Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2842/23.0T8SXL.L1-6
Relator: MARIA TERESA F. MASCARENHAS GARCIA
Descritores: INVENTÁRIO
INTERESSADO
INSOLVENTE
PODERES DE ADMINISTRAÇÃO
ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
COMPROMISSO DE HONRA
NULIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/09/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Num inventário em que um dos interessados é declarado insolvente o seu quinhão hereditário passa a integrar a massa insolvente (no momento da declaração da insolvência, quando a abertura da sucessão ocorre em momento anterior àquela declaração- como é o caso dos autos - ou em momento posterior, quando o óbito e abertura da sucessão ocorre após a declaração de insolvência e na pendência do processo).
II. A qualidade de sucessor legal da inventariada permanece na esfera jurídica da interessada/insolvente, mas a mesma fica privada dos poderes de administração e disposição dos bens, passando a ser representada processualmente, nesse âmbito, pelo administrador da insolvência
III. Só uma substituição da insolvente pelo Administrador, no processo de inventário, é apta à finalidade da razão de ser dessa substituição representativa, que mais não é do que a protecção do património do insolvente em função do interesse dos credores por forma a salvaguardar a satisfação dos respectivos créditos.
IV. O Administrador de insolvência não tem, por obrigação legal, de consultar a insolvente nas decisões a tomar no âmbito do inventário. Essas obrigações do Administrador de insolvência apenas se verificam para com a comissão de credores e para com o Tribunal onde corre o processo de insolvência – art.º 55.º n.º 5 e 58.º do CIRE.
V. Em momento algum a lei adoptou uma solução que colocasse nesta equação de controlo da actividade do Administrador de insolvência, o próprio insolvente, sem prejuízo da sua responsabilidade pessoal nos termos do art.º 59.º do CIRE.
VI. A prestação de compromisso de honra por parte do cabeça de casal reporta-se a um trâmite processual consubstanciando, a sua ausência, uma omissão de formalidade no confronto com o formalismo processual prescrito na lei.
VII. A falta de prestação de compromisso de honra apenas consubstanciará uma nulidade secundária, nos termos do disposto no art.º 195.º do CPC, caso essa mesma omissão interfira ou comprometa de forma relevante o exame ou decisão da causa.
VIII. A relevância a que alude o art.º 195.º, n.º 1, do CPC, terá de ser encontrada casuisticamente tendo em atenção a sua potencialidade de interferir na concreta decisão da causa, atentos os particulares contornos do processo.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
M apresentou junto do Cartório Notarial F, requerimento de inventário para partilha de bens de herança deixada por óbito de E, sua mãe, falecida em 15-11-2015.
Por despacho de 09-01-2018 J foi nomeado cabeça de casal e designada data para compromisso de honra e legais declarações do mesmo. Mais se ordenou a citação do mesmo nos termos e para os efeitos do art.º 24.º, n.ºs 1, 2 e 3 do RJPI.
Prestadas declarações pelo cabeça de casal e junta aos autos a relação de bens, foi determinada, respectivamente, a notificação e citação do requerente e interessada D.
Por requerimento de 27-03-2018, M veio apresentar reclamação contra a relação de bens, alegando a insuficiente instrução das verbas 1, 4, 5 e 6.
Por requerimento de 05-04-2018 veio o cabeça de casal juntar aos autos a documentação aludida pelo interessado M, na sua reclamação de 27-03-2018.
Por requerimento de 17-04-2018 veio o interessado M informar os autos de que a interessada D havia sido declarada insolvente no âmbito do processo xxx/yy, que corre termos no Juízo de Comércio, 2.ª secção, J1, do Barreiro, sendo Administrador Judicial nomeado o Dr. B.
Procedeu-se à citação do Administrador Judicial.
Designou-se data para realização de conferência preparatória de interessados.
Por requerimento de 15-10-2018 veio a interessada D juntar aos autos instrumento, datado de 01-03-2018, de repúdio da herança deixada por óbito da inventariada E.
Nessa sequência veio a Massa insolvente de A e D, representada pelo Administrador Judicial, informar os autos de que:
- por requerimento de A e D deu-se início a um processo especial para acordo de pagamento (doravante PEAP), no âmbito do qual foi nomeado administrador judicial provisório;
- tal processo foi concluído sem aprovação de um plano de revitalização dos devedores, tendo sido emitido parecer no sentido de que os mesmos se encontravam em situação de insolvência, e como tal tendo a mesma sido requerida pelo Sr. Administrador judicial provisório;
- por sentença de 15-02-2018 foi declarada a insolvência do casal A e D;
- em data anterior aos factos supra expostos morreu a mãe de D, deixando os bens constantes da relação de bens, tendo o administrador procedido à apreensão do quinhão hereditário de D para a massa insolvente;
- em 01-03-2018 a interessada D repudiou a herança aberta por óbito de sua mãe;
- o referido repúdio é prejudicial para a massa insolvente e para a satisfação dos credores da insolvência, na medida em que é um acto gratuito que acarreta para os familiares da insolvente o recebimento do quinhão hereditário que lhe caberia, de valor não inferior a € 33.158,44;
- tendo o mesmo sido feito em data posterior à declaração de insolvência, a qual era do seu conhecimento na medida em que, por requerimento de 26-02-2018, requereram a admissão da exoneração do passivo restante;
-tendo repudiado a herança sem dar conhecimento e solicitado a autorização do administrador de insolvência;
- todo este processo eivado de má-fé era do conhecimento quer de D e A, como ainda do pai e irmão da primeira e filhos daqueles, os quais tinham plena consciência de que tal acto visava dissipar o património dos insolventes, dificultando a satisfação dos credores.
- todos eles pessoas especialmente relacionadas com o insolvente, presumindo-se assim a má fé dos mesmos;
- a declaração de insolvência tem como efeito a privação imediata dos poderes de administração e disposição dos bens integrantes da massa insolvente, razão pela qual todo e qualquer acto de disposição e administração de bens que integravam a massa insolvente são ineficazes independentemente de declaração judicial.
Pelo exposto requer o Sr. Administrador Judicial que:
(i) se considere verificada a ineficácia do repúdio da herança;
(ii) que, em consequência, o quinhão hereditário seja integrado na massa insolvente de A e D;
(iii) seja admitida a intervenção do administrador de insolvência na qualidade de interessado.
A 30-10-2018 realizou-se conferência preparatória de conferência de interessados na qual a Exma. Notária não aceitou o instrumento de repúdio apresentado, por o mesmo estar dependente do depósito electrónico, não constante do referido documento.
Nessa mesma conferência preparatória, a requerimento. da Massa Insolvente, foi requerida a avaliação das verbas 1 a 7 da Relação de bens, o que foi determinado, tendo-se nomeado perito para o efeito.
Por requerimento de 13-12-2019 veio o requerente dar conhecimento aos autos do falecimento do cabeça de casal e requerer a cumulação de inventários.
A 16-12-2019 veio a interessada D constituir mandatário nos presentes autos de inventário.
A 18-05-2020 foi junto aos autos relatório de avaliação das verbas imóveis. Por requerimento de 10-11-2020 veio a Massa Insolvente de D requerer a junção aos autos de relatório de avaliação dos imóveis n.º 1 e 6, atenta a inércia do perito avaliador, assim como requerer a designação de data para continuação da conferência preparatória que havia sido suspensa.
Por despacho de 13-07 determinou-se a cumulação de inventários por óbito de E e J e designou-se cabeça de casal o requerente M.
Por requerimento de 03-04-2023 apresentado pelo requerente/cabeça de casal e pela interessada Massa insolvente de D vieram os mesmos formalizar nos autos acordo quanto à partilha das verbas 2, 3 e 6 e requerer o prosseguimento dos autos quanto às restantes verbas da Relação de bens.
A 30-04-2023 foi proferido o seguinte despacho:
“Em 03.04.2023, vieram os interessados juntar aos autos um acordo de partilha parcial e requerer a remessa do mesmo para homologação.
Cumpre esclarecer que o RJPI (Lei n.º 23/2013, de 5 de Março) que se aplica ao presente processo não prevê a possibilidade de acordo parcial no âmbito do processo.
Assim, devem as partes requerer a remessa do presente processo para tramitação judicial, uma vez que a Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro, já contempla a possibilidade de acordo parcial no artigo 1112.º do CPC.
Notifique-se.”
Posteriormente vieram cabeça de casal e interessada Massa Insolvente de D apresentar proposta de acordo global para todos os bens constantes da relação de bens, requerendo (i) se dispense a realização de conferência de interessados; (ii) se profira despacho sobre a forma à partilha e (iii) se transfiram as tornas devidas para a conta aberta em nome da Massa Insolvente no Banco Z.
Remetidos os autos ao Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo Local Cível do Seixal, veio a interessada D requerer que as notificações para si sejam enviadas para a morada por si fornecida e revogar o mandato outorgado por procuração oportunamente junta aos autos.
Por requerimento de 15-02-2024 veio a Massa Insolvente pronunciar-se sobre o requerimento da interessada D.
Por despacho da Sra. Notária de 10-04-2024 foi proferido despacho de forma e mapa à partilha.
A 03-05-2024 foi proferida sentença a homologar a partilha a que se reporta o mapa de partilha elaborado pela Sra. Notária, adjudicando aos interessados os bens que compõem os respectivos quinhões.
Notificada de tal sentença veio a interessada D interpor recurso de apelação, apresentando as suas alegações nas quais apresenta as seguintes CONCLUSÕES:
1.ª
A recorrente foi declarada insolvente em 15 de Fevereiro de 2018, por sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Comércio do Barreiro – Juiz 1, transitada em julgado em 8 de Março de 2018.
2.ª
O procedimento e exoneração do passivo restante da insolvente tiveram início por despacho em 9 de Maio de 2018.
3.ª
Com a entrada em vigor da Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, o período de cessão passou a ser de 3 (três) anos.
4.ª
O período de cessão da insolvente estava ainda em curso, com previsão de fim em 9 de Maio de 2023.
5.ª
Entretanto, conforme o disposto no número 3 do artigo 10.º da mesma lei, nos processos de insolvência de pessoas singulares pendentes à data de entrada em vigor da lei, nos quais tivesse sido liminarmente deferido o pedido de exoneração do passivo restante e cujo período de cessão de rendimento disponível em curso já tivesse completado três anos, passava a considerar-se findo o referido período.

Assim, o período de cessão relativo ao processo de insolvência da recorrente terminou com a entrada em vigor da Lei n.º 9/2022, em 11 de Abril de 2022, data a partir da qual a recorrente deixou de estar insolvente e deveria ter partilhado o controlo das negociações relativas ao processo de partilha,
7.ª
Ou, pelo menos, deveria ter dado à recorrente conhecimento dos termos da transacção que pretendia leva a cabo.
8.ª
No entanto, o Sr. Administrador Judicial nomeado continuou a assumir o controlo exclusivo das negociações entre os herdeiros, sem legitimidade para tal, após essa data e até à conclusão do processo.
9.º
Concomitantemente, durante o decurso do processo a recorrente constatou que as notificações lhe não chegavam.
10.ª
Com o passar do tempo acabou por saber que as notificações enviadas por carta o eram para o endereço que constava no seu Cartão de Cidadão.
11.ª
Durante todo este período a recorrente lutou com situações de saúde que a obrigaram a duas mastectomias e não teve capacidade para observar com atenção o que se passava ao seu redor.
12.ª
Com a remissão da doença, entendeu finalmente que as notificações que pensava que lhe eram dirigidas não lhe eram entregues, porque a caixa de correio era controlada pelo irmão que não lhe fazia chegar as notificações, nem as devolvia.
13.ª
Por outro lado, no processo de inventário apenas o Sr. Administrador Judicial, enquanto seu representante, era notificado
14.ª
E este não lhe comunicou nada sobre o processo, mesmo depois de a recorrente ter terminado o seu período de cessão.
15.ª
No dia 2 de Fevereiro de 2024, deu entrada a um requerimento em que solicitava a alteração da morada para a qual pretendia ser notificada,
16.ª
Revogando – no mesmo acto – o mandato ao ilustre advogado que a representava
17.ª
Ainda assim, a notificação do despacho de homologação do mapa de partilhas – de que se recorre – não chegou ainda à posse da recorrente,
18.ª
Tendo sido informada do mesmo pelo ilustre advogado que lhe foi nomeado após a revogação de mandato comunicada ao Tribunal e referida supra.
19.ª
Cabe, também, dizer que o Sr. Administrador Judicial não cumpriu a totalidade das obrigações decorrentes da lei.
20.ª
O Sr. Administrador Judicial procurou cumprir à risca o disposto na alínea a) do referido número 1 do artigo 55.º do CIRE,
21.ª
Contudo, violou simultaneamente, de forma clara, o disposto na alínea b) do mesmo número e do mesmo artigo.
22.ª
Uma administração que visasse prover à conservação e frutificação dos direitos do insolvente nunca permitiria que a negociação dos bens da herança fosse feita com base em números que não correspondem à realidade do mercado no momento da transacção.
23.ª
A lista de verbas sujeitas a inventário incluía 7 (sete) prédios a partilhar.
24.ª
Em 11 de Novembro de 2018 foi nomeado perito o Sr. Engenheiro Perito C, que iria proceder à avaliação dos prédios em causa.
25.ª
O Sr. Perito apresentou relatórios de avaliação para as verbas e nas datas que constam da tabela seguinte:
Verba Data
2- 11/02/2019
7- 12/02/2019
5- 16/02/2019
3- 11/03/2019
26.ª
Em 15 de Janeiro de 2020, porém, o cabeça de casal apresentou requerimento ao processo indicando a falta dos relatórios há 14 (catorze) meses.
27.ª
O que prova o atraso com que os relatórios foram apresentados.
28.ª
Na ausência de relatórios de avaliação para as verbas 1, 4 e 6, em 10 de Novembro de 2021, a Massa Insolvente de D veio requerer a junção ao processo de relatórios de avaliação para as verbas 1 e 6.
29.ª
Uma discussão dos valores apresentados para as respectivas verbas pode ser consultada na página 5 e seguintes das alegações, permitindo a criação de uma tabela resumo da página seguinte.
Verba Valor
1- 98.100 €
2- 89.000 €
3- 60.600 €
4
5- 79.400 €
6- 4.710 €
7- 37.900 €
30.ª
Verifica-se que nenhuma avaliação foi apresentada para a verba 4.
31.ª
Sem questionar, num primeiro tempo, as verbas apresentadas em relatórios periciais, a recorrente estranhou, desde logo, dois aspectos.
32.ª
Primeiro, a não apresentação de valor para a verba 4.
33.ª
Desde logo, da semelhança de valores patrimoniais e dimensões do prédio a que corresponde a verba 4 com o prédio a que corresponde a verba 5, para o qual há avaliação, poderia inferir-se um valor actual semelhante entre ambos.
34.ª
Além disso, o prédio urbano a que corresponde a verba 4 tem, na sua certidão permanente, a indicação de um valor tributável de 43.311,61 € (quarenta e três mil trezentos e onze euros sessenta e um cêntimos),
35.ª
Enquanto o prédio a que corresponde a verba 5 tem, na sua certidão permanente, a indicação de um valor tributável de 1.732,45 € (mil setecentos e trinta e dois euros e quarenta e cinco cêntimos).
36.ª
Parece, por conseguinte, seguro concluir que o prédio correspondente à verba 4 deveria apresentar uma avaliação, no mínimo, semelhante à do prédio que corresponde à verba 5, isto é, 79.400 € (setenta e nove mil e quatrocentos euros).
37.ª
O que permitira o preenchimento total da tabela
Verba Valor
1- 98.100 €
2- 89.000 €
3- 60.600 €
4- 79.400 €
5- 79.400 €
6- 4.710 €
7- 37.900 €
38.ª
Contudo, outro detalhe chama a atenção, a saber, a fraca valorização do prédio que constitui a verba 6.
39.ª
Apesar de se encontrar ausente da Matriz, o prédio é composto por um edifício térreo e logradouro, sendo a área coberta de 111 m2 e o total de 911m2.
40.ª
Numa breve consulta ao site Idealista.pt, a recorrente verificou que a evolução do preço por m2 de venda de terrenos edificados em Tavira era a que se vê no quadro seguinte:
Mês Valor €/m2
Fevereiro de 2019 1.897
Janeiro de 2020 2.045
Janeiro de 2021 2.146
Janeiro de 2022 2.369
Janeiro de 2023 2.865
Fonte: https://www.idealista.pt/media/relatorios-preco-habitacao/venda/faro/tavira/
41.ª
Por muito destruído que o edifício térreo estivesse, não parece factível que 911 m2 de terreno urbano – já com a implantação de um edifício térreo de 111 m2 passível de reconstrução – valesse, à data da avaliação apenas 4.710 € (quatro mil setecentos e dez euros), o que corresponderia a uma valorização de 5,17 €/m2 (cinco euros e dezassete cêntimos por metro quadrado).
42.ª
Em guisa de comparação, o valor patrimonial do bem (14.860 € – catorze mil oitocentos e sessenta euros) consegue atingir 16 €/m2 (dezasseis euros por metro quadrado), mais do triplo do valor em que se pretende valorizar o bem!
43.ª
No mínimo, por conseguinte, a valorização da verba 6, para defender o património da insolvente/recorrente, deveria ter ser feita pelo valor patrimonial, isto é, 14.860 € (catorze mil oitocentos e sessenta euros).
44.ª
O que permitiria completar a tabela, considerando os valores de avaliação e 2019/2021, da seguinte forma:
Verba Valor
1- 98.100 €
2- 89.000 €
3- 60.600 €
4- 79.400 €
5- 79.400 €
6- 14.860 €
7- 37.900 €
45.ª
O que daria um total de 459.260 € (quatrocentos e cinquenta e nove mil euros duzentos e sessenta euros).
46.ª
Ou seja, um acréscimo superior a 156.000 € (cento e cinquenta e seis mil euros) ao total conseguido na negociação realizada.
47.ª
Acresce, ainda, que – como já foi referido supra – a avaliação do Sr. Perito nomeado data de 2019 e a avaliação apresentada pela Massa Insolvente data de 2021.
48.ª
Dando como exemplo a freguesia da Amora, verificamos a subida do mercado imobiliário:
Mês Valor €/m2
Fevereiro de 2019 1.127
Janeiro de 2020 1.315
Janeiro de 2021 1.524
Novembro de 2021 1.698
Janeiro de 2022 1.716
Julho de 2022 1.968
Janeiro de 2023 2.017
Fonte: https://www.idealista.pt/media/relatorios-preco-habitacao/venda/setubal/seixal/amora/
49.ª
Se o Sr. Administrador Judicial tivesse cumprido o disposto na lei, prestando atenção à frutificação dos direitos patrimoniais da insolvente, poderia ter conseguido um acréscimo de quase 80% (oitenta por cento) no património da insolvente, aqui recorrente, em relação às avaliações de 2019, e um acréscimo de quase 20% em relação às avaliações de 2021.
50.ª
Por outro lado, ao limitar a sua actuação à defesa dos direitos dos credores e não dar atenção às suas obrigações legais para com a insolvente, aqui recorrente, o Sr. Administrador Judicial impediu a insolvente de se manifestar e dar conhecimento às partes que não estava interessada em tornas.
51.ª
Pretendendo manter a propriedade dos bens possíveis, por serem herança materna (e, posteriormente, paterna) e terem, por essa razão, valor também sentimental.
52.ª
Pois tornas haveria que dar, dado o “excesso de bens licitados pelo interessado M” (Despacho da Sra. Notária, com mapa de partilha).
53.ª
Com a sua actuação descuidada e que procurou apenas resolver com brevidade o problema dos credores da Massa Insolvente, o Sr. Administrador Judicial violou o disposto na alínea b) do número 1 do artigo 55.º do CIRE.
54.ª
Além disso, ao representar a insolvente, aqui recorrente, após o final do seu tempo de cessão e sem lhe dar conhecimento da negociação que estava a levar a cabo ou da transacção que tinha celebrado, o Sr. Administrador Judicial violou os artigos 19.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), suspendendo o exercício de direitos da recorrente sem que para tal tivesse mandato e impedindo a recorrente de aceder à tutela jurisdicional efectiva.
55.ª
Foram, ainda, violados os direitos constitucionais da recorrente à capacidade civil e à cidadania (CRP artigo 26.º, n.º 1).
56.ª
Ao receber a correspondência destinada à insolvente, aqui recorrente, não a entregando à recorrente nem a devolvendo, o seu irmão, que acabou por celebrar uma transacção com o Sr. Administrador Judicial em seu benefício próprio, violou o artigo 34.º da CRP.
57.ª
As violações citadas das normas constitucionais, traduzem-se concomitantemente em violações das normas correspondentes da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, facto que aqui também se alega para os devidos efeitos.
58.ª
Parece, ainda, inacreditável que o cabeça de casal não tenha prestado compromisso de honra, que seria legalmente obrigatório.
59.ª
Pois a recorrente constatou, na comunicação que acompanhou a remessa dos documentos ao Tribunal que iria homologar a transacção ilegal aceite pelo Sr. Administrador Judicial, que a Sra. Notária afirma:
Importa referir que depois do falecimento do cabeça de casal J, foi nomeado o requerente, M, mas este não chegou a dirigir-se ao cartório para prestar o compromisso de honra.
60.ª
O facto de a Sra. Notária ter compactuado com a ilegalidade de se continuar a transacção sem que o novo cabeça de casal tenha prestado o compromisso de honra, seria desde logo e ao abrigo dos artigos 2086, n.º 1, alínea b) e 2096.º do Código Civil, motivo para que a insolvente/recorrente solicitasse a destituição do cabeça de casal, se tivesse podido acompanhar o processo, como era seu direito.
61.ª
Contudo, dado que estava privada dos seus direitos constitucionais pela acção ilegal do Sr. Administrador Judicial, não foi do seu conhecimento a ilegalidade cometida, que configura nulidade do processo, nos termos conjugados dos artigos 220.º e 295.º do Código Civil.
62.ª
Com base em todas as ilegalidades descritas, outra solução não restava à recorrente que não fosse a interposição do presente recurso de apelação.
Nestes termos, nos melhores de direito e, sempre, com o douto suprimento de V. Exas, vem a recorrente D, recorrer a esse Venerando Tribunal no sentido de que seja dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão proferida e devolvendo o processo de inventário ao Tribunal a quo para que ali se dirimam as questões relativas ao valor dos bens atribuídos a cada verba, considerando cada uma pelo seu valor real actual e não pelo valor que lhe foi atribuído por perícias desactualizadas e altamente lesivas para a recorrente.
Veio o requerente/cabeça de casal apresentar contra-alegações a 15-07-2024, terminando com as seguintes CONCLUSÕES:
A) A recorrente vem com as suas Alegações de Recurso juntar o comprovativo do Pedido de Apoio Judiciário, tendo junto apenas e só um documento de depósito de entrega na Segurança Social referindo ter entregado vários documentos em conjunto com tal pedido.
B) Não pode o Pedido de Apoio Judiciário ser deferido nesta fase de Recurso.
C) Conforme o dispõe o artigo 18.º da Lei 34/2004 de 29/07 o Apoio Judiciário deve ser requerido antes da 1.ª intervenção processual no processo, salvo se a situação de insuficiência em que deve ser requerido antes da 1ª intervenção processual.
D) A recorrente não cumpriu com a obrigação de comunicar ao tribunal que tinha requerido o apoio judiciário junto da Segurança Socia apenas juntando nas alegações de Recurso o comprovativo do Pedido, não cumprindo com a exigência da prévia comunicação ao Tribunal.
E) Pelo que se impugna o pedido do Apoio Judiciário nos presentes autos.
F) Vem a Recorrente invocar nas suas alegações que o período de cessão da insolvente estava ainda em curso com previsão de fim em 9 de maio de 2023 por força da entrada em vigor da Lei 9/2022 artigo 12.º.
G) E que por este motivo a Requerente deixou de estar insolvente naquela data e deveria a recorrente ter retomado as negociações relativas ao processo de partilha, ainda que partilhasse esse controlo com o Administrador Judicial.
H) Não existe efetivamente essa solução jurídica no Direito português de partilha das funções do AI com os Herdeiros.
I) Pois que de acordo com o artigo 81.º do CIRE - apreendido o quinhão hereditário o insolvente deixa de ter quinhão hereditário, que por sua natureza é alienável e partilhável de acordo com os artigos 2001.º e 2024.º do CPC.
J) Deve ainda o AI por inerência e obrigatoriedade no exercício das suas funções, proceder e em consequência da apreensão do quinhão hereditário e sempre com o conhecimento e anuência dos demais credores proceder à liquidação do ativo neste caso do quinhão hereditário para pagamento aos credores.
K) Pois que a mesma em momento próprio e até nas presentes alegações apenas disserta que os valores atribuídos aos imóveis não correspondem aos valores de mercado, mas não junta qualquer avaliação ou documento que nos permita discordar da avaliação feita nos presentes autos, por entidade credenciada Perito nomeado nos autos de Inventário.
L) Que correm ainda autos de Execução no Juízo de Execução de Almada – Juiz 1, sob o n.º xxx/yyTBSXL em que o agora Apelado e Herdeiro é executado em que é Exequente C, e os seus pais D. E e Sr. J ainda eram vivos, cuja dívida à referida instituição proveio de fiança emprestada pelos pais da recorrente à referida instituição, e que até ao momento não se encontra saldada.
M) Pois que o AI, apenas quando encerra o processo de insolvência e liquidação do ativo, termina com as suas funções, tendo obrigação legal de recuperar todos os bens dos insolventes para pagamento aos credores.
N) Com efeito, todas as questões agora colocadas em crise foram devidamente admitidas analisadas e assegurado o princípio do contraditório e objeto de despacho que não foi objeto de reclamação pela recorrente, nem pelos seus mandatários.
O) Em 16 de dezembro de 2019 foi junta procuração pelo Dr. S, conferida pela agora recorrente D.
P) Em 10 de novembro de 2021 foram juntos ao processo de inventário, relatórios de avaliação de todas as verbas, tendo a recorrente sido notificada do mesmo na pessoa do seu mandatário, não tendo impugnado ou colocado em causa o valor de tais bens, ou requerer nova avaliação.
Q) Também é falso e manifesta má-fé o alegado pela Recorrente quando a mesma refere que não foi devidamente notificada alegando que era o seu irmão que recebia as notificações e que estas não lhe chegaram ao seu conhecimento, porquanto, mudou de morada e que como invoca no artigo 17 das alegações que a notificação do Despacho de homologação do Mapa de Partilhas não chegou à posse da Recorrente.
R) Basta consultar os autos para confirmar que em 2 de fevereiro de 2024 a mesma vem informar o Tribunal que pretende ser notificada na morada Rua ---, informando também da renúncia ao mandato a favor do Dr. S e requerer o pedido de Apoio Judiciário na modalidade de pagamento e compensação da nomeação de patrono e dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo no prazo de 10 dias úteis.
S) A Recorrente não requereu Apoio Judiciário e tendo revogado o mandato ao Dr. S, nomeou vários advogados para a representar, conforme se pode constatar da leitura dos autos.
T) A Recorrente vem ao fim de sete anos levantar a questão da omissão do Compromisso de Honra pelo Cabeça de Casal M, não questionando a sua qualidade e o cumprimento das suas obrigações no exercício do cargo.
U) O cabeça de casal depositou à ordem do presente processo o valor total de 151.500,00 €, para conseguir a partilha dos bens, contudo, teve que recorrer a empréstimo junto de particulares para fazer a partilha dos seus falecidos pais.
V) O artigo 14.º da Lei do Inventário dispõe o seguinte:
“1. No Requerimento em que se suscite o incidente e na oposição que lhe for deduzida, devem as partes oferecer o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova.
2. A oposição é deduzida no prazo de dez dias.
3. A falta de Oposição no prazo legal determina quanto á matéria do incidente, a produção de efeito cominatório nos termos das disposições gerais e comuns.
Isto é não tendo a agora Recorrente apresentado reclamação ou deduzido incidente
 oferecendo a respetiva prova, tem o efeito cominatório previsto no artigo 567.º do CPC.
W) Não pode ser atendido o pedido da Requerente de se manter na propriedade dos imóveis da Herança de seus pais, pela qualidade que mantém de insolvente.
Y) Não foi violado o princípio da igualdade invocado pela recorrente e previsto nos artigos 12.º e 19.º da CRP, a recorrente deveria ter indicado nos prazos previstos na Lei, possíveis irregularidades, o que não o fez, mas sempre se diga que não existiram quaisquer irregularidades praticadas pela Notária como Tribunal.
X) A mesma encontrava-se acompanhada de mandatário que devia reclamar ou recorrer nos prazos previstos na Lei (artigos 149.º e 199.º do CPC conjugados com o artigo 89.º da Lei do Inventário).
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO DEVE A PRESENTE A APELAÇÃO SER IMPROCEDENTE POR NÃO PROVADA, E SER HOMOLOGADA A SENTENÇA QUE ORDENOU A PARTILHA NO PRESENTE INVENTÁRIO, (...)”
Por requerimento de 09-02-2024 veio a Massa Insolvente de D apresentar as respectivas contra-alegações de recurso, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
1. A sentença proferida pelo Tribunal a quo em 03/05/2024 – de homologação da partilha a que se reporta o mapa de partilha elaborado por despacho da Dr.ª F de 10/04/2024 - coaduna-se com o Direito e mostra-se ajustada ao caso em análise.
2. Por sentença proferida em 15/02/2018, no processo n.º xxx/yyT8BRR, a correr termos no Juiz 1 do Juízo de Comércio do Barreiro do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, foi declarada a insolvência de A e D, tendo sido nomeado administrador da insolvência o Dr. B.
3. Por despacho proferido em 09/05/2018, foi determinado o prosseguimento dos autos de insolvência com o n.º xxx/yyT8BRR para liquidação do activo, a qual se encontra pendente do desfecho dos presentes autos.
4. Por despacho proferido em 09/05/2018, foi admitido liminarmente o incidente do passivo restante, nos termos do disposto nos arts. 237º, al. b) e 239º, ambos do CIRE,
5. tendo sido declarada a cessação antecipada do procedimento de exoneração e, em consequência, recusada a exoneração do passivo restante dos devedores A e D, por despacho proferido em 22/01/2019.
6. O processo de insolvência não foi encerrado, nos termos do art.º 230º do CIRE.
7. O art.º 81º, n.º 1 do CIRE consagra um dos efeitos principais da declaração da insolvência, que consiste na privação imediata do insolvente dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente,
8. assumindo o administrador da insolvência a representação do insolvente para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência (art.º 81º, n.º 4 do CIRE), competindo-lhe, designadamente, o exercício dos poderes de administração e disposição dos bens do insolvente que integram a massa insolvente (art.º 81º, n.º 1 do CIRE).
- vd. Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2ª Ed., 2015, Quid Juris, Lisboa, p. 433;
- vd. Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 4ª Ed., 2012, Almedina, Coimbra, p.90.
9. A massa insolvente, enquanto património autónomo, abrange também, por força do art.º 46º do CIRE, o direito à herança indivisa por óbito de J e de E, o qual foi objecto de apreensão no processo de insolvência, em 29/10/2018 e 03/06/2020.
10. À data da declaração da insolvência de D /Recorrente – 15/02/2018 -, tem legitimidade para intervir nos presentes autos de inventário, na qualidade de interessado, Administrador da insolvência nomeado no processo n.º xxx/yyT8BRR – Dr. B -, nomeadamente em representação da massa insolvente de A e D,
11. ao invés da própria insolvente, sob pena de ineficácia dos actos por si praticados.
- vd. art.º 81º, n.º 6 do CIRE;
- vd. Acórdão do Tribunal da relação de Guimarães de 12/05/2016 (RELATOR: ANABELA TENREIRO), disponível em www.dgsi.pt, p. 11.
12. Só o encerramento do processo de insolvência determina, nos termos do art.º 233º, n.º 1, al. a) do CIRE, a cessação do efeito principal da insolvência, ou seja, a recuperação, por parte do devedor, do direito à disposição dos seus bens e da livre gestão dos negócios, o que não ocorreu no caso sub judice.
- vd. Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2ª Ed., 2015, Quid Juris, Lisboa, p. 885;
- vd. Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2019, Almedina, Coimbra, pp. 296 e 297;
- vd. Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2015, Almedina, Coimbra, p. 349.
13. Não tendo o processo de insolvência encerrado, cabem tão só ao administrador da insolvência – in casu Dr. B – os poderes de administração e disposição dos bens que integram a massa insolvente,
14. sendo o único a ter legitimidade – nomeadamente em representação da massa insolvente de A e D – para intervir nos presentes autos.
15. Assim, não se vislumbra qualquer nulidade ou sequer irregularidade na eventual falta de notificação da Recorrente dos actos praticados nos presentes autos, o que, aliás, não sucedeu.
16. Sem prescindir do supra exposto e por mera cautela de patrocínio, dir-se-á que, do art.º 9º da Portaria n.º 46/2015, de 23/02, extraem-se, resumidamente, as seguintes conclusões:
- as “notificações às partes em processos pendentes são feitas electronicamente na pessoa dos seus mandatários judiciais”;
- quando “a notificação se destine a chamar a parte para a prática de acto pessoal, além de ser notificado o mandatário, é também expedido pelo correio um aviso registado à própria parte, indicando a data, o local e o fim da comparência”;
- as “citações e as notificações efectuadas directamente aos interessados que não tenham mandatário constituído são realizadas em suporte de papel, nos termos previstos no CPC”.
- vd. Fernando Neto Ferreirinha, Inventário Notarial – Reflexões Sobre o Novo Regime Jurídico, Aprovado Pela Lei N.º 117/2019, de 13 de Setembro, 2020, Almedina, Coimbra, pp. 209 e 211.
17. O art.º 249º, n.º 1 do CPC estabelece que, [s]e a parte não tiver constituído mandatário, as notificações são efetuadas nos termos previstos no n.º 5 do artigo 219º, quando aplicável, ou por carta registada, dirigida para a sua residência ou sede ou para o domicílio escolhido para o efeito de as receber, presumindo-se, nestes casos, feita no terceiro dia útil posterior ao do registo da carta ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando não o seja”.
18. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa esclarecem que “incumbe às partes informar o tribunal da mudança do seu domicílio. Destarte, caso a parte não receba uma notificação por não ter comunicado a mudança de domicílio, presume-se (júris et de iure) feita a notificação nos termos do nº 2, tratando-se de facto imputável à própria parte. O mesmo ocorre no caso de ser devolvida a carta registada que tenha sido remetida para o domicílio constante dos autos”.
- vd. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado – Vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração – Artigos 1.º a 702.º, 2.ª Edição, 2021, Almedina, Coimbra, p. 304.
19. No caso sub judice e por consulta do processo de inventário, constata-se que a Recorrente foi citada por carta registada com aviso de recepção que lhe foi dirigida em 27/03/2018 e endereçada para a sua residência sita na Rua ---, tendo o aviso de recepção sido assinado pela própria em 28/03/2018.
20. Só em 02/02/2024, a Recorrente requereu a alteração da sua morada para a Rua ---.
21. Em consonância com os arts. 9º da Portaria n.º 46/2015, de 23 de Fevereiro, e 249º do CPC, caso fosse exigível a notificação da Recorrente – o que não se concede -, esta foi notificada, entre outros, dos seguintes actos praticados no processo de inventário:
- notificação dos relatórios de avaliação na pessoa do mandatário constituído à data;
- notificação do despacho notarial proferido em 13/07/2022, na pessoa do Dr. S – com mandato no autos a favor da Recorrente entre 16/12/2019 e 02/02/2024 -, para, em 10 dias, informar se pretendia que fosse nomeado outro perito para proceder à avaliação dos imóveis então em falta (verbas n.º 1 e 6) ou se prescindia da mesma, a fim de ser designado dia para a continuação da conferência preparatória;
- notificação, em 13/11/2023, da Recorrente, entre outros, na pessoa do respectivo mandatário – Dr. S – do despacho notarial proferido nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 83º, n.º 1 do RJPI, dando nota da junção de acordo quanto à partilha dos bens;
- notificação do despacho notarial sob a forma de partilha, em 10/04/2024, na pessoa do respectivo mandatário;
- notificação da decisão ora impugnada, em 08/05/2024, na pessoa do respectivo mandatário à data – Dr. P (cfr. procuração junta aos autos em 14/02/2024) -, via Citius.
22. A própria Recorrente refere que as notificações realizadas por carta foram expedidas para o “endereço que constava no seu Cartão de Cidadão” e constante dos autos, presumindo-se ser a correspondente à sua efectiva residência, sendo-lhe imputável a eventual não recepção das notificações em apreço.
23. Por e-mail de 12/10/2023, o administrador da insolvência nomeado naquele processo de insolvência – Dr. B – notificou os credores da insolvência e os aí insolventes – nomeadamente a Recorrente – na pessoa dos respectivos mandatários constituídos nesse autos – mormente o Dr. em representação dos insolventes – dos termos da proposta de partilha que viria a ser apresentada no processo de inventário em 08/11/2023, tendo sido concedido prazo de 15 dias para emissão de parecer tido por conveniente.
- vd. arts. 17º e 161º, ambos do CIRE e 247º do CPC
24. o administrador da insolvência, em cumprimento do disposto no art.º 61º do CIRE, tem prestado informação regular, ao processo de insolvência n.º xxx/yyT8BRR, sobre o respectivo estado da liquidação do activo, mormente sobre o estado dos presentes autos, a qual está disponível para consulta por todos os intervenientes processuais, nomeadamente a Recorrente (que assume a qualidade de insolvente nesses autos).
25. A Recorrente foi notificada de todos os actos relevantes, quer nos presentes autos, que no processo de insolvência respectivo, com observância de todos os preceitos legais aplicáveis às citações/notificações, verificando-se, inclusive um excesso de zelo nesse sentido,
26. não procedendo, por tal facto, a pretensa violação de normas ordinárias ou constitucionais, nomeadamente as contidas nos arts. 19º, 20º, 26º, n.º 1 e 34º, todas da CRP.
27. O administrador da insolvência desempenhou e desempenha as suas funções com zelo, diligência e em estricto cumprimento da Lei, nomeadamente o disposto no art.º 55º, n.º 1, al. b) do CIRE.
28. A finalidade última do processo de insolvência é a satisfação dos credores, quando não seja possível pela forma prevista num plano de insolvência, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores (art.º 1º, n.º 1 do CIRE).
29. Incumbe ao administrador da insolvência, representando o insolvente para efeitos patrimoniais, defender os interesses comuns dos credores, sendo – como é – o fim último do processo a satisfação o mais completa possível do máximo número de credores.
- vd. Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2019, Almedina, Coimbra, p. 80.
30. A função prevista no art.º 55º, n.º 1, al. b) do CIRE é “uma consequência necessária do dever de diligência na gestão e liquidação da massa insolvente”, devendo o administrador da insolvência:
a) “prover ao exercício de todos os direitos de carácter patrimonial que integram a massa e garantir, dentro das possibilidades, a melhor rentabilidade dos bens apreendidos”,
b) “obviar à realização de despesas e à contenção de encargos desnecessários ou que não gerem um retorno” e
c) “promover a alienação dos bens pelos meios e modos que, em concreto, se mostrem mais adequados à maximização do valor dos mesmos”.
- vd. Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2ª Ed., 2015, Quid Juris, Lisboa, p. 342.
31. O administrador da insolvência – Dr. B – pautou a sua actuação no cumprimento, entre os demais, do preceituado no art.º 55º, n.º 1, al. b) do CIRE.
32. Com efeito, tendo tomado conhecimento da pendência do processo de inventário e do repúdio à herança aberta por óbito de sua mãe, E, por parte da Recorrente titulado por documento particular autenticado pela Dr.ª A, em 01/03/2018, foi requerida, em 29/10/2018 e nos presentes autos, a ineficácia do acto, ao abrigo do art.º 81º, n.º 6 do CIRE.
33. Por aditamentos ao auto de apreensão juntos ao processo de insolvência n.º xx/yyT8BRR (apenso C) em 29/10/2018 e 03/06/2020, o administrador da insolvência aí nomeado – Dr. B – procedeu à apreensão do quinhão hereditário pertencente à insolvente D – aqui Recorrente – nas heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbitos de E e de J constituídas pelos bens identificados na relação de bens junta ao processo de inventário.
34. Em sede de conferência preparatória da conferência de interessados realizada em 30/10/2018, foi requerida pela Massa insolvente a avaliação dos bens imóveis que constam das verbas n.º 1 a 7 da relação de bens, com vista à sua correcta e concreta valorização por perito avaliador, tendo sido nomeado o Eng.º Ca, inscrito na CMVM sob o número: PAI/2****/***
35. No exercício das suas funções, o perito nomeado disponibilizou os relatórios de avaliação dos bens imóveis descritos nas verbas n.º 2, 3, 4, 5 e 7 da relação de bens.
36. A Recorrida/Massa insolvente, atenta a delonga na disponibilização dos relatórios de avaliação dos bens constantes das verbas 1 e 6 da relação de bens, diligenciou no sentido da respectiva avaliação por entidade acreditada para o efeito.
37. Dos relatórios de avaliação supra identificados resultam os seguintes valores de mercado atribuídos às verbas 1 a 7 da relação de bens:
a) verba n.º 1 da relação de bens (prédio rústico descrito na CRP de Amora sob o n.º --- e inscrito na respectiva matriz predial sob o art.º ---): valor de mercado de € 98.100,00 (e valor de venda imediata de € 83.385,00);
b) verba n.º 2 da relação de bens (prédio urbano descrito na CRP de Amora sob o n.º --- e inscrito na respectiva matriz predial sob o art.º ---): valor de mercado de € 89.000,00;
c) verba n.º 3 da relação de bens (prédio urbano descrito na CRP de Amora sob o n.º --- e inscrito na respectiva matriz predial sob o art.º ---): valor de mercado de € 60.600,00;
d) verba n.º 4 da relação de bens (prédio urbano descrito na CRP de Seixal sob o n.º --- e inscrito na respectiva matriz predial sob o art.º--): valor de mercado de € 33.600,00;
e) verba n.º 5 da relação de bens (prédio urbano descrito na CRP de Seixal sob o n.º --- e inscrito na respectiva matriz predial sob o art.º ---): valor de mercado de € 47.800,00;
f) verba n.º 6 da relação de bens (prédio urbano descrito na CRP de Tavira sob o n.º --- e inscrito na respectiva matriz predial sob o art.º ---: valor de mercado de € 4.710,00 (e valor de venda imediata de € 4.000,00);
g) verba n.º 7 da relação de bens (prédio urbano descrito na CRP de Amora sob o n.º --- e inscrito na respectiva matriz predial sob o art.º ---): valor de mercado de € 37.900,00.
38. Todas as verbas da relação de bens foram objecto de avaliação, devendo-se, certamente, a lapso ou equívoco da Recorrente, a afirmação da inexistência/falta de avaliação da verba n.º 4.
39. As avaliações dos bens imóveis realizadas nesse âmbito e juntas ao processo de inventário tiveram em consideração as características específicas e concretas de cada um dos prédios, nomeadamente a localização, o estado de conservação, área, afectação, ónus e encargos associados, etc..
40. Notificada em 13/07/2022 para informar, no prazo de 10 dias, se pretendia a nomeação de outro perito para proceder à avaliação dos imóveis em falta ou se prescindia da mesma (atenta a apresentação de relatórios de avaliação pelo administrador da insolvência/massa insolvente), a Recorrente não se pronunciou.
41. Ademais, a Recorrente não reclamou dos relatórios de avaliação juntos ao processo de inventário, nem requereu a realização de segunda avaliação, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 485º, n.º 2 e 487º, ambos do CPC ex vi art.º 33º, n.º 2 do RJPI.
42. A Recorrente, ultrapassados os prazos que dispunha para sindicar as avaliações realizadas, pretende agora colocá-las em crise, com recurso a uma “breve consulta ao site Idealista.pt”,
43. consulta essa que, inevitavelmente, é alheia às características e ónus concretos e inerentes de cada um dos prédios em causa e, por isso, imprecisa e falaciosa.
44. Não se aceita, pois, a argumentação da Recorrente, desde logo, atenta a falta de legitimidade processual e, subsequentemente, devido à caducidade do direito e à deficitária fundamentação da pretensão.
45. A Recorrente não cuidou também de apresentar novos relatórios de avaliação elaborados por peritos devidamente acreditados para o efeito que sustentassem a sua posição.
46. Com vista à obtenção de uma solução favorável a todos os intervenientes, quer no processo de inventário, quer no processo de insolvência, o administrador da insolvência / massa insolvente encetou negociações com o cabeça-de-casal tendentes à partilha dos bens constantes da relação de bens – que constitui a finalidade última do processo de inventário.
47. A proposta de partilha junta aos autos em 08/11/2023 foi previamente submetida à apreciação dos credores da insolvência e dos aí insolvente, nomeadamente a Recorrente.
48. por e-mail de 12/10/2023 e em cumprimento do disposto no art.º 161º do CIRE, o administrador da insolvência nomeado no processo de insolvência n.º 451/18.4T8BRR – Dr. B – notificou os credores da insolvência e os aí insolventes – nomeadamente a Recorrente – na pessoa dos respectivos mandatários constituídos nesse autos – mormente o Dr. J em representação dos insolventes – dos termos da proposta de partilha que viria a ser apresentada no processo de inventário em 08/11/2023, tendo sido concedido prazo de 15 dias para emissão de parecer tido por conveniente.
49. A notificação em causa foi acompanhada dos factores que levaram o administrador da insolvência a considerar a proposta vantajosa para a massa insolvente, nomeadamente os seguintes:
- o cabeça-de-casal prescinde, por referência aos bens constantes da relação de bens, das despesas de cabecelato por si suportadas;
- os valores propostos correspondem aos valores das avaliações realizadas (na proporção do quinhão hereditário da insolvente/massa insolvente) e/ou valor de mercado dos bens;
- no processo de insolvência foram reclamados e reconhecidos créditos no valor global de € 282.319,85;
- em caso de aceitação da proposta apresentada no processo n.º ---, prevê-se que o valor apurado em sede de liquidação do activo (incluindo o valor a ser pago a título de tornas no processo de inventário), deduzidas as despesas da massa insolvente, se revela suficiente para ressarcir a totalidade dos créditos da insolvência;
- com esta solução permite-se o encerramento da liquidação do activo e a realização dos pagamentos aos credores de forma mais célere, evitando-se o protelar indefinido de tal encerramento e o avolumar de custos, nomeadamente a título de custas, emolumentos notariais e honorários devidos processo de inventário.
50. A notificação em mérito foi feita com a advertência que a ausência de oposição seria entendida como anuência às condições aí expostas, nomeadamente à aceitação da proposta apresentada pelo cabeça-de-casal M Soares no processo de inventário.
51. Os credores da insolvência e os insolventes, nomeadamente a Recorrente, notificados para o efeito, não se opuseram à proposta de partilha apresentada pelo cabeça- de-casal M, tendo todos, por conseguinte, anuído à mesma.
52. Com a partilha homologada por sentença ora impugnada, logra-se:
a) por um lado, a satisfação dos credores – finalidade do processo de insolvência -, que se traduz na possibilidade de verem os seus créditos ressarcidos no processo de insolvência, e;
b) por outro lado, a defesa dos interesses dos insolventes, mormente da Recorrente, que veem as suas dívidas liquidadas, ficando desonerados de tal encargo, principalmente se se atender ao facto de lhes ter sido recusada a exoneração do passivo restante.
53. Com a mencionada partilha, possibilitou-se uma melhor rentabilidade do direito apreendido, contendo-se o avolumar de encargos com o processo e o protelar indefinido do encerramento da liquidação do activo – pendente do desfecho dos presentes autos -, promovendo-se a “alienação” dos bens pelos meios e modos que, em concreto, se mostram adequados à maximização dos mesmos, tudo em cumprimento do disposto no art.º 55º, n.º 1, al. b) do CIRE.
54. Por fim, importa referir que a pretensão da Recorrente na manutenção da propriedade dos bens inventariados na sua esfera patrimonial não tem viabilidade jurídica: caso a partilha nos presentes autos, por mera hipótese, se fizesse pela repartição dos bens pelos interessados (cabeça-de-casal e Massa insolvente), o administrador da insolvência teria de proceder à subsequente venda no processo de insolvência, onerando a massa insolvente com os custos inerentes e com a incerteza de conseguir propostas por valor similares aos atribuídos nos presentes autos.
TERMOS EM QUE,
negando Vossas Excelências provimento ao recurso e confirmando a sentença de homologação da partilha a que se reporta o mapa de partilha elaborado por despacho da Dr.ª F de 10/04/2024, será feita Justiça!
*
O recurso foi admitido como sendo de apelação autónoma, com subida de imediato e efeito meramente devolutivo.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. O objecto e a delimitação do recurso
Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.
De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
No caso, a decisão directamente impugnada no recurso é a sentença da Exma. Sr.ª Juiz de Direito que homologou a partilha levada a cabo no processo de inventário notarial. Mas a impugnação da sentença homologatória da partilha é meramente instrumental relativamente à questão que, verdadeiramente, constitui objecto do recurso: uma vicissitude processual – scilicet, uma nulidade processual inominada secundária – ocorrida no decurso do processo de inventário, na fase em que o respectivo dominus ou decisor é o notário, do que decorre que a impugnação da sentença homologatória da partilha tem por finalidade conspícua assegurar a arguição e o conhecimento, pelo tribunal ad quem, daquela invalidade processual.
Desta forma, caso seja de prover aquela arguição, a procedência do recurso e a revogação da sentença que homologou a partilha é uma inevitabilidade.
Da mesma forma que, se se negar provimento àquela arguição, seja qual for a razão que, para o efeito, seja encontrada, a improcedência do recurso da sentença que julgou a partilha é meramente consequencial.
Desta forma, considerando os parâmetros da competência decisória ou funcional desta Relação, assim delimitados, a – fundamental – as questões concretas controversas colocada à sua atenção são as de saber se no processo de inventário notarial se verificaram as nulidades processuais apontadas, não antes suscitadas, nomeadamente:
- da ausência de intervenção da recorrente no processo de inventário e suas negociações após o período de cessão;
- da não notificação pessoal da interessada recorrente no decurso do processo de inventário e muito concretamente após o período de cessão;
- da violação das obrigações por parte do administrador judicial, em detrimento da interessada /insolvente;
- da nulidade de falta de prestação de compromisso de honra por parte do cabeça de casal nomeado na sequência do falecimento do primitivo cabeça de casal.
 
*
III. Os factos
Da consulta dos presentes autos resultam os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:
1. Em 02-11-2017 M apresentou, junto do Cartório Notarial, requerimento de inventário, por óbito de E, falecida a 15-11-2015.
2. Por despacho de 09-01-2018 foi designado cabeça de casal J, e designada data para compromisso de honra e declarações do cabeça de casal, tendo-se, na mesma data, procedido à citação do mesmo.
3. Em 08-02-2018 foi prestado compromisso de honra por parte do cabeça de casal, tendo o mesmo prestado as seguintes declarações: “No dia 15 de Novembro de 2015, na freguesia de Almada (…) faleceu, sem testamento ou outra disposição de última vontade, E, no estado de casada com o declarante (…) Que a falecida deixou como únicos herdeiros por vocação legal o seu cônjuge, J, ora declarante acima já identificado e dois filhos M, o requerente do presente inventário e D (…). Que a herança é composta por activo e que requer o prazo de 30 dias para vir juntar aos autos a relação de bens devidamente instruída.(…)”.
4. Por despacho proferido na mesma data e diligência foi deferida a concessão do prazo de 30 dias para o cabeça de casal juntar aos autos relação de bens devidamente instruída.
5. Em 07-03-2018 veio o cabeça de casal juntar aos autos relação de bens Imóveis e móveis com o seguinte teor:
BENS IMÓVEIS
VERBA n.º l
Prédio rústico, sito nos Foros de Amora, descrito na Conservatória do Registo Predial da Amora sob o nº--- e inscrito na matriz da freguesia da Amora, sob o art.º---, com valor patrimonial de 429,79€, doc. nº l
Verba n.º 2
Prédio urbano, sito na Estrada dos Foros de Amora n.º --- e Av. do Bonfim n.º ---, Foros de Amora, descrito na Conservatória do Registo Predial da Amora sob o nº ---, e inscrito na matriz da freguesia da Amora sob o art.º---, com valor patrimonial 96.260.00€, doc. nº 2
Verba n.º 3
Prédio Urbano sito nos Foros de Amora, descrito na Conservatória do Registo Predial da Amora sob o nº --- e inscrito na matriz da freguesia da Amora sob o art.º ---, com valor patrimonial de 32.289.97€, doc. n.º 3.
Verba n.º 4
Prédio urbano sito na estrada Nacional lugar Torre da Marinha, descrito na Conservatória do Registo da Amora sob o nº --- e inscrito na matriz da respectiva freguesia sob o art.º ---, com o valor patrimonial de 19.653.45€ doc. n.º 4.
Verba n.º 5
Prédio urbano sito na estrada Nacional da Torre da Marinha, descrito na Conservatória do registo Predial do Seixal sob o nº ---, e inscrito na matriz da respectiva freguesia sob o art.º ---, com valor patrimonial d 19.652.45€ doc. nº 5.
Verba n.º 6
Prédio urbano sito em Tavira, inscrito na Conservatória do registo Predial de Tavira sob o nº ---, e inscrito na matriz da respectiva freguesia ---, com valor de 14.860.00€ doc. nº 6.
Verba n.º 7
Prédio urbano sito na Rua de ---, nº--- na Amora, inscrito na Conservatória do registo Predial da Amora sob o nº --- e inscrito na matriz da freguesia da Amora sob o art.º ---, com valor de 15.610.00€, doc. n.º 7.
BENS MÓVEIS
Verba n.º 8
Mobília de quarto de casa, composta d cama, duas mesinhas de cabeceira, guarda fato e cómodo, no valor de 50.00€.
Verba n.º 9
Mobília de sala de jantar, composta por mesa e seis Cadeiras no valor de 40.00€
Verba nº 10
Conjunto de sofás no valor de 15.00€.
Verba nº 11
Móvel de sala no valor de 30.00€.
Verba n.º 12
Máquina de lavar roupa, com valor de 20.00€
Verba nº 13
Frigorifico, no valor de 15.00€
Verba nº 14
Placa de fogão encastrada no valor de 25.00€.
6. Por despacho de 12-03-2018 foi ordenada a citação da interessada D e a notificação do requerente M, nos termos e para os efeitos dos arts. 30.º e 32.º do RJPI, com a advertência de que as provas devem ser apresentadas com os requerimentos e respostas (art.º 31.º, n.º 2, do mesmo diploma), as quais foram efectuadas por ofício de 12-03-2018.
7. A interessada D foi citada nos termos referidos em 6. em 28-03-2018.
8. Por requerimento de 27-03-2018 veio o requerente M reclamar da Relação de bens por não se mostrar instruída de forma completa.
9. Por requerimento de 05-04-2018 veio o cabeça de casal juntar aos autos as certidões prediais e cadernetas referentes aos imóveis em falta.
10. Por requerimento de 17-04-2018 veio o requerente M dar conhecimento aos autos de que a interessada D havia sido declarada insolvente no âmbito do processo xxx/yy.0T8BRR, Juízo de Comércio, 2.ª secção, J1 do Barreiro e de que havia sido nomeado administrador judicial o Dr. B, fornecendo os seus contactos.
11. Em 25-09-2018 foi proferido despacho designando data para realização de conferência preparatória de conferência de interessados, tendo desse despacho sido notificados o requerente, o cabeça de casal e o administrador de insolvência de D.
12. Por requerimento de 15-10-2018 veio o requerente do inventário juntar aos autos instrumento de repúdio da herança aberta por óbito de E, outorgado por D e seu marido A em 01-03-2018, autenticado por Advogada.
13. Por despacho de 16-10-2018 foi ordenada a notificação do cabeça de casal para juntar aos autos assento de nascimento da interessada D, ao que o mesmo deu cumprimento em 18-10-2018.
14. Do Assento de nascimento da interessada D consta:
(i) o averbamento n.º 2, de 26-09-2017, de nomeação de administrador judicial provisório, no âmbito de processo especial para acordo de pagamento, por despacho proferido pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Comércio do Barreiro – J1;
(ii) O averbamento n.º 3, de 28-03-2018, de declaração de insolvência, nos termos de sentença proferida em 15-02-2018, às 11h e 55 mnts, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Comércio do Barreiro – J1 e nomeação de B como administrador judicial;
(iii) Averbamento n.º 4 de 26-06-2018, de início de procedimento de exoneração do passivo restante e nomeação de fiduciário, por despacho de 09-05-2018.
15. Por requerimento de 29-10-2018 veio a Massa insolvente de A e D, representada pelo Administrador Judicial B, requerer:
- se considere verificada a ineficácia do repúdio da herança realizado pela insolvente;
- em consequência o quinhão hereditário composto pelos bens identificados na relação de bens seja integrado na massa insolvente;
- seja admitida a intervenção do administrador de insolvência nos presentes autos na qualidade de interessado.
16. No âmbito do processo de insolvência o Sr. Administrador procedeu à apreensão do quinhão hereditário da Insolvente D na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito da sua mãe E.
17. No dia 30-10-2018 foi realizada Conferência preparatória da conferência de interessados, tendo estado presentes M, acompanhado da sua mandatária, Dra. --- em representação do cabeça de casal e Dra.--- em representação da massa insolvente.
18. Por despacho proferido nessa conferência não se aceitou o instrumento de repúdio junto aos autos, com a seguinte fundamentação:
“A validade de autenticação dos documentos particulares ……. está dependente de depósito electrónico desses documentos, ……” ---
Ora, do documento junto aos autos não consta o referido código do depósito electrónico.--------
Veja-se o que dispõe a este propósito David Martins Lopes Figueiredo em anotação ao Parecer 19/CC/2018 dos Instituto dos Registos e Notariado: ----------------------------------------------------
“Quando o documento particular autenticado titula um ato para cuja celebração anteriormente à
reforma era reservada a escritura pública e que, com a reforma, foi colocado a par da escritura pública, tem o titulador que observar todas as formalidades previstas no código do notariado ou em legislação avulsa para esse tipo de ato, ... e o correspondente depósito electrónico, ainda que o ato não esteja sujeito a registo, ao contrário do que poderá , numa leitura menos atenta, depreender-se do nº 1 do art.º 24º do D.L. nº 116/2008 ou do nº 2 do art.º 6º da Portaria nº 1535/2008, de 30/12.”
Concluindo o referido Parecer que: “estando o repúdio de herança de que façam parte bens imóveis abrangido pela referida equivalência, por força do disposto no dito art.º 22º/c) e da actual redacção do art.º 2126º/1 e 2 do Código Civil [e da revogação da alínea d), do nº 1 do art.º 80º do Código do Notariado], é-lhe aplicável o disposto no dito art.º 24º (nomeadamente quanto ao depósito electrónico), sem embargo de não constituir ato sujeito a registo predial.”
Pelo que não pode este Cartório aceitar o referido documento.”.
19. Nessa mesma conferência pedida a palavra pela mandatária da Massa Insolvente pela mesma foi requerida a avaliação das verbas 1 a 7 da relação de bens, o que determinou a suspensão da conferência preparatória e a nomeação de perito avaliador.
19A. Por requerimento de 13-12-2019 o requerente M deu conhecimento aos autos do falecimento do cabeça de casal J e requereu a cumulação de inventários
20. Por requerimento de 16-12-2019 veio a interessada D requerer a junção de procuração aos autos, a favor do Dr. S e Dra. G.
21. Por requerimento de 15-01-2020 veio o requerente M requerer se insista junto do perito avaliador pela junção do relatório pericial.
22. Em 18-05-2020 foi junto aos autos Relatório de avaliação referente aos imóveis 2, 3, 4 e 7.
23. Por requerimento de 13-11-2020 do requerente M foi requerido que o valor dos bens sujeitos a avaliação, e não impugnados, sejam aceites de acordo com o disposto no art.º 26.º da RGPI e que seja destituído o Sr. Perito e nomeado outro para proceder à avaliação dos imóveis em falta.
24. Por requerimento de 10-11-2021 veio a Massa Insolvente juntar aos autos relatório de avaliação dos imóveis descritos nas verbas 1 a 6, se tenham os valores nele constantes considerados para efeitos de partilha e se designe nova data para conferência preparatória de conferência de interessados.
25. Por requerimento de 15-02-2022 veio o interessado M informar os autos que concorda com os valores das avaliações, requerente o prosseguimento dos autos com a marcação de conferência preparatória.
26. Por despacho de 13-07-2022 nomeou-se cabeça de casal o requerente M, ordenado a notificação do mesmo para indicar a sua disponibilidade para comparecer no Cartório e prestar compromisso de honra e determinou-se a cumulação de inventários.
27. Por requerimento de 03-04-2023 vieram cabeça de casal e administrador de insolvência apresentar acordo parcial referente à partilha dos imóveis 2, 3 e 6, requerendo a sua homologação, e o prosseguimento dos autos com vista à partilha dos restantes bens.
28. A 30-04-2023 foi proferido o seguinte despacho:
“Em 03.04.2023, vieram os interessados juntar aos autos um acordo de partilha parcial e requerer a remessa do mesmo para homologação.
Cumpre esclarecer que o RJPI (Lei n.º 23/2013, de 5 de Março) que se aplica ao presente processo não prevê a possibilidade de acordo parcial no âmbito do processo. Assim, devem as partes requerer a remessa do presente processo para tramitação judicial, uma vez que a Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro, já contempla a possibilidade de acordo parcial no artigo 1112.º do CPC.
Notifique-se.”
29. Por requerimentos de 02-05-2023 e 03-05-2023 vieram, respectivamente, cabeça de casal e massa insolvente de D requerer a remessa dos autos para o Tribunal Judicial competente.
30. A 08-11-2023 vieram M e Massa insolvente de D comunicar aos autos acordo quanto à partilha da totalidade dos bens, no qual o cabeça de casal prescindiu das despesas de cabecelato por si suportadas.
31. Por requerimento de 02-02-2024 veio a interessada D solicitar o envio de notificações para nova morada e revogar o mandato conferido nos autos ao Dr. S.
32. Por requerimento de 05-02-2024 veio o Sr. Administrador de insolvência pronunciar-se sobre o requerimento de D (de 02-02-2024) e informar os autos que o acordo de partilha apresentado, e pendente de homologação, foi previamente submetido à apreciação dos credores e insolventes, conforme documento que juntou.
33. A 10 de Abril de 2024 foi proferido, pela Sra. Notária, o seguinte despacho:
“Procede-se neste Cartório Notarial a processo de inventário por óbito de E e J, falecidos em 15 de Novembro de 2015 e 2 de Outubro de 2019, respectivamente, casados que foram um com o outro sob o regime da comunhão geral de bens, em primeiras núpcias de ambos.
A inventariada, E, faleceu sem deixar testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, tendo deixado a suceder-lhe: o marido, posteriormente falecido, J, e os filhos, M e D.
O inventariado J faleceu sem deixar testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, tendo deixado a suceder-lhe os filhos, M e D.
Conforme previsto nos artigos 2032.º, 2133.º, n.º 1, alínea a) do Código Civil, aberta a sucessão, à titularidade das relações jurídicas dos inventariados são chamados os sucessores acima indicados.
O acervo hereditário é constituído por bens imóveis e por bens móveis.
Para elaboração do mapa da partilha atende-se aos valores das adjudicações acordadas.
Este valor deverá ser divido em duas partes iguais, pelos dois filhos dos inventariados, para assim obtermos a quota de cada interessado na herança.
No preenchimento dos quinhões, ter-se-á em conta o resultado das adjudicações feitas, preenchendo-se o respectivo quinhão com os bens adjudicados e repondo aqueles que excederem.
Notifique-se.
***
MAPA DE PARTILHA
Ao elaborar o mapa de partilha verifiquei haver excesso de bens licitados pelo interessado M, sendo devidas tornas à interessada D
ACTIVO
Imóveis
Verbas n.º 1 (um) a 7 (sete). . . . . . ..  . . . . . . . . . . . . . . . 303.000,00€
Móveis
Verbas n.º 8 (oito) a 14 (catorze). . ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 00,00€
Total a partilhar. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .303.000,00€
 
OPERAÇÕES DA PARTILHA
(conforme determinado no despacho sobre a forma da partilha)
Soma-se o valor dos bens a partilhar, de acordo com as adjudicações . . .. . . . . . . .. . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . 303.000,00€
O montante obtido será dividido em duas partes iguais, assim se obtendo a quota de cada interessado . ... . . . . . . . . . . . .151.500,00€
 
PREENCHIMENTO DOS QUINHÕES
▪ M
Cabe-lhe:
Quinhão hereditário. . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151.500,00€
Recebe:
Verbas n.º 1 (um) a 7 (sete). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 303.000,00€
Verbas n.º 8 (oito) a 14 (catorze). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 00,00€
Leva a mais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .151.500,00€
Dá tornas a:
D no valor de . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151.500,00€
▪ D
Cabe-lhe:
Quinhão hereditário. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151.500,00€
Leva a menos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151.500,00€
Não recebe bens
Recebe tornas de M . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151.500,00€  
Notifiquem-se os interessados nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 63.º do RJPI
34. Em 03-05-2024 foi proferida a seguinte sentença:
“Nestes autos de inventário n.º 2842/23.0T8SXL, a que se procedeu por óbito de E, homologo por sentença a partilha a que se reporta o mapa de partilha elaborado por despacho da Sr.ª Dr.ª notária, de 10/04/2024, adjudicando aos interessados os bens que compõem os respectivos quinhões.
 Custas pelos interessados na proporção dos respectivos quinhões (art.º 67.º, n.º 1, da lei 23/2013, de 05.03).
*
Valor da acção para efeitos de custas: 303.000€ (o equivalente à soma dos bens a partilhar). “

IV. O Direito
a) exoneração do passivo restante e período de cessão e seus reflexos no processo de inventário (conclusões 1 a 8)
A este respeito alega a recorrente que:
 - O procedimento e exoneração do passivo restante da insolvente tiveram início por despacho proferido em 9 de Maio de 2018.
- Com a entrada em vigor da Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, o período de cessão passou a ser de 3 (três) anos.
- O período de cessão da insolvente estava ainda em curso, com previsão de fim em 9 de Maio de 2023.
- conforme o disposto no número 3 do artigo 10.º da mesma lei, nos processos de insolvência de pessoas singulares pendentes à data de entrada em vigor da lei, nos quais tivesse sido liminarmente deferido o pedido de exoneração do passivo restante e cujo período de cessão de rendimento disponível em curso já tivesse completado três anos, passava a considerar-se findo o referido período.
- Assim, o período de cessão relativo ao processo de insolvência da recorrente terminou com a entrada em vigor da Lei n.º 9/2022, em 11 de Abril de 2022, data a partir da qual a recorrente deixou de estar insolvente e deveria ter partilhado o controlo das negociações relativas ao processo de partilha,
- Ou, pelo menos, deveria ter dado à recorrente conhecimento dos termos da transacção que pretendia leva a cabo.
- sendo certo que o Sr. Administrador Judicial nomeado continuou a assumir o controlo exclusivo das negociações entre os herdeiros, sem legitimidade para tal, após essa data e até à conclusão do processo.
Apreciando:
Resulta dos autos que a interessada D foi declarada insolvente por sentença de 15-02-2018.
O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores (art.º 1º, n.º 1, 1ª parte, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa/CIRE[4], aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 18.3 e na redacção conferida pela Lei n.º 16/2012, de 20.4).
A massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo (art.º 46º, n.º 1). Os bens isentos de penhora só são integrados na massa insolvente se o devedor voluntariamente os apresentar e a impenhorabilidade não for absoluta (n.º 2).
Prosseguindo o processo após a declaração de insolvência, (1.) o juiz declara o seu encerramento, nos termos do art.º 230.º do CIRE:
a) Após a realização do rateio final, sem prejuízo do disposto no n.º 6 do artigo 239.º;
b) Após o trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de insolvência, se a isso não se opuser o conteúdo deste;
c) A pedido do devedor, quando este deixe de se encontrar em situação de insolvência ou todos os credores prestem o seu consentimento;
d) Quando o administrador da insolvência constate a insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente.
e) Quando este ainda não haja sido declarado, no despacho inicial do incidente de exoneração do passivo restante referido na alínea b) do artigo 237.º;
f) Após o encerramento da liquidação, quando não haja lugar à realização do rateio final, por a massa insolvente ter sido consumida pelas respetivas dívidas.
2 - A decisão de encerramento do processo é notificada aos credores e objecto da publicidade e do registo previstos nos artigos 37.º e 38.º, com indicação da razão determinante.
Por seu turno resulta do art.º 239.º do CIRE que:
1 - Não havendo motivo para indeferimento liminar, é proferido o despacho inicial, na assembleia de apreciação do relatório, ou nos 10 dias subsequentes a esta ou ao decurso dos prazos previstos no n.º 4 do artigo 236.º
2 - O despacho inicial determina que, durante os três anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, neste capítulo designado por período da cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido a entidade, neste capítulo designada por fiduciário, escolhida pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores da insolvência, nos termos e para os efeitos do artigo seguinte.
3 - Integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão:
a) Dos créditos a que se refere o artigo 115.º cedidos a terceiro, pelo período em que a cessão se mantenha eficaz;
b) Do que seja razoavelmente necessário para:
i) O sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional;
ii) O exercício pelo devedor da sua actividade profissional;
iii) Outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor.
4 - Durante o período da cessão, o devedor fica ainda obrigado a:
a) Não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título, e a informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado;
b) Exercer uma profissão remunerada, não a abandonando sem motivo legítimo, e a procurar diligentemente tal profissão quando desempregado, não recusando desrazoavelmente algum emprego para que seja apto;
c) Entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objecto de cessão;
d) Informar o tribunal e o fiduciário de qualquer mudança de domicílio ou de condições de emprego, no prazo de 10 dias após a respectiva ocorrência, bem como, quando solicitado e dentro de igual prazo, sobre as diligências realizadas para a obtenção de emprego;
e) Não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e a não criar qualquer vantagem especial para algum desses credores.
5 - A cessão prevista no n.º 2 prevalece sobre quaisquer acordos que excluam, condicionem ou por qualquer forma limitem a cessão de bens ou rendimentos do devedor.
6 - Sendo interposto recurso do despacho inicial, a realização do rateio final só determina o encerramento do processo depois de transitada em julgado a decisão.
Por seu turno o art.º 244.º, n.º 1, do CIRE, que:
1 - Não tendo havido lugar a cessação antecipada, ouvido o devedor, o fiduciário e os credores da insolvência, o juiz decide, nos 10 dias subsequentes ao termo do período da cessão, sobre a respetiva prorrogação, nos termos previstos no artigo 242.º-A, ou sobre a concessão ou não da exoneração do passivo restante do devedor.
2 - A exoneração é recusada pelos mesmos fundamentos e com subordinação aos mesmos requisitos por que o poderia ter sido antecipadamente, nos termos do artigo anterior.
3 - Findo o prazo da prorrogação do período de cessão, se aplicável, o juiz decide sobre a concessão ou não da exoneração do passivo restante nos termos dos números anteriores.
 O regime da exoneração do passivo restante, instituído nos arts. 235º e seguintes, específico da insolvência das pessoas singulares, é um instituto novo, ‘tributário da ideia de fresh start’, sendo o seu objectivo final a extinção das dívidas e a libertação do devedor, para que, «aprendida a lição», este não fique inibido de começar de novo e de, eventualmente, retomar o exercício da sua actividade económica.
Esse mesmo propósito foi explicitado pelo legislador referindo: “O Código conjuga de forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica. O princípio do ´fresh start` para as pessoas singulares de boa fé incorridas em situação de insolvência, tão difundido nos Estados Unidos, e recentemente incorporado na legislação alemã da insolvência, é agora também acolhido entre nós, através do regime da «exoneração do passivo restante».
O princípio geral nesta matéria é o de poder ser concedida ao devedor pessoa singular a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste.
A efectiva obtenção de tal benefício supõe, portanto, que, após a sujeição a processo de insolvência, o devedor permaneça por um período de cinco anos (até 2022)/três anos (após 2022) — designado período da cessão — ainda adstrito ao pagamento dos créditos da insolvência que não hajam sido integralmente satisfeitos. Durante esse período, ele assume, entre várias outras obrigações, a de ceder o seu rendimento disponível (tal como definido no Código) a um fiduciário (…), que afectará os montantes recebidos ao pagamento dos credores. No termo desse período, tendo o devedor cumprido, para com os credores, todos os deveres que sobre ele impendiam, é proferido despacho de exoneração, que liberta o devedor das eventuais dívidas ainda pendentes de pagamento.
A ponderação dos requisitos exigidos ao devedor e a conduta recta que ele teve, necessariamente, de adoptar justificará, então, que lhe seja concedido o benefício da exoneração, permitindo a sua reintegração plena na vida económica.
Ora, veio a recorrente alegar que o encerramento da insolvência, bem como o decurso do prazo de cessão.
Quer um (encerramento do processo), quer outro (concessão da exoneração findo o prazo de cessão) são objecto de despacho judicial: cf. arts. 230.º, n.ºs 1 e 2, e 244.º, n.ºs 1 e 3, ambos do CIRE.
Alega a recorrente o encerramento do processo e o fim do período de cessão. Não obstante nenhuma prova faz de tais factos, nomeadamente juntando certidão dos despachos judiciais que têm a virtualidade de operar o encerramento ou a exoneração, nem tão pouco certidão do registo de nascimento de onde constem tais averbamentos.
Assim sendo, estando por demonstrar tais factos, não pode o Tribunal – com base em meras alegações - retirar consequências dessa eventual factualidade.
O ónus da prova de tais factos recaía, como é evidente, sobre quem pretendia dos mesmos tirar partido e que mais não é do que a recorrente/interessada D.

b) Das notificações efectuadas à interessada/Recorrente D (conclusões 9 a 18)
Alega a este respeito a recorrente que:
- durante o decurso do processo a recorrente constatou que as notificações lhe não chegavam;
- acabou por saber que as notificações enviadas por carta o eram para o endereço que constava no seu Cartão de Cidadão.
- entendeu finalmente que as notificações que pensava que lhe eram dirigidas não lhe eram entregues, porque a caixa de correio era controlada pelo irmão que não lhe fazia chegar as notificações, nem as devolvia;
- no processo de inventário apenas o Sr. Administrador Judicial, enquanto seu representante, era notificado, e este não lhe comunicou nada sobre o processo, mesmo depois de a recorrente ter terminado o seu período de cessão.
- A 2 de Fevereiro de 2024, deu entrada a um requerimento em que solicitava a alteração da morada para a qual pretendia ser notificada, revogando – no mesmo acto – o mandato ao ilustre advogado que a representava.
A este respeito, e com relevância para a questão a decidir, cumpre referir que:
- a citação de D foi expedida em 27-03-2018 e efectuada pessoalmente em 28-03-2018, na seguinte morada Rua ---, cf. resulta do Aviso de recepção constante dos autos (introduzido via citius a 16-04-2018).
- por requerimento de 17-04-2018 o interessado M deu conhecimento aos autos de que a interessada D havia sido declarada insolvente, tendo sido nomeado administrador judicial o Dr. B.
- Por despacho de 25 de Setembro de 2018 foi designada data para conferência preparatória de conferência de interessados tendo sido dela notificados o cabeça de casal, o interessado M e o Dr. B.
- Por requerimento de 15-10-2018 M veio juntar aos autos instrumento de repúdio da herança, outorgado por D;
- em 30-10-2018 realizou-se conferência preparatória de conferência de interessados na qual estiveram presentes:
M, requerente de inventário, acompanhado da sua ilustre advogada Dra. --- já constituída nos autos;
Dra. ---, em representação do cabeça de casal, J conforme procuração, com suficiência de poderes,
Dra. ---, em representação da Massa Insolvente de D, conforme procuração nos autos.
Não foi notificada para estar presente a interessada D.
A questão que se coloca neste momento é: e teria que ter sido notificada?
A partir do momento em que foi dado conhecimento aos autos da sua declaração de insolvência, todas as notificações foram efectuadas na pessoa do Administrador de insolvência.
A massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo – art.º 46º, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).
Logo, o quinhão hereditário da insolvente na herança por óbito da inventariada passou a integrar a massa insolvente (no momento da declaração da insolvência, quando a abertura da sucessão ocorre em momento anterior àquela declaração- como é o caso dos autos - ou em momento posterior, quando o óbito e abertura da sucessão ocorre após a declaração de insolvência e na pendência do processo).
Assim sendo, o direito integrado na referida massa corresponde a uma quota-parte da insolvente no património da herança da inventariada, ou seja, o seu quinhão hereditário.
Esta integração de quinhão hereditário na massa insolvente, património de afetação por definição legal, não atribuiu àquela massa a qualidade de sucessor legal da inventariada.
A qualidade de sucessor legal da inventariada permanece na esfera jurídica da insolvente, que sempre seria interessada directa na partilha.
Em termos de legitimidade passiva nos presentes autos de inventário, não se nos suscitam dúvidas que a mesma recai sobre os herdeiros, no caso os demais herdeiros de E, para além do requerente.
A nosso ver a questão coloca-se do ponto de vista da representação processual em juízo.
Dispõe o art.º 81º, nºs 1 a 6, do CIRE:
«1 - Sem prejuízo do disposto no título X, a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência.
2 - Ao devedor fica interdita a cessão de rendimentos ou a alienação de bens futuros susceptíveis de penhora, qualquer que seja a sua natureza, mesmo tratando-se de rendimentos que obtenha ou de bens que adquira posteriormente ao encerramento do processo.
3 - Não são aplicáveis ao administrador da insolvência limitações ao poder de disposição do devedor estabelecidas por decisão judicial ou administrativa, ou impostas por lei apenas em favor de pessoas determinadas.
4 - O administrador da insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência.
5 - A representação não se estende à intervenção do devedor no âmbito do próprio processo de insolvência, seus incidentes e apensos, salvo expressa disposição em contrário.
6 - São ineficazes os actos realizados pelo insolvente em violação do disposto nos números anteriores, respondendo a massa insolvente pela restituição do que lhe tiver sido prestado apenas segundo as regras do enriquecimento sem causa, salvo se esses actos, cumulativamente:
a) Forem celebrados a título oneroso com terceiros de boa fé anteriormente ao registo da sentença da declaração de insolvência efectuado nos termos dos n.ºs 2 ou 3 do artigo 38.º, consoante os casos;
b) Não forem de algum dos tipos referidos no n.º 1 do artigo 121.º».
Ora, um processo de inventário tem como finalidade a partilha de bens, razão pela qual os seus efeitos assumem natureza essencialmente patrimonial.
Desta forma, resulta insofismável a afirmação de que, de acordo com o regime legal da insolvência, o devedor insolvente privado dos poderes de administração e disposição dos bens que integram a massa insolvente, passa a ser representado, nesse âmbito, pelo administrador da insolvência a quem lhe são transferidos tais poderes, pelo que a declaração da insolvência não implica uma perda da sua capacidade judiciária, mas uma substituição na sua representação processual. – neste sentido ver Ac. STJ de 10-12-2019 e AC.R.G de 24-03-2022.
Como se refere nesse mesmo acórdão, “Esta “substituição” legal automática do insolvente pelo administrador da insolvência e a natureza de execução universal do processo de insolvência (por forma a nele participarem todos os credores do devedor no resultado da liquidação do património do insolvente) justificam o regime estabelecido no artigo 85.º, n.º1, do CIRE (serem apensadas ao processo de insolvência todas as acções, intentadas contra o devedor ou mesmo contra terceiros, em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, desde que a decisão que nelas venha a ser proferida possa influenciar o valor da massa insolvente) e n.º 2 (isto é, por efeito da lei, independentemente da apensação de acções e do acordo da parte contrária, o administrador da insolvência substitui o insolvente em todas as acções patrimoniais pendentes em que este seja autor ou réu).”
Ora, só uma substituição do insolvente pelo Administrador, no processo de inventário, seria apta à finalidade da razão de ser dessa substituição representativa, que mais não é do que a protecção do património do insolvente em função do interesse dos credores por forma a salvaguardar a satisfação dos respectivos créditos.
Se a insolvente tivesse capacidade para interferir no valor dos bens constantes da relação de bens ou dispor do seu quinhão hereditário a seu belo prazo, poderiam eventualmente ficar comprometidos os interesses dos credores.
É certo que a inibição processual que afecta a interessada insolvente não é extensível a questões de natureza pessoal ou patrimoniais estranhas à massa insolvente.
Acontece que o quinhão hereditário da interessada insolvente consubstancia o único acervo patrimonial que tem a susceptibilidade de realizar as pretensões dos credores, em sede de processo de insolvência. Nenhuma questão ou interesse pessoal se vislumbra, no inventário, que possa justificar que, a par da representação da mesma pelo Administrador de Insolvência, a interessada insolvente se continue a representar a ela própria.
Por essa razão, bem andou a Sra. Notária ao fazer operar a substituição legal da insolvente pelo Sr. Administrador de insolvência.
Posteriormente, a 16-12-2019 veio a interessada D constituir mandatário nos presentes autos de inventário, juntando procuração a favor do Dr. S e da Dra. G.
Sendo dúbio que o pudesse fazer (com efeito que sentido tem considerar a caducidade do mandato conferido antes da declaração de insolvência, mas permitir a constituição de um novo mandato quando já insolvente?) o facto é que essa questão não é suscitada em termos de recurso. E, admitindo – em tese – que o pudesse fazer então, a partir de tal momento sempre as notificações deveriam, em regra, ser feitas na pessoa do mandatário judicial, nos termos do disposto no art.º 247.º, n.º 1, do CPC.
Só assim não o seria se essa mesma notificação se destinasse a chamar a parte para a prática de um acto pessoal.
Para além disto cumpre referir que, embora não se conheça nos autos nenhuma notificação feita à interessada, a mesma a ter ocorrido sempre deveria suceder para a morada da citação, a não ser que outra tivesse sido, entretanto, comunicada aos autos pela mesma.
Ora, a interessada /insolvente D no mandato que outorgou em Dezembro de 2019 fez constar exactamente a mesma morada em que havia sido citada.
Presumindo-se assim efectuada toda a qualquer eventual notificação enviada para essa mesma morada.
Apenas no requerimento de 02-02-2024 a interessada D comunicou aos autos uma morada diversa daquela onde havia sido citada, solicitando que daí em diante todas as notificações fossem para a mesma efectuadas.
Assim sendo nenhuma nulidade ou violação de lei processual há a apontar à forma como as notificações se efectuaram no âmbito dos presentes autos.

c) Da Violação das obrigações por parte do administrador de insolvência em detrimento da interessada/recorrente (conclusões 19 a 55).
A este propósito alega a recorrente, sumariamente, que:
- O Sr. Administrador Judicial procurou cumprir à risca o disposto na alínea a) do referido número 1 do artigo 55.º do CIRE, mas violou simultaneamente, de forma clara, o disposto na alínea b) do mesmo número e do mesmo artigo;
- ao permitir que a negociação fosse feita com base em números que não correspondiam à realidade, na medida em que a relação de bens incluía 7 (sete) prédios a partilhar, em 2018 foi nomeado perito para a avaliação dos mesmos, sendo certo que a avaliação apenas foi junta muito posteriormente e de forma incompleta, tendo sido a massa insolvente quem veio posteriormente (em 2021) a juntar relatórios de avaliação para os imóveis em falta.
- sendo que nenhuma avaliação foi apresentada para a verba n.º 4 e que o mesmo deveria apresentar uma avaliação no mínimo semelhante à da verba n.º 5;
- assim como a subvalorização da verba n.º 6, tendo em atenção o preço do m2 no site do idealista
- as avaliações datam de 2019 e 2021, sendo que não podemos esquecer uma subida do mercado imobiliário;
- limitando a sua actuação à defesa dos direitos dos credores, desvalorizando as suas obrigações legais para com a insolvente, impedindo-a de se manifestar.
- sendo que a mesma pretendia manter a propriedade dos bens possíveis, por serem herança materna (e, posteriormente, paterna) e terem, por essa razão, valor também sentimental.
- desta forma, e com esta actuação descuidada, o Sr. Administrador procurou apenas resolver com brevidade o problema dos credores;
- para além disto, o Sr. Administrador de insolvência, após o final do seu tempo de cessão, não lhe deu conhecimento da negociação em que se encontrava, nem de ter celebrado qualquer transacção, violando assim os arts. 19.º e 20.º da CRP, suspendendo o exercício de direitos da recorrente sem que para tal tivesse mandato e impedindo a recorrente de aceder à tutela jurisdicional efectiva, violando assim os direitos constitucionais da recorrente à capacidade civil e à cidadania (CRP artigo 26.º, n.º 1).
Cumpre decidir:
Começando pelo último argumento da recorrente, o mesmo terá necessariamente de improceder em razão da posição adoptada pelo Tribunal quanto à exoneração do passivo restante e período de cessão.
Com efeito, não tendo a recorrente feito prova destes factos – cujo ónus probatório sobre si recaía – os seus direitos e a sua intervenção de índole patrimonial encontravam-se limitados, nos termos já supra expostos, pela declaração de insolvência.
O Sr. Administrador de insolvência não tinha, por obrigação legal, de prestar contas ou consultar a insolvente nas decisões a tomar.
Essas obrigações do Administrador de insolvência apenas se verificavam para com a comissão de credores e para com o Tribunal onde corria o processo de insolvência – art.º 55.º n.º 5 e 58.º do CIRE.
O processo de insolvência, tal como resulta do artigo 1º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e na repartição do produto obtido pelos credores.
O processo de insolvência é um processo de execução universal, cuja finalidade se reconduz à satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência ou, quando tal não se afigure possível, através da liquidação do património do devedor insolvente e subsequente repartição do produto obtido pelos credores (art.º 1º n.º 1 do CIRE).
Assim, como resulta do CIRE – art.º 158.º, n.º 1 –, transitada em julgado a sentença declaratória da insolvência e realizada a assembleia de apreciação do relatório, o administrador da insolvência procede com prontidão à venda de todos os bens apreendidos para a massa insolvente, independentemente da verificação do passivo, na medida em que a tanto se não oponham as deliberações tomadas pelos credores na referida assembleia.
Maria do Rosário Epifânio[1] define a liquidação do ativo, como sendo a fase do processo de insolvência que visa “a conversão do património que integra a massa insolvente numa quantia pecuniária a distribuir pelos credores havendo, para isso que, proceder à cobrança dos créditos e à venda dos bens da massa insolvente, por forma a obter os respetivos valores (arts. 55.º, nº 1, al. a) e 158º)”.
A competência da liquidação pertence em exclusivo ao administrador de insolvência (art.º 55º nº 1 do CIRE e art.º 2º nº 1 do EAJ).
A actividade do administrador de insolvência é predominantemente dirigida à preparação do pagamento das dívidas do insolvente, o que passa necessariamente pela liquidação do património do devedor, sendo tal competência exclusiva, mas feita sob a fiscalização da assembleia de credores – independentemente da existência ou não de comissão de credores – e do juiz.
Com efeito, o administrador, no exercício das atribuições próprias de administração e liquidação da massa insolvente está sujeito à fiscalização do juiz (art.º 58º do CIRE) e da comissão de credores, quando exista (art.º 68º nº 1), e conta com a cooperação desta.
Além da fiscalização judicial e dos credores, o administrador judicial está ainda sujeito ao controlo de entidade responsável pelo acompanhamento fiscalização e disciplina dos administradores judiciais (CAAJ).
Em momento algum a lei adoptou uma solução que colocasse nesta equação de controlo da actividade do Administrador de insolvência, o próprio insolvente, sem prejuízo da sua responsabilidade pessoal nos termos do art.º 59.º do CIRE.
Assim, a única falta de concordância que poderia inquinar, neste particular aspecto, a actividade do Sr. Administrador de insolvência, seria a falta de concordância da assembleia de credores.
No que respeita à questão do valor dos imóveis a mesma terá de ser equacionada do ponto de vista da diligência exigível a um administrador criterioso e ordenado.
A este respeito relevam os seguintes factos:
17. No dia 30-10-2018 foi realizada Conferência preparatória da conferência de interessados, tendo estado presentes M, acompanhado da sua mandatária, Dra. --- em representação do cabeça de casal e Dra. --- em representação da massa insolvente.
18. Por despacho proferido nessa conferência não se aceitou o instrumento de repúdio junto aos autos, com a seguinte fundamentação:
“A validade de autenticação dos documentos particulares ……. está dependente de depósito electrónico desses documentos, ……” ---
Ora, do documento junto aos autos não consta o referido código do depósito electrónico.--------
Veja-se o que dispõe a este propósito David Martins Lopes Figueiredo em anotação ao Parecer 19/CC/2018 dos Instituto dos Registos e Notariado: ---------------------------------
“Quando o documento particular autenticado titula um ato para cuja celebração anteriormente à reforma era reservada a escritura pública e que, com a reforma, foi colocado a par da escritura pública, tem o titulador que observar todas as formalidades previstas no código do notariado ou em legislação avulsa para esse tipo de ato, ... e o correspondente depósito electrónico, ainda que o ato não esteja sujeito a registo, ao contrário do que poderá , numa leitura menos atenta, depreender-se do nº 1 do art.º 24º do D.L. nº 116/2008 ou do nº 2 do art.º 6º da Portaria nº1535/2008, de 30/12.”
Concluindo o referido Parecer que: “estando o repúdio de herança de que façam parte bens imóveis abrangido pela referida equivalência, por força do disposto no dito art.º 22º/c) e da actual redacção do art.º 2126º/1 e 2 do Código Civil [e da revogação da alínea d), do nº 1 do art.º 80º do Código do Notariado], é-lhe aplicável o disposto no dito art.º 24º (nomeadamente quanto ao depósito electrónico), sem embargo de não constituir ato sujeito a registo predial.”
Pelo que não pode este Cartório aceitar o referido documento.”.
19. Nessa mesma conferência pedida a palavra pela mandatária da Massa Insolvente pela mesma foi requerida a avaliação das verbas 1 a 7 da relação de bens, o que determinou a suspensão da conferência preparatória e a nomeação de perito avaliador.
22. Em 18-05-2020 foi junto aos autos Relatório de avaliação referente aos imóveis 2, 3, 4 e 7.
23. Por requerimento de 13-11-2020 do requerente M foi requerido que o valor dos bens sujeitos a avaliação, e não impugnados, sejam aceites de acordo com o disposto no art.º 26.º da RGPI e que seja destituído o Sr. Perito e nomeado outro para proceder à avaliação dos imóveis em falta.
24. Por requerimento de 10-11-2021 veio a Massa Insolvente juntar aos autos relatório de avaliação dos imóveis descritos nas verbas 1 a 6, se tenham os valores nele constantes considerados para efeitos de partilha e se designe4 nova data para conferência preparatória de conferência de interessados.
32. Por requerimento de 05-02-2024 veio o Sr. Administrador de insolvência pronunciar-se sobre o requerimento de D (de 02-02-2024) e informar os autos que o acordo de partilha apresentado, e pendente de homologação, foi previamente submetido à apreciação dos credores e insolventes, conforme documento que juntou.
Dos factos supra expostos resulta que o administrador judicial nomeado diligenciou desde a conferência preparatória da conferência de interessados para que o valor dos bens, a ter em consideração para efeitos de partilha, fosse o seu valor comercial, e não simplesmente o seu valor patrimonial para efeitos tributários.
Na ausência de avaliação de algumas das verbas diligenciou o próprio pela obtenção de uma outra avaliação por entidade terceira e independente.
O administrador judicial nomeado actuou, deste feita, no cumprimento dos seus deveres funcionais, tendo em consideração que os poderes atribuídos aos administradores judiciais são atribuídos para tutela de interesses que não são seus, ao colocar a questão do valor real dos imóveis, solicitando uma avaliação, e suprindo a falta de avaliação atempada por parte da entidade nomeada.
No que respeita ao argumento da recorrente de que a mesma pretendia manter a propriedade dos bens possíveis, por serem herança materna (e, posteriormente, paterna) e terem, por essa razão, valor também sentimental, urge relembrar a recorrente de que:
- não são essas as intenções nem o valor sentimental que demonstra o instrumento de repúdio, que apenas não foi considerado na partilha porque a Notária entendeu não admitir tal documentos nos presentes autos (por questões meramente formais, sem entrar na apreciação de mérito suscitada pelo Sr. Administrador de Insolvência);
- a recorrente havia sido declarada insolvente, tendo ficado privada de autonomia no que respeita a poderes de disposição (seja para adquirir, seja para alienar) patrimonial, razão pela qual a sua vontade não era factor na equação de partilha.

d) Da omissão de prestação de compromisso de honra por parte do requerente/cabeça de casal (conclusões 57 a 62)

Da consulta dos autos resulta que, efectivamente, o cabeça de casal nomeado no decurso do processo, por força do falecimento do primitivo cabeça de casal, não chegou a prestar compromisso de honra nos autos.
Apreciando:
Todo o processo comporta um procedimento, ou seja, um conjunto de actos do tribunal e das partes. Cada um destes actos pode ser visto por duas ópticas distintas:
- Como trâmite, isto é, como acto pertencente a uma tramitação processual;
- Como acto do tribunal ou da parte, ou seja, como expressão de uma decisão do tribunal ou de uma posição da parte.
No acto perspectivado como trâmite, considera-se não só a pertença do acto a uma certa tramitação processual, como o momento em que o acto deve ou pode ser praticado nesta tramitação. Em contrapartida, no acto perspectivado como expressão de uma decisão do tribunal ou de uma posição da parte, o que se considera é o conteúdo que o acto tem de ter ou não pode ter.
Do disposto no art.º 195.º, n.º 1, CPC decorre que se verifica uma nulidade processual quando seja praticado um acto não previsto na tramitação legal ou judicialmente definida ou quando seja omitido um acto que é imposto por essa tramitação.
Isto demonstra que a nulidade processual se refere ao acto como trâmite, e não ao acto como expressão da decisão do tribunal ou da posição da parte. Ou seja: a nulidade processual tem a ver com o acto como trâmite de uma tramitação processual, não com o conteúdo do acto praticado pelo tribunal ou pela parte.
A única nulidade processual nominada que decorre do conteúdo do acto é a ineptidão da petição inicial (cf. art.º 186.º).
A prestação de compromisso de honra por parte do cabeça de casal vem prevista no art.º 24.º, n.º 2, da Lei 23/2013.
É facto que a prestação de compromisso de honra se reporta a um trâmite processual.
E a falta de prestação de compromisso de honra consubstancia, como é evidente, a omissão de uma formalidade no confronto com o formalismo processual prescrito na lei.
Verifica-se no presente caso concreto um vício processual, decorrente da omissão de um acto – prestação de compromisso de honra por parte do cabeça de casal.
Não existe nenhuma norma processual que sancione a omissão desta concreta formalidade, razão pela qual, para conhecer desta questão, teremos de recorrer à regra geral do art.º 195.º, n.º 1, do CPC.
Com efeito, como resulta do art.º 195.º, n.º 1, do CPC , “1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.”
Como a lei não declara a nulidade resultante da falta de prestação de compromisso de honra por parte do cabeça de casal, só poderemos concluir pela verificação de tal vício se essa omissão tiver a virtualidade de influir no exame ou na decisão da causa.
Quer-se com isto dizer que, não é toda e qualquer omissão de formalidade prescrita da lei que determina, ipso iure, o sancionamento dessa mesma omissão com a nulidade.
Pode-se por isso afirmar que, para que se conclua pela verificação de uma nulidade secundária ou inominada, nos termos do disposto no art.º 195.º do CPC, o legislador exige ainda que essa omissão tenha relevância para o exame ou decisão da causa.
Essa relevância terá de ser encontrada casuisticamente tendo em atenção a sua potencialidade de interferir na decisão da causa.
É esse juízo casuístico que teremos de efectuar nos presentes autos por forma a se concluir, ou não, pela interferência da falta de prestação de compromisso de honra na decisão dos presentes autos.
No que a este aspecto diz respeito teremos de levar em consideração os seguintes factos:
2. Por despacho de 09-01-2018 foi designado cabeça de casal J, e designada data para compromisso de honra e declarações do cabeça de casal, tendo-se, na mesma data, procedido à citação do mesmo.
3. Em 08-02-2018 foi prestado compromisso de honra por parte do cabeça de casal, tendo o mesmo prestado as seguintes declarações: “No dia 15 de Novembro de 2015, na freguesia de Almada (…) faleceu, sem testamento ou outra disposição de última vontade, E, no estado de casada com o declarante (…) Que a falecida deixou como únicos herdeiros por vocação legal o seu cônjuge, J, ora declarante acima já identificado e dois filhos M, o requerente do presente inventário e D (….). Que a herança é composta por activo e que requer o prazo de 30 dias para vir juntar aos autos a relação de bens devidamente instruída. (…)”.
4. Por despacho proferido na mesma data e diligência foi deferida a concessão do prazo de 30 dias para o cabeça de casal juntar aos autos relação de bens devidamente instruída.
5. Em 07-03-2018 veio o cabeça de casal juntar aos autos relação de bens Imóveis e móveis (…)
19A. Por requerimento de 13-12-2019 o requerente M deu conhecimento aos autos do falecimento do cabeça de casal J e requereu a cumulação de inventários.
26. Por despacho de 13-07-2022 nomeou-se cabeça de casal o requerente M, ordenado a notificação do mesmo para indicar a sua disponibilidade para comparecer no Cartório e prestar compromisso de honra e determinou-se a cumulação de inventários.
27. Por requerimento de 03-04-2023 vieram cabeça de casal e administrador de insolvência apresentar acordo parcial referente à partilha dos imóveis 2, 3 e 6, requerendo a sua homologação, e o prosseguimento dos autos com vista à partilha dos restantes bens.
29. Por requerimentos de 02-05-2023 e 03-05-2023 vieram, respectivamente, cabeça de casal e massa insolvente de D requerer a remessa dos autos para o Tribunal Judicial competente.
30. A 08-11-2023 vieram M e Massa insolvente de D comunicar aos autos acordo quanto à partilha da totalidade dos bens, no qual o cabeça de casal prescindiu das despesas de cabecelato por si suportadas.
31. Por requerimento de 02-02-2024 veio a interessada D solicitar o envio de notificações para nova morada e revogar o mandato conferido nos autos ao Dr. S.
Dos factos supra expostos resulta que os actos típicos do cabecelato foram praticados pelo cabeça de casal inicialmente nomeado nos autos, J: as declarações, a relação de bens, a instrução documental da mesma.
Quando faleceu J e foi nomeado cabeça de casal M, todos os actos típicos do cabeça de casal haviam já sido praticados.
E tanto assim era que o que se sucedeu à nomeação do novo cabeça de casal foi o acordo quanto às partilhas.
No referido juízo casuístico que há que levar a cabo para aferir da nulidade ora arguida pela recorrente, em sede de recurso, cabe formular a seguinte questão: em quê que a falta de prestação de compromisso de honra por parte de M é susceptível de interferir com a tramitação ou decisão dos presentes autos?
Analisadas os diversos cenários possíveis não se antevê em quê que esta falta de prestação de compromisso de honra tenha tido relevância ou comprometido os presentes autos de inventário.
O que nos leva a concluir pela não verificação dos pressupostos necessários à conclusão de estarmos perante uma verdadeira nulidade secundária, que afecte os presentes autos de inventário.
A jusante dir-se-á, ainda, que em nosso entender tal nulidade deveria ter sido suscitada pela interessada/recorrente junto da Sra. Notária ou, no limite, aquando da remessa dos autos para os Tribunais Judiciais.
Com efeito, desde 16-12-2019 que a interessada D tinha mandatário constituído nos autos e manteve esse mesmo mandatário até 02-02-2024, data em que revogou o mandato conferido ao Dr. S.
Pelo que se conclui que a omissão de tomada de compromisso de honra ao cabeça de casal – que efectivamente se verificou – não foi susceptível de interferir ou relevar para a tramitação e decisão dos autos, pelo que não integra qualquer nulidade secundária nos termos do disposto no art.º 195.º, n.º 1, do CPC.
*
V. Decisão     
Pelo exposto, os Juízes da 6.ª Secção da Relação de Lisboa acordam em, na improcedência total da apelação, manter a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
*
Lisboa, 9 de Janeiro de 2025
Maria Teresa F. Mascarenhas Garcia
Cláudia Barata
Eduardo Petersen Silva
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[1] Manual do Direito da Insolvência, 8ª edição, pg. 341.