Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
788/08.0TCSNT.L1-2
Relator: ESAGÜY MARTINS
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
REGISTO
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
ARRESTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/11/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I – O titular do registo provisório de aquisição não pode opor a terceiros o direito que adquirir por efeito do futuro contrato, a partir do registo provisório e enquanto este não caducar, sem quaisquer limitações, por ser tal absolutamente incompatível com a existência de um regime de concessão de eficácia real ao contrato promessa.
II – O arresto registado após o registo provisório de aquisição fundado em contrato-promessa de compra e venda do mesmo bem, é oponível ao promitente-comprador titular de tal registo provisório.
III – Não pode operar a execução específica de contrato-promessa de alienação de imóvel – a que não foi atribuída eficácia real – se sobre aquele recaiu arresto, devidamente registado.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção (cível) deste Tribunal da Relação

I – B... intentou acção declarativa, com processo comum sob a forma ordinária, contra C... e esposa, D..., pedindo seja decretada a favor do A. a aquisição do imóvel urbano que identifica, em execução específica do contrato-promessa respectivo, e os RR. condenados, solidariamente, a pagar ao A. a quantia de € 162.333,59, para expurgo das hipotecas que oneram o referido imóvel.
Alegando, para tanto e em suma, que em 30-05-2007, na qualidade de promitente-comprador celebrou com os RR., enquanto promitentes-vendedores, um contrato de promessa de compra e venda do aludido imóvel.
Nunca tendo sido celebrado o contrato-prometido, apesar das interpelações do A., por facto dos RR. que tendo-se comprometido a celebrar a escritura pública de compra e venda no dia 16-06-2008, não cancelaram o registo de arresto inscrito sobre o imóvel, não pretendendo o A. suportar tal ónus.
Para além de o imóvel estar ainda onerado com duas hipotecas a favor de dois Bancos, que ascendem a € 162.333,59.

Citados, vieram os RR. aos autos confessar “irretractavelmente os factos articulados pela A.”.
Mais declarando “que prescindem de Recurso”.

Sequencialmente notificado o A. para “depositar o remanescente do preço, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 830º, n.º 5 do Cód. Civil.” Juntou aquele “Recibo de quitação” de tal “remanescente”, passado pelos RR.

Sendo proferido saneador sentença que julgando “improcedente, por não provada, a presente acção” absolveu “os Réus dos pedidos formulados pelo autor.”.

Inconformado, recorreu o Autor, formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões:
1) Foi registado a aquisição pelo A. em 13/06/2007 por contrato de promessa.
2) Posteriormente em 25/06/2008 foi registado o Arresto.
3) Em plena validade do registo de aquisição foi intentada e registada em 26/06/2008 Acção de Execução Especifica do contrato de promessa, face à mora do devedor.
4) O registo da aquisição é eficaz perante registos posteriores, sendo-lhes oponíveis.
5) O A. não está proibido de adquirir o imóvel com ónus, sabendo pois que o tem que cumprir.
6) O registo de 13/06/2007 é oponível ao requerente do arresto.”.

Requer a revogação da sentença recorrida e o decretamento da “declaração negocial do faltoso, transmitindo-se o imóvel.”.

Não houve contra-alegações.

II- Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objecto daquele – vd. art.ºs 684º, n.º 3, 690º, n.º 3, 660º, n.º 2 e 713º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil – é questão proposta à resolução deste Tribunal a de saber se a existência de arresto, registado, sobre o imóvel prometido vender, obsta à execução específica do contrato-promessa de compra e venda respectivo, ainda que anteriormente registada a aquisição do imóvel, com base nesse mesmo contrato-promessa.
Para além disso, e conquanto se trate de questão suscitada no corpo da alegações, sem repercussão nas conclusões daquelas – mas sendo que mesmo sem impugnação válida das partes a propósito, sempre caberia ao tribunal de recurso considerar os factos admitidos por acordo ou por confissão reduzida a escrito, nos termos do art.º 659º, n.º 3, ex vi do art.º 713º, n.º 2, e visto o art.º 712º, n.º 1, alínea b), todos do Código de Processo Civil – mais importará verificar se é de aditar o elenco dos factos provados, nos termos pretendidos pelo Recorrente.
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Considerou-se assente, na 1ª instância a factualidade seguinte:
“A – Encontra-se inscrita a favor do RR a propriedade do imóvel sito em Alto do Rodízio, Vilas Sintramar, Colares, designado pela letra "C", correspondente à “moradia três", habitação com dois parqueamentos e logradouro, descrito na ... Conservatória do Registo predial de Sintra sob o n° ... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Colares sob o n° ..., com o valor patrimonial de € 175.535,95.
B - No dia 30/5/2007, mediante acordo escrito, o A., declarou, na qualidade de promitente comprador e os RR., na qualidade de promitentes vendedores, declararam prometer comprar e vender, respectivamente, o supra identificado, pelo preço de € 204.537,80.
C - Encontra-se registada a aquisição provisória da referida fracção a favor do Autor sob a Ap. .... de 2007/06/13.
D - O A. pagou a título de sinal e princípio de pagamento a quantia de € 42.204,21.
E- Ficou estipulado na cláusula 14ª que " a verificação da existência de sinal referido na cláusula terceira, não impede o recurso à execução específica do presente contrato promessa, nos termos do artigo 830° do C.C., o que é aceite por ambos os contraentes".
F - Não foi estipulado prazo para outorga do contrato definitivo.
G - Antes do final do prazo de 6 meses de validade do registo da aquisição provisória a favor do A, este interpelou os RR para a marcação da escritura pública de compra e venda
H - Os RR solicitaram então a prorrogação do prazo visto que teriam sido alvo de arresto no valor de € 95.000, o que inviabilizaria a outorga do contrato, o que o A aceitou.
I - No dia 11/12/2007, o A apresentou junto da ... Conservatória do Registo Predial de Sintra um pedido de renovação do registo de aquisição provisória a seu favor, registado sob a Ap. .... de 2007/12/11.
J - No dia 9 de Abril de 2008 os         RR entregaram ao A o imóvel livre de pessoas e bens, juntamente com todas as chaves, incluindo as da garagem.
L - No dia 15/04/08 o Réu iniciou obras de reparação, conservação e melhoramento e limpeza no referido imóvel, tendo despendido cerca de € 10.000. E mobilou todo o imóvel com o que despendeu € 19.000.
M - No início do mês de Maio o A voltou a solicitar aos RR. marcação da escritura tendo os mesmos protelado a situação.
No - No dia 10 de Maio de 2008 o A começou a habitar o imóvel.
O - Encontram-se inscritas sobre o imóvel supra identificado, sob as apresentações .../990301 e ..../990506, cotas ... e ..., duas hipotecas a favor do Crédito ... para garantia do capital de 31.000.000$00, equivalente a € 154.627,35 e 9.000.000$00, equivalente a € 44.891,81 respectivamente.
P – O referido prédio está ainda onerado com o registo de uma arresto inscrito sob a ap. ... de 2007/08/28.”.
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Sendo desde já de assinalar o manifesto lapso material, na antecedente alínea L, da referência ao R., que obviamente se terá pretendido feita ao A. e certo tratar-se ali da matéria por este último alegada nos art.ºs 9º, 10º e 11º da sua p.i.. 
Passando pois a ler-se, naquela alínea, “o Autor”, onde se escreveu “o Réu”.
II – 1 – Do requerido aditamento da matéria de facto.
Na sequência do despacho de folhas 49, ordenando a notificação do A. para depositar o “remanescente do preço, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 830º, n.º 5 do Código Civil.”, alegou o A. ter pago já aos RR. a totalidade do preço, juntando recibo de quitação passado pelos RR., conforme folhas 56.
Confirmando aqueles, em requerimento de folhas 61 – subscrito pelo seu mandatário, que se mostra investido em poderes especiais para transigir, confessar ou desistir, através da procuração de folhas 45 – ser “verdade que os RR. já receberam a totalidade do valor do preço do imóvel…”.
Dest’arte, logo por via da não impugnação do recibo de quitação junto, sempre teria de se considerar provado o pagamento em causa, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 374º, n.º 1 e 376º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil.
Sendo ainda de julgar assente tal facto, de incontornável interesse para a justa composição do litígio, em vista da confissão espontânea assim expressa pelos RR., cfr. art.ºs 352º, 353º, n.º 1, 355º, n.ºs 1 e 2 e 358º, n.º 1, todos do Código Civil.
Sendo pois de aditar o elenco dos factos provados com uma alínea D-1, com o seguinte teor:
“O A. pagou ainda o remanescente do preço do imóvel, no valor de €162.333,59.”.

II – 2 – Da execução específica do contrato-promessa.
1. Cumpre desde logo assinalar que a inscrição de propriedade referida em A dos Factos Assentes é, como de folhas 22 se alcança, uma inscrição provisória por natureza, nos termos do art.º 92º, n.º 1, alínea g), do Código do Registo Predial, e a que igualmente se refere o art.º 47º, do mesmo Código.    
Na verdade, o ordenamento jurídico português desde há muito tempo – vd. o Código de Registo Predial de 1984 (Decreto Lei n.º 224/84) – contempla a inscrição provisória de aquisição e de constituição de hipoteca a favor de pessoa certa, antes de titulado o contrato translativo da propriedade.
Representando essa inscrição, do ponto de vista registral, e segundo Mónica Jardim,[1] uma “reserva de lugar”, uma salvaguarda de prioridade condicionada à futura realização do contrato produtor de efeitos reais.
Mas como também anota aquela Autora, sendo esse o objectivo da figura, quando se analisa com mais pormenor esta hipótese de reserva de prioridade em sentido próprio, várias questões se colocam.
Quais sejam a da medida e que o nosso sistema de direito substantivo suporta a possibilidade de se reservar a prioridade para um direito que ainda não nasceu? Qual o valor que deve ser reconhecido ao registo provisório de aquisição? A quem deve ser reconhecida legitimidade para solicitar o registo provisório de aquisição baseado em contrato-promessa?
Pelo que toca ao valor do registo provisório de aquisição, entendem uns que significando aquele uma «reserva de lugar», tem um fim cautelar e de pré-protecção tabular. Apesar de a transferência do direito de propriedade se operar com o contrato futuro, e não com a declaração do titular registal ou com o contrato-promessa, quem passar a ser titular do registo provisório de aquisição pode opor a terceiros o direito que adquirir por efeito do futuro contrato, a partir do registo provisório e enquanto este não caducar.
Neste sentido – e para além do Conselho Técnico da Direcção Geral dos Registos e do Notariado[2] – se tendo pronunciado o Supremo Tribunal de Justiça, nos seu Acórdão de 15/05/2001,[3] em cujo sumário ler-se pode: “I- Celebrado um contrato-promessa de compra e venda de um imóvel e obtida a inscrição provisória da aquisição, ao abrigo do artº. 92º nº. 1, g), do CRP de 84, a posterior aquisição por escritura pública, antes da caducidade desse registo, mantém a prioridade que já tinha como provisória, nos termos do artº. 6º nº. 3 do mesmo Diploma. II - Assim, mesmo que tenha sido efectuada e registada a penhora desse imóvel, antes da outorga da escritura de compra e venda mas depois de feita aquela inscrição provisória, nem por isso a venda é ineficaz relativamente ao exequente.”.
Tal jurisprudência não se mantém, no entanto.
Assim no seu Acórdão de 25/06/2002,[4] o Supremo Tribunal de Justiça, com base nos art.ºs 408º, n.º 1, 1316º, 1317º al. c) e 879º alínea a), todos do Código Civil, já adoptou o entendimento de que o simples registo provisório de aquisição não pode ter o efeito de fazer retroagir a aquisição da propriedade à data do dito registo provisório e, por isso, considerou que o registo posterior de um arresto devia ter sido feito como definitivo, não sendo aplicável a al. a), do n.º 2, do art. 92º do Código do Registo Predial nem, consequentemente, o art. 119º do mesmo diploma, e afirmou que o dito arresto prevalecia sobre a alienação posteriormente feita a favor do titular do registo provisório.
Vindo aquele Tribunal, mais recentemente, no Acórdão de 20-01-2009,[5] a considerar que não tendo o contrato-promessa de compra e venda, ainda que baseado num registo provisório de aquisição, eficácia real – art. 413º do Código Civil – vincula somente os seus contraentes e é inoponível a terceiros detentores de direitos reais incompatíveis, ainda que adquiridos posteriormente.
E, com citação de Almeida Costa:[6] “(…) É que o registo da acção apenas amplia os efeitos da respectiva sentença, tornando-a eficaz, não só entre as partes, mas também relativamente a terceiros que tenham adquirido direitos sobre a coisa na pendência do pleito (cfr. o art. 271°, n.º 3, do Código de Processo Civil e os arts. 3.°, nº1, als. a) e c), 6º, nºs 1, 3 e 4, 11.°, n.º 2, 53.° e 59.°, n.º 4, do Cód. do Reg. Pred.).
 (…) A proposição de uma acção e o seu registo nunca modificam a natureza do direito que o autor invoca. De outro modo, criar-se-ia, com inobservância dos requisitos do referido art. 413.°, uma segunda via de atribuição de eficácia “erga omnes” ao direito de crédito à realização do contrato prometido, de que é titular o beneficiário da promessa.”.
Para Mónica Jardim – que assim se prende afastar da argumentação avançada, no citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2002-06-25, não perfilhando também, “(…) a posição do Conselho Técnico da Direcção Geral dos Registos e do Notariado, segundo a qual o registo provisório de aquisição, do ponto de vista da eficácia substantiva em face de terceiros que tenham adquirido direitos do, ou contra o, ainda proprietário do bem, não diverge do registo definitivo do contrato-promessa dotado de eficácia real, existindo, apenas, por força da lei, diversidade quanto à técnica ou procedimento registal subsequente a cada um desses registos” – o registo provisório de aquisição, e como visto já, traduz-se numa reserva de prioridade própria e causal.
Reserva essa a que, prossegue, se tem de reconhecer, necessariamente, efeitos substantivos, “pois admitir que o registo provisório de aquisição se limita a aspectos meramente registais, sem prejudicar a prioridade substantiva, implica torná-lo absolutamente ineficaz, para além de altamente enganador para quem o solicita e por ele paga (…).”.
No entanto, ressalva a mesma Autora, “ (…) também é verdade que, reconhecer ao registo provisório de aquisição os mesmos efeitos que ao registo do contrato-promessa dotado de “eficácia real” é deixar entrar pela janela aquilo que o legislador, no C.C., impediu que entrasse pela porta. Sobretudo quando se sabe que o legislador só foi tão exigente, no domínio do contrato-promessa dotado de eficácia em face de terceiros, porque pretendeu assegurar-se de que as partes ao celebrarem o dito contrato estariam perfeitamente esclarecidas do que é a «eficácia real», ideia que ainda hoje não faz parte do património cultural comum.”.
Ainda: “Na nossa perspectiva, na esteira do Prof. Doutor Henrique Mesquita, o registo do contrato-promessa dotado de eficácia em face de terceiros, ou de “eficácia real”, cumpre uma função idêntica à da pré-inscrição do direito alemão, ou seja, dota o direito de crédito decorrente do contrato-promessa de eficácia equiparada à dos direitos reais, afastando, assim, o perigo de ele vir a ser inviabilizado, no todo ou em parte, por actos de alienação ou de oneração do objecto do contrato prometido registados posteriormente, pois estes são, face a si, ineficazes.
Consideramos, portanto, que o legislador através do contrato promessa dotado de eficácia real visou proteger um direito de crédito já existente ou, por outras palavras, visou proteger aquele que tem um direito à alienação ou constituição de um direito real contra o titular registal inscrito.
Por seu turno, consideramos que o registo provisório de aquisição se traduz numa reserva de prioridade própria e que o legislador, através dele, permite que o titular registal inscrito, que pretenda alienar o seu direito apenas no futuro, limite a eficácia substantiva de actos posteriores que se revelem incompatíveis com o direito que virá a nascer na esfera jurídica daquele a favor de quem é feita a inscrição provisória, ficando, por isso, desde logo, privado dos benefícios inerentes à sua posição registal, em proveito do futuro adquirente.”.
Porém, mitiga aquela a sua posição, considerando como mais conforme ao preceituado no art. 9º do C.C., o entendimento de que “Não obstante (…) tal limitação apenas opera em face de posteriores direitos incompatíveis que assentem em título dispositivo proveniente do titular inscrito, não assegurando, portanto, o futuro adquirente em face de actos praticados por terceiros contra o titular do registo definitivo (v. g., arresto, penhora ou apreensão em processo de falência), já que não é razoável supor que o legislador tenha pretendido atribuir ao titular registal inscrito a possibilidade de limitar a eficácia substantiva de uma eventual e futura actuação legítima de um terceiro.”.
Dest’arte, e descartada a posição segundo a qual quem passar a ser titular do registo provisório de aquisição pode opor a terceiros o direito que adquirir por efeito do futuro contrato, a partir do registo provisório e enquanto este não caducar, sem quaisquer limitações – por absolutamente incompatível com a existência de um regime de concessão de eficácia real ao contrato promessa – teremos, em qualquer caso que o arresto registado após o registo provisório de aquisição fundado em contrato-promessa de compra e venda do mesmo bem, é oponível ao promitente-comprador titular de tal registo provisório.
2. E, nessa linha:
O arresto consiste numa apreensão judicial de bens, à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora em tudo quanto não contrariar o preceituado na subsecção respectiva (art.ºs 406º a 411º, do Código de Processo Civil).
Ora a penhora – “acto de desapossamento de bens do devedor, que ficam na posse do tribunal a fim de este os usar para a realização dos fins da acção executiva (entrega, adjudicação, pagamento)”[7] – tem vários efeitos, que se retiram do disposto nos art.ºs 819º a 821º.
Assim, e designadamente, refere-se no art.º 819º que sem prejuízo das regras do registo “são inoponíveis à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados.”.
Tratando-se mais exactamente, como ensinava Castro Mendes,[8] “duma inoponibilidade objectiva ou situacional, inoponibilidade no processo de execução, a qualquer interveniente – exequente, tribunal, arrematantes, credores, etc…”.
Criando-se a favor do exequente, segundo o mesmo Autor,[9] que assim entendia resultar “claramente do artigo 822º do Código Civil”, “um direito real de garantia, envolvendo preferência sobre os bens penhorados.”.
Embora já Teixeira de Sousa[10] prefira concluir que a penhora não pode ser incluída no âmbito dos direitos reais de garantia, porque em hipótese de transmissão do bem onerado, “Em vez de acompanhar o bem transmitido e de sujeitar o seu adquirente à execução, a penhora ignora a transmissão do bem (cfr. art.º 819º C.C.) e rejeita qualquer substituição do executado. Enquanto o direito real de garantia se adapta à dinâmica, a penhora ficciona a estática (…) embora seja inerente a uma coisa e afecte a execução desta à satisfação do crédito do exequente, a sua função é conservatória: é isso que justifica a regra da inoponibilidade dos actos de disposição ou oneração posteriores a ela.”.
Enfileirando-se com a posição deste último Autor, que mais refere por não ser a penhora um direito real, não se falar quanto a ela (seja no domínio substantivo seja no domínio processual) de titulares activos ou passivos, antes se colocando a tónica na situação em que são colocados certos bens ou direitos.
Por outro lado, efectuada a penhora, o bem é entregue ao fiel depositário, a quem cabe administrar aquele, não podendo por isso dispor dele, cfr. art.ºs 838º, 840º e 843º, do Código de Processo Civil.[11]
Ora, como decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2007-10-11,[12] “Quer pelo facto de o depositário não poder dispor dos bens quer por causa dessa ineficácia, não pode a executada dispor da fracção objecto da acção.
E não podendo a executada dispor do bem, não pode operar a execução específica que mais não é do que uma sentença que produz os efeitos da declaração do faltoso, como refere o art. 830.º,1 do CC.”.
Também Gravato de Morais concluindo que um registo de penhora prévio ao registo de acção de execução específica irá tornar “inviável a decisão judicial que se substituísse à declaração do promitente vendedor.”.[13]
 E nem se diga, como o faz o Recorrente, que “O A. não está proibido de adquirir o imóvel com ónus, sabendo pois que o tem de cumprir.”.
Pois se é certo que poderá adquirir, em via de execução específica, um bem imóvel onerado com hipoteca, com direito à expurga da mesma – que aliás pretendeu exercitar na presente acção, nos quadros do art.º 830º, n.º 4, 2ª parte, do Código Civil – ponto também é que a penhora, como visto já, não acompanha o imóvel sobre que recai, em caso de venda deste.
Improcedendo, deste modo, as conclusões do Recorrente.
 III – Nestes termos, acordam em julgar o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente, que decaiu totalmente.
Lisboa, 2010-02-11
(Ezagüy Martins)
(Maria José Mouro)
 (Neto Neves)

[1] O Registo Provisório de Aquisição – Comunicação feita na F.D.U.C., no Congresso de Direitos Reais, em 29/11/03), in www.fd.uc.pt/cenor/textos/registoprovisoriodeaquisicao.pdf.
[2] Vd. Parecer proferido no processo n.º RP 296/2000.DSJ-CT, recolhido na base de dados da DGRN –
Direcção Geral dos Registos e do Notariado – Publicações – BRN, II caderno, 10/2001, in http://www.dgrn.mj.pt/BRN -1995-2001/htm).
[3] Proc. 01A918, in www.dgsi.pt/jstj.nsf. Podendo ainda ver-se, no mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 25-06-2001, proc. 0150048, in www.dgsi.pt/jtrp.nsf.  
        

[4] Proc. 01A4305, in www.dgsi.pt/jstj.nsf. (Acórdão não sumariado).
[5] Proc. 08A3800, in www.dgsi.pt/jstj.nsf.
[6] In “Direito das Obrigações”, Almedina, 11ª edição – pág. 425 (em nota).
[7] João de Castro Mendes, in “Direito Processual Civil (acção executiva)”, Ed. da A.A.F.D.L., 1971, pág. 72.
[8] In op. cit., pág. 96, nota 2. No mesmo sentido indo Teixeira de Sousa, in “Acção Executiva Singular”, LEX., 1998, pág. 242.
 
[9] In op. cit., pág. 97.
[10] In op. cit., pág. 250.
[11] Aparentemente neste sentido, vide Lebre de Freitas, in “A acção executiva depois da reforma da reforma”, Almedina, 2009, pág. 256.
[12] Proc. 07B2968, in www.dgsi.pt/jstj.nsf.
[13] In “Contrato-promessa em geral – Contratos-promessa em especial”, Almedina, 2009, pág. 121.