Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CRISTINA ALMEIDA E SOUSA | ||
Descritores: | CONTRAORDENAÇÃO DIREITO TEMPORÁRIO EM MATÉRIA DE SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO MOMENTO DE APLICAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/18/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIMENTO PARCIAL | ||
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Sumário: | Perante a natureza, pelo menos, em parte substantiva das regras sobre prescrição e suas causas de interrupção e suspensão, impõe-se concluir, em conformidade com o princípio da irrectroactividade da lei penal, que não são aplicáveis as regras de direito temporário em matéria de suspensão da prescrição constantes das Leis 1-A/2020, de 19 de Março e 4-B/2021, de 01 de Fevereiro, a factos praticados antes da sua entrada em vigor, sob pena de violação dos princípios da legalidade e da irretroactividade da lei penal consagrados no art.º 29º da CRP e a que o art.º 2º nº 4 do CP dá concretização. Não obstante a jurisprudência do Tribunal Constitucional (Acs. do TC nºs 500/2021; 660/2021 e 798/2021 e Decisão Sumária do TC nº 256/2023, in http://www.tribunalconstitucional.pt), aplicar a nova causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal e de suspensão da prescrição das penas e das medidas de segurança prevista no art.º 7º da Lei 1-A/2020 de 19 de Março aos prazos que, à data da sua entrada em vigor, já estavam em curso, ou seja, a factos praticados antes da sua vigência, adicionando-a às outras causas de suspensão já previstas no CP assim, prolongando o decurso do prazo de prescrição, implica a aplicação retroactiva da lei penal ou contraordenacional em sentido mais desfavorável ao agente e em clara violação do art.º 29º nº 4 da CRP, ademais quando nem sequer nas situações de declaração do estado de sítio ou do estado de emergência a regra da irretroactividade da lei criminal pode sequer ser questionada, nem se vislumbrando fundamento legal, jurídico ou empírico para distinguir, do ponto de vista da excepcionalidade da vida colectiva e da paralisação do funcionamento do sistema de Justiça, o período da pandemia por SARS-Covid 19, do regime do estado de sítio e do estado de emergência. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes em conferência, na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I - RELATÓRIO Por sentença proferida em 27 de Junho de 2024, no processo de contraordenação 660/24.7Y4LSB do Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 12 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, foi julgada improcedente a impugnação judicial da decisão da Câmara Municipal de Lisboa, no âmbito do processo de contraordenação n.º 4-4045-2019, por violação do disposto no artigo 24º, nº 3 do Regulamento de Ocupação da Via Pública com Estaleiros de Obras, que condenou ..., numa coima de € 5.080,00 acrescida de custas do processo e, em consequência, mantida essa decisão administrativa. A ... interpôs recurso desta sentença, tendo, para o efeito, formulado as seguintes conclusões: 1. A Douta Sentença proferida é objetivamente merecedora de censura, por não se achar conforme com a Lei e o Direito, sendo o presente recurso limitado à questão de direito, pese embora a factualidade dada como provada não espelhe a prova produzida. 2. Com efeito e em primeiro lugar, afigura-se ser ostensivo achar-se o procedimento em apreço ferido de nulidade, por ofensa das mais elementares garantias de defesa constitucionalmente consagradas no artigo 32º, da CRP. 3. Na verdade, é inconcebível que o Tribunal tenha convalidado a decisão da Autoridade Administrativa de não proceder à inquirição das testemunhas, com a justificação, pasme-se, da prática da contraordenação estar provada!. 4. Que por se traduzir na ostensiva denegação do direito de defesa, deveria ser objecto de efectiva reprovação, doutro modo fica branqueado o recurso a este tipo de ilegalidades. 5. Acresce, sempre sem conceder e por mero dever de patrocínio, não estar conforme a Decisão quanto à contagem do prazo prescricional. 6. Dado o Tribunal ter levado em consideração o prazo máximo inserto no nº 2, do artigo 27º- A, do Dec. Lei nº 433/82, quando no presente procedimento não se verificou nenhuma das situações constantes nas alíneas b) e c), no nº 1, desse preceito. 7. Razão pela qual o presente procedimento, na pior das hipóteses e mesmo considerando a suspensão entre 9 de março e 3 de junho de 2020 e entre 22 de janeiro e 5 de abril de 2021, sempre prescreverá no próximo dia 19 de setembro. 8. Tudo visto, pelas razões expostas e dado a Decisão proferida, ter infringido o disposto no nº 2, do artigo 27º-A e no nº 3, do artigo 28º, do Dec. Lei nº 433/82, impõe-se que seja revogada e a Recorrente absolvida do pagamento da coima em que foi condenada, doutro modo é sua convicção de que se não fará rigorosa aplicação da lei, e como tal haverá razão para afirmar não ter sido feita. Admitido o recurso, o Mº. Pº. apresentou resposta, tendo, para o efeito, formulado as seguintes conclusões: 1 – Não se verifica qualquer nulidade da decisão administrativa. 2 – In casu não se verifica prescrição do procedimento contra-ordenacional. 3 – A Douta Sentença recorrida não violou quaisquer disposições legais, designadamente as indicadas pela recorrente ou outras. 4 – Antes faz a correcta apreciação dos factos e aplica o direito em conformidade. 5 – Deve manter-se o julgado. Remetido o processo a este Tribunal, na vista a que se refere o art.º 416º do CPP, o Exmo. Sr. Procurador Geral da República Adjunto emitiu parecer, no sentido da confirmação da decisão recorrida, por concordar com os argumentos de facto e de direito enunciados na resposta do Mº. Pº. apresentada na primeira instância. Cumprido o disposto no art.º 417º nº 2 do CPP, não houve resposta. Colhidos os vistos e realizada a conferência, nos termos e para os efeitos previstos nos arts. 418º e 419º nº 3 al. c) do CPP, cumpre decidir. II – FUNDAMENTAÇÃO 2.1. DO ÂMBITO DO RECURSO E DAS QUESTÕES A DECIDIR: De acordo com o preceituado nos arts. 402º; 403º e 412º nº 1 do CPP, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação. Além destas, o tribunal está obrigado a decidir todas as questões de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem o recorrente, nos termos dos arts. 379º nº 2 e 410º nº 3 do CPP e dos vícios previstos no art.º 410º nº 2 do CPP, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito (Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995, in Diário da República, Iª Série A, de 28.12.1995 e o AUJ nº 10/2005, de 20.10.2005, DR, Série I-A, de 07.12.2005). Umas e outras definem, pois, o objecto do recurso e os limites dos poderes de apreciação e decisão do Tribunal Superior (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 1059-1061). Das disposições conjugadas dos arts. 368º e 369º por remissão do art.º 424º nº 2, todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem: Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão; Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, quando o recurso se dirige à decisão final, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art.º 412º do CPP, a que se seguem os vícios enumerados no art.º 410º nº 2 do mesmo diploma. Finalmente, as questões relativas à matéria de Direito. Porém, tratando-se, como se trata, no caso, de um recurso de contraordenação, os poderes de cognição deste Tribunal da Relação ficam restringidos ao conhecimento da matéria de direito, nos termos do art.º 75º nº 1 do RGCO. Seguindo esta ordem lógica, no caso concreto e atentas as conclusões, as questões a tratar são as seguintes: Se o procedimento está ferido de nulidade, por ofensa das garantias de defesa constitucionalmente consagradas no artigo 32º, da CRP em sede administrativa por não terem sido inquiridas as testemunhas indicadas pela recorrente; e Eventual prescrição do procedimento contraordenacional. 2.2. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO No requerimento de impugnação judicial da decisão administrativa proferida pela Câmara Municipal de Lisboa, no âmbito do processo de contraordenação n.º 4-4045-2019, por violação do disposto no artigo 24º, nº 3 do Regulamento de Ocupação da Via Pública com Estaleiros de Obras, que a condenou numa coima de €5.080,00 acrescida de custas do processo, a recorrente ... arrolou duas testemunhas (requerimento de 10.10.2023 com a referência Citius 434302012); A impugnação judicial foi admitida e, nessa sequência, designada data para a realização da audiência de discussão e julgamento (despacho com a referência Citius 434303855); A audiência de discussão e julgamento teve lugar em 20 de Junho de 2024, na qual foi inquirida uma das testemunhas arroladas no requerimento de impugnação judicial, tendo a outra faltado e sido prescindida a sua inquirição (acta da audiência de discussão e julgamento, com a referência Citius 436515701); Da sentença recorrida constam os seguintes factos (transcrição): 1. No dia 26 de julho de 2019, pelas 15h00m, na Travessa Henrique Cardoso, n.º 73, em Lisboa, decorriam obras de construção: 2. Para apoio das referidas obras, encontrava-se a ocupar a via pública um estaleiro de obra, constituído nomeadamente por tapumes. 3. Para o supra referido local existe o Alvará de Ocupação da Via Pública n.º 362 OVP-CML/2019, emitido no âmbito do processo municipal n.º 15634/OTR 2018, válido por 4 meses (de 30/04/2019 a 30/08/2019), para a seguinte tipologia de ocupação (passeio público e faixa de rodagem): - Tapume com 26.00m de frente e 4.00m de cabeceira, com 1 piso para a Tv …: - Tapume com 25.00m de frente e l.00m de cabeceira, com 1 piso para a R. Infante D. …: - Tapume com 12,06m de frente e 4.00m de cabeceira, com 1 pisos para a R. Infante D. … (topo): - Um depósito de entulhos: - Uma grua/guindaste: - Duas instalações: Escritórios e outras (unidades no solo): - Duas instalações: Escritórios e outras (unidades elevadas); 4. A arguida era titular do supra referido Alvará de Ocupação da Via Pública n.º 362 OVP-CML/2019: 5. Acontece que no dia 26 de julho de 2019, a arguida ocupava a via pública em desconformidade com o piano de ocupação aprovado e com as condições específicas expressas na licença de que era titular (Alvará n.º 362/OVP-CML/2019) porquanto, da ocupação verificada pelos agentes fiscalizadores. resulta que: - O corredor pedonal, devidamente protegido lateralmente, com l,5m de largura, não foi colocado no lado externo do tapume, no limite exterior do lote, confinante com a via pública, na Travessa Henrique Cardoso: - Encontrava-se a ocupar a via pública com um gerador, não previsto no Alvará de Ocupação da Via Pública n.º 362/OVP-CML/2019. 6. A arguida, representada peio seu gerente, enquanto profissional da atividade imobiliária e ainda, titular do Alvará de Ocupação da Via Pública n.º362/OVP-CML 2019, usando como referência o critério de um conhecimento médio exigível a quem se encontra nessa qualidade, bem sabia que estava obrigada a cumprir o plano de ocupação da via pública aprovado, bem como as condições específicas expressas na licença de ocupação da via pública de que era titular e desta feita, o disposto no Regulamento de Ocupação da Via Pública com Estaleiros de Obras, aprovado pela Deliberação n.º263/AML 2014, de 21 de outubro de 2014, no que for aplicável. 7. Ao permitir a ocupação da via pública, sem se certificar que estavam a ser cumpridas as condições específicas expressas na licença de que era titular, a arguida, representada pelo seu gerente, violou os deveres objetivos e subjetivos de cuidado a que está obrigada e que é capaz. 8. No dia 9 de outubro de 2019, pelas 10h30m, na Travessa …, nº …, em Lisboa, decorriam obras de construção. 9. Para apoio das referidas obras, encontrava-se a ocupar a via pública um estaleiro de obra, constituído nomeadamente por tapumes. 10. Para o supra referido local existe o Aditamento n.º 191 /ADT-CML 2019 ao Alvará de Ocupação da Via Publica n.º 362/OVP/2019, emitido no âmbito do processo municipal n.º 9797/OTR 2019, válido por 5 meses (de 31/08/2019 a 30/01/2020), para a seguinte tipologia de ocupação (passeio público e zona de estacionamento concessionado): - Tapume com 75,70m de frente e 2.45m de cabeceira, com 1 piso para a Tv. …, …: torneja com a Rua … (cabeceira variável de acordo com o representado na peça desenhada, nas três frentes do edifício): - Andaime com 2S.65m de frente e 5 pisos para a Travessa … (Rua Infante D. … - dentro do tapume): - Três depósitos de entulhos: - Uma grua/guindaste: - Duas instalações: Escritórios e outras (unidades no solo): - Duas instalações: Escritórios e outras (unidades elevadas): 11. A arguida era titular do supra referido Aditamento n.º 191/ADT-CML/2019 ao Alvará de Ocupação da Via Pública n.º 362/OVP-CML 2019: 12. Acontece que, no dia 9 de outubro de 2019, a arguida ocupava a via pública em desconformidade com o plano de ocupação aprovado e com as condições específicas expressas na licença de que era titular (Aditamento n.º 19L/ADT-CML/2019) porquanto, da ocupação, resulta que: – Na travessa Henrique Cardoso, não foi colocada a passadeira posterior ao tapume, para dar continuidade ao percurso pedonal que é interrompido pela presente ocupação: - No tapume confinante com a via pública não é colocada sinalética vertical; - Na Rua Infante D. ..., procedia-se à ampliação do tapume, cumprindo os limites licenciados, porém fora colocada uma porta de acesso confinante com o parque de estacionamento, e “bloquearam-se" lugares de estacionamento que, de acordo com as condições da licença, não podiam ser "reservados”; - O corredor pedonal, a realizar no lado externo do tapume, não foi executado e utilizaram-se os lugares para estacionar viaturas; - Removeram uma das árvores de uma caldeira e nivelaram a mencionada com o pavimento restante, para permitir o acesso de viaturas ao interior do estaleiro, na Rua Infante D. .... 13. A arguida, representada peio seu gerente, enquanto profissional da atividade imobiliária e ainda, titular do Aditamento n.º191 ADT-CML/2019 ao Alvará de Ocupação da Via Pública n.º362/OVP-CML 2019, usando como referência o critério de um conhecimento médio exigível a quem se encontra nessa qualidade, bem sabia que estava obrigada a cumprir o plano de ocupação da via pública aprovado, bem como as condições específicas expressas na licença de ocupação da via pública de que era titular e desta feita, o disposto no Regulamento de Ocupação da Via Pública com Estaleiros de Obras, aprovado pela Deliberação n.º263/AML 2014 de 21 de outubro de 2014, no que for aplicável. 14. Ao permitir a ocupação da via pública, sem se certificar que estavam a ser cumpridas as condições específicas expressas na licença de que era titular, a arguida, representada pelo seu gerente, violou os deveres objetivos e subjetivos de cuidado a que está obrigada e de que é capaz. 15. A arguida, à data da prática dos factos, não possuía antecedentes contraordenacionais registados, nesta Câmara Municipal. B) Factos não provados: Não resultaram por provar quaisquer factos relevantes para a boa decisão da causa. Sobre as questões suscitadas no presente recurso, a sentença recorrida tem o seguinte conteúdo (transcrição): Da prescrição do presente procedimento contra-ordenacional Importa apreciar a prescrição da responsabilidade contra-ordenacional invocada pela arguida que, para o efeito, sustenta que desde a prática das duas infracções já decorreram três anos, encontrando-se por isso prescrito o procedimento. A autoridade administrativa imputou à arguida, a prática de duas contraordenações por incumprimento do previsto no artigo 7.ºdo ROVPEO, e punida no art.º 31º. n.º 1. al. c), ponto i) do mesmo diploma legal, com coima graduada entre 16 a 32 vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida vigente à data da prática dos factos, ou seja, com uma coima de 9.600.00 euros a 19.200.00 euros. Decorre do disposto no art.º 27.º do RGCO que o procedimento por contra-ordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contra-ordenaçaão haja decorrido três anos quando se trate de contraordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a € 2.493,99 e inferior a € 49.879,79. O instituto da prescrição tem subjacente e como principal fundamento o facto de o decurso do tempo fazer esquecer as infrações e as suas sanções e bem assim as finalidades das mesmas, perante uma presumida pacificação da comunidade em geral e ausência de alarme social. Na interrupção da prescrição o tempo decorrido antes da ocorrência da causa de interrupção fica sem efeito, reiniciando-se novo prazo logo que desapareça a causa da suspensão. Ora, de facto, a interrupção da prescrição tem por efeito a inutilização do tempo que já decorreu desde que se iniciou a contagem do referido prazo, até que se verifique o facto interruptivo. A partir daqui, inicia-se, novamente, a contagem do prazo de prescrição, não se aproveitando o tempo anteriormente decorrido. Por sua vez, há suspensão do prazo prescricional quando o tempo decorrido antes da verificação da causa de suspensão conta para a prescrição, juntando-se, portanto, ao tempo decorrido após essa causa ter desaparecido. Por outro lado, de acordo com o disposto no artigo 27º-A, n.º 1 a prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento: a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal; b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artigo 40º; c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso. 2 – Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses. Em relação a interrupção da prescrição prescreve o artigo 28º, n.ºs 1 e 3 que esta se verifica: 1.[…] a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação; b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer actividade administrativa; c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito; d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima. […] 3. A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo da suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade. A Lei n.º1-A/2020, de 19 de março, que introduziu medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, veio, no seu artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, versão primitiva, determinar que a situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos, regime que prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional. Também a Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, no seu artigo 6.º-B, n.ºs 3 e 4, veio outrossim determinar que são igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados no n.º1, regime que prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, aos quais acresce o período de tempo em que vigorar a suspensão. Ora, os prazos de suspensão da prescrição vigoraram desde 9 de março de 2020 até 3 de junho de 2020 e de 22 de janeiro de 2021 até 6 de abril de 2021 (cfr. artigos 6.º-A, 7º, 10.ºe 11.ºda Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, e artigo 6.ºda Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril). Na senda da posição jurisprudencial exarada, entre outros, nos Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 16 de março de 2021 e de 5 de maio de 2022, e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17 de março de 2022 (todos disponíveis em www.dgsi.pt), somos a considerar que a suspensão da prescrição prevista nos normativos atrás citados é aplicável aos processos contraordenacionais em que estejam em causa alegados factos ilícitos imputados ao recorrente praticados antes da data da sua entrada em vigor, que nessa data se encontrem pendentes. Atendendo aos factos a considerar (nos termos acima expostos), constata-se que, no caso concreto, o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional, iniciado na datada alegada prática dos factos (ou seja, 26.07.2019 e 09.10,.2019), veio a estar suspenso entre 09.03.2020 e 02.06.2020 (86 dias) e entre 22.01.2021 e 05.04.2021 (73 dias) e veio a ser interrompido, com a notificação para o exercício do direito de defesa (07.10.2022) com prolação da decisão da autoridade administrativa (11.08.2023) e na data em que a recorrente foi notificada daquela decisão (11.09.2023), sendo que após cada uma dessas interrupções se iniciou novo prazo de prescrição. Ora, desde a data da alegada prática dos factos imputados à recorrente, e ressalvado o período de tempo em que o prazo prescricional esteve suspenso por força dos artigos 6.º-A, 7.º, 10.ºe 11.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, e artigo 6.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril (ou seja, durante o lapso de tempo em que vigoraram as medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19 — num total de 5 meses e 10 dias), até ao dia em que o prazo de prescrição se interrompeu pela primeira vez (07.1.2022) não haviam decorrido mais de três anos, nem entre esta data e as datas posteriores em que ocorreu novamente a interrupção. A prescrição suspende-se, ainda, quando o procedimento estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame liminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima até decisão final, por um período de seis meses. Sem prejuízo das causas de interrupção e suspensão do prazo, cumpre consignar também que entre a prática dos factos, não decorreu também o prazo máximo de prescrição, acrescido de metade, e ressalvado o período de tempo durante o qual aquele prazo esteve suspenso (3 anos + 1 ano e 6 meses + 5 meses e 10 dias + 6 meses). Termos em que se conclui que o prazo de prescrição não se encontra ainda esgotado, improcedendo esta alegação da Recorrente. Da nulidade da Decisão da Autoridade Administrativa por omissão de diligências - não inquirição das testemunhas arroladas pela Recorrente. A recorrente invocou a nulidade da decisão proferida pela autoridade administrativa por omissão de diligências probatórias. O artigo 50.º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, dispõe que “não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre”. Por outro lado, de acordo com o disposto no artigo 54.º, n.º 2, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, “a autoridade administrativa procederá à sua investigação e instrução, finda a qual arquivará o processo ou aplicará uma coima”. Com relevância para a questão suscitada, atente-se no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal, que determina que “constituem nulidades dependentes de arguição, além das que forem cominadas noutras disposições legais: a insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.”. Sem dúvida que uma das formas de exercício de direito de defesa é através da indicação de meios de prova, designadamente na inquirição de testemunhas, que no entender da Recorrente seria essencial á descoberta da verdade material. A questão que se coloca é, pois, a de saber se a entidade administrativa está ou não obrigada a realizar as diligências de prova requeridas pela arguida (v.g. inquirir as testemunhas por aquela arroladas). Não tem sido pacífica a resposta a esta questão. Da análise das posições em confronto verifica-se que nenhuma sustenta a obrigatoriedade absoluta (isto é, sem possibilidade de indeferimento das mesmas por parte da autoridade administrativa) de realização das diligências probatórias requeridas, assentando a divergência de entendimentos essencialmente na necessidade ou não de fundamentar a não realização de tais diligências. Com efeito, para os que defendem a não obrigatoriedade de realizar as diligências probatórias requeridas pela arguida a posição da entidade administrativa na fase administrativa é em tudo semelhante à do Ministério Público em sede de inquérito pelo que detendo aquela o poder de direcção do processo pode “praticar ou não praticar os actos de investigação e as diligências probatórias que entender adequados aos fins do processo contra-ordenacional e, designadamente, de não realizar as diligências requeridas pelo arguido, à imagem e semelhança do que sucede com o Ministério Público quando dirige o inquérito criminal” (ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa 2011, pág. 230. Vide ainda Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 395/2004, publicado in www.tribunalconstitucional.pt, cuja jurisprudência Paulo Pinto de Albuquerque aplica, mutatis mutandis ao processo contra-ordenacional). Sustentam igualmente que a audição de testemunhas não constitui um acto imposto por lei pelo que nos termos do disposto no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal, nem o procedimento nem a decisão administrativa são nulas por preterição daquela diligência. Para quem entende que a autoridade administrativa está obrigada a realizar as diligências requeridas pela arguida, ancora a sua posição no direito de defesa previsto no artigo 50.º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, sustentando que o mesmo significa o direito de intervir no processo de contra-ordenação apresentando provas ou requerendo diligências. Não pode pois a autoridade administrativa, sem fundamentar válida e eficazmente a preterição da diligência requerida, deixar de a realizar sob pena de insuficiência do inquérito e consequente verificação da nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal, aplicável ex vi artigo 41.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08-04-2014, Processo n.º 108/13.2TBCUB). Como se vê das posições enunciadas, nenhuma sustenta, a absoluta obrigatoriedade de realização de diligências requeridas pelos arguidos, em sede de processo administrativo, podendo a Autoridade Administrativa, desde que o fundamente válida e eficazmente (requisito exigido pela segunda posição), não a realizar. Sigo esta segunda posição porquanto a meu ver, contrariamente ao que sucede com a acusação, a decisão da autoridade administrativa é uma decisão punitiva que implica a condenação pela prática de um ilícito contra-ordenacional e que pode pôr termo ao processo caso não seja objecto de impugnação. É pois, diferente da acusação deduzida pelo Ministério Público a qual terá ainda de ser confirmada em julgamento, onde poderá haver ou não condenação do arguido. Entendo pois que o direito de defesa, (v.g. a audição de testemunhas indicadas) em processo de contra-ordenação não pode ser preterido sem fundamentação válida e eficaz por parte da Autoridade Administrativa sob pena de tal se traduzir, numa insuficiência de inquérito que determina a nulidade prevista no citado artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal e não a prevista no art.º 119.º, alínea c) do Código de Processo Penal, como defende a Recorrente. Vejamos, então, se ocorreu, no caso, a invocada nulidade. Nos presentes autos a recorrente alegou que a inquirição das testemunhas que arrolou seria essencial para demonstrar os factos por si alegados. A Autoridade Administrativa, refere que: Entende-se não ser necessária a produção de prova testemunhal para a descoberta da verdade material, comprovada que está a matéria objecto dos autos, especialmente levando-se em linha de conta a natureza paralela, mas não coincidente, do ilícito de mera ordenação social face à do ilícito penal, resultando o primeiro da necessidade de sancionar comportamentos ilícitos, mas axiologicamente neutros, sendo as contraordenações medidas, essencialmente, objetivas de proteção da legalidade, o que justifica uma maior flexibilidade na análise dos pressupostos da imputação, designadamente da culpa face à culpa penal. Em face dos factos imputados á recorrente, a fundamentação vertida na decisão administrativa é suficientemente válida, eficaz e cabal, pelo que não enferma a decisão de qualquer nulidade. Sem prejuízo de todo o exposto, tem-se entendido que as nulidades processuais cometidas no decurso do processo administrativo de contra-ordenação ficam sanadas, se o arguido impugnar a decisão administrativa prevalecendo-se do direito preterido, nomeadamente quando o recorrente, na impugnação judicial apresentada, não se limita a arguir a nulidade em causa, antes tendo, com a maior amplitude, contestado os factos que sustentam a decisão administrativa, arrolando testemunhas e juntando documentos. Ao assim proceder, exerceu o direito ao contraditório, que lhe tinha sido preterido, agora com mais garantias, porque perante um órgão judicial. Julgo pois não verificada a invocada nulidade da decisão administrativa por falta de audição das testemunhas indicadas pela recorrente em sede de direito de defesa. De qualquer modo, ainda que se entendesse que a autoridade administrativa estava obrigada a notificar a sociedade arguida das datas designadas para inquirição daquelas testemunhas, tal omissão não configuraria uma nulidade insanável, já que não está prevista no artigo 119º, do Código de Processo Penal, aplicável por força do disposto no artigo 41º, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, tratando-se sim de uma nulidade dependente de arguição e, por respeitar à instrução deveria ser arguida no prazo de cinco dias após a decisão da autoridade administrativa, tendo aplicação o disposto no artigo 120º, do Código de Processo Penal, devidamente adaptado, equiparando-se, apenas para este efeito especifico, a decisão da autoridade administrativa ao despacho de encerramento do inquérito. Preceitua o art.º 120., n.º 3 do Código de Processo Penal que as nulidades referidas nos números anteriores devem ser arguidas: c) tratando-se de nulidade respeitante ao inquérito ou à instrução, até ao encerramento do debate instrutório ou, não havendo lugar a instrução, até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito. Assim, mesmo que tivesse ocorrido uma nulidade (o que a meu ver não é o caso, como referi supra), a mesma deveria ser invocada pela arguida no prazo de cinco dias a contar da notificação da decisão da autoridade administrativa, sendo certo que a arguida foi notificada da decisão da autoridade administrativa em 11 de Setembro de 2023 e apenas a veio invocar no requerimento de impugnação, o qual deu entrada em juízo a 11 de Outubro de 2023, ou seja muito depois de decorrido o prazo de cinco dias, o que equivale a dizer que mesmo que tivesse ocorrido uma nulidade, a mesma ficou, igualmente, sanada por falta de arguição no prazo legal. Inexistem quaisquer questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da presente causa e de que cumpra neste momento conhecer. 2.3. APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO A exigência constitucional de um processo equitativo, constante do artigo 20º nº 4 da CRP postula a «efectividade do direito de defesa no processo, bem como dos princípios do contraditório e da igualdade de armas» (Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora 2005, p. 192). Assim, a aplicação do princípio do contraditório tal como enunciado no art.º 32º nº 5 da CRP, implica, forçosamente, a igualdade de tratamento e de oportunidades de oposição e defesa a todos os intervenientes processuais, o que, adaptado ao processo criminal, significa a obrigatoriedade de que à acusação e defesa seja dado conhecimento e assegurada a real possibilidade de se pronunciarem sobre o promovido pela parte contrária e sobre a prova por ela produzida. Em suma, na criação de condições de «reciprocidade dialética» entre a acusação e a defesa, aptas a que todos os sujeitos processuais possam contribuir de forma decisiva para a decisão final do processo (Maria João Antunes, «Direito ao silêncio e leitura, em audiência, das declarações do arguido», Sub Judice, n.º 4, 1992, p. 25). A garantia constitucional do acesso a um processo justo e equitativo densifica-se em várias regras de que se destacam o direito à igualdade de armas e de tratamento, no processo, sendo proibidas todas as diferenças de tratamento arbitrárias; a proibição da indefesa e o direito ao contraditório, traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e direito, oferecer provas, controlar a admissibilidade e a produção das provas da outra parte e pronunciar-se sobre o valor e resultado de umas e outras e, em geral, em condições de igualdade e ao longo de todo o processo, influenciarem as decisões a proferir, quanto aos factos e quanto à aplicação do direito, por forma a que nenhuma decisão seja tomada pelo tribunal sem prévia possibilidade de os intervenientes no processo a discutirem, contestarem e valorarem, o direito a prazos razoáveis de acção e de recurso, sendo proibidos os prazos de caducidade demasiado exíguos; o direito à fundamentação das decisões; o direito à decisão em prazo razoável; o direito de conhecimento dos dados do processo; o direito à prova e o direito a um processo orientado para a prossecução da justiça material (Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edição, Coimbra Editora, pág. 415 e 416. No mesmo sentido, Miguel Teixeira de Sousa, «A jurisprudência constitucional portuguesa e o direito processual civil», XXV Anos de Jurisprudência Constitucional Portuguesa, Coimbra Editora, 2008, p. 72; Guilherme Fonseca, «A defesa dos direitos - princípio geral da tutela jurisdicional dos direitos fundamentais», Boletim do Ministério da Justiça, n.º 344, 1985, p. 38; Lopes do Rego, «Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil», Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra Editora, 2003, p. 835 e Lopes do Rego, «Acesso ao direito e aos tribunais», Estudos sobre a Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Aequitas, 1993, p. 44; id., «O direito fundamental do acesso aos tribunais e a reforma do processo civil», Estudos em homenagem a Cunha Rodrigues, vol. i, pp. 745 e 747; Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 353/2008, 301/2009, 286/2011, 350/2012, 90/2013, 778/2014, 510/2015, 193/2016, 251/2017 e 675/2018, in https://www.tribunalconstitucional.pt). «Não é inteiramente líquido o âmbito normativo-constitucional do princípio do contraditório. Relativamente aos destinatários, ele significa: (a) dever e direito de o juiz ouvir as razões das partes (da acusação e da defesa) em relação a assuntos sobre os quais tenha de proferir uma decisão; (b) direito de audiência de todos os sujeitos processuais que possam vir a ser afetados pela decisão, de forma a garantir-lhes uma influência efetiva no desenvolvimento do processo; (c) em particular, direito do arguido de intervir no processo, e de se pronunciar e contraditar todos os testemunhos, depoimentos ou outros elementos de prova ou argumentos jurídicos trazidos ao processo, o que impõe designadamente que ele seja o último a intervir no processo; d) proibição por crime diferente do da acusação, sem o arguido ter podido contraditar os respetivos fundamentos» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, em anotação ao citado artigo 32.º Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª Edição Revista, Coimbra Editora, pp. 522-523). Esta a dimensão do princípio do contraditório, no domínio do processo penal. Sendo embora verdade que o princípio do contraditório também vigora no processo de contraordenação, não é, porém, certo que tenha exactamente a mesma amplitude ou os mesmos contornos que acabam de ser descritos, quando aplicado ao processo penal. Desde logo, porque para o processo contraordenacional, o art.º 32º nº 10 da Constituição da República Portuguesa, prevê: «nos processos de contraordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa.» Ora, se o princípio do contraditório, tal como o mesmo se configura em sede de direito processual penal, fosse aplicável de pleno aos processos de contraordenação, não seria necessário que o legislador tivesse acrescentado esta norma que hoje está no nº 10 ao art.º 32º, aquando da segunda revisão constitucional em 1989. De outro modo, nem faria sentido, nem prosseguiria qualquer efeito útil, segundo o princípio geral contido no art.º 9º do Código Civil, mas aplicável a todos os ramos de direito, de acordo com o qual o legislador soube exprimir correctamente o seu pensamento no texto da lei e consagrou as soluções jurídicas mais justas e adequadas a cada situação que visa regular. Em seguida, porque esta regra específica que consagra os direitos de audição e defesa no processo contraordenacional repercute a diferente dimensão, quer substantiva, quer processual, do direito das contraordenações e respectivos procedimentos administrativo e judicial, como um verdadeiro e próprio «direito penal especial». Com efeito, para além da autonomia formal, o direito das contraordenações dá consagração a outro tipo de interesses de menor densidade axiológica, não obstante a diversificação e proliferação massiva de tipos de ilícito de mera ordenação social que, nos últimos anos, tem acompanhando a crescente complexificação da actividade humana e da vida colectiva, a nível económico, administrativo, laboral, fiscal, etc. Não há qualquer dúvida de que o ilícito contraordenacional postula a protecção de valores de menor ou mesmo de nenhuma ressonância ética, quando comparado com o ilícito criminal, envolvendo a aplicação de sanções que, por não serem directamente fundamentáveis num plano ético-jurídico, não estão sujeitas aos princípios e corolários do direito criminal, razão pela qual, também o processo contraordenacional consagra soluções processuais que reflectem a sua especificidade em relação ao direito penal (cfr, Eduardo Correia, «Direito penal e direito de mera ordenação social», in Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra, 1973, págs. 268; António Leones Dantas, “Os direitos de audição e defesa no processo das contra-ordenações: art.º 32.º, n.º 10 da CRP”, Revista do CEJ, n.º 14, 2.º Semestre 2010, p. 294. No mesmo sentido, Manuel Ferreira Antunes, Reflexões sobre o Direito Contra-ordenacional. Lisboa: SPB, 1997, p. 41-42, Figueiredo Dias, «Movimento da Descriminalização e o ilícito de Mera Ordenação Social», Centro de Estudos Judiciários, Jornadas de Direito Criminal — O Novo Código Penal Português e Legislação Complementar, 1983, p. 328, Frederico Lacerda da Costa Pinto, in “O ilícito de mera ordenação social e a erosão do princípio da subsidariedade da intervenção penal”, Direito Penal Económico e Europeu/Textos Doutrinários, p. 209 e segs, Parecer da Comissão Constitucional n.º 4/81, publicado em Pareceres da Comissão Constitucional, 14.º vol., pp. 205 a 272, Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 158/92 de 23 de Abril de 1982, proc.103/91, nº 469/97 de 2 de Julho de 1997, proc. 86/97, nº 537/2011 de 15 de Novembro de 2011, proc. 394/11 e nº 266/2021 de 29 de Abril de 2021, proc. 1158/2019, in http://www.tribunalconstitucional.pt). Precisamente para exprimir estas diferenças, o direito de audição e defesa, no domínio do processo contraordenacional, tal como consagrado no art.º 32º nº 10 da CRP, materializa-se na previsão contida no art.º 50º do RGCO, a qual estabelece a impossibilidade de aplicação de uma coima, ou de uma sanção acessória, sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar e, por tal forma, exercer o contraditório. Ora, esta possibilidade de contraditar só terá conteúdo real e efectividade, se a autoridade administrativa, antes de decidir aplicar a coima e a eventual sanção acessória que estiver legalmente prevista, der conhecimento ao arguido, dos concretos factos que lhe são imputados, do respectivo enquadramento jurídico, das provas de que dispõe, bem como das normas legais infringidas e bem assim daquelas que preveem a correspondente punição (por vezes não são coincidentes), das sanções aplicáveis e lhe assegure a possibilidade de apresentar provas e requerer as diligências probatórias que entender úteis à descoberta da verdade e/ou à sua defesa, seja para demonstrar a sua inocência, seja para influenciar a dosimetria concreta das sanções a aplicar, ou o modo do respectivo cumprimento. Em complemento, o art.º 54º do RGCO impõe à autoridade administrativa os deveres de proceder à investigação e instrução, antes da tomada da decisão determinante do arquivamento do processo ou de aplicação da coima, consagrando, no nº 1, o princípio da investigação oficiosa, logo que recebida a participação das autoridades policiais ou fiscalizadoras ou a denúncia particular. A norma do actual art.º 32º nº 10 da CRP «implica tão só ser inconstitucional a aplicação de qualquer tipo de sanção, contraordenacional, administrativa, fiscal, laboral, disciplinar ou qualquer outra, sem que o arguido seja previamente ouvido (direito de audição) e possa defender-se das imputações que lhe são feitas (direito de defesa), apresentando meios de prova e requerendo a realização de diligências tendentes a apurar a verdade» (Acórdão do TC nº 659/2006, in http://tribunalconstitucional.pt). «Dos direitos de audição e de defesa consagrados no art.º 32.º, n.º 10, da CRP, e densificados no art.º 50.º do RGCO, extrai-se com toda a certeza que qualquer processo de contra-ordenação deve assegurar ao visado o contraditório prévio à decisão; que este só poderá ser plenamente exercido mediante a comunicação dos factos imputados; que a comunicação dos factos imputados implica a descrição sequencial, narrativamente orientada e espácio-temporalmente circunstanciada, dos elementos imprescindíveis à singularização do comportamento contra-ordenacionalmente relevante; e que essa descrição deve contemplar a caracterização, objectiva e subjectiva, da acção ou omissão de cuja imputação se trate» (Acórdão do TC nº 99/2009, in http://tribunalconstitucional.pt. No mesmo sentido, Manuel Ferreira Antunes – Reflexões sobre o Direito Contra-ordenacional. Lisboa: SPB, 1997, p. 42, António Leones Dantas, “Os direitos de audição e defesa no processo das contra-ordenações: art.º 32º nº 10 da CRP”, Revista do CEJ, n.º 14, 2.º Semestre 2010, p. 38, 298, 299, 330, Gomes Dias, in Os direitos de audição e defesa no processo das contraordenações, in Revista do CEJ, 2.ºsemestre 2010, n.º 14, p. 299 e António Beça Pereira – Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas. 10.ª ed. Coimbra, Almedina, 2014, p. 127). É certo que por força das diferenças entre o ilícito contraordenacional e o ilícito penal, ao nível da natureza, da censura e das sanções aplicáveis, os princípios e as regras do direito penal não se aplicam automaticamente ao direito de mera ordenação social (Acórdãos do TC nºs 344/93, 278/99, 160/2004, 537/2011, 85/2012, 397/2021, in http://tribunalconstitucional.pt), mas é igualmente certo que, observado o devido cuidado para não cair na «tentação de exportação imponderada dos princípios constitucionais penais em matéria de penas criminais para a área do ilícito de mera ordenação social» (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 336/2008, in http://tribunalconstitucional.pt), não pode negar-se que as garantias constitucionais do arguido em processo de contra-ordenação não podem ser circunscritas à previsão dos direitos de audição e de defesa contida no art.º 32º nº 10 da CRP, porque não há nenhuma razão válida para retirar os processos de contraordenação do núcleo das garantias constitucionais genericamente previstas para todos processos judiciais, quer as directamente referidas no artigo 20º da CRP, especialmente, o direito à prolação da decisão em prazo razoável e a garantia de um processo justo e equitativo, quer as que emergem do princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2º da CRP (Acs. do TC nºs 695/95, 461/2001, 106/2004, 304/2004, 181/2005, 659/2006, 155/2007, 45/2008, 135/2009 e 397/2012. in http://tribunalconstitucional.pt, Nuno Brandão, Crimes e Contra-Ordenações: da Cisão à Convergência Material, 1.ª ed. Coimbra, Coimbra Editora, 2016, p. 481-487; 883-885 e Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª ed. Coimbra, Coimbra Editora, 2010, pp. 444-445). Com efeito, na fase pré-judicial do processo de contra-ordenação, o art.º 55º nº 1 do RGCO concede ao arguido o direito de impugnar judicialmente as decisões, despachos, medidas contra si tomadas pela autoridade administrativa durante a instrução do processo. Já na fase de impugnação judicial da decisão de aplicação da coima propriamente dita, o arguido tem o direito de se opor a que a decisão judicial seja proferida por simples despacho, prevendo-se, em consequência, a possibilidade de realização de audiência (artigo 64º do RGCO), sendo-lhe também concedido o direito de recorrer para o Tribunal da Relação (artigo 73º do RGCO), bem como, embora com limitações, é-lhe ainda admitida a revisão de decisões definitivas ou transitadas em julgado (artigo 80º do RGCO). Neste contexto e seguindo o princípio de que o direito subsidiário aplicável aos processos de contraordenação e ao correspondente regime jurídico é constituído pelo direito penal e pelo processo penal (v.g., art.º 41º do RGCO), importará concluir que o direito de produzir provas não pode pura e simplesmente ser negado, sem ao menos uma justificação convincente e plausível, à luz das regras legais aplicáveis. O direito ao exercício do contraditório tem geometria variável e é mais ou menos polissémico, consoante a fase processual, gravidade da infracção e a importância das consequências processuais e substantivas das decisões a tomar e às quais o exercício de tal direito seja pertinente. De resto, por referência às diferentes espécies dos processos e até, dentro do mesmo processo, conforme as suas diferentes fases ou actos processuais, o princípio do contraditório assume diferentes manifestações, mais amplo e polifacetado quando as questões a decidir colidem com direitos fundamentais como sejam, por exemplo, a liberdade individual, e sobretudo, na fase da audiência de discussão e julgamento, mais restrito, menos exigente ou menos diversificado, se as decisões a proferir interferirem com outros valores de menor importância e quando seja de aplicar em fase preliminares do processo. Efectivamente, há um núcleo essencial intangível de garantias de defesa do arguido que, seguindo os parâmetros do Estado de Direito democrático, passa sem dúvida pela observância do contraditório, mas o próprio direito ao contraditório consente uma certa maleabilização. Assim, para além da proibição absoluta de prolação de decisões sem que ao arguido seja dada previamente a real possibilidade de «discutir, contestar e valorar», por forma a influenciar o conteúdo e o sentido dessas decisões, tomando prévio conhecimento das imputações que lhe são feitas e tendo a efetiva oportunidade de delas se defender, o contraditório é compatível com a intervenção modeladora do legislador ordinário e com a sua liberdade de conformação. O conteúdo essencial do princípio do contraditório está em que «nenhuma prova deve ser aceite em audiência, nem nenhuma decisão (mesmo só interlocutória) deve aí ser tomada, pelo juiz, sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade, ao sujeito processual contra o qual ela é dirigida, de a discutir, de a contestar e de a valorar» (Parecer nº 18/81, da Comissão Constitucional, 16.º vol., p. 154 http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/content/files/biblioteca/cc/cc_volume_16.pdf). «A preservação das garantias de defesa do arguido passa, nos parâmetros do Estado de Direito democrático, além do mais, pela observância do contraditório, de modo a que sempre possa ser dado conhecimento ao arguido da acusação que lhe é feita e se lhe dê oportunidade para dela se defender. A intangibilidade deste núcleo essencial compadece-se, no entanto, com a liberdade de conformação do legislador ordinário que, designadamente na estruturação das fases processuais anteriores ao julgamento, detém margem de liberdade suficiente para plasticizar o contraditório» (Ac. do TC nº 278/99. No mesmo sentido, Acs. do TC nº 434/87, nº 172/92, nº 352/98, nº 372/2000, nº 339/2005, nº 537/2011, nº 491/2021, in http://www.tribunalconstitucional.pt). Por conseguinte, no direito de audição prévia, consagrado no art.º 50º do RGCO reconhecido ao arguido, no dever de investigação oficiosa posto a cargo da autoridade administrativa pelo art.º 54º do RGCO e nas garantias previstas nos arts. 20º e 32º nº 10 da CRP há-de estar, naturalmente, incluído o direito de requerer e de produzir provas, antes de proferida a decisão de arquivar o processo ou de aplicar a coima. Seja a prova útil ou inútil, sendo feito o pedido, não pode ser arbitrariamente negado, pois corresponde a uma das várias faculdades processuais em que se desdobra o cabal exercício do contraditório, integrando o núcleo essencial deste, não estando na esfera de discricionariedade da autoridade administrativa avaliar se ao arguido interessa ou não interessa a realização das diligências probatórias que requerer. A autoridade administrativa também está submetida ao princípio da legalidade e, no que se refere a direitos processuais que asseguram o processo justo e equitativo e o direito ao contraditório, não tem opção entre dar-lhes ou não efectividade, consoante o que lhe for mais conveniente. No caso vertente, porque não se afigura minimamente justificada a argumentação dada pela entidade administrativa para recusar a produção de prova em tempo oportuno requerida pela arguida recorrente, já que a justificação não foi a natureza dilatória, ou desnecessária, ou ilegal das provas pretendidas produzir, mas um pré-juízo quanto à demonstração dos factos integradores da infracção, mesmo antes da tomada de qualquer decisão, sendo certo que a prova a produzir sempre poderia ter alterado a sua convicção de que os factos estavam já demonstrados, ou no mínimo, ter introduzido alterações importantes na fixação do quantitativo da coima e foram essas possibilidades que a Câmara Municipal de Lisboa, de forma ilegal e em total afronta às garantias de defesa da recorrente, denegou. Porém, deste comportamento ilegal da Câmara Municipal de Lisboa, não se segue a nulidade que a recorrente pretende ver declarada. A nulidade invocada no recurso não poderia ser agora declarada, porque a existir, sempre seria uma nulidade secundária e o tempo oportuno para a arguir foi largamente excedido, com a consequente sanação da mesma. Em processo penal, da conjugação dos arts. 118º a 123º; 125º e 126º do CPP, resulta que as invalidades dos actos processuais se desdobram em duas espécies - as nulidades e as irregularidades. A estas ainda acresce a inexistência jurídica que ocorre quando o acto processual se mostra inidóneo para se integrar na estrutura da relação processual penal, em virtude de lhe faltarem elementos essenciais à sua própria substância, que inviabilizam a produção de quaisquer efeitos jurídicos. Não é sanável, nem susceptível de sanação pela sua não arguição ou decurso do tempo, até porque, uma vez verificada, impede a própria produção do efeito de caso julgado (Simas Santos e Leal Henriques, Código de Processo Penal Anotado, I, 1999, p. 594). Mas esta não está expressamente prevista na Lei. Entre as nulidades, há um escalonamento em duas dimensões de gravidade: as nulidades insanáveis ou absolutas e as nulidades sanáveis ou relativas. O regime das nulidades obedece a três princípios essenciais: o da legalidade, enunciado no nº 1 do art.º 118º, do qual resulta que a violação ou a inobservância das disposições da lei de processo penal só determina a nulidade, quando esta for expressamente cominada na lei, exemplificando o art.º 119º algumas nulidades insanáveis e exemplificando o art.º 120º as que são sanáveis; o princípio da irregularidade de todos os restantes actos praticados contra a lei e um terceiro, que consiste na autonomização das proibições de prova, às quais foi fixado um regime jurídico próprio. As nulidades, sejam sanáveis ou insanáveis, porque restringem ou podem colocar em crise o princípio constitucional contido no art.º 32º nº 2 da CRP, quanto ao direito a um julgamento no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa, têm natureza excepcional e, por isso, não admitem aplicação analógica (João Conde Correia, Contributo para a Análise da Inexistência e das Nulidades Processuais Penais, Coimbra Editora, 1999, p. 152; Costa Pimenta, Processo Penal, Sistema e Princípios, 2003, Livraria Petrony, p. 158). Aos dois graus de intensidade das nulidades estão associados efeitos jurídicos diversos: as nulidades insanáveis, podem ser conhecidas a todo o tempo, até ao trânsito em julgado da decisão final, e tanto podem ser conhecidas oficiosamente pelo Tribunal, como a requerimento do titular do direito protegido pela norma violada, como pelo Mº. Pº. (art.º 219º da CRP), sendo irrelevante a renúncia à respectiva arguição, ou a aceitação expressa dos efeitos do acto inválido, bem como a prevalência da faculdade a cujo exercício se dirige o acto nulo. Diversamente, as nulidades sanáveis não são de conhecimento oficioso do Tribunal, só serão declaradas mediante arguição por quem tenha legitimidade para tal e sanam-se se os interessados renunciarem expressamente à sua arguição, tiverem aceite expressamente os efeitos do acto ou se tiverem prevalecido de faculdade a cujo exercício o acto anulável se dirigia, tal como previsto no art.º 121º nº 1 als. a) a c) e nº 2 do CPP. De acordo com o disposto no nº 3 do artigo 120º do CPP, as nulidades relativas têm de ser arguidas nos seguintes prazos: tratando-se de nulidade de acto a que o interessado assista, antes que o acto esteja terminado [alínea a)]; tratando-se da nulidade referida na alínea b) do número anterior, até cinco dias após a notificação do despacho que designar dia para a audiência [alínea b)]; tratando-se de nulidade respeitante ao inquérito ou à instrução, até ao encerramento do debate instrutório ou, não havendo lugar a instrução, até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito [alínea c)]; e logo no início da audiência nas formas de processo especiais [alínea d)]. Seguindo a mesma técnica, tanto o art.º 119º, como o art.º 120º, em total harmonia com o princípio da legalidade, enumeram as nulidades absolutas e relativas de forma taxativa, através da enumeração de concretos actos praticados ou omitidos que são considerados anuláveis e de uma cláusula genérica de remissão para as «que forem cominadas em outras disposições legais». Tanto umas, como outras implicam a destruição dos efeitos substantivos, processuais e materiais dos actos feridos de nulidade, assim como a invalidade dos actos subsequentes que tenham com estes uma conexão cronológica, lógica, ou valorativa, o chamado efeito à distância, que se verifica quando, na análise das circunstâncias concretas do caso, existe um nexo de antijuridicidade entre o acto inválido e aquele ou aqueles que se lhe seguem que impõe a invalidade de todos eles (por contágio da nulidade, tornando-as inaproveitáveis, as provas secundárias a elas causalmente vinculadas, a não ser que essas provas secundárias pudessem ter vindo a ser obtidas directamente, mesmo na falta da prova nula, através de um comportamento lícito alternativo) e, sempre que possível e necessário, a repetição do acto nulo ou anulável. Com efeito, no que respeita aos efeitos da declaração de nulidade, o artigo 122º nº 1 do CPP, estabelece que «as nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar», sendo que, nos termos do nº 2 deste artigo «a declaração de nulidade determina quais os actos que passam a considerar-se inválidos e ordena, sempre que necessário e possível, a sua repetição», dispondo-se no n.º 3 que «ao declarar uma nulidade o juiz aproveita todos os actos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela». É o chamado efeito à distância da nulidade, em concretização da chamada doutrina alemã «Fernwirkung des Beweisverbots» e da que os americanos designam de «Fruit of the Poisonous Tree», também vigente na ordem jurídico-penal portuguesa (Figueiredo Dias, Para Uma reforma Global do Processo Penal Português, in Para uma Nova Justiça Penal, Coimbra, 1983, pág. 208; Manuel da Costa Andrade, Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra Editora, 2006, pág.175; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, pág. 227 e Ac. do Tribunal Constitucional nº 198/2004 de 24 de Março, in http://www.tribunalconstitucional.pt/). A definição das formas de erradicação destes vícios é, por conseguinte, estabelecida em função da sua gravidade e levando em consideração as necessidades de assegurar, na medida possível, a utilidade dos actos e a eficácia do processo penal. «Nuns casos, de menor gravidade, os ideais de economia, certeza e segurança processual ganham preponderância de tal modo que o legislador tenderá a desenvolver instrumentos de eliminação dos efeitos práticos ou jurídicos produzidos muito limitados. Na prática estes mecanismos acabam, muitas vezes, por permitir a recuperação do valor jurídico dos efeitos produzidos. (…) Noutros casos, de maior gravidade, os ideais de justiça processual impõem amplos mecanismos de destruição dos atos violadores dos direitos, liberdades e garantias individuais, de tal forma que estes, só com muita dificuldade, podem escapar. Aliás, em casos extremos, o poder destrutivo do instrumento utilizado é tão grande que nem sequer respeita os efeitos pacificadores do caso julgado. (…) Não basta indicar, por via geral ou especial, quais os atos que podem ser destruídos. É necessário definir qual o instrumento correspondente a cada um deles, por forma adequar a sua gravidade às potencialidades daquele. Aos vícios mais graves devem corresponder os mecanismos mais amplos e aos vícios mais leves os mecanismos mais restritivos. Se não fosse assim o legislador estaria a violar o princípio da proporcionalidade, criando um sistema injusto e desfasado da realidade. Quanto maior for a gravidade do vício maior deve ser a sanção processual utilizada e, em consequência, menor a probabilidade de sobrevivência do ato praticado» (João Conde Correia, Contributo para a Análise da Inexistência e das Nulidades Processuais Penais, Coimbra Editora, 1999, pp. 193-194). A recusa da autoridade administrativa em inquirir as testemunhas arroladas pela recorrente só poderia reconduzir, por aplicação subsidiária das regras do processo penal à insuficiência do inquérito, materializada na omissão da realização de diligências de investigação. Acontece que no domínio do processo penal, a insuficiência de inquérito depende de não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, bem como da omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade (art.º 120º nº 2 al. d) do C.P. Penal). Sendo o elenco de nulidades no CPP sujeita ao princípio da legalidade (art.º 118º do C.P. Penal), daqui resulta que para se poder entender verificar-se o vício invocado necessário será que: Haja um acto cuja realização a lei impõe (e não apenas permite) que deixe de ser realizado; Sejam omitidas diligências cuja obrigatoriedade resulte igualmente da lei. Ora, o único acto legalmente obrigatório, em fase de inquérito, é o interrogatório dos arguido (Ac. STJ de Fixação de Jurisprudência nº1/2006, de 23-11-2005, in DR, nº 1, Série I A de 2-01-2006: A falta de interrogatório como arguido, no inquérito, de pessoa determinada contra quem o mesmo corre, sendo possível a notificação, constitui a nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal.) Daí que, em processo penal, a omissão de diligências probatórias não impostas por lei, nas quais se incluí a falta de audição de testemunhas indicadas pelo ofendido, pelo assistente, ou pelo arguido não determina a nulidade do inquérito por insuficiência, pois a apreciação da necessidade dos actos de inquérito é da competência exclusiva do Ministério Público (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, pág. 91). E se assim é, no processo penal, por maioria de razão, assim também será, no processo contraordenacional. Acresce que, no processo contraordenacional, não há sequer nulidades insanáveis (Alfredo José de Sousa, Infracções Fiscais não Aduaneiras, Almedina, p. 167), quanto muito, apenas a relativa ao «emprego de forma especial de processo fora dos casos previstos na lei» poderá ser aplicável em processo contra-ordenacional» (Lopes de Sousa-Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, Áreas Editora, 2001, p. 373). E, no presente processo, embora só na fase da impugnação judicial da decisão administrativa, foram devidamente asseguradas, em tempo oportuno, a possibilidade real de contraditar o auto de notícia, com argumentos de facto e de direito e de apresentar meios de prova. Com a impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, a qual determina a transmutação da decisão condenatória administrativa em mera acusação, a recorrente teve oportunidade de apresentar a sua defesa de forma sustentada, assim como teve a possibilidade de demonstrar a sua versão dos factos em audiência de julgamento. Por isso, mesmo que a omissão da inquirição das testemunhas pudesse ser considerada uma nulidade dependente de arguição, sempre estaria já sanada, na medida em que como refere e muito bem a sentença recorrida, «por respeitar à instrução deveria ser arguida no prazo de cinco dias após a decisão da autoridade administrativa, tendo aplicação o disposto no artigo 120º, do Código de Processo Penal, devidamente adaptado, equiparando-se, apenas para este efeito especifico, a decisão da autoridade administrativa ao despacho de encerramento do inquérito. «Preceitua o art.º 120º n.º 3 do Código de Processo Penal que as nulidades referidas nos números anteriores devem ser arguidas: c) tratando-se de nulidade respeitante ao inquérito ou à instrução, até ao encerramento do debate instrutório ou, não havendo lugar a instrução, até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito. «Assim, mesmo que tivesse ocorrido uma nulidade (o que a meu ver não é o caso, como referi supra), a mesma deveria ser invocada pela arguida no prazo de cinco dias a contar da notificação da decisão da autoridade administrativa, sendo certo que a arguida foi notificada da decisão da autoridade administrativa em 11 de Setembro de 2023 e apenas a veio invocar no requerimento de impugnação, o qual deu entrada em juízo a 11 de Outubro de 2023, ou seja muito depois de decorrido o prazo de cinco dias, o que equivale a dizer que mesmo que tivesse ocorrido uma nulidade, a mesma ficou, igualmente, sanada por falta de arguição no prazo legal.» O recurso improcede, também, quanto a este aspecto. Quanto à prescrição: A prescrição é uma das causas de extinção do procedimento criminal, associada ao decurso de determinados períodos de tempo e à perda de razão de ser do processo, traduzindo a renúncia do Estado a um direito ao «jus puniendi», constituindo, por via do seu efeito extintivo, um importante instrumento de tutela do direito constitucional a um processo justo e equitativo, em cujo âmbito se insere a obtenção de uma decisão penal definitiva em prazo razoável e, consequentemente, da execução da pena que através dela venha a ser imposta, sendo intolerável e incompatível com a dignidade humana que se perpetue indefinidamente sobre o arguido a ameaça do poder punitivo do Estado. E também é um importante instrumento de política criminal, no sentido de promover a eficácia do sistema de administração da Justiça Penal e a função pacificadora do Direito Penal, no combate ao crime e na sua repressão atempada. Não obstante a sua incidência processual, são razões de natureza substancial que fundamentalmente justificam a ocorrência da prescrição do procedimento criminal, nomeadamente as que se relacionam com as finalidades da punição: o decurso do tempo neutraliza a utilidade preventiva geral e preventiva especial das penas. «A acção do tempo torna impossível ou inútil a realização destes fins», «o decurso do tempo apaga a exigência de justiça, a necessidade da retribuição penal para a satisfazer»; «passados anos o crime esqueceu, a reacção social, a inquietação, por ele provocada foram-se desvanecendo, até desaparecer; a pena perdeu o interesse e o significado» - cfr. Prof. Beleza dos Santos, RLJ, ano 77º, pp. 321 e segs.. No mesmo sentido, Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, Parte Geral, II, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, p. 699. No mesmo sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pág. 383, da 2.ª ed., da Universidade Católica Editora). Assim, enquanto referida ao procedimento, a prescrição assume natureza processual e, quando reportada à valoração normativa do comportamento humano e à dignidade penal que lhe atribuí, a prescrição não pode deixar de ser considerada um instituto de natureza substantiva, na medida em que condiciona a efectivação da responsabilidade penal ou contende directamente com os direitos do arguido com importantes consequências, como a de lhe ser aplicável o princípio geral, consignado no art.º 2º nº 4 do C.P., segundo o qual a lei penal só se aplica retroactivamente, desde que, em concreto, seja mais favorável ao agente (Américo Taipa de Carvalho, Sucessão de Leis Penais, p. 107. No mesmo sentido, Figueiredo Dias, Direito Penal, Português, Parte Geral, Tomo II, p. 698 e seguintes; Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, Vol. III, p. 225; Ac. do TC nº 451/93 de 15.07.93, BMJ nº 429, p. 337; o Ac. do STJ nº 5/2001 de 1.03.2001, in D.R. Série I-A de 15.03.2001; Acs. do TC nºs 445/2012, 297/2016, 319/2019, 261/2020, in http://www.tribunalconstitucional.pt). «A subordinação às regras do artigo 29.º, da C.R.P., das situações de sucessão no tempo de normas de processo que condicionam a responsabilidade penal resulta duma simples operação de subsunção, uma vez que elas se inserem no âmbito de previsão daquele preceito constitucional, atenta a sua influência direta na punição criminal. (…) «Nestas situações, tal como ocorre com as normas de direito penal, a necessidade de proteção dos direitos, liberdades e garantias do cidadão, como emanação do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º, da CRP), exige a proibição da aplicação com efeitos retroativos, mesmo que impróprios, de normas que, dispondo em matéria de direitos, liberdades e garantias constitucionais do arguido, agravem a sua situação processual, de modo a evitar-se um possível arbítrio ou excesso do poder estatal. Com esta proibição impede-se que o poder legislativo do Estado diminua de forma direcionada e intencional o nível de proteção da liberdade e dos direitos fundamentais de defesa dos arguidos, em processos concretos já iniciados. (…) «Ou seja, nesta perspetiva, em matéria de prazos de prescrição, a aplicação imediata da nova lei (…) que determine um agravamento da responsabilidade penal, como no caso em que o período de suspensão do prazo prescricional foi aumentado, deveria ceder perante a necessidade de aplicação da lei anterior (…) que, estando em vigor ao tempo dos factos criminais, determina um período máximo de suspensão menor (porque menos lesivas do direito fundamental)» (Ac. do TC n.º 660/2021, in http://tribunalconstitucional.pt). Assim, perante um procedimento criminal que está em curso, porque não atingido pela prescrição de acordo com a lei anterior, importa indagar se o regime da lei nova aplicado em bloco, é mais favorável ao agente, tornando mais fácil ou rápida a consumação da prescrição. A previsão legal de prazos de duração máxima do procedimento criminal é acompanhada da consagração de causas de interrupção e suspensão dos prazos prescricionais, visando dar concretização, no que se refere às primeiras, a necessidade de balanceamento entre o interesse público no combate ao crime e na administração da justiça penal, o que, em função de determinadas vicissitudes processuais, especialmente, quanto a actos processuais praticados pela autoridade judiciária (art.º 121º do Código Penal), implica delongas na marcha do processo que não se devem à inércia do Estado em investigar e perseguir comportamentos humanos com relevo penal e os seus autores e, entre os direitos destes últimos a verem a sua situação jurídica e processual definida e decidida em tempo útil, de molde a evitar processo judiciais de duração ilimitada ou incerta, o que redundaria, na prática, na imprescritibilidade dos crimes e das penas e na afronta à paz jurídica individual do arguido. Já as causas de suspensão da contagem da prescrição do procedimento criminal referem-se a circunstâncias que pela sua própria natureza impedem a prossecução da acção penal ou a conclusão do procedimento criminal (art.º 120º do Código Penal). «O decurso do tempo não deve favorecer o agente quando a pretensão punitiva do Estado é confirmada através de certos atos de perseguição penal ou quando a situação é tal que exclua a possibilidade daquela perseguição. Há circunstâncias ou situações que determinam a suspensão e a interrupção do prazo de prescrição do procedimento criminal e que se encontram enumeradas, respetivamente, nos artigos 120.º e 121.º do Código Penal. «É compreensível que se procure a conciliação entre o interesse público na perseguição do ilícito penal e o direito do agente de não ver excessivamente protelada a definição das consequências penais do facto, de modo a que possa alcançar a paz jurídica individual. O sistema jurídico consagra, por um lado, um prazo normal e um prazo máximo de prescrição do procedimento e, por outro lado, causas de suspensão e interrupção justificadas à luz da equilibrada concordância dos referidos interesses, público e do agente. Nesta perspetiva, a interrupção da prescrição do procedimento pressupõe que o Estado, por intermédio dos seus órgãos competentes e mediante atos processuais inequívocos, em si mesmos e considerando a natureza e finalidade da fase em que se integram, manifeste claramente ao agente a intenção de efetivar, no caso, o seu ius puniendi (cfr. Acórdão de fixação de jurisprudência de 16 de novembro de 2000, do Supremo Tribunal de Justiça, Diário da República, I Série, de 6 de dezembro de 2000)» (Acórdão do TC n.º 445/2012, in http://www.tribunalconstitucional.pt). E, se o decurso do tempo neutraliza a utilidade preventiva geral e preventiva especial das penas, sendo estes os fundamentos da prescrição do procedimento criminal comuns a todos os ordenamentos que reconhecem o instituto (cfr. v.g. Jeschek, Tratado de Direito Penal, p. 1238 e segs.; Cuello Calón, Derecho Penal, l, vol. II, pp. 758 e segs.; Roger Merle e André Vitu, Traité de Droit Criminel, II vol., pp. 50 e segs.), já que «o decurso do tempo apaga a exigência de justiça, a necessidade da retribuição penal para a satisfazer» e «passados anos o crime esqueceu, a reacção social, a inquietação, por ele provocada foram-se desvanecendo, até desaparecer; a pena perdeu o interesse e o significado» (cfr. Prof. Beleza dos Santos, RLJ, ano 77º, pp. 321 e segs.), não pode deixar de se fazer o mesmo raciocínio para as contraordenações, até por efeito, do disposto no art.º artigo 32ª do RGCO que escolheu as normas do Código Penal como direito subsidiário à fixação do regime substantivo das contraordenações (cfr. Acórdãos do STJ de fixação de jurisprudência nº 6/2001, de 8 de Março, in Diário da República, 1ª série-A, de 30 de Março de 2001; nº 2/2002, de 17 de Janeiro, in Diário da República, 1ª série-A, de 5 de Março de 2002 e nº 11/2005 de in Diário da República, 1ª série-A de 19 de Dezembro de 2005 em matérias de prescrição) e também porque os princípios consagrados no artigo 29º da Constituição da República Portuguesa, são de aplicação analógica a outros ramos de direito sancionatório, nos quais se integra direito contraordenacional (neste sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, Coimbra editora, 4º Edição portuguesa revista, p. 498, Figueiredo Dias, «O movimento de descriminalização e o ilícito de mera ordenação social», in Jornadas de Direito Criminal, Centro de Estudos Judiciários, p. 330, e Lopes de Sousa e Simas Santos, Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, p. 85). Nos termos do art.º 27º als. a), b) e c) do RGCO, o procedimento por contraordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contraordenação hajam decorrido cinco anos, quando se trate de contraordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igual ou superior a € 49.879,79; três anos, quando se trate de contraordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a € 2.493,99 e inferior a € 49.879,79 e, um ano, nos restantes casos. A previsão legal de prazos de duração máxima do procedimento contraordenacional é acompanhada da consagração de causas de suspensão e interrupção dos prazos prescricionais, as quais se encontram previstas nos arts. 27º A e 28º do RGCO. Assim, a prescrição do procedimento por contraordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento: a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal; b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artigo 40.º; c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso. Quanto às causas de suspensão enumeradas nas als. b) e c), o nº 2 do art.º 27º A, fixa a duração máxima da suspensão em seis meses. Relativamente à interrupção da prescrição, o artigo 28º nº 1 als. a) a d) do RGCO estabelece as seguintes causas dela determinantes: a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação; b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa; c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito; d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima. Depois, o nº 2 do mesmo art.º 28º do RGCO prevê que nos casos de concurso de infrações, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contraordenação. E o nº 3 estabelece o prazo máximo da prescrição do procedimento contraordenacional, ocorrendo causas de interrupção, fixando-o no prazo da prescrição resultante de alguma das als. a) a c) do art.º 27º acrescido de metade, ressalvado o tempo de suspensão. Perante o que fica exposto quanto à natureza, pelo menos, em parte substantiva das regras sobre prescrição e suas causas de interrupção e suspensão, em conformidade com o princípio da irrectroactividade da lei penal, impõe-se concluir que não são aplicáveis as regras de direito temporário em matéria de suspensão da prescrição constantes das Leis 1-A/2020, de 19 de Março e 4-B/2021, de 01 de Fevereiro, sob pena de violação dos princípios da legalidade e da irretroactividade da lei penal consagrados no art.º 29º da CRP e a que o referido art.º 2º nº 4 do CP dá concretização. É certo que o Tribunal Constitucional vem decidindo «não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 7.º, n.º 3, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, interpretado no sentido de que a suspensão da prescrição aí prevista é aplicável aos processos contraordenacionais em que estejam em causa alegados factos ilícitos imputados ao arguido praticados antes da data da sua entrada em vigor, que nessa data se encontrem pendentes» (Acs. do TC nºs 500/2021; 660/2021 e 798/2021 e Decisão Sumária do TC nº 256/2023, in http://www.tribunalconstitucional.pt). A linha de argumentação ali seguida prende-se, essencialmente, com a circunstância de a pandemia por SARS-Covid 19 e os confinamentos ter imprimido uma paralisação do sistema de administração da justiça de tal importância que justifica a solução preconizada. «Na verdade, a causa de suspensão da prescrição prevista no artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, deve ser lida como uma decorrência necessária da paralisação da atividade dos tribunais portugueses e da sustação do rito processual, quase generalizado, durante o período de 9 de março a 3 de junho de 2020, dos processos de grande parte das jurisdições. «Naturalmente, a sua consagração não radicou em nenhum objetivo de política criminal, i.e., não houve uma alteração de ponderação de valores pelo legislador, no âmbito processual penal, que tenha presidido à implementação de uma nova causa de suspensão da prescrição. O legislador não pretendeu com esta norma “prolongar” a sua atividade de prossecutor da ação penal, nem reparar uma situação de “inércia pretérita” do Estado (Acórdão n.º 500/2021), repondo um período de tempo em seu benefício. «Esta causa de suspensão da prescrição distancia-se, com esta nuance, dos restantes casos sobre os quais a jurisprudência do Tribunal se debruçou, ostentando uma finalidade e um contexto muitíssimo excecionais (cfr. ponto 2.2.4. supra). «A razão de ser desta causa de suspensão derivou, única e exclusivamente, da situação de emergência sanitária e que originou o estancamento da atividade judiciária, por um determinado período. «Tal premissa conduz-nos à conclusão de que as finalidades subjacentes ao próprio regime da prescrição, que ditam a sujeição desta causa de suspensão ao princípio da proibição da aplicação retroativa da lei penal, não se verificam, porquanto não presidiu à sua consagração uma finalidade de política criminal que reclame o freio do princípio da legalidade, como defesa do cidadão perante o ius puniendi do Estado: pelas razões descritas, nem está em causa reverter sobre o arguido as consequências da inércia pretérita do Estado, nem uma violação do princípio da confiança, já que o evento era imprevisível, para além do arguido, para qualquer outro sujeito processual e para o próprio Estado titular da ação penal, não sendo a situação de pandemia, pela sua imprevisibilidade, apta a constituir um quadro de referência sobre o qual se possa falar de “confiança” (essencialmente no mesmo sentido, v. o já citado Acórdão n.º 500/2021). «Acresce que nos parece evidente que a intenção do legislador era a aplicação desta causa de suspensão da prescrição a processos em curso, aquando da sua entrada em vigor, isto é, a factos cometidos antes dessa data, por serem esses mesmos procedimentos que sofreram uma “torção” na sua tramitação com a sustação da respetiva tramitação. Como tem sido evidenciado pela jurisprudência constitucional acima elencada, para além de não existir um direito subjetivo à prescrição do procedimento criminal, é também legítimo que o legislador contemple causas de suspensão em diplomas especiais, desde que sejam suficientemente precisas e emitidas pela Assembleia da República, o que se verifica neste caso (cfr. Acórdão n.º 449/2002). «Assim, consideramos que a aplicação imediata desta causa de suspensão a processos em curso não colide com as garantias asseguradas pelo princípio da proibição da aplicação retroativa da lei penal, quando, como é o caso, no momento da sua entrada em vigor, o prazo de prescrição já se tinha iniciado e, apesar de se encontrar em curso, não se havia ainda extinto – aliás, encontra-se fora do respetivo âmbito de proteção (v., de novo, o Acórdão n.º 500/2021). «Quer isto dizer que, na linha de pensamento de GIAN LUIGI GATTA, quando o prazo de prescrição não tenha ainda atingido o seu fim, ao determinar o prolongamento – como no caos da suspensão motivada pela pandemia –, a lei superveniente não torna punível um facto não punível: ela limita-se a conceder ao Estado, por qualquer motivo, neste caso por força de uma emergência sanitária, mais tempo para apurar os factos e a responsabilidade criminal. O direito de defesa não resulta, de modo algum, comprometido e o Estado não abusa do poder punitivo, nem frustra aquela exigência de previsibilidade das consequências da violação da norma penal: como mostra a própria disciplina da prescrição do crime (…) o momento em que se cumpre a prescrição é, na verdade, variável e em boa medida imprevisível antes da prática do facto, quando o agente nem sequer sabe se alguma vez será alvo de um procedimento criminal (cfr. “Lockdown da justiça penal, suspensão da prescrição do crime e princípio da irretroatividade: um curto-circuito”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Separata, Ano 30, n.º 20, maio-agosto 2020, Gestlegal, pág. 312 e 313). «A solução preconizada legitima, por isso, a aplicação da suspensão da prescrição em razão do quadro de exceção sanitária e assegura o efeito útil das medidas implementadas para fazer face à emergência sanitária experienciada, que é a respetiva aplicabilidade aos procedimentos interrompidos pelo “lockdown” da justiça, em particular da justiça criminal (cfr. GATTA, GIAN LUIGI, Ob. Cit., pág. 313) (Ac. do Tribunal Constitucional nº 660/2021, in http://www.tribunalconstitucional.pt). Porém, esta solução defronta um obstáculo intransponível: a afronta ao princípio da legalidade criminal, na dimensão da exigência de lei prévia. «Independentemente de se tratar de uma lei temporária, ou não, a entrada em vigor da Lei nº1-A/2020, ao prever no seu art.º 7º, a suspensão de todos os prazos para a prática de atos processuais e procedimentais, sempre configurará uma situação de sucessão de leis penais no tempo, pelo que a sua aplicação não pode afastar-se do princípio da não retroatividade da lei penal, corolário do princípio da legalidade, nem sobrepor-se à aplicação do regime penal mais favorável em bloco ao arguido. (…) O regime em bloco mais favorável ao arguido é sem dúvida manter, como únicas causas de suspensão da prescrição da pena, as previstas no artigo 121º do Código Penal, afastando-se a aplicação ao caso concreto do artigo 7º da Lei nº1-A/2020, esta última sem dúvida mais gravosa para o arguido» (Ac. da Relação de Lisboa de 21.07.2020, processo n.º 76/15.6SRLSB.L1-5. No mesmo sentido, Acs. da Relação de Évora de 23.02.2020, proc. 201/10.3GBVRS.E1, da Relação de Lisboa de 24.07.2020, proc. nº 128/16.5SXLSB.L1-5,da Relação do Porto de 14.04.2021, proc. 300/19.6Y9PRT-B.P1, da Relação do Porto de 09.03.2022, proc. 1056/21.8T9PVZ.P1, da Relação de Coimbra de 07.12.2021, proc. 200/09.8TASRE.C3, da Relação de Lisboa de 27.10.2022, proc. 902/16.2.IDLSB-A.L1-9, da Relação de Guimarães de 15.12.2022, proc. 31/20.4IDVRL.G1, in http://www.dgsi.pt). Soma-se a proibição contida no art.º 19º nº 6 da Constituição da República Portuguesa, segundo a qual, nem a declaração do estado de sítio ou do estado de emergência poderá em caso algum afectar, além dos direitos à vida, à integridade pessoal, à identidade pessoal, à capacidade civil e à cidadania, o princípio geral da não retroactividade da lei criminal, proibição esta, igualmente prevista na Lei n.º 44/86, de 30 de Setembro, que estabelece o regime do estado de sítio e do estado de emergência, não obstante quer um, quer outro pressuporem a possibilidade de restrições mais intensas dos direitos fundamentais do que aquelas que constitucionalmente são admitidas em circunstâncias de normalidade, autorizando a suspensão colectiva de direitos (cfr. Canotilho, J.J. Gomes, “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, 6.ª ed., Almedina, 2002, Coimbra, págs. 1085 e 1091). Em sintonia, o princípio da plena manutenção em vigor da proibição da aplicação retroactiva da lei penal (excepto, quando, em concreto, a sua aplicação se mostrar mais favorável ao arguido, como previsto no art.º 29º nº 4 da CRP) ficou expressamente estabelecida no art.º 5º nº 1 do Decreto do Presidente da República nº 14-A/2020, de 18 de Março, que declarou o estado de emergência, no art.º 7º nº 1 do Decreto do Presidente da República nº 17-A/2020, de 2 de Abril e no art.º 6º nº 1 do Decreto do Presidente da República nº 20-A/2020, de 17 de abril (artigo 6.º, n.º 1), que renovaram a declaração do estado de emergência contida no primeiro dos mencionados Decretos. Por conseguinte, aplicar a nova causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal e de suspensão da prescrição das penas e das medidas de segurança aos prazos que, à data da sua entrada em vigor, já estavam em curso, ou seja, a factos praticados antes da sua vigência, adicionando-a às outras causas de suspensão já previstas no CP assim, prolongando o decurso do prazo de prescrição, implica a aplicação retroactiva da lei penal ou contraordenacional, logo, em sentido mais desfavorável ao agente e em clara violação do art.º 29º nº 4 da CRP, ademais quando nem sequer nas situações de declaração do estado de sítio ou do estado de emergência a regra da irretroactividade da lei criminal pode sequer ser questionada, nem se vislumbrando fundamento legal, jurídico ou empírico para distinguir, do ponto de vista da excepcionalidade da vida colectiva e da paralisação do funcionamento do sistema de Justiça, o período da pandemia por SARS-Covid 19, do regime do estado de sítio e do estado de emergência. «É indiscutível que a suspensão dos prazos de prescrição penais e contra-ordenacionais fundada na paralisação dos processos é uma solução perfeitamente razoável e justificada. As necessidades sociais que ditaram o lockdown do sistema de justiça são inquestionáveis, tal como, em princípio, seria inquestionável a concomitante pausa na marcha dos prazos de prescrição. «Porque faz todo o sentido que quando se imponha legalmente uma pausa nos processos se ponham também em pausa os prazos de prescrição, há muito que tal deveria estar legalmente previsto. Tal como, por exemplo, acontece em Itália (artigo 159.º do Código Penal) ou na Alemanha (§ 78b, (1), 2. do StGB). Mas não está. A verdade é que o legislador não previu (e continua a não prever!) essa situação como causa suspensiva da prescrição. «Temos, enfim, uma lacuna nesta matéria. Que não pode ser suprida nem mediante recurso à analogia, nem através da criação de normas ad hoc posteriores aos factos a que pretendem aplicar-se para assim travar o decurso de um prazo que, de acordo com a lei do tempus delicti, não deveria ser paralisado. Tudo isto, sob pena de violação do princípio da legalidade criminal. «E assim concluo: por mais razoável e justificada que tenha sido a intervenção legislativa sobre os prazos de prescrição no contexto do decretamento do estado de emergência, tratou-se de uma intervenção in malam partem de carácter retroactivo proibida pelo princípio da legalidade criminal.» (Nuno Brandão, Suspensão da Prescrição do Procedimento ContraOrdenacional e COVID-19: Retrospectiva sobre o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 500/2021, Revista Portuguesa de Direito Constitucional, Separata, RPDC N.º 2 (2022), págs. 37-38, in https://rpdc.pt/wp-content/uploads/2022/12/A.2.-Nuno-Brandao.pdf). E é precisamente por introduzir um acréscimo de tempo, concretamente, os 159 dias (86 +73), a que se referem os artigos 7º nºs 3 e 4 e 6º-B nºs 3 e 4 da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, tornando mais longo o decurso do prazo prescricional, que a causa de suspensão dos prazos de prescrição quanto a todos os tipos de processos e procedimentos, prevista no artigo 7º n.º 3 da Lei n.º 1-A/2020, não pode ser aplicada aos processos pendentes por factos praticados em momento anterior ao início da respectiva vigência, sob pena de consubstanciar uma aplicação retroactiva de lei penal e contraordenacional mais grave e, em concreto, necessariamente, mais desfavorável em violação do disposto no art.º 29º da CRP e do art.º 2º do CP. Daí, que neste excerto, a decisão recorrida não pode manter-se. Os factos integradores da violação do disposto no artigo 24º, nº 3 do Regulamento de Ocupação da Via Pública com Estaleiros de Obras, ocorreram em 26 de Julho e 9 de Outubro de 2019 e a moldura da coima aplicável às contraordenações sub judice tem como limites mínimos e máximos, respectivamente, € 9.600.00 e € 19.200.00, para pessoas colectivas, sendo a moldura abstracta, em caso de negligência, entre € 4.800,00 e € 9.600,00. Sendo assim, o prazo normal de prescrição é o de três anos, nos termos do art.º 27º al. b) do RGCO. Assim, o prazo máximo da prescrição tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tenham decorrido quatro anos e seis meses, tal como dispõe a al. b), do art.º 27º nº 3, o art.º 28º e o art.º 17º, todos do DL 433/82, de 27.10., ex vi do art.º 188º nº 2 do CE,. Nos termos do art.º 119º nº 1 do CP, «o prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado». A prescrição do presente procedimento contraordenacional suspendeu-se a partir da notificação do despacho que procedeu ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplicou as coimas, não podendo tal suspensão ultrapassar seis meses, nos termos do artigo 27º-A nº 1 al. c) e nº 2 do RGCO. Sendo o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional de 3 anos, tendo havido factos interruptivos e suspensivos do mesmo, o prazo máximo de prescrição do procedimento é de 5 anos, correspondendo este ao prazo de prescrição (3 anos), acrescido de metade (1 ano e meio) e acrescido do período máximo da suspensão (6 meses). Ora, tal prazo mostra-se integralmente decorrido e ultrapassado, quanto a ambas as contraordenações. O recurso merece, pois, parcial provimento. III – DECISÃO Termos em que decidem, neste Tribunal da Relação de Lisboa: Em conceder parcial provimento ao recurso, revogando parcialmente a sentença recorrida, na parte em que considerou aplicável, a causa de suspensão da prescrição prevista no artigo 7º n.º 3 da Lei n.º 1-A/2020 de 19 de Março e, em consequência, declaram extinto por prescrição o procedimento contraordenacional, com fundamento na imputação à recorrente ... da infracção ao disposto no artigo 24º, nº 3 do Regulamento de Ocupação da Via Pública com Estaleiros de Obras, praticada nos dias 26 de Julho e 9 de Outubro de 2019. Sem Custas – art.º 513º do CPP. Notifique. * Acórdão elaborado pela primeira signatária em processador de texto que o reviu integralmente (art.º 94º nº 2 do CPP), sendo assinado pela própria e pelos Meritíssimos Juízes Adjuntos. Tribunal da Relação de Lisboa, de 18 de Dezembro 2024 Cristina Almeida e Sousa Alfredo Costa Rosa Vasconcelos |