Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10145/24.6T8LSB-A.L1-1
Relator: RENATA LINHARES DE CASTRO
Descritores: SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
REQUISITOS
ARRESTO
ACÇÕES
DIREITO DE VOTO
TRANSMISSÃO DE ACÇÕES
AMORTIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. Resulta do disposto no artigo 380.º, n.º 1 do CPC serem requisitos cumulativos do procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais: a) a qualidade de sócio do requerente; b) a ilegalidade da deliberação (por violação da lei, dos estatutos ou do contrato); c) a existência de dano apreciável causado pela execução da deliberação (para o sócio ou para a sociedade); e d) que o prejuízo da suspensão não seja superior ao prejuízo da execução.
II. Não obstante as acções possam ter sido alvo de arresto, nem assim o accionista delas titular perde a sua qualidade de sócio, mantendo o direito a exercer os seus direitos sociais, inclusive o de exercer o direito de voto em assembleia geral e o de intentar procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais.
III. A deliberação social pela qual se estipulam limites à transmissão de acções (passando a conferir um direito de preferência à sociedade e aos seus accionistas), transmissão essa que anteriormente era livre, não obstante não tenha que ser aprovada por unanimidade, exige já o consentimento de todos os accionistas cujas acções por tais limites possam ser afectadas, por força do constante na disposição imperativa do artigo 328.º, n.º 3 do CSC.
IV. A deliberação pela qual é inserido um novo artigo nos Estatutos da sociedade, pelo qual passa a ser permitida a amortização de acções, matéria que não se encontrava prevista na versão então em vigor desses mesmos estatutos, terá que ser tomada por unanimidade dos accionistas, em consonância com o regime previsto no artigo 233.º, n.º 2 do CSC aplicável aos casos de amortização a que alude o artigo 347.º do CSC, por força do artigo 2.º do mesmo código.
V. A deliberação pela qual é introduzido um novo artigo nos estatutos contendo uma cláusula arbitral – impondo que todos os litígios existentes entre a sociedade e os accionistas, ou entre estes, sejam submetidos a decisão de tribunal arbitral - , apenas carece de ser tomada pela maioria qualificada prevista no n.º 3 do artigo 386.º do CSC.
VI. Uma deliberação será abusiva quando seja apropriada a satisfazer o propósito de alcançar vantagens especiais em prejuízo da sociedade ou dos sócios/accionistas ou o propósito de causar tal prejuízo.
VII. O dano apreciável terá de ser valorado em função da demora do julgamento da acção principal e não apenas da execução da deliberação em si mesma.
VIII. E, para que seja possível concluir pela existência de um dano e aferir da inerente gravidade, mostra-se imprescindível que tenham sido alegados e demonstrados factos concretos (não apenas com relação à execução ou aos efeitos da deliberação, mas essencialmente com relação aos prejuízos decorrentes da demora na tomada da decisão definitiva acerca da invalidade daquela), os quais não se confundem com as consequências inerentes às próprias deliberações, nem com quaisquer danos que possam resultar de futuras deliberações (distintas daquelas cuja suspensão se requer).
IX. Não sendo possível extrair dos factos alegados pelo requerente um juízo de forte probabilidade de dano iminente em decorrência da execução da deliberação, nos moldes supra referidos, não pode o procedimento deixar de ser julgado improcedente.
(Sumário da Relatora – artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil (CPC))
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa.

I - RELATÓRIO
M … intentou o presente procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais contra W … SA, concluindo a final: “(…) deverá ser decretada a presente providência cautelar e consequentemente serem suspensas as deliberações sociais tomadas na assembleia geral de 21 de março de 2024 da sociedade W … SA. // Requer-se que a citação da sociedade Requerida seja feita com a cominação de que a contestação não é recebida sem ser acompanhada da ata da assembleia, nos termos do art.º 381.º nº 1/CPC. // Mais se requer que a sociedade Requerida seja notificada para juntar aos autos cópia dos registos das ações.”
Para tanto alegou: - ser titular de 16.000 acções nominativas da sociedade Requerida (com os números 184.001 a 200.000, representativas de 8% do capital social de 1.000.000€), registadas junto do emitente; // - sobre essas acções ter recaído um arresto, que se encontra registado no registo de acções da sociedade; // - no dia 21/03/2024, ter reunido a assembleia geral da sociedade Requerida com a seguinte ordem de trabalhos: “Adicionamento aos Estatutos da Sociedade de novos artigos 4.º, 5.º e 15.º, com a consequente remuneração dos artigos 5.º a 12.º”; // - apesar da convocatória indicar um ponto único da ordem de trabalhos, o Presidente da Mesa, após consulta à assembleia, determinou que a votação se processasse em separado, em três pontos, conforme os artigos a alterar ou introduzir, por alteração dos Estatutos; // - ter votado contra todas as citadas deliberações; // - a primeira deliberação ter estabelecido limites à transmissão de acções, que anteriormente era livre, sem o voto unânime de todos os accionistas, sendo anulável por contrariar disposição imperativa do artigo 328.º/CSC; // - a segunda deliberação, introduzindo um novo artigo 15.º nos estatutos, veio permitir a amortização de acções, a qual não estava prevista na versão em vigor dos estatutos, sendo anulável por força do artigo 58.º, n.º 1, al. a)/CSC, por ser contrária ao direito do sócio (ao permitir a exclusão de accionista, sem que estivesse prevista aquando da entrada na sociedade) e é  inconstitucional (por violação do direito de propriedade privada do artigo 62.º, n.º 1, da Constituição); - a terceira deliberação que introduziu o artigo 14.º nos estatutos, contendo uma cláusula arbitral, é também anulável por força do mesmo artigo 58.º, n.º 1, al. a)/CSC, por a convenção de arbitragem depender de uma deliberação universal de todos os accionistas, de acordo com os artigos 1.º e 2.º da LAV (Lei n.º 63/2011, de 14/12); // - o accionista maioritário e Presidente do Conselho de Administração (Professor Doutor F …) pretende satisfazer o propósito de excluir o ora Requerente da sociedade e obter para si a vantagem de controlo absoluto da sociedade, com prejuízo para o Requerente e para a sociedade, o que qualifica de abuso de maioria e fundamento de anulação das deliberações em causa, por força da al. b) do art.º 58.º, n.º 1/CSC; // - a amortização das acções do Requerente, que se encontram arrestadas, facultada pela introdução do novo artigo 5.º dos estatutos, causaria um grave prejuízo ao Requerente, com a consequente extinção das acções e extinção da sua qualidade de accionista.
(o requerente menciona, por evidente lapso a introdução nos Estatutos do “artigo 15.º”, quando evidentemente se trata do “artigo 14.º”, como acaba por identificar quando alude à terceira deliberação).

Em requerimento de 01/04/2024 veio o requerente juntar aos autos a acta da AG de 21/03/2024 (referindo tê-la recebido nessa data) e, em 03/04/2024 juntou a certidão comercial permanente da sociedade requerida (o que havia sido determinado por despacho do dia anterior), mais tendo solicitado a rectificação do requerimento inicial.

Regularmente citada veio a requerida apresentar oposição, a qual concluiu nos seguintes termos: “(…) a) deve ser julgada procedente a exceção da ilegitimidade ativa do Requerente, com a consequente absolvição da Requerida da instância; // para o caso, não esperado, de não ser atendida a exceção invocada, // b) deve ser fixado o valor da causa em 80.000,00 EUR, nos termos conjugados dos artigos 304.º, n.º 3, alínea c), e 296.º, n.º 1, do CPC; e // c) deve o presente procedimento cautelar ser julgado improcedente, por não se encontrarem preenchidos, quanto a cada uma das Deliberações, os pressupostos de que depende o decretamento da suspensão das mesmas.”
Em síntese, defendeu: - não ter o requerente feito prova da sua qualidade de sócio (não tendo apresentado os títulos nominativos das respectivas acções), sendo que tal prova não se basta com o facto de as mesmas estarem registadas junto do emitente (registo que não tem efeito presuntivo da titularidade das acções); // - ter a requerida sido notificada do arresto das acções que o requerente se arroga titular, as quais teriam que ser entregues (nessa decisão lhe sendo imputados vários “atos de dissipação patrimonial”); // - dever ser fixado o valor da causa em 80.000€ (valor nominal das acções de que o requerente se arroga titular); // - nega que as deliberações em causa tenham sido motivadas pelo decretamento de tal arresto e pela intenção de o Presidente do Conselho de Administração obter “vantagem de controlo absoluto” (o qual sequer é accionista maioritário); // - nega que o requerente tenha votado contra todas as deliberações (não tendo tais “pronúncias” sido contabilizadas pelo Presidente da Mesa da AG); // - que, aquando da AG, não foram apresentados os títulos de acções como exigido pelos Estatutos (pelo que, a considerar-se ter sido exercido o direito de voto, sempre este será nulo); // - terem sido as deliberações regularmente aprovadas (e por unanimidade), não se assumindo as mesmas abusivas, não se mostrando preenchidos os pressupostos que justificam a requerida suspensão.

Notificado desta oposição veio o requerente, em 07/05/2024, apresentar novo articulado - invocando fazê-lo ao abrigo do artigo 3.º, n.º 3 do CPC –, pugnando no sentido de a excepção de ilegitimidade dever ser “liminarmente julgada improcedente, com as legais consequências.

Em 15/05/2024, a Mma. Juíza a quo ordenou a remessa dos autos para apensação à acção comum de anulação de deliberações sociais.
E, em novo despacho de 03/06/2024, determinou: “Os autos reúnem os elementos necessários á prolação da decisão de mérito sem produção de outros meios de prova. // Notifique as partes para, querendo, se pronunciarem – artigo 3.º, n.º 3 e 4, do Código de Processo Civil.”
Apenas o requerente se pronunciou, tendo declarado nada ter a opor[1].

Em 08/07/2024, o tribunal a quo proferiu decisão final com o seguinte dispositivo: “julgo procedente o presente procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais e, em consequência, decreto a suspensão das deliberações sociais aprovadas na assembleia geral da sociedade W … SA realizada a 21.03.2024.”

*
Inconformada com tal decisão, a requerida dela interpôs RECURSO de apelação, tendo formulado as CONCLUSÕES que aqui se transcrevem:  
“1. A Recorrente não se conforma com a Sentença a quo que julga procedentes os pedidos do Recorrido, decretando a suspensão das Deliberações aprovadas na Assembleia Geral da W … SA de 21 de março de 2024, na medida em que, salvo o devido respeito, enferma de vários erros de facto e de Direito.
Irregularidade da notificação da Sentença
2. Na notificação, ao Recorrente, da douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, é indicado que há lugar à inversão do contencioso, sem que, porém, a douta Sentença o tenha decretado.
3. A inversão do contencioso não pode ter lugar nos presentes autos, porquanto o Recorrido não a requereu e o presente procedimento cautelar foi instaurado como incidente da ação declarativa de impugnação de deliberações sociais, que corre os seus termos desde 17 de abril de 2024, com o n.º 10145/24.6T8LSB, também no Juízo de Comércio de Lisboa – Juiz 4 (artigos 369.º, n.º 1 e 364.º, n.º 3, do CPC).
4. Trata-se de um lapso manifesto, limitado à notificação, que não influi na boa decisão da causa, e que por isso padece de uma irregularidade (artigo 195.º, n.º 1, a contrario, do CPC) que deve ser suprida pela emissão de nova notificação, sem referência à inversão do contencioso.
5. Caso assim não se entenda – hipótese que não se concede e apenas se equaciona a benefício de patrocínio –, a Sentença viola as normas constantes dos artigos 364.º e 369.º, do CPC, devendo em consequência ser revogada e substituída por outra que não decrete a inversão do contencioso.
Nulidade da Sentença
6. A Sentença a quo encontra-se ferida de nulidade, à luz do artigo 615.º, n.º 1, alínea c), 1.ª parte, do CPC, por contradição entre a decisão e a fundamentação da Sentença, quanto à Segunda Deliberação.
7. O Tribunal a quo considera que a inclusão do artigo 14.º nos Estatutos da Sociedade por deliberação social é legalmente admissível, e que apenas não pode ser imediatamente aplicável ao aqui Recorrido, porquanto tal aplicação seria abusiva, embora não avente razões expressas para tal abusividade.
8. Uma deliberação legalmente válida, que apenas não pode, segundo o Tribunal a quo, ser aplicada ao aqui Recorrido no imediato, não é nula nem anulável, pelo que não pode ser objeto de suspensão erga omnes.
9. Apesar disso, o Tribunal a quo suspende, perante todos, todas as deliberações tomadas na Assembleia Geral, incluindo a deliberação de inserção do artigo 14.º nos Estatutos da W … SA.
10. Face à contradição exposta, a Sentença deve ser anulada, sendo substituída por outra que não suspensa a deliberação da Assembleia Geral de 21 de março de 2024 que inseriu o artigo 14.º nos Estatutos da W … SA.
11. A Sentença a quo é ainda parcialmente nula, à luz do artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e d), do CPC, pela circunstância de omitir totalmente da fundamentação a enunciação dos factos não provados, em violação do artigo 697.º, n.º 4, do CPC.
12. Sem a enunciação dos factos essenciais não provados, o Tribunal a quo deixou de se pronunciar quanto a questões de facto sobre as quais tinha dever de pronúncia, não possibilitando às partes sindicar se o Tribunal a quo decidiu como decidiu porque efetivamente considerou toda a factualidade relevante à luz da prova disponível, ou se ignorou um conjunto de factos e prova essenciais para a boa decisão da causa.
13. Assim, a Sentença a quo deve ser parcialmente anulada, sendo substituída por outra que proceda à enunciação dos factos provados e não provados, em consonância com o que resulta do acordo das partes, da prova documental e da prova por presunções judiciais.
Erro sobre a matéria de facto
14. Sem prejuízo da invocada nulidade da Sentença a quo, a decisão sobre a matéria de facto incorre em vários erros de julgamento, porquanto: (i) não se pronuncia sobre factos essenciais à boa decisão da causa, omitindo-os totalmente da decisão sobre a matéria de facto, quando aqueles ou não foram objeto de dissenso entre as partes ou resultam da prova documental constante dos autos; (ii) assume, na fundamentação de direito, factos que, para além de não estarem autonomizados na fundamentação de facto, não resultam da prova constante dos autos, nem de qualquer raciocínio inferencial que, de resto, também é omitido pelo Tribunal recorrido.
15. Para efeitos de demonstração da incerteza da qualidade de sócio do ora Recorrido à data da Assembleia Geral e da ilegitimidade daquele para o exercício de direitos sociais nessa Assembleia e para o presente procedimento cautelar, a ora Recorrente alegou e provou um conjunto de factos essenciais que foram ignorados pelo Tribunal a quo, não se encontrando no elenco de factos provados.
16. A Recorrente alegou e provou (artigo 64.º, (i) da sua Oposição e Documento n.º 1 a ela junto) que foi notificada pela Agente de Execução do Procedimento Cautelar de Arresto para registar o arresto de 16000 ações no livro privado de ações da Sociedade, sem que tenha havido qualquer impugnação do Recorrido.
17. Apesar disso, em violação das regras do ónus da prova (artigo 342.º, n.ºs 1 e 2, do CC), o Tribunal a quo não inseriu esse facto no elenco de factos provados.
18. Por isso, deve ser aditado ao elenco dos factos essenciais que em 12 de fevereiro de 2024, foi dirigida à Sociedade, pela Senhora Agente de Execução EM…, uma notificação, no âmbito do processo de arresto em que é Requerido o aqui Recorrido, da qual consta o seguinte: «Fica ainda notificada, nos termos dos artigos 103.º e 102.º do Código de Mercados de Valores Mobiliários e do art.º 774.º do Código de Processo Civil para, com base na sentença, que se junta cópia, registar o arresto no livro de registo de ações».
19. O Recorrente alegou, no artigo 69.º da Oposição, fazendo prova plena por meio do Documento n.º 1 junto com a referida peça processual, que no Procedimento Cautelar de Arresto, foram imputados ao Recorrido vários atos de dissipação patrimonial, razão pela qual o Tribunal considerou existir um justo receio de perda da garantia patrimonial, que levou ao decretamento dessa providência.
20. Também este facto essencial ficou fora do elenco de factos provados da Sentença, em violação do artigo 342.º, do CC, devendo por isso ser aditado a esse mesmo elenco.
21. O Tribunal a quo ignorou a alegação feita pelo ora Recorrente no seu artigo 64.º, (ii) e (iii) da Oposição, plenamente provada pelo Documento n.º 3 junto com essa peça processual.
22. Como tal, em cumprimento do artigo 342.º, do CC, deve ser aditado aos factos provados que em 26 de março de 2024, o Presidente do Conselho de Administração enviou à Agente de Execução responsável pelo arresto das ações, solicitando informações sobre a concretização da apreensão material dos títulos das ações de que o Recorrido se arroga titular, do qual consta o seguinte: «Com referência ao processo em epígrafe, venho, na qualidade de Presidente do Conselho de Administração da sociedade W … SA, solicitar informações sobre a apreensão material das ações arrestadas no âmbito desse processo, ou sobre diligências promovidas ou concluídas por V. Ex.a ou pelo Tribunal com vista à concretização dessa apreensão, atento o disposto nos artigos 391.º, n.º 2, e 774.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Este pedido tem por base a n/ missiva de 11/03/2024, na qual a Sociedade comunicou a V. Ex.ª não ser depositária dos títulos das ações arrestadas, limitando-se a, em cumprimento da ordem recebida, averbar o arresto no livro de registo de ações.
Mais concretamente, o pedido de informações é aí fundamentado nos seguintes termos: estando em causa o arresto de ações tituladas, e considerando que, quanto a estas, a posse do título é, atento o regime societário legal e estatutário aplicável, indispensável ao exercício da generalidade dos direitos sociais que o título incorpora, tem esta Sociedade justificado interesse em conhecer a atual e futura situação das ações objeto do arresto, com vista a poder aferir a legitimidade para o exercício de tais direitos sociais de quem se apresente com os títulos das ações ou demonstre ser deles possuidor».
23. O Tribunal a quo deixou de fora dos factos essenciais provados que o Requerente pediu a declaração judicial da nulidade do então artigo 9.º, n.º 5, dos Estatutos da Sociedade, perante o Juízo de Comércio do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa (processo n.º 17178/18.0T8LSB), tendo esse pedido sido considerado improcedente por decisão transitada em julgado que se pronunciou no sentido da validade dessa cláusula.
24. Este facto encontra-se alegado nos artigos 187.º a 195.º da Oposição, não foi impugnado pelo Recorrido e encontra-se plenamente provado pelo Documento n.º 9 junto com a Oposição.
25. Por isso, em cumprimento do artigo 342.º, do CC, deve ser incluído no elenco de factos provados da Sentença.
26. A Recorrente alegou e provou (artigos 92.º a 97.º da Oposição e Documento n.º 5 a ela junto), que:
• No dia 02 de fevereiro de 2024, depois de decretado o arresto das ações, o Requerente enviou a F … um email, com o objetivo de aferir se estaria interessado em adquirir a participação do Requerente na W … SA, e por quanto.
• No dia 07 de fevereiro de 2024, F … enviou um email de resposta ao Requerente, dizendo o seguinte: Em resposta ao teu e-mail de 2 de Fevereiro, informo que não faz parte dos meus planos reforçar a posição no capital da W … SA. Poderei, no entanto, rever esta posição se indicares o valor que pretendes para a venda dos 8% que deténs. Com efeito, se esse valor for convidativo, poderemos então encetar, ou não, um processo de negociação para acertar as restantes condições.
27. Estes factos são essenciais à boa decisão da causa no que diz respeito ao (não) preenchimento do pressuposto da abusividade das deliberações como fundamento da sua invalidade, já que obstam à formulação de uma presunção judicial sobre a existência da intenção de um sócio em obter para si uma vantagem especial em prejuízo do Recorrido ou da Sociedade.
28. Porém, em violação do artigo 342.º, do CC, não foram elencados na Sentença a quo como factos provados, devendo sê-lo em sede de recurso.
29. No artigo 41.º e 42.º do RI, o Recorrido alega que o sócio F … é acionista maioritário da W … SA e que, na eventualidade de aquele adquirir os 8% da Sociedade, ficaria com a vantagem de controlo absoluto da mesma.
30. A ora Recorrente impugnou estas alegações na sua Oposição (artigos 11.º a 114.º), esclarecendo que o sócio F … detém uma participação de 36% na W … SA, facto que resulta provado através do RCBE da W … SA.
31. Este facto é essencial para a determinação do quórum de aprovação das Deliberações cuja suspensão foi peticionada pelo aqui Recorrido e, em conjunto com outros factos e com a aplicação, aos mesmos, do correto entendimento de direito, obsta à conclusão do Tribunal a quo segundo a qual as Deliberações não foram tomadas por unanimidade.
32. Deve assim ser aditado ao elenco dos factos provados, em conformidade com o ónus da prova (artigo 342.º, n.ºs 1 e 2, do CC), que o sócio F … detém uma participação de 36% na W … SA.
33. Em cumprimento do referido ónus da prova, deve ainda ser incluído no elenco dos factos não provados: não provado que F … é acionista maioritário da W … SA.
34. Foi alegado pela Recorrente no artigo 64.º da sua Oposição e resulta do Documento n.º 3 a ela junto que na data da Assembleia Geral, as ações do Requerente não tinham sido entregues à agente de execução.
35. Foi alegado no artigo 132.º da Oposição da aqui Recorrente e encontra-se provado através da Ata da Assembleia Geral (facto provado 13. da Sentença) que o Requerente não apresentou os títulos das suas ações na Assembleia Geral da W … SA de 21 de março de 2024
36. Estes factos são essenciais para fundar a decisão relativa ao quórum das Deliberações impugnadas, mas não foram tomados em consideração pelo Tribunal a quo.
37. Devem por isso, em cumprimento do artigo 342.º, do CC, ser aditados ao elenco dos factos provados.
38. O facto essencial, não elencado como provado na Sentença, de que a Mesa da Assembleia Geral não contou as pronúncias do Recorrido como votos, foi alegado, nomeadamente, no artigo 123.º da Oposição, não foi impugnado pelo Recorrente, e resulta do texto da Ata da Assembleia Geral de 21 de março de 2021, dado integralmente como provado na Sentença a quo (cfr. o ponto 13. dos factos provados).
39. É um facto essencial à boa decisão da causa, porquanto obsta, em conjunto com outra factualidade dada como provada, a que o Tribunal presuma que a Recorrente reconheceu a titularidade das aludidas ações ao Recorrido (cfr. a p. 27 da Sentença) e consequentemente, nesse suposto reconhecimento funde a legitimidade da Recorrente para a presente ação e a invalidade das Deliberações, por alegadamente não terem sido tomadas por unanimidade.
40. Por isso, deve integrar o elenco de factos provados.
41. O Tribunal a quo assumiu como provado, na sua fundamentação de direito, que o artigo 9.º, n.º 4 não existia na redação dos Estatutos aplicável à data da Assembleia Geral, quando essa existência resulta da prova documental junta aos autos, ignorada pelo Tribunal.
42. O RI apresentado pelo aqui Recorrido é acompanhado pela versão dos Estatutos da W … SA conforme alterações estatuárias aprovadas na reunião da Assembleia Geral de 9 de junho de 2020, aplicáveis à Assembleia Geral de 21 de março de 2024 (cfr. pp. 53 dos documentos que acompanham a citação do ora Recorrente para a presente providência cautelar), da qual consta precisamente o artigo 9.º, n.º 4.
43. Ademais, junto ao RI do ora Recorrido está também a certidão permanente da W … SA (pp. 8 e ss.), da qual consta a Insc. 29 AP. 22/20200804 15:23:18 UTC – ALTERAÇÕES AO CONTRATO DE SOCIEDADE (ONLINE) – Artigo(s) alterado(s): 5º, 8º, 9° e 12°.
44. A alteração em apreço nunca foi posta em causa pelo Recorrido.
45. A própria convocatória para a Assembleia Geral extraordinária de 21 de março de 2024 (Documento n.º 7, junto à Oposição), determinava que: na data da realização da Assembleia Geral, os acionistas que nela tenham declarado pretender participar nos termos do n.º 3 do artigo 9.º dos Estatutos da Sociedade devem fazer-se acompanhar dos respetivos títulos de ações ou, no caso de as ações se encontrarem depositadas em instituição de crédito, por documento comprovativo da titularidade das ações, emitido pela instituição de crédito depositária.
46. Face ao exposto, deve ser aditado o seguinte facto ao elenco de factos provados: O artigo 9.º, n.º 4, dos Estatutos, na versão vigente e publicada à data da Assembleia Geral da W … SA de 21 de março de 2024, tinha a seguinte redação: «Na data da realização da Assembleia Geral, os acionistas que nela tenham declarado pretender participar nos termos do número Três do presente artigo devem fazer-se acompanhar dos respetivos títulos das ações ou, no caso de as ações se encontrarem depositadas em instituição de crédito, por documento comprovativo da titularidade das ações, emitido pela instituição de crédito depositaria, competindo, em qualquer dos casos, ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral o controlo da identidade dos acionistas participantes na Assembleia Geral».
47. Constitui também um erro sobre a matéria de facto a assunção do douto Tribunal a quo, na sua fundamentação de direito, de que a Requerida reconhece ao Requerente a titularidade das aludidas ações (cfr. a p. 27 da Sentença a quo), embora sem qualquer autonomização no elenco de factos provados, com base: (i) na comunicação do Presidente do Conselho de Administração da aqui Recorrente à Agente de Execução responsável pelo arresto dos títulos; (ii) na emissão de uma declaração pelos Serviços Administrativos da W … SA, em 25 de março de 2024, da qual consta que o Recorrido se apresentou nos Serviços Administrativos com 16.000 ações (facto 16. dos factos provados).
48. Contudo, nem a inscrição no registo privado da Sociedade é constitutiva da titularidade das ações por ela emitidas, nem a Sentença que decreta o arresto faz caso julgado quanto ao facto de que as referidas ações integravam, a essa data, o património do Recorrido.
49. A notificação da Agente de Execução deixou a Sociedade num estado de incerteza objetiva quanto à titularidade dessas ações.
50. Aquando da Assembleia Geral na qual foram aprovadas as Deliberações impugnadas, a Sociedade e os respetivos sócios, encontravam-se na seguinte situação:
a. O Requerido compareceu, através de representante, à Assembleia sem conseguir fazer a prova da titularidade das suas ações que os Estatutos exigem como condição necessária de participação;
b. Quando, por estar em causa uma exigência estatutária já vigente desde 2020 e por se fazer representar por advogado, não se poderia assumir que esse facto se devesse a desconhecimento ou a descuido;
c. O representante do Recorrido confessou-se incapaz de obter as ações para apresentação, mesmo quando, por proposta do Presidente da Mesa, os sócios aceitaram unanimemente atrasar a assembleia em 30 minutos, de forma que este o pudesse fazer;
d. Quando a Sociedade tinha sido notificada de tinha sido decretado um arresto sobre o Recorrido com fundamento na imputação, a este, de vários atos de dissipação patrimonial, que o Tribunal considerou constituírem um justo receio de perda de garantia patrimonial; e
e. No próprio dia do proferimento da decisão de arresto, o Recorrido tentava justamente dissipar essas ações do seu património, procurando vendê-las ao Presidente do Conselho de Administração da Sociedade.
51. Resultou provado que a 26 de março de 2024, o Presidente do Conselho de Administração da Sociedade procurou indagar, junto da Senhora Agente de Execução incumbida do arresto, qual o estado deste procedimento, o que fez justamente devido à situação de incerteza objetiva acerca da titularidade das ações em causa – Documento n.º 3 junto à Oposição.
52. Perante todas as circunstâncias referidas, nenhum homem médio consideraria isento de dúvidas que o Recorrente era, à data da Assembleia Geral, titular das ações que herdara de sua Mãe. Antes pelo contrário.
53. Por muito forte que fosse a incerteza objetiva acerca da efetiva titularidade das ações pelo Recorrido, a Sociedade não poderia deixar de cumprir a ordem que lhe foi dirigida pela Agente de Execução.
54. Sem que do cumprimento dessa ordem, emitida por um representante do Estado no exercício do ius imperii, se possa retirar um qualquer reconhecimento de que as ações em causa eram da titularidade ou estariam detidas pelo ora Recorrido.
55. Ademais, nos termos da lei, o registo é apenas condição necessária, mas não suficiente, de legitimação ativa e passiva (artigos 55.º, n.º 1 e 56.º, do CVM) para o exercício dos direitos inerentes às ações, não sendo meio de prova da titularidade de ações titularas nominativas e, logo, da qualidade de sócio.
56. O registo privado junto do emitente nem sequer tem efeito presuntivo da titularidade das ações tituladas nominativas em relação ao sujeito com inscrição no registo a seu favor.
57. O conhecimento do arresto pela Recorrente não equivale ao conhecimento, e muito menos ao reconhecimento, da titularidade das ações de que o Recorrido se arroga.
58. Portanto, o que se retira do averbamento do arresto no registo privado das ações da Sociedade é, apenas, que o último titular das ações 184.001 a 200.000 que consta dos registos da Sociedade é efetivamente o Recorrido, e não que a Sociedade lhe reconheça qualquer titularidade.
59. O Tribunal a quo retira ainda, incorretamente, que a Recorrente reconhece o Recorrido como titular das ações sub judice, do facto de, a 25 de março de 2024, o Recorrido se ter apresentado junto dos Serviços Administrativos da Sociedade com os títulos das ações, cuja titularidade havia sido invocada pelo respetivo advogado na Assembleia Geral de dia 21 do mesmo mês – cfr. o facto 16. da Sentença.
60. Estando em causa o apuramento da validade das deliberações sociais, é evidente que o que releva é a titularidade das ações no momento da Assembleia Geral e não em momento posterior, não podendo a exigência estatutária de que os sócios se façam acompanhar na Assembleia Geral dos títulos representativos das suas ações, de forma a fazer prova da sua titularidade, substituída por uma apresentação posterior dos títulos junto dos Serviços Administrativos da Sociedade.
61. Ademais, uma declaração emitida por uma funcionária administrativa da Sociedade, segundo a qual o Recorrido apresentou determinados títulos nos Serviços Administrativos da W … SA, prova apenas essa apresentação, e não um reconhecimento pela Recorrente da titularidade das ações pelo Recorrido, que sempre teria de ser realizado – e manifestamente não o foi! – pelos órgãos decisores da Sociedade, em consonância com as regras legais e estatutárias.
62. Face ao exposto, do elenco de factos não provados deve constar, em conformidade com o ónus da prova que recai sobre a aqui Recorrida (artigo 342.º, n.º 1, do CC): Não provado que a Requerida reconheça ao Requerente a titularidade de 16000 ações da W … SA.
63. Ainda, devem ser inseridos na factualidade provada, os seguintes factos, plenamente resultantes da prova documental constante dos autos, e não impugnados ou objeto de prova do contrário pelo Recorrido:
a. Em 25.03.2024., o Requerente apresentou, nos Serviços Administrativos da Sociedade, os títulos representativos de 16.000 ações da W … SA;
b. A Requerida não é depositária dos títulos das ações arrestadas;
c. A Requerida desconhece se, em 11.03.2024, o Requerido tinha em seu poder os títulos das ações arrestadas;
d. Nunca à sociedade foi comunicado que as ações objeto do arresto se encontrassem depositadas em instituição de crédito.
64. O douto Tribunal a quo incorre ainda em mais um erro sobre a matéria de facto quando, procurando fundamentar a alegada – mas inexistente – abusividade da deliberação de inserção do artigo 5.º nos Estatutos da Sociedade vem a presumir, sem qualquer base probatória que o sustente, uma intenção de um sócio de obter uma vantagem especial para si, através do exercício do direito de voto, em prejuízo do aqui Recorrido e da Sociedade.
65. O Recorrido alegou, nos artigos 31.º, 41.º e 42.º do RI, que a intenção do sócio F … era excluir o Recorrido da Sociedade e obter o seu controlo.
66. A ora Recorrente impugnou as referidas alegações do Recorrido, nos artigos 104.º a 110.º da sua Oposição.
67. O Recorrido não apresenta qualquer prova de que o sócio F …, ou qualquer dos outros sócios tivessem na tomada das Deliberações qualquer das intenções emulatórias alegadas.
68. A Ata da Assembleia Geral de 21 de março de 2024 – factos provados 13., 14. e 15. Da Sentença – não contém qualquer confissão, de F … ou de qualquer outro sócio, sobre intenções de exclusão do Recorrido da Sociedade ou de controlo absoluto desta.
69. O que o sócio declara é um conjunto de motivos de proteção da Sociedade para justificar o teor das Deliberações propostas, que foram submetidas ao voto dos acionistas nessa Assembleia de 21 de março de 2014.
70. Face ao expendido, e em cumprimento da regra do ónus da prova constante do artigo
342.º, n.º 1, do CC, deve ser incluído, no elenco de factos não provados, o seguinte: não provado que F … pretendeu excluir o Requerente da Sociedade e obter para si a vantagem de controlo absoluto desta.
Erro sobre a matéria de direito
71. O douto Tribunal a quo conclui, incorretamente, que o Recorrido tinha legitimidade para o exercício de direitos sociais, enquanto sócio, na Assembleia Geral de 21 de março de 2024 e que as Deliberações aí tomadas foram aprovadas com maioria e não por unanimidade.
72. Fê-lo tendo por premissas:
a. A inexistência do artigo 9.º, n.º 4 na redação dos Estatutos em vigor à data da Assembleia Geral de 21 de março de 2024;
b. O facto de, no livro de registo da Sociedade, o Recorrido constar como sendo titular das ações cuja titularidade invoca;
c. O facto de, a 25 de março de 2024, o Recorrido se ter apresentado junto dos serviços administrativos da sociedade apresentando os títulos representativos dessas ações;
d. O facto de a Recorrente ter averbado, no registo de ações da Sociedade, o arresto ordenado sobre os títulos do Recorrido (facto provado 12.);
e. O reconhecimento de que o arresto não envolve uma alteração da titularidade das ações, nem interfere com a legitimidade para o exercício de direitos sociais inerentes aos aludidos títulos.
73. Entendeu o douto Tribunal a quo, s.m.o. incorretamente, que o ora Recorrido estava legitimado para exercer os seus direitos sociais na Assembleia Geral de 21 de março de 2024, essencialmente com base em duas premissas (cfr. a p. 28 da Sentença):
a. Quem consta do registo da Sociedade é necessariamente o titular das ações, dado que sem o registo não haverá transmissão;
b. Quem consta do registo da Sociedade como acionista pode exercer os direitos inerentes às ações.
74. Porém, tal raciocínio é equivocado, por um lado porque o registo da titularidade junto do emitente não tem, nos termos da lei, um efeito presuntivo da titularidade das ações tituladas nominativas e, por outro lado, a circunstância de o Recorrido constar dos registos da Sociedade como último titular conhecido das ações não é condição suficiente da sua legitimidade para votar, em face do artigo 9.º, n.º 4, dos Estatutos da Sociedade.
75. O artigo 56.º do CVM postula que o registo privado da sociedade emitente apenas a legitima a reconhecer como titular de direitos inerentes a valores mobiliários quem se encontra registado como titular dos mesmos quando, atentas as circunstâncias do caso, for legítimo à sociedade confiar, sem necessidade de realização de quaisquer diligências suplementares, que esse sujeito é efetivamente (i.e., no plano substantivo) o titular dos valores mobiliários em causa.
76. O artigo que estabelece requisitos de legitimidade ativa no exercício de direitos inerentes a valores mobiliários (artigo 55.º, n.º 1, do CVM) não pode deixar de ser interpretado em harmonia com o disposto no artigo 56.º do CVM, onde são estabelecidas as condições de legitimidade passiva.
77. Pelo que o artigo 55.º, n.º 1, do CVM, deve ser interpretado no sentido de que o registo junto do emitente é condição necessária, mas não condição suficiente, do exercício de direitos inerentes a valores mobiliários.
78. É também nesse sentido que deve ser interpretado o artigo 104.º, n.º 2, do CVM, porquanto também a teleologia do artigo 104.º, n.º 2, do CVM, reside na tutela da confiança da sociedade, visando impedir que os titulares de valores mobiliários titulados nominativos não integrados em sistema centralizado exerçam perante a sociedade os direitos inerentes a esses valores mobiliários sem que a titularidade desses valores se encontre registada no emitente.
79. É, assim, também evidente o artigo 104.º, n.º 2, do CVM, não atribui a quem se encontre registado como último titular conhecido de um valor mobiliário nominativo, legitimidade para exercer os direitos inerentes a esse valor mobiliário, ainda que não seja efetivamente titular do valor mobiliário em causa.
80. É, assim, falso que quem consta do registo privado da sociedade é necessariamente o titular das ações.
81. Tal como é falso que quem figura como último acionista conhecido nos registos privados da sociedade tenha, por essa razão, legitimidade ativa para o exercício dos direitos inerentes aos valores mobiliários.
82. O registo da qualidade de acionista é condição necessária e não condição suficiente para o exercício dos direitos sociais inerentes a ações tituladas nominativas (artigos 55.º., 56.º e 104.º, n.º 2, do CVM).
83. Acresce que o registo junto do emitente não faz sequer presumir a titularidade dos valores mobiliários, por estas razões:
a. Nos termos do artigo 56.º do CVM, a sociedade emitente não pode tratar como acionista sem qualquer diligência suplementar quem esteja como tal inscrito no seu registo particular quando existam circunstâncias objetivas que ponham em dúvida a correção desse registo;
b. O facto de uma pessoa surgir nos registos privados da sociedade emitente como titular de certas ações não é condição suficiente para que essa pessoa possa exercer os direitos sociais inerentes a essas ações: é impreterível que, cumulativamente, essa pessoa seja efetivamente titular das ações em causa (artigo 55.º, n.º 1, do CVM);
c. O facto de uma pessoa surgir nos registos privados da sociedade como titular de certas ações não é, por si só, suficiente, para demonstrar que essa pessoa é titular das ações em causa: em particular, esse registo não é suficiente quando a sociedade tenha conhecimento de circunstâncias perante as quais não poderia ser considerada como estando de boa-fé como se confiasse nessa titularidade, tendo apenas por base o que figura no seu registo privado.
84. O facto de, nos registos privados da Sociedade, o Recorrido constar como o último titular das ações n.º 184.001 a 200.000 por esta conhecido, ser insuficiente para que os órgãos da Sociedade pudessem, de boa fé, admitir o voto do Recorrido, na assembleia geral de 21 de março de 2024, é tanto mais claro dado que, como resulta evidente à luz das regras da experiência, e como é conhecido por qualquer homem médio, quem, procurando subtrair bens aos seus credores, dissipa o seu património, bem como quem adquire bens nessas circunstâncias, não urge seguramente a solicitar registos que comprovem essas movimentações patrimoniais.
85. Pelo que, tendo em conta as particulares circunstâncias que constituam a situação de incerteza objetiva quanto a se o Recorrido era, na data da Assembleia Geral, efetivamente titular daquelas ações, o registo privado, inalterado desde 2017, do qual o Recorrido constava como último titular das ações n.º 184.001 a 200.000 conhecido pela Sociedade, não poderia, em caso algum, ser invocado pela Sociedade, para se eximir de responsabilidades, caso, tendo o Recorrido logrado dissipar do seu património as ações da Sociedade, a Sociedade admitisse, sem qualquer escrutínio, que o mesmo fosse irrestritamente tratado como sócio.
86. Corolário disto é que o mero facto de o Recorrido constar dos registos privados da Sociedade, desde 2017, como o último titular das ações n.º 184.001 a 200.000 conhecido pela Sociedade nunca poderia ser suficiente para que este exercesse esse direito, recusando qualquer colaboração com a sociedade para demonstração de que, na data da assembleia, era efetivamente sócio da Sociedade.
87. Os sócios podem, no contrato de sociedade, determinar quais são as condições que devem ser consideradas necessárias para que alguém exerça qualquer dos direitos sociais junto da sociedade.
88. O que os sócios da Sociedade Recorrente fizeram, ao incluírem no artigo 9.º, n.º 4, dos Estatutos, uma norma segundo a qual os sócios que pretendam participar em assembleias gerais da sociedade devem fazer-se acompanhar dos títulos representativos das suas ações, foi determinar as condições que consideravam necessárias para se considerar suficientemente seguro que as pessoas que se apresentam na assembleia geral como sócios, e que aí exercem o direito de voto, são efetivamente sócios da sociedade.
89. Estando em causa meros interesses patrimoniais privados, que apenas regulamentam o exercício de direitos sociais, mas não impedem o seu efetivo exercício, é inequívoco que o contrato de sociedade pode regular os requisitos de prova da titularidade das ações como condição de participação em assembleia geral.
90. Essa estipulação estatutária tem prevalência aplicativa sobre os artigos 55.º e 56.º do CVM, os quais são, nessa medida, supletivos.
91. O facto de o Recorrido constar, desde 2017, como o último titular conhecido pela Sociedade das ações n.º 184.001 a 200.000, não é condição suficiente nem da suja titularidade dessas ações.
92. Nem mesmo a titularidade das ações é condição suficiente para que os acionistas da Sociedade possam participar nas suas assembleias gerais pelo facto de o contrato de sociedade estabelecer no artigo 9.º, n.º 4, dos Estatutos, que essa participação depende de, na data da assembleia geral, se fazerem acompanhar dos títulos representativos das suas ações — o que constitui a uma regulamentação do exercício do direito de voto tradicional na prática societária e cuja legitimidade é pacificamente reconhecida.
93. Mesmo que o artigo 9.º, n.º 4, dos Estatutos, não existisse, a mera inscrição de uma pessoa, nos registos privados da Sociedade, como último titular de um conjunto de ações, por esta conhecido, não seria suficiente para que, nos termos do artigo 56.º do CVM, a Sociedade pudesse ser considerada de boa-fé — nomeadamente, perante os seus demais sócios —caso, numa situação de incerteza objetiva acerca da titularidade dessas ações, aceitasse o exercício de direitos sociais por aquela pessoa, o que sucedia à data da Assembleia Geral de 21 de março de 2024.
94. Na sequência de o representante do Recorrido ter reconhecido ser incapaz de apresentar os títulos das ações que invocava serem detidas pelo seu constituído, mesmo após os sócios terem acordado adiar a reunião para possibilitar essa apresentação, o presidente da mesa tomou a decisão de prudência (ressalvando, porém, que esta não poderia ser tomada como uma tomada de posição no sentido da legitimidade do acionista M …) de admitir que aquele representante assistisse à assembleia geral e que fosse registado em ata o sentido das suas pronúncias, emitidas em nome do ora Recorrido, acerca das deliberações aí tomadas.
95. Fê-lo por ter sido impossível verificar a legitimidade desse acionista, nos termos do artigo 9.º, n.º 4, dos Estatutos, e o representante desse acionista ter aí alegado ser inválido esse preceito estatutário.
96. Em momento algum se refere na Ata que essa apresentação sanaria a falta de legitimidade do Recorrido para participar em Assembleia Geral.
97. Essa solicitação deve ser compreendida no contexto da decisão de prudência do Presidente da Mesa, tendente a evitar a repetição da Assembleia Geral na eventualidade de se vir a reconhecer judicialmente a invalidade do artigo 9.º, n.º 4, dos Estatutos, invocada pelo representante do Recorrido após ser confrontado com o facto de, entre todos aqueles que se apresentaram como sócios na Assembleia Geral de 21 de março de 2024, ser o único que não cumpria as condições de participação em assembleia aí definidas.
98. Assim, fosse o artigo 9.º, n.º 4, dos Estatutos impugnado com sucesso, a eventual declaração da Sociedade de que, nos três dias subsequentes, à realização da Assembleia Geral, o acionista apresentou os títulos representativos das suas ações ofereceria a este um meio probatório, ainda que indiciário, de que, à data da Assembleia Geral, era titular dessas ações.
99. O artigo 9.º, n.º 4, dos Estatutos determina que a legitimidade dos sócios para participarem nas assembleias gerais da Sociedade tem como condição necessária que estes, na data da realização da Assembleia Geral, — e não três dias depois dessa data! — se façam acompanhar dos respetivos títulos das ações.
100. Sendo inequívoco que o Presidente da Mesa não tem poderes para substituir o disposto nos Estatutos da Sociedade por outros critérios de legitimidade, um hipotético ato unilateral — e contra a vontade dos sócios — do Presidente da Mesa mediante o qual este determinasse ser legítima a participação em Assembleia Geral de qualquer pessoa que, nos três dias posteriores à Assembleia Geral, apresentasse os títulos das ações, seria juridicamente inexistente.
101. A competência de verificação dos títulos apresentados pelos participantes em assembleia geral, pode ser delegada, mas apenas no Secretário da Mesa da Assembleia Geral, de acordo com o artigo 9.º, n.º 5, dos Estatutos.
102. Mesmo que, contra o que efetivamente sucedeu a 21 de março de 2024, e se encontra documentado em ata, se entendesse que o Presidente da Mesa da Assembleia Geral teria determinado que o Recorrido poderia fazer prova da sua legitimidade apresentando os títulos representativos das ações de que se invoca titular perante os Serviços Administrativos da Sociedade, essa decisão seria evidentemente incapaz de produzir quaisquer efeitos jurídicos, em particular de derrogar o artigo 9.º, n.º 4, dos Estatutos.
103. Pelo que, em caso algum, a apresentação pelo Recorrido dos títulos, cuja titularidade invocou na assembleia de 21 de março de 2024, aos Serviços Administrativos da Sociedade, na data de 25 de março de 2024, poderia atribuir-lhe retroativamente legitimidade para participar na Assembleia Geral de dia 21 e votar as Deliberações.
104. Face aos artigos 380.º, n.º 1, do CPC e 59.º, n.º 1, do CSC, a qualidade de sócio tem de verificar-se tanto ao tempo da formação da deliberação objeto da providência, como ao tempo da instauração da correspondente ação cautelar ou ação principal.
105. Os artigos 380.º, n.º 1, do CPC e 59.º, n.º 1, do CSC, impõem um requisito de legitimidade substantiva: exige-se que quem pede a suspensão da deliberação social ou a impugna seja efetivamente, à data da mesma, sócio da sociedade — e não apenas que apareça nessa posição no desenho da relação jurídica controvertida tal como é feita pelo autor.
106. Não tendo o Recorrido legitimidade para exercer direitos sociais na Assembleia Geral de 21 de março de 2024, também não tem legitimidade substantiva para o presente procedimento cautelar.
107. Pelo que a Sentença recorrida incorre num erro de direito, violando o artigo 380.º, n.º 1, do CPC, devendo por isso ser revogada, sendo substituída por outra que julgue o Recorrido parte substantivamente ilegítima para a ação e absolva a Recorrente do pedido.
108. A declaração dos acionistas que, em cumprimento dos Estatutos, fizeram prova da sua qualidade de sócio — e, assim, da sua legitimidade para votar — foram, em cumprimento dos estatutos, considerados como votos, ao passo que as declarações tendentes ao exercício de voto do Recorrido — como são referidas na p. 2 da Ata— são expressamente distinguidas de verdadeiros votos e, por isso, referidas como uma mera pronúncia.
109. Por essa razão, ao indicar-se a maioria pela qual foi aprovada cada uma das alterações estatutárias postas a votação em assembleia geral, indicou-se que na eventualidade [sic!] de o acionista M … se venha a considerar legitimado — ou, como se diz noutro excerto da ata, no cenário (sic!) de se reconhecer legitimidade ao representante do acionista M … — todas essas alterações teriam sido aprovadas por uma maioria superior a dois terços dos votos emitidos, mas que, aplicando-se estritamente o artigo 9.º, n.º 4, dos Estatutos, todas essas alterações foram aprovadas por unanimidade.
110. A propósito de todas as deliberações impugnadas, encontra-se expressamente registado em Ata que votaram a favor todos os acionistas que fizeram prova da sua legitimidade.
111. Assim, todas as alterações estatutárias aprovadas pelas Deliberações cuja suspensão é pedida pelo Recorrido foram aprovadas por unanimidade.
112. Consequentemente, o douto Tribunal a quo incorre num erro de direito quando julga que as Deliberações impugnadas pelo Recorrido não foram tomadas por unanimidade.
113. Mesmo que o Presidente da Mesa da Assembleia Geral tivesse considerado que o Recorrido tinha legitimidade para, representado pelo seu mandatário, participar na assembleia e aí votar – o que se rejeita –, esses votos sempre seriam nulos, por não cumprirem os requisitos dos quais o artigo 9.º, n.º 4, dos Estatutos da Sociedade faz depender o exercício do direito de voto.
Primeira Deliberação
114. A Primeira Deliberação é, contrariamente ao que julgou o Tribunal a quo, válida.
115. O Tribunal a quo decidiu suspender a Primeira Deliberação, referente à alteração do artigo 4.º dos Estatutos, tendo como fundamento o artigo 328.º, n.º 3, do CSC e a falta de prestação de consentimento, pelo Recorrido, a essa deliberação, o que no seu entender determina a anulabilidade da deliberação – artigo 58.º, n.º 1, alínea a), do CSC.
116. Esse entendimento assenta numa interpretação incorreta da exigência contida no artigo 328.º, n.º 3, do CSC.
117. A exigência de consentimento aí estabelecida não equivale necessariamente à emissão, em assembleia geral, de um voto favorável relativamente à alteração que vem consagrar a inscrição estatutária do direito de preferência.
118. Assim, mesmo que o Recorrido tivesse votado contra a Primeira Deliberação (o que não é verdade):
a. A Primeira Deliberação não deixaria de ter sido validamente aprovada, por ter observado a maioria exigida no artigo 386.º, n.º 3, do CSC;
b. A preferência estabelecida, sucessivamente, a favor da sociedade e dos demais acionistas no artigo 4.º dos Estatutos seria, se tanto, ineficaz perante o Recorrido até que este declarasse consentir nessa preferência, o que poderia fazer fora da assembleia geral, não havendo qualquer prazo para a emissão dessa declaração;
c. A preferência estabelecida, sucessivamente, a favor da sociedade e dos demais acionistas vinculou, desde logo, todos os demais acionistas — os quais quiseram instituir e vincular-se a essa preferência e, por essa razão, votaram favoravelmente na deliberação de alteração estatutária em causa.
119. Assim, mesmo que todas as demais alegações do Recorrido fossem verdadeiras, o facto de o Recorrido ter votado contra a alteração dos Estatutos que introduziu a referida preferência societária apenas prejudicaria que tal preferência lhe fosse oposta, na eventualidade de este pretender alienar as suas ações, e, naturalmente, que o Recorrido beneficiasse de idêntica preferência na eventualidade de algum outro sócio pretender alienar as suas ações.
120. Não justifica, todavia, que todos os demais acionistas deixem de estar vinculados pela preferência estatutária que aprovaram.
121. A anulação da Primeira Deliberação teria como efeito que a preferência estabelecida no artigo 4.º dos Estatutos deixasse de produzir efeitos não só perante o acionista que nela não consentiu, mas também perante todos os acionistas que validamente a aprovaram, exprimindo a sua vontade de a ela ficarem vinculados, atento o artigo 61.º, n.º 1, do CSC.
122. A consequência da não prestação do consentimento pelo Recorrido à preferência consagrada pela Primeira Deliberação seria a sua ineficácia relativamente a este.
123. Pelo que, mesmo que se entendesse que o artigo 328.º, n.º 3, do CSC, não estaria satisfeito, a consequência dessa discrepância nunca seria a anulabilidade da Primeira Deliberação, nos termos do artigo 58.º, n.º 1, alínea a), do CSC.
124. Assim, s.m.o., o douto Tribunal a quo incorre num erro de direito quando considera a Primeira Deliberação anulável e decreta a sua suspensão, devendo tal decisão ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente o pedido de suspensão da Primeira Deliberação.
Segunda Deliberação
125. A Segunda Deliberação não enferma de qualquer invalidade que justifique a suspensão da sua eficácia.
126. Desde logo porque, como já referido, foi tomada por unanimidade. Se se acolher a tese do Tribunal a quo no sentido de que, ao caso, são aplicáveis o artigo 86.º, n.º 1, e o artigo 233.º, n.º 2, ambos do CSC, e que estes preceitos exigem, como condição de validade, a unanimidade na formação da deliberação, então, a Segunda Deliberação sempre seria válida.
127. Todavia, ao caso não é aplicável o artigo 233.º, n.º 2, do CSC. Por duas razões: por não haver qualquer justificação para a aplicação desse preceito às sociedades anónimas; e porque mesmo que o artigo 233.º, n.º 2, do CSC, fosse aplicável às sociedades anónimas, a “unanimidade” aí referida não respeita à formação de um quórum deliberativo, mas a um requisito de eficácia da cláusula de amortização introduzida com a alteração estatutária perante os acionistas que votem favoravelmente a essa introdução.
128. Não existe disposição normativa no regime das sociedades anónimas que estipule solução similar à estatuída no artigo 233.º, n.º 2, do CSC.
129. O regime de amortização de ações plasmado no artigo 347.º do CSC decompõe-se num conjunto alargado de condições e de exigências (rigorosamente observadas pelo artigo 5.º dos estatutos), e apresenta uma densidade regulativa que é dificilmente compaginável com a ideia de que, quanto às sociedades anónimas, esta é uma regulação lacunar ou com omissões regulativas que tornam indispensável o recurso, pelo intérprete-aplicador, ao regime das sociedades por quotas, em particular, ao regime plasmado no artigo 233.º do Código Civil.
130. Acresce que o artigo 347.º do CSC tem por fonte um diploma (diretiva) de Direito da União Europeia de 1976, tendo sobrevivido, sem alterações, a duas alterações legislativas que aprofundaram a tutela dos sócios (em 2012 e em 2017). Compulsados os correspondentes instrumentos do Direito da União, percebe-se que, na transposição pelo artigo 347.º do CSC, o legislador nacional foi mais exigente do que o legislador da União Europeia, por exigir sempre a intervenção da assembleia geral para deliberar a amortização compulsiva, mesmo existindo consentimento do acionista titular das ações objeto de amortização.
131. O artigo 347.º do CSC não regula explicitamente os casos de introdução superveniente de uma cláusula de amortização, mas tal não é, nem indicia, qualquer lacuna regulativa, que reclame uma aplicação subsidiária ou uma aplicação analógica do disposto no artigo 233.º, n.º 2, do CSC: estamos na presença de um silêncio forte, em que a ausência de uma regulação sobre introdução superveniente não deriva do facto de essa regulação nem ter sido considerada, mas porque, tendo sido considerada essa regulação, optou-se por não o fazer expressamente. Basta que se considere que o regime da amortização de ações, estabelecido no artigo 347.º do CSC desde a versão original do Código, foi já revisto duas vezes (pelo Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de março e pelo Decreto-Lei n.º 114-D/2023, de 5 de dezembro), não tendo em nenhuma dessas revisões o legislador — ciente das diferenças entre esse regime e aquele estabelecido para a amortização de quotas, e em particular da questão sobre se a exigência de unanimidade do artigo 223.º, n.º 2, CSC, poderia ser aplicada à amortização de ações — introduzido tal exigência.
132. Sem conceder, se o artigo 233.º, n.º 2, do CSC, fosse aplicável às sociedades anónimas, do mesmo não resultaria que a deliberação social para a introdução superveniente de cláusula de amortização nos estatutos tenha de ser tomada por unanimidade. Encontra-se hoje assente, com apoio doutrinário reconhecido, que a “unanimidade” a que se alude no enunciado desse artigo é um mero requisito de eficácia dessa deliberação para o acionista que vota contra a inclusão superveniente dos estatutos da cláusula de amortização.
133. A unanimidade referida no artigo 233.º, n.º 2, do CSC, é um requisito de eficácia (relativa) da deliberação social, e não da sua validade. O que é, aliás, congruente com a solução plasmada no artigo 86.º, n.º 2, do CSC.
134. Desta forma, incorre a Sentença recorrida em erro de direito na aplicação do critério do fumus boni iuris quanto à alegada invalidade da mesma.
135. Diversamente do que entende o Tribunal a quo, o artigo 86.º, n.º 1, do CSC, não é aplicável formação da Segunda Deliberação, uma vez que as alterações estatutárias promovidas por esta deliberação não têm eficácia retroativa. Uma alteração estatutária com eficácia retroativa é aquela em que os sócios, por unanimidade, fixam a data ou o evento passado (i.e., anterior à deliberação para a alteração estatutária) a partir do qual o contrato se deve considerar alterado.
136. Não só a Segunda Deliberação não tem eficácia retroativa, como não promove qualquer alteração estatutária com eficácia retroativa, por várias razões: (i) não resulta da cláusula estatutária a sua aplicação retroativa; (ii) do texto da ata na qual é relatado o conteúdo da Segunda Deliberação, nos termos em que foi apresentada aos acionistas e posta à votação destes, não resulta qualquer atribuição de efeito retroativo à dita alteração; e (iii) as declarações preambulares do Presidente do Conselho de Administração transcritas na ata, que contextualizam a realização da assembleia geral extraordinária, não são a fonte de retroatividade da alteração estatutária aprovada com a Segunda Deliberação
137. Mesmo que a Sociedade venha a deliberar, no futuro, a amortização das ações do requerente com fundamento no atual arresto das suas ações, ao abrigo do artigo 5.º dos Estatutos, tal não corresponde à atribuição de eficácia retroativa à alteração estatutária que promoveu a inclusão desse artigo nos estatutos, e muito menos à atribuição de eficácia retroativa à deliberação de amortização.
138. O artigo 5.º dos Estatutos produz efeitos ex nunc, para o futuro, e isto não é contrariado pela circunstância de os eventos ou vicissitudes nele elencados como fundamentos da amortização poderem assentar em factos anteriores (mas de verificação continuada e presente) ao início da vigência do artigo 5.º dos estatutos.
139. Verifica-se ainda uma ambiguidade da decisão do Tribunal a quo, ao confundir os efeitos da Segunda Deliberação com os efeitos de uma eventual e futura deliberação de amortização.
140. Quanto à decisão sobre o fumus boni juris relativo à Segunda Deliberação, enferma a Sentença recorrida (i) de nulidade, por ocorrer ambiguidade que torna a decisão ininteligível (alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC), e (ii) de erro de julgamento, tendo o Tribunal a quo feito uma errada aplicação e interpretação das normas de direito societário ao caso – em particular, do artigo 86.º, n.º 1, e do artigo 233.º, n.º 2, ambos do CSC.
141. Ainda quanto à validade da Segunda Deliberação: não se verifica qualquer abuso do direito de voto ou abuso de maioria, que a torne anulável nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do CSC. É matéria quanto à qual se pronuncia o Tribunal a quo, mas sem tomar qualquer decisão. Em particular, não estariam verificados os requisitos de que depende a aplicação deste regime impugnatório, a saber: o propósito dos acionistas que votaram favoravelmente à Segunda Deliberação, a obtenção de vantagens especiais emergentes dessa deliberação, o prejuízo do Recorrido, ou a passagem pela prova de resistência. A factualidade subjacente aos presentes autos evidencia a impossibilidade de fazer um juízo positivo quanto à aplicação, à Segunda Deliberação, do regime contido no artigo 58.º, n.º 1, alínea b), do CSC.
Terceira Deliberação
142. A Terceira Deliberação não enferma de qualquer invalidade.
143. Primeiro, porque foi tomada por unanimidade.
144. Segundo, porque a inclusão de cláusula arbitral nos estatutos das sociedades não está sujeita à aprovação da deliberação respetiva por unanimidade, não resultando tal exigência dos artigos 1.º ou 2.º da Lei da Arbitragem Voluntária.
145. A aprovação da Primeira Deliberação basta-se, assim, com a maioria geral prevista para as alterações estatutárias, a qual se encontraria inequivocamente satisfeita, mesmo que o Recorrido tivesse efetivamente votado contra a Primeira Deliberação.
146. A competência do Tribunal a quo para decidir nos presentes autos, seja em sede cautelar seja em sede principal, não depende da invalidade da cláusula estatutária inserida no artigo 14.º dos Estatutos.
147. Razão pela qual, aliás, o ora Recorrente, apesar de todas as razões que depõem no sentido da validade da Terceira Deliberação, não invocou a incompetência desse Tribunal com fundamento em preterição de jurisdição arbitral.
148. Quando se indaga a validade da alteração estatutária introduzida pela Terceira Deliberação — ou, em sede cautelar, a existência de fundamento para a sua suspensão — o que está em causa não é saber se a validade da própria alteração estatutária que introduz essa alteração pode ser julgada nos tribunais judiciais, mas apenas saber se existe algum obstáculo a que os futuros litígios entre a sociedade, acionistas e/ou titulares dos órgãos sociais sejam submetidos à arbitragem por força da cláusula 14.º introduzida nos Estatutos pela Terceira Deliberação.
149. Face ao exposto, andou mal o Tribunal a quo, incorrendo num erro de direito, quando decretou a suspensão da Terceira Deliberação, devendo tal decisão ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente o pedido de suspensão da Terceira Deliberação.
Periculum in mora
150. Diversamente do que decidiu o Tribunal a quo, não se encontrava verificado o requisito do periculum in mora, por não existir dano apreciável resultante da execução das Deliberações.
151. O Recorrido não alegou, nem provou, os factos concretos suscetíveis de consubstanciar o dano apreciável.
152. A conclusão pela existência de dano apreciável imporia que o Recorrido tivesse alegado e provado, quanto a cada uma das Deliberações, factos que permitissem aferir e sustentar: (i) o prejuízo para o Recorrido, distinto dos efeitos das próprias Deliberações; (ii) a certeza ou a probabilidade forte da sua materialização na esfera do requerente; (iii) a gravidade e seriedade desse prejuízo; (iv) a causalidade entre a execução de cada uma das Deliberações e o prejuízo; (v) e a possibilidade de execução de cada uma das Deliberações enquanto se aguarda pela decisão na ação principal.
153. O Tribunal a quo ignorou a inobservância dos ónus de alegação e da prova pelo requerente, sobrepondo-se a este, e não fundamentou suficientemente a sua decisão.
154. Quanto à decisão sobre o periculum in mora, enferma a Sentença recorrida de nulidade, por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC), por a decisão do Tribunal a quo a propósito da fixação do valor da ação (no sentido de que a Segunda Deliberação não é geradora de qualquer prejuízo e de que os autos não dispõem de elementos suficientes que permitam fixar o valor concreto do dano) estar em manifesta oposição com a decisão sobre o periculum in mora (alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC), e por nela se conhecer do periculum in mora quando este requisito e os seus factos constitutivos nem sequer foram alegados, muito menos provados, pelo requerente (alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC).
155. Acresce que enferma também a Sentença de erro de julgamento, tendo o Tribunal a quo feito uma errada aplicação das normas de direito probatório ao caso, ao ignorar a inobservância dos ónus de alegação e da prova pelo requerente quanto aos factos constitutivos deste requisito do procedimento cautelar.
NESTES TERMOS e nos melhores de Direito que V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, doutamente suprirão:
I. Deve a notificação da Sentença ao ora Recorrido ser corrigida, através da emissão de nova notificação, sem referência à inversão do contencioso.
II. Deve a Sentença recorrida:
i) Ser parcialmente anulada, sendo substituída por outra que elenque os factos não provados;
Cumulativamente,
ii) Ser revogada, sendo substituída por outra que julgue o Recorrido parte substantivamente ilegítima para a ação e absolva a Recorrente do pedido.
Subsidiariamente,
iii) Ser revogada e, em consequência, serem julgados totalmente improcedentes todos os pedidos de decretamento da providência cautelar de suspensão das Deliberações tomadas na Assembleia Geral da W … SA de 21 de março de 2024, sendo o Recorrente absolvido dos pedidos.
Assim, julgando o presente recurso procedente, estarão V. Exas. a fazer a costumada JUSTIÇA!”
           
O requerente apresentou CONTRA-ALEGAÇÕES, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida.
Não formulou conclusões.

O recurso foi admitido na 1.ª instância por despacho de 03/09/2024.
A Mma. Juíza a quo pronunciou-se no sentido de não padecer a decisão recorrida de qualquer nulidade.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

*
II – DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões no mesmo formuladas, salvo no que concerne à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas pertinentes ao caso concreto e quando estejam em causa questões que forem de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado - artigos 5.º, n.º 3, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC.
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
a) Irregularidade da notificação da sentença;
b) Nulidades da decisão recorrida;
c) Impugnação do julgamento da matéria de facto;
d) Verificação dos pressupostos necessários ao decretamento do procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais.

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III – FUNDAMENTAÇÃO

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A 1.ª instância considerou indiciariamente provados os seguintes factos:
1. A Requerida W … SA., pessoa colectiva n.º XXX, registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa tem o capital social de 1.000.000 EUR (um milhão de Euros) e sede na Rua XXX Lisboa – cfr. certidão permanente junta a 03.04.2024.
2. Tem por objeto a investigação clínica com radiofármacos. – certidão permanente junta a 03.04.2024.
3. A sociedade requerida foi constituída em 1987, como sociedade por quotas, com o capital social de 9 975,99€ - insc.1 /19871215 - certidão permanente junta a 03.04.2024.
4. O requerente adquiriu em partes iguais com dois outros adquirentes, por cessão de D …, uma quota de 897,84€, ap. 18/20060619 certidão permanente junta a 03.04.2024.
5. Por deliberação de 09.08.2006 a requerida aumentou o capital em 490 024,01, por incorporação de reservas livres e adoptou a natureza de sociedade anónima, com o capital de 500.000,00 [100.000 acções, no valor nominal de 5,00€, nominativas ou ao portador], ap. 15/20060920 – certidão permanente junta a 03.04.2024.
6. O capital social da Requerida é 1.000.000 EUR (um milhão de Euros), após aumento de 500.000,00, realizado em dinheiro e subscrito pelos accionistas (200.000 acções no valor nominal de 5,00€) ap. 118/20090320 certidão permanente junta a 03.04.2024.
7. Os artigos 3.º e 9.º do contrato de sociedade foram alterados – cfr. Insc. 20 ap. 109/20171108
«Acções:
Natureza: nominativas
Menção: pendente de processo de conversão» - certidão permanente junta a 03.04.2024.
8. A requerida recebeu o ofício de 12.02.2024 remetido pela Agente de Execução EM…, nomeada no Proc. 4083/23.7T8CSC-A, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Cascais, Juízo Central Cível a notificar «do arresto decretado por sentença de 16.000 acções representativas do capital social (…) e, nos termos dos artigo 103.º e 102.º do Código de Valores Mobiliários e do artigo 774.º, do Código de Processo Civil registar o arresto no livro de registo de acções.»
9. Em anexo seguiu a sentença proferida, a 02.02.2024, no Proc. 4083/23.7T8CSC-A, do Juízo Central Cível, do Tribunal de Cascais – Juiz 1 (em que é requerente J…), na qual se determinou o arresto, entre outros bens ou direitos, de 16.000 acções representativas do capital social da requerida.
10. A 2024-02-20, a requerida publicou na plataforma https://publicacoes.mj.pt/DetalhePublicacao.aspx convocatória seguinte:
«ASSEMBLEIA GERAL EXTRAORDINÁRIA DE 21 DE MARÇO DE 2024
C …, Presidente da Mesa da Assembleia Geral da sociedade anónima W … SA., com sede na Rua XXX, em Lisboa, registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa com o NIPC XXX, com o capital social de 1.000.000 EUR (um milhão de Euros), vem, por requerimento do Senhor Presidente do Conselho de Administração da Sociedade, nos termos do artigo 377.º do Código das Sociedades Comerciais, convocar ASSEMBLEIA GERAL EXTRAORDINÁRIA da Sociedade, a realizar no próximo dia 21 de março de 2024, pelas 17:30 horas, exclusivamente por meios telemáticos, nos termos do artigo 377.º, n.º 6 do Código das Sociedades Comerciais, com a seguinte ordem de trabalho:
1 – Adicionamento aos Estatutos da Sociedade de novos artigos 4.º, 5.º e 15.º, com a consequente renumeração dos artigos 5.º a 12.º.
De acordo com o estabelecido no artigo 9.º dos Estatutos da Sociedade:
Têm direito de voto os acionistas que detenham um mínimo de cem ações, correspondendo um voto a cada cem ações.
Para poderem exercer o seu direito de voto e´ necessário que os acionistas, até às 00:00 (zero) horas do 5.º (quinto) dia anterior ao da realização da Assembleia Geral, comuniquem por escrito a respetiva intenção de participação. Na data da realização da Assembleia Geral, os acionistas que nela tenham declarado pretender participar nos termos do n.º 3 do artigo 9.º dos Estatutos da Sociedade devem fazer-se acompanhar dos respetivos títulos de ações ou, no caso de as ações se encontrarem depositadas em instituição de crédito, por documento comprovativo da titularidade das ações, emitido pela instituição de crédito depositária.
Não é admitido voto por correspondência.
A Assembleia Geral realiza-se exclusivamente por meios telemáticos. Os acionistas podem participar na reunião da Assembleia Geral através de videoconferência, nos termos que serão oportunamente comunicados.
Caso pretenda o acesso a` Assembleia Geral por meios telemáticos, o acionista deve indicar previamente essa intenção ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral, ate´ oito dias antes da realização da Assembleia Geral, para o endereço de correio eletrónico xxx.
Na comunicação de intenção de participação na Assembleia Geral dirigida ao Presidente da Mesa, o acionista deve incluir o respetivo endereço de correio eletrónico para receção de comunicações relativas a` Assembleia Geral.
Subsequentemente a esta comunicação, o acionista recebera´ por correio eletrónico a informação necessária para a sua participação na reunião da Assembleia Geral por meios telemáticos. Nos termos legais aplicáveis, a Sociedade procedera´ ao registo do conteúdo das comunicações e dos respetivos intervenientes.
Nos termos do artigo 289.º do Código das Sociedades Comerciais, toda a informação preparatória da Assembleia Geral estará a` disposição dos acionistas nos serviços administrativos da Sociedade a partir das 15 horas do dia 20 de fevereiro de 2024.
Nos termos do artigo 377.º, n.º 8, do Código das Sociedades Comerciais, o texto integral das alterações estatutárias propostas fica à disposição dos acionistas nos serviços administrativos da Sociedade a partir da presente data.
Lisboa, 20 de fevereiro de 2024
O Presidente da Mesa da Assembleia Geral
Prof. Doutor C …»
11. Por ofício enviado pela Agente de Execução EM…, nomeada no Proc. 4083/23.7T8CSC-A, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Cascais, Juízo Central Cível, Juiz, datado de 14.03.2024, o requerente foi notificado «para proceder à entrega dos títulos – 16 000 acções tituladas nominativas da W … SA., identificadas pelos n.º 184.001 a 200.000 e cujo arresto foi averbado no registo de acções da Sociedade.»
12. Em anexo seguiu a seguinte comunicação da requerida:
(…)
13. Da Assembleia geral de 21.03.2024 foi lavrada acta com o seguinte teor:
Encontravam-se presentes o Presidente da Mesa da Assembleia Geral, o Senhor Prof. Doutor C …, e o Secretário da Mesa da Assembleia Geral, o Senhor Dr. S …. Também se encontravam presentes os membros do Conselho de Administração da Sociedade e o Senhor G …, ROC eleito pela Assembleia Geral da Sociedade. --------------
O Presidente da Mesa e o Secretário da Assembleia Geral verificaram, pela lista de presenças mandada elaborar nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 382.º do Código das Sociedades Comerciais (“CSC”), que se encontrava presente ou representado o número de acionistas necessário para deliberar, bem como a regularidade dos respetivos instrumentos de representação, que ficam arquivados na sede social. ------------
Dando cumprimento ao disposto no artigo 9.º, n.º 4, dos Estatutos da Sociedade, também reproduzido na convocatória para a assembleia geral, o Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Sociedade solicitou a todos os acionistas que apresentassem os respetivos títulos das ações para poderem participar na assembleia geral. Os acionistas presentes apresentaram os títulos das suas ações, com exceção do acionista M …, cujo representante informou não se encontrar na posse dos títulos. Quanto aos acionistas que apresentaram os títulos das ações, o Presidente da Mesa e o Secretário da Assembleia Geral deram por verificada a legitimidade dos mesmos para participar na assembleia geral. Quanto ao acionista M …, o Presidente da Mesa propôs conceder ao representante daquele um período de 30 (trinta) minutos para solicitar ao acionista representado os títulos das suas ações com vista à apresentação dos mesmos naquela assembleia geral, o que foi aceite por todos os acionistas presentes. O representante comunicou, porém, à mesa que não seria possível obter as ações para apresentação nesse período. Colocaram-se, então, dois problemas distintos: (i) o primeiro, relativo à questão de saber se o acionista M … seria ao tempo da reunião, ainda, acionista da sociedade; e (ii) mesmo que o fosse, se estando as suas ações arrestadas, conforme notificado à Sociedade — e confirmado pelo representante do acionista M … —, seria ainda o acionista a pessoa com legitimidade para exercer os direitos inerentes às ações (e não o agente de execução). --
Não obstante a não apresentação, pelo representante do acionista M …, de prova da legitimidade deste para participar na assembleia geral e para nela exercer o direito de voto, o Presidente da Mesa da Assembleia Geral, admitiu que o representante desse acionista assistisse e participasse na assembleia, bem como que o sentido do seu voto fosse registado. O Presidente da Mesa da Assembleia Geral esclareceu que essa decisão não poderia ser tomada como uma tomada de posição acerca da legitimidade do acionista M … para participar (em nome próprio ou através de representante) na assembleia, não obstante a não apresentação dos títulos, mas apenas como uma decisão de prudência, visando mitigar o risco de disrupções na vida societária, assente nas seguintes razões: (i) entendendo-se que o acionista M … não tem legitimidade para participar (por si ou através de representante) na assembleia, as declarações tendentes ao exercício de voto que sejam expressas pelo seu representante devem ser simplesmente consideradas irrelevantes, pelo que a sua admissão da expressão e do registo dessas declarações não acarretaria qualquer desvantagem, e (ii) na eventualidade de se negar ao representante do acionista M … a possibilidade de participar na assembleia, e se vir a concluir que este teria, afinal, direito a essa participação, a assembleia poderia ter de vir a ser repetida. Em qualquer caso, o Presidente da Mesa: (i) solicitou ao representante do acionista M … que apresentasse as ações à Sociedade em três dias úteis; e (ii) informou que faria constar dos resultados apurados em contexto de votação do Ponto Único da Ordem de Trabalhos os resultados apurados (a) no cenário de se reconhecer legitimidade ao representante do acionista M …; e (b) seguindo estritamente o disposto no artigo 9.º, n.º 4, dos Estatutos. Tudo isto de modo que, na eventualidade de vir a ser proferida decisão judicial acerca da questão sobre a legitimidade para o acionista M … para votar (através do seu representante) na presente assembleia — e independentemente do sentido dessa eventual decisão — haja, em qualquer caso, um aproveitamento das deliberações aí formadas. ------------------------------------------------------------------
O representante do acionista M … (i) contestou a validade do artigo 9.º, n.º 4, dos Estatutos da Sociedade, defendendo que, em consequência, a apresentação dos títulos não é condição de participação na assembleia geral, explicando ser, na sua opinião, o artigo 104.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários, imperativo e (ii) defendeu que o facto de terem os títulos sido arrestados não afetaria o exercício dos direitos de fundo pelo seu representado. -------
Já o senhor acionista F … explicou ser seu entendimento (i) dever prevalecer o disposto nos Estatutos (artigo 9.º, n.º 4) a respeito da participação na assembleia geral, pelo que o acionista M … deveria apresentar os títulos representativos das ações da Sociedade; e (ii) que o arresto impediria o acionista M … de participar e votar nesta reunião da assembleia geral. Em qualquer caso, concluiu, o acionista não deveria ser admitido a participar e votar (através do seu representante) na assembleia geral. ---------
Na medida em que a Assembleia Geral se realizou por meios telemáticos, foi dispensada a assinatura da lista de presença pelos acionistas ou respetivos representantes, tendo a respetiva identidade sido devidamente verificada.»
14. Da discussão do Ponto Único da Ordem de Trabalhos ficou registado:
O Presidente do Conselho de Administração pediu a palavra para esclarecer os acionistas sobre as razões que presidiram à convocação da assembleia geral e as razões que presidem à proposta de alteração dos estatutos. Afirmou o seguinte (em termos que se transcrevem): - “Gostaria de transmitir aos senhores acionistas o motivo pelo qual a Administração da W … SA solicitou ao Senhor Presidente da Mesa da Assembleia Geral a convocatória desta reunião. -------------------------------------------------
Recentemente tomámos conhecimento, por comunicação enviada diretamente à Sociedade por agente de execução, de um arresto de ações desta Sociedade, em procedimento cautelar que, tanto quanto julgamos, está em curso. --------------------------
Trata-se de um cenário inédito nesta Sociedade, que nunca havia sido ponderado nem, por isso mesmo, acautelado. Ora, este é um cenário que – seja agora, seja quanto a casos futuros – muito preocupa esta administração, pelo risco que representa para o interesse da Sociedade.
Esse risco, como se sabe, é o de as ações arrestadas e posteriormente penhoradas serem vendidas a terceiros, em venda executiva, sem que a sociedade tenha qualquer controlo nessa venda. A entrada de acionistas novos e estranhos para o círculo social, sobretudo tendo em conta a dimensão e o setor de atividade da W … SA, pode perturbar o bom funcionamento da empresa e comprometer o interesse social. --------------------------------
O perigo que o arresto, a penhora e, em geral, a apreensão judicial de ações representa para a W … SA, assim como a insolvência dos seus acionistas, justifica que, para tutela do interesse social, os estatutos da Sociedade sejam alterados nos moldes propostos, e que são do conhecimento de todos os senhores acionistas. ----------------------
Assim, para mitigar estes riscos, entendemos ser fundamental conferir à Sociedade o poder para, desde que observado o procedimento legalmente estabelecido para o efeito, amortizar ações quando alguma daquelas situações se verifique. ----------------------------
Os mesmos riscos justificam que os estatutos passem a atribuir um direito de preferência à sociedade e aos acionistas sempre que se trate de uma transmissão de ações a terceiros. A preocupação é, uma vez mais, a de evitar, ou pelo menos controlar, a entrada de acionistas novos e estranhos no círculo social. E, com isso, evitar que a atividade da Sociedade seja perturbada por atuações disruptivas de eventuais sócios. ------------------
Por fim, a consciência deste risco leva-nos a aproveitar a ocasião desta proposta de alteração estatutária para propor a inclusão nos estatutos de uma cláusula arbitral. Temos já a experiência, no passado, de que a atividade da Sociedade pode ser prejudicada pela litigância em seu torno. Na eventualidade de entrarem na sociedade novos acionistas, estranhos ao atual perímetro acionista, e cuja atitude ninguém pode conhecer de antemão, tais riscos intensificar-se-iam. ------------------------------------------
Os tribunais arbitrais são reconhecidamente mais rápidos na resolução de tais litígios, e no desbloqueio de impasses por eles criados, o que favorece a paz societária e o bom funcionamento da empresa. Para além disso, as garantias de decisões tecnicamente competentes que oferecem são equiparáveis às dos tribunais judiciais. -------------
A inclusão nos estatutos da cláusula arbitral é, pois, uma medida de precaução. Esta assegura que, na eventualidade de, em algum momento futuro, voltar a haver litigância em torno da Sociedade, os eventuais impasses serão superados — e a paz societária será recuperada — de forma mais célere”. -------------------------------------
Pediu a palavra o representante do acionista M …, tomando posição a respeito de cada uma das alterações propostas. ------------------------------------------------------------
O representante do acionista começou por salientar, a respeito da proposta de artigo 4.º (transmissão de ações), que a introdução de limitações à transmissão de ações está, nos termos do artigo 328.º, n.º 3, do CSC, dependente de aprovação de todos os acionistas, ou seja, que, na sua opinião, o quórum deliberativo seria a unanimidade. -----------------
Já a respeito da proposta de introdução de um novo artigo 5.º aos Estatutos, o representante do acionista M … explicou violar, na sua opinião, um direito fundamental do acionista de pertencer à Sociedade. Sem prejuízo, explicou ainda ter aquela alteração, na sua perspetiva, também, de ser aprovada por unanimidade. ----
Por fim, a respeito da cláusula arbitral, considerou que não é possível haver cláusulas compromissórias sem o acordo de todos os envolvidos, pelo que, na sua perspetiva, se não fosse o artigo 14.º aprovado por unanimidade, não poderia ser incluído nos Estatutos da Sociedade. -------------------------------------------------------
Em face do exposto, o representante do acionista M … informou que declararia votar contra todas as alterações propostas. -----------------------------------------------------------------------
15. A votação
Encerrada a discussão, o Presidente da Mesa da Assembleia Geral propôs que os presentes deliberassem, no âmbito do Ponto Único da Ordem de Trabalhos, a proposta de alteração dos Estatutos da Sociedade (nos termos em anexo à presente ata), tendo sido apurados os seguintes resultados: -----------------------------------------
I. – Substituição integral do Artigo 4.º dos Estatutos da Sociedade: ------------------------
Votaram a favor todos os acionistas que fizeram prova da sua legitimidade (F …, JR…, ML…); ---------
Pronunciou-se contra M … (representando por AP...); ---------
Não houve abstenções a registar. -------------------------------------------
A proposta de substituição integral do Artigo 4.º dos Estatutos da Sociedade foi aprovada.
Maioria: (i) maioria superior a dois terços dos votos emitidos (na eventualidade de o acionista M … se venha a considerar legitimado); ou (ii) unanimidade, aplicando-se estritamente o artigo 9.º, n.º 4, dos Estatutos. --------------
II. – Inclusão de um novo Artigo 5.º e renumeração dos artigos seguintes: ----------------
Votaram a favor todos os acionistas que fizeram prova da sua legitimidade (F …, JR…, ML…); -----------
Pronunciou-se contra M … (representando por AP…); ---------
Não houve abstenções a registar. -----------------------------------------------------------------
A proposta de inclusão de um novo Artigo 5.º e de renumeração dos artigos seguintes foi aprovada. ---------
Maioria: (i) maioria superior a dois terços dos votos emitidos (na eventualidade de o acionista M … se venha a considerar legitimado); ou (ii) unanimidade, aplicando-se estritamente o artigo 9.º, n.º 4, dos Estatutos. --------------
III. – Inclusão de um novo artigo 14.º nos Estatutos da Sociedade: --------------------------
Votaram a favor todos os acionistas que fizeram prova da sua legitimidade (F …, JR…, ML…); -----------
Pronunciou-se contra M …  (representando por AP…); ---------
Não houve abstenções a registar. ---------------------------------------------------------------
A proposta de inclusão de um novo artigo 14.º nos Estatutos da Sociedade foi aprovada.
Maioria: (i) maioria superior a dois terços dos votos emitidos (na eventualidade de o acionista M … se venha a considerar legitimado); ou (ii) unanimidade, aplicando-se estritamente o artigo 9.º, n.º 4, dos Estatutos. --------------
Nada mais havendo a tratar, foi a sessão encerrada pelas dezoito horas e cinco, dela se lavrando a presente ata que, depois de lida e aprovada, vai ser assinada pelo Presidente da Mesa da Assembleia Geral e pelo Secretário da Mesa da Assembleia Geral. ------------------
16. No dia 25.03.2024 foi emitida, pela requerida, a declaração que se transcreve:
(…)
17. Antes da assembleia de 21.03.2024 o artigo 4.º do Estatuto tinha a seguinte redação:
Artigo 4.º
(Transmissão de ações)
As ações são livremente transmissíveis.
18. Os artigos 4.º, 5.º e 14.º dos Estatutos aprovados na assembleia de 21.03.2024 preveem:
Artigo 4.º
(Transmissão de ações)
Um – A Sociedade e os acionistas têm, nos termos dos números seguintes, direito de preferência em todas as transmissões inter vivos de ações.
Dois – Excluem-se do âmbito do número anterior as transmissões de ações em que o adquirente seja outro acionista ou a própria Sociedade.
Três – Antes de qualquer transmissão de ações sujeita às preferências estabelecidas no n.º 1, deve o alienante comunicar à Sociedade, através de correio postal registado com aviso de receção, o número de ações objeto de potencial transmissão, o preço da transmissão, as demais condições da transmissão e do pagamento, bem como a identidade do eventual adquirente.
Quatro – A Sociedade deve decidir sobre o exercício do direito de preferência no prazo de 30 dias a partir da comunicação referida no número anterior, podendo adquirir a totalidade das ações objeto de potencial transmissão ou parte destas.
Cinco – Caso a Sociedade não exerça o seu direito de preferência, esta deve, no prazo de 15 dias, notificar, por correio postal registado com aviso de receção, todos os acionistas, com exceção do alienante, dando-lhes conhecimento do direito de preferência que lhes assiste e de todas as informações que lhe tenham sido transmitidas nos termos do n.º 3 deste preceito. A Sociedade dará conhecimento ao alienante da realização desta notificação aos acionistas.
Seis – Cada acionista tem direito a adquirir, através do exercício do seu direito de preferência, ma quantidade de ações na proporção da sua participação no capital da Sociedade, desconsideradas eventuais ações próprias.
Sete – Os acionistas que desejem exercer o seu direito de preferência devem comunicar a sua intenção à Sociedade, por correio postal registado com aviso de receção, no prazo de 30 dias contados após receção da comunicação referida no n.º 5 do presente preceito.
Oito – Na eventualidade de alguns acionistas não pretenderem exercer o direito de preferência, o número das ações que os demais acionistas podem adquirir nos termos deste preceito não é ampliado, salvo em caso de transmissão do direito de preferência.
Nove – Após a sua decisão de exercício do direito de preferência, referida no n.º 4, ou 5 dias após o término do prazo referido no n.º 7, a Sociedade comunica ao alienante, através de correio postal registado com aviso de receção, quais os preferentes que pretendem exercer o seu direito.
Dez – Comunicada a intenção de alienar ações nos termos do n.º 3 deste preceito, os direitos da Sociedade e dos acionistas em adquirir as ações em igualdade de condições torna-se irrevogável, mesmo em caso de revogação, caducidade, ou outra forma de extinção, da proposta de transmissão comunicada.
Onze – Tendo a transmissão das ações comunicada nos termos do n.º 3 carácter gratuito, ou não correspondendo a contrapartida dessa transmissão a um valor pecuniário, o direito de preferência será exercido mediante o pagamento, ao alienante, de uma contrapartida correspondente ao valor de mercado das ações objeto de transmissão, calculada por um revisor oficial de contas designado pela Sociedade.
Nesta hipótese, pretenda exercer, ou não, o seu direito de preferência, a Sociedade deve designar e incumbir um revisor oficial de contas de avaliar as ações, no prazo de 10 dias contados a partir da receção da comunicação referida no n.º 3, contando-se o prazo referido no n.º 4 após a receção, pela Sociedade, do relatório de avaliação das ações.
Doze – Qualquer transmissão de ações que não observe o disposto neste preceito será ineficaz perante a Sociedade.
Artigo 5.º
(Amortização de ações)
Um - É permitida a amortização de ações pela Sociedade, sem consentimento do respetivo titular, nos casos seguintes casos:
a) Se as ações forem arrestadas, penhoradas, ou, por qualquer outra forma, sujeitas a apreensão judicial, desde que se mantenham nessa situação por período superior a trinta dias após notificação judicial do seu titular, ou da Sociedade;
b) Se o seu titular for declarado insolvente ou estiver sujeito a medida ou procedimento de recuperação pré-insolvencial;
c) Se as ações forem transmitidas a terceiro, sem observância do disposto no Artigo 4.º.
Dois – Compete à Assembleia Geral deliberar a amortização das ações, dentro do prazo de um ano a contar da ocorrência do facto que fundamenta o direito à amortização.
Três - A deliberação sobre o exercício do direito de amortização deve ser tomada por maioria dos votos emitidos, não cabendo direito de voto às ações objeto da decisão de amortização.
Quatro - A amortização considera-se efetuada mediante a comunicação da deliberação respetiva ao acionista ou ao terceiro por ela afetado.
Cinco - Salvo acordo das partes em contrário, o valor da contrapartida a pagar pela amortização das ações é calculado nos termos do n.º 2 artigo 105.º do Código das Sociedades Comerciais.
Seis - O valor fixado para a amortização das ações será pago pela Sociedade em três prestações iguais, vencendo-se a primeira, 30 dias após a comunicação prevista no n.º 4, e as segunda e terceira, respetivamente, seis meses e um ano depois do vencimento daquela.
Artigo 14.º
(Cláusula arbitral)
Um - Todos os litígios entre a Sociedade e os acionistas, ou entre estes, no âmbito do exercício dos seus direitos sociais, de fonte legal ou estatutária, seja entre a Sociedade ou os acionistas e os membros dos órgãos sociais, nessa qualidade, serão submetidos a decisão de tribunal arbitral constituído sob a égide do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, sendo aplicável o Regulamento de Arbitragem Societária de 2021 ou outro que o venha a substituir.
Dois - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o tribunal arbitral será composto por três árbitros, nomeando cada uma das partes um árbitro, sendo o terceiro árbitro nomeado pelos outros dois.
Três - Nas ações de anulação, de declaração de nulidade e nas demais em que a deliberação proferida seja eficaz contra e a favor de todos os acionistas, a designação do árbitro de parte é feita por acordo entre todos os acionistas que não tenham votado favoravelmente a deliberação impugnada ou, na ausência desse acordo, pelo Presidente do Centro de Arbitragem.
19. Os Estatutos da requerida tinham antes da alteração introduzida em 2020, a seguinte redação:
 (…)
Não ficaram por provar quaisquer factos com relevância para a presente decisão.

Em sede de motivação consignou-se:
“A matéria de facto foi considerada provada por acordo das partes, nos termos do artigo 574.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, e tendo em consideração os documentos juntos com os articulados, cuja validade não foi impugnada.”

*
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Irregularidade da notificação da sentença
Começa a recorrente por invocar que a notificação da sentença que lhe foi endereçada refere haver lugar à inversão do contencioso, sem que tal tenha sido requerido e decretado, nessa medida peticionando que seja levada a efeito nova notificação.
Compulsados os autos constata-se que, com efeito, a notificação em causa foi efectuada nos termos previstos no artigo 382.º do CPC[2], ou seja, nos moldes pelos quais se processam as notificações das decisões nas quais ocorre inversão do contencioso.
Trata-se, no entanto, de um evidente lapso (como, aliás, a recorrente expressamente reconhece) que, no caso, em nada afectou a defesa dos interesses das partes, designadamente da recorrente, tanto mais que a mesma recebeu igualmente a decisão proferida e da mesma interpôs tempestivamente o competente recurso.
Carece, pois, de fundamento que se ordene nova notificação, o que constituiria a prática de um acto inútil, logo, não permitido por lei – artigo 130.º do CPC.       

Das putativas nulidades da decisão recorrida:
Dispõe o artigo 615.º, n.º 1, do CPC que a sentença é nula quando: a) não contenha a assinatura do juiz; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e e) condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
Como decorre desta norma, as causas de nulidade aqui previstas reportam-se à violação de regras de estrutura, conteúdo e limites do poder-dever de pronúncia do julgador, consubstanciando as mesmas, vícios formais da sentença ou vícios referentes à extensão/limites do poder jurisdicional (não contendendo, pois, com o mérito da decisão)[3].
Tais nulidades, para além de não serem de conhecimento oficioso, respeitam, nas palavras de Rui Pinto[4], “ao teor do ato decisório, nomeadamente ao cumprimento das normas processuais que determinam a estrutura, objeto e limites do julgamento; porém, não quanto ao mérito desse julgamento”.
Das conclusões de recurso formuladas pela apelante resulta que a mesma entende que a decisão impugnada padece das nulidades previstas pelas als. b), c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
A Mma. Juíza a quo pronunciou-se no sentido de as mesmas inexistirem.

A nulidade prevista na citada al. b) – falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão -, tem correspondência com o n.º 3 do artigo 607.º do CPC, segundo o qual deve o juiz “discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final”, estando igualmente conexionada com o artigo 154.º, n.º 1 do mesmo código, o qual dispõe que “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas[5].
Contudo, como tem vindo a ser decidido de forma uniforme pela nossa jurisprudência, apenas a absoluta falta de fundamentação é susceptível de integrar nulidade, já assim não ocorrendo se a sentença, embora de forma insuficiente ou mesmo incorrecta, se mostre fundamentada[6].
Já a previsão da al. c) prende-se com a existência de contradição entre os fundamentos de facto e a decisão, ou seja, com aquelas situações nas quais a fundamentação aponta num sentido que contraria o resultado final (violação do chamado silogismo judiciário, segundo o qual as premissas devem condizer com a conclusão)[7].
Ao nível da jurisprudência tem-se entendido que esta nulidade está conexionada com dois aspectos: com a obrigação de o juiz fundamentar os despachos e as sentenças que profere (artigos 154.º e 607.º, n.ºs 3 e 4 do CPC) e com facto de a sentença dever constituir um silogismo lógico-jurídico, em que a decisão deverá ser a conclusão lógica da norma legal (premissa maior) com os factos (premissa menor).
Porém, não ocorre nulidade se o julgador tiver errado na subsunção que fez dos factos à norma jurídica aplicável, ou se tiver errado na indagação de tal norma ou na sua interpretação[8].
Por fim, a al. d) reporta-se às situações nas quais o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, isto é, casos nos quais ocorre uma omissão ou um excesso de pronúncia.
Trata-se de uma nulidade que se mostra interligada com a previsão do artigo 608.º, n.º 2, do CPC, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.[9]  
Reportemos ao caso.
No que respeita às als. b) e d), argumenta a apelante que a sentença omite “totalmente da fundamentação a enunciação dos factos não provados, em violação do artigo 697.º, n.º 4, do CPC” (querendo, evidentemente, referir-se ao artigo 607.º, n.º 4[10]), e que, por assim ser, “o Tribunal a quo deixou de se pronunciar quanto a questões de facto sobre as quais tinha dever de pronúncia, não possibilitando às partes sindicar se o Tribunal a quo decidiu como decidiu porque efetivamente considerou toda a factualidade relevante à luz da prova disponível, ou se ignorou um conjunto de factos e prova essenciais para a boa decisão da causa” – Conclusões n.º 11 a 13.
Assim não o entende esta Relação.
Da leitura da decisão recorrida, constata-se que a Mma. Juíza a quo elencou quais os factos que considerava provados, assim como referiu inexistirem factos não provados que assumissem interesse para a decisão - “Não ficaram provar quaisquer factos com relevância para a presente decisão”. E, acrescentar-se-á, não tendo sido realizada audiência final, mostra-se suficiente a menção na decisão recorrida do segmento acabado de transcrever.
Acresce que igualmente se procedeu à indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas nas quais se sustentou o decidido.
Já em sede de motivação, a Mma. Juíza a quo consignou expressamente que a matéria de facto considerada provada o foi tendo subjacente o disposto no n.º 2 do artigo 574.º do CPC – “Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito; a admissão de factos instrumentais pode ser afastada por prova posterior” - e a prova documental junta aos autos e que não foi impugnada.
Sem questionar que o dever de fundamentação se assume como relevante para um processo equitativo e respeitador do contraditório (permitindo à parte reagir caso não concorde com o fixado na sentença e com a convicção sustentada pelo julgador), viabilizando que, em face de toda a factualidade (provada e não provada), possa sentença ser sindicada em sede de recurso (designadamente para efeitos de eventual reapreciação da decisão referente à matéria de facto), não se poderá deixar de realçar que a nulidade prevista na al. b) reporta-se à não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, ou seja, à previsão do n.º 3 do artigo 607.º.
Assim, mesmo que se entendesse que a decisão pudesse não ter sido elaborada de acordo com os critérios que seriam expectáveis (nomeadamente através da transcrição integral dos factos considerados não provados), nem assim se poderá afirmar padecer a mesma de nulidade por falta de fundamentação (tanto mais que a 1.ª instância afirmou categoricamente que a factualidade dada por provada é a única que assume relevância para a decisão proferida).
Conclusão diversa da extraída apenas seria admissível caso a decisão se revelasse ininteligível – sendo que, nesta hipótese, cair-se-ia já no âmbito da previsão da al. c) do n.º 1 do artigo 615.º -, o que não é o caso, porquanto dúvidas inexistem de ter a apelante percepcionado a realidade que foi considerada demonstrada e o juízo valorativo levado a cabo pelo tribunal recorrido.
Nessa medida, resulta da decisão recorrida estarem suficientemente indicados os fundamentos de facto e de direito em que assenta, pelo que a mesma não padece do vício que lhe é imputado (falta de fundamentação).
E, obviamente, inexiste qualquer vício de omissão de pronúncia, tendo o tribunal recorrido conhecido e decidido das questões que lhe foram suscitadas no âmbito do procedimento cautelar.
Apenas estaremos perante uma omissão de pronúncia quando o tribunal deixe de se pronunciar quanto à pretensão solicitada e que se impunha conhecer para a tomada de decisão da causa. Pelo contrário, já não terá de existir uma concreta pronúncia sobre cada um dos argumentos/fundamentos invocados[11].
A apelante poderá discordar do decidido, discordância essa que, quanto muito, consubstanciará imputação de erro de julgamento, mas já não contende ou interfere com um qualquer vício formal de estrutura na fundamentação da sentença[12].
Improcedem, pois, os invocados vícios, nenhuma nulidade se verificando.
Vejamos agora a previsão da al. c) do n.º 1 do artigo 615.º.
Defende a apelante que o vício em apreço decorre do facto de existir “contradição entre a decisão e a fundamentação da Sentença, quanto à Segunda Deliberação” (querendo, obviamente, referir-se à terceira deliberação) – Conclusões 6 a 10.
Argumenta que não podia o tribunal recorrido ter suspendido a deliberação pela qual foi inserido o artigo 14.º nos Estatutos da sociedade, porquanto o mesmo tribunal defendeu ser tal inclusão legalmente admissível (por meio de deliberação social), apenas tendo concluído não poder tal artigo ser imediatamente aplicável ao requerente/recorrido, por configurar uma aplicação abusiva. Nessa medida, defende a apelante, tratando-se de deliberação legalmente válida, apenas não sendo de aplicar imediatamente, a mesma “não é nula nem anulável, pelo que não pode ser objeto de suspensão erga omnes”.
Uma vez mais, diremos não se vislumbrar o cometimento da invocada nulidade no caso da decisão recorrida.
Decorre da leitura desta última que a 1.ª instância, não obstante ter considerado que nada obstava à inclusão nos Estatutos, mediante deliberação social, de uma cláusula como a do artigo 14.º, considerou igualmente que, no caso, a imediata aplicação da mesma impediria o requerente de instaurar a presente providência cautelar (socorrendo-se da “argumentação expendida, no que tange à deliberação abusiva, a propósito da anterior cláusula contratual”), razão pela qual determinou a sua suspensão. Como expressamente se frisou, não obstante inexistir impedimento a que uma cláusula com tal teor seja estipulada/inserida através de deliberação social, “a sua aplicação imediata (…) impediria, no limite a interposição do presente procedimento cautelar pelo requerente junto do tribunal judicial”.
Por assim ser, o juízo levado a cabo pela 1.ª instância não traduz qualquer contradição nos moldes previstos pela al. c) de que agora se trata (sendo que igualmente não foi alegado ser a decisão ambígua ou obscura quanto aos seus fundamentos[13]).
Concorde-se ou não, a Mma. Julgadora a quo justificou a razão pela qual, no seu entender, a deliberação social pela qual o artigo 14.º foi inserido nos Estatutos deveria ser suspensa e a recorrente bem compreendeu as razões defendidas na decisão impugnada.
Falece, pois, a pretensão da recorrente, por falta de sustentação.
Uma vez mais, o acerto da conclusão a que chegou a 1.ª instância é questão que se prende com um eventual erro de julgamento.
Termos em que se conclui não padecer a sentença recorrida de qualquer vício de nulidade.

Da impugnação da matéria de facto:
Considerando que a apelante deu cumprimento às exigências previstas pelo artigo 640.º, n.º 1, do CPC, nada obsta à apreciação da requerida impugnação da matéria de facto.[14]
Importa, contudo, realçar que vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio da livre apreciação da prova (artigo 607.º, n.º 5 do CPC[15]), pelo que o tribunal sustentará a sua decisão (relativamente às provas produzidas), na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (força probatória plena dos documentos autênticos – artigo 371.º do CCivil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o citado princípio.
Mais se dirá que resulta do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC ser admissível que, através do recurso, seja alterada a decisão da matéria de facto, considerando-se provados factos que o tribunal a quo considerou não provados, ou procedendo inversamente (o que poderá suceder a partir da reapreciação dos meios de prova ou quando os elementos constantes do processo impuserem decisão diversa).

A pretendida alteração da matéria de facto sustenta-se em duas alegações (Conclusão n.º 14):
a) omissão de pronúncia quanto a factos essenciais à boa decisão da causa (os quais não constam da matéria de facto, não obstante as partes estarem de acordo quanto aos mesmos ou estarem eles documentalmente provados); e
b) referência na fundamentação de direito a factos não autonomizados na fundamentação de facto e que não resultam da prova produzida ou de qualquer juízo inferencial.
O recorrido refuta integralmente a pretensão da recorrente, pugnando pela manutenção da fundamentação de facto nos moldes em que foi firmada.
Uma vez que a recorrente pretende o aditamento de factos provados e de factos não provados, cumpre analisar autonomamente cada um dos pontos invocados nessa matéria.

Comecemos pela análise dos factos que a recorrente entende terem sido provados e deverem ser aditados.
A)  Em 12 de fevereiro de 2024, foi dirigida à Sociedade, pela Senhora Agente de Execução EM…, uma notificação, no âmbito do processo de arresto em que é Requerido o aqui Recorrido, da qual consta o seguinte: «Fica ainda notificada, nos termos dos artigos 103.º e 102.º do Código de Mercados de Valores Mobiliários e do art.º 774.º do Código de Processo Civil para, com base na sentença, que se junta cópia, registar o arresto no livro de registo de ações» - Conclusões 16 a 18 (Cfr. Doc. n.º 1 da Oposição).
Tal matéria consta do facto n.º 8, pelo que nada há aditar.
B) No Procedimento Cautelar de Arresto, foram imputados ao Recorrido vários atos de dissipação patrimonial, razão pela qual o Tribunal considerou existir um justo receio de perda da garantia patrimonial, que levou ao decretamento dessa providência - Conclusões 19 e 20 (Cfr. Doc. n.º 1 da Oposição);
Estando a decisão de arresto junta aos autos (a qual, para além da sua natureza cautelar, foi proferida com dispensa do contraditório), não poderá a mesma assumir a relevância que a recorrente lhe atribui, designadamente para efeitos da factualidade a considerar para a decisão de que ora se recorre (não podendo o aí dado por indiciariamente provado ser transposto para os presentes autos). Contudo, mesmo que assim não fosse, a redacção proposta pela recorrente assume-se absolutamente conclusiva, pelo que sempre será de refutar qualquer aditamento nos moldes pretendidos.
C) Em 26 de março de 2024, o Presidente do Conselho de Administração enviou à Agente de Execução responsável pelo arresto das ações, solicitando informações sobre a concretização da apreensão material dos títulos das ações de que o Recorrido se arroga titular, do qual consta o seguinte: «Com referência ao processo em epígrafe, venho, na qualidade de Presidente do Conselho de Administração da sociedade W … SA., solicitar informações sobre a apreensão material das ações arrestadas no âmbito desse processo, ou sobre diligências promovidas ou concluídas por V. Ex.a ou pelo Tribunal com vista à concretização dessa apreensão, atento o disposto nos artigos 391.°, n.° 2, e 774.°, n.° 1, do Código de Processo Civil. // Este pedido tem por base a n/ missiva de 11/03/2024, na qual a Sociedade comunicou a V. Ex.ª não ser depositária dos títulos das ações arrestadas, limitando-se a, em cumprimento da ordem recebida, averbar o arresto no livro de registo de ações. // Mais concretamente, o pedido de informações é aí fundamentado nos seguintes termos: estando em causa o arresto de ações tituladas, e considerando que, quanto a estas, a posse do título é, atento o regime societário legal e estatutário aplicável, indispensável ao exercício da generalidade dos direitos sociais que o título incorpora, tem esta Sociedade justificado interesse em conhecer a atual e futura situação das ações objeto do arresto, com vista a poder aferir a legitimidade para o exercício de tais direitos sociais de quem se apresente com os títulos das ações ou demonstre ser deles possuidor» - Conclusões 21 e 22 (Cfr. Doc. n.º 3 da Oposição);
Uma vez mais estamos em face de matéria que se assume juridicamente irrelevante para o desfecho da presente providência cautelar, tanto mais que o pedido de informação em causa foi solicitado em momento posterior àquele no qual ocorreu a assembleia geral cujas deliberações o requerente defende deverem ser suspensas.
D) O Requerente pediu a declaração judicial da nulidade do então artigo 9.º, n.º 5, dos Estatutos da Sociedade, perante o Juízo de Comércio do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa (processo n.º 17178/18.0T8LSB), tendo esse pedido sido considerado improcedente por decisão transitada em julgado que se pronunciou no sentido da validade dessa cláusula - Conclusões 23 a 25 (Cfr. Doc. n.º 9 da Oposição e facto não impugnado).
Porém, como decorre do ponto 3 da motivação de recurso, designadamente do seu sub ponto i), a apelante terá incorrido num lapso de escrita, sendo que o artigo em causa é o artigo 9.º, n.º 3 (e não n.º 5)[16]. Julgamos, contudo, em face de tudo o que foi alegado e consta dos autos, que efectivamente a recorrente sempre se estará a referir ao n.º 3, pelo que assim será considerado por esta instância (até porque o então n.º 5 do artigo 9.º refere “Não é permitido o voto por correspondência”, o que sequer se discute nos autos). Aliás, também o artigo 191.º da Oposição assim o confirma (no qual se refere expressamente o n.º 3).
Mais uma vez, inexiste fundamento para qualquer aditamento.
Como decorre da própria decisão proferida no âmbito do Proc. n.º 17178/18.0T8LSB (a qual foi junta pela recorrente), a mesma está datada de 30/08/2019, ou seja, é anterior à alteração que, em 2020, foi efectuada aos Estatutos da sociedade (Ap. 22/20200804), designadamente ao seu artigo 9.º.
Estando junta aos autos a versão dos Estatutos que vigorava em momento anterior a essa alteração (igualmente junta pela recorrente e que consta do facto n.º 19), constata-se que o mencionado n.º 3 do então artigo 9.º prescrevia “Para poderem exercer o seu direito de voto é porém necessário que os accionistas até oito dias antes da realização da Assembleia Geral: a) Averbem em seu nome no registo da sociedade as acções nominativas que possuírem; b) Registem em seu nome nos Livros da Sociedade ou depositem nos cofres de Instituição de Crédito as acções ao portador que possuírem; c) O depósito na Instituição de Crédito tem que ser comprovado por carta emitida pela Instituição de Crédito, que terá que dar entrada na sociedade com a referida antecedência de oito dias”.
 Tal número não tem correspondência com o que ficou a constar do mesmo artigo 9.º após a mencionada alteração ocorrida em 2020 (cfr. certidão permanente da sociedade - Ap. 22/20200804).
Acresce que, como mencionado na decisão recorrida, o então artigo 9.º dos Estatutos, entretanto alterado em 2020, “tinha subjacente uma realidade diversa da actual e anterior à Lei n.º 15/2017, de 03.05, em que a requerida tinha acções ao portador além de acções nominativas, exigindo aquelas maiores cautelas quanto à prova da titularidade.”
Por assim ser, fácil é concluir, como se conclui, pela irrelevância do aditamento de um novo facto com a redacção proposta, pelo que assim não se procederá.
E) • No dia 02 de fevereiro de 2024, depois de decretado o arresto das ações, o Requerente enviou a F … um email, com o objetivo de aferir se estaria interessado em adquirir a participação do Requerente na W … SA, e por quanto. // • No dia 07 de fevereiro de 2024, F … enviou um email de resposta ao Requerente, dizendo o seguinte: «Em resposta ao teu e-mail de 2 de Fevereiro, informo que não faz parte dos meus planos reforçar a posição no capital da W … SA. Poderei, no entanto, rever esta posição se indicares o valor que pretendes para a venda dos 8% que deténs. Com efeito, se esse valor for convidativo, poderemos então encetar, ou não, um processo de negociação para acertar as restantes condições» - Conclusões 26 a 28 (Cfr. Doc. n.º 5 da Oposição);
Sendo certo que esta troca de mensagens electrónicas foi junta aos autos, nem assim se poderá considerar ser mesma essencial para a decisão a proferir, tanto mais que o arresto foi decretado no próprio dia 02/02/2024 (sendo que a recorrente foi disso notificada no dia 12 do mesmo mês, como resulta do facto n.º 8) e, como já referido, sem que o aqui recorrido tenha sido previamente ouvido. Acresce que, do teor das mensagens, nunca será possível concluir nos moldes pretendidos pela recorrente (a saber, que, em face das mesmas, ficasse afastada qualquer presunção quanto à “existência da intenção de um sócio em obter para si uma vantagem especial em prejuízo do Recorrido ou da Sociedade” e, nessa sequência, ficasse inviabilizada a qualificação das deliberações como abusivas).
Nada se impõe, assim, aditar.
F) O sócio F … detém uma participação de 36% na W … SA - Conclusões 29 a 32 (Cfr. RCBE da W … SA).
Atendendo a que o RCBE da sociedade (registo central do beneficiário efectivo[17]) não se mostra junto aos autos (sendo que, se entendia ser essencial – designadamente para “determinação do quórum de aprovação das Deliberações” -, incumbia à recorrente ter diligenciado por tal junção, assim não tendo procedido[18]), improcede a pretensão de aditamento deste facto.
G) Na data da Assembleia Geral, as ações do Requerente não tinham sido entregues à agente de execução - Conclusões n.º 34 e 36/37 (Doc. n.º 3 da Oposição);
Assente que está a data na qual a Assembleia Geral se realizou - 21/03/2024 -, assim como a data na qual o requerente foi notificado para proceder à entrega dos títulos (14/03/2024 – facto n.º 11), sendo que igualmente foi a recorrente notificada pela Sra. Agente de Execução, em 12/02/2024, de que deveria “nos termos dos artigos 103º e 102º do Código de Valores Mobiliários e do artigo 774º, do Código de Processo Civil registar o arresto no livro de registo de acções”, ao que a mesma comunicou em 11/03/2024 já o ter feito (factos n.º 11 e 12), mostra-se inócuo aditar um novo facto com a proposta redacção, porquanto não assume pertinência, nem relevância jurídica.
Termos em que não será o mesmo aditado.
H) O Requerente não apresentou os títulos das suas ações na Assembleia Geral da W … SA de 21 de março de 2024 - Conclusões n.º 35 e 36/37 e acta;
Estando a acta da Assembleia Geral transcrita nos factos n.º 13, 14 e 15, e da mesma resultando que tal apresentação aí não foi efectuada, nada mais há a acrescentar.
I) A Mesa da Assembleia Geral não contou as pronúncias do Recorrido como votos - Conclusões n.º 38 a 40.
Pelo mesmo fundamento pelo qual não se procede ao aditamento do item acabado de apreciar, também este fica prejudicado na sequência da transcrição do teor da acta.
J) O artigo 9.º, n.º 4, dos Estatutos, na versão vigente e publicada à data da Assembleia Geral da W … SA de 21 de março de 2024, tinha a seguinte redação: «Na data da realização da Assembleia Geral, os acionistas que nela tenham declarado pretender participar nos termos do número Três do presente artigo devem fazer-se acompanhar dos respetivos títulos das ações ou, no caso de as ações se encontrarem depositadas em instituição de crédito, por documento comprovativo da titularidade das ações, emitido pela instituição de crédito depositaria, competindo, em qualquer dos casos, ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral o controlo da identidade dos acionistas participantes na Assembleia Geral» - Conclusões n.º 41 a 46 e Doc. 7 (convocatória para a AGE) junto com a Oposição.
Consta da convocatória para a Assembleia Geral o seguinte: “De acordo com o estabelecido no artigo 9.º dos Estatutos da Sociedade: // (…) Para poderem exercer o seu direito de voto é necessário que os acionistas, até às 00:00 (zero) horas do 5.º (quinto) dia anterior ao da realização da Assembleia Geral, comuniquem por escrito a respetiva intenção de participação. Na data da realização da Assembleia Geral, os acionistas que nela tenham declarado pretender participar nos termos do n.º 3 do artigo 9.º dos Estatutos da Sociedade devem fazer-se acompanhar dos respetivos títulos de ações ou, no caso de as ações se encontrarem depositadas em instituição de crédito, por documento comprovativo da titularidade das ações, emitido pela instituição de crédito depositaria (…)”.
E consta igualmente dos autos a versão dos Estatutos que resultou após as alterações ocorridas em 2020, sendo que tal documento (no qual consta a menção “versão conforme alterações estatutárias aprovadas na reunião da Assembleia Geral de 9 de junho de 2020”) foi, aliás, junto pelo próprio recorrido aquando da apresentação do requerimento inicial.
Desse documento resulta que a redacção do artigo 9.º que estava efectivamente em vigor à data da Assembleia Geral de 21/03/2024, corresponde àquela que é invocada pela recorrente (razão pela qual, como a mesma defende na sua motivação de recurso, a menção ao n.º 3 do artigo 9.º na convocatória traduz um lapso manifesto, o qual é denunciado pelo texto que se lhe segue).
Nessa medida, inexistindo qualquer divergência quanto a tal questão - e tendo subjacente que para a fundamentação de facto da sentença se transpôs o teor dos Estatutos que vigorava antes das alterações de 2020 (facto n.º 19) -, impõe-se aditar um novo facto nos moldes pretendidos pela recorrente, o qual passará a ter a seguinte numeração e teor:
“20. Na versão vigente e publicada à data da Assembleia Geral da W … SA de 21 de março de 2024, o n.º 4 do artigo 9.º tinha a seguinte redação: «Na data da realização da Assembleia Geral, os acionistas que nela tenham declarado pretender participar nos termos do número Três do presente artigo devem fazer-se acompanhar dos respetivos títulos das ações ou, no caso de as ações se encontrarem depositadas em instituição de crédito, por documento comprovativo da titularidade das ações, emitido pela instituição de crédito depositaria, competindo, em qualquer dos casos, ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral o controlo da identidade dos acionistas participantes na Assembleia Geral»”.
Quanto ao mais invocado pela recorrente - designadamente aferir das consequências jurídicas que de tal facto decorrem para efeitos de apreciação das questões jurídicas atinentes à legitimidade do requerente (para exercer direitos sociais na AG sem que tenha apresentado as acções e para intentar a presente providência cautelar) – e ao modo pelo qual foram aprovadas as deliberações impugnadas (maioria ou unanimidade) -, nada importa aqui apreciar, porquanto se trata de matéria atinente à fundamentação de direito (mérito da causa).
L) Em 25.03.2024., o Requerente apresentou, nos Serviços Administrativos da Sociedade, os títulos representativos de 16.000 ações da W … SA; // b. A Requerida não é depositária dos títulos das ações arrestadas; // c. A Requerida desconhece se, em 11.03.2024, o Requerido tinha em seu poder os títulos das ações arrestadas; // d. Nunca à sociedade foi comunicado que as ações objeto do arresto se encontrassem depositadas em instituição de crédito - Conclusão n.º 63.
O primeiro item encontra-se já vertido no facto n.º 16.
Os restantes três itens não assumem qualquer relevância jurídica, tanto mais que correspondem ao teor do documento aludido no facto n.º 12.
Assim, pelas razões já anteriormente referidas aquando da apreciação das Conclusões n.º 34, 36 e 37, nada se impõe aditar.

Já os factos que a recorrente pretende que sejam elencados como não provados são os seguintes:
- Que F … é acionista maioritário da W … SA - Conclusão n.º 33;
- Que a Requerida reconheça ao Requerente a titularidade de 16000 ações da W … SA - Conclusões n.º 47 a 62;
- Que F … pretendeu excluir o Requerente da Sociedade e obter para si a vantagem de controlo absoluto desta - Conclusões 64 a 70.
Também aqui carece de fundamento os pretendidos aditamentos, tanto mais que os “factos” em causa mais não são do que juízos conclusivos (nessa medida não podendo integrar a fundamentação de facto – cfr. n.º 4 do artigo 607.º do CPC, norma que prevê expressamente que, na fundamentação da sentença, deve o juiz declarar “os factos que julga provados e quais os que julga não provados”).
Acresce que:
Quanto ao alegado nas Conclusões n.º 47 a 61 (alusivas à questão de a requerida/recorrente ter reconhecido ao requerente/recorrido a titularidade das acções), não obstante a recorrente as ter enquadrado no segmento referente à impugnação da matéria de facto, não é disso que se trata, antes estando em causa considerações que o tribunal a quo extraiu em face da matéria dada por assente, designadamente em face do teor dos documentos juntos e não impugnados (daí que se trate de matéria “sem qualquer autonomização no elenco de factos provados”, antes traduzindo um juízo formulado e sustentado na “comunicação do Presidente do Conselho de Administração da aqui Recorrente à Agente de Execução responsável pelo arresto dos títulos” e na “declaração pelos Serviços Administrativos da W … SA, em 25 de março de 2024, da qual consta que o Recorrido se apresentou nos Serviços Administrativos com 16 000 ações”, sendo que o teor de cada um destes documentos se encontra transcrito na factualidade dada por indiciariamente provada – factos 12 e 16).
Sem prejuízo de assim ser, acrescentar-se-á, ainda, que:
Primeiro, importa relembrar que, em face da prova junta aos autos, e das posições assumidas pelas partes nos respectivos articulados, entendeu o tribunal recorrido estarem reunidas as condições para que fosse desde logo conhecido do mérito da causa, dessa intenção tendo notificado as partes. A recorrente nada disse, pelo que não se opôs a que assim se procedesse (sequer suscitando agora não ter sido essa a sua posição).
Depois, há a realçar que os factos descritos em 12 e 16 não foram impugnados pela recorrente.
O juízo que o tribunal formula, em sede de fundamentação de direito, com base na factualidade considerada indiciariamente provada, em nada se confunde com a impugnação de tal factualidade, tanto mais que o reconhecimento (ou falta dele) pela recorrente de ser o recorrido titular das acções arrestadas, prende-se claramente com o mérito da decisão. 
Igual entendimento se impõe extrair quanto ao vertido nas Conclusões n.º 64 a 70 (nas quais a recorrente refere ter o tribunal a quo presumido a intenção de um sócio de obter uma vantagem especial para si, através do exercício do direito de voto, em prejuízo do aqui Recorrido e da Sociedade, a saber: ser intenção do sócio F … excluir o recorrido da sociedade e obter o controlo desta).

Em face do exposto, julga-se parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto, à mesma sendo aditado um novo facto (nos moldes a que se aludiu), mantendo-se inalterado tudo o mais.

Cumpre, então, conhecer das questões suscitadas em termos de Direito.

Do mérito do recurso (erro de julgamento):
Os procedimentos cautelares representam uma “antecipação ou garantia de eficácia relativamente ao resultado do processo principal”, assentando “numa análise sumária (summaria cognitio) da situação de facto que permita afirmar a provável existência do direito (fumus boni juris) e o receio justificado de que o mesmo seja seriamente afetado ou inutilizado se não for decretada uma determinada medida cautelar (periculum in mora).[19]
Constituem instrumentos jurídicos destinados a acautelar o efeito útil das acções de que dependem – cfr. artigos 2.º, n.º 2 e 364.º, n.º 1 do CPC -, mediante a composição provisória dos interesses conflituantes, mantendo/restaurando a situação de facto necessária à eventual realização efectiva do direito.[20]
Não são, pois, aptos à resolução ou composição em definitivo de interesses, antes se destinando a antecipar determinados efeitos das decisões judiciais, a prevenir prejuízos ou a manter determinado statu quo, enquanto tardar a decisão definitiva do conflito. Não efectivam, assim, direitos, mas apenas os asseguram, realizando, por conseguinte, uma função instrumental face à tutela declarativa.
Essa total dependência com relação à acção principal apenas se altera nas situações nas quais ocorra inversão do contencioso, hipótese em que o tribunal pode decidir, desde logo, sobre a existência do direito acautelado, ficando o requerente dispensado de instaurar acção principal (para reconhecimento do mesmo).
A situação de perigo da qual o requerente se pretenda defender deverá ser actual e não estar ainda consumada, sem prejuízo de poderem estar em causa situações nas quais as lesões não estejam ainda inteiramente consumadas ou de lesões continuadas e repetidas.

No que respeita ao procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, dispõe o artigo 380.º, nº 1 do CPC que “se alguma associação ou sociedade, seja qual for a sua espécie, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode requerer, no prazo de 10 dias, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável”.
Já nos termos do n.º 2 do artigo seguinte, “ainda que a deliberação seja contrária à lei, aos estatutos ou ao contrato, o juiz pode deixar de suspendê-la, desde que o prejuízo resultante da suspensão seja superior ao que pode derivar da execução”.
Como refere Coutinho de Abreu[21], os requisitos de procedência deste procedimento cautelar são, em geral, os exigidos para os demais: “(a) fumus boni iuris (sinais da justeza da pretensão do requerente), (b) periculum in mora (perigo decorrente da demora da ação principal), (c) proporcionalidade”.
E, em face do constante nos transcritos preceitos do CPC, podemos afirmar serem requisitos cumulativos da providência cautelar de suspensão de deliberações sociais: a) que o requerente justifique a sua qualidade de sócio (com relação à sociedade que tomou a deliberação); b) que tenha sido tomada pela sociedade uma deliberação contrária à lei, aos estatutos ou ao contrato (ilegalidade da deliberação); c) que a execução da deliberação cause um dano apreciável (o que terá de ser efectuado em função da demora do julgamento da acção principal); e d) que o prejuízo da suspensão não seja superior ao prejuízo da execução da deliberação.
A não verificação de algum destes requisitos implica que o procedimento cautelar requerido não seja decretado.
Acrescentar-se-á, ainda, como já mencionado, que o procedimento cautelar aqui em causa terá que ter como objecto a paralisação de uma deliberação cujos actos de execução ainda não se encontram totalmente consumados ou, pelo menos, cujos efeitos possam ser ainda suspensos - dessa forma se visando sustar ou impedir a sua prática, prevenindo danos futuros.

A 1.ª instância julgou verificados todos os elencados requisitos, nessa medida tendo decretado a suspensão das três deliberações sociais aprovadas na Assembleia Geral realizada no dia 21/03/2024.
Analisemos cada um deles.

Da qualidade de sócio do requerente/recorrido
Desde já se dirá que, no que concerne a este requisito, como tem vindo a ser decidido, exige-se apenas um mero juízo de verosimilhança, de mera probabilidade.
Pode ler-se na decisão recorrida:
“(…) a requerida além de invocar a excepção de ilegitimidade activa, questionou também a titularidade das acções representativas do capital social da requerida, pelo requerido. // No caso, estaria em causa a prova da titularidade de ações tituladas nominativas pelo Requerente, que a requerida vem argumentar faltar ao requerente, por entender que a prova da titularidade de ações tituladas nominativas resulta: // (i) da inscrição da identidade do sujeito que invoca a qualidade de acionista na declaração aposta nos títulos, e // (ii) da apresentação dos títulos (ou de documento probatório de depósito junto de terceiro) ao sujeito perante quem ou junto de quem se pretende exercer os direitos correspondentes às ações, porforma a que este possa aferir da existência e conformidade da inscrição nos títulos.
Vejamos.
De acordo com o disposto no artigo 55.º do Código dos Valores Mobiliários (Legitimação ativa): 1 - Quem, em conformidade com o registo ou com o título, for titular de direitos relativos a valores mobiliários está legitimado para o exercício dos direitos que lhes são inerentes. 2 - A legitimidade para exercer os direitos que tenham sido destacados, por inscrição em conta autónoma ou por separação de cupões, pertence a quem seja titular em conformidade com o registo ou com o título. 3 - São direitos inerentes aos valores mobiliários, além de outros que resultem do regime jurídico de cada tipo: a) Os dividendos, os juros e outros rendimentos; b) Os direitos de voto; c) Os direitos à subscrição ou aquisição de valores mobiliários do mesmo ou de diferente tipo.
Prevendo o artigo 104.º, n.º 2, do mesmo diploma, quanto ao Exercício de direitos: 1 - (Revogado.) 2 - Os direitos inerentes aos valores mobiliários titulados nominativos não integrados em sistema centralizado são exercidos de acordo com o que constar no registo do emitente. 3 - Os títulos podem ter cupões destinados ao exercício de direitos inerentes aos valores mobiliários.
O direito de interposição do procedimento cautelar de suspensão de deliberações está reservado aos sócios, pelo que ao requerente é exigida a prova indiciária da sua qualidade de sócio, no caso cabe ao requerente demonstrar ser titular de uma participação social correspondente a 8% do capital social da requerida.
A requerida, como resulta da certidão permanente adoptou, por deliberação de 09.08.2006, a natureza de sociedade anónima, com o capital de 500.000,00 [100.000 acções, no valor nominal de 5,00€, nominativas ou ao portador], ap. 15/20060920. // Acções que passaram a nominativas – cfr. Insc. 20 ap. 109/20171108 // «Acções: // Natureza: nominativas // Menção: pendente de processo de conversão» - certidão permanente junta a 03.04.2024.
Das 200 000 acções no valor nominal de 5,00€, representativas do capital social de 1 milhão de euros o requerente tem lavrado, junto da requerida, registo da titularidade de 16 000 acções.
A requerida reconhece ao requerente a titularidade das aludidas acções, o que faz ao emitir a declaração transcrita no ponto 16. dos factos, na qual reconhece a 25.03.2024 (data posterior à assembleia) que o requerente apresentou as 16 000 acções, com os números 184 001 a 200 000.
Na Assembleia Geral de 21.03.2024 o requerente foi instado, pelo Presidente da mesa, a essa apresentação, em acta exarou-se que o Presidente da mesa (i) solicitou ao representante do acionista M … que apresentasse as ações à Sociedade em três dias úteis.
Nos autos ficou ainda demonstrado que requerente foi notificado «para proceder à entrega dos títulos – 16.000 acções tituladas nominativas da W … SA, identificadas pelos n.º 184.001 a 200.000 e cujo arresto foi averbado no registo de acções da Sociedade.» Com a notificação enviada ao requerido para entrega dos títulos seguiu a comunicação da requerida à Sra. Agente de Execução, na qual informa ter averbado no registo de acções da sociedade o arresto que incidiu sobre as acções do requerente, reconhecendo-lhe perante a sociedade, a titularidade dos títulos.
À data da assembleia geral a requerida não ignorava o decretamento do arresto, nem que a Sra. Agente pretendia a entrega das acções, tal como havia dado notícia à requerente, por notificação de 12.02.2024.
Alexandre de Soveral Martins afirma que “Sem o registo, não haverá transmissão”. [Cláusulas do Contrato de Sociedade que Limitam a Transmissibilidade das Acções: sobre os arts. 328.º e 329.º CSC, Tese de Doutoramento em Ciências Jurídico-Empresariais, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, pp. 99-100]. Este autor estabelece como condição de eficácia a declaração de transmissão, sendo que sem esta não poderá haver registo, logo não se concretizará a transmissão. Tendo por base o disposto no artigo 104.º n.º 2 CVM, que estabelece que o exercício dos direitos que o valor mobiliário concede são exercidos em função do que estiver declarado no registo da sociedade e o artigo 102.º CVM que obriga o emitente a efetuar o registo, quando esse registo é requerido.
Na assembleia geral foi invocado, mais do que uma vez, o artigo 9.º, n.º 4, dos Estatutos da Sociedade, norma que não existe nos Estatutos da requerida, na redacção aplicável à data da assembleia.
O artigo 9.º, n.º 4, a que se referem os intervenientes na assembleia corresponde à redacção anterior à alteração de 2020 [por consulta da certidão permanente verifica-se que os artigos 5º, 8.º, 9.º, e 12.º, dos Estatutos foram alterados em 2020 – ap. 22/20200804].
Aquele normativo dos Estatutos, entretanto alterado, tinha subjacente uma realidade diversa da actual e anterior à Lei n.º 15/2017, de 03.05, em que a requerida tinha acções ao portador além de acções nominativas, exigindo aquelas maiores cautelas quanto à prova da titularidade.
Posto isto, temos por indiciariamente verificada a qualidade de sócio, decorrente da titularidade de 16.000 acções nominativas registadas no registo de ações da requerida, com os n.º 184.001 a 200.000, títulos que o requerente exibiu à requerida no dia 25.03.2024, como determinado em assembleia.
Titularidade que lhe confere, nomeadamente o direito de voto na assembleia geral da requerida e pedir a suspensão das deliberações nela tomadas – artigo 55.º e 104.º, n.º 2, do Código de Valores Mobiliários e 380.º, do Código de Processo Civil.
O arresto das acções, como o requerente reconhece no seu requerimento inicial, foi determinado por sentença proferida a 02.02.2024, no Proc. 4083/23.7T8CSC-A, do Juízo Central Cível, do Tribunal de Cascais – Juiz 1.
O decretamento do arresto (nesta fase, diligência sem contraditório prévio do requerido), não determina a transmissão da titularidade das acções, nem a entrega dos títulos a um depositário interfere com o exercício dos direitos de sócio inerentes aos aludidos títulos, neste sentido decidiu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29.01.2029, no Proc. 874/10.7TYVNG.P1.S2 «I - As funções atribuídas ao fiel depositário, que decorrem do dever legal de administrar com diligência e zelo o bem penhorado, reconduzem-se, fundamentalmente, em providenciar a conservação do “bem” em atenção ao seu valor e natureza, permanecendo o bem na titularidade do respectivo proprietário que, nessa medida, não foi afectado na sua posse, mas apenas limitado no seu direito de disposição. II – A penhora de acções não contende com os direitos sociais do respectivo titular, designadamente o respectivo direito de voto que não pode ser alheado do direito de impugnar as deliberações sociais.»
Com excepção do segmento referente à vigência, aquando da realização da AG, do n.º 4 do artigo 9.º dos Estatutos (sobre o qual nos pronunciamos aquando da apreciação da impugnação da matéria de facto), o entendimento defendido pela 1.ª instância não se mostra susceptível de censura, como se demonstrará.
Tendo sempre presente que estamos em sede cautelar, a qual se basta com uma prova indiciária, e que, no que a este requisito concerne, basta um mero juízo de verosimilhança, de mera probabilidade, dúvidas inexistem de, como afirmado na decisão recorrida, o requerente ter logrado demonstrar ser titular de 16.000 acções nominativas registadas no registo de ações da requerida, com os n.º 184.001 a 200.000, títulos – que, das 200.000 acções no valor nominal de 5,00€, representativas do capital social de 1 milhão de euros o requerente tem lavrado, junto da requerida, registo da titularidade de 16.000 acções.
A tal conclusão não obsta o facto de, aquando da realização da AG, o mesmo não se ter feito acompanhar dos respectivos títulos das acções (como exigido pelo n.º 4 do artigo 9.º dos Estatutos então em vigor), porquanto, no âmbito da mesma, pelo respectivo Presidente da Mesa, foi-lhe concedida a possibilidade de efectuar tal apresentação nos três dias úteis seguintes (como expressamente ficou consignado em acta)[22].
O que, diga-se, se compreende, tanto mais que a AG realizou-se por recurso a meios telemáticos e o requerente nela participou, não pessoalmente, mas através de um representante (como também resulta da acta). Seja como for, não é a validade do n.º 4 do artigo 9.º dos Estatutos que está aqui em causa, preceito que trata unicamente dos procedimentos a observar aquando da realização da AG, sendo que o argumento de ser exigível a apresentação dos títulos das acções não poderá, no presente caso, ser dissociado do facto de ter sido concedido ao requerente um prazo para essa apresentação.
Ora, a AG teve lugar no dia 21/03/2024 (5.ª feira) e no dia 25 do mesmo mês (2.ª feira), o requerente cumpriu com tal apresentação, nessa sequência tendo sido emitida em nome da sociedade uma declaração (da mesma data), atestando que assim sucedeu – cfr. facto n.º 16.
A recorrente não impugnou tal declaração (seja quanto ao seu teor, seja quanto à competência de quem a emitiu – os seus serviços administrativos, através de Sandra Godinho).
Apenas refuta o juízo a que o tribunal a quo chegou segundo o qual, com tal conduta, terá sido reconhecido ao requerente a titularidade das aludidas acções. Contrapõe que tal reconhecimento apenas poderia ser feito pelos órgãos decisores da sociedade, em consonância com as regras legais e estatutárias.
Assim se não entende, seja porque a declaração, nos moldes em que foi emitida (cuja validade e idoneidade não foi questionada), sempre atestará que efectivamente as acções foram apresentadas e que o foram como estando tituladas pelo requerente (em tal declaração se podendo ler: “ações detidas por este”), seja porque da acta da AG não consta que tenha sido imposta qualquer condição que tivesse que ser observada para a referida apresentação (como, por exemplo, a quem teriam de ser apresentadas).
A isto acresce que está reconhecido pela recorrente ter procedido ao averbamento do arresto no registo de acções da sociedade. Ora, independentemente de tal lhe ter sido determinado judicialmente (como a mesma insiste em realçar), certamente que não o poderia ter feito caso o titular inscrito dessas acções não fosse o requerente (sendo a própria a afirmar o registo da titularidade a favor do requerente).
Por fim, há que dizer que o argumento de que se encontraria num estado de incerteza objectiva, sequer será de revelar para a questão que se aprecia. Aliás, tal alegação até se revela algo contraditória, já que a mesma sustenta-se no facto de ter sido comunicado o arresto e, se por um lado, a recorrente refere que o seu decretamento não faz “caso julgado quanto ao facto de que as referidas ações integravam, nessa data, o património do Recorrido”, por outro lado, justifica grande parte da sua postura no decidido no âmbito dessa providência.[23]
A existirem as alegadas dúvidas quanto à titularidade das acções sempre as mesmas teriam de ser resolvidas em face do que resultava do registo de acções da sociedade ou, assim não se entendendo, sempre se poderia ter recorrido ao mecanismo da suspensão da sessão a que alude o artigo 387.º do CSC, por período superior aos 30 minutos propostos em sede de AG, porquanto o poderia ser até 90 dias (por forma a que a sociedade pudesse inteirar-se da legitimidade do requerente para nela participar e votar). Não colhe assim a alegação da recorrente segundo a qual “a legitimidade do Recorrido para participar e votar na Assembleia Geral nunca foi verificada pela Mesa da Assembleia Geral” (porquanto lhe era possível fazê-lo e, se não o fez, tal omissão só à mesma será imputável).
Refira-se, inclusive, ser através de tal registo que os accionistas conseguem aferir se a respectiva situação se encontra regularizada, bem como quem estará legitimado para o exercício de direitos sociais[24].
Dúvidas inexistem de, em face dos registos da sociedade, o requerente ser o último titular das acções 184.001 a 200.000 (como a própria recorrente o afirma).
Julgamos, pois, estar suficientemente indiciada a qualidade de sócio do requerente, nessa medida, se subscrendo o entendimento da 1.ª instância quando refere que a titularidade das acções conferia ao recorrente “o direito de voto na assembleia geral da requerida e pedir a suspensão das deliberações nela tomadas – artigo 55.º e 104.º, n.º 2, do Código de Valores Mobiliários e 380.º, do Código de Processo Civil” (não cumprindo aqui aferir se tal registo assume ou não natureza constitutiva e se goza ou não do efeito presuntivo, e menos ainda emitir pronúncia quanto ao modo pelo qual as acções podem ser transmitidas, mais não seja por sequer ter sido afirmado que as acções pertençam a terceiros[25]).
Mais se acrescentará que na própria acta da AG ficou expressamente consignado que, aquando da não apresentação dos títulos, se suscitou a dúvida quanto a saber se o requerente ainda seria accionista e “mesmo que o fosse, se estando as suas ações arrestadas (…) seria ainda o acionista a pessoa com legitimidade para exercer os direitos inerentes à ações (e não o agente de execução)”. Ou seja, ultrapassada a primeira questão, a dúvida é se a legitimidade caberia ao requerente ou ao agente de execução.
Porém, como o STJ entendeu no acórdão de 29/01/2019 (Proc. n.º 874/10.7TYVNG.P1, S2, relatora Graça Amaral) - cujo sumário foi parcialmente transcrito na decisão recorrida -, “Conforme salienta Alexandre Soveral Martins, os direitos que integram a participação social (enquanto conjunto unitário de direitos e obrigações dos sócios) podem ser agrupados em direitos patrimoniais (direito de quinhoar nos lucros de exercício e o direito à quota de liquidação) e direitos administrativos, sendo estes o direito de participar nas deliberações dos sócios, o direito à informação e o direito de ser designado para os órgãos de administração e de fiscalização. // No que se refere ao regime dos direitos sociais em geral, resulta do artigo 55.º, do CVM que quem está legitimado ao exercício dos direitos é aquele que, em conformidade com o registo ou com o título, for o seu titular; assim, a legitimação para o exercício dos direitos inerentes às acções será determinada em função do que constar do respectivo registo. // (…) a regra no nosso ordenamento jurídico é a de que o exercício dos direitos sociais compete ao titular das acções, excepto se as partes tiverem convencionado diferentemente, regra que se mantém relativamente ao direito de participar nas deliberações sociais, designadamente o direito de informação, de discussão e de voto – cfr. artigo 21.º, n.º 1, alíneas b) e c), do CSC. // Relativamente ao direito de voto cabe salientar o que nesse sentido dispõe o artigo 239.º, n.º 1, do CSC, nos termos do qual na penhora de uma quota “(…) o direito de voto continua a ser exercido pelo titular da quota penhorada”. // (…) Quanto ao vício da anulabilidade previsto nas alíneas do n.º 1 do artigo 58.º do CSC, a lei mostra-se clara (artigo 59.º) ao conceder legitimidade para a sua arguição a quem tiver sido atribuído o direito de voto, bem como ao órgão de fiscalização, encontrando-se, ainda dependente dos pressupostos consignados no referido preceito.” (não obstante este aresto versar sobre uma situação de penhora, as considerações aí tecidas são válidas e têm aplicação ao caso do arresto)[26].
A tudo acresce que ficou exarado na acta que o Presidente da Mesa: “admitiu que o representante desse acionista assistisse e participasse na assembleia, bem como que o sentido do seu voto fosse registado”, assim como que “informou que faria constar dos resultados apurados em contexto de votação do Ponto Único da Ordem de Trabalhos os resultados apurados (a) no cenário de se reconhecer legitimidade ao representante do acionista M …; e (b) seguindo estritamente o disposto no artigo 9.º, n.º 4, dos Estatutos. Tudo isto de modo que, na eventualidade de vir a ser proferida decisão judicial acerca da questão sobre a legitimidade para o acionista M … para votar (através do seu representante) na presente assembleia — e independentemente do sentido dessa eventual decisão — haja, em qualquer caso, um aproveitamento das deliberações aí formadas.”[27] Pode, ainda, ler-se: “o representante do acionista M … informou que declararia votar contra todas as alterações propostas.” (não obstante se escrever depois que o mesmo se pronunciou - e já não, que votou).
E, reiterando o que já se escreveu aquando da apreciação da impugnação da matéria de facto, não se poderá deixar de realçar, que a recorrente invoca ter-lhe sido imposto o averbamento do arresto no registo de acções da sociedade, mas desvaloriza já tal facto como sendo revelador de poder ser reconhecido ao requerente a titularidade de tais acções. Postura que, como também referido, igualmente assumiu quanto às considerações que tece com relação à declaração emitida pela sociedade (referente à apresentação das acções) – não obstante não invocar não ser o requerente quem nelas figurava como seu titular (sendo que a emissão e entrega dos títulos compete à própria recorrente – cfr. artigo 304.º do CSC e artigo 95.º do CVM – e qualquer eventual transmissão nos mesmos tem de ser inscrita – artigo 102.º, n.º 1 do CVM).
Como nota final, não se poderá deixar de relembrar que, nos termos do artigo 59.º, n.º 1 do CSC, “A anulabilidade pode ser arguida pelo órgão de fiscalização ou por qualquer sócio que não tenha votado no sentido que fez vencimento nem posteriormente tenha aprovado a deliberação, expressa ou tacitamente.”, e é ponto assente que o aqui requerente não votou favoravelmente as deliberações (seja em sede de AG, seja posteriormente).

Da ilegalidade das deliberações
O decretamento da providência só se justificará se, pelo menos, de forma indiciária, ficar demonstrada a invalidade das deliberações sociais (por violação da lei, dos estatutos ou do contrato de sociedade), quer sejam anuláveis, quer sejam nulas ou ineficazes.[28]
Trata-se, contudo, de um requisito para o qual, como a jurisprudência tem vindo a entender, se mostra suficiente um juízo de probabilidade.[29]
A Assembleia Geral realizada no dia 21/03/2024 teve um ponto único da ordem de trabalhos – “Adicionamento aos Estatutos da Sociedade de novos artigos 4.º, 5.º e 15.º, com a consequente renumeração dos artigos 5.º a 12.º. -, não obstante se tenha depois procedido à votação de cada um desses pontos em separado (também aqui tendo ocorrido um lapso na indicação do último dos artigos em causa, porquanto, como já referido, se trata antes do artigo 14.º).
Cumpre, assim, apreciar cada uma dessas deliberações, as quais o requerente/recorrido defende serem anuláveis, porquanto só poderiam ter sido aprovadas com voto unânime de todos os accionistas (que refere não ter ocorrido). Mais defende verificar-se um manifesto abuso de maioria – artigo 58.º, n.º 1, als. a) e b) do CSC.

Em face do que acima se expôs, afastada fica a pretensão da recorrente em considerar que todas as deliberações foram aprovadas por unanimidade.
E, uma vez demonstrada (prova indiciária) a qualidade de accionista do requerente, tão pouco cumpre tecer considerações quanto à forma pela qual o Presidente da Mesa da AG ultrapassou a questão atinente à legitimidade do mesmo, designadamente de poder daí resultar alguma nulidade por violação do n.º 4 do artigo 9.º dos Estatutos, porquanto aqui se cuida apenas de decidir se as deliberações deverão ou não ser suspensas (não estando em causa o (in)cumprimento dos procedimentos atinentes à realização e condução da AG, bem como conhecer de alguma eventual invalidade daí decorrente, nomeadamente com respeito à validação do voto do requerente, o que sempre extravasará o objecto do recurso, tanto mais que constituirá uma questão nova sobre a qual a decisão recorrida não se pronunciou).

Primeira deliberação
Da integral substituição do artigo 4.º dos EstatutosTransmissão de acções
Considerou o tribunal recorrido ser a deliberação anulável nos termos previstos pelo artigo 58.º, n.º 1, al. a), do CSC – segundo o qual, “São anuláveis as deliberações que: a) Violem disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade, nos termos do artigo 56.º, quer do contrato de sociedade” -, por violação do n.º 3 do artigo 328.º do mesmo código.
Este último, sob a epígrafe “Limitações à transmissão de ações”, prescreve: “1 - O contrato de sociedade não pode excluir a transmissibilidade das acções nem limitá-la além do que a lei permitir. 2 - O contrato de sociedade pode: a) Subordinar a transmissão das acções nominativas ao consentimento da sociedade; b) Estabelecer um direito de preferência dos outros accionistas e as condições do respectivo exercício, no caso de alienação de acções nominativas; c) Subordinar a transmissão de acções nominativas e a constituição de penhor ou usufruto sobre elas à existência de determinados requisitos, subjectivos ou objectivos, que estejam de acordo com o interesse social. 3 - As limitações previstas no número anterior só podem ser introduzidas por alteração do contrato de sociedade com o consentimento de todos os accionistas cujas acções sejam por elas afectadas, mas podem ser atenuadas ou extintas mediante alteração do contrato, nos termos gerais; as limitações podem respeitar apenas a acções correspondentes a certo aumento de capital, contanto que sejam deliberadas simultaneamente com este. 4 – (…). 5 – (…).
Na decisão recorrida defendeu-se:
“O Estatuto previa anteriormente que as acções são livremente transmissíveis, o que correspondia ao regime regra previsto n.º 1, do artigo 328.º, do CSC, o qual enumera, taxativamente no n.º 2, um conjunto de limitações que o contrato de sociedade pode consagrar, sendo um delas o direito de preferência de outros acionistas e as condições do respetivo exercício, no caso de alienação de ações nominativas, como resulta do seu n.º 2, alínea b). // Tais limitações só podem ser introduzidas por alteração do contrato de sociedade com o consentimento de todos os acionistas cujas ações sejam por elas afetadas, (…). // A introdução de limitações à livre transmissão de acções além de estar limitada aos casos previstos nas alíneas do n.º 2, está ainda condicionada ao consentimento de todos os accionistas, no caso de se tratar de alteração ao contrato de sociedade, com expressamente prevê o n.º 3, do artigo 328.º, do CSC. // O estabelecimento no contrato de sociedade de um direito de preferência de outros acionistas exige o consentimento do requerente, que como vimos não se verificou (…)”.
Argumenta a apelante que a exigência de consentimento não equivale necessariamente à emissão, em AG, de um voto favorável relativamente à alteração que vem consagrar a inscrição estatutária do direito de preferência (que os accionistas têm que dar o consentimento mas já não que votar favoravelmente), bem como que esse consentimento pode ser dado fora da AG. Mais defende que, não sendo o mesmo prestado, a deliberação não será anulável, mas antes ineficaz.
Por sua vez, o apelado contrapõe que o artigo 328.º, n.º 3 do CSC é um preceito imperativo, o qual exige o consentimento de todos os accionistas. E refuta poder a deliberação aqui em apreciação ser considerada apenas ineficaz em relação a si.
Como argumenta em sede de contra-alegações, “Tendo os sócios, que não consentiram na deliberação, o prazo de 30 (trinta) dias a contar da data da mesma, para interpor a ação de anulação (art.º 59, n.ºs 1 e 2/CSC) (…) decorrido este curto prazo, se a deliberação não fosse impugnada, tornar-se-ia definitiva afetando todos os sócios. A situação ainda se tornaria mais complicada numa sociedade anónima com centenas ou milhares de acionistas, que teriam de intentar as competentes ações para acautelar os seus direitos. // Esta é a ratio do citado art.º 55/CSC, para acautelar os direitos dos sócios que não tivessem promovido a competente anulação no prazo legal. // Ou seja, a ineficácia prevista no art.º 55/CSC é uma garantia adicional para os acionistas que não tiverem promovido atempadamente a anulação ou suspensão da deliberação social. // Mas, não pode impedir a aplicação do art.º 58, n.º 1/CSC, quando se verificarem as respetivas condições, para anulação e suspensão da deliberação que afeta os direitos dos sócios não concordantes”.
Sendo inquestionável que o contrato de sociedade pode conter cláusulas que limitem a transmissibilidade das acções (já não podendo exclui-la ou torna-la praticamente instransmissível – artigo 328.º, n.º 1),  também o é que inserção de cláusulas de preferência traduz uma limitação dessa natureza – al. b) do n.º 2 do mesmo artigo.
Referindo-se à introdução de limitações à transmissibilidade através de alteração do contrato de sociedade, diz-nos Soveral Martins[30], “a atenuação ou supressão do limite à transmissibilidade das ações pode ter lugar mediante alteração do contrato de sociedade. Já a introdução das restrições exige consentimento dos titulares das ações porque pode modificar o regime que existia para a alienação das ações no momento em que estas foram adquiridas, sendo aquela alteração suscetível de lesar legítimas expetativas do acionista. (…) A introdução de cláusulas limitativas da transmissibilidade das ações em momento posterior à constituição da sociedade (…) pressuporem uma alteração do contrato de sociedade e o respeito pelas exigências que a lei estabelece quanto à mesma. // Porém, para a introdução das cláusulas que limitam a transmissibilidade das ações não basta observar o disposto no art.º 383º, 2 e no art.º 386º, 3. E isto porque, de acordo com art.º 328º, 3, a introdução das limitações só pode ter lugar “com o consentimento de todos os acionistas cujas ações sejam por ela afetadas”. (…) A deliberação que introduz uma cláusula no contrato de sociedade limitando aquela transmissibilidade pode ser tomada com os votos necessários para alterar o contrato de sociedade, embora seja ainda necessário o consentimento dos sócios cujas ações sejam afetadas.  (..) nessa medida, a livre transmissibilidade das ações não é derrogável pela maioria necessária para alterar o contrato de sociedade.”
E, continua, “Por um lado, a lei estabelece um regime que não exige uma deliberação unânime dos sócios para a introdução das limitações. (…) Mas, por outro lado, não basta uma deliberação tomada de acordo com as exigências relativas à alteração do contrato de sociedade. Assim se evita que os acionistas que adquiriram ações livremente transmissíveis possam ser surpreendidos com posteriores limitações inseridas no contrato de sociedade sem o contributo da sua vontade.”
No que respeita à deliberação respeitante a essa introdução, acrescenta: “A deliberação da alteração por que se introduzem as limitações não tem que ser tomada com os votos favoráveis de todos os referidos acionistas afetados, embora estes tenham que dar o seu consentimento. (…) Se não for dado o consentimento pelos acionistas afetados, a solução mais correta será a de considerar que a deliberação de introdução das limitações é ineficaz. (…) Ineficácia que dirá respeito a todos os sócios e não apenas àqueles que não tiverem dado o consentimento.” (para tanto defendendo ser aplicável ao caso o disposto no artigo 55.º do CSC).
Já quanto à prestação do consentimento escreve o mesmo autor, não ter o mesmo que ser dado na assembleia em que é tomada a deliberação, podendo ser dado fora dela.
Reportando ao caso, importa ter presente que: a) estamos claramente perante a introdução de uma cláusula limitativa da transmissibilidade das acções; b) o contrato de sociedade previa anteriormente a livre transmissibilidade das acções; c) a cláusula em causa impõe o direito de preferência por parte da sociedade e dos demais accionistas; e c) o requerente não prestou o seu consentimento, o qual se impunha para o efeito.
Importa também referir que, não obstante esse consentimento possa ser prestado em momento não coincidente com o da realização da AG, a instauração do presente procedimento cautelar atesta claramente não ser intenção do requerente fazê-lo (tanto mais que está já pendente a respectiva acção principal).
Ora, quer se considere ser a deliberação anulável ou apenas ineficaz, dúvidas inexistem quanto ao facto de que o artigo 4.º em apreço não poderia ter sido alterado nos moldes em que o foi.

Segunda deliberação
Da inclusão de um novo artigo 5.º nos Estatutos Amortização de acções
Através deste artigo ficou viabilizada a amortização de acções da sociedade sem o consentimento do respectivo titular quando ocorra alguma das situações previstas nas três alíneas do seu n.º 1, sendo a primeira delas terem as acções sido “arrestadas, penhoradas, ou, por qualquer outra forma, sujeitas a apreensão judicial, desde que se mantenham nessa situação por período superior a trinta dias após a notificação judicial, ou da sociedade” (cfr. facto n.º 18).
Defendendo a aplicação às sociedades anónimas do n.º 2 do artigo 233.º do CSC, o requerente invoca não poderem ser admitidas cláusulas estatutárias que permitam a exclusão do accionista, sem que as mesmas estivessem previstas nos estatutos aquando da sua entrada na sociedade.
E a 1.ª instância veio a entender que, tratando-se de uma cláusula a ser inserida nos Estatutos da recorrente após a sua constituição, versando sobre a amortização de acções, com redução do capital, sempre careceria de aprovação unânime, sob pena de nulidade nos termos do disposto no artigo 56.º, n.º 1, al. d) do CSC[31].
Concluiu a 1.ª instância ter existido ofensa do previsto no artigo 233.º, n.º 2 do CSC – “A amortização de uma quota só é permitida se o facto permissivo já figurava no contrato de sociedade ao tempo da aquisição dessa quota pelo seu actual titular ou pela pessoa a quem este sucedeu por morte ou se a introdução desse facto no contrato foi unanimemente deliberada pelos sócios” –, norma que refere ser  insusceptível de ser derrogada e que, por força do artigo 2.º, considerou ser aplicável à previsão do artigo 347.º do CSC - “1 - O contrato de sociedade pode impor ou permitir que, em certos casos e sem consentimento dos seus titulares, sejam amortizadas acções. 2 - A amortização de acções nos termos deste artigo implica sempre a redução do capital da sociedade, extinguindo-se as acções amortizadas na data da redução do capital. 3 - Os factos que imponham ou permitam a amortização devem ser concretamente definidos no contrato de sociedade. (…)[32] - todos do mesmo código.
Sustentou ainda a sua posição no prescrito pelo artigo 86.º do CSC (Protecção de sócios), porquanto, o contrato de sociedade não previa então qualquer cláusula a permitir a amortização – segundo esta norma, “1 - Só por unanimidade pode ser atribuído efeito retroactivo à alteração do contrato de sociedade e apenas nas relações entre sócios. 2 - Se a alteração envolver o aumento das prestações impostas pelo contrato aos sócios, esse aumento é ineficaz para os sócios que nele não tenham consentido”.
Para tanto, nesta parte, pode ler-se na decisão recorrida: “A introdução de uma cláusula de amortização de acções, em caso de arresto, por deliberação da assembleia geral de 21.03.2024, para ser aplicável ao requerente (arresto determinado por sentença proferida a 02.02.2024, tendo o requerente sido notificado por ofício datado de 14.03.2024 para entregar as acções) tal cláusula teria efeitos retroactivos, para que o requerente não deu consentimento. // A estipulação de permissão de amortização de acções pela sociedade, sem consentimento do titular não pode ter efeitos retroactivos. A sociedade alterou o contrato de sociedade após a comunicação do arresto das ações do requerente, como o Presidente do conselho de administração deixou exarado em acta, a alteração ao contrato foi determinada pela comunicação do arresto, pretendendo a sociedade aplicar tal regime às acções da titularidade do requerente que foram arrestadas teria de ter obtido a unanimidade, o que não se verificou. // Apesar de não resultar da cláusula a sua aplicação retroactiva, tal resulta da análise da acta, uma vez que a introdução da cláusula às acções se deveu, nas palavras do Presidente do conselho de administração: «Trata-se de um cenário inédito nesta Sociedade, que nunca havia sido ponderado nem, por isso mesmo, acautelado. Ora, este é um cenário que – seja agora, seja quanto a casos futuros – muito preocupa esta administração, pelo risco que representa para o interesse da Sociedade. Esse risco, como se sabe, é o de as ações arrestadas e posteriormente penhoradas serem vendidas a terceiros, em venda executiva, sem que a sociedade tenha qualquer controlo nessa venda.»”.
Assim, tratando-se, uma vez mais, de deliberação que não foi aprovada por unanimidade, e não existindo tal cláusula estatutária ao tempo em que o requerente adquiriu as suas acções, considerou terem sido violados os supra identificados preceitos legais.
O decidido vai ao encontro da posição defendida por Carolina Cunha[33] que, aludindo aos pressupostos de amortização de acções, com redução de capital (artigo 347.º do CSC), escreve: “a amortização-extinção de ações está, portanto e ao contrário da amortização-reembolso, próxima do instituto da amortização de quotas – com o qual, para além da extinção da participação social e da consequente redução do capital, partilha características como a necessidade de previsão estatutária, a limitação a casos previamente definidos e a dispensa de consentimento dos sócios afectados. Esta proximidade legitimará, com as devidas cautelas, o recurso ao regime mais detalhado da amortização de quotas para esclarecer e completar alguns aspectos menos evidentes da disciplina da amortização de ações. (…) // Os principais efeitos da amortização prevista no art.º 347º consistem na extinção das ações afectadas e na concomitante redução do capital social, conforme determina o n.º 2. Na medida em que sejam atingidas todas as ações na sua titularidade, o acionista afectado perde, por esta via, a qualidade de sócio. (…)”. Mais acrescenta: “A amortização-extinção exige, antes de mais e como condição sine qua non, uma previsão contratual nesse sentido (art.º 347.º, 1). Essa previsão contratual deve definir concretamente os factos que impõe ou permitem a amortização de ações (art.º 347.º, 2). // Além da delimitação precisa dos eventos que poderão valer como factos justificativos da amortização, parece de exigir, também aqui, que esses factos revistam suficiente seriedade, não podendo traduzir manifestações de puro e simples capricho ou arbítrio. O mesmo acontece com a afirmação da necessidade de o facto justificativo já figurar no contrato ao tempo da aquisição das acções pelo sócio (agora) afectado ou, em alternativa, de nele ter sido posteriormente introduzido por deliberação unânime dos sócios.” (sublinhado nosso)
Assim também o entende Raúl Ventura[34] - “Imponha ou permita a amortização, o contrato deve definir concretamente os casos de amortização (art.º 347.º, n.º 3). Têm, portanto, aqui cabimento algumas considerações que fiz para amortização de quotas (…). Indispensável é que o contrato torne a amortização dependente de um facto e, portanto, que o facto esteja previsto no contrato e o esteja para este efeito. // Por igualdade de razão, será de aplicar a esta amortização de acções a regra constante, para a amortização de quotas, no art. 233.º, n.º 2, que substancialmente corresponde à parte final do art.º 36.º, 1, a) da 2.ª Directiva - «antes da subscrição das acções que forem objecto da amortização» e do § 237 (e) - «por via de alteração estatutária, antes da aquisição ou subscrição das acções»: a amortização só é permitida se o facto permissivo já figurava no contrato de sociedade ao tempo da aquisição das acções pelo seu actual titular ou pela pessoa a quem esta sucedeu por morte ou se a introdução desse facto no contrato foi unanimemente deliberada pelos accionistas. «Não basta, pois, que o facto permissivo da amortização esteja especificado no contrato como vigore na data daquela; deve-se averiguar desde quando o facto invocado no caso concreto está especificado no contrato e bem assim como nele foi introduzido, não estando já previsto no contrato inicial. Quanto ao tempo, haverá que comparar a data da alteração do contrato para introdução desse facto permissivo e a data da aquisição das acções pelo seu actual titular ou pela pessoa a quem este sucedeu por morte; quanto ao modo de introdução, ver-se-á se a respectiva alteração foi ou não unanimemente acordada.” (sublinhado nosso).
Sintetizando de seguida este autor: “Conclusões dessa investigação podem ser: o facto permissivo foi incluído no contrato antes da aquisição das acções – é permitido amortiza-las com fundamento naquele facto; o facto permissivo foi introduzido no contrato depois da aquisição das acções, mas essa alteração foi unanimemente deliberada pelos accionistas – a amortização é permitida; a alteração posterior à aquisição não foi unanimemente deliberada pelos accionistas – a amortização não é permitida»”.
Em sede de recurso, contrapõe a apelante ter a deliberação sido aprovada por unanimidade (já que não reconhece ao requerente a qualidade de sócio) o que, como já aludimos, carece de fundamento.
Defende de seguida não ser o artigo 233.º, n.º 2 do CSC aplicável às sociedades anónimas e que, mesmo que o fosse, a unanimidade aí exigida “não respeita a um quorum deliberativo, mas a um requisito de eficácia da cláusula de amortização introduzida com a alteração estatutária perante os acionistas que votem favoravelmente a essa introdução”.
 Em sustento de tal conclusão argumenta que o artigo 347.º do CSC resulta da transposição do artigo 36.º[35] da Segunda Directiva do Conselho de 13 de Dezembro de 1976 (invocando que este diploma visou harmonizar exclusivamente a regulação das sociedades anónimas e as respectivas especificidades, com vista à protecção dos interesses dos sócios e de terceiros, não sendo de admitir existir uma lacuna quanto à questão da inclusão superveniente de cláusula de amotização nos estatutos), assim como o facto de, não obstante o artigo 347.º não  regular expressamente os casos de introdução superveniente de uma cláusula de amortização, tal matéria estar pressuposta (inexistindo qualquer lacuna que reclame uma aplicação subsidiária ou analógica do n.º 2 do artigo 233.º, tanto mais que, acrescenta, o CSC foi já revisto por duas vezes e nenhuma exigência de unanimidade foi aplicada ao artigo 347.º).
Sucede que, na senda de Raúl Ventura, também Coutinho de Abreu[36] defende (posição a que se adere), que o artigo 347.º deverá antes ser interpretado à luz do disposto na al. a) do n.º 1 do invocado artigo 36.º da Directiva comunitária, segundo o qual “Se a legislação de um Estado-Membro autorizar as sociedades a reduzir o seu capital subscrito por amortização forçada de acções, exigirá pelo menos a observância das seguintes condições: a) A amortização forçada deve estar prevista ou autorizada pelos estatutos ou pelo acto constitutivo, antes da subscrição das acções que forem objecto da amortização (sublinhado nosso)[37].
O mesmo autor escreve ainda[38]: “Para a amortização compulsiva (não fundada em específica autorização legal) já não basta a permissão estatutária genérica. É indispensável que a respetiva deliberação se baseie em facto previsto no contrato social como fundamento da amortização (art.º 233º, 1). E, a fim de prevenir arbitrariedades da maioria, manda a lei que a previsão estatutária desse facto (v.g., morte, “acompanhamento” ou insolvência de sócio, fusão de sociedade-sócia, arrestou ou penhora de quota, cessão de quota não consentida pela sociedade) tem de ser anterior à aquisição da quota (que se pretenda amortizar) pelo seu atual titular ou pela pessoa a quem ele sucedeu por morte, salvo de a introdução do facto no estatuto (depois da referida aquisição) tiver sido unanimemente deliberada pelos sócios – 233º, 2.”.
Na situação em análise, para além de os Estatutos da sociedade não conterem anteriormente previsão nos moldes agora introduzidos em matéria de amortização, também não foi tal cláusula aprovada pelo requerente.
E só com a aprovação de todos os accionistas poderia uma cláusula desta natureza ser inserida no contrato da sociedade, tanto mais que, como defendido na decisão recorrida, só assim seriam devidamente salvaguardados os interesses daqueles e se evitaria qualquer domínio da maioria sobre a minoria discordante da pretendida amortização.
O que poderá ser questionável é a consequência jurídica a extrair da inexistência dessa unanimidade.
A 1.ª instância entendeu estarmos em face de uma nulidade, aderindo ao defendido por Coutinho de Abreu, segundo o qual, “(…) A amortização efectua-se, recorde-se, por deliberação dos sócios. (…) são nulas, nos termos do art.º 56º, 1, d), as deliberações (…) de amortização compulsiva sem específica permissão legal ou estatutária (ou com fundamento em facto previsto no estatuto mas nele introduzido, sem unânime deliberação dos sócios, depois da aquisição da quota pelo atual titular (…)” (sublinhado nosso).
A requerida/recorrente defende estarmos em face de uma simples ineficácia da deliberação perante o requerente.
O requerente havia peticionado a anulabilidade da deliberação – artigo 58.º, n.º 1, al. a) do CSC -, posição que foi também a adoptada pelo STJ no seu acórdão de 15/12/2020[39], no qual se pode ler: “Sem prejuízo de se conceder que a deliberação questionada implica uma alteração ao contrato de sociedade, essa alteração implica a sonegação de direitos sociais, na medida em que poderá redundar na exclusão do sócio cujas acções forme objecto de amortização, daí, a leitura efectuada no Acórdão recorrido entrar em contramão com o nº 1 do artigo 347º do CSComerciais, porquanto aqui se entende que a amortização, para acontecer, tem de estar previamente prevista no contrato de sociedade, o que implica uma negociação prévia e o acordo dos sócios, óbvio se torna que qualquer introdução ulterior no contrato de uma cláusula desse jaez terá de obter a aprovação unânime dos sócios, aliás em paralelo com a exigência que o CSComerciais faz para as sociedades por quotas, no seu artigo 233º, nº 2, (…) // (…) a deliberação tomada no sentido de se introduzir aos estatutos da Recorrida um novo artigo a contemplar a amortização de acções não está eivada apenas de um vício procedimental, pois a problemática não está tão só no modo como se quis introduzir a alteração ao estatuto, isto é, no quórum, tout court. // A problemática diz respeito ao todo, ao conteúdo da alteração e ao quórum exigível para a sua obtenção, sendo essa a expressão que resulta do disposto no artigo 233º, nº 2 do CSComerciais quando refere «[o]u se a introdução desse facto foi unanimemente deliberada pelos sócios.», de onde a consideração do facto a introduzir não poder estar dissociada do quórum deliberativo: é aquele que determina este; nem se trata, tão pouco, de uma deliberação ineficaz, nos termos do artigo 55º do CSComerciais, que apenas convoque uma mera autorização do sócio a quem ela respeita, cuja falta a torne meramente inoperante enquanto o interessado (ou interessados) não dê o seu assentimento, expressa ou tacitamente.” (sublinhado nosso).
Contudo, reiterando o que já se defendeu aquando da apreciação da validade da primeira deliberação, no âmbito do presente procedimento cautelar, não cumpre declarar qualquer nulidade, anulabilidade ou ineficácia, mas tão somente indagar se é caso para declarar a suspensão das deliberações.
E tal conclusão vale para as considerações tecidas pela recorrente quanto à aplicação do artigo 86.º do CSC (também elas assentes na defesa de que sempre a deliberação padeceria de simples ineficácia), porquanto, independentemente de ser ou não o mesmo aqui aplicável, como já defendido, para que a suspensão seja peticionada nos moldes em que o foi, mostra-se suficiente a alegada violação do previsto no n.º 2 do artigo 233.º do mesmo código, sem prejuízo de se impor, obviamente, o preenchimento dos demais requisitos que no caso são exigíveis.

No requerimento inicial invocou-se, ainda, que todas as deliberações serão anuláveis por manifesto abuso de maioria – cfr. artigo 58.º, n.º 1, al. b), do CSC[40] –, porquanto a verdadeira motivação que lhes esteve subjacente não foi a de impedir a entrada de novos accionistas, mas antes a de excluir o requerente da sociedade (por ter recusado vender as respectivas acções ao Presidente do Conselho de Administração - ao contrário do que fizeram os seus irmãos –, Presidente esse cujo objectivo será o de obter “a vantagem de controlo absoluto da sociedade”).
Com relação a esta segunda deliberação, e após frisar, e bem, que só se poderá falar em deliberação abusiva quando se esteja perante um caso no qual ocorra um excesso manifesto no exercício do direito de voto (como bem se analisa no acórdão desta Relação de Lisboa de 02/11/2017, Proc. n.º 3731/13.1TBFUN.L1-2, relatora Ondina Carmo Alves), o tribunal a quo ponderou tal abuso, para tanto tendo escrito: “Para que a deliberação seja anulável, por abuso do direito de voto, é necessário que cumulativamente se verifiquem os seguintes pressupostos: // a) objectivo: adequação da deliberação ao propósito ilegítimo do(s) sócio(s), e // b) subjectivo: intenção de obter uma vantagem especial para os sócios que votaram a deliberação ou para terceiros ou de causar prejuízos à sociedade ou aos restantes sócios. (…) Importa, contudo, ter presente que para que uma deliberação seja havida como abusiva é necessário que o seu contexto envolva as proporções de um excesso manifesto.”
Prosseguindo depois: “Com resulta da acta o aditamento de uma cláusula de amortização de acções ao contrato social foi motivada pelo arresto das ações do requerente e com o intuito de aplicação imediata, como esclareceu o Presidente do conselho de administração. // Acresce que a previsão introduzida não salvaguarda a possibilidade de defesa do acionista, que seja alvo de um arresto ou penhora, na medida em que a estipulação contratual não salvaguarda o prazo necessário à dedução de oposição ao arresto decretado sem audição prévia do accionista, nem o trânsito da decisão, o que permitiria um uso pernicioso de tal mecanismo pela sociedade como forma de exclusão de um sócio, no caso o requerente. // A estipulação da possibilidade de amortização nestas circunstâncias não salvaguarda o direito de exercício do contraditório pelo acionista requerido no processo cautelar de arresto, conduzindo à invalidade da cláusula. (…) No caso em análise temos que ter ainda em consideração que a deliberação que viesse a ser tomada para aprovação da amortização das acções do requerente seria nula, por violação do artigo 86.º, n.º 1, do CSC, porquanto a deliberação de amortização das acções do requerente consubstanciaria uma aplicação retroactiva da alteração ao contrato, que não obteve unanimidade.”.
Cita ainda a Mma. Juíza a quo o acórdão do STJ de 08/09/2021 (Proc. n.º 2319/19.8T8VIS.C1.S1, relator José Rainho), o qual, acrescentar-se-á, veio confirmar o decidido pelo acórdão da Relação de Coimbra de 10/12/2020 (relator Barateiro Martins)[41].
Contrapõe a apelante que o tribunal recorrido não tomou posição quanto a considerar ou não abusiva esta deliberação e, nessa medida, de ser ou não a mesma anulável com tal fundamento.
Sem prejuízo de assim ser, refuta as considerações tecidas na decisão recorrida (quanto a considerar-se que a deliberação referente à inserção da cláusula de amortização foi motivada pelo arresto decretado e com intuito de aplicação imediata; bem como que a mesma não proteja os interesses dos accionistas por não salvaguardar o prazo necessário à dedução de oposição ao arresto, nem o trânsito em julgado dessa decisão), defendendo que na mesma se incorre numa “confusão inaceitável (…) entre os efeitos da Segunda Deliberação e os efeitos da eventual e futura deliberação de amortização que seja tomada ao abrigo do artigo 5.º dos estatutos. Também aqui comete o Tribunal a quo esse erro – pronunciando-se sobre a invalidade da deliberação de amortização quando essa deliberação não existe e, por isso, não é nem pode ser objeto do presente procedimento cautelar.”
Negando que o Presidente do Conselho de Administração tenha visado os objectivos que lhe são imputados (obtenção do controlo total da sociedade e exclusão do requerente), acrescenta que sempre se teria de interpretar o novo artigo 5.º dos Estatutos como se reportando à decisão de arresto transitada em julgado, como aliás se defende no acórdão do STJ citado pela 1.ª instância.
Ora, não cumpre neste procedimento cautelar, conhecer do sentido com que a cláusula deverá ser interpretada. Contudo, não se poderá deixar de referir que os termos em que a mesma se mostra redigida, sempre permitirá questionar se ficarão devidamente acautelados os interesses dos accionistas, designadamente os do aqui requerente, porquanto, em face da sua leitura, parece ficar viabilizada uma imediata amortização.
Ao contrário da situação tratada nos arestos anteriormente citados (ambos respeitantes ao Proc. n.º 2319/19) – nos quais a cláusula aí apreciada dispunha: ““1. É admitida a amortização compulsiva de ações pela sociedade, sem consentimento do respetivo titular, nos casos que se seguem, sempre que a situação que origine o direito à amortização se mantenha após noventa dias a contar da comunicação pelo Conselho de Administração dessa mesma situação ao acionista em causa: (…) d) Se as ações forem penhoradas, arrestadas ou, por qualquer outra forma, sujeitas a apreensão judicial “ -, no presente caso, consta expressamente da cláusula 5.ª ser “permitida a amortização de ações pela Sociedade, sem consentimento do respetivo titular, nos casos seguintes casos: a) Se as ações forem arrestadas, penhoradas, ou, por qualquer outra forma, sujeitas a apreensão judicial, desde que se mantenham nessa situação por período superior a trinta dias após notificação judicial do seu titular, ou da Sociedade (…)”.
A forma pela qual tal alínea foi redigida não terá sido certamente alheia à notificação que a requerente havia recepcionado no dia 12/02/2024, dando conta do arresto decretado (cfr. facto n.º 8).
Sendo absolutamente inquestionável que, no caso, ainda não ocorreu qualquer amortização das acções do requerente, em face das circunstâncias que terão estado subjacentes à introdução de uma cláusula com o teor da al. a) do n.º 1 do artigo 5.º,  e independentemente do modo pelo qual a deliberação foi tomada (designadamente sem unanimidade), sempre se poderá questionar os termos/fundamentos na mesma especificamente consignados.
E, bastando-se a mesma com a mera notificação judicial de ter sido decretado o arresto (precisamente o que, no caso, já havia sucedido) para que a amortização possa ter lugar, tendo sempre subjacente um juízo de prognose (e não de certeza), julgamos não ser de censurar o entendimento a que chegou a 1.ª instância, que, embora o não tenha afirmado, implicitamente aceitou ser a mesma abusiva, tanto mais que estamos em face de uma deliberação que teve na sua causa o arresto decretado às acções do requerente e que foi igualmente votada pelo sócio maioritário da sociedade (segundo os factos indiciariamente demonstrados). 
Não se poderá deixar de referir que, para além de a recorrente sustentar grande parte do seu recurso em argumentos que apenas relevam para a acção principal, pretende ainda alicerçar a sua tese em factos que sequer resultam dos autos (como, por exemplo, o de o Presidente do Conselho de Administração não ser sócio maioritário, tendo uma participação no capital social de 36%, por forma a concluir que, mesmo sem o voto deste, a deliberação teria sido tomada).

Terceira deliberação
Da inclusão de um novo artigo 14.º nos Estatutos cláusula arbritral
O requerente/recorrido defendeu a anulabilidade desta deliberação com fundamento, uma vez mais, no facto de a mesma não ter sido aprovada por todos os accionistas “como partes interessadas na convenção, nos termos dos art.ºs 1.º e 2.º da LAV - Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro.[42]
Na decisão recorrida defendeu-se que a cláusula em apreço não contraria qualquer norma que não pudesse ser afastada, pelo que não resulta a inadmissibilidade da sua inclusão no contrato de sociedade por deliberação social.
Contudo, remetendo para os argumentos invocados “no que tange à deliberação abusiva” – sendo que tal remessa apenas se poderá interpretar como sendo alusiva aos requisitos exigidos para que a deliberação assim possa ser considerada -, concluiu que a sua imediata aplicação “impediria, no limite a interposição do presente procedimento cautelar pelo requerente junto do tribunal judicial”.
Alega a recorrente estar em causa uma deliberação que sempre poderia ser tomada por uma maioria de 2/3 dos votos emitidos, como previsto no n.º 3 do artigo 386.º do CSC. E que não se cuida aqui de “saber se a validade da própria alteração estatutária que introduz essa alteração pode ser julgada nos tribunais judiciais, mas apenas saber se existe algum obstáculo a que os futuros litígios entre a sociedade, acionistas e/ou titulares dos órgãos sociais sejam submetidos à arbitragem por força da cláusula 14.º introduzida nos Estatutos pela Terceira Deliberação.”
Por forma a reforçar a sua posição, recorre aos escritos de Paulo Olavo Cunha, Deliberações sociais. Formação e impugnação, Almedina, Coimbra, 2020, págs. 136/137 - “salvo nos casos expressamente previstos ou autorizados na lei, nunca será admissível a unanimidade, que implicaria, na prática, a imutabilidade da vida social, o que seria contrário à competência reconhecida aos sócios e aos próprios interesses sociais” – e de António Sampaio Caramelo, Arbitragem de litígios societários, in Temas de direito da arbitragem, Coimbra, Coimbra, 2013, págs. 370 ss. – o qual afirma que sendo o efeito da cláusula compromissória supervenientemente inserida nos estatutos o de configurar o direito de ação inerente aos direitos subjetivos dos vários intervenientes na vida interna da sociedade, direcionando-o para a jurisdição arbitral, essa configuração não pode deixar de vincular todos os sócios, mesmo os que hajam votado contra essa alteração estatutária. Também aqui o princípio maioritário tem de prevalecer, como é de regra nas sociedades comerciais. // Ressalvando, ainda, o mesmo autor que a adoção da cláusula compromissória estatutária não implica uma diminuição da proteção dos direitos dos sócios perante os outros sócios, a sociedade e os titulares dos seus órgãos ou dos direitos destes e daqueles perante os sócios. Como efeito, é a própria Constituição da República Portuguesa, que qualifica os tribunais arbitrais como verdadeiros tribunais, o que implica a equivalência da jurisdição arbitral à exercida pelos tribunais estaduais, estando ambas sujeitas ao mesmo conjunto de garantias que integram o conceito de «processo equitativo» constante do art. 20.º, n.º 4, da Constituição”.
Ultrapassada a questão de nada impedir a inserção da referida cláusula nos moldes em que o foi (posição defendida pela 1.ª instância e da qual o requerente não recorreu), importa tão somente aferir se o entendimento defendido para que a suspensão fosse declarada deverá ou não ser corroborado.
No n.º 1 do artigo 14.º dos Estatutos consigna-se que os litígios serão submetidos a “decisão do arbitral constituído  sob a égide do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, sendo aplicável o Regulamento de Arbitragem Societária de 2021 ou outro que o venha a substituir.”
No que aos procedimentos cautelares concerne, estatui o artigo 20.º, n.º 1 da LAV que “Salvo estipulação em contrário, o tribunal arbitral pode, a pedido de uma parte e ouvida a parte contrária, decretar as providências cautelares que considere necessárias em relação ao objecto do litígio”, acrescentando o seu n.º 1 do artigo 29.º que “Os tribunais estaduais têm poder para decretar providências cautelares na dependência de processos arbitrais, independentemente do lugar em que estes decorram, nos mesmos termos em que o podem fazer relativamente aos processos que corram perante os tribunais estaduais.”.
Já o Regulamento de Arbitragem Societária de 01/04/2021 prevê expressamente um capítulo alusivo à tutela cautelar (capítulo IV), o qual é integrado pelos artigos 10.º (Árbitro de Emergência) - “1. Até à constituição do tribunal arbitral qualquer das partes pode requerer, nos termos do Regulamento sobre o Árbitro de Emergência, incluído no Anexo I ao Regulamento de Arbitragem do Centro de Arbitragem Comercial, o decretamento de providência cautelar urgente por um árbitro de emergência nomeado pelo Presidente do Centro. 2. Considera-se urgente, além das providências que não possam aguardar pela constituição do tribunal arbitral, a de suspensão de deliberação social” - e 11.º (Suspensão de Deliberação Social) – “1. A providência cautelar de suspensão de deliberação social segue os termos do Regulamento sobre o Árbitro de Emergência, com as adaptações dos números seguintes. 2. O Requerimento deve ser apresentado no Secretariado no prazo de 10 dias a contar da data da assembleia em que as deliberações foram tomadas ou, se o requerente não tiver sido regularmente convocado, da data em que teve conhecimento das deliberações. 3. O Requerimento do Árbitro de Emergência deve conter, pelo menos, os seguintes elementos: a) A identificação completa do Requerente e do Requerido; b) A identificação da deliberação cuja suspensão se requer e a indicação dos motivos pelos quais a sua execução pode causar dano apreciável ao Requerente; c) A descrição da convenção de arbitragem. 4. O Requerimento deve ser instruído com os seguintes documentos: a) Os estatutos da Sociedade, contendo a convenção de arbitragem; b) Cópia da ata em que as deliberações foram tomadas; quando a lei dispense reunião de assembleia, a cópia da ata é substituída por documento comprovativo da deliberação; c) Quaisquer documentos que provem os factos alegados; d) Comprovativo do pagamento da provisão para encargos relativos ao Árbitro de Emergência. 5. Na providência de suspensão de deliberação social não há lugar a apresentação de Requerimento de Arbitragem autónomo, pelo que o Requerimento do Árbitro de Emergência deve conter todos os elementos que o requerente considere relevantes para a decisão. 6. Se o requerente alegar que lhe não foi fornecida cópia da ata ou o documento correspondente, dentro do prazo fixado no número dois, a Sociedade é citada para juntar o documento em falta no prazo da contestação, sob pena de inversão do ónus da prova. 7. O Presidente do Centro não deve proceder à designação do Árbitro de Emergência até que se faça prova de ter sido requerido o registo comercial da apresentação do pedido de suspensão.
Não se ignora que, como resulta do n.º 7 deste artigo 11.º, a designação do árbitro de emergência depende do registo da arbitragem de emergência junto da Conservatória do Registo Comercial competente, exigência essa que sempre poderá comportar um “risco significativo para o requerente da medida cautelar — considerando o curto prazo legal de dez dias para a propositura desta providência cautelar —, caso o registo não seja admitido, uma vez que o tribunal arbitral não foi ainda constituído.”[43]
E poder-se-ão colocar igualmente reservas em matéria de defesa dos interesses das partes nos exactos moldes em que se encontra prevista pelos artigos 380.º a 383.º do CPC, designadamente quanto à possibilidade de inversão do contencioso (cuja aplicação sempre será de questionar em face das características inerentes a um qualquer processo arbitral).
Por fim, não será despiciendo referir que os custos inerentes ao recurso da justiça arbitral (potencialmente elevados, desde logo em face dos honorários dos árbitros) sempre poderá constituir sério entrave a que assim se proceda.
Seja como for, entendemos que sempre os tribunais estaduais conservam a sua competência cautelar no âmbito de processos arbitrais, conclusão que, aliás, é reforçada em face do constante do artigo 7.º da LAV – “Não é incompatível com uma convenção de arbitragem o requerimento de providências cautelares apresentado a um tribunal estadual, antes ou durante o processo arbitral, nem o decretamento de tais providências por aquele tribunal“.[44] [45]
Por assim ser, e uma vez que, como bem refere a recorrente, não foi suscitada qualquer questão atinente à competência material do tribunal recorrido, julgamos carecer de fundamento a justificação vertida na decisão recorrida de que, a não ser suspensa a deliberação tomada quanto ao artigo 14.º dos Estatutos, ficaria o requerente impossibilitado de intentar o presente procedimento cautelar (mais a mais quando igualmente já corre termos a competente acção principal).
Consequentemente, carece de fundamento a peticionada suspensão da deliberação respeitante ao artigo 14.º dos Estatutos da sociedade, pelo que, desde já se adianta que, nesta parte, não poderá a decisão recorrida ser mantida. 
 
Da existência de dano apreciável
O decretamento da medida cautelar visa obstar a que ocorram danos futuros. Se inexistir risco de assim suceder, nada haverá a acautelar.
No caso específico do procedimento cautelar de suspensão de deliberação social, visa-se a paralisação de uma deliberação cujos actos de execução ainda não se mostram consumados ou cujos efeitos perdurem no tempo, sustando-se ou impedindo-se a sua prática e, dessa forma, prevenindo que se produzam danos futuros. 
Como já decidido no acórdão desta Secção de 11/07/2024 (Proc. n.º 30528/23.8T8LSB.L1, relatado pela agora também relatora, ao que se julga, não publicado, cujo sumário consta da página oficial desta Relação), importa realçar que não se inclui na noção de dano apreciável aqueles que sejam inerentes à própria deliberação cuja suspensão se pretende.
Como sumariado no acórdão da Relação de Coimbra de 08/11/2011[46], “(…) 6. O “dano apreciável” não é toda ou qualquer possibilidade de prejuízo que a deliberação ou a execução em si mesmas comportam, mas sim a possibilidade de prejuízos imputáveis à demora da acção de anulação, pois a providência cautelar visa prevenir o “periculum in mora”, ou seja, acautelar a utilidade prática da sentença de anulação da deliberação social contra o risco da duração do respectivo processo.
Também Vasco da Gama Lobo Xavier[47] assim o diz: “não é toda e qualquer possibilidade de prejuízo que a deliberação, ou a sua execução, em si mesmas comportem, mas sim a possibilidade de prejuízos imputáveis à demora do processo de anulação. Não faria sentido que o legislador desse relevo, para efeitos de concessão de providência à eventualidade de danos diferentes dos originados pelo retardamento da sentença naquela acção preferida.[48]
E, como escreve Coutinho de Abreu[49], “Se a delonga da ação principal comportar o perigo de a deliberação em causa produzir entrementes efeitos danosos significativos para o requerente e/ou a sociedade, impedindo ou dificultando o efeito útil da mesma (previsivelmente procedente), temos então um requisito mais para a procedência da providência da suspensão. O nº 1 do art. 380º fala de dano “apreciável” (…) O dano patrimonial ou não, de sócio(s) e/ou da sociedade, é apreciável quando significativo (não insignificante). Não tem de ser julgado irreparável para que a suspensão seja decretada. Mas, porque o dano apreciável aqui relevante é o que pode resultar da demora do processo principal, há-de ser dificilmente reparável sem a suspensão. Se a tutela conferida pela acção principal (procedente) é suficiente para a reparação dos danos, não há razões para decretar a suspensão de deliberação”.
Em síntese, o periculum in mora que aqui se pretende evitar prende-se, não apenas com o dano apreciável que pode resultar da deliberação inválida, mas sobretudo com o que deriva do retardamento da sentença de anulação da deliberação (porquanto o objectivo visado é o de garantir eficácia a esta sentença, assegurando-lhe real efeito útil).
Se é certo que, por um lado, o dano a atender será aquele que, não sendo insignificante, nem irrisório, também não pertence à categoria dos danos graves e dificilmente reparáveis, por outro lado, o dano apreciável que se pretende acautelar é, insiste-se, o resultante da demora no desfecho da acção principal de anulação de deliberação social (correspondente aos prejuízos que o requerente poderá sofrer em função de tal retardamento) e já não o que resulta directamente da execução da deliberação propriamente dita.[50]
Para que se julgue verificado este pressuposto, exige-se um juízo de forte probabilidade de dano iminente[51] (bem como da sua medida e extensão), não se bastando a lei com a mera possibilidade de ocorrerem eventuais prejuízos (sem que se consigam avaliar os mesmos).
Correspondendo a noção de dano apreciável a um conceito indeterminado, terá o mesmo de ser devidamente integrado, para tanto sendo necessário que o requerente do procedimento carreie para o processo factos concretos, os quais, a serem demonstrados, permitirão, então, ao tribunal concluir pela existência de prejuízos (que podem ser de índole patrimonial ou moral) e da correspondente gravidade[52].
Ora, tal desfecho não será possível de alcançar se nada for alegado nesse sentido ou se as alegações do requerente se traduzirem em meros juízos de valor, conclusões, receios, sem que estes se encontrem sustentados por factualidade concreta[53].
Não basta, pois, invocar que a não suspensão da deliberação acarreta danos (antes de exigindo a alegação de factos concretos que integrem o prejuízo invocado, não sendo suficiente a alegação de tal prejuízo poder vir a ocorrer). Há, pois, que os concretizar e provar, inclusive quanto à repercussão que poderão ter na esfera jurídica do requerente. Não se poderá ignorar, insiste-se, que o exigido é que sejam alegados e provados factos de onde resulte que a execução (ou continuação da execução) da deliberação pode causar dano apreciável.
E não se poderá confundir a alegação e demonstração respeitante ao dano apreciável com a alegação e prova dos factos atinentes à ilegalidade da deliberação.
Reportando ao caso, alegou o requerente que a amortização das acções que foram arrestadas causar-lhe-ia um grave prejuízo, “com a consequente extinção das ações e extinção da sua qualidade de acionista” (extinção que até seria “agilizada com a introdução da convenção de arbitragem”), para além de “ficar dificultada a transmissão das acções”.
Quanto a esta matéria, o tribunal a quo defendeu “Os direitos sociais que o requerente pretende acautelar são de natureza patrimonial, decorrentes das limitações introduzidas à transmissão das acções e à sua amortização, bem como o direito a se manter sócio da requerida, constituem realidades com consequências de relevo que cabe acautelar, pela suspensão, até à decisão a proferir na acção principal. // Aquelas deliberações conduziriam a limitações de transmissão, impedimento de interposição deste procedimento cautelar para apreciação da deliberação e perda da participação social na requerida, o que é por si só um prejuízo considerável, pelo que se mostram reunidos todos os pressupostos de que depende a procedência  do presente procedimento cautelar especificado de suspensão de deliberações sociais.”
Ou seja, na óptica do tribunal recorrido, a execução das cláusulas pelas quais foram estipuladas limitações à transmissibilidade das acções e introduzidos fundamentos que permitem a amortização sem consentimento do titular, podem acarretar a extinção das acções e da qualidade de acionista do requerente, o que considerou constituir “por si só, um prejuízo considerável”, o qual apenas será evitado com a suspensão das deliberações.
Porém, há a referir que:
- Por um lado, os danos valorados pelo tribunal recorrido em nada se prendem com a execução das deliberações aqui em causa, apenas podendo resultar do que em futuras deliberações possa vir a ser decidido.
Mesmo no que respeita à cláusula respeitante à possível amortização das acções, sempre se terá de atender que, à data em que a sociedade recorrente foi notificada do arresto, o artigo 5.º aqui em discussão não constava ainda dos Estatutos.
Nessa medida, uma amortização com tal fundamento, sempre terá de ser objecto de uma futura deliberação, só aí podendo ocorrer extinção das acções e o requerente deixar de ser accionista. E, apenas com essa amortização ficará negada ao requerente o exercício dos respectivos direitos sociais (independentemente de a deliberação cuja suspensão foi peticionada poder ou não ser reputada de abusiva).
- Por outro lado, o facto de ficar limitada a possibilidade de transmissão das acções (em face do direito de preferência estipulado[54]) e  de ser possível a amortização nos moldes de que aqui se trata, mais não traduzem do que consequências inerentes às próprias deliberações (o que releva para efeitos de preenchimento do requisito respeitante à ilegalidade das deliberações, mas já não integra a noção de dano apreciável resultante da execução das mesmas)[55]. O requisito atinente ao dano apreciável não se poderá, pois, considerar preenchido apenas pelos prejuízos que possam decorrer da execução (produção de efeitos) da deliberação – cfr. Acórdão desta Secção de 21/06/2022[56].
Ora, não se nos afigura ser possível defender que o prejuízo que o requerente possa sofrer com a deliberação em causa (ou mesmo a sua execução) possa ser imputável ao tempo que demandará a prolação de uma sentença no âmbito da acção principal (e da eventual demora decorrente do julgamento da mesma).
O alegado pelo requerente, e que veio a ser aceite pela 1.ª instância, mais não traduz do que meros receios, sem que se mostre alegada e demonstrada factualidade susceptível de permitir concluir pela verificação dos eventuais prejuízos que poderiam resultar do aguardar pelo desfecho da acção principal já intentada (nenhum facto concreto foi alegado que consubstanciasse prejuízo resultante da execução das deliberações, nos moldes em que o legislador o exige).
E, mostrando-se inviável formular o exigido juízo de forte probabilidade de dano iminente, e consequentemente qual a medida e extensão do mesmo, por forma a que pudesse ser tido por considerável, impõe-se concluir no sentido de não poder a suspensão das deliberações ser decretada.
Citando Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[57], os factos “que integram a possibilidade da produção de dano apreciável constituem a causa de pedir do pedido cautelar de suspensão (…) exigindo-se, quanto ao dano apreciável, em que se traduz o periculum in mora (…) uma prova mais consistente, traduzida na probabilidade muito forte de que a execução da deliberação possa causar o dano apreciável que, com a providência, se pretende evitar”.

Em face do que acima se deixou escrito, terá o presente recurso de proceder, com a inerente revogação da decisão recorrida, pese embora com fundamentos que não coincidem integralmente com os invocados pela recorrente.

*
IV - DECISÃO
Perante o exposto, acordam os Juízes da Secção do Comércio deste Tribunal da Relação em julgar:
a) Parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto;
b) Procedente a apelação e, em consequência, julgar improcedente o procedimento cautelar, não suspendendo as deliberações tomadas na Assembleia Geral realizada no dia 21/03/2024.

Custas do recurso pelo apelado.

Notifique.

Lisboa, 19 de Dezembro de 2024
Renata Linhares de Castro
Nuno Teixeira
Paula Cardoso
_______________________________________________________
[1] O que fez por requerimento apresentado em 17/06/2024 – “vem dizer que nada tem a opor, dado que as questões são fundamentalmente de direito.”.
[2] A notificação certificada dirigida à requerida/recorrente (datada de 09/07/2024) tem o seguinte teor: “Fica V. Ex.ª notificado(a), na qualidade de Mandatário(a), relativamente ao processo supra identificado, da sentença de que se junta cópia. // Fica advertido(a) de que, querendo, deve intentar a ação destinada a impugnar a existência do direito acautelado, no prazo de 30 dias, e que o prazo só se inicia (art.º 382.º do CPC): // a) Com a notificação da decisão judicial que haja suspendido a deliberação; // b) Com o registo, quando obrigatório, da decisão judicial.”
[3] Veja-se, nesta matéria, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 17/12/2018 (Proc. n.º 1867/14.0TBBCL-F.G1, relator José Alberto Moreira Dias), disponível in www.dgsi.pt, como todos os demais que forem citados sem menção à fonte.
[4] Os Meios Reclamatórios Comuns na Decisão Civil (artigos 613.º a 617.º do CPC), Revista Julgar online, Maio de 2020, pág. 10.
[5] O dever de fundamentação tem, aliás, consagração constitucional – cfr. artigo 205.º do CRP.
[6]  O que apenas será valorado para efeitos de uma eventual revogação ou alteração do decidido. Acrescente-se que igualmente não configura nulidade o putativo desacerto da decisão.
[7] Como defende AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 8.ª edição, 2008, pág. 54, “a lei refere-se à contradição real entre os fundamentos e a decisão: a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente”. Também segundo LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 3ª edição, Almedina, pág. 736, entre “os fundamentos e a decisão não pode haver uma contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença.”
[8] Cfr. ABRANTES GERALDES/ PAULO PIMENTA/ PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume I, pág. 763 - esta nulidade em nada se confunde com o eventual erro de julgamento que se verifica quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que lhe impõe uma solução jurídica diferente.
[9] A nulidade a que se reporta a alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC tem subjacente o princípio do dispositivo a que se refere o artigo 5.º, n.º 1 do mesmo código (ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal).   
[10] Prescreve o n.º 4 do artigo 607.º do CPC: “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.”  
[11] Como se refere no acórdão da Relação do Porto de 09/06/2011 (Proc. n.º 5/11.6TVPRT-A.P1, relator Filipe Caroço), aludindo à nulidade por omissão de pronúncia: “Exige-se ao juiz que resolva todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Porém, sem que esse dever implique o abordar, de forma detalhada, todos os argumentos, considerações ou juízos de valor trazidos pelas partes. Só acontece quando o juiz olvida a pronúncia sobre as «questões» submetidas ao seu escrutínio pelas partes, ou de que deva, oficiosamente, conhecer, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidos pelas partes na defesa das teses em presença. A expressão “questões que deva apreciar”, cuja omissão integra a dita nulidade, não abarca as alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. Se o juiz não apreciar todas as questões jurídicas e não invocar todos os argumentos de direito que caberiam na melhor ou mais desejável fundamentação da sua sentença ou acórdão, mas vier a proferir a decisão sobre a “questão a resolver”, haverá apenas fundamentação pobre e pouco convincente ou, no máximo, falta de fundamentação, mas não há nulidade por omissão de pronúncia. E não há omissão de pronúncia quando a matéria, tida por omissa, ficou implícita ou tacitamente decidida no julgamento da matéria com ela relacionada. Uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção. São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”.
[12] Segundo ANTUNES VARELA, Manual de Processo Civil, pág. 686, não se inclui na previsão do artigo 615.º o chamado erro de julgamento, designadamente quando se discorda do enquadramento jurídico adoptado (erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou na interpretação desta última) ou quando possa ter ocorrido injustiça na decisão.
[13] No que concerne à obscuridade conducente à ininteligibilidade da decisão, já ALBERTO DOS REIS, escrevia que “A sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido é ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que, em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é susceptível de duas interpretações diversas, não se sabe, ao certo, qual o pensamento do juiz”, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 151.
[14] Decorre desta norma que o recorrente que impugne a matéria de facto deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da requerida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
[15] Segundo este preceito, “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
[16] Não obstante, no ponto 3.1., a recorrente tenha novamente aludido ao n.º 5 do artigo 9.º.
[17] O regime jurídico do Registo Central do Beneficiário Efectivo foi aprovado pela Lei n.º 89/2017, de 21/08, posteriormente alterado pela Lei n.º 58/2020, de 31/08 (republicação). 
[18] A recorrente, na Oposição limitou-se a alegar: “112.º // Pois o Professor Doutor F … não é acionista maioritário da sociedade Requerida, uma vez que tem apenas uma participação de 36% no capital social – não sendo, sequer, essa a única participação social na sociedade Requerida com tal valor. // 113.º // Estes são factos cuja prova indiciária pode ser feita através da consulta do RCBE da Requerida (Código ….), ao qual todos os sujeitos processuais e o tribunal têm acesso, nos termos do artigo 19.º do Regime Jurídico do Registo Central do Beneficiário Efetivo aprovado pela Lei n.º 89/2017, de 21 de agosto, na sua redação atual. // 114.º Sendo que, quanto à prova da titularidade da participação social do Professor Doutor F …, pode este douto tribunal, se entender que tem interesse para a decisão da causa, ao abrigo do disposto nos artigos 411.º e 436.º do CPC, notificar o Professor Doutor F … para que este faça, nestes autos, prova da sua qualidade de sócio, apresentando os títulos das ações, com inscrição da sua identidade aposta nos títulos.”
[19] Cfr. ANTÓNIO ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, obra citada, pág. 438.
[20] Como defendem os autores a que se aludiu na nota anterior, “Constituem meios jurisdicionalizados, expeditos e eficazes que permitem assegurar os resultados práticos da ação, evitar prejuízos graves ou antecipar a realização do direito (instrumentalidade hipotética), conciliando de forma razoável os interesses da celeridade e da segurança jurídica”, in obra citada, pág. 438.
[21] Código das Sociedades Comerciais Em Comentário, Vol. I, Almedina, 2.ª edição, 2021, pág. 733.
[22] Sem prejuízo do constante no artigo 384.º, n.º 8 do CSC – “A forma de exercício do voto pode ser determinada pelo contrato, por deliberação dos sócios ou por decisão do presidente da assembleia” (norma invocado pela recorrente) –, no presente recurso cuida-se de aferir, de forma indiciária (e não com certeza absoluta) do preenchimento do requisito atinente à qualidade de sócio/acionista do requerente.
[23] E, mesmo quando atribuiu especial relevância aos emails trocados entre o requerente e o Presidente do Conselho de Administração (os quais foram juntos, não obstante não terem sido transpostos para a decisão), está implicitamente a aceitar que as acções pertenciam ao primeiro (já que este apenas poderia alienar o que lhe pertence).
[24]  Nesse sentido, ALEXANDRE SOVERAL MARTINS, anotação ao artigo 288.º, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Coord. Coutinho de Abreu, Almedina, Vol. V, 2.ª edição, 2018, pág. 212.
Cfr., ainda, PAULO OLAVO CUNHA, Deliberações Sociais, Formação e Impugnação, Almedina, 2020, reimpressão, págs. 93/94 – “No que se refere à determinação da titularidade do capital social, admite-se, no plano das sociedades anónimas – em que, como regra, não há restrições à transmissibilidade das ações -, que o contrato de sociedade e a lei possam pretender certificar-se que aqueles que se apresentam a participar na assembleia geral são de facto as pessoas ou entidades que têm legitimidade para o efeito, ou porque a titularidade se comprova por declaração de instituição de crédito depositária ou da sociedade emitente ou porque resulta simplesmente do livro de ações desta ou porque, sendo as ações valores mobiliários escriturais, os mesmos se encontram registados junto de instituição de crédito ou da sociedade emitente.
[25] Não relevam para o caso as considerações jurídicas que a recorrente faz quanto à relevância do registo das acções quando as mesmas sejam transmitidas, já que nada resulta dos autos quanto a ter ocorrido qualquer transmissão (nem sequer a recorrente o refere, a qual se limita a equacionar que assim poderia vir a suceder, aludindo que, em termos abstractos, poderão “existir situações de discrepância entre a titularidade material de ações e o registo privado da sociedade”). Não se poderá deixar, no entanto, de lembrar que, como também a recorrente reconhece, sempre o registo da titularidade será oponível perante o emitente, ou seja, a sociedade (artigos 56.º e 102.º do CVM).
[26] Note-se que igualmente consta da acta que, pelo accionista F …, foi defendido que, para além do constante no n.º 4 do artigo 9.º dos Estatutos, o requerente não devia ser admitido a votar em virtude de o arresto assim o impedir (o que, como referido, não é verdade).
[27] Aliás, quando se refere terem as propostas sido aprovadas, consignou-se na acta que o foram por maioria de 2/3 ou por unanimidade, consoante o requerente venha ou não a ser considerado legitimado
[28] Cfr. SOVERAL MARTINS, Suspensão de deliberações sociais de sociedades comerciais: alguns problemas, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 63, Vol. I/II, 2003, págs. 347 e ss.
[29] Cfr., nesse sentido, acórdãos do STJ de 24/10/1994 (Proc. n.º 086078, relator Torres Paulo) e da Relação de Coimbra de 08/11/2011 (Proc. n.º 158/10.0T2AVR-A.C2, relator Carvalho Martins).
[30] CSC em comentário, Vol. V, já citado, anotação ao artigo 328.º, págs. 596-598.
[31] Segundo esse preceito, “São nulas as deliberações dos sócios (…) Cujo conteúdo, directamente ou por actos de outros órgãos que determine ou permita, seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios”.
[32] Note-se que, quando o contrato da sociedade apenas permita a amortização (não a impondo), será a sociedade que, em face do previsto estatutariamente, irá deliberar (em AG) se deve ou não assim proceder.
[33] Código das Sociedades Comerciais em Comentário”, Vol. V, já citado, anotação ao artigo 347.º, págs. 867 e ss.
[34] “Estudos Vários sobre Sociedades Anónimas, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Almedina, 1992, pág. 501/502.
[35] Cujo n.º 1, al. b), dispõe: “Se a amortização forçada for somente autorizada pelos estatutos ou pelo acto constitutivo, deve ser deliberada pela assembleia geral, salvo se os accionistas afectados a tiverem aprovado unanimemente”. Disposição que se manteve inalterada na Diretiva 2012/30/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Outubro de 2012 (no seu artigo 40.º, n.º 1, al. b)) e na Diretiva (UE) 2017/1132 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de Junho de 2017 (artigo 79.º, n.º 1, al. b)).
[36] Curso de Direito Comercial, Das Sociedades”, Vol. II, Almedina, 7.ª edição, pág. 395 – após realçar que os factos que imponham ou permitam a amortização devem ser concretamente definidos no contrato de sociedade (artigo 347.º, n.º 3 do CSC), acrescenta o autor que “tais factos (…) têm de estar definidos no contrato social antes da subscrição das ações que forem objeto de amortização – há que interpretar aquele preceito de acordo com o estabelecido no art.º 36º, 1, a), da 2ª Diretiva – art.º 79º, 1, a), da Diretiva de 2017.
[37] Disposição que, também ela, se manteve inalterada nas já referidas Diretiva 2012/30/UE e Diretiva (UE) 2017/1132 – artigos 40.º, n.º 1, al. a), e 79.º, n.º 1, al. a), respectivamente.
[38] Obra citada na nota n.º 37, págs. 388/389 e 391.
[39] Proferido no âmbito do Proc. n.º 12032/18.8T8LSB.L1.S1 e relatado por Ana Paula Boularot.
Neste aresto, após se defender a aplicação do regime previsto no n.º 2 do artigo 233.º às sociedades anónimas - “tem aplicação analógica às alterações contratuais cujo objecto seja a amortização de acções, em sede de sociedades anónimas, de onde qualquer deliberação tomada em AG sem se ter obtido a necessária unanimidade aí imposta, implica a sua anulabilidade, nos termos do artigo 58º, nº1, alínea a) do mesmo diploma, por violação daquela disposição de carácter injuntivo” -, concluiu-se: “A deliberação tomada na AG da Ré, aqui Recorrida, sem se ter obtido a necessária unanimidade imposta pelo artigo 233º, nº 2 do CSComerciais, aplicado analogicamente às sociedades anónimas, implica a sua anulabilidade, nos termos do artigo 58º, nº1, alínea a) do mesmo diploma, por violação daquela disposição que impõe em sede de amortização de acções, uma unanimidade no quórum deliberativo.”
[40] Prescreve o artigo 58.º, n.º 1, al. b), do CSC: “São anuláveis as deliberações que (…) Sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou de terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos - alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do Código das Sociedades Comerciais.”
[41] Nestes arestos discutia-se, no entanto, uma situação na qual tinha ocorrido amortização da totalidade das acções do aí autor. No sumário do acórdão do STJ, consignou-se: “(…) «III - Autorizando o contrato de sociedade a amortização compulsiva de participações sociais em caso de arresto das mesmas, a interpretação adequada dessa cláusula nos termos do art. 236.º do CC vai no sentido de que o arresto deve estar coberto por uma decisão transitada em julgado, por ser assim que a declaração seria percecionada ou inteligida por um declaratário normal. IV - Tendo sido deliberada a amortização de ações num momento em que ainda não havia transitado em julgado a decisão que decretou o arresto, não observou a deliberação o estabelecido no contrato de sociedade, razão pela qual é inválida, como inválidas são as deliberações sucedâneas tomadas.”. No acórdão da Relação de Coimbra, pronunciando-se quanto à questão de poder ou não estar em causa uma cláusula estatutária que preveja a imediata amortização das acções em face do arresto, pode ler-se: “Subjacente à economia de toda a cláusula 7.ª do contrato de sociedade está, indiscutivelmente, a prevalência do interesse social sobre o interesse do acionista, só que essa prevalência não é negada pela interpretação que exige o trânsito em julgado do arresto, uma vez que (também nesta interpretação) se confere à sociedade o direito de amortização das ações arrestadas (assim lhe permitindo controlar e evitar a entrada de novos acionistas indesejados para o círculo social) e se “inferioriza” o interesse dos acionistas, que se vêm compulsivamente afastados da sociedade (“inferiorização” que, como referimos, só pode acontecer se o facto que permite a amortização estiver concretamente definido no contrato de sociedade, a fim de que os acionistas possam conhecer antecipadamente os riscos de amortização a que se sujeitam e de que não fiquem dependentes da vontade arbitrária da maioria).”
[42] Prescrevem tais preceitos: - Artigo 1.º (Convenção de arbitragem): “1 - Desde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente aos tribunais do Estado ou a arbitragem necessária, qualquer litígio respeitante a interesses de natureza patrimonial pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, à decisão de árbitros. 2 - É também válida uma convenção de arbitragem relativa a litígios que não envolvam interesses de natureza patrimonial, desde que as partes possam celebrar transacção sobre o direito controvertido.3 - A convenção de arbitragem pode ter por objecto um litígio actual, ainda que afecto a um tribunal do Estado (compromisso arbitral), ou litígios eventuais emergentes de determinada relação jurídica contratual ou extracontratual (cláusula compromissória). 4 - As partes podem acordar em submeter a arbitragem, para além das questões de natureza contenciosa em sentido estrito, quaisquer outras que requeiram a intervenção de um decisor imparcial, designadamente as relacionadas com a necessidade de precisar, completar e adaptar contratos de prestações duradouras a novas circunstâncias. 5 - O Estado e outras pessoas colectivas de direito público podem celebrar convenções de arbitragem, na medida em que para tanto estejam autorizados por lei ou se tais convenções tiverem por objecto litígios de direito privado.”; - Artigo 2.º (Requisitos da convenção de arbitragem; sua revogação): “1 - A convenção de arbitragem deve adoptar forma escrita. 2 - A exigência de forma escrita tem-se por satisfeita quando a convenção conste de documento escrito assinado pelas partes, troca de cartas, telegramas, telefaxes ou outros meios de telecomunicação de que fique prova escrita, incluindo meios electrónicos de comunicação. 3 - Considera-se que a exigência de forma escrita da convenção de arbitragem está satisfeita quando esta conste de suporte electrónico, magnético, óptico, ou de outro tipo, que ofereça as mesmas garantias de fidedignidade, inteligibilidade e conservação. 4 - Sem prejuízo do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, vale como convenção de arbitragem a remissão feita num contrato para documento que contenha uma cláusula compromissória, desde que tal contrato revista a forma escrita e a remissão seja feita de modo a fazer dessa cláusula parte integrante do mesmo. 5 - Considera-se também cumprido o requisito da forma escrita da convenção de arbitragem quando exista troca de uma petição e uma contestação em processo arbitral, em que a existência de tal convenção seja alegada por uma parte e não seja negada pela outra. 6 - O compromisso arbitral deve determinar o objecto do litígio; a cláusula compromissória deve especificar a relação jurídica a que os litígios respeitem.”
[43] FERNANDO AGUILAR DE CARVALHO/CONSTANÇA BORGES SACOTO/DIANA NUNES, Arbitragem em Portugal: Os Novos Regumentos do Centro de Arbitragem Comercial e os Novos Códigos da Associação Portuguesa de Arbitragem, Foro de Actualidad, consultável online.
[44] Cfr. ainda, artigo 27.º da LAV quanto ao reconhecimento e execução coerciva de providências cautelares.
[45] Por pertinente, nesta matéria, veja-se o defendido por ARMINDO RIBEIRO MENDES, As medidas cautelares e o processo arbitral (algumas notas), quanto à aceitação da arbitrabilidade em sede de medidas cautelares - “De harmonia com este entendimento, que é predominante entre os cultores do direito da arbitragem comercial internacional, as partes de uma convenção de arbitragem podem pactuar nesta que o tribunal arbitral poderá decretar providências cautelares, desde que tais providências se dirijam a uma das partes do processo arbitral e não impliquem o exercício de ius imperii (sistema de “opt-in”). Não estando expressa na convenção de arbitragem a questão das providências cautelares, nem tão-pouco em escrito posterior (…) há-de entender-se que “apesar de as partes não terem previsto expressamente uma competência cautelar, pode resultar do modo como regularam a competência do tribunal arbitral que este tenha poderes para conhecer e decidir tudo quanto respeite a determinado objecto.” Mas, continua, “Há de, porém, ser sempre possível às partes recorrer aos tribunais estaduais enquanto não estiver constituído o tribunal arbitral, sob pena de se frustrar a exigência de celeridade, sendo indispensável a intervenção do tribunal estadual quando devam ser aplicadas medidas que impliquem o exercício de poderes de autoridade, nomeadamente quando os destinatários sejam terceiros ou quando tenham de ser executadas pela força certas medidas cautelares (restituição provisória da posse; arresto, nomeadamente quando recaia sobre bens registáveis, em que a indisponibilidade resulta da inscrição do arresto no registo, tal como sucede com a penhora; suspensão de execução de deliberações sociais, dado que a sociedade fica impedida de as executar a partir da citação, etc.)” -  e por PAULA COSTA E SILVA, A Arbitrabilidade das decisões cautelares, ROA, ano 2003, 63, Vol. I/II, defende que, tendo presente a natureza e finalidades específicas da tutela cautelar, “(…) a solução que melhor pode acautelar os interesses da parte requerente de uma providência é a que aceita uma competência concorrencial entre tribunal arbitral e tribunal estadual. Com efeito, a natureza urgente das medidas cautelares deve impor o menor número possível de obstáculos de ordem formal à respetiva apreciação. Por esta razão, não deve impor-se, aquando da apreciação liminar da admissibilidade da providência, a questão da competência do tribunal como uma grande questão. Ora, se pensarmos v.g. que o tribunal arbitral não tem competência para decretar medidas que impliquem o exercício de poderes de autoridade, recaindo, consequentemente, esta competência cautelar na esfera dos tribunais estaduais, encontrámos um ponto problemático na determinação da competência de um e de outro tribunal. E a eventual discussão que se travará em torno deste pressuposto processual sê-lo-á em prejuízo da rápida apreciação e consequente decretamento da medida cautelar.”, ambos disponíveis online.
[46] Proferido no âmbito do Proc. n.º 158/10.0T2AVR-A.C2 (relator Carvalho Martins).
[47] Cfr. O conteúdo da providência de suspensão de deliberações sociais, in Revista de Direito e de Estudos Sociais, 1975 (ano XXII), Coimbra: Atlântida Editora, pág. 215.
[48] No mesmo sentido, PAULO OLAVO CUNHA, Deliberações Sociais, Formação e Impugnação, Almedina, 2020, reimpressão, pág. 257, o qual realça a “demora que se possa verificar relativamente à decisão judicial sobre a validade de uma deliberação social”.
[49] Curso de Direito Comercial, já citado, pág. 537.
[50] Também MARCO CARVALHO GONÇALVES, Providências Cautelares, Almedina, 2021, 4.ª edição, reimpressão, págs. 95/96, aludindo às providências cautelares de natureza antecipatória, refere que as mesmas “procuram evitar o dano que poderia advir para o requerente em consequência da demora na satisfação definitiva do seu direito. (…) já que permite impedir o prejuízo que o prolongamento de uma situação antijurídica seria susceptível de causar ao titular de um determinado direito.”, aludindo este autor expressamente ao pressuposto do dano apreciável de que aqui se trata a fls. 287 – “(…) dano esse que “respeita à possibilidade de prejuízos imputáveis à demora do processo comum de anulação de deliberação social, de que o processo cautelar de suspensão da deliberação social é dependência”. Neste contexto, o conceito de “dano apreciável” tanto abrange os danos patrimoniais, como os danos morais, independentemente de se refletirem sobre a sociedade ou o sócio.” 
[51] Já no que concerne aos pressupostos atinentes à qualidade de sócio e à ilegalidade da deliberação, como já se referiu anteriormente, a lei basta-se com um mero juízo de verosimilhança, de mera probabilidade.
[52] Cfr. LEBRE DE FREITAS/ISABEL ALEXANDRE, obra citada, pág. 111.
Cfr., ainda, acórdão da Relação de Coimbra de 26/03/2019 (Proc. n.º 1762/18.4T8LRA-A.C1, relator Vítor Amaral), em cujo sumário se escreveu: “(…) 2. - Impende sobre o requerente do procedimento cautelar o ónus da alegação e prova dos factos concretos tendentes a demonstrar, ainda que em termos de prova sumária, o periculum in mora, a existência do perigo dos prejuízos e da sua gravidade.”
[53] Cfr. acórdão da Relação de Coimbra de 20/04/2016 (Proc. n.º  9619/15.4T8CBR.C1, relator Fonte Ramos), no qual se pode ler: “Sabendo-se que a exigência legal de demonstração de que a execução da deliberação pode causar dano apreciável reclama a alegação de factos concretos que permitam aferir a existência de prejuízos e da correspondente gravidade, não sendo suficiente, para o efeito, a mera alegação de juízos de valor, conjecturas, receios não fundamentados ou conclusões acerca do dano apreciável [por exemplo, o risco de, de forma directa ou indirecta, se criarem situações de benefício ou proveito próprio dalguns administradores ou accionistas, em prejuízo e sem consideração dos interesses comuns dos accionistas enquanto tais e dos credores sociais, é comum a todas as sociedades], sempre seria de concluir que a matéria invocada pelo requerente/recorrente não permitiria ao Tribunal poder vir a concluir pela existência de dano apreciável decorrente da execução das deliberações em causa (…)”. Entre outros, vejam-se também os acórdãos da Relação de Guimarães de 23/11/2023 (Proc. n.º 1706/23.1T8VRL.G1, relator Jorge Santos) e de 13/09/2018 (Proc. n.º 803/18.0T8BCL.G1, relator Alcides Rodrigues).
[54] Refere SOVERAL MARTINS, obra citada, vol. V, pág. 597, que “a introdução das limitações à transmissibilidade das ações terá provavelmente consequências negativas relativamente às ações abrangidas. O seu valor de mercado será, em regra, mais baixo, pois o número de potenciais interessados em adquirir essas ações será tendencialmente inferior”, mais acrescentando que “[h]avendo um direito de preferência estabelecido a favor dos outros acionistas, o número de potenciais compradores poderá ser mais reduzido devido ao facto de, para apresentarem ou apreciarem uma proposta, terem de suportar custos inerentes à determinação do valor das ações.”
[55] Por pertinentes, vejam-se os acórdãos da Relação de Lisboa de 22/02/2022 (Proc. n.º 12166/21.1T8SNT.L1, relatora Fátima Reis Silva) - “(…) 2 - Não integram a noção de dano apreciável resultante da execução da deliberação as consequências inerentes à própria deliberação, de que são exemplo a perda da possibilidade de participar na vida associativa devido a uma deliberação que implique a perda da qualidade de sócio (como a exclusão de sócio ou a amortização de quota) (…)” – e da Relação de Guimarães de 13/09/2018 (Proc. n.º 803/18.0T8BCL.G1, relator Alcides Rodrigues), pese embora reportado a uma deliberação de exclusão de um associado - “[n]ão estando (…) a suspensão da deliberação delimitada pela patrimonialidade da situação de perigo, o requerente tem, pois, o ónus de convencer o tribunal de que a suspensão da deliberação é condição essencial para impedir a verificação de um dano apreciável na sua esfera jurídica.” Mais defendendo que “o facto da sua exclusão como associado o afastar definitivamente da requerida, impedindo-o de participar do controlo da actividade da associação, são danos imediata e diretamente decorrentes da própria deliberação e a ela inerentes; logo, não integram o dano apreciável causado diretamente pela demora na decisão da ação de anulação”.
[56] Proc. n.º 15502/21.7T8LSB.L1-1, relatora Renata Linhares de Castro.
[57] Obra citada, págs. 110/111.