Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA | ||
Descritores: | LIVRANÇA ASSINATURA IMPUGNAÇÃO DA AUTORIA PROVA PERICIAL VALORAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 01/25/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I. No que tange à questão atinente à prova da autoria material da assinatura aposta em títulos de crédito, bem como da genuinidade da subscrição de contratos, são divisáveis na jurisprudência duas correntes principais: tese da vinculação à prova pericial e tese da avaliação integrativa e holística da prova. II. Segundo a tese da vinculação à prova pericial, na decisão sobre a prova da autoria da assinatura, o juiz não deve apartar-se das conclusões do relatório pericial realizado. Segundo a tese da avaliação integrativa e holística da prova, a prova pericial é um meio de prova a par de outros idóneos a firmar a convicção do julgador quanto à autoria material da assinatura, não sendo a prova pericial absolutamente decisiva. III. A valoração da prova pericial é feita diferentemente no processo civil e no processo penal. IV. Existe grande heterogeneidade entre as ciências que baseiam a intervenção dos peritos em tribunal: a par das ciências duras ou da explicação (física, química, engenharia) existem outras ciências sociais ou da compreensão cujo padrão não é o nomológico ou hempeliano, havendo quem questione a validade científica da grafologia, a qual integra uma perícia de opinião. V. O paradigma da verosimilitude propõe valorar os resultados das provas científicas, formulando três questões: (i) o que dizem os dados e observações resultantes da prova científica sobre a hipótese A em relação com a hipótese B; (ii) o que devemos crer a partir desses dados e (iii) o que devemos fazer. VI. A resposta à primeira questão é a principal tarefa do perito, o qual deve interpretar e comunicar o resultado da perícia, sendo há que atentar que, em cada área científica, podem existir standards probatórios específicos, os quais não coincidem necessariamente com o standard probatório jurídico do caso. VII. A resposta à segunda questão integra a avaliação da veracidade das hipóteses em confronto, a qual tem de assentar no que dizem os dados científicos, mas também no que resulta das restantes provas produzidas. Esta tarefa incumbe ao juiz que pauta a sua decisão pelo conjunto da prova produzida e norteado pelo princípio da livre apreciação da prova. VIII. Uma vez que foi produzida contraprova suficiente desvirtuadora da hipótese inicial (=resultado provável do exame pericial), sendo criado no espírito do julgador um estado de dúvida irremovível quando à ocorrência do facto sob apreciação, deve tal matéria de facto ser decidida segundo a regra do ónus da prova. Assim, incumbindo o ónus da prova da veracidade da assinatura à exequente (Artigo 374º, nº2, do Código Civil), atenta a insuficiência da prova produzida, o juiz decide contra a parte onerada com a prova do facto. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: RELATÓRIO LL intentou execução ordinária contra G&G, Lda., SG e JMG, dando à execução livrança subscrita pela sociedade executada e avalisada pelos demais, com vista a obter a cobrança da quantia de €112.650,48, aposta nesse documento, acrescida de juros de moratórios e imposto de selo, calculados até efetivo e integral pagamento. JMG deduziu oposição, mediante embargos, para tanto alegando que a assinatura que se encontra aposta no verso da livrança e cuja autoria lhe é imputada, não foi aí aposta pelo seu punho, que nunca interveio, em nenhuma qualidade, no contrato de titulação de garantia autónoma a que se alude na livrança nem em qualquer outro, que não foi interpelado para pagamento da dívida reclamada, e que não lhe foi comunicada a resolução contratual nem o preenchimento da livrança. Recebidos os embargos, a exequente não os contestou. Após julgamento, foi proferida sentença que julgou os embargos «procedentes, por provados e, em consequência, julgo extinta a execução no que ao aqui embargante respeita, ordenando o levantamento de todas as penhoras eventualmente efetuadas sobre os seus bens.» * Não se conformando com a decisão, dela apelou A requerente, formulando, no final das suas alegações, as seguintes «CONCLUSÕES: A. Nos Embargos de Executado, o Embargante invocou que a assinatura que se encontra aposta no verso da livrança e cuja autoria lhe é imputada, não foi aí aposta pelo seu punho, que nunca interveio, em nenhuma qualidade, no contrato de titulação de garantia autónoma a que se alude na livrança nem em qualquer outro, que não foi interpelado para pagamento da dívida reclamada, e que não lhe foi comunicada a resolução contratual nem o preenchimento da livrança. B. Realizada audiência de discussão e julgamento e produzida a prova, a douta sentença recorrida não considerou provado que fosse da autoria do Recorrido a assinatura aposta no verso da livrança dada à execução. C. Não pode a Recorrente conformar-se, salvo o devido respeito, com a deficiente enumeração dos factos provados, porquanto a prova produzida impõe que sejam considerados provados factos adicionais. D. Desde logo, porque a perícia realizada à letra dos dizeres apostos no verso da livrança dada à execução permite retirar diversas conclusões. Com efeito, a realização da perícia à letra, foram tidos em conta os seguintes quesitos: É do punho do embargante a segunda assinatura aposta no verso da livrança dada à execução? É do punho do embargante a letra desta expressão "Bom por aval à empresa subscritora"? E. Refere o relatório pericial: "Uma análise prévia às escritas questionadas da expressão do aval e da assinatura parcialmente ilegível referente ao nome JMG permitiu a constituição dos seguintes grupos: Grupo I: Assinatura. Grupo II: Expressão do aval. F. O confronto da escrita suspeita do Grupo I (assinatura) com os autógrafos de JMG foi muito limitado pelo traçado com algumas formas pouco definidas e legíveis daquela, bem como pelo traçado desenhado e retocado dos autógrafos. G. A comparação da escrita suspeita do Grupo II (expressão de aval) com os autógrafos supramencionados foi extremamente limitada pelo traçado com algumas formas abreviadas e ilegíveis daquela, bem como pelo traçado desenhado dos autógrafos e pelo traçado parcialmente diferenciado entre as escritas em questão (cursiva versus cursiva e minúsculas de imprensa, respetivamente), facto que reduz substancialmente os elementos comuns de confronto entre ambas as escritas. H. O relatório pericial refere os seguintes resultados obtidos: “Comparação A-1: Comparando a escrita suspeita do Grupo I, formado em Nota, com a dos autógrafos de JMG observam-se algumas semelhanças e poucas diferenças no que respeita às características, quer de aspeto geral (Quadro I, fotos 1 a 5) quer de pormenor (vd setas e fotos 6 a 8 do mesmo Quadro). I. O relatório pericial formula as seguintes conclusões: “Com base nas evidências observadas na comparação das amostras problema e de referência, e face aos resultados obtidos: Conclui-se como provável que a escrita suspeita do Grupo I, formado em Nota, seja da autoria de JMG. A qualidade e quantidade das semelhanças registadas no confronto da escrita suspeita do Grupo II, formado em Nota, com a dos autógrafos de JMG, bem como as limitações referidas em Nota, não permitem obter resultados conclusivos." J. O relatório pericial afirma, pois, de forma categórica, que é Provável que a assinatura em apreço tenha sido aposta no verso da livrança pelo punho do Recorrido. K. Nos termos da metodologia adotada pelos peritos, a escala de probabilidades está dividida em sete níveis, sendo o "provável" o terceiro nível de certeza ou probabilidade da autoria da assinatura. Como é sabido, e consta do anexo informativo à perícia, níveis mais elevados de probabilidade (Muito provável ou muitíssimo provável) são de difícil alcance, exigindo a análise de elementos complexos da assinatura que, no caso concreto, não existiam. L. Como tal, o nível de probabilidade constante da conclusão da perícia não poderá deixar de ser entendido no sentido em que os peritos concluíram que, face aos elementos analisados, podem afirmar com um grau de certeza elevado que a assinatura impugnada é da autoria e foi aposta pelo punho do Embargante, ora recorrido. M. Sucede que, relativamente aos resultados da perícia, refere a douta sentença recorrida: Quanto à matéria não provada, relativa à genuinidade da letra e da segunda assinatura apostas no verso da livrança, cuja autoria era imputada ao embargante, foi realizado exame pericial que concluiu: como “provável” que a letra da expressão “Bom por aval à entidade subscritora” seja da autoria do embargante; que a qualidade e quantidade das semelhanças registadas no confronto das assinaturas “não permitem obter resultados conclusivos”. A perícia realizada não permitiu, pois, alcançar, com suficiente certeza técnico- científica, um parecer que confirmasse ou infirmasse a impugnação do embargante em relação à autoria da assinatura e da expressão que lhe é imputada, tendo concluído por mero juízo de probabilidade - “provável seja da autoria” - quanto à letra, sendo inconclusiva quanto à assinatura. N. Conforme facilmente se constata, e salvo o devido respeito, a douta sentença em crise inverte os elementos que constituem as conclusões da perícia. Com efeito, a perícia refere expressamente que "Conclui-se como provável que a escrita suspeita do Grupo I, formado em Nota, seja da autoria de JMG". Ora, a escrita do Grupo I é a constituída pela assinatura do Embargante. Por outro lado, constitui a escrita suspeita do Grupo II a expressão de aval, relativamente à qual o relatório pericial não pôde apresentar conclusões, em virtude de apenas ser possível efetuar a respetiva comparação com as assinaturas do Recorrido, impossibilitando assim uma efetiva confrontação entre os mesmos caracteres. O. Como tal, a douta sentença recorrida considera não provado que a assinatura impugnada seja da autoria do Recorrido, fundando tal decisão no facto de o relatório pericial concluir que os confrontos das assinaturas não permitem obter resultados conclusivos, quando tal está em oposição com o teor do relatório pericial. P. Veja-se a propósito que tal entendimento é, até, oposto ao expendido pelo Meritíssimo Juiz a quo no decurso da audiência de discussão e julgamento, quando, durante a inquirição do Embargante/Recorrido, na passagem gravada aos 33m30s Q. Ora, não se compreende como poderia o Mmo. Juiz a quo referir, no decurso da audiência de julgamento, que a perícia conclui como provável a autoria da assinatura por parte do Recorrido, alterando depois a sua posição na sentença posteriormente proferida, considerando já que o relatório pericial é inconclusivo quanto à autoria da assinatura. R. Foi valorado o depoimento da testemunha JG, pai do embargante, que afirmou que a letra e segunda assinatura que constam do verso da livrança são da sua autoria, tendo aí sido apostas pelo seu punho. Tal depoimento, salvo o devido respeito, não merece qualquer credibilidade, e deveria ter sido desconsiderado. Senão veja-se, S. No decurso do seu depoimento, gravado no sistema informático de apoio à atividade do tribunal, e cujas passagens se mostram identificadas supra pelos respetivos minutos e segundos, a testemunha JG, pai do Recorrido foi confrontado com a livrança dada à execução, tendo afirmado que foi o próprio quem a assinou, aí tendo aposto a sua própria assinatura. T. Por outro lado, em sede de depoimento de parte, referiu o Embargante/Recorrido que esperava que o seu pai corrigisse alguns erros que terão ocorrido no passado, declarando ainda que era sua convicção que foi o seu pai quem falsificou a sua assinatura na livrança. U. Ora, bom está de ver, o depoimento prestado pelo pai mais não visa do que lançar a suspeita sobre a autoria da assinatura atribuída ao Recorrido, seu filho. Assinatura essa que os peritos apontam como sendo da provável autoria do Recorrido, A testemunha JG (pai) afirma que avalizou a livrança em seu próprio nome, aí apondo a sua assinatura. Já o Recorrido (JMG) deixa subentendido que o seu pai falsificou a sua (do Recorrido) assinatura no verso da livrança. V. Do relatório pericial conclui-se que a assinatura aposta no verso da livrança é idêntica à assinatura do Recorrido. Se o pai do Recorrido afirma que aquela é a sua assinatura, estamos perante duas hipóteses: ou se dá a inverosímil coincidência de pai e filho terem assinaturas absolutamente idênticas, ou a testemunha JG mentiu. W. Sendo o relatório pericial perentório em afirmar com grau de certeza considerável que a assinatura é, provavelmente, do punho do Embargante/Recorrido, é manifesto que a versão da testemunha JG não tem qualquer credibilidade. Assim, à luz das regras de experiência comum e dos princípios da lógica, tal depoimento deveria ter sido desconsiderado, e nunca valorado nos termos em que o foi. X. Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 640. ° do CPC, a Recorrente impugna a decisão da matéria de facto, porquanto foram excluídos dos factos dados como provados, factos que se entende terem sido objeto de vasta e firme prova. Y. Conforme se deixou referido supra, a douta sentença recorrida não considerou provados quaisquer dos factos constantes dos temas da prova. O que ocorreu, reitera-se, em clara oposição com o teor do relatório pericial. Z. Com efeito, tendo o relatório pericial concluído como provável que a assinatura seja da autoria do Recorrido, e ainda que, relativamente à letra da expressão de aval não se poderia pronunciar por falta de elementos comparativos, e tendo em conta que não foi produzida qualquer prova adicional com credibilidade suficiente para afetar a admissibilidade do relatório pericial, deveria a douta sentença recorrida ter dado como provados ambos os factos. AA. Pois se quanto à assinatura o relatório é inequívoco, quanto à expressão de aval não se pronuncia apenas porque não foram disponibilizados elementos. Ora, a ser dado como provado (como deveria ter acontecido) que a assinatura é do punho do Recorrido, por mera operação lógica deveria ter sido igualmente considerado provado que também a expressão de aval o seria. BB. Mas ainda que apenas relativamente à autoria da assinatura tivesse sido considerado provado que a mesma é do punho do Recorrente, sempre teriam os embargos que improceder, pois não existe exigência formal de que a expressão de aval seja da autoria do avalista. CC. A perícia é um meio de prova e a sua finalidade é a perceção de factos ou a sua valoração de modo a constituir prova atendível. O perito é um auxiliar do juiz, chamado a dilucidar uma determinada questão com base na sua especial aptidão técnica e científica para essa apreciação. DD. O juízo técnico e científico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador. O julgador está amarrado ao juízo pericial, sendo que sempre que dele divergir deve fundamentar esse afastamento, exigindo-se um acrescido dever de fundamentação, que por sinal aqui não ocorreu. Desde logo porque a douta sentença recorrida indica conclusões do relatório periciais opostas às que aí foram formuladas, em manifesto lapso de interpretação. EE. Destinando-se a prova pericial, em processo civil, à perceção ou apreciação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina (art°. 388° do Código Civil) e, consequentemente, a exprimir um juízo técnico ou científico, este pela sua própria natureza, não obstante o principio da livre apreciação da prova pelo Tribunal, ínsito nos art°s 389° do Código Civil e 607°, n°. 5 do CPC, só deverá ser infirmado ou rebatido com argumentos de igual natureza; isto sem prejuízo obviamente da valoração da perícia e das conclusões da mesma no contexto da demais prova produzida. FF. Veja-se, a propósito, o decidido no douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19/02/2015, processo n.º 165/10.3TBMUR-A.G1, relator Dr. Filipe Caroço, disponível em www.dgsi.pt, e supra transcrito. GG. Face ao exposto, a douta sentença recorrida faz incorreta avaliação dos factos e, por conseguinte, deficiente aplicação do direito. HH. Deveria a douta sentença recorrida ter considerado provados os seguintes pontos: É do punho do embargante a segunda assinatura aposta no verso da livrança dada à execução, a seguir à expressão "Bom por aval à empresa subscritora"; e É do punho do embargante a letra desta expressão "Bom por aval à empresa subscritora" II. Não tendo entendido e decidido conforme exposto, a sentença recorrida fez incorreta interpretação e aplicação ao caso das pertinentes disposições legais, designadamente dos artigos 389. ° do Código Civil, 607.°, n.º 5 do CPC. JJ. Pelo que, no provimento do presente recurso, deve revogar-se a douta sentença recorrida e, em sua substituição, ser proferida outra que, considerando provado que a assinatura constante do verso da livrança atribuída ao Recorrido é da sua autoria, julgue totalmente improcedentes os embargos de executado. Nestes termos e nos melhores de Direito que Vossas Exas. doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente Recurso, revogando-se a sentença recorrida e, consequentemente, ser substituída por sentença que julgue os embargos de executado totalmente improcedentes, com as demais consequências legais. Assim se fazendo a costumada Justiça!» * Contra-alegou o apelado, propugnando pela improcedência da apelação. QUESTÕES A DECIDIR Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito.[2] Nestes termos, a questão a dirimir assenta na impugnação da decisão da matéria de facto quanto à autoria da assinatura aposta no aval e na subsequente reapreciação de mérito. Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade: 1- A LL deu à execução o documento cujo original juntou ao processo principal em 30.11.2018 (“Livrança”), por si emitido com data de 25.10.2018, “vencimento” em 05.11.2018, e na importância de €112.650,48; 2- No campo “Valor” deste documento consta a indicação de “Titulação Garantia Autónoma 2015.06133”; 3- Na face anterior do mesmo documento encontra-se aposta uma assinatura por cima do carimbo da sociedade G&G, Lda., a seguir à expressão “Assinatura(s) do(s) Subscritor(es)”; 4- E no seu verso encontram-se apostas duas assinaturas, por baixo das frases “Bom por aval à entidade subscritora”; 5- O embargante não interveio, em nenhuma qualidade, no contrato de titulação de garantia autónoma a que se alude naquela “livrança”; 6- A exequente não interpelou o aqui embargante para pagamento da dívida reclamada; 7- Nem lhe comunicou a resolução contratual nem o preenchimento da “livrança”. * Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa, designadamente que a assinatura cuja autoria é imputada ao aqui embargante tenha sido aposta pelo seu punho no verso da livrança dada à execução. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO A Apelante pretende que sejam considerados provados os seguintes pontos, os quais foram autonomizados como temas da prova: É do punho do Embargante a segunda assinatura aposta no verso da livrança dada à execução, a seguir à expressão “Bom por aval à empresa subscritora” e É do punho do embargante a letra desta expressão “Bom por aval à empresa subscritora”. Fundamentando tal pretensão, a apelante invoca: i. O teor do relatório pericial nomeadamente no segmento em que se concluiu como provável que a assinatura seja da autoria do embargante; ii. O juízo técnico e científico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador, o qual «está amarrado ao juízo pericial, sendo que sempre que dele divergir deve fundamentar esse afastamento» (DD); iii. O depoimento prestado por JG, pai do embargado, não merece credibilidade (conclusões R a W); iv. Não foi produzida qualquer prova adicional com credibilidade suficiente para afetar a admissibilidade do relatório pericial (Z); v. A ser dado como provado que a assinatura é do punho do embargante, «por mera operação lógica deveria ter sido igualmente considerando provado que também a expressão do aval o seria» (AA). A apelante deu cumprimento suficiente aos ónus do Artigo 640º, nº1, als. a) a c), do Código de Processo Civil, tendo indicado os meios de prova que sustentam o seu pedido de alteração da matéria de facto, recorrendo mesmo à extractação de parte dos depoimentos prestados. Acresce que o STJ vem entendendo que, na verificação do cumprimento dos ónus de impugnação previstos no citado artigo 640º, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.[3] O Tribunal a quo expressou a sua convicção nestes termos: «Quanto à matéria não provada, relativa à genuinidade da letra e da segunda assinatura apostas no verso da livrança, cuja autoria era imputada ao embargante, foi realizado exame pericial que concluiu: a como “provável” que a letra da expressão “Bom por aval à entidade subscritora” seja da autoria do embargante; a que a qualidade e quantidade das semelhanças registadas no confronto das assinaturas “não permitem obter resultados conclusivos”. A perícia realizada não permitiu, pois, alcançar, com suficiente certeza técnico-científica, um parecer que confirmasse ou infirmasse a impugnação do embargante em relação à autoria da assinatura e da expressão que lhe é imputada, tendo concluído por mero juízo de probabilidade – “provável seja da autoria” – quanto à letra, sendo inconclusiva quanto à assinatura. Em processo civil, a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal (arts. 389.0 do Código Civil, e 489.0 do Código de Processo Civil), pelo que não vincula o julgador, que deverá apreciar o resultado da perícia conjugadamente com os demais meios de prova produzidos. No caso, foi ouvido como testemunha JG, pai do embargante, que afirmou de forma perentória que a letra e segunda assinatura que constam do verso da livrança são da sua autoria, tendo aí sido apostas pelo seu punho; mais afirmou que o embargante chegou a ser gerente da sociedade executada, mas apenas por mera questão formal, nunca tendo exercido a gerência de facto, não tendo tido qualquer intervenção no contrato subjacente ao preenchimento da livrança (o que já se mostrava assente por acordo das partes), tendo esse contrato sido negociado consigo (com a testemunha). A testemunha SG, que trabalhou na sociedade executada em 2016/2017, depondo de forma serena e credível, confirmou que o embargante não exercia lá quaisquer funções, apenas o conhecendo por ele ir lá almoçar de vez em quando. E o embargante, em declarações de parte, relatou, de forma impressiva, como descobriu que lhe eram imputadas responsabilidades por aval prestado em livrança, negando perentoriamente que a letra e a assinatura que dela constam sejam da sua autoria. Assim, à luz das regras de experiência comum e dos princípios da lógica, conjugados todos esses elementos, e considerando que, conforme se mostra provado por acordo das partes, o embargante não interveio, em nenhuma qualidade, no contrato de titulação de garantia autónoma subjacente à entrega da livrança, entende-se que a exequente não fez prova bastante e suficiente, conforme lhe competia – de acordo com as regras da repartição do ónus da prova (art. 374.º, n.º 2, do Código Civil) –, que a assinatura cuja autoria era imputada ao embargante tenha efetivamente sido aposta no verso da livrança pelo seu punho.» Apreciando. A questão atinente à prova da autoria material da assinatura aposta em títulos de crédito, bem como da genuinidade da subscrição de contratos, é matéria recorrentemente analisada nos tribunais, sendo de arguição assídua por parte dos executados em sede de embargos de executado, como é o caso. Fazendo um levantamento da jurisprudência que recaiu sobre esta matéria, são divisáveis duas correntes principais, que denominaremos de tese da vinculação à prova pericial e tese da avaliação integrativa e holística da prova. Segundo a tese da vinculação à prova pericial, na decisão sobre a prova da autoria da assinatura, o juiz não deve apartar-se das conclusões do relatório pericial realizado. Inserem-se nesta abordagem os seguintes arestos: Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15-6-2021, José Amaral, 2117/17: O meio idóneo para provar a autenticidade de assinaturas é o exame pericial e sendo certo que o parecer dos peritos, pelo seu apetrechamento técnico-científico, pesa significativamente (tanto mais quanto mais complexa e difícil seja a matéria a peritar) e que o seu juízo se presume até subtraído à livre apreciação do julgador embora não deva ser considerado com “deslumbramento” nem como “amarra” e só podendo ser contrariado com argumentos de igual ou superior nível, deve aquele prevalecer, ainda que o seu resultado seja apenas “provável” ou “muito provável”, quando, tudo examinado e ponderado, não se aduzem nem se encontram motivos reais e sérios, de idêntica ou melhor valia, seja ao nível da sua regularidade, da sua base de facto ou do juízo conclusivo de carácter técnico científico, que permitam dele fundamentadamente divergir e firmar convicção diversa ou mesmo daquele duvidar. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 18.5.2017, Elisabete Valente, 1291/15: I - No exame à letra e à assinatura, o grau de “provável” que o juízo técnico pericial atribui aos factos em crise não é uma certeza científica ou próximo dela não é mera possibilidade ou verosimilhança. É uma plausibilidade, uma presumível realidade do facto objeto de prova; é uma conclusão cientificamente relevante de marcado pendor favorável à existência do facto. II - Se está em causa apurar um facto cuja solução depende de uma apreciação científica e se a prova pericial for produzida segundo os padrões científicos pertinentes e atendíveis, esta deverá prevalecer sobre a opinião do leigo. Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 5-6-2017, Paula Amorim, 549/13, e de 20-9-2021, Paula Amorim, 9226/05: No exame pericial em que estava em causa aferir da genuinidade da assinatura aposta no documento o tribunal não pode afastar-se do parecer dos peritos, quando os peritos tenham analisado os mesmos factos que cumpre ao juiz apreciar e porque os demais elementos úteis de prova existentes nos autos não invalidam o laudo dos peritos. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10-11.2020, Isabel Salgado, 1046/14: A conclusão extraída pelos peritos - “Provável” que a assinatura seja da embargante - encerra um juízo técnico científico de plausibilidade quanto à verificação da realidade do facto objeto de prova, que conjugada interface com as regras da experiência e os demais elementos probatórios que o não contrariam, revela-se idónea e suficiente para formar a convicção do juízo afirmativo. Segundo a tese da avaliação integrativa e holística da prova, a prova pericial é um meio de prova a par de outros idóneos a firmar a convicção do julgador quanto à autoria material da assinatura, não sendo a prova pericial absolutamente decisiva. Subsumem-se nesta orientação os seguintes arestos: Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 18.10.2018, Margarida Leite, 806/06: Estando em causa um exame pericial à letra e à assinatura e não tendo os peritos logrado alcançar um parecer que, com suficiente certeza técnico-científica, confirme ou negue a aposição pelos embargantes das assinaturas e das expressões que lhes são imputadas, tendo concluído por meros juízos de probabilidade – “provável” e “pode ter sido” –, sem lhes atribuir qualquer grau de certeza científica, deverá o julgador apreciar os dados extraídos pelos peritos da análise comparativa efetuada à letra e às assinaturas em causa, conjugados com outros meios probatórios, à luz do princípio da livre apreciação da prova, de forma a aferir se permitem considerar provados os factos impugnados. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27-11-2018, Pedro Brighton, 456/13: Para a prova da genuinidade da assinatura aposta num aval, além da prova pericial, podem contribuir decisivamente presunções judiciais, máxime os indícios resultantes de outros documentos juntos aos autos e de depoimentos testemunhais prestados. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21.3.2019, António Valente, 7928/16: Efetuada perícia com exame à letra e assinatura que comporta a nível da escala de conclusões os patamares derradeiros de muito provável ou muitíssimo provável, o resultado de ser provável que tais assinaturas sejam do punho da Autora, não obsta a que se venha a dar como provado que tais assinaturas foram abusivamente feitas por outra pessoa, quando, no contexto do conjunto da prova, seja essa a conclusão mais lógica, coerente e apta a tornar compreensíveis os factos atinentes ao comportamento das partes envolvidas. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18-6-2020, Paulo Duarte Teixeira, 943/18: I - O princípio da prova livre implica, numa primeira dimensão, que não exista qualquer pré-determinação genérica dos meios de prova necessários para a demonstração de certos factos. II - Em segundo lugar, essa liberdade implica que o tribunal possa valorar todos os meios de prova e afastar conclusões periciais, desde que o fundamente de forma racional e congruente. III - Por isso, a demonstração de que uma assinatura foi falsificada pode basear-se noutros meios de prova que não apenas a prova pericial. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 9-11-2017, Ana Cristina Duarte, 393/12: A prova de que uma assinatura foi efetuada por determinada pessoa, não se efetua apenas através de exame pericial. Como é sabido, o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sendo que, para prova deste facto a lei não exige formalidade especial. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21.1.2021, Sandra Melo, 962/14: Para que se considere provada a assinatura de um documento, exista ou não perícia, há que ponderar, além de todos os elementos probatórios produzidos, também o contexto fático alegado, bem como a própria forma como decorreram os autos, com vista à verificação da verdade processual e, tudo analisado, concluir-se por uma probabilidade suficientemente elevada da sua veracidade, com uma margem de erro que se mostre proporcionada às regras da razão e da experiência de vida. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 25.10.2018, Cristina Cerdeira, 6166/15: I) O meio idóneo para verificar a autenticidade de uma assinatura é o exame pericial; essa autenticidade pode, porém, ser judicialmente estabelecida, independentemente da perícia, no caso de o escrito ou a assinatura terem sido feitos na presença de pessoas que, interrogadas, afirmem perentória – e convincentemente – terem visto assinar o documento à pessoa a quem a assinatura é imputada. II) - Sempre que entenda afastar-se do juízo técnico ou científico que encerra o parecer pericial, o Tribunal deve motivar com particular cuidado a divergência, indicando as razões pelas quais decidiu contra essa prova ou, pelo menos, expondo os argumentos que o levaram a julgá-la inconclusiva, dever esse que deve ser cumprido com particular escrúpulo no tocante a juízos científicos dotados de especial densidade técnica ou obtidos por procedimentos cuja fiabilidade científica seja universalmente reconhecida. Que dizer? Em primeiro lugar, há que enfatizar que a valoração da prova pericial é feita diferentemente no processo civil e no processo penal, consoante decorre do Artigo 163º, nº1, do CPPC (“O juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador”) e do Artigo 389º do Código Civil (“A força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal”). Sobre esta dicotomia e razão de ser da mesma, cf. o Ac. nº 422/99 do Tribunal Constitucional. Em segundo lugar, existe grande heterogeneidade entre as ciências que baseiam a intervenção dos peritos em tribunal. Assim, a par das ciências duras ou da explicação (física, química, engenharia) existem outras ciências sociais ou da compreensão cujo padrão não é o nomológico ou hempeliano – cf. Michele Taruffo, “La aplicación de estândares científicos a las ciencias sociales forenses”, in Carmen Vazquez (Ed.), Estándares de Prueba y Prueba Científica, Marcial Pons, 2013, pp. 208-209. Neste sentido, pode equacionar-se uma dicotomia entre perícia científica e perícia de opinião. Na explicitação do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 9.9.2014, Henrique Antunes, 2054/10, www.colectaneadejurisprudencia.com : «Atualmente, porém, o espectro das ciências que pode disponibilizar provas periciais é bem mais alargado. De um especto, as denominadas ciências duras são cada vez mais complexificadas e especializadas; de outro, as chamadas ciências moles ou sociais, como a psicologia, a psiquiatria, a sociologia, a economia, etc. - são consideradas, frequentemente, como fontes de prova em processo civil. O alargamento do espectro das provas periciais torna particularmente complexo o problema do controlo da fiabilidade dessa espécie de prova, a que, naturalmente, a ciência jurídica não ficou indiferente. É neste contexto que surge, por exemplo, a distinção entre perícia científica e perícia de opinião. A primeira produz certeza, no sentido de que, perante o estado atual do saber científico, o resultado da perícia deve ser idêntico para todas as pessoas, i.e., só é possível um resultado: se houver resultados divergentes, é porque um deles está, necessariamente, errado. Está nessas condições, por exemplo, a determinação da área de uma superfície ou a composição química de uma coisa. A perícia de opinião, essa, diversamente, produz convicção: não se trata já de verificar a exatidão de uma determinada afirmação de facto - mas de valorar um facto ou alguma circunstância desse mesmo facto, valoração que traz implicada a emissão de um juízo de valor. Neste caso, podem existir laudos divergentes e mesmo contraditórios. Serve de exemplo a determinação do valor de um imóvel. Esta distinção traz implicada toda uma constelação de consequências. Perante uma perícia científica, não é admissível que o juiz se afaste, arbitrariamente, do seu resultado, com o argumento de que esse resultado não o convence ou de que tem opinião contrária. Não é concebível, por exemplo, que o juiz discorde da conclusão pericial de que a água é composta por uma molécula de oxigénio e duas de hidrogénio. Diversamente, na perícia de opinião, o juiz deve ser particularmente prudente na adesão ao parecer dos peritos, sendo-lhe exigível um juízo de valor sobre o seu conteúdo, a idoneidade do perito e o resultado que disponibiliza, em função do seu objeto.» Ora, no que tange à grafologia, a mesma subsume-se a esta categoria de perícia de opinião, havendo mesmo quem negue a sua validade científica. A este propósito, refere Michele Taruffo, Simplemente la Verdade, El Juez y la Construcción de dos Hechos, Marcial Pons, 2010, p. 241: «(..) é necessário distinguir entre a “boa ciência” e a “má ciência” ou pseudociência (ou junk science), isto é, entre métodos ou conhecimento que se apresentam como dotados de dignidade científica, mas que não foram validades cientificamente. Não se trata apenas da cartomancia ou da leitura de grãos de café (…) que nenhuma pessoa dotada e bom senso consideraria como equivalentes a uma metodologia científica. A questão refere-se também a outras técnicas, como a grafologia, que tradicionalmente foram consideradas idóneas para produzir resultados atendíveis, mas às quais se nega atualmente efetiva validade científica.» Na sequência, o autor cita a posição de Faigman, Legal Alchemy. The Use and Misuse of Science in the Law, Nova Iorque, 1999, pp. 2 ss. 62 e 77 e ss.. No Anexo Informativo, que acompanha o exame pericial dos autos, é explicitado que, entre as premissas do exame, está que: «Ninguém escreve exatamente igual duas vezes, nem produz duas assinaturas (autênticas) exatamente iguais». Em terceiro lugar, há que constatar que, na prática judiciária e pericial, persiste uma sobrevalorização semântica da prova científica, com vigência do paradigma da individualização, segundo o qual a ciência proporciona a capacidade de identificar plenamente um indivíduo ou um objeto a partir de vestígios. Segundo esta metodologia, é comum que o perito expresse o resultado do exame pericial numa escala de provável, muito provável, etc. Conforme se refere em Luís Filipe Pires de Sousa, Prova Testemunhal, Noções de Psicologia do Testemunho, Almedina, 2021, pp. 406-408: «(…) este paradigma tem sido ultimamente objeto de críticas por parte da comunidade científica, argumentando-se que a pretensão de vincular um vestígio desconhecido a uma única fonte representa uma equivocada intuição probabilística que iguala infrequência com unicidade, ou seja, considera-se impossível obter prova concludente da unicidade. Os críticos do paradigma da individualização propugnam que os resultados da prova científica têm que ser interpretados, não em termos de identificação de um vestígio com uma fonte, mas em termos de razão de verosimilitude (“likelihood ratio”).[4] Assim, o resultado de uma análise de voz ou uma comparação de perfis de ADN a partir de um vestígio não diz – de forma conclusiva nem provavelmente - que a voz e o ADN analisados pertencem à pessoa y mas, simplesmente, contribuem com dados que, uma vez interpretados com as adequadas ferramentas estatísticas, afirmam coisas do género: “é x vezes mais provável que se observe tal característica na voz analisada se este pertencer ao arguido do que se não pertencer” ou “é x vezes mais provável que coincidam os perfis genéticos se o vestígio analisado proceder do arguido do que se proceder de uma fonte distinta.” Em suma, “as provas científicas tratam da probabilidade de os dados analíticos e técnicos, resultantes depois da análise no laboratório, à luz das hipóteses judiciais examinadas, e não ao contrário: isto é, não tratam da probabilidade das hipóteses judiciais consideradas à luz desses dados.”[5] Em coerência com esta posição, deve abandonar-se a metodologia corrente de expressar os resultados da prova científica em termos de identificação categórica, v.g., “provável”, “muito provável”. Estas escalas reproduzem o paradigma da identificação, estabelecendo, não o que dizem os dados, mas o que deve crer-se sobre a hipótese em apreciação a partir dos dados. O paradigma da verosimilitude propõe valorar os resultados das provas científicas, formulando três questões: (i) o que dizem os dados e observações resultantes da prova científica sobre a hipótese A em relação com a hipótese B; (ii) o que devemos crer a partir desses dados e (iii) o que devemos fazer. Na formulação proposta por Carmen Vázquez, o esquema proposto é o seguinte: (i) o juiz deve decidir se assume ou não as asserções periciais («p», «q») como premissa para realizar inferências sobre «P»; (ii) assumindo como verdadeiras tais asserções, deve então decidir as consequências que para «P» decorrem das referidas asserções; (iii) e, finalmente, deve decidir se «Está provado que P».[6] A resposta à primeira questão é a principal tarefa do perito, o qual deve interpretar e comunicar o resultado da perícia feita em laboratório, expressando-a nos termos já enunciados. Está em causa a fiabilidade da prova pericial. Neste âmbito, há que atentar que, em cada área científica, podem existir standards probatórios específicos, os quais não coincidem necessariamente com o standard probatório jurídico do caso. Por essa razão, é essencial que o perito dê nota de qual o standard probatório comummente aceite naquela especialidade. Assim, o perito valora os enunciados fácticos com base num “conjunto de provas científicas ou técnicas, que não esgotam as provas disponíveis no processo, sendo que a satisfação do standard de prova jurídico supõe a valoração conjunta de todas as provas admitidas e praticadas no processo, que não apenas da prova pericial.”[7] A resposta à segunda questão integra a avaliação da veracidade das hipóteses em confronto, a qual tem de assentar no que dizem os dados científicos, mas também no que resulta das restantes provas produzidas. Está em causa a força probatória da prova pericial, a qual depende dos dados do caso. Esta tarefa incumbe ao juiz que pauta a sua decisão pelo conjunto da prova produzida e norteado pelo princípio da livre apreciação da prova. Ou seja, o juiz é que determina o que há que crer sobre a hipótese em apreciação à luz da prova pericial e também do resto das provas disponíveis no processo. Neste preciso sentido, o juiz valora a prova e não é propriamente o perito dos peritos. Aqui reside a diferença essencial entre o paradigma da individualização e da verosimilitude porquanto naquele não se distingue claramente entre a tarefa do perito e a do juiz. No que tange à terceira questão (o que devemos fazer), a mesma remete para o standard da prova aplicável ao caso em apreço. Isto é, partindo-se do que se deve crer, há que aquilatar se tal é suficiente para que possamos considerar provada uma hipótese e atuar em conformidade. A fixação de um standard de prova é uma questão política e valorativa no sentido de que expressa a tolerância que o sistema está disposto a dar aos erros que podem ocorrer com a prolação da decisão, quais sejam: o de se declarar provado algo que é falso ou de se declarar não provado o que é verdadeiro.» Dito de outra forma, a circunstância de o relatório pericial dos autos se expressar em resultados de pouco provável, provável, muito provável, etc. é suscetível de induzir o julgador e as próprias partes em erro, desde logo porque o standard de cada ciência não é necessariamente sobreponível ao standard de decisão do julgador, o standard da probabilidade prevalecente (cf., desenvolvidamente, Luís Filipe Sousa, Direito Probatório Material Comentado, 2ª ed., 2021, pp. 55-70; cf. também Carmen Vázquez, De la Prueba Científica a la Prueba Pericial, Marcial Pons, 2015, pp. 268-269 ). Essa nomenclatura é conforme com um paternalismo epistémico, no sentido de que o julgador- em matéria de conhecimento científico – deve ser protegido e amparado, atuando com deferência epistémica face ao resultado do trabalho do perito. Nesta senda, pode ocorrer que «a livre valoração das provas periciais por parte do tribunal possa não ser mais do que uma ficção, já que o tribunal pode estar condicionado por uma “deferência epistémica” em relação ao perito e, então, pode ser o perito quem determine realmente o conteúdo do veredicto judicial» (Michele Taruffo, La Prueba, Marcial Pons, 2008, pp. 96-97). Para obviar a este perigo e a este resultado, cremos que a metodologia proposta pelo paradigma da verosimilitude, com a formulação das três questões, que correspondem a três passos da avaliação, é muito útil e operacional. Resulta do segundo passo da mesma que a avaliação da força probatória da prova pericial incumbe ao juiz que pauta a sua decisão pelo conjunto da prova produzida e norteado pelo princípio da livre apreciação da prova. Ou seja, o juiz é que determina o que há que crer sobre a hipótese em apreciação à luz da prova pericial e também do resto das provas disponíveis no processo. Nesta valoração holística da prova produzida, «a peritagem não tem preferência alguma com respeito a outras provas, sendo que o seu resultado deve ser contrastado conjuntamente com o resto dos meios de prova, dependendo a sua credibilidade do que resultar dos critérios objetivos propostos até agora, assim como do interrogatório dos peritos (…) sendo perfeitamente possível que o juiz se aparte do relatório pericial, desde que atenda a esses critérios objetivos» - Jordi Nieva Fenoll, La Valoración de la Prueba, Marcial Pons, 2010, p. 304. No que tange aos critérios objetivos a que se reporta este autor, remetemos para Luís Filipe Sousa, Direito Probatório Material Comentado, 2ª ed., 2021, pp. 194-198. O Supremo Tribunal Espanhol tem entendido que o tribunal não está vinculado ao relatório pericial: «La decisión de prescindir del resultado de la prueba pericial no se contradice con la doctrina de esta Sala, que ha declarado de forma reiterada que el dictamen de peritos no acredita irrefutablemente un hecho, sino simplemente el juicio personal o la convicción formada por el informante con arreglo a los antecedentes suministrados, y no vincula al Tribunal que no está obligado a sujetarse al dictamen de peritos» (STS 697/2011, 3.10.2011). No caso em apreço, assiste razão à apelante quando afirma que o tribunal a quo inverteu as conclusões da perícia. Com efeito, a perícia concluiu como provável que a letra da assinatura seja da autoria de JMG (Grupo I) e, bem assim, que «a qualidade e quantidade de semelhanças registadas no confronto da escrita suspeita do Grupo II, formado em Nota, com a dos autógrafos de JMG Pito Bravo de Almeida Garrett, bem como as limitações referidas em Nota, não permitem obter resultados conclusivos» quanto à autora da expressão “Bom por aval à entidade subscritora.” O tribunal a quo leu o resultado da perícia ao contrário. Conforme é dito no Anexo Informativo da perícia, só o nível “muitíssimo provável” é que se aproxima do grau de certeza científica. Assim, na lógica do próprio relatório, o nível obtido de provável não se aproxima do grau de certeza científica… Ou seja, o próprio relatório assume que o resultado obtido não alcança um patamar científico sólido e seguro. A prova testemunhal e as declarações de parte são infirmativas do resultado provável, apontando, de forma sustentada, no sentido de que o embargante não é o autor da assinatura. Assim, o pai do autor esclareceu que é que conduzia todos os assuntos societários, na primeira pessoa, sendo consigo que foi tratado tudo com os bancos e com a exequente. Declara que foi o próprio que assinou esta livrança, a par de outras duas com função equivalente e pela mesma altura. Apesar de o filho (apelado) ter figurado algum tempo como gerente, o mesmo nunca teve qualquer intervenção efetiva como gerente da sociedade. Não tem um conhecimento circunstanciado da assinatura do filho, sendo que, desde os dois anos de idade, só vê o filho em fins de semana, tendo o apelado sido criado com a mãe. A outra executada, SG, era a sua mulher, madrasta do apelado. Prestou um depoimento claro, firme e assertivo. A testemunha SGA trabalhou para a testemunha anterior entre janeiro de 2016 e julho de 2017, conhecendo o apelado como filho do patrão, sendo que o apelado se deslocava ao restaurante por vezes para almoçar com o pai, os meios-irmãos e a madrasta. Nunca se apercebeu que o mesmo tivesse assinado documentos ou tido qualquer intervenção nos assuntos da sociedade. O apelado prestou declarações de parte, dando nota que se apercebeu da situação em 2018 quando, trabalhando na (…), tratou de fazer um cartão de crédito para despesas profissionais, sendo-lhe rejeitado. Consultou a informação do Banco de Portugal, apercebendo-se desta situação e doutras equivalentes criadas pelo pai. Assevera que a assinatura em causa não é sua. Ficou em “choque” com a conduta do pai, tendo estado cerca de um ano e meio sem falar com o mesmo. “Nunca na vida ia assinar algo que pudesse pôr em causa o meu futuro” quando estava a começar a minha vida profissional. Figurou como gerente um ou dois anos a pedido do pai, altura em que estava a estudar e trabalhar ao fim de semana numa casa de fados para ganhar algum dinheiro para si. Nunca exerceu qualquer gerência. Nunca viveu com o pai, mantendo com o mesmo uma relação “um bocado atribulada”, que nunca “foi muito próxima”. Atualmente, declara que está a dar ao pai e à madrasta oportunidade de se redimirem, de “pagarem por aquilo que fizeram”, sendo que não precisa do pai, mas esse é o seu “feitio”. As declarações de parte foram bastante contextualizadas, em termos temporais, espaciais e até emocionais. Foram corroborados pela restante prova testemunhal. Foram seguras e espontâneas. Todos estes atributos confluem para a sua atendibilidade – cf. Luís Filipe Sousa, Direito Probatório Material Comentado, 2ª ed., 2021, pp. 297-298. Flui do exposto que foi produzida contraprova suficiente desvirtuadora da hipótese inicial (=resultado provável do exame pericial), sendo criado no espírito do julgador um estado de dúvida irremovível quando à ocorrência do facto sob apreciação, razão necessária e suficiente para decidir tal matéria de facto segundo a regra do ónus da prova. Assim, incumbindo o ónus da prova da veracidade da assinatura à exequente (Artigo 374º, nº2, do Código Civil), atenta a insuficiência da prova produzida, o juiz decide contra a parte onerada com a prova do facto (cf. Luís Filipe Sousa, Direito Probatório Material Comentado, 2ª ed., 2021, pp. 14 e 54). O que significa que deve manter-se a resposta de não provado aos dois factos em causa na impugnação feita pela apelante. Mantendo-se incólume a factualidade apurada, nada há a alterar quanto à decisão de procedência dos embargos de executado. A fundamentação autónoma da condenação em custas só se tornará necessária se existir controvérsia no processo a esse propósito (cf. art. 154º, nº1, do Código de Processo Civil; Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 303/2010, de 14.7.2010, Vítor Gomes, e 708/2013, de 15.10.2013, Maria João Antunes). DECISÃO Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pela apelante na vertente de custas de parte (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº6 e 663º, nº2, do Código de Processo Civil). Lisboa, 25.1.2021 Luís Filipe Sousa José Capacete Carlos Oliveira _______________________________________________________ [1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., 2018, p. 115. [2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 119. Neste sentido, cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, de 10.12.2015, Melo Lima, 677/12, de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, de 17.11.2016, Ana Luísa Geraldes, 861/13, de 22.2.2017, Ribeiro Cardoso, 1519/15, de 25.10.2018, Hélder Almeida, 3788/14, de 18.3.2021, Oliveira Abreu, 214/18. O tribunal de recurso não pode conhecer de questões novas sob pena de violação do contraditório e do direito de defesa da parte contrária (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2014, Fonseca Ramos, 971/12). [3] Cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21.3.2018, Ferreira Pinto, 5074/15, de 12.7.2018, Ferreira Pinto, 167/11, de 11.9.2019, Ribeiro Cardoso, 42/18, de 3.10.2019, Rosa Tching, 77/06, de 5.2.2020, Pinto de Oliveira, ECLI:PT:STJ:2020:3920.14.1TCLRS.S1, de 4.6.2020, Rijo Ferreira, 1519/18, de 9.2.2021, Maria João Tomé, 26069/18, de 11.2.2021, Graça Trigo, 4279/17, de 6.5.2021, Pinto Oliveira, 618/18. [4] Em termos estatísticos, “likelihood” não é equivalente a probabilidade (“probability”). A primeira designação reporta-se à possibilidade de os dados ocorrerem, no caso de uma hipótese ser verdadeira, enquanto a segunda se refere à possiblidade de que a hipótese seja verdadeira, atentos os dados observados – cfr. Kevin Clermont, “Standards of Proof Revisited”, http://scholarship.law.cornell.edu/facpub/13/, p. 479, Nota 19. [5] Gascón Abellán, “Prueba Científica. Un Mapa de Retos”, in Carmen Vásquez (ed.), Estándares de Prueba y Prueba Científica, Marcial Pons, Madrid, 2013, p. 187. [6] Carmen Vázquez, De la Prueba Científica a la Prueba Pericial…, p. 197. [7] Carmen Vázquez, De la Prueba Científica a la Prueba Pericial…, pp. 268-269. |