuração típica do ato deve, por isso sustentar-se na utilização de um tipo de linguagem (ou outra forma de expressão) baixa, ostensivamente sexual, rude, com aptidão para ferir a liberdade da vítima em termos sexuais, no sentido de que se sente invadida na sua privacidade sexual sem ter possibilidade ou capacidade de rejeitar um comportamento que lhe é imposto por terceiro. Terá que ser assim uma linguagem ou expressão gráfica com aptidão para a importunar, e que conduza a essa efectiva importunação sexual (crime de resultado)” (Crimes Sexuais..., p. 171).
No que respeita ao tipo subjectivo, estamos perante um tipo de ilícito doloso, podendo verificar-se em qualquer das modalidades previstas no artigo 14.º do Código Penal.
Resulta da factualidade apurada que em ..., FF, nascida a ... de ... de 2005, à data com 14 anos de idade, frequentava a ..., em Alenquer, para onde se deslocava diariamente.
No dia ... de ... de 2019, a hora não concretamente apurada, compreendida entre as 12 horas e 40 minutos e as 14 horas e 30 minutos, FF seguia apeada para o referido estabelecimento escolar.
Ao seguir no passeio da ..., junto à ... e ao estabelecimento de restauração denominado ...”, em Alenquer, a menor veio a ser abordada pelo arguido que, sem que nada o fizesse prever, munido do respectivo aparelho de telemóvel, lhe exibiu uma fotografia de um pénis erecto.
Tal conduta veio a ser repetida no dia ... de ... de 2019, a hora não concretamente apurada, compreendida entre as 12 horas e 40 minutos e as 14 horas e 30 minutos, no mesmo local, quando a ofendida se deslocava para casa.
No mesmo dia, a hora não concretamente apurada, compreendida entre as 12 horas e 40 minutos e as 14 horas e 30 minutos, ao dirigir-se para o estabelecimento escolar que frequentava, veio a menor, novamente, a ser abordada pelo arguido nos exactos termos já referidos.
No dia ... de ... de 2019, a hora não concretamente apurada, compreendida entre as 12 horas e 40 minutos e as 14 horas e 30 minutos, quando efectuava, apeada, o percurso da escola para casa, ao passar no referido local, veio o arguido a abordá-la e a exibir-lhe a fotografia do pénis erecto que mantinha guardada no respectivo aparelho de telemóvel.
Mais resulta da factualidade apurada que GG, nascida no dia ... de ... de 2003, no ano lectivo de ...1.../2020, frequentava a ..., em Alenquer, para onde se deslocava diariamente.
Em dia não concretamente determinado, mas situado entre os meses de ..., ao passar, apeada, junto à ..., sita em Alenquer, foi abordada pelo arguido que, sem que nada o fizesse prever, lhe exibiu um aparelho de telemóvel contendo uma fotografia de um pénis erecto.
Em todas as descritas ocasiões, as ofendidas sentiram-se assustadas, desconfortáveis e enojadas com a actuação do ora arguido.
Ora, realizando a subsunção da factualidade apurada à norma incriminadora em apreço, verifica-se que o arguido, ao exibir, nas cinco circunstâncias descritas (nos dias .../.../2019; .../.../2019, por duas vezes; e no dia .../.../2019, a FF; e em data não apurada, mas situada entre os meses de ..., a GG) a fotografia de um pénis erecto às menores, praticou actos de carácter exibicionista de teor sexual perante as mesmas, que as deixaram assustadas, desconfortáveis e enojadas com a descrita actuação, pelo que a sua conduta preenche os elementos objectivos do tipo de crime em apreço.
Mais resultou demonstrado que ao actuar da forma descrita, o arguido actuou com o propósito de satisfazer os seus instintos libidinosos, tendo actuado com o propósito concretizado de importunar as ofendidas, que sabia serem menores de idade, em plena via pública, exibindo-lhes uma fotografia de um pénis erecto, sem que a isso as mesmas houvessem consentido, assim as constrangendo e perturbando, mais sabendo que agia contra a vontade das menores e que colocava em crise os sentimentos de pudor e vergonha das mesmas, além do sentimento de decência inato à generalidade das pessoas.
Mais resultou demonstrado que o arguido actuou de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, o que nos permite concluir que o arguido actuou com dolo directo e com consciência da ilicitude (artigos 14.º, n.º 1, e 17.º do Código Penal).
Encontram-se, assim, preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime em apreço, pelo que, não tendo sido apurada factualidade susceptível de consubstanciar qualquer causa de exclusão da culpa ou da ilicitude, conclui-se que o arguido cometeu os cinco crimes de que vinha acusado.»
Vejamos, então, se errou o Tribunal a quo no enquadramento jurídico-penal da factualidade indiciada.
Inserido no capítulo dos crimes contra a liberdade sexual, o crime de importunação sexual, tipificado no art. 170.º do Cód. Penal com a reforma de 1995 (DL 48/95, de 15/3), pune quem importunar outra pessoa, praticando perante ela atos de caráter exibicionista, formulando propostas de teor sexual ou constrange-o a contacto de natureza sexual, com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
O bem jurídico protegido com a incriminação é a liberdade sexual de outrem (na sua dimensão negativa, significando genericamente a liberdade de não suportar condutas que agridam ou constranjam a respetiva esfera sexual, bem como na sua dimensão positiva, como liberdade de interagir sexualmente sem restrições), que pode ser afetada por três distintos meios: ato de carácter exibicionista, formulação de propostas de teor sexual e por contacto de natureza sexual.
A conformidade constitucional da ampla tutela penal aqui consagrada vem sendo reconhecida pelo TC, nomeadamente no Acórdão 105/2013, sem escamotear que qualquer uma das concretas condutas não poderá prescindir da ressonância ético-social censurável.
A situação que nos ocupa reconduz-se à modalidade dos delitos exibicionistas, única que iremos, por isso, apreciar.
E a respeito do preenchimento do tipo legal de crime têm-se delineado duas correntes jurisprudenciais e doutrinárias:
- A que defende estarmos perante um crime de perigo concreto, em que o tipo legal de crime exige que o ato exibicionista represente um fundado receio de que se lhe siga a prática de ato sexual com a vítima (Ac. TRE 7/01/2014, Proc. n.º 59/11.5GDPTG.E1, e do TRP de 6/05/2009, proc. n.º 598/06.0JAPRT.P1, www.dgsi.pt, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, 5.ª ed., pág. 756, ANABELA MIRANDA RODRIGUES, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 534 e );
- A que considera desnecessário demonstrar que o ato exibicionista suscitou fundado receio da prática subsequente de um ato sexual com a vítima, sustentando estarmos perante um crime de dano que se consuma com a efetiva importunação da vítima (Ac. TRP 9/03/2011, Proc. n.º 329/09.22PBVRL.P1, TRC de 26/02/2014, proc. n.º 17/11.0GBAGD.C1 e de 15/03/2017, Proc. n.º 13/15.8GBFIG.C1, TRG de 23/11/2020, Proc. n.º 1700/17.1IPBBRG.G1 e Ac. TRP de 12/05/2021, Proc. n.º 751/19.6PEGDM.P1, www.dgsi.pt).
Esta última é a posição em que nos revemos, desde logo por a primeira pressupor o recurso a elementos complementares à construção típica e àquela estranhos, esvaziando o conteúdo normativo.
A respetiva consumação exige, assim, que a vítima se sinta importunada, no sentido de ter sido obrigada a visualizar ato com conotação sexual, sendo por isso molestada e ofendida na sua liberdade de não querer presenciar comportamento de natureza sexual.
É um crime de resultado, devendo provar-se a importunação da vítima em resultado do ato exibicionista (nexo causal).
Atos exibicionistas pressupõem atos ou gestos com significado sexual, que não envolvem contacto físico com a vítima. Subjetivamente, a ação terá de ser realizada pelo agente com o intuito de se satisfazer sexualmente6.
Mas o que a consumação do crime já não exige, ao contrário do que pretende o recorrente, é que as vítimas se tenham sentido coagidas na sua liberdade sexual, mas apenas importunadas.
E resultou provado que o arguido, nas cinco ocasiões enumeradas em 7, 8, 9, 10, 11 e 14, agiu satisfazendo os respetivos instintos libidinosos, com intenção de importunar as ofendidas, que sabia serem menores de idade, o que logrou concretizar, assim as importunando, constrangendo e perturbando, sabendo que o fazia conta a vontade delas e que as mesmas reagiriam com desagrado e desconforto a tal atitude, o que sucedeu (ver pontos 15 e 16 dos factos provados). Em suma, o arguido agiu com intenção de importunar as ofendidas, por meio de ato com conotação sexual, e essa importunação verificou-se.
A atuação do recorrente, tal qual resulta da matéria de facto consolidada, tem inegável conotação sexual, ultrapassando o mero mau gosto ou imoralidade do agente, importunando as vítimas, então menores de idade, que se deslocavam desacompanhadas, que foram obrigadas inopinadamente a visualizar a imagem do pénis ereto, contra a respetiva vontade, transformando-se em objeto de prazer do recorrente.
Nada a apontar, por isso, à operação de subsunção dos factos provados nos crimes de importunação sexual, improcedendo, também nesta parte, o recurso.

D)–Da natureza e medida da pena aplicada

A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo a pena, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa, aferindo-se por esta o patamar máximo da pena concreta a aplicar (art. 40.º do Cód. Penal).
A determinação da medida concreta da pena deve ser efetuada com recurso aos critérios gerais estabelecidos nos arts. 70.º e 71º, do Cód. Penal, isto é, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção e atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
E só em caso de desproporcionalidade manifesta na sua fixação ou necessidade de correcção dos critérios de determinação da pena concreta, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso, deverá intervir o Tribunal de 2ª Instância alterando o quantum da pena concreta ou o modo de execução da mesma.
Caso contrário, isto é, mostrando-se respeitados todos os princípios e normas legais aplicáveis e respeitado o limite da culpa, não deverá o Tribunal de 2ª Instância intervir corrigindo/alterando o que não padece de qualquer vício.
De tal resulta que, se a pena fixada na decisão recorrida, em todas as suas componentes, ainda se revelar proporcionada e se mostrar determinada no quadro dos princípios e normas legais e constitucionais aplicáveis, não deverá ser objecto de qualquer correção por parte do Tribunal de Recurso.
Ao recorrente foi aplicada, em cúmulo jurídico, a pena única de 12 (doze) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 18 (dezoito) meses, ao abrigo do artigo 50.º, n.ºs 1 e 5, do Código Penal pela prática, em autoria material, na forma consumada de 5 (cinco) crimes de importunação sexual, previstos e punidos pelo artigo 170.º do Código Penal (cada um punido com a pena parcelar de 4 meses de prisão).
O recorrente questiona as penas parcelares e a pena única aplicada.
Alega que o Tribunal deveria ter optado por uma pena não privativa da liberdade considerando que os factos terão ocorrido num curto lapso temporal, no ano de 2019, tendo passado mais de três anos sobre a prática dos mesmos, sem notícias de atos semelhantes, as ofendidas já atingiram a maioridade, tendo deixado de existir especiais exigências de prevenção especial, uma vez que o arguido se encontra inserido familiar e profissionalmente.
Quanto à determinação e medida das penas aplicadas ao recorrente, refere a sentença recorrida que:
«O crime de importunação sexual, previsto e punido pelo artigo 170.º do Código Penal, é punido com pena de prisão de um mês (artigo 41.º, n.º 1, do Código Penal) a 1 ano ou com pena de multa de 10 (artigo 47.º, n.º 1, do Código Penal) a 120 dias.
Atendendo à cominação de penas alternativas quanto ao crime em apreço importa proceder à escolha da espécie de pena a aplicar.
Estabelece o artigo 70.º do Código Penal que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Deve, assim, o tribunal aplicar uma pena de multa sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, esta se mostre adequada e suficiente à realização das finalidades da punição, sendo certo que “são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação” (Figueiredo Dias, Direito Penal Português – Parte Geral. II As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Ed., 2009, p. 331.
Relativamente ao tipo de ilícito em causa, destacam-se acentuadas exigências de prevenção geral, atento o bem jurídico que a incriminação visa tutelar (livre desenvolvimento e autodeterminação sexual), o que torna legítima a elevada expectativa da comunidade numa vigorosa reafirmação da vigência das normas violadas, através da adopção de medidas que não só concorram para a emenda cívica dos agentes do crime, mas também, que sirvam de instrumento de contenção e dissuasão, de forma a evitar que outros se sintam impelidos a trilhar o mesmo caminho.
Por seu turno, no que respeita às exigências de prevenção especial, pese embora a total ausência de antecedentes criminais registados do arguido, o número de crimes praticado pelo arguido em tão curto espaço temporal (cerca de 3 meses), e a circunstância de a sua conduta ter sempre visado, em todas as situações descritas, ofendidas menores de idade, levam a que se considere existir significavas exigências de prevenção especial.
Assim, considerando que os crimes em apreço foram praticados contra menores de idade, e tendo presente que a prática de actos de natureza sexual perante menor de idade é susceptível de prejudicar o seu equilíbrio e o livre e saudável desenvolvimento da sua personalidade, entendemos que as exigências de prevenção geral e especial que se colocam no caso em apreço não se compadecem a aplicação de pena de multa, demandando a aplicação da pena de prisão.
Entende, pois, o Tribunal que a aplicação da pena de multa se mostra totalmente desadequada e manifestamente insuficiente para satisfazer as exigências de prevenção especial que se colocam no caso vertente, apresentando-se a pena de prisão como adequada, ajustada e proporcional às finalidades subjacentes à punição, razão pela qual se afasta a aplicação da pena de multa e se opta pela aplicação da pena de prisão, de harmonia com o disposto pelo artigo 70.º do Código Penal.
Cumpre então determinar a medida da pena.
Em consonância com as disposições conjugadas dos artigos 71.º, n.ºs 1 e 2 e 40.º do Código Penal, a pena concreta a aplicar será determinada, dentro da moldura referida, em função da culpa do agente, enquanto limite máximo da punição, e das exigências de prevenção, geral e especial, colocadas pelo caso em apreço, impondo o n.º 2 do artigo 71.º do referido diploma que o tribunal, na determinação concreta da pena, atenda a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, valorando, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
No que concerne ao grau de ilicitude dos factos e ao seu modo de execução, consideramos que os actos perpetrados pelo arguido integram um grau de ilicitude que se situam num nível médio a elevado, atentos os concretos actos praticados (exibição de fotografia do órgão genital masculino), e a idade das visadas pelas condutas do arguido (menores de 16 anos de idade).
No que respeita às consequências da conduta do arguido, é de salientar os sentimentos vivenciados pelas ofendidas (desconforto e repulsa) em consequência das condutas perpetradas pelo arguido.
Relativamente à intensidade do dolo, o arguido agiu, aquando da prática dos factos, da forma que representa um maior desvalor jurídico-social, isto é, com dolo directo.
A favor do arguido relevam, sobretudo, as seguintes circunstâncias:
- A ausência de antecedentes criminais registados do arguido;
- Encontrar-se familiar e profissionalmente inserido;
- O lapso temporal já decorrido desde a data da prática dos factos, sem que haja notícia que o arguido tenha voltado a incorrer neste tipo de conduta.
Assim, ponderando a moldura penal abstracta aplicável, as exigências de prevenção geral e especial, a gravidade global da conduta e todas as demais circunstâncias descritas e apuradas in casu, e considerando ainda que a pena deverá ser fixada em termos que constitua uma verdadeira sanção, de forma a promover a recuperação social do arguido, entende o Tribunal afigurar-se ajustada e adequada a fixação da pena em 4 meses de prisão quanto a cada um dos crimes cometidos.
(…)
Cumpre, então, proceder à realização do cúmulo das penas ora aplicadas aos arguidos.
Face ao disposto no n.º 2 do citado artigo 77.º do Código Penal, a pena conjunta através da qual se punirá o concurso de crimes em apreço tem a sua moldura abstracta definida entre a pena mínima de 4 meses de prisão e a pena máxima de 20 meses de prisão.
Assim, considerando a total ausência de antecedentes criminais registados do arguido e ponderando globalmente as circunstâncias atinentes aos crimes em causa, relevando, sobretudo, a homogeneidade da sua conduta e a concentração dos factos num curto espaço temporal (cerca de 3 meses), reputa-se ajustada a fixação da pena única na pena de 12 meses de prisão.»
O recorrente entende que o Tribunal deveria ter optado pela pena de multa prevista em alternativa no tipo legal, mas sem que lhe assista razão.
O Tribunal a quo ponderou devidamente todas as circunstâncias do caso e salientou as razões pelas quais a pena de multa prevista em alternativa não satisfaz as exigências de prevenção geral e especial. E não podemos, senão, deixar de acompanhar as razões invocadas: as exigências de prevenção geral são elevadas atendendo ao bem jurídico protegido e o recorrente praticou um considerável número de crimes atendendo ao curto espaço temporal (cerca de 3 meses), visando, em todas as situações, ofendidas menores de idade, levando a que se considere existir significavas exigências de prevenção especial.
A estas considerações não constituem obstáculo a ausência de antecedentes criminais ou a inserção social e familiar do recorrente.
Concordamos, pois, que as prementes exigências de prevenção geral e especial impõem a opção pela pena privativa da liberdade, nenhuma censura merecendo nesta parte a decisão do Tribunal.
E referindo o recorrente ser a pena concreta aplicada exagerada, na verdade nenhuma censura é feita à operação que o Tribunal recorrido levou a cabo para encontrar a medida concreta de cada uma das penas ou de determinação da pena conjunta.
Estamos perante crimes de natureza sexual onde relevam sobremaneira as exigências de prevenção geral e onde sobressaem as situações não denunciadas.
Ao nível da prevenção especial, foram valorados, como atenuantes, a inexistência de antecedentes criminais, a inserção familiar e social e o tempo decorrido sobre a prática dos factos.
Mas foi, também, ponderado o grau de ilicitude (média a elevada), a reiteração da conduta, a idade das vítimas e a intensidade do dolo (direto).
Os contornos dos factos praticados pelo recorrente, tal como resultam da matéria provada, sem que se nos deparem circunstâncias atenuantes da sua responsabilidade que o Tribunal a quo tenha desconsiderado, não permitem a redução da penalidade. Deverá notar-se que, em todos os casos, não se está perante situações de baixíssimo grau de ilicitude, como parece pretender o recorrente.
Assim, ponderando a ilicitude do facto, o modo de execução, a reiteração da conduta visando vítimas menores de idade; o dolo que foi directo; as consequências da conduta, e as exigências de prevenção geral que são particularmente instantes no que concerne a este tipo de crime pela facilidade com que acaba por ser praticado e não denunciado, por vergonha, medo, receio de reviver situações dolorosas e estigmatizantes, consideram-se adequadas as penas parcelares concretas determinadas.
Já à pena resultante do cúmulo o recorrente não aponta nenhuma concreta razão para justificar a sua desadequação, não parecendo questionar a medida da pena única aplicada.
E constata-se que, na determinação da pena conjunta foram ponderadas pelo Tribunal as circunstâncias relevantes de harmonia com os parâmetros legais.
Como decorre do disposto no artigo 77.º, n.º 2 do Cód. Penal, a medida concreta da pena única (do concurso de crimes) deverá ser fixada dentro da moldura abstrata aplicável (a qual tem como limite mínimo a mais elevada das penas parcelares concretamente aplicadas e como limite máximo a soma das penas parcelares aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão) e é determinada tendo em conta o critério específico da consideração em conjunto dos factos e da personalidade do arguido (art. 71.º, n.º 1 do Cód. Penal).
Tudo isto, sem esquecer a medida da culpa e as necessidades de prevenção.
Tendo presente estes parâmetros, ainda que a pena tenha sido graduada acima do ponto médio da moldura abastracta do cúmulo, com a mesma logramos alcançar uma reação firme e consistente, reclamada pelas exigências de prevenção.
Entre o limiar mínimo da moldura de cúmulo – 4 meses - e o seu limiar máximo – 20 meses de prisão – o Tribunal a quo fixou a pena única em 12 meses de prisão, suspendendo-a na sua execução, definindo assim uma reação penal firme e adequada em face da multiplicidade de crimes cometidos, visando vítimas menores de idade, de acordo com a imagem global dos factos e apta a assegurar seriamente o êxito das finalidades de prevenção.
Dadas as circunstâncias em que o recorrente cometeu os crimes e ponderando as elevadas necessidades de prevenção que o caso demanda, seria inadequada a fixação da pena única em medida mais reduzida. A determinação concreta da pena única aplicada ao recorrente não merece, assim, qualquer censura.
De modo racional foram considerados o conjunto dos factos e a personalidade do arguido, não tendo o Tribunal a quo deixado de ponderar devidamente todas as circunstâncias relevantes.
Nestes termos, ponderando tudo o que supra se expôs e tendo em atenção os parâmetros de controlo da fixação da medida concreta das penas pelo Tribunal ad quem, impõe-se concluir, também aqui, pela improcedência do recurso interposto pelo arguido.

E)–Da pena acessória prevista no art. 69.º-B, n.º 2 do Cód. Penal

O recorrente foi, ainda, condenado na pena acessória de proibição de exercer a profissão ou atividade, pública ou privada, de docência a menores de idade, ou funções de semelhante natureza que impliquem lecionar aulas a menores de idade ou cujo exercício envolva contacto regular com menores (tais como, as funções ou cargo de monitor ou formador), pelo período de 5 anos, ao abrigo do artigo 69.º-B, n.º 2, do Código Penal.
Sustenta a este propósito o Tribunal a quo: «Estipula o artigo 69.º-B, n.º 2, do Código Penal, que “É condenado na proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período fixado entre cinco e 20 anos, quem for punido por crime previsto nos artigos 163.º a 176.º-A, quando a vítima seja menor.”.
As penas acessórias assumem a natureza de verdadeiras penas, com função adjuvante das penas principais, residindo a sua especificidade no facto de a sua aplicação se encontrar dependente da aplicação da pena principal, e destinam-se igualmente à tutela dos bens jurídicos subjacentes ao tipo legal dos crimes praticados, pelo que se encontram limitadas pelo princípio da culpa (artigo 40.º) e são igualmente determinadas de acordo com os critérios e circunstâncias plasmados no artigo 71.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal (cfr. fundamentação subjacente ao entendimento fixado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Uniformizador de Jurisprudência n.º 2/2018, publicado no DR de 13/02/2018, e, especificamente sobre as penas acessórias previstas no artigo 152.º do Código Penal, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário..., p. 595).
In casu, perante a factualidade que ficou assente, tendo em consideração a idade da ofendidas visadas pela conduta do arguido (menores de 16 anos), entende o Tribunal que as finalidades de prevenção geral e especial demandam a aplicação ao arguido da pena acessória de proibição de exercer a profissão ou actividade, pública ou privada, de docência, ou funções de semelhante natureza que impliquem leccionar aulas a menores de idade ou cujo exercício envolva contacto regular com menores (tais como, as funções ou cargo de monitor ou formador), pelo período de 5 anos.».
Sustenta o recorrente que a pena acessória aplicada é excessiva e não salvaguarda a reintegração do agente n sociedade.
Mas, na verdade, o Tribunal graduou a mesma no seu limite mínimo.
Vejamos, então.
Os arts. 69.º-B e 69.º-C foram aditados ao Código Penal pela Lei n.º 103/2015, de ..., que transpôs a Diretiva 2011/93/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, substituindo a regulamentação que até então constava do art. 179.º do Cód. Penal.
Alteraram-se, então, os pressupostos de aplicação das penas acessórias nos crimes de natureza sexual, cuja justificação assenta essencialmente em razões de defesa do interesse dos menores, enquanto potenciais vítimas do crime7.
As penas acessórias têm, em regra, uma função coadjuvante da pena principal, dependendo a respetiva medida concreta de razões de prevenção geral e especial e da culpa.
À imagem da pena principal, a pena acessória deve revelar-se necessária, adequada, proporcional, proibindo-se o excesso na respetiva determinação.
Sendo a vítima do crime previsto no art. 170.º maior de idade, pode o agente ser condenado na proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, ainda que não remuneradas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período fixado entre 2 e 20 anos, atenta a concreta gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente (art. 69.º-B, n.º 1, do Cód. Penal).
A aplicação da pena acessória é, nestas circunstâncias, facultativa.
Já assim não ocorre sendo a vítima menor. O número 2 do art. 69.º-B determina a obrigatoriedade de condenação na proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, ainda que não remuneradas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período fixado entre 5 e 20 anos.
A questão sobre a aplicação automática da sanção acessória quando a vítima é menor tem suscitado algumas reservas sobre a respetiva compatibilização constitucional, nomeadamente considerando o estatuído no art. 30.º, n.º 4 da CRP e o princípio da proibição do efeito automático das penas8.
Mas o Tribunal Constitucional, a respeito da automaticidade da sanção acessória prevista no art. 69.º do Cód. Penal, tem-se pronunciado pela conformidade da previsão legal com os parâmetros do texto fundamental. Nomeadamente, os Acórdãos 149/2001, 53/2011 e 742/2021, não julgaram inconstitucional a norma constante do artigo 69º, nº 1, al. a), do Cód. Penal, quando interpretada no sentido segundo o qual, com a condenação pela prática dos crimes previstos nos artigos 292º e 291º, nº 1, al. a) do Cód. Penal, tem lugar, sem necessidade de se apurar qualquer outro requisito, a aplicação da sanção acessória consistente na inibição de conduzir.
Essencialmente, considera-se que esta pena acessória não é o efeito de qualquer condenação anterior, integrando ela própria a condenação pela prática de um crime.
É uma sanção de estrita aplicação judicial, indissoluvelmente ligada ao facto praticado e à culpa do agente, dotada de uma moldura penal própria, permitindo e impondo a tarefa judicial de determinação da sua medida concreta em cada caso.
Mas se conseguimos ultrapassar o crivo do confronto com o art. 30.º, n.º 4 da CRP, já assim poderá não acontecer no que respeita à determinação da duração da pena acessória, por violação do princípio da proporcionalidade, ínsito no art. 18.º, n.º 2 da CRP.
É que tendo de ser determinada a respetiva duração em função do facto praticado e da culpa do agente, dentro da moldura abstrata prevista, o limite mínimo imposto – de 5 anos – afigura-se manifestamente desproporcional em situações em que podemos estar no limiar da justificação da punibilidade, como ocorre com os crimes sexuais em que a moldura penal principal é claramente inferior. É a situação dos delitos exibicionistas, que a título de pena principal são punidos com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
O imposto limite mínimo de 5 anos não permite graduar a pena acessória em função do concreto facto praticado, das inerentes exigências de prevenção e da culpa do agente. Não permite, no fundo, ajustar a duração da pena acessória à gravidade do crime (tendo o legislador obliterado as disparidades entre as diferentes molduras penais fixadas a título principal para as condutas tipificadas nos arts. 163.º a 176.º-A).
Não escamoteando a gravidade intrínseca das condutas que afetam a liberdade e autodeterminação sexual, o legislador tipificou, nas disposições legais visadas, condutas com distinto desvalor axiológico. E consagrou molduras das penas principais que permitem ao julgador graduar a sanção concreta em consonância com as exigências de prevenção e a culpa do agente. Já assim não ocorre, contudo, no que respeita à sanção acessória.
Ora, como se refere no Ac. do TRL de 19/04/2022 (Proc. n.º 3007/16.2T9CSC.L1-5, Relatora SANDRA PINTO) «se para as penas principais aplicáveis aos diversos tipos criminais abrangidos sob a designação de «crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual» é possível – por via das diferentes molduras penais legalmente consagradas – a modelação da reação penal face aos diferentes comportamentos suscetíveis de integrar tais ilícitos, ajustando-a à concreta gravidade dos factos praticados e permitindo uma resposta que se mostre adequada face à necessidade de reafirmação comunitária da validade das normas violadas, e que constitua um eficaz instrumento de prevenção da reincidência – impõe-se que também as penas acessórias destinadas a acompanhar tal reação penal permitam tal adequação ao caso concreto e à efetiva necessidade da pena [acessória], nomeadamente na vertente da proteção das vítimas potenciais do agente em causa.».
Não permitindo, no caso concreto, a moldura penal da pena acessória – 5 a 20 anos – graduar a mesma de forma proporcional, justa e adequada, a norma em causa mostra-se contrária à Constituição da República Portuguesa, por violação do princípio da proporcionalidade9 ínsito no art. 18.º, n.º 2, devendo ser recusada a respetiva aplicação (neste sentido, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Humanos, UCE, 5.ª ed. p. 396 e Ac. do TRL mencionado supra).
Conclui-se, assim, pela inconstitucionalidade material do art. 69.º-B, n.º 2 do Cód. Penal, com referência ao art. 170.º do mesmo diploma, por violação do art. 18.º, n.º 2 da CRP, na medida em que não permite uma graduação proporcional – não excessiva – da pena acessória em causa, recusando-se a sua aplicação com este fundamento.
Nestes termos e nesta parte, ainda que por distintas razões das invocadas, procede o recurso, revogando-se a aplicação da pena acessória imposta pela primeira instância.
*

IV.–DECISÃO

Pelo exposto acordam as Juízas desta Relação em:
a.-Recusar a aplicação do art. 69.º-B, n.º 2 do Cód. Penal, com referência ao art. 170.º do mesmo diploma, por violação do princípio da proporcionalidade contido no art. 18.º, n.º 2 da CRP, revogando, em consequência a pena acessória de proibição de exercer a profissão ou atividade, pública ou privada, de docência a menores de idade, ou funções de semelhante natureza que impliquem lecionar aulas a menores de idade ou cujo exercício envolva contacto regular com menores (tais como, as funções ou cargo de monitor ou formador), pelo período de 5 anos, aplicada ao recorrente;
b.-No mais, julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido, confirmando, em consequência, a sentença recorrida.
Sem custas.
Notifique.
*


Lisboa, 9 de janeiro de 2024



Mafalda Sequinho dos Santos
(Juíza Desembargadora Relatora)
Carla Francisco
(Juíza Desembargadora Adjunta)
Ana Cláudia Nogueira
(Juíza Desembargadora Adjunta)



1.STJ 29/10/2008, in www.dgsi.pt.
2.Proc. n.º 147/17.4ZFLSB.L1-3, Relator JORGE RAPOSO, in www.dgsi.pt.
3.AUJ n.º 3/2012, in D.R. 18/04/2012 “Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no art. 412.º, n.º 3, al. b) do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta de início e termo da declaração”.
4.No processo nº 4833/16.8T9SNT.L1-5, Relator: Desembargador ARTUR VARGUES, em www.dgsi.pt).
5.Proc. n.º 1360/14.IT9STB.E1, Relator GOMES DE SOUSA, in www.dgsi.pt.
6.JOSÉ MOURAZ LOPES e TIAGO CAIADO MILHEIRO, Crimes Sexuais, Almedina 3.ª ed., p. 166: «Atos exibicionistas pressupõem atos ou gestos com significado sexual.
A grande maioria dos autores caracteriza subjetivamente a ação exibicionista exigindo que a conduta objetiva seja realizada pelo autor com o fim de se excitar ou satisfazer sexualmente, seja através da conduta descrita sem mais, seja por meio da simultânea observação da reação da vítima, ou mesmo através de uma masturbação simultânea.
Nestes casos a conduta terá sem dúvida um significado ou conotação sexual suscetível de merecer uma reação punitiva estadual, caso contrário a conduta é atípica. O agente do crime, homem ou mulher, pretende através do exibicionismo buscar o seu prazer sexual ou satisfazer fantasias dessa índole, impondo a terceiro essa sua vontade sexual, impedindo este de optar pela não participação no ato e, sob este prisma, condiciona a sua liberdade sexual.
O significado sexual infere-se das circunstâncias em que o crime é cometido.(…). Premissa essencial é a natureza sexual do ato, o que exclui qualquer exibição de partes íntimas com outros fins, como seja para responder a provocações ou insultos. Quando se comprove que o ato não tinha qualquer intuito sexual, pois do contexto e circunstâncias resulta que a exibição visava outros fins, nomeadamente o insulto, o agente do crime pode ser punido pelo crime de injúrias, ou então a conduta ser atípica quando não exista nenhuma finalidade criminosa (...)
Como refere Muñoz Conde [Conde, Francisco Muñoz, Derecho Penal…, pág. 418], «a exibição dos órgãos genitais não tem que ser mais desaprovada que a das outras partes da anatomia, salvo se se realizarem num contexto suscetível de afetar algum bem jurídico de caráter individual.» (…)”.».
7.JOSÉ MOURAZ LOPES E TIAGO CAIADO MILHEIRO, Crimes Sexuais, Almedina, 3.ª ed. p. 316.
8.A este propósito, JOSÉ MOURAZ LOPES E TIAGO CAIADO MILHEIRO, Crimes Sexuais, Almedina, 3.ª ed. p. 320; MARIA JOÃO ANTUNES, Penas e Medidas de Segurança, Almedina, 2.ª ed. p. 45 e MARIA DA CONCEIÇÃO FERREIRA DA CUNHA, As Reações Criminais no Direito Português, UCP, 295 e ss.
9.Que, de acordo com a jurisprudência do TC, se desdobra em três subprincípios: princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato); princípio da justa medida, ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos). A respeito da densificação deste conceito pelo TC, podemos ver, entre outros, os Acs. 187/2001 e 632/2008.