Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5094/14.9YYLSB-A L1.6
Relator: FRANCISCA MENDES
Descritores: LOCAÇÃO FINANCEIRA
DESPESAS DE CONDOMÍNIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: – Perante a especificidade do contrato de locação financeira, a sua sujeição a registo e a regra constante do art. 10º, nº1, b) do Regime Jurídico da Locação Financeira, as despesas do condomínio são da responsabilidade do locatário e não do locador.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes, no Tribunal da Relação de Lisboa.


       I–Relatório:


A. deduziu embargos de executada nos autos de execução para pagamento de quantia certa que lhe move B, alegando o seguinte:

–Não é responsável pelo pagamento da quantia exequenda em virtude de as  fracções autónomas em causa terem sido dadas em locação financeira à sociedade C., que foi declarada insolvente em 5.06.2012;
–As referidas fracções foram entregues à embargante em 26.10.2012;
–A embargante pagou as despesas de condomínio no período compreendido entre Outubro de 2012 a Setembro de 2014, inclusive;
–As actas da assembleia de condóminos dadas à execução não constituem título executivo relativamente à embargante;
–A embargante não pode ser julgada parte legítima para os termos da presente execução.
Concluiu, defendendo a procedência dos embargos de executada, com a consequente extinção da execução.

O embargado contestou, pugnando pela improcedência da oposição à execução mediante embargos de executada.

Em 15.03.2016 foi notificado o exequente para “indicar as contribuições que concretamente estão em dívida e respectivos montantes, a que períodos concretamente se reportam e a que fração ou frações dizem respeito, devendo ainda proceder à detalhada liquidação da obrigação”.

Na sequência do referido despacho foi apresentado requerimento pelo exequente em 21 de Março de 2016.

Em 15.07.2016 foi proferido despacho saneador/sentença, tendo sido considerada assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:

1.–O exequente intentou a ação executiva a que coube o n.º 5094/14.9YYLSB contra a executada, ora embargante, apresentando como título executivo as atas n.ºs 19 e 20 da Assembleia Geral de Condóminos do Edifício …, realizadas nos dias 6.06.2011 e 25.06.2013[1], respetivamente, cujas cópias encontram-se juntas aos autos de execução e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
2.–A executada/embargante é legítima proprietária das frações AF, AG, AH, AU, AV e BF do prédio urbano sito na Rua …, descrito na Conservatória do Registo Predial … e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …
3.–A executada/embargante, na qualidade de locadora, celebrou com a sociedade C., na qualidade de locatária, em 18.04.2002, um contrato de locação financeira, tendo por objeto as frações autónomas identificadas em 2., pelo prazo de 120 meses, cuja cópia se mostra junta a fls. 23 a 31, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
4.–As frações autónomas identificadas em 2. foram entregues à executada/embargante em 26.10.2012.               
O Tribunal a quo entendeu : «No caso dos autos, as atas dadas à execução não contêm a deliberação donde nasce a obrigação de pagamento de contribuição por parte da executada/embargante/condómina fixando a quota-parte da sua comparticipação nas despesas comuns e estipule o prazo e o modo de pagamento, isto no que concretamente diz respeito às quotas mensais de condomínio, fundo comum de reserva legal e seguro multirriscos, ou seja, são omissas quanto à aprovação e fixação do valor a pagar, correspondente à quota-parte da executada/embargante em tais despesas, bem como o prazo do seu pagamento.
Com efeito, apenas da ata n.º 19 da assembleia Geral de Condóminos realizada no dia 6.06.2011 resulta a deliberação por unanimidade respeitante ao pagamento de uma quota extraordinária no valor máximo ali estabelecido (2.500,00€), a pagar por todos os condóminos em função da permilagem das respetivas frações, com vencimento imediato, ficando a distribuição da quota extraordinária aprovada a constar da ata como Anexo 3.
Em suma, inexiste título executivo no que concretamente diz respeito às quotas mensais de condomínio, fundo comum de reserva legal e seguro multirriscos, existindo apenas título executivo no que respeita ao pagamento da quota extraordinária para limpeza da fachada em vidro do edifício e, que, de acordo com a conta corrente junta aos autos pelo exequente em 21.03.2016 na sequência do esclarecimento solicitado por despacho de 15.03.2016, se computa no montante global de 239,00€.»

Com os indicados fundamentos e considerando ainda que é o proprietário e não o locatário o responsável pelo pagamento desta quantia, foi proferida a seguinte decisão: «Em face do exposto, decide o Tribunal julgar os presentes embargos de executado parcialmente procedentes e, em consequência, determina-se o prosseguimento da execução para pagamento apenas da quantia de 239,00€, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento da obrigação até efetivo e integral pagamento, declarando-se extinta a execução quanto ao demais peticionado
O embargado recorreu e formulou as seguintes conclusões:
1–Todas as atas dadas à execução, que aprovam qualquer obrigação de pagamento, por parte dos condóminos, nomeadamente da executada, da sua quota-parte em despesas comuns do condomínio indicam, expressamente, o valor correspondente a tal quota-parte, assim como o prazo para o respetivo pagamento.
2– No requerimento executivo inicial diz-se que:  “Na Assembleia Geral de Condóminos realizada no Edifício onde se acham integradas as fracções da executada, no dia 6 de Junho de 2011, foram aprovadas as contribuições devidas por cada condómino para o exercício de 2011 - cfr. acta que se junta como doc. 2 e aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.” Na mencionada ata de 6 de junho de 2011, junta ao processo, com o requerimento inicial, como documento nº 2, diz-se o seguinte: “(…) Ponto 4: Discussão e votação de “Orçamentos de Despesas Correntes” para o exercício de 2011. Atendendo a que o Orçamento de Despesas Correntes se encontra desfasado dos valores que o Condomínio está a despender nas diversas rubricas (dado não sofrer alterações desde 2004), foi deliberado por unanimidade proceder à sua actualização, ficando o Orçamento aprovado a constar desta acta como Anexo 5. Atendendo a que o exercício económico já vai a meio (não se tendo realizado esta Assembleia antes por falta de quorum), também por unanimidade dos condóminos presentes, foi deliberado que o acerto do Orçamento referente aos 12 meses do exercício de 2011 deverá ser pago nos meses de Julho a Dezembro de 2011 – a distribuição deste acerto pelos condóminos fica a constar desta acta como Anexo 6 (…)”. Ora, os anexos 5 e 6 da ata fazem parte integrante da mesma e consistem na distribuição, por cada um dos condóminos do edifício, da respectiva quota-parte nas despesas correntes comuns do condomínio, para o exercício de 2011 e respectivos prazos para pagamento.

3– No requerimento executivo inicial diz-se, de seguida, que:  “Na Assembleia Geral de Condóminos realizada no Edifício onde se acham integradas as fracções da executada, que se iniciou no dia 25 de Junho de 2013, foi suspensa e teve continuidade no dia 16 de Setembro de 2013, foram aprovadas as contribuições devidas por cada condómino para o exercício de 2013.” Na mencionada ata de 25 de junho de 2013, junta ao processo, com o requerimento inicial, como documento nº 3, diz-se o seguinte: “(…) Os representantes da … informaram a Assembleia que a proposta desta empresa é manter o Orçamento de Despesas Correntes, se a opção da Assembleia for manter os serviços até aqui prestados; foi analisada uma proposta apresentada pelo Sr. Arq. A..., condómino das fracções G, BH e BV. Seguiu-se a discussão deste assunto pelos presentes, após o que foi deliberado suspender os trabalhos e retomar os mesmos no início da 2ª quinzena de Setembro, se possível em 16 de Setembro de 2013, pelas 18H30, no mesmo local (Sala 1º E) – até essa data, os condóminos interessados poderão recolher outras propostas, tendo sido pedido à Administração que indique a listagem dos trabalhos de limpeza, para que as propostas a recolher sejam comparáveis. (…)” Assim, manteve-se o valor do orçamento de despesas correntes aprovado na assembleia geral de condóminos anterior, realizada a 6 de junho de 2011, no regime de duodécimos, assim como a respectiva distribuição por fracção e prazos de pagamento. Na segunda parte desta assembleia, cuja ata foi junta ao processo com o requerimento inicial, que teve lugar a 16 de Setembro de 2013, deliberou-se o seguinte: “ De seguida, e por sugestão de alguns condóminos presentes, foram colocadas à votação as seguintes propostas:
A)– Manter o ano económico de 1 de Janeiro de 2013 a 31 de Dezembro de 2013 e fazer-se um crédito em função da permilagem, facturando-se 11 meses no ano económico (em vez de 12 meses) em todos os serviços prestados pelas empresas do grupo da … (limpeza, manutenção preventiva, honorários da administração e manutenção de elevadores), desconto esse que se traduz no valor global de € 1018,62 (mil e dezoitos euros);
B)– Alterar-se o ano económico do edifício, passando a ser de 1 de Outubro de 2013 a 30 de Setembro de 2014, realizando-se a assembleia anual em Outubro e fazer-se um desconto no valor global de € 1463,60 (mil, quatrocentos e sessenta e três euros e sessenta cêntimos) nos serviços prestados pelas empresas do grupo da ... (limpeza, manutenção preventiva, honorários da administração e manutenção de elevadores). Por maioria dos condóminos presentes, com o voto contra da fracção A, as abstenções das fracções D, S, Z, AA, AT, M, N, O, AJ, AL, AR, AS, BD, BI e BR e os demais votos favoráveis foi aprovada a proposta B).” Ou seja, uma vez mais, manteve-se o valor do orçamento de despesas correntes aprovado na assembleia geral de condóminos anterior, realizada a 6 de junho de 2011, no regime de duodécimos, assim como a respectiva distribuição por fracção e prazos de pagamento. Apenas foi dado um desconto ao condomínio, por parte da respectiva administração, que se reflectiu nas contas do exercício seguinte. Não foram, no entanto, alteradas as quotas de cada um dos Condóminos.
4– Assim, todas as atas dadas à execução têm força executiva, na medida em que contêm deliberações das quais nasce a obrigação de pagamento de contribuições por parte da executada/embargante.
5– Deve, assim, a decisão proferida pelo Tribunal a quo ser revogada e a execução prosseguir os seus termos para pagamento da quantia global peticionada (€ 6432,38 – seis mil,
quatrocentos e trinta e dois euros e trinta e oito cêntimos) pelo
exequente / embargado / recorrente, por parte da executada /embargante / recorrida.
Terminou, requerendo a revogação da decisão proferida em primeira instância e a continuação da execução para pagamento da quantia global peticionada (€ 6432,38 – seis mil, quatrocentos e trinta e dois euros e trinta e oito cêntimos).

A recorrida contra-alegou e formulou as seguintes conclusões:
I)– Diz-nos o artigo 10º nº 5 do CPC que toda a execução tem por base um título executivo, pelo qual se determinam os fins e limites da ação.
II)– Nos termos do artigo 53º nº 1 do CPC: “A execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor.”
III)– A recorrente não juntou aos autos qualquer documento que seja título executivo suficiente nos termos legais aplicáveis e onde a recorrida conste como devedora.
IV)– O art.º 6.º n.º 1 do DL 268/94 de 25 de outubro dispõe que “A ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota parte…”
V)– A esse propósito tem sido defendido que apenas a ata da assembleia de condóminos que define a comparticipação de cada condómino nas despesas comuns, bem como o respetivo montante e prazo de pagamento pode ser considerada título executivo.
VI)– A interpretação da citada norma legal só pode ser esta, atenta a sua expressa referência à deliberação sobre o montante das contribuições, ao facto de não ser efetuado o pagamento e ainda a referência ao prazo estabelecido.
VII)– A propósito das razões de dever ser esta a interpretação mais conforme com a norma em causa, foi dito no Acórdão do STJ de 14-10-2014 in www.dgsi.pt que só assim se pode considerar que o legislador consagrou a solução mais acertada e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados de acordo com as indicações do nº 3 do art. 9º, nº 3 do CC.
VIII)– A ata junta com o requerimento executivo não cumpre as formalidades para valer como título executivo nos termos do disposto no art.º 6.º n.º 1 do DL 268/94 de 25 de outubro.
IX)– Com efeito, a ata junta com o requerimento executivo não define a participação de cada condómino nas despesas comuns e o respetivo montante e o prazo de pagamento e nem identifica a recorrida como devedora.
X)– E o título executivo não deve ser completado com um requerimento ou documento que, nem sequer, explicita o conteúdo da ata, mas antes acrescenta elementos que da mesma não constam.
XI)– Ao que acresce que em nenhum local, quer da ata quer da demais documentação junta aos autos, consta a identificação da recorrida como condómino ou devedora de qualquer quantia.
XII)– Do exposto, resulta a inexistência de título executivo, pois é este que determina o âmbito da execução, devendo manter-se nesta parte a decisão recorrida.
A decisão do tribunal a quo está em conformidade com as normas legais aplicáveis, pelo que deverá ser mantida nesta parte, improcedendo a presente apelação.

A recorrida apresentou ainda recurso subordinado quanto à parte da decisão que a considerou responsável pelo pagamento de 239,00€, formulando as seguintes conclusões:
I)–O presente recurso respeita à parte da douta sentença recorrida que julgou a recorrente, enquanto proprietária das frações autónomas, a responsável pelo pagamento das prestações de condomínio, independentemente de as mesmas terem sido locadas em regime de locação financeira.
II)–Com efeito, apesar de a recorrente ser proprietária das frações autónoma indicadas no requerimento executivo, a aquisição foi feita apenas para que as mesmas fossem objeto de um contrato de locação financeira.
III)–Conforme consta dos autos no exercício da sua atividade comercial, a recorrente celebrou com a firma C- contrato de locação financeira imobiliária nº 508288, cujo objeto são as frações autónomas designadas pelas letras “AF”, “AG”, “AH”, “AU”, “AV” e “B… sito na Rua … descrito na CRP da Maia sob o nº … e inscrito na matriz predial sob o artigo …
IV)–O contrato de locação financeira é definido como um contrato, a médio ou longo prazo, destinado a financiar alguém, não através de uma prestação em dinheiro, mas do uso de um bem, para determinados fins, no estabelecimento de uma relação trilateral, na qual o futuro locatário contacta o fornecedor dos bens pretendidos, escolhe os que necessita, inteirando-se do preço, condições de pagamento e regime de manutenção, celebrando o locatário e o locador o contrato de locação, sendo que nos termos de tal contrato o locador celebra um contrato de compra e venda ou de empreitada com o fornecedor, pagando o locador a este os bens fornecidos, e estes entregues ao locatário, satisfazendo este último as rendas devidas ao locador e no fim do prazo estabelecido no contrato, assistirá ao locatário a possibilidade da aquisição do bem, pelo preço previsto.
V)–As frações autónomas foram escolhidas pela locatária que solicitou à recorrente a celebração do contrato de locação financeira.
VI)–Nos termos do contrato de locação financeira referido, nomeadamente do artigo Quinto das Disposições Comuns do mesmo o pagamento das despesas de condomínio são da responsabilidade do locatário, neste caso a C.
VII)–E nos termos do artigo 10º nº 1 alínea b) do DL 149/95 de 24 de Julho, são obrigações do locatário pagar “em caso de locação de fracção autónoma, as despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum” e nos termos da al. e) do nº 2: “Exercer, na locação de fracção autónoma, os direitos próprios do locador, com excepção dos que, pela sua natureza, somente por aquele possam ser exercidos;”
VIII)–E embora estas disposições digam respeito às relações entre a locadora e a locatária, que são meramente obrigacionais, o certo é que elas não resultam apenas do contrato celebrado, é o regime legal aplicável ao contrato que dispõe expressamente que são que do obrigações do locatário pagar as despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum - artigo 10º nº 1 alínea b) do DL 149/95 de 24 de Julho.
IX)–Sendo certo que a locação financeira está sujeita a registo, logo, todas as entidades que se possam relacionar com a locatária têm acesso à informação sobre a sua posição.
X)–Perante o regime enunciado, nomeadamente na ampla proteção dispensada ao locatário, se possa dizer que o mesmo é o dono económico do bem na vigência do contrato e assim responsável pelo pagamento das despesas comuns, mesmo não esquecendo que o locador mantém alguns dos seus poderes, maxime no concerne à disposição do bem, certo é que o locatário tem o direito de participar em assembleias-gerais, incluindo o direito de votar, face ao disposto no n.º 2, e) do art.º 10, do DL 149/95 de 24 de Julho, participando assim na formação da vontade coletiva, caso da aprovação de despesas, receitas e orçamento, não se compreendendo que o locador pudesse ser obrigado a satisfazer as despesas aprovadas pelo locatário, nada justificando a solidariedade das obrigações, a não ser que seja voluntária.
XI)–Saliente-se, no atendimento do regime do contrato de locação, no que respeita aos arrendamentos vinculísticos, que sendo as despesas com as partes comuns das frações autónomas da responsabilidade do senhorio, art.º 1030º do CC, por em regra ser o titular do direito de propriedade do arrendado, embora por convenção das partes possam ficar a cargo do inquilino, neste último caso, e sem outra indicação, não poderá mais ser responsabilizado o senhorio pelas despesas com as partes comuns.
XII)–Por outro lado, as obrigações de satisfação das despesas contempladas no art.º 1424º do CC, a natureza de obrigações propter rem, como obrigações em função da coisa, apontadas como obrigações reais, sendo a pessoa do devedor determinada através da titularidade da coisa, nem sempre as mesmas se transmitem para quem venha adquirir o direito real, como é o caso das obrigações dos condóminos de um edifico em propriedade horizontal no que respeita ao pagamento das despesas em causa, porquanto como correspetivo de um uso e fruição que couberam ao alienante, deve ser este a suportar o custo do gozo que a coisa lhe proporcionou, acompanhando a dívida, nestes casos, o seu “causador” e não a coisa.
XIII)–Assim, face ao regime específico e vocação do contrato de locação financeira, visando o financiamento do locatário, o qual tem o gozo da fração autónoma, conclui-se que a cargo do mesmo deve ficar o pagamento das despesas com as partes comuns, bem como as relativas aos serviços de interesse também comum e diretamente relacionadas com o uso e fruição da coisa.
XIV)–Nos presentes autos, por força da celebração do contrato de locação financeira relativo às frações indicadas e no qual a recorrente é a locadora, não está a mesma adstrita ao pagamento das despesas peticionados porque respeitam ao gozo e uso do bem locado.
XV)–Neste sentido destacamos o douto acórdão da Veneranda Relação de Lisboa no âmbito do processo 3160/09.1TBALM-A.L1-6 de 03/11/2011 in: www.dgsi.pt, onde concluir: “Assim sendo, a obrigação do pagamento das despesas necessárias à fruição das partes comuns do edifício e dos serviços de interesse comum, no caso de locação financeira de fracção autónoma, cabe ao locatário (…) o pagamento das respectivas despesas de condomínio constituiu uma obrigação do locatário, sendo inexigível o seu pagamento ao locador.”
XVI)–No mesmo sentido, o Supremo Tribunal de Justiça, o Acórdão de 02- 03-2010, proc. 5662/07.5YYPRT-A.S1, in www.dgsi.pt: “Pelo quanto dissemos, a sentença recorrida não merece censura ao considerar que é sobre o locatário financeiro de fracções autónomas (propriedade horizontal) que recai o pagamento das despesas a que alude o art. 1424º, nº1, do Código Civil – ou seja, as necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum.”
XVII)–Pelo que atenta a especificidade do regime em causa, nomeadamente o facto de a fração autónoma estar na posse de C, por força do contrato de locação financeira, a qual teve o respetivo uso e fruição, o que é do conhecimento da recorrida e para mais consta do registo do imóvel cuja cópia foi junta aos autos pela própria recorrida, a obrigação de pagamento das dividas de condomínio não é da responsabilidade da ora recorrente.
XVIII)–A douta sentença recorrida viola, entre outras disposições que V. Exas doutamente suprirão, o art. 10.º, n.º s 1, alínea b), e 2, alínea e), do DL n.º 149/95, de 24 de Junho e o art. 405º do C.C.
                                              
II–Importa solucionar as seguintes questões :
-Se as actas apresentadas com o requerimento executivo constituem títulos executivos;
-Se a embargante não é responsável pelo pagamento das dívidas do condomínio.
                                              
III–Apreciação.

Vejamos se as actas apresentadas com o requerimento executivo constituem título executivo.
Com interesse para apreciação desta questão, importa atender ao conteúdo da acta do dia 06.06.2011.
Na referida acta consta : «Atendendo a que o Orçamento de Despesas Correntes se encontra desfasado dos valores que o Condomínio está a despender nas diversas rubricas (dado não sofrer alterações desde 2004), foi deliberado por unanimidade proceder à sua actualização, ficando o Orçamento aprovado a constar desta acta como Anexo 5. Atendendo a que o exercício económico já vai a meio (não se tendo realizado esta Assembleia antes por falta de quórum), também por unanimidade dos condóminos presentes, foi deliberado que o acerto do Orçamento referente aos 12 meses do exercício de 2011 deverá ser pago nos meses de Julho a Dezembro de 2011 – a distribuição deste acerto pelos condóminos fica a constar desta acta como Anexo 6»
Nos anexos 5 e 6 ( que deverão ser considerados partes integrantes da acta) figura a distribuição, por cada um dos condóminos do edifício, da respectiva quota-parte nas despesas correntes comuns do condomínio, para o exercício de 2011.

Estabelece o art. 6º, nº1 do DL. nº 268/94, de 25 de Outubro:
« A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota parte.»

Este artigo tem suscitado dúvidas quanto à sua interpretação.
De acordo com uma posição jurisprudencial, constitui título executivo a acta que fixa as prestações por cada condómino e o respectivo prazo de pagamento ( vide Acórdão da Relação de Guimarães de 08.01.2013 e Acórdãos desta Relação de 02.05.2013, 11.07.2013 e 26.01.2017- www.dgsi.pt  ).

Defende outra corrente jurisprudencial que terá força executiva a acta que consigna as quantias em dívida ao condomínio ( vide Acórdãos desta Relação de 02.03.2004 e 07.07.2011-www.dgsi.pt).
Concordamos com a primeira posição face ao conteúdo do próprio preceito legal ao utilizar as expressões “ que deixar de pagar, no prazo estabelecido…”

Perfilhamos, assim, a posição adoptada na sentença recorrida.

Consideramos, no entanto, que na referida acta e seus anexos constam a quota parte devida por cada condómino, bem como a sua participação no Fundo de Reserva Comum. O mesmo já não sucede quanto ao montante devido a título de seguro.
O que significa que há título executivo quanto a parte das despesas do condomínio.
Importa, agora, verificar se tais dívidas são da responsabilidade da embargante.
Acerca desta questão existem também duas correntes jurisprudenciais.

A primeira entende que a responsabilidade pelo pagamento das despesas de condomínio cabe ao locador ( neste sentido, vide, designadamente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.07.2008 e Acórdão da Relação de Lisboa de 27.06.2006- www.dgsi.pt ).

A segunda posição defende que a responsabilidade por tais despesas cabe ao locatário ( neste sentido, vide, designadamente Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10.07.2008 e de 2.03.2010 e Acórdãos desta Relação de 03.11.2011, 06.11.2012 e 27.02.2014- www.dgsi.pt).

Conforme estatuí o art. 1º do Regime Jurídico do contrato de locação financeira[2] : «Locação financeira é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados.»
Constitui obrigação do locatário, em caso de locação de fracção autónoma, pagar as despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns do edifício e aos serviços de interesse comum ( art. 10º, nº1, b) do referido regime jurídico).
De acordo com a primeira posição jurisprudencial, as relações entre o locador e o locatário são de natureza obrigacional, enquanto as relações entre os condóminos são de natureza real. O locatário não é o dono da coisa locada e poderá nunca assumir esta posição.
Ainda de acordo a mesma posição, face ao disposto no art. 1424º, nº1 do Código Civil[3] e uma vez que o contrato de locação financeira tem eficácia inter partes , o proprietário não deixará de ser responsável perante o condomínio pelo pagamento das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum.
Defendemos, no entanto, a segunda posição pelas razões que passaremos a indicar.
É certo que o contrato de locação financeira assume natureza obrigacional.
Mas não deveremos esquecer que está sujeito a registo, cabendo ao locatário «os direitos próprios do locador, com excepção dos que, pela sua natureza, somente por aquele possam ser exercidos» ( art. 10º, nº2, e) do referido Regime do Contrato de Locação Financeira). 

Conforme refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.03.2010 ( Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do STJ, Ano XVIII, tomo I, págs. 84 a 88), « o locatário é o dono económico da coisa na vigência do contrato (…) A propriedade desempenha um papel fundamentalmente instrumental do financiamento não sendo um fim em si mesmo.»

Assim se explica que, salvo estipulação em contrário, o risco de perda ou deterioração do bem corra por conta do locatário ( art. 15º do referido regime jurídico) e que seja permitido ao locatário o exercício contra o vendedor ou empreiteiro de todos os direitos relativos ao bem locado ou resultantes do contrato de compra e venda ou de empreitada ( art. 13º).

Concordamos com referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.03.2010 quando conclui que « o regime jurídico das obrigações “propter rem” deva ter aqui em atenção a especificidade do contrato e o fim económico que o tipo contratual visa.»

Em síntese:Perante a especificidade do contrato de locação financeira, a sua sujeição a registo e a regra constante do art. 10º, nº1, b) do Regime Jurídico da Locação Financeira, consideramos que as despesas do condomínio são da responsabilidade do locatário e não do locador.
Improcede, assim, o recurso de apelação e procede o recurso subordinado.
                                              
IV–Decisão:

Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação e procedente o recurso subordinado e, consequentemente, declara-se extinta a execução.
Custas do recurso principal pelo recorrente.
Custas do recurso subordinado pelo recorrido. 
Registe e notifique.


                                              
Lisboa, 6 de Abril de 2017



Francisca Mendes
Eduardo Petersen Silva
Maria Manuela Gomes



[1]Consta  na decisão 05.0. 2013, por lapso. Dever-se-á ler 25.06.2013.
[2]DL nº 149/95, de 24/06, com as alterações do DL nº 265/97, de 02/10, do DL nº 285/2001, de 03/11 e do DL nº 30/2008, de 25/02
[3]De acordo com este preceito legal, “salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das
suas fracções”.

Decisão Texto Integral: