Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
11344/18.5T8SNT-A.L2-1
Relator: MANUEL RIBEIRO MARQUES
Descritores: DISPENSA DE PAGAMENTO
TAXA DE JUSTIÇA
PARTE REMANESCENTE
AUJ 1/2022
INCONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.Os acórdãos de uniformização de jurisprudência, conquanto não tenham a força obrigatória geral que era atribuída aos assentos pelo revogado art. 2º do CC, têm um valor reforçado que deriva não apenas do facto de emanarem do Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, como ainda de o seu não acatamento pelos tribunais de 1ª instância e Relação constituir motivo para a admissibilidade especial de recurso, nos termos do art. 629º, nº 2, al. c), do CPC.

2.Ainda que destituída de força obrigatória geral, por via de imposição constante em norma legal, a jurisprudência uniformizadora acaba por se impor aos tribunais inferiores e até ao próprio STJ em recursos posteriores, na medida em que persistam os pressupostos que a determinaram.

3.Para decidir em sentido contrário a um acórdão uniformizador é necessário trazer uma argumentação nova e ponderosa, quer pela via da evolução doutrinal posterior, quer pela via da actualização interpretativa.

4.Inexistem argumentos novos capazes de contrariar os motivos que levaram o Supremo Tribunal a fixar a jurisprudência que ficou expressa no AUJ nº 1/2022: “A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo".




Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção de Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa:

I.–Por acórdão deste Tribunal da Relação de 5 de Setembro de 2023 conheceu-se do recurso interposto pelo N., S.A.” da sentença de verificação e graduação de créditos, proferida dia 30/06/2021, na parte em que na mesma se reconheceu e graduou um crédito da sociedade S., S.A., o qual foi julgado improcedente.

Nesse acórdão, no que toca a custas, decidiu-se:

“Custas pelo recorrente (artº 527º do Código do Processo Civil).”

O referido acórdão foi notificado às partes, conforme certificação Citius de 6/09/2023, e transitou em julgado.

Posteriormente, os autos de recurso baixaram à 1ª instância, tendo no dia 10/10/2023 sido elaborada a conta de custas, alcançando-se o valor a pagar da responsabilidade do recorrente N.,SA, no montante de €33.507,00.

Por requerimento de 16/10/2023 veio o N., SA expor e requerer o seguinte:

“VEM, NOS TERMOS E PARA OS EFEITOS DO ARTIGO 6.º, N.º 7, DO R.C.P., REQUERER A V. EXA. SE DIGNE CONCEDER A DISPENSA DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA

O QUE FAZ NOS TERMOS E PELOS SEGUINTES FUNDAMENTOS:

1º–Foi o N., S.A. notificado da conta de custas elaborada pelo Sr. Oficial de Justiça aos 10/10/2023, bem como da respectiva  guia para pagamento, no valor de €33.507,00, a título de taxa de justiça a acrescer à quantia de €2.448,00 a este título já paga aquando da interposição do seu recurso aos 20/07/2021.

2º–Sucede que, a presente causa recursal reveste simplicidade – com efeito, a única questão a decidir consistiu em determinar se operou a resolução do contrato celebrado em 18/2/2014 entre o insolvente e a recorrida (“S., S.A.”). Por seu lado, a matéria de facto e os temas de direito nela vertida não eram complexos. Ainda, o N., S.A. apenas se insurgiu quanto ao crédito a coberto da cláusula penal.

3º–Donde, atendendo à manifesta simplicidade do processo, e ao carácter manifestamente desproporcional do montante ora exigido a título de adicional à taxa de justiça, € 33.507,00, em virtude do valor do crédito reconhecido à sociedade “S., S.A.” (€2.100.00,00, a título de capital, acrescido de juros calculados desde 14/06/2018 até efectivo e integral pagamento; cfr. a base tributável constante do descritivo da conta ora notificada), crê-se viável a concessão de dispensa do pagamento do remanescente de taxa de justiça, pelo ora Requerente, ao abrigo do artigo 6.", n. " 7, do RCP que dispõe:

“- Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.” – sublinhado nosso.

4.º–O que se requer ou, caso assim se não entenda, a sua redução significativa.

5º–Neste sentido, v.g.os seguintes Acórdãos:

- Acórdão da Relação de Lisboa, de 07/06/2018, no proc. 417/17.1YRLSB, in www.dgsi.pt:

“Contendo os articulados fundamentação complexa, mas sustentando-se a decisão na análise de uma questão que não implica a mesma complexidade jurídica, justifica-se a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça. “

- Acórdão da Relação de Coimbra, de 12/07/2018, no proc. 1973/16.7T8STR.E2, in www.dgsi.pt:

I- A norma constante do n.º 7 do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais dá ao juiz a possibilidade de dispensar, no todo ou em parte, o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida a final quando o valor da causa exceda o valor de € 275.000, desde que tal dispensa se justifique em função da complexidade da causa, da sua utilidade económica e da conduta processual das partes, sob a ponderação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade. II- A dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça poderá ser aplicada oficiosamente ou a requerimento da parte interessada apresentado até ao fim do prazo para proceder ao pagamento voluntário da taxa de justiça apurada a final.”

- Acórdão da Relação de Lisboa, de 28/03/2019, no proc. 8335/16.9T8LSB.L1, in www.dgsi.pt:

I- A taxa de justiça deve ter em conta o valor da acção e a complexidade da causa, devendo existir proporcionalidade entre o valor que cada interveniente deve prestar no processo e os custos que este acarretou para o sistema de justiça.

II- A dispensa ou redução do pagamento do remanescente da taxa de justiça deve ser concedida, por força do disposto no art.° 6°, n° 7, do RCP, quando razões atendíveis o justifiquem, designadamente, a ausência de complexidade da causa, a conduta processual irrepreensível e colaborante das partes e a reduzida actividade do Tribunal.

III- A intervenção do juiz no sentido da dispensa ou redução excepcional do pagamento do remanescente da taxa de justiça não depende de requerimento das partes, podendo esta ser decidida a título oficioso, na sentença ou no despacho final.”

6º–Semelhante entendimento, resulta ainda do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 428/2013 de 16/10/2013, que, julgou inconstitucionais as normas dos artigos 2.º e 11.º, conjugadas com a tabela I-A anexa do Regulamento das Custas Processuais quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da acção sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao Tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título”- cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 428/2013, publicado na 2ª Série do Diário da República de 16 de Outubro de 2013.

TERMOS EM QUE, face ao exposto, requer a V. Exa. se digne dispensar o ora Requerente do pagamento do remanescente de taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.", n. "7, do R.C.P. ou, subsidiariamente, proporcionalmente reduzida, em atenção à manifesta simplicidade da causa.”

Por despacho proferido dia 20/11/2023, decidiu-se:

“Por decisão proferida em 05.09.2023, notificada com data de 06.09.2023, foi negado provimento ao recurso interposto N., S.A., da sentença de verificação e graduação de créditos proferida em 30.06.2021.

Em 10.10.2023 foi elaborada a conta de custas da responsabilidade do Recorrente.

Por requerimento de 16.10.2023, N., S.A. requereu a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, liquidada em € 33.507,00.

Notificado, o Ministério Público opôs-se, invocando a doutrina do AUJ do STJ, n.º 1/2022, publicado no DR 1ª Série de 3/01/2022.

 Decidindo

O art.º 6.º, n.º 7, do RCP dispõe que “Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2022 estabeleceu a seguinte uniformização: "A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo".

Retira-se da consulta dos autos que o requerimento sob apreciação, de 16.10.2023, foi apresentado depois de transitado em julgado o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que julgou improcedente o recurso e condenou o Recorrente nas custas respectivas.

Seguindo a doutrina do AUJ n.º 1/2022, ficou assim precludida a possibilidade de requerer a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Decide-se assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, indeferir o requerimento apresentado em 16.10.2023.

Uma vez que foi entretanto atingido o prazo fixado na conta de custas para pagamento das custas liquidadas, fixa-se novo prazo de 10 (dez) dias para pagamento das mesmas.

Notifique.

Inconformado com esta decisão, veio o N., SA interpor o presente recurso de apelação, o qual foi recebido, tendo apresentado alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

I-Vem o presente recurso interposto do douto despacho de 20/11/2023, porquanto decidiu “indeferir o requerimento apresentado em 16.10.2023”, no sentido da “dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, liquidada em € 33.507,00”.

II-A título prévio, requer-se a atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso, ao abrigo dos art.ºs 644.º, n.º 2, alínea e) e 647.º, n.º 3, alínea e), do CPC, por analogia, aplicáveis ex vi art.º 17.º, n.º 1 do CIRE.

III.-Com efeito, o despacho em crise implica que o N., S.A. despenda a quantia de € 33.507,00 a título de taxa de adicional à taxa de justiça já paga, sancionando a sua conduta processual – o que tem cabimento, mediante interpretação analógica (cfr. art.º 10.º, n.º 2 do CC), na 2.` parte da alínea e) do n.º 2 do art.º 644.º do CPC.

IV.-Subsidiariamente, caso assim não se entenda, o que apenas por dever de patrocínio e cautela se concebe, o N., S.A. oferecer-se-á a prestar caução, nos termos do art.º 647.º, n.º 4 do CPC, aplicável também ex vi art.º 17.º, n.º 1 do CIRE.

V.-Isto posto, entrando no âmbito do recurso, o acórdão uniformizador não é fonte de direito, nem tem força obrigatória geral como os antigos assentos, apesar de ser dotado de um particular poder de persuasão.

VI.-A aplicação do AUJ n.º 1/2022 ao caso concreto – posição do Tribunal de 1.ª Instância e do Ministério Público também na 1.ª Instância - , levanta o problema do processo pendente, em que à data da sua instauração não estava ainda em vigor a restrição instituída no sentido de precludir o direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, com o trânsito em julgado da decisão final do processo.

VII.-Com efeito, os autos insolvenciais remontam a 13/06/2018.

VIII.-O presente apenso data de 18/09/2018.

IX.-E a sentença de verificação e graduação de créditos data de 30/06/2021.

X.-Logo, em tal(ais) data(s) e durante a esmagadora pendência dos presentes autos não vigorava a restrição em crise.

XI.-Sendo que, antes da prolação do AUJ o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça podia ter lugar após a notificação da conta de custas - o que foi cumprido pelo N., S.A.

IXI.-Em sustento desta posição, alegava-se que a lei não previa nenhum momento processual para as partes influenciarem a decisão do juiz sobre a dispensa, total ou parcial, do remanescente da taxa de justiça em momento anterior à elaboração da conta e que a ausência de dispensa só é conhecida pelas partes com a notificação da conta.

XIII.-Assim, v.g., Senhora Juíza Conselheira Ana Paula Boularot, no seu voto de vencido formulado no Ac. do STJ de 11.12.2018, proc. n.' 1286/14.9TVLSB -A.L1.S2.

XIV.-Neste sentido, também, os acórdãos do STJ de 14/02/2017 (processo n.' 1105/13.3T2SNT.L2.S1) e de 12/10/2017 (processo n.' 3863/12.3TBSTS -C -P1.S2).

XV.-E, ainda, as declarações de voto de vencido constantes do AUJ n.º 1/2022 designadamente da referida Senhora Juíza Conselheira Ana Paula Boularot que ali defendeu distinto sumário «A preclusão do direito a requerer a dispensa do pagamento da taxa de justiça tem lugar nos dez dias subsequentes à notificação da conta de custas», bem como dos Senhores Juízes Conselheiros José Inácio Manso Rainho e Rijo Ferreira.

XVI.-O despacho em análise gora as legítimas expectativas do N., S.A. em ver o pagamento do remanescente da taxa de justiça dispensado – o que assume especial relevo, desde logo, em função da grandeza do excesso liquidado: €33.507,00.

XVII.-Identicamente não é lei e, como tal, também não se lhe aplica o art.º 6.º do Código Civil.

XVIII.-O N., S.A. actuou de acordo com a jurisprudência então vigente, ficando, agora, desprotegido em face do Tribunal de 1.ª Instância ter decidido de forma diferente.

XIX.-A aplicação (retroactiva) do AUJ aos presentes autos, porque anteriores à sua vigência, frustra expectativas legítimas e justificadas.

XX.-Colide, até, com âmago do Regulamento das Custas Processuais.

XXI.-E gera questões de constitucionalidade.

XXII.-O que aqui se suscita para todos os efeitos legais.

XXIII.-Com efeito, no caso em apreço trata-se de uma conta de custas e de uma guia para pagamento, no valor de €33.507,00, a título de taxa de justiça, a acrescer à quantia de €2.448,00 a este título já paga aquando da interposição do recurso aos 20/07/2021.

XXIV.-Sendo que, a causa recursal revestiu manifesta simplicidade – com efeito, a única questão a decidir consistiu em determinar se operou a resolução do contrato celebrado em 18/2/2014 entre o insolvente e a recorrida (“S., S.A.”). Por seu lado, a matéria de facto e os temas de direito nela vertida não eram complexos. Ainda, o N., S.A. apenas se insurgiu quanto ao crédito a coberto da cláusula penal.

XXV.-Deverá, pois, e em suma, o douto despacho ser revogado e substituído por outro que, dispense o ora Recorrente do pagamento do remanescente de taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º '7, do RCP ou, subsidiariamente, proporcionalmente reduzida, em atenção à manifesta simplicidade da causa.

NESTES TERMOS,

Deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, nos termos que vêm descritos, com todas as consequências legais.

O MP apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

1–Decorre da tramitação processual, que por Acórdão do TRL proferido em 05/09/2023, notificado com data de 06/09/2023, foi negado provimento ao recurso interposto por N., S.A., da sentença de verificação e graduação de créditos proferida em 30/06/2021.

2–Em 10/10/2023 foi elaborada a conta de custas da responsabilidade da Recorrente.

3–Por requerimento de 16/10/2023, N., S.A. requereu a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, liquidada em 33.507,00€, ao abrigo do disposto no artigo 6º nº 7 do RCP.

4–Em virtude de o requerimento ter sido apresentado depois do trânsito em julgado do Acórdão do TRL, de acordo com a doutrina do AUJ nº 1/2022, o Tribunal considerou que ficou precludida a possibilidade de requerer a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.

5–Constitui entendimento jurisprudencial que não foi atribuída aos acórdãos uniformizadores força obrigatória geral, nem sequer vinculativa para a organização judiciária. Não obstante, a jurisprudência uniformizada deve ser respeitada pelos tribunais de instância e pelo próprio STJ, uma vez que a aplicação do direito não pode ser alheada dos valores da igualdade, da segurança e da certeza jurídicas, pressupostos da própria legitimação da decisão.

6–Por outro lado, a linha interpretativa fixada nos acórdãos uniformizadores só deverá ser objeto de desvio, no âmbito do mesmo quadro legal, perante diferenças fácticas relevantes e/ou (novos) argumentos jurídicos que não encontrem base de ponderação nos fundamentos que sustentaram tais arestos.

7–Os Acórdãos de uniformização, ainda que não sejam fonte de direito, têm, em princípio, eficácia temporal imediata, com a ressalva do caso julgado anterior, conforme se extrai do artigo 13 nº 1 do CC e artigo 695 nº 3 CPC (cfr. Acórdão do STJ de 29/03/2022, processo nº 2309/16.2T8PTM.E1-A. S1).

8–Verifica-se que o requerimento da Recorrente de 16/10/2023, foi apresentado depois de transitado em julgado o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que julgou improcedente o recurso e condenou o Recorrente nas custas respetivas.

9–Por conseguinte, a doutrina do AUJ nº 1/2022 é aplicável no caso em apreço, tendo ficado precludida a possibilidade de a Recorrente requerer a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.

10–Diante do exposto, é de concluir que não assiste razão à Recorrente, devendo manter-se o despacho judicial proferido em 20/11/2023, que indeferiu o seu requerimento apresentado em 16/10/2023.

Por despacho de 15/01/2024 decidiu-se:

“Porque Recorrente e Respondente têm legitimidade e estão em tempo, e a decisão é recorrível, admito o recurso interposto, que é de apelação, com subida imediata, nos próprios autos, e a respectiva resposta – art.ºs 629.º, 1; 631.º; 638.º, 1; e 644.º, 2, g); do CPC e 14.º, n.º 6, al. b), do CIRE.

+

O Recorrente pugnou pela atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso, invocando analogia com as disposições do art.º 644.º, n.º 2, al. e) e 647, n.º 3, al. al. e), do CPC. A decisão recorrida é uma decisão proferida em 20.11.2023.

Trata-se de decisão proferida depois da decisão final, em apenso de reclamação de créditos, relativo a processo de insolvência. As normas aplicáveis ao caso são as previstas no art.º 14.º do CIRE que, no n.º 5, atribui efeito devolutivo aos recursos interpostos no processo de insolvência ou em qualquer dos seus apensos.

Como tal, nos termos do art.º 14.º, n.º 5, do CIRE, atribui-se efeito meramente devolutivo ao recurso.

 Notifique. “

Por decisão do relator, foi mantido o efeito do recurso fixado em 1ª instância.

Cumpre decidir.

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II.–A questão a decidir reporta-se à interpretação do artigo 6º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais (RCP), consistindo em saber em que momento se considera precludido o direito de a parte requerer a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente, quando o juiz não tenha usado dessa prerrogativa na decisão final.

*

III.–Os factos a considerar são os referenciados no relatório supra.

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IV.–Do mérito do recurso:

Após a notificação da conta de custas de um recurso anteriormente interposto, o ora apelante peticionou a dispensa do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais.

Na decisão recorrida, fazendo-se aplicação do Ac. Uniformizador de Jurisprudência n.º 1/2022, de 10/11/2021, indeferiu-se o requerido por à data já se encontrar transitada em julgado a decisão que condenou no pagamento das custas.

Dissentindo, sustenta, em síntese, o recorrente que:

- O acórdão uniformizador não é fonte de direito, nem tem força obrigatória geral como os antigos assentos, apesar de ser dotado de um particular poder de persuasão (conclusão V);

- Os autos de insolvência foram instaurados dia 18/09/2018, remontando o apenso de reclamação de créditos a 18/09/2018 e a sentença nele proferida a 30/06/2021, ou seja, antes da prolação do AUJ n.º 1/2022, sendo que anteriormente não estava ainda em vigor a restrição nele instituída (conclusões VI a X) e o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça podia ter lugar após a notificação da conta de custas - o que foi cumprido pelo N., S.A. (conclusão XI), como se entendeu nos acórdãos do STJ de 14/02/2017 (processo n.' 1105/13.3T2SNT.L2.S1) e de 12/10/2017 (processo n.º 3863/12.3TBSTS -C -P1.S2); no voto de vencido formulado Senhora Juíza Conselheira Ana Paula Boularot, no Ac. do STJ de 11.12.2018, proc. n.' 1286/14.9TVLSB -A.L1.S2 (conclusões XII, XIII e XIV); e nas declarações de voto de vencido constantes do AUJ n.º 1/2022 (conclusão XV);

- A decisão recorrida gora as legítimas expectativas do N., S.A. em ver o pagamento do remanescente da taxa de justiça dispensado – o que assume especial relevo, desde logo, em função da grandeza do excesso liquidado: €33.507,00 (conclusão XVI), sendo que o AUJ não é lei e, como tal, também não se lhe aplica o art.º 6.º do Código Civil (conclusão XVII);

- O N., S.A. actuou de acordo com a jurisprudência então vigente, ficando, agora, desprotegido em face do Tribunal de 1.ª Instância ter decidido de forma diferente (conclusão XVIII), sendo que a aplicação (retroactiva) do AUJ aos presentes autos, porque anteriores à sua vigência, frustra expectativas legítimas e justificadas (conclusão XIX), o que colide com âmago do Regulamento das Custas Processuais e gera questões de constitucionalidade (conclusões XX e XXI).

Apreciando e decidindo.

Prescreve o art. 6º, n.º 7, do RCP, que nas causas de valor superior a €275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

A interpretação deste normativo foi geradora de marcante controvérsia na jurisprudência dos tribunais superiores, no que respeita à questão de saber em que momento se considera precludido o direito de a parte requerer a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente, quando o juiz não tenha usado dessa prerrogativa na decisão final.

Como se deixou expresso no AUJ n.º 1/2022, de 10/11/2021 (publicado no DR de 3/01/2022, série I):

No Supremo Tribunal de Justiça têm-se delineado várias posições quanto ao momento limite para apresentação do pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça - e não apenas as (duas) defendidas nos acórdãos recorrido e fundamento.

Em boa verdade, quatro:

até ao trânsito em julgado da decisão final (v.g., Acórdão recorrido)(15);

até dez dias subsequentes ao trânsito em julgado da decisão (v.g., Acórdão fundamento);

até à elaboração da conta de custas (v.g., Ac. do STJ de 03-10-2017, Revista n.º 473/12.9TVLSB-C.L1.S1);

no prazo da reclamação da conta de custas, nos termos do art. 31.º do RCP (cf. voto de vencido no acórdão fundamento e Ac. de 11-12-2018, Revista n.º 1847/05.7TVLSB.L1.S2).”

Eram estas as posições jurisprudenciais sobre a matéria em discussão nos autos.

E assim sendo, na data em que interpôs o recurso da sentença de verificação e graduação de créditos, o recorrente conhecia, ou tinha o dever de conhecer, porque representado por um profissional do foro, esta controvérsia jurisprudencial.

E quando foi notificado do acórdão prolatado a 5/09/2023, que o condenou nas custas do recurso, o ora apelante tomou conhecimento que o tribunal, oficiosamente, não dispensou o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida, na parte excedente a €275.000,00.

Sabia igualmente, ou tinha o dever de saber, que pelo AUJ n.º 1/2022 se tinha fixado a seguinte jurisprudência:

“A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo".

Aconselhava-se, por isso, após ter sido notificado daquele acórdão, que a ora apelante, no prazo de 10 dias (arts. 616º, n.º 1, 666º do CPC), tomasse a iniciativa de requerer essa dispensa, em sede de reforma daquele acórdão quanto a custas, o que não fez, mas sib imputet.

Assim, ao contrário do sustentado pela apelante N., S.A, (conclusão XVIII) este não actuou de acordo com a jurisprudência então vigente, não podendo por isso afirmar ter ficado desprotegido em face da decisão recorrida e terem sido goradas as suas legítimas expectativas (conclusão XVI).

Com efeito, como se entendeu no AUJ, fixado que seja o valor da causa e transitada em julgado a decisão sobre a responsabilidade pelas custas, fica logo fixado o valor das custas que o tribunal atribuiu às partes, sendo manifesto que não é na conta que se atribui ou decide a taxa de justiça, pois a mesma taxa emerge com clareza da referida Tabela Anexa ao RCP (por cada fracção de (euro)25.000 acima dos (euro) 275.000, são devidos 3 Ucs.), o que o mesmo é dizer que o seu valor é determinado por uma mera operação aritmética”.

E mais adiante acrescenta-se que:

“Assim, transita em julgado não só a decisão quanto ao responsável pelas custas mas também o quantum dessa responsabilização estando a fixação do montante em concreto através da elaboração da conta abrangida pelo caso julgado”.(…)

Ou seja, por razões de segurança e estabilidade inerentes à própria decisão judicial, o julgamento que o juiz, na decisão final, fez quanto a custas, porque já transitado em julgado, impede a modificação dessa mesma decisão, mesmo que se considere terem sido desrespeitados princípios e parâmetros constitucionais”.

Por outro lado, como também se frisou no AUJ, esta interpretação das normas legais aplicáveis, não viola o princípio da tutela jurisdicional efectiva, designadamente na dimensão de garantia de um processo justo, nem qualquer outro parâmetro constitucional.

De resto, a colocar-se a questão da inconstitucionalidade, a mesma apenas se poderia prender com o segmento interpretativo que considera extemporâneo requerimento de dispensa do pagamento de taxa de justiça remanescente formulado após  o trânsito em julgado da decisão que condenou em custas e não a questão das custas contadas serem eventualmente desproporcionais em relação à actividade desenvolvida pelo tribunal.

Assim, exarou-se no AUJ que:

“A questão sob apreciação, como é óbvio, tem mera incidência adjectiva, em especial, no que toca ao momento processual em que a redução ou dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça pode ser pedida ou concedida. E sabemos bem que o legislador dispõe de ampla margem de liberdade na concreta modelação do processo, não estando vedada a imposição de ónus processuais às partes. Sem prejuízo, naturalmente, de que os regimes adjectivos que consagrem tais ónus devem revelar-se "funcionalmente adequados, não podendo o legislador criar obstáculos que dificultem arbitrariamente ou de forma desproporcionada o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva.

(…) o TC teve, porém, oportunidade de se pronunciar directamente sobre a questão da (in)constitucionalidade do n.º 7 do artigo 6.º do RCP), decidindo no Ac. 527/16 «Não julgar inconstitucional a norma extraída do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, na interpretação segundo a qual é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo, pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas.

Ou seja, a posição aqui sustentada relativamente à interpretação do n.º 6 do artigo 7.º do RCP, não padece de qualquer inconstitucionalidade, seja por violação do princípio da proporcionalidade, seja do princípio do direito de acesso à justiça (note-se que o direito de acesso aos tribunais não compreende um direito a litigar gratuitamente, sendo legítimo ao legislador impor o pagamento dos serviços prestados pelos tribunais(67) e do direito de tutela jurisdicional efectiva.”

(…)

E, na senda do já referido, o Tribunal Constitucional (cf. Ac. 527/2016) igualmente reforça que «a gravidade da consequência do incumprimento do ónus - que consiste na elaboração da conta sem a redução ou dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça - é ajustada ao comportamento omitido. Não se vê, aliás, que pudesse ser outra: se a parte não deduziu o pedido correspondente, a conta é elaborada nos termos gerais decorrentes da tabela legal.

Não se trata, [...], de um resultado implícito, "não discernível" a partir do texto da lei. Desde logo, a própria redação do preceito ("[...] o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se...") - independentemente da melhor interpretação no plano infraconstitucional, aspeto do qual, insiste-se, não cabe cuidar - é indubitavelmente compatível com o sentido afirmado na decisão recorrida, não gerando qualquer desconformidade que suporte a afirmação de um caráter surpreendente do resultado interpretativo.».

E acrescenta: «Ademais, pela aplicação da norma em causa, a parte não fica impedida de "[...] sindicar a legalidade do ato de liquidação operado pela secretaria" nem se vê privada de "[...] questionar a adequação das quantias efetivamente liquidadas às concretas especificidades do processo", como vem alegado pela Recorrente. Na verdade, se a conta não refletir adequadamente a condenação que a suporta ou não calcular corretamente o valor da taxa de justiça previsto na tabela legal, a parte pode dela reclamar nos termos do artigo 31.º do RCP. Simplesmente, o valor da taxa de justiça correto, para estes efeitos, será considerado na íntegra caso a parte não tenha, em tempo, deduzido o pedido de dispensa ou redução respetivo.».

Assim, portanto, as partes não podem dizer que ficaram surpreendidas ao serem confrontadas, na conta, com a obrigação de pagar o remanescente da taxa de justiça, pois (como referido) tiveram tempo mais que razoável para requerer a dispensa de pagamento desse remanescente: até ao trânsito em julgado da decisão.

Ou seja, como diz o Tribunal Constitucional no aresto acabado de citar, a parte - mais a mais quando representada por advogado - , «agindo com a diligência devida e ponderando as correntes jurisprudenciais, podia e devia ter contado com a interpretação afirmada pelo tribunal».

Deste modo, quando o ora recorrente deduziu o pedido de dispensa do pagamento do remanescente de taxa de justiça tinha já precludido o direito de o fazer, pois que já tinha transitado em julgado a decisão condenatória em custas.

Sustenta, porém, este que o AUJ não é lei e, como tal, também não se lhe aplica o art.º 6.º do Código Civil (conclusão XVII) e que na data da instauração dos autos de reclamação de créditos, donde foi extraído o presente recurso, ainda não tinha sido prolatado o AUJ, não sendo, por isso, o entendimento sufragado aplicável ao caso, sendo que anteriormente não estava ainda em vigor a restrição nele instituída (conclusões VI a X), sendo que a aplicação (retroactiva) do AUJ aos presentes autos, porque anteriores à sua vigência, frustra expectativas legítimas e justificadas (conclusão XIX).

Mais uma vez não assiste razão ao apelante.

Como é sabido o Ac. do TC n.º 743/96, de 18 de Julho declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 2.º do Código Civil, na parte em que atribui aos tribunais competência para fixar doutrina com força obrigatória geral, por violação do disposto no artigo 115.º, n.º 5, da Constituição

Essa norma veio inclusivamente a ser revogada pelo DL n.º 329-A/95, de 12/12.

Porém, os AUJ, não são assentos, posto que a fixação de doutrina, com força obrigatória geral, operada através daqueles, não traduz a existência de uma norma jurídica com eficácia erga omnes.

Os AUJ não são caracterizados como actos normativos e não são revestidos de carácter imperativo e força obrigatória geral.

Como se assinalou naquele Ac. TC:

“A Constituição não proíbe o legislador de estabelecer institutos adequados à uniformização da jurisprudência - era essa a primeira e essencial vocação dos assentos -, mas veda-lhe seguramente a criação de instrumentos ali não previstos, que, com eficácia externa (e, por maioria de razão, com força obrigatória geral), interpretem, integrem, modifiquem, suspendam ou revoguem normas legais.

A colisão daquela norma com o texto constitucional radica, assim, no facto de os assentos se arrogarem o direito de interpretação ou integração autêntica da lei, com força obrigatória geral, assumindo a natureza de actos não legislativos de interpretação ou integração das leis.”

Ora, como se justificou na exposição preambular do Dec. Lei n.º 329-A/95, de 12/12:

«Questão de particular complexidade é a que decorre da criação dos mecanismos processuais adequados à fixação de jurisprudência na área do processo civil, face às dúvidas reiteradamente afirmadas pela doutrina sobre a natureza 'legislativa' - e a constitucionalidade dos assentos e à necessidade de harmonizar o regime do actual recurso para o tribunal pleno com o decidido pela jurisprudência constitucional no Acórdão n.º 810/93, de 7 de Dezembro.

A solução encontrada baseou-se, no essencial, no regime da 'revista ampliada', instituída e regulada no projecto do Código de Processo Civil como sucedâneo do actual recurso ordinário para o tribunal pleno: considera-se tal solução claramente vantajosa em termos de celeridade processual, eliminando uma 'quarta instância' de recurso e propiciando, mais do que o remédio a posteriori de conflitos jurisprudenciais já surgidos, a sua prevenção.

Faculta-se às partes, de forma clara, a faculdade de intervirem activamente na detecção e prevenção dos possíveis conflitos jurisprudenciais, sendo certo que tal intervenção será possibilitada e incrementada pelo indispensável cumprimento do princípio do contraditório e pela necessidade da sua prévia audição, de modo a prevenir a prolação de decisões surpresa.

Não se acompanhou, todavia, a solução consistente em tratar o acórdão das secções cíveis reunidas, proferido em julgamento ampliado do recurso de revista, como 'assento', optando-se antes pela revogação de tal instituto típico e exclusivo do nosso ordenamento jurídico.

Na verdade, como se refere no citado Acórdão n.º 810/93 do Tribunal Constitucional, sempre seria condição indispensável à não caracterização do assento como acto normativo de interpretação e integração autêntica da lei o não ter a doutrina por ele fixada força vinculativa geral e estar sujeita 'em princípio, à contradita das partes e à modificação pelo próprio tribunal dela emitente'.

Deste modo, para além de a doutrina do assento não poder vincular tribunais situados fora da ordem dos tribunais judiciais, não bastaria, para operar a 'constitucionalização' do instituto dos assentos, prever a possibilidade de o próprio Supremo Tribunal de Justiça, em recursos que ulteriormente perante si decorressem, 'revogar' o assento anteriormente emitido, sendo indispensável garantir às próprias partes, em qualquer instância, a possibilidade de impugnarem ou contraditarem a doutrina que nele fez vencimento.

Quebrada pela jurisprudência constitucional a força vinculativa genérica dos assentos e imposto o princípio da sua ampla revisibilidade - não apenas por iniciativa do próprio Supremo, no âmbito dos recursos perante ele pendentes, mas a requerimento de qualquer das partes, em qualquer estado da causa -, pareceu desnecessária a instituição dos necessariamente complexos mecanismos processuais que facultassem a revisão do decidido, por se afigurar que a normal autoridade e força persuasiva da decisão do Supremo Tribunal de Justiça, obtida no julgamento ampliado de revista - e equivalente, na prática, à conferida aos actuais acórdãos das secções reunidas -, será perfeitamente suficiente para assegurar, em termos satisfatórios, a desejável unidade da jurisprudência, sem produzir o enquistamento ou cristalização das posições tomadas pelo Supremo.»

Deste modo, o acórdão de uniformização de jurisprudência é uma decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça que tem por objetivo, em nome da segurança jurídica, pôr termo a uma divergência ou contradição entre acórdãos proferidos por este Tribunal ou pelos Tribunais da Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão de direito.

Os AUJ não têm efeito vinculativo extra-processual, mas, como o próprio recorrente reconhece, os mesmos encontram-se dotados de um particular poder de persuasão (conclusão V).

Efectivamente, os acórdãos de uniformização de jurisprudência, conquanto não tenham a força obrigatória geral que era atribuída aos assentos pelo revogado art. 2º do CC, têm um valor reforçado que deriva não apenas do facto de emanarem do Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, como ainda de o seu não acatamento pelos tribunais de 1ª instância e Relação constituir motivo para a admissibilidade especial de recurso, nos termos do art. 629º, nº 2, al. c), do CPC

Com tal opção, deixou de existir suporte formal para atribuir à jurisprudência uniformizada força obrigatória, mesmo no seio da organização judiciária. Mas daí não decorre que seja desvalorizada ao ponto que é referido pela reclamante, passando os Tribunais e designadamente este Supremo Tribunal de Justiça a decidir os casos em que se suscitem as mesmas questões como se não existissem nem devesse ser respeitados os precedentes jurisprudenciais com o valor reforçado que deriva quer da solenidade do julgamento e do órgão específico de que emanam (Pleno das Secções Cíveis), quer de outros preceitos de natureza instrumental que indirectamente apelam ao seu acatamento pelos Tribunais quando são confrontados com questões de direito idênticas, de natureza essencial e dentro do mesmo quadro normativo substancial – cfr. decisão singular do STJ de 12/05/2016 (A. Geraldes-relator), acessível em www.dgsi.pt.

Assim, ainda que destituída de força obrigatória geral, por via de imposição constante em norma legal, a jurisprudência uniformizadora acaba por se impor aos tribunais inferiores e até ao próprio STJ em recursos posteriores, na medida em que persistam os pressupostos que a determinaram.

Não basta, pois, não se concordar com o entendimento de um acórdão uniformizador. Para decidir em sentido contrário é necessário trazer uma argumentação nova e ponderosa, quer pela via da evolução doutrinal posterior, quer pela via da actualização interpretativa.

E no caso a apelante não invocou qualquer argumento capaz de contrariar os motivos que levaram o Supremo Tribunal a fixar a jurisprudência que ficou expressa no AUJ nº 1/2022.

E não existindo motivo algum para divergir de tal entendimento, improcede a apelação.

As custas do recurso ficam a cargo do apelante, enquanto parte vencida.

***

Sumário:

1.-Os acórdãos de uniformização de jurisprudência, conquanto não tenham a força obrigatória geral que era atribuída aos assentos pelo revogado art. 2º do CC, têm um valor reforçado que deriva não apenas do facto de emanarem do Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, como ainda de o seu não acatamento pelos tribunais de 1ª instância e Relação constituir motivo para a admissibilidade especial de recurso, nos termos do art. 629º, nº 2, al. c), do CPC.

2.-Ainda que destituída de força obrigatória geral, por via de imposição constante em norma legal, a jurisprudência uniformizadora acaba por se impor aos tribunais inferiores e até ao próprio STJ em recursos posteriores, na medida em que persistam os pressupostos que a determinaram.

3.-Para decidir em sentido contrário a um acórdão uniformizador é necessário trazer uma argumentação nova e ponderosa, quer pela via da evolução doutrinal posterior, quer pela via da actualização interpretativa.

4.-Inexistem argumentos novos capazes de contrariar os motivos que levaram o Supremo Tribunal a fixar a jurisprudência que ficou expressa no AUJ nº 1/2022: “A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo".

***

V.Decisão:

Pelo acima exposto, decide-se:


1.–Julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida;
2.– Custas da apelação pela recorrente;
3.Notifique.

Lisboa, 21 de Maio de 2024


(Manuel Marques - Relator)
(Nuno Teixeira - 1º Adjunto)
(Manuela Espadaneira Lopes - 2ª Adjunta)