Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2409/11.5TVLSB-B.L1-1
Relator: RUI VOUGA
Descritores: ACÇÃO ESPECIAL
ARRESTO
LITISPENDÊNCIA
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
PROCESSO-CRIME
OPOSIÇÃO AO ARRESTO
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
IDENTIDADE DE CAUSA DE PEDIR
REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
MÚTUO BANCÁRIO
NULIDADE
FORMA ESCRITA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/05/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Ainda mesmo que ocorresse a invocada litispendência entre a acção principal (de que um procedimento cautelar de arresto depende) e o pedido de indemnização civil formulado contra ambos os Requeridos/Arrestados, no âmbito dum processo-crime ainda pendente num Tribunal Criminal, nunca esta excepção dilatória seria fundamento de Oposição ao arresto, nos termos e para os efeitos da al b) do nº 1 do art. 388º do CPC, podendo antes fundamentar a interposição de recurso, nos termos gerais, contra o despacho que decretou o arresto (nos termos da al. a) do mesmo preceito).
2. Acresce que nem sequer ocorre a putativa litispendência entre o referido pedido cível deduzido no mencionado processo-crime e a acção principal (de que o procedimento cautelar de arresto é dependência), porquanto a responsabilidade civil feita valer no âmbito dum processo-crime é de natureza totalmente distinta da responsabilidade obrigacional em causa numa acção cível: enquanto a responsabilidade civil emergente para os demandados cíveis tem a sua causa petendi, necessariamente, na prática de um facto criminalmente ilícito (cfr. os arts. 71º e 74º-1 do Código de Processo Penal) e, portanto, configura uma hipótese de responsabilidade aquiliana ou por facto ilícito, a responsabilidade civil feita valer pelo arrestante contra os arrestados, no âmbito da acção principal (de que o arresto é dependência), respeita ao incumprimento duma dívida contraída no âmbito da abertura de contas de créditos caucionadas, isto é, tem natureza estritamente contratual.
3. Não existe, pois, identidade de causa de pedir (pressuposto incontornável da excepção dilatória de litispendência: cfr. o art. 497º-1 do CPC) entre o pedido cível deduzido no âmbito do mencionado processo-crime e a acção principal (de que depende o arresto).
4. A impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, consagrada no artigo 685.º-B do C.P.C. tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que, afinal, existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. Se, por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito[ cfr. o art. 511º, nº 1, do CPC]", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente.
5. Consequentemente, não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º do Código de Processo Civil.
6. A eventual nulidade do mútuo bancário subjacente à abertura e movimentação a descoberto da conta (corrente caucionada) aberta em nome do Requerido/Arrestado junto duma instituição bancária não constitui questão passível de ser levantada no quadro da Oposição a um procedimento cautelar deduzida nos termos e ao abrigo do disposto na cit. al. b) do nº 1 do art. 388º do C.P.C., podendo, quando muito, fundamentar a interposição de recurso do despacho que haja decretado a providência (nos termos da al. a) do mesmo preceito).
7. Ademais, ainda mesmo que a abertura e movimentação a descoberto da conta (corrente caucionada) aberta em nome do Requerido/Arrestado junto duma instituição bancária, configurasse um contrato de mútuo bancário, na modalidade de conta corrente caucionada, submetido à forma escrita exigida pelo artigo único do D.L. n.º 32 765, de 29.4.1943, a sua eventual nulidade formal não isentaria os mutuários da obrigação de devolver ao mutuante as quantias mutuadas, ex vi do art. 289º-1 do Cód. Civil.
8. Sendo um dos Requeridos/Arrestados demandado no procedimento cautelar de arresto por força do disposto no artº 407º, nº 2, do Cód. Proc. Civil - porquanto, tendo sido casada com o outro requerido/arrestado sob o regime da comunhão geral e tendo adquirido posteriormente (em partilha extra-judicial por separação de pessoas e bens celebrada entre ambos os Requeridos) os bens imóveis adquiridos na constância do matrimónio, tal negócio foi impugnado pela ora Requerente/Arrestante -, irreleva que não tenham sido notificadas a esse Requerido/Arrestado as cessões de créditos alegadamente operadas a favor do ora Requerente/Arrestante, porquanto esse mesmo Requerido não figura nessas cessões como devedor dos débitos contraídos pelo seu ex-cônjuge.
9. De todo o modo, mesmo que as sucessivas cessões de créditos operadas a favor do Arrestante tivessem de ser notificadas ao ora co-Requerido/Arrestado e ainda que o Requerente tivesse o ónus de alegar a efectivação dessa notificação, logo no Requerimento Inicial do arresto, como condição de eficácia das cessões relativamente ao arrestado em causa, trata-se – uma vez mais - duma questão insusceptível de ser levantada no quadro duma Oposição a um procedimento cautelar (ao abrigo e nos termos da cit. al. b) do nº 1 do art. 388º do CPC), podendo, quando muito, ser arguida em sede de recurso da decisão que decretou o arresto (nos termos da al. a) do mesmo preceito).
10. Provindo os créditos do Requerente do Arresto de empréstimos contraídos pelo ex-cônjuge do ora co-Requerido/Arrestado, que foram contraídos em proveito comum do casal (como decorre do facto de ele os ter utilizado, nomeadamente, para pagamento de impostos de IRC devidos pelo casal dos requeridos), não estão em causa - na acção principal (de que este procedimento cautelar é dependência) - propriamente quaisquer «indemnizações devidas por factos ilícitos criminais» (nos termos e para os efeitos do art.º 1692.º, alínea b), do Código Civil), ou seja, compensações devidas à vítima de um crime pelos danos deste emergentes, e, portanto, dívidas «provenientes de crimes» no sentido do art.º 1692º, alínea b), do Código Civil, mas antes obrigações que têm a sua fonte nos actos de direito civil (empréstimos) praticados pelo ex-cônjuge administrador.
11. Ainda que, porventura, a matéria de facto julgada provada em 1ª instância fosse insuficiente para fundamentar o arresto contra o Requerido/Arrestado com base no disposto no artigo 407.º, n.º 2, do Código de Processo Civil – visto caber ao Requerente do Arresto, nos termos deste preceito, o ónus de alegar e provar os “factos que tornem provável a procedência da impugnação” e, designadamente, a “diminuição da garantia patrimonial do crédito” decorrente da partilha efectuada entre ambos os Requeridos (artigo 610.º do Código Civil) e “a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor” (artigo 612.º, n.º 1 e 2, do Cód. Civil) -, nunca essa circunstância poderia fundamentar a dedução duma Oposição a um procedimento cautelar de arresto, nos termos e ao abrigo da al. b) do nº 1 do cit. art. 388º do CPC, apenas podendo fundamentar a interposição de recurso, nos termos gerais, contra a decisão que (indevidamente) decretou o arresto, com base nessa insuficiente factualidade.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Cível da Relação de Lisboa:

M...., Requerida no procedimento cautelar de Arresto contra si e seu ex-marido J… requerido por "P….", acima identificado, notificada da douta Decisão, inconformada com a decisão (datada de 18.06.2012) que manteve a decisão (datada de 20.10.2011) que decretou a providencia cautelar de arresto contra a Requerida, interpôs recurso da mesma - que foi recebido como de apelação, para subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo (artºs 691º, nº 2, al. l), 691-A nº 2 e 692º, todos do Código de Processo Civil, na redacção introduzida pelo DL 303/2007, de 24 de Agosto) -, tendo rematado as alegações que apresentou com as seguintes conclusões:
(…)
Termos em que, deve o presente recurso ser apreciado e julgado procedente, por provado, e, consequentemente:
1 - Deve ser declarada a nulidade da Decisão recorrida por omissão de pronúncia, e revogada a mesma, reenviando-se o processo ao Tribunal de 1.ª instância para que:
a) se pronuncie sobre a matéria de facto alegada nos artigos 4.º a 14.º, 16.º, 17.º, 21.º, 101.º a 116.º, 120.º e 133.º a 147.º da oposição; e
b) conheça, por juízo antecipatório a proferir no procedimento cautelar, da excepção arguida pela Requerida na oposição: a inadmissibilidade legal do procedimento por se verificar listispendência entre a acção definitiva (de que depende) e aquela acção cível enxertada no processo crime que corre termos.

Se assim não se entender:
2 – Deve ser apreciada a prova produzida sobre a matéria de facto alegada nos artigos 4.º a 14.º, 16.º, 17.º, 21.º, 101.º a 116.º, 120.º e 133.º a 147.º da oposição, e proferida decisão que a julgue no essencial como provada, pela forma como acima se concluiu, melhor especificada nas alegações;
3 – Deve a douta Decisão recorrida, que ordenou e manteve a providência cautelar de arresto, ser substituída por Acórdão que ordene o levantamento da providência cautelar decretada no que concerne aos bens arrestados à Requerida.”

A parte contrária contra-alegou, pugnando pela improcedência do aludido recurso e pela consequente manutenção da decisão recorrida, tendo formulado as seguintes conclusões:
(…)
Com efeito,
LII. A douta sentença recorrida não violou as normas invocadas pelos Recorrentes, nem quaisquer outras, sendo absolutamente certa a decisão proferida.
Nestes termos e nos melhores de Direito, deve o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se integralmente a douta sentença recorrida, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!

Cumpre apreciar e decidir.

A DECISÃO RECORRIDA

O despacho que constitui objecto do presente recurso de apelação é do seguinte teor :
(…)
*
Decisão:
Assim e pelos fundamentos expostos, julga-se improcedente a oposição à providência cautelar decretada por decisão proferida a fls. 245 e segs. dos autos (2º vol.).
Custas pela requerida.
Notifique.”.

O OBJECTO DO RECURSO

Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º) [3] [4]. Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664º, 1ª parte, do C.P.C., aplicável ex vi do art. 713º, nº 2, do mesmo diploma) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 660º, nº 2, do C.P.C., ex vi do cit. art. 713º, nº 2).
No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pela Requerida/Opoente ora Apelante que o objecto da presente Apelação está circunscrito às seguintes questões:
a) Se a decisão recorrida é nula, por omissão de pronúncia (nos termos do art. 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil);
b) Se ocorre litispendência entre a acção principal (de que depende) e o pedido cível deduzido pelo …. SA no processo-crime n.º …, da 4.ª Vara Criminal de Lisboa;
c) Se devem ser aditados ao elenco dos factos considerados provados provados os factos articulados pela Requerida nos artigos 4.º a 14.º, 16.º, 17.º, 21.º, 101.º a 116.º, 120.º e 133.º a 147.º da oposição, uma vez que os mesmos se acham indiciariamente demonstrados por documentos idóneos, ou através de certidão judicial;
d) Se o mútuo a que corresponde a movimentação a descoberto da conta corrente caucionada aberta em nome do Requerido junto do Banco …, a que se refere a matéria de facto julgada provada em 1ª instância, é formalmente nulo;
e) Se são nulas as sucessivas cessões do crédito a que se refere a matéria de facto julgada provada em 1ª instância;
f) Se as cessões de créditos operadas a favor da ora Requerente/Apelante são ineficazes quanto à Requerida (por ausência de notificação à mesma de tais cessões);
g) Se a dívida contraída pelo ex-marido da Requerente perante o cedente dos créditos de que a ora Requerente é cessionária não se comunicou à Requerida (à luz do alcance da decisão de pronúncia do processo n.º …), tendo sido violados o alcance do caso julgado da decisão de pronúncia do processo n.º …, o disposto nos artigos 673.º do C.P.Civil e 1692.º, al. b), do Código Civil, e 406.º, n.º 1, do CPCivil (por o arresto decretado e mantido sobre os bens da Requerida se basear na existência de proveito comum do casal);
h) Se a matéria de facto julgada provada é insuficiente para fundamentar o arresto contra a Requerida com base no disposto no artigo 407.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.


MATÉRIA DE FACTO
Factos Considerados Provados na 1ª Instância:

Devidamente ordenados, segundo uma sequência lógica e cronológica, os factos que o tribunal “a quo” elencou como provados são os seguintes:

(Na decisão – datada de 20/10/2011 que decretou o arresto)

1. A Requerente é uma sociedade que tem por objecto social a prestação de serviços de consultaria; aquisição para a sociedade de títulos ou de créditos e correlativa gestão de carteira de títulos ou de créditos pertencentes à sociedade.

2. Por contrato de cessão de créditos celebrado entre a "…." e a Requerente, foram cedidos por aquele a esta diversos créditos sobre vários devedores, entre os quais se encontram os créditos sobre o Requerido … de que foi titular o "…), S.A.R.L.", sociedade de direito cabo-verdiano, com sede em …, registado na Conservatória do Registo Comercial da ….

3. Os créditos objecto do contrato haviam sido anteriormente cedidos pela "…" e pelo "…(I..), S.A." ao "…s, S.A.", mediante contratos de cessão de créditos celebrados em 13/03/2009.

4. Por sua vez, os mesmo créditos, incluindo o crédito sobre o Requerido …., haviam antes sido adquiridos por "…" e "…I), S.A.", mediante dação em pagamento por contrapartida da extinção das dívida que a "…I), S.A.R.L." tinha perante a ".." e a "…I), S.A." por descobertos bancários concedidos por estes àquele.

5. A "… S.A.R.L." para pagar à "…), S.A." e à "…" esses descobertos, entregou-lhes a totalidade do seu activo, correspondente aos créditos sobre os seus clientes.

6. Entre os créditos assim sucessivamente cedidos encontra-se o crédito sobre o Requerido … de que era formalmente titular o "…), S.A.R.L.".

7. As cessões do crédito sucessivas foram notificadas ao Requerido …
8. Em reunião da assembleia geral da "…, SGPS, S.A." (que entretanto mudou a sua denominação social para "…I – SGPS, S.A.") de 24/11/2000, foi deliberado, no âmbito do ponto 2 da ordem de trabalhos, proceder ao aumento do respectivo capital social de € 150.000.000,00 para € 350.000.000,00, por novas entradas em dinheiro, mediante a emissão de 100.000.000 de novas acções, com o valor nominal de € 1,00 cada, a serem, (i) numa parte, subscritas ao par, por investidor ou investidores determinados e identificados na proposta a submeter à assembleia geral; (ii) noutra parte a serem subscritas, ao preço de € 2,2 por acção, por outros investidores, igualmente determinados e identificados na proposta a submeter à assembleia geral e, (iii) na parcela remanescente, a serem subscritas pelos accionistas da Sociedade, ao preço de 1,8 euros por acção.

9. No âmbito desse aumento de capital, o Requerido … subscreveu 29.000.000 acções, ao preço de € 1,00, cada uma, pelo que se constituiu na correspondente obrigação de realizar o aumento de capital no montante de € 29.000.000,00.

10. A realização do aumento de capital pelo Requerido … foi efectuada em duas prestações:
a) € 13.775.000,00, correspondente a 13.775.000 acções, em 27/12/2000, data da deliberação do aumento de capital; e,
b) € 15.225.000,00, correspondente a 15.225.000 acções, em 29/06/2001.

11. Em 29/06/2001, para fazer face a parte do pagamento da segunda prestação, o Requerido … solicitou junto da ".." um empréstimo no valor de € 12.500.000,00, tendo dado como garantia 12.500.000 acções da "…, SGPS, S.A." e um depósito a prazo junto do mesmo banco no valor de € 1.299.724,08.

12. O reembolso do capital, de acordo com o referido contrato de empréstimo, deveria ser efectuado em três prestações de € 4.166.666,66, cada uma, com vencimento em 28/06/2002, 27/06/2003 e 29/06/2004, respectivamente.

13. Em 27/06/2002 e tendo por objectivo efectuar o pagamento do referido empréstimo junto da "…", foi aberta pelo Requerido … uma conta junto da "….I), S.A.R.L.", balcão 2000, à qual foi atribuída o nº. …7.

14. Em 17/10/2002 e a pedido do Requerido …, essa conta passou a designar-se apenas por A 1.

15. A 27/06/2002 e a débito daquela conta A 1, foram efectuadas duas transferências, dos montantes de € 2.200.000,00 e € 2.000.000,00, num total de € 4.200.000,00, a favor da "…".

16. Para provisionamento da conta A 1 e destinados à realização das transferências a favor da "…", foram realizados dois débitos de € 2.200.000,00 e de € 2.000.000,00, num total de € 4.200.000,00 sobre uma conta-corrente caucionada junto do "…I), S.A.R.L.", sem qualquer garantia associada, da qual era igualmente titular o Requerido … e posteriormente titulada também apenas por A 1.

17. Em 27/06/2003, foram realizados dois novos débitos sobre a conta-corrente caucionada na "…), S.A.R.L." pertencente ao Requerido …, nos montantes de € 2.000.000 e € 2.166.666,66.

18. Os quais foram, na mesma data, sucessivamente transferidos para a conta de depósito A 1 junto da "…), S.A." e desta para a "..".

19. Procedendo, assim, o Requerido … ao pagamento da segunda prestação do empréstimo por ele contraído junto da "…".

20. Em 29/12/2003, foi realizado novo débito na conta-corrente caucionada do Requerido … junto do "… S.A.R.L.", a pedido daquele, no valor de € 886.580,43, o qual se destinou exclusivamente a pagar a nota de liquidação de IRS dos Requeridos referente ao ano de 2002, no mesmo montante.

21. Em 31/12/2003, após as movimentações referidas, a conta A 1 na "…FI), S.A.R.L." apresentava um valor em divida de € 9.428.291,31.

22. Aquele valor corresponde à soma das seguintes parcelas:
- pagamentos efectuados em 27/06/2002 e 30/06/2003, por via de transferências a partir da referida conta A 1, nos montantes de € 4.200.000,00 e de € 4.166.666,66, respectivamente, destinados ao cumprimento do estabelecido no contrato de mútuo celebrado pelo Requerido … com a "…";
- valor utilizado para pagar a nota de liquidação de IRS dos Requeridos referente ao ano de 2002, no montante de € 886.580,43;
- aos juros cobrados pela abertura e utilização da conta-corrente caucionada, no montante de € 175.044,22.

23. Em 15/06/2004, a conta A 1 no balcão 2000 - isto é, a conta n.º 7...27 - foi saldada através de uma transferência do montante de € 9.428.291,31, efectuada a partir de uma conta igualmente aberta no "…), S.A.R.L." em nome do Requerido …, mas no Balcão 2001, com o n.º 7….

24. A operação de transferência de valores e saldos de contas do denominado balcão 2000 para o balcão 2001 na "…), S.A.R.L." era o expediente seguido para ocultar os registos contabilísticos e escamotear a falta de cumprimento dos seus rácios de solvabilidade perante o "..", a quem reportava, uma vez que as contas do balcão 2001 e respectivos movimentos não eram integradas na contabilidade e balanço da "…), S.A.R.L.".

25. Por força das cessões de créditos entretanto realizadas, o montante em dívida da conta n.º .. do balcão 2001 foi transferido para a conta n.º4… do Requerido …junto do "…, S.A.".

26. Com os juros vencidos desde cada uma das utilizações da conta corrente caucionada pelo Requerido …, à taxa anual de 4,75%, capitalizáveis, o valor em dívida ascende nesta data - 19/09/2011 -, a € 13.703.147,28.

27. Em 24/01/2011, o Requerido … deu entrada de notificação judicial avulsa nos Juízos … com o pretenso objectivo de interpelar a "…, S.A." e liquidar, mediante dação em pagamento, parte dos débitos que confessou que tinha para com a "…, S.A.".

28. Entre os quais se encontra especificamente confessado um débito de € 9.253.247,09 correspondente ao saldo de capital de utilização da conta A 1.

29. Os Requeridos contraíram matrimónio católico em 0708/1966, sem convenção antenupcial, sob o regime da comunhão geral de bens.

30. Pouco mais de 15 dias após o Requerido .. ter renunciado ao cargo de Presidente dos … – .., SGPS, S.A." e do "… S.A.", ele e a Requerida M… separam-se judicialmente de pessoas e bens e procederam à partilha dos bens do casal.

31. O Requerido … renunciou aos cargos de Presidente do Conselho de Administração da "…, Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A." e do "…, S.A." em 19/02/2008.

32. Em conferência realizada em 04/03/2008, na ..\, no âmbito do Processo nº. .. foi declarada a separação de pessoas e bens por mútuo consentimento dos Requeridos, por iniciativa de ambos.

33. Por escritura pública de partilha outorgada em 10/03/2008, no Cartório Notarial do Notário Licenciado …, a fls. 119 a 133-verso do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº. …, os Requeridos puseram fim à comunhão, tendo adjudicado à Requerida todos os bens imóveis propriedade do casal e registados em nome do Requerido:
- fracção autónoma designada pela letra "G" do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de …, da freguesia de …, inscrito na matriz predial sob o artigo …, correspondente a habitação com seis assoalhadas na Rua …
- fracção autónoma designada pela letra "A" do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de …, da freguesia de …, inscrito na matriz predial sob o artigo .., correspondente a habitação com duas assoalhadas, Rua …;
- prédio inscrito na matriz predial da freguesia de .., concelho de .., sob o artigo … correspondente a casa de habitação com seis divisões no rés-do-chão e sete divisões no piso superior, situado em …;
- prédio inscrito na matriz predial da freguesia de .., concelho de .., sob o artigo …, correspondente a prédio urbano de habitação com a área coberta de 196,1 m2 e descoberta de 587,9 m2, composto de rés-do-chão e um piso, situado na Rua …;
- prédio inscrito na matriz predial da freguesia de …, concelho de …, sob o artigo …, correspondente a prédio térreo com sala, cozinha, 3 quartos, 2 casas de banho, arrecadação, garagem, logradouro e piscina, situado em …;
- prédio inscrito na matriz predial da freguesia de … concelho de …, sob o artigo …., correspondente a terra de pomar e cultura com a área de 0,486 hectares, denominado …;
- fracção autónoma designada pelas letras "HS" do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de … freguesia de .., sob o nº. …, inscrito na matriz predial sob o artigo 1…, correspondente a espaço de estacionamento 68, situado na Rua …;
- prédio inscrito na matriz predial da freguesia do .., concelho do …, sob o artigo 9 da Secção E, correspondente terra de cultura com três parcelas, com a área total de 1,616 hectares, situado em …;
- prédio inscrito na matriz predial da freguesia do .., concelho do ..o, sob o artigo 35 da Secção C, correspondente terra de cultura com três parcelas, com a área total de 1,572 hectares, situado em ….

34. Por seu lado, ao Requerido … foram adjudicadas apenas participações sociais, quase todas não negociadas em mercado organizado, e de valor incerto.

35. Apesar de separada de pessoas e bens e após a partilha, o Requerido … continuou a residir com Requerida … no andar que sempre foi de ambos, na Avenida …

36. Para onde, o Requerido … foi transferido quando cessou a medida de coacção de prisão preventiva a que esteve sujeito durante 8 meses, continuando a coabitar com a Requerida …, como sempre fez.

37. O Requerido …, à data em que foram contraídos os empréstimos, exercia a sua actividade profissional no âmbito do "Grupo …", sendo deste que auferia os rendimentos com que provia ao sustento da sua família.

38. Por outro lado, os Requeridos tentaram, ainda, que nem os bens adjudicados ao Requerido respondessem pelas dívidas, pois este, logo em Maio de 2008, comunicou a intenção de alienar todas as acções representativas de capital da "Sociedade …., S.A." e da "…, S.A.".

39. Por via de uma carta datada de 08/07/2008 a "….", a quem a Requerente adquiriu os créditos, tomou conhecimento de que o Requerido … informou a "… – SGPS, S.A." da sua intenção de vender 5.250.000 acções nominativas representativas do capital social dessa sociedade a favor da sociedade "… – Investimentos, Lda.".

40. Tais acções seriam vendidas pelo preço de € 2,00 por acção.

41. A sociedade "… – Investimentos, Lda.", cujo pedido de liquidação e encerramento foi registado pela apresentação n.º … teve o capital social de € 5.000,00 e teve a sua sede social na cave do prédio onde o Requerido … reside, ou seja, na garagem.

42. O Requerido foi titular de uma quota do capital da referida sociedade, no valor de € 4.900,00, isto é, correspondente a 98% do seu capital social, sendo titular do remanescente uma advogada.

43. Por via deste negócio, o Requerido … iria assim formalmente retirar da sua posse um activo que ele próprio avaliava em € 10.500.000,00, mantendo a disponibilidade jurídica sobre, através de sociedade por si controlada.

44. Por outro lado, em 16/09/2008, o Requerido … comunicou que pretendia proceder à transferência das 17.685.505 acções representativas de capital da sociedade da então "…, SGPS, S.A.", actualmente denominada "…– SGPS, S.A." para uma conta de títulos aberta junto da "… – …., S.A.".

45. Ao vender umas acções "… – SGPS, S.A." e ao transferir outras acções "… – …, SGPS, S.A.", actualmente denominada "… – SGPS, S.A.", o Requerido … ficaria apenas com o produto da venda das acções "… – SGPS, S.A." e com a possibilidade de onerar ou retransmitir as acções "… – …., SGPS, S.A.", actualmente denominada "… – SGPS, S.A.".

46. As acções acima identificadas e os imóveis que, em partilha, foram todos adjudicados à Requerida … .. foram objecto de arresto decretado a favor da "…, S.A.", no âmbito do procedimento cautelar que corre termos na 2.ª Secção da 1…, sob o nº. …LSB-A.

47. No âmbito daqueles autos, a "…." veio posteriormente a indicar para arresto o valor de resgate de apólices de seguro PPR de que Requerido … e Requerida … eram titulares.

48. Mas o Requerido … logrou furtar-se ao arresto, mediante pedido de resgate endereçado à seguradora "…, S.A.".


(Na decisão (datada de 18.06.2012) que, na sequência da Opoisção deduzida pela ora Apelante, manteve a anterior decisão (datada de 20.10.2011) que decretara o arresto)

- A requerida nunca trabalhou no grupo …;

- A requerida sempre trabalhou como professora ao longo de 36 anos e dois meses, auferindo, consequentemente, a sua retribuição;

- A requerida encontra-se atualmente reformada auferindo uma pensão de reforma de cerca de € 2.220,00 líquidos mensais;

- No “Auto de Busca e Apreensão” constante do processo de Inquérito NUIPC nº …, cuja cópia consta a fls. 1496 dos autos, consta, para além do mais, “(…). Aos 20 dias do mês de Novembro de 2008, pelas 09 horas e 15 minutos, dando cumprimento ao Mandato de Busca e Apreensão Domiciliária, (…). Foram percorridas todas as divisões, tendo sido encontrados e apreendidos, por evidenciarem ser relevantes para a prova dos Autos os seguintes documentos, que abaixo são identificados, bem como a forma como os mesmos foram acondicionados: No armário do quarto da Drª …: (…); (…). No quarto da Senhora … foi encontrada uma pintura de M…., sem título, ano de 1987, com dimensões 100x130, quadro esse que se verificou constar de uma fatura de venda da Galeria … …e Seguros, conforme dados recebidos da Buscas em curso naquela Galeria, (…)”;

- …A.. enviou ao requerido, e este recebeu, a carta cuja cópia consta a fls. 1489 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, onde consta, para além do mais, “(…) informo que sou titular e representante legal de 31.676.000 ações que vendo ao preço de € 4,00 por ação. (…)”;

- AS, A, AV…, AC.., AF.., F…C…, JC…, JÁ… e MN… subscreveram o instrumento denominado “Acordo de Cooperação”, cuja cópia consta a fls. 1491 a 1493 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, onde consta, para além do mais, “(…) considerando que os outorgantes são co-accionistas, titulares ou representantes de titulares de acções representativas do capital social das sociedades …, SGPS, S.A e … SGPS, SA, conforme Anexo I que faz parte integrante deste contrato, (…); Os outorgantes subscritores do presente compromisso de honra, constituem entre si um sindicato de voto, que se rege pelas cláusulas seguintes: (…). § ÚNICO: Fica desde já entendido que o preço mínimo que pode determinar a aprovação da venda conjunto das acções destas sociedades é de € 3,20 por ação. (…)”;

O MÉRITO DA APELAÇÃO

1) Se a decisão recorrida é nula, por omissão de pronúncia (nos termos do al. d) do nº 1 do art. 668º do C.P.C.).

A Requerida/Opoente … (ora Apelante) assaca à decisão recorrida a nulidade prevista na al. d) do nº 1 do art. 668º do C.P.C. (indevida omissão de pronúncia sobre questão que devia ter sido apreciada), traduzida, por um lado, na ausência de apreciação quanto aos factos vertidos nos artigos 4.º a 14.º, 16.º, 17.º, 21.º, 101.º a 116.º, 120.º e 133.º a 147.º da oposição e, por outro, no não conhecimento da excepção dilatória arguida (mas de outra não arguida e inexistente) da inadmissibilidade legal da providência cautelar por se verificar litispendência entre a acção principal (de que depende) e o pedido cível deduzido pelo …, SA no processo crime n.º ….
Quid juris ?
Como se sabe, «a lei não traça um conceito de nulidade de sentença, bastando-se com a enumeração taxativa de várias hipóteses de desconformidade com a ordem jurídica que, uma vez constatadas na elaboração da sentença, arrastam à sua nulidade» . Esse elenco taxativo das causas de nulidade da sentença consta das alíneas a) a  e) do nº 1 do art. 668º do C.P.C. [5].
O cit. art. 668.°, n.° 1, al. d), do C.P.C. comina a nulidade da sentença “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
«Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 660-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado» [6].
Na tese da ora Recorrente, a decisão recorrida por ela arguida de nula, por indevida omissão de pronúncia, não teria, indevidamente, tomado em consideração os factos vertidos nos artigos 4.º a 14.º, 16.º, 17.º, 21.º, 101.º a 116.º, 120.º e 133.º a 147.º da Oposição e, por outro, não teria tomado conhecimento da excepção dilatória arguida (mas de outra não arguida e inexistente) da inadmissibilidade legal da providência cautelar por se verificar litispendência entre a acção principal (de que depende) e o pedido cível deduzido pelo …, SA no processo crime n.º …, da 4… de …
Quid juris ?

a) No tocante à invocada ausência de apreciação da excepção dilatória da inadmissibilidade legal da providência cautelar por se verificar litispendência entre a acção principal (de que depende) e o pedido cível deduzido pelo …, SA no processo crime n.º …, da 4… de:
Dispõe o art.º 388º, nº 1, do CPC que:
1. Quando o requerido não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência, é-lhe lícito, em alternativa, na sequência da notificação prevista no nº 6 do art.º 385º:
a) Recorrer, nos termos gerais, do despacho que a decretou, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não deveria ter sido deferida;
b) Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tido em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução, aplicando-se, comas adaptações necessárias, o disposto nos artigos 386º e 387º”.
Significa isto que «a oposição pressupõe sempre a alegação de novos factos ou de novos meios de prova não considerados pelo tribunal no primeiro momento e que tenham a virtualidade de, uma vez provados, determinarem o afastamento ou a redução da medida cautelar decretada» e que «o objectivo deste meio não é o de proceder à reponderação dos primeiros, actividade que mais se ajusta ao recurso de agravo (Apelação) de decisão em cujo âmbito se inscreva a reapreciação do julgamento sobre a matéria de facto» (ABRANTES GERALDES, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, Vol. III, p. 232).
«O artigo 388º, nº 2, ao permitir que o juiz mantenha, reduza ou revogue a providência anteriormente decretada consagra uma excepção ao princípio de que, proferida a sentença, fica esgotado poder jurisdicional, quanto à matéria da causa, consignado no artigo 666.º, nº 1 (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6.07.2000, in BMJ nº 499, p. 205).
«Vale isto por dizer que, nestes casos, a decisão inicial não faz caso julgado. É uma decisão provisória. E que, sendo a segunda seu “complemento ou parte integrante”, o procedimento cautelar, proferida esta, passa a ter uma decisão unitária. Passa-se aqui o mesmo que com a decisão que defira o pedido de rectificação, esclarecimento ou reforma da sentença, também ela considerada “complemento ou parte integrante desta” – cf. artigo 670º, nº 2» (ibidem).
«Contrariamente ao sistema do Código de Processo Civil em que os embargos à providência se convertiam numa verdadeira acção declarativa sumária enxertada no procedimento cautelar, a tramitação da oposição superveniente, prevista neste preceito, obedece estritamente ao estatuído acerca do formalismo da oposição que teria sido pertinente deduzir no momento próprio, se tivesse ocorrido prévia audição do requerido: e cumprindo de seguida, ao juiz apreciar tal oposição superveniente e em conexão com a prova produzida pelo requerente, gravada ou registada nos termos do nº 4 do art.º 386º, mantendo, reduzindo ou revogando, conforme os casos, a providência inicialmente decretada» (LOPES DO REGO in “Comentários ao Código de Processo Civil”, pág. 284).
No caso concreto, a Requerida ora Apelante deduziu oposição alegando, nomeadamente, que se verificaria litispendência entre a ação principal, de que os presentes são um apenso, e o pedido cível deduzido pelo “…, S.A” no processo crime que, sob o nº … na … de .
Ora, a decisão recorrida ocupou-se, expressa e desenvolvidamente, acerca desta questão da putativa litispendência entre a acção principal e o aludido pedido cível formulado no mencionado processo-crime, como resulta do seguinte trecho da decisão recorrida:
Da exceção dilatória da litispendência:
Na oposição apresentada, a requerida pede a absolvição da instância dos requeridos, alegando que é legalmente inadmissível a presente providência cautelar por se verificar litispendência entre a ação principal, de que os presentes são um apenso, e o pedido cível deduzido pelo “… S.A” no processo crime que, sob o nº …, na …..Salvo o devido respeito por opinião em contrário, a pretensão da requerida terá que improceder.
Cumpre decidir.
Nos termos do disposto no artº 497º, nº 1, do Cód. Proc. Civil, a litispendência ou o caso julgado pressupõem a repetição de uma causa, sendo certo que há litispendência se a repetição da causa se verifica estando a anterior ainda em curso, e caso julgado se a repetição se verifica depois da primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário.
Ora, no caso presente, considerando nomeadamente o alegado pela requerida, não existe sentença proferida com trânsito em julgado em qualquer das referidas ações, razão pela qual a exceção a analisar terá de ser, necessariamente, a da litispendência.
Nos termos do disposto no artº 498º, do Cód. Proc. Civil, repete-se uma causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica; Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico; Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico.
Em primeiro lugar não poderemos deixar de consignar que a litispendência a analisar terá que ser em face do requerimento inicial do presente procedimento cautelar e a petição inicial do pedido de indemnização cível apresentado no processo crime, porquanto apenas estes pressupostos processuais poderão ser aqui analisados, sendo certo que, oportunamente, e caso tenha sido invocada a mesma exceção na ação principal se procederá ali à análise do referido pressuposto processual. A dependência do procedimento cautelar à causa, prevista no artº 383º, nº 1, do Cód. Proc. Civil, não permite que aquele se confunda com esta, porquanto, nos termos do nº 4 do mesmo preceito legal, a lei estabelece a sua independência no que concerne à análise dos seus pressupostos processuais, de facto e de direito.
Ora, analisando a petição inicial do pedido de indemnização cível deduzido no processo crime e o presente requerimento inicial do presente procedimento cautelar, logo se verifica que não existe a identidade de sujeitos, quanto à sua qualidade jurídica, porquanto a autora e requerente são diferentes. O mesmo acontece quanto à identidade de pedido, porquanto, confrontando as referidas petições, não se vislumbra qualquer identidade de pedido, desde logo, porque no presente procedimento cautelar de arresto é peticionado o arresto de bens dos requeridos e naquele pedido de indemnização cível não é formulado (nem poderia) tal pedido. Por último, e salvo o devido respeito por opinião em contrário, não existe também identidade de causa de pedir, porquanto a pretensão deduzida no presente procedimento cautelar e no identificado pedido de indemnização cível procedem de factos jurídicos diferentes, desde logo, porque no procedimento cautelar de arresto a lei exige que sejam alegados factos que tornam provável a existência do crédito e justificam o receio de perda da garantia patrimonial, o que necessariamente não consubstancia a causa de pedir do pedido de indemnização cível deduzido no processo crime.
De tudo o que se deixa exposto, teremos que concluir que não estamos perante a repetição da causa, encontrando-se a anterior ainda em curso, razão pela qual a invocada exceção da litispendência não procede.
Pelo exposto, julga-se improcedente a invocada exceção dilatória da litispendência invocada pela requerida.”
É, assim, evidente que a decisão recorrida não descurou – indevidamente – a questão da putativa listispendência entre a acção principal e o pedido cível formulado no âmbito do aludido processo-crime, antes se ocupou dela explícita e desenvolvidamente (independentemente do acerto ou desacerto com que o fez).

b) Quanto à pretensa desconsideração dos factos vertidos nos artigos 4.º a 14.º, 16.º, 17.º, 21.º, 101.º a 116.º, 120.º e 133.º a 147.º da Oposição:

Relativamente aos “factos” vertidos nos artigos 4º a 14º, 17º e 21º da Oposição da Requerida ora Apelante, doutra coisa não se trata senão da factualidade pertinente à mencionada excepção dilatória da putativa litispendência entre a acção principal e o pedido cível formulado no âmbito do aludido processo-crime.
A decisão recorrida não carecia de reproduzir, ipis verbis, o teor dos artigos do mencionado Pedido Cível transcritos na Oposição da Requerida/Apelante para apreciar o mérito da excepção dilatória deduzida pela Requerida/Opoente.

Quanto aos factos alegados pela Requerida/Opoente nos arts. 101º a 116º da sua Oposição, a decisão recorrida não omitiu pronúncia sobre os mesmos, porquanto consignou expressamente (no elenco dos factos considerados não provados) o seguinte:
“Nos termos e para os efeitos do disposto no artº 304º, nº 5, do Cód. Proc. Civil, aplicável ex vi do artº 384º, nº 3, do Cód. Proc. Civil, e com exclusão da matéria conclusiva e de direito, julgo indiciariamente não provados os seguintes factos alegados na oposição apresentada pela requerida:
A) Que o valor comercial das ditas ações da “…, SGPS, S:A” e da “……, S.A” seja muito superior ao valor que lhes foi atribuído pelos requeridos na partilha;
B) Que, após a partilha efetuada entre os requeridos, no período compreendido entre 01.09.2008 e 31.12.2001, tenham sido realizadas transações envolvendo mais de 42.000,00 de ações da … SGPS, SA (atualmente denominada ….i, SGPS, S.A) nos termos descritos no artº 102 da oposição e que aqui se dá por reproduzido;
C) Que, após a partilha, tenham sido realizadas transações de 210.000 da ……r SGPS, SA no valor de € 210.000 e de 2.625.000 no valor de € 656.250,00;
D) Que em Abril de 2008 tenha sido oferecido pelo Senhor Embaixador … ao requerido e demais acionistas de referência da …, SGPS, S.A o valor de € 2,75 por cada ação daquela sociedade, abrangendo uma oferta de aquisição de 51% do capital social daquela sociedade.”

O art. 120º da Oposição da Requerida/Apelante não contém nenhum facto relevante: tudo quanto nele se afirma é que o valor total dos bens cujo arresto foi decretado ascende a 13.703.147,20.
Finalmente, os factos alegados pela Requerida/Apelante nos arts. 133.º a 147.º da sua Oposição curam, tão só, de vicissitudes ocorridas noutro procedimento cautelar de arresto intentado pelo …, SA contra a Requerida (Proc. nº …-A), que são, manifestamente, irrelevantes no contexto da presente oposição ao arresto decretado nos presentes autos.
A esta luz, é manifesto que improcede a arguição da pretensa nulidade da sentença recorrida, por putativa omissão de pronúncia (al. d) do nº 1 do art. 668º do C.P.C.), consubstanciada na indevida ausência de apreciação da excepção dilatória de litispendência entre a acção principal e o pedido cível deduzido no âmbito do mencionado processo-crime e na alegada desconsideração de factos articulados na Oposição deduzida pela ora Apelante.
Assim sendo, a Apelação da Requerida … improcede, necessariamente, quanto a esta 1ª questão.

b) Se ocorre litispendência entre a acção principal (de que depende o arresto) e o pedido cível deduzido pelo …, SA no processo-crime n.º …, da … de Lisboa;

A decisão ora sob censura julgou improcedente a excepção dilatória de litispendência entre a acção principal (de que o arresto é dependência) e o pedido cível formulado pelo …, SA (no âmbito do processo-crime pendente sob o nº … da … ..l de Lisboa) com base no seguinte argumentário:
“Nos termos do disposto no artº 497º, nº 1, do Cód. Proc. Civil, a litispendência ou o caso julgado pressupõem a repetição de uma causa, sendo certo que há litispendência se a repetição da causa se verifica estando a anterior ainda em curso, e caso julgado se a repetição se verifica depois da primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário.
Ora, no caso presente, considerando nomeadamente o alegado pela requerida, não existe sentença proferida com trânsito em julgado em qualquer das referidas ações, razão pela qual a exceção a analisar terá de ser, necessariamente, a da litispendência.
Nos termos do disposto no artº 498º, do Cód. Proc. Civil, repete-se uma causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica; Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico; Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico.
Em primeiro lugar não poderemos deixar de consignar que a litispendência a analisar terá que ser em face do requerimento inicial do presente procedimento cautelar e a petição inicial do pedido de indemnização cível apresentado no processo crime, porquanto apenas estes pressupostos processuais poderão ser aqui analisados, sendo certo que, oportunamente, e caso tenha sido invocada a mesma exceção na ação principal se procederá ali à análise do referido pressuposto processual. A dependência do procedimento cautelar à causa, prevista no artº 383º, nº 1, do Cód. Proc. Civil, não permite que aquele se confunda com esta, porquanto, nos termos do nº 4 do mesmo preceito legal, a lei estabelece a sua independência no que concerne à análise dos seus pressupostos processuais, de facto e de direito.
Ora, analisando a petição inicial do pedido de indemnização cível deduzido no processo-crime e o presente requerimento inicial do presente procedimento cautelar, logo se verifica que não existe a identidade de sujeitos, quanto à sua qualidade jurídica, porquanto a autora e requerente são diferentes. O mesmo acontece quanto à identidade de pedido, porquanto, confrontando as referidas petições, não se vislumbra qualquer identidade de pedido, desde logo, porque no presente procedimento cautelar de arresto é peticionado o arresto de bens dos requeridos e naquele pedido de indemnização cível não é formulado (nem poderia) tal pedido. Por último, e salvo o devido respeito por opinião em contrário, não existe também identidade de causa de pedir, porquanto a pretensão deduzida no presente procedimento cautelar e no identificado pedido de indemnização cível procedem de factos jurídicos diferentes, desde logo, porque no procedimento cautelar de arresto a lei exige que sejam alegados factos que tornam provável a existência do crédito e justificam o receio de perda da garantia patrimonial, o que necessariamente não consubstancia a causa de pedir do pedido de indemnização cível deduzido no processo-crime
De tudo o que se deixa exposto, teremos que concluir que não estamos perante a repetição da causa, encontrando-se a anterior ainda em curso, razão pela qual a invocada exceção da litispendência não procede.”.
A ora Apelante dissente deste segmento da decisão recorrida, sustentando, nuclearmente, que:
a) se é certo que “A dependência do procedimento cautelar à causa, prevista no artº 383º, nº 1, do Cód. Proc. Civil, não permite que aquele se confunda com esta, porquanto, nos termos do nº 4 do mesmo preceito legal, a lei estabelece a sua independência no que concerne à análise dos seus pressupostos processuais, de facto e de direito.”, é igualmente manifesto que, considerando a instrumentalidade do procedimento cautelar face à acção principal, se o Requerido invoca no procedimento a existência de litispendência entre a acção principal e o pedido cível formulado numa acção cível, nada impede (antes exige) que no procedimento cautelar sejam, desde logo, retiradas consequências jurídicas quanto à (in)admissibilidade do procedimento devido à litispendência verificada nos autos principais (e ainda não declarada face à tramitação não urgente daqueles autos);
b) A não ser assim, a pretexto da tutela da independência no que concerne à análise dos pressupostos processuais entre a acção definitiva e o procedimento cautelar, permitir-se-ia, em abstracto, a manutenção de um arresto que o Tribunal (no momento em que o mantém) sabe ser instrumental face a uma acção principal já proposta que admite, em tese, que poderá ser legalmente inadmissível face à litispendência.
c) Em tal resultado interpretativo far-se-ia sobrepor um pretenso direito formal ao arresto, dependente de uma acção principal que, em abstracto, pode ser ilegal por se verificar relativamente a esta litispendência, onerando-se o património do arrestado com as restrições (e eventuais prejuízos) que advêm da manutenção da providência cautelar num momento em que já é possível ajuizar (e eventualmente) confirmar a existência de tal litispendência e, assim, da inadmissibilidade legal do procedimento que daí decorre.
d) Tal interpretação normativa briga, s.mo., com o direito de propriedade da Requerida (artigo 62.º da CRP), nessa interpretação desnecessariamente coartado, em violação do artigo 18.º, n.º 2, da CRP.
 e) Assim sendo, não colhe o argumento avançado pela Decisão recorrida, uma vez que, no procedimento cautelar, dever-se-á antecipar a decisão de direito relativa à eventual litispendência entre a acção principal, de que o procedimento depende, e qualquer outra acção pendente para, desde logo, se aferir se o mesmo é (ou continua a ser) legalmente admissível, ao exemplo do que ocorre quando se aprecia da eventual caducidade da providência cautelar decretada nos termos previstos no artigo 389.º do CPCivil.
f) Conforme decorre dos documentos n.ºs 1 a 8 juntos aos autos com a oposição e da certidão judicial de fls. 1392 e seguintes, que se dão como integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, a dívida invocada no r.i. decorre de um pretenso mútuo concedido pelo B… ao Requerido, sobre a forma de conta corrente caucionada denominada “A 1”, mútuo que é objecto do processo-crime que corre os seus termos no processo n.º …., pela …, onde o Requerido …. é Arguido, e onde ambos os Requeridos são Demandados Cíveis pelo …SA com expressa referência à abertura e utilização pelo Requerido daquela conta corrente caucionada denominada “A 1”.
g) No dia 21 de Novembro de 2009 foi proferida contra o Requerido, no processo-crime nº …, a acusação pública imputando ao mesmo a prática dos seguintes crimes:
“- Um crime de Abuso de confiança, com referência ao conjunto da sua actuação na retirada e apropriação, para si e para terceiros, de fundos do Grupo …., p.p. pelo artº. 205º, nº1, nº 4 al. b) e nº 5 do C. Penal;
- Um crime de burla qualificada, com referência ao conjunto da sua actuação no que se reporta à indução em erro ou engano das entidades que lhe competia administrar, directa ou indirectamente, p.p. pelo artº. 217º, 218º, nº1 e nº 2 al. a) do C. Penal;
- Um crime de falsificação de documento, com referência ao conjunto da sua actuação no que se refere ao forjar de documentos e de registo de movimentos bancários e contabilísticos, p.p. pelo artº 256º, nº 1 al. a) e e) e nº 3 do Código Penal;
- Um crime de infidelidade, com referência ao conjunto da sua actuação no que se reporta à violação das normas de gestão, com a consequente lesão dos interesses patrimoniais das entidades administradas, p. e p. no art. 224º-1 do Cod. Penal;
- Um crime de branqueamento de capitais, com referência aos factos narrados nos arts. 221º a 224º, 282º a 296º e 917º a 945º, da pronuncia p. e p. no art. 368º-A- 1 e 2 do Cod. Penal;
- Um crime de branqueamento de capitais, com referência aos factos narrados nos arts. 979º a 995º , p. e p. no art. 368º-A-1 e 3 do Cod. Penal ;
- Um crime de fraude fiscal qualificada, relativamente aos factos narrados 795º a 804º, p. e p. nos arts. 103º-1 a) e c) e 104º-2 do RGIT ;
-  Um crime de fraude fiscal qualificada, relativamente aos factos narrados 979º a 995º, p. e p. nos arts. 103º-1 a) e c) e 104º-1 a), f) e g) do RGIT ;
- Um crime de aquisição ilícita de acções, com referência aos factos narrados nos arts. 297º a 357º, p. e p. no art. 510º-1 por referência aos arts. 317º-2 e 325º-1 do Cod. das Sociedades Comerciais;”.
h) No dia 9.12.2009, no processo-crime nº …, foi formulada pelo …, SA - a quem a Requerente alega ter adquirido o seu pretenso crédito - contra o Requerido … acusação particular, imputando ao Requerido a prática dos mesmos factos e crimes a que alude a acusação pública, conforme documento n.º 2 junto à oposição, que se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
i) No dia 9.12.2009, no processo-crime nº …, foi formulado pedido de indemnização cível pelo … (que alegadamente cedeu o seu crédito sobre o Requerido à Requerente), designadamente, contra os Requeridos, pela responsabilidade civil decorrente dos actos imputados ao Requerido na acusação pública e particular, tendo o aí Assistente e Demandante … formulado o pedido de condenação dos Requeridos na quantia que vier a ser liquidada no decurso daqueles autos, ou em execução de Sentença, correspondente ao montante dos danos emergentes de todos os factos constantes da acusação pública (pelo que se acham incluídos os factos relativos à utilização pelo Requerido da conta corrente caucionada denominada “A1”) e da acusação formulada pela Assistente … (entretanto declarada nula pela douta Decisão Instrutória na parte que extravasa a douta acusação pública, v.d. fls. 531 daquela decisão), conforme documento n.º 3 junto à oposição, que se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
j) No dia 18 de Março de 2010, no processo-crime nº …, foi proferida douta decisão instrutória e de pronúncia, que confirmou a imputação ao Requerido da prática dos nove crimes a que alude a acusação pública, conforme documento n.º 4 junto à oposição, que se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
l) A ora Requerida/Apelante, citada em 7.10.2010 no processo-crime nº … para o pedido de indemnização cível formulado pelo …SA, a quem a Requerente alega ter adquirido o seu pretenso crédito, veio a apresentar Contestação ao mesmo, conforme documento n.º 5 junto à oposição, que se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, e da certidão judicial (v.d. fls. 1449).
m) No dia 8.11.2010, no processo-crime nº …, foi proferido pelo Mm.º Juiz de Direito titular da …., douto despacho através do qual, relativamente a todos os pedidos de indemnização cíveis formulados nos autos, foi decidido remeter as partes para os meios cíveis, conforme documento n.º 6 junto à oposição e da certidão judicial supra identificada, que se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
n) Tal despacho não transitou até hoje em julgado, por ter sido objecto de recurso interlocutório interposto em 15 de Fevereiro de 2011 pelo co-Arguido RC processo-crime nº … (conforme documento n.º 7 junto à oposição e certidão judicial supra identificada, que se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais), tendo tal recurso sido foi admitido por douto despacho datado de 11.07.2011, com efeito meramente devolutivo, subida nos próprios autos juntamente com o recurso interposto da decisão que tiver posto termo à causa, conforme documento n.º 8 junto à oposição, e certidão judicial de fls. 1392 e seguintes, que se dão como integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
o) A factualidade imputada ao Requerido nos presentes autos (concretamente nos artigos 2.º, 6.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º e 43.º do r.i.) é comum com o objecto do processo-crime nº … acima identificado, processo cujo julgamento se iniciou no dia 15 de Dezembro de 2010, conforme documento n.º 7 e 22 junto à oposição, que se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
p) Cotejada a p.i. formulada nos autos principais com a acusação pública, o pedido de indemnização cível formulado pelo Assistente …SA (que reproduz na íntegra a acusação pública), e a pronúncia do processo-crime n.º …., é possível constatar a correspondência entre a matéria vertida em ambos os processos.
q) Consequentemente, verifica-se que:
1) Os factos subjacentes à alegada responsabilidade civil do Requerido discutida nos presentes autos quanto à forma de obtenção e utilização de crédito através da denominada conta “A 1” junto do …., são igualmente objecto do processo-crime nº …;
2) Tais factos estão incluídos na acusação pública, na acusação particular, no pedido de indemnização cível deduzido pelo …, SA (que se julgou provado que cedeu o seu crédito à Requerente) contra os Requeridos, e na pronúncia.
r) Para justificar a legitimidade passiva da Requerida relativamente ao pedido cível que contra ela formulou junto do processo-crime nº … alegou então o … que “em conformidade com o disposto no art.º 1691.º, n.º 1, alínea c), do Código Civil, é a Demandada … responsável pelos prejuízos causados pelo 1.º Arguido”. (v.d. Doc. 3 junto à oposição).
s) Igualmente, para justificar a legitimidade passiva da Requerida na presente providência cautelar, quanto ao pedido de indemnização que contra ela formulou, alegou a Requerente que a mesma é responsável “Nos termos do art.º 1691.º, n.º 1, alínea c), do Código Civil (…)”.
t) A providência cautelar sob oposição deu entrada em juízo no dia 23 de Setembro de 2011;
u) A acção definitiva a que a presente providência cautelar está apensa deu entrada em juízo no dia 16 de Novembro de 2011.
v) O pedido de indemnização cível formulado no processo n.º …, que corre termos pela …, deu entrada no dia 9.12.2009, tendo a Requerida sido citada do mesmo no dia 7 de Outubro 2010.
x) As partes são as mesmas em ambos os processos sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, uma vez que o … e a P… assumem, alegadamente, o mesmo papel de credoras do Requerido invocando a utilização por este da CCC “A1”, e pretendem obter com ambas as causas a condenação dos aqui Requeridos no pagamento do valor alegadamente utilizado pelo Requerido (artigo 498.º, do CPCivil).
Quid juris ?
Cumpre observar, liminarmente, que, ainda mesmo que ocorresse a invocada litispendência entre a acção principal (de que este procedimento cautelar de arresto depende) e o pedido de indemnização civil formulado contra ambos os Requeridos (pelo cedente dos créditos de que a Arrestante se arroga ser titular (…), no âmbito do mencionado processo crime pendente na …., nunca esta excepção dilatória seria fundamento de Oposição ao arresto, nos termos e para os efeitos da al b) do nº 1 do art. 388º do CPC, podendo antes fundamentar a interposição de recurso, nos termos gerais, contra o despacho que decretou o arresto (nos termos da al. a) do mesmo preceito).
Tanto bastaria para que o presente recurso tivesse, necessariamente, de improceder, quanto a esta questão.
Acresce que nem sequer ocorre a putativa litispendência entre o referido pedido cível deduzido no mencionado processo-crime e a acção principal (de que o presente procedimento cautelar de arresto é dependência), porquanto – como é de meridiana evidência – a responsabilidade civil feita valer no âmbito dum processo-crime é de natureza totalmente distinta da responsabilidade obrigacional em causa numa acção cível: A responsabilidade civil emergente para os demandados cíveis tem a sua causa petendi, necessariamente, na prática de um facto criminalmente ilícito (cfr. os arts. 71º e 74º-1 do Código de Processo Penal).
Assim, no caso “sub judice”, uma coisa é a responsabilidade civil pelo incumprimento duma dívida contraída no âmbito da abertura de contas de créditos caucionadas; outra coisa, totalmente distinta, é a responsabilidade subjectiva, aquiliana ou por facto ilícito, em que pode incorrer o autor da prática dum crime.
Os artigos da pronúncia proferida no mencionado Proc. n.º ….DLSB que estão transcritos nas alegações de recurso da ora Apelante descrevem como o Requerido …, juntamente com outros Arguidos que nesses autos estão a ser julgados, se financiavam a partir de sociedades veículos não residentes, e a forma como escamoteavam tais financiamentos em contabilidade paralela no extinto …. Ora, na presente acção, a Requerente ora Apelada P…. limita-se (enquanto cessionária dos créditos do …, SA) a pedir o arresto de bens de forma a garantir, na medida do possível, o pagamento das quantias que o Requerido …(ex-marido da Requerida ora Apelante) recebeu por conta das contas correntes caucionadas junto daquela instituição financeira.
Centrada a causa de pedir da acção principal, nuclearmente, nas contas de créditos caucionadas celebradas entre o Requerido … e o …B, verifica-se, desde logo, que uma delas, a denominada conta “A1”, serviu para liquidar o empréstimo também subscrito pela ora Requerida/Apelante ….
Daí que, pelas dívidas contraídas por ambos os cônjuges e pelos actos praticados para proceder à liquidação das mesmas respondam o Requerido …e a Requerida sua mulher …, nos termos do n.º 2 do art.º 407.º do Código de Processo Civil.
Consequentemente, a procedência da acção principal (de que este arresto é dependência) não está minimamente dependente da prova (que venha ou não a fazer-se, no âmbito do mencionado processo-crime) dos factos imputados aos vários arguidos no despacho de pronúncia ali proferido.
Não há, pois, identidade de causa de pedir (pressuposto incontornável da excepção dilatória de litispendência: cfr. o art. 497º-1 do CPC) entre o pedido cível deduzido no âmbito do mencionado processo-crime e a acção principal (de que depende o presente arresto).
Ademais, o pedido cível formulado pelo …, SA contra os aqui Requeridos e outros nem sequer se encontra ainda pendente, pelo menos no que aos ora Requeridos respeita, já que, por despacho do juiz da …. datado de 8.11.2010, foi decidido remeter as partes para os meios cíveis, relativamente a todos os pedidos de indemnização cíveis formulados nos autos.
Irreleva, para este efeito, que tal despacho haja sido impugnado, em via de recurso, por outro arguido (que não pelo arguido ora Requerido …, ou pela demandada ora Requerida/Apelante …), já que tal recurso, ainda que porventura obtivesse provimento, só aproveitaria ao arguido que dele recorreu.
Eis por que a presente Apelação também improcede, quanto a esta 2ª questão.

c) Se devem ser aditados ao elenco dos factos considerados provados provados os factos articulados pela Requerida nos artigos 4.º a 14.º, 16.º, 17.º, 21.º, 101.º a 116.º, 120.º e 133.º a 147.º da oposição, uma vez que os mesmos se acham indiciariamente demonstrados por documentos idóneos, ou através de certidão judicial.

Segundo uma orientação jurisprudencial pacífica, «a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, consagrada no artigo 685.º-B, visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorrectamente julgados. Mas, este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efectivo objectivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante.
Se, por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito[ cfr. o art. 511º, nº 1, do CPC]", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente.
Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º» - cfr. o Acórdão da Relação de Coimbra de 24/4/2012 (proferido no Proc. nº … e de que foi Relator o Desembargador ANTÓNIO BEÇA PEREIRA), cujo texto integral está acessível no sítio da Internet www.dgsi.pt.
Ora, no caso sub judice, nenhum dos factos que a ora Apelante pretende ver aditados ao elenco dos factos considerados provados assume a menor relevância para a decisão da causa, designadamente em função da resolução acabada de dar à questão da pretensa litispendência entre o pedido cível deduzido contra os Requeridos no âmbito do aludido processo-crime e a acção principal de que o presente procedimento cautelar depende.
Consequentemente, não há lugar à reapreciação da decisão da 1ª instância sobre matéria de facto, improcedendo o recurso quanto a esta questão.

d) Se o mútuo a que corresponde a movimentação a descoberto da conta corrente caucionada aberta em nome do Requerido junto do Banco Insular, a que se refere a matéria de facto julgada provada em 1ª instância, é formalmente nulo.

Na tese da Requerida ora Apelante, a abertura e movimentação a descoberto da conta (corrente caucionada) aberta em nome do Requerido … …. junto do Banco Insular, a que se refere a matéria de facto (pontos n.ºs 13 a 17, 20 a 24 e 25) configura um contrato de mútuo bancário, na modalidade de conta corrente caucionada, alegadamente celebrado entre o Banco Insular e o Requerido, conta esta que terá sido movimentada a débito pelo mesmo Requerido em diversos momentos, e alegadamente em proveito comum do casal.
Porém, o mútuo bancário subjacente à abertura de tal conta corrente caucionada não foi – tanto quanto sabe a ora Requerida/Apelante, tão pouco tendo tal sido sequer alegado ou comprovado - formalizado por escritura pública (artigo 1143.º do C.C.), ou sequer por documento particular (artigo único do D.L. n.º 32 765, de 29.4.1943).
Consequentemente, o mútuo que haja sido celebrado entre o Requerido …. e o …. é nulo por falta de forma (artigo 220.º do Código Civil), nulidade que deve ser declarada, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 362.º e 363.º do Código Comercial, 220.º e 1142º do Código Civil e artigo único do D.L. n.º 32 765, de 29.4.1943.
Quid juris ?
A eventual nulidade do mútuo bancário subjacente à abertura e movimentação a descoberto da conta (corrente caucionada) aberta em nome do Requerido … junto do ….não constitui questão passível de ser levantada no quadro da Oposição a um procedimento cautelar deduzida nos termos e ao abrigo do disposto na cit. al. b) do nº 1 do art. 388º do C.P.C., podendo, quando muito, fundamentar a interposição de recurso do despacho que haja decretado a providência (nos termos da al. a) do mesmo preceito).
Acresce que – como certeiramente observou a decisão recorrida -, ainda mesmo que a abertura e movimentação a descoberto da conta (corrente caucionada) aberta em nome do Requerido … junto do …., configurasse um contrato de mútuo bancário, na modalidade de conta corrente caucionada, submetido à forma escrita exigida pelo artigo único do D.L. n.º 32 765, de 29.4.1943, a sua eventual nulidade formal não isentaria os mutuários da obrigação de devolver ao mutuante as quantias mutuadas, ex vi do art. 289º-1 do Cód. Civil.
Eis por que a Apelação da requerida … também improcede, quanto a esta questão.

e) Se são nulas as sucessivas cessões do crédito a que se refere a matéria de facto julgada provada em 1ª instância.

Pretende a ora Apelante que da nulidade do mútuo bancário acima referido resulta a consequente nulidade das sucessivas cessões do crédito a que se refere a matéria de facto (pontos n.ºs 2 a 7 e 25), porquanto, nos termos do artigo 578.º, n.º 1, do Código Civil, “Os requisitos e efeitos da cessão entre as partes definem-se em função do tipo de negócio que lhe serve de base.” – o que consequência que a cessão tem de ser acompanhada de fonte idónea (isto é, deve ter causa) para produzir efeitos.
De modo que as cessões contratuais são inválidas:
a) quando o contrato-fonte seja ele próprio inválido;
b) quando não exista, pura e simplesmente, qualquer fonte que legitime a cessão.
Ora, in casu, a Requerente alega que se ter tornou credora do Requerido … com base num crédito decorrente de um mútuo celebrado com o …., alegando ainda que tal dívida é transmissível ao cônjuge do mutuário (a Requerida …, ora Apelante).
Para demonstrar a sua qualidade de credora ela invoca os seguintes negócios de dação em pagamento e cessão de créditos:
a)         Um contrato dação em pagamento de créditos do … celebrado entre o … e o …, SA em 13.03.2009 (Doc. 3 junto com a r.i.), em que o … cede ao… SA os créditos que incluiriam o alegado crédito concedido pelo …; e
b)        Um contrato de cessão de créditos celebrado entre o … SA e a Requerente em 23 de Dezembro de 2010 (Doc. 2 junto com a r.i.), em que o … SA cede os seus créditos à Requerente, que incluiriam o alegado crédito concedido pelo ….
Porém, sendo nulo o mútuo subjacente à cessão de créditos, é igualmente nula a própria cessão de créditos (artigo 578.º, n.º 1, do Código Civil), assumindo a declaração de tal nulidade efeito retroactivo (artigo 289.º, n.º 1, do Código Civil).
Quid juris ?
Trata-se, uma vez mais, de questão insusceptível de ser levantada no quadro duma Oposição a um procedimento cautelar, nos termos e ao abrigo da al. b) do nº 1 do art. 388º do CPC, que apenas poderia ser invocada em sede de recurso interposto da decisão que decretou o arresto.
De todo o modo, ainda mesmo que o mútuo celebrado entre o …r e o Requerido …fosse formalmente nulo, isso não isentaria o mutuário da obrigação de restituir ao mutuante (e aos cessionários deste) as quantias mutuadas, ex vi do cit. art. 289º-1 do Cód. Civil.
Daí que a eventual nulidade formal do mútuo não arrastaria como consequência, necessariamente, a nulidade substantiva das sucessivas cessões de crédito – como (abusiva e erroneamente) sustenta a ora Apelante.
Consequentemente, a apelação também improcede, quanto a esta questão.

f) Se as cessões de créditos operadas a favor da ora Requerente/Apelante são ineficazes quanto à Requerida (por ausência de notificação à mesma de tais cessões).

Na tese da Requerida/Apelante, as cessões de créditos, para serem eficazes relativamente aos devedores, têm de ser notificadas aos mesmos (artigo 583.º, n.º 1, do Código Civil).
Ora, as alegadas cessões de créditos – a que aludem dos artigos 2 a 6 do r.i. - nunca foram notificadas à ora Requerida …. pelos sucessivos cedentes ou cessionários, notificação que aliás não é sequer invocada pela Requerente (v.d. artigo 7.º do r.i). Consequentemente, são ineficazes as alegadas cessões de créditos quanto à Requerida, ora Recorrente, e tal ineficácia reconduz-se a uma excepção peremptória inominada, que implica à absolvição do pedido de arresto formulado contra a Requerida.
Quid juris ?
Desde logo, o tribunal “a quo” considerou indiciariamente provado que as sucessivas cessões de créditos foram notificadas ao requerido …(cfr. facto nº 7 da decisão que decretou o arresto).
Irreleva que essas cessões não tenham sido notificadas à ora Requerida/Apelante, porquanto – como certeiramente se notou na Decisão recorrida - a mesma não figura nas mesmas cessões como devedora dos débitos contraídos pelo seu ex-marido.
A Requerida é demandada nos presentes autos de procedimento cautelar de arresto por força do disposto no artº 407º, nº 2, do Cód. Proc. Civil, porquanto, tendo sido casada com o requerido … sob o regime da comunhão geral e tendo adquirido, posteriormente (em partilha extrajudicial por separação de pessoas e bens celebrada entre ambos os Requeridos) os bens imóveis adquiridos na constância do matrimónio, tal negócio foi impugnado pela ora Requerente/Apelada (cfr., para além do mais, os artºs 40º a 61º do requerimento inicial e que resultaram indiciariamente provados: cfr. os factos nºs 29 a 48 da Decisão que decretou o arresto).
De todo o modo, mesmo que as sucessivas cessões tivessem de ser notificadas à ora Requerida e ainda que a Requerente tivesse o ónus de alegar a efectivação dessa notificação, logo no RI do arresto, como condição de eficácia das cessões relativamente à arrestada ora Apelante, trata-se – uma vez mais - duma questão insusceptível de ser levantada no quadro duma Oposição a um procedimento cautelar (ao abrigo e nos termos da cit. al. b) do nº 1 do art. 388º do CPC), podendo, quando muito, ser arguida em sede de recurso da decisão que decretou o arresto (nos termos da al. a) do mesmo preceito).
Eis por que a Apelação da requerida … também improcede, quanto a esta questão.

g) Se a dívida contraída pelo ex-marido da Requerente perante o cedente dos créditos de que a ora Requerente é cessionária não se comunicou à Requerida (à luz do alcance da decisão de pronúncia do processo n.º …), tendo sido violados o alcance do caso julgado da decisão de pronúncia do processo n.º …, o disposto nos artigos 673.º do C.P.Civil e 1692.º, al. b), do Código Civil, e 406.º, n.º 1, do CPCivil (por o arresto decretado e mantido sobre os bens da Requerida se basear na existência de proveito comum do casal).

Sustenta a ora Apelante que ela não responde pelas dívidas confessadas pelo Requerido …, por os factos imputados àquele consubstanciarem ilícitos criminais, nos termos do art.º 1692.º, alínea b), do Código Civil.
Isto porque:
- A Requerida, ora Recorrente, não é, nem nunca foi, Arguida no processo-crime que corre termos na ….-, e, consequentemente, não foi acusada ou pronunciada pela prática de qualquer crime nesse processo (cfr. Doc.s 1 A 8 juntos com a Oposição e certidão judicial emitida pela …, em 8 de Junho de 2012, junta aos autos a fls. 1392 e seguintes);
- Naquele processo crime, o …, SA (que alegadamente cedeu o seu pretenso crédito à ora Requerente …, SA) formulou contra a Requerida … pedido de indemnização cível (v.d. Doc. 3 junto com a Oposição e certidão judicial emitida pela …, em 8 de Junho de 2012, junta aos autos a fls. 1392 e seguintes);
- O …, SA (no processo-crime n.º …) e agora a Requerente (nos presentes autos) invocaram a existência de proveito comum do casal alegadamente proveniente da conduta (punida criminalmente) imputada ao Requerido, sendo a factualidade aqui controvertida comum a ambos os autos;
- Na óptica do Ministério Público, do Mm.º Juiz de Instrução Criminal e do … SA (a quem a Requerente alega que adquiriu o seu crédito), a matéria de facto relativa aos artigos 2.º, 6.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º e 43.º do R.I. (inerente à pretensa dívida do Requerido), consubstancia a prática, pelo Requerido J…., de diversas condutas criminalmente puníveis e, designadamente, dos crimes de abuso de confiança ou burla, falsificação e infidelidade;
- Assim, atento o juízo indiciário contido na pronúncia proferida no processo …, o pretenso direito de crédito que fundamenta o pedido de arresto, sustentado nos factos vertidos nos artigos 2.º, 6.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º e 43.º do R.I. que a Decisão recorrida julgou indiciariamente provados, decorre da alegada prática (pelo Requerido J de actos ilícitos, danosos e criminalmente puníveis, pressupondo a Decisão recorrida que a ora Requerida é civil e solidariamente responsável pelos mesmos (cfr. a passagem onde se lê: “Ora, será de concluir que os empréstimos foram contraídos em proveito comum do casal, sendo a responsabilidade própria de cada um dos cônjuges o pagamento dos mesmos.”).
- Porém, dispõe de forma expressa o artigo 1692.º, alínea b), do Código Civil, que são de exclusiva responsabilidade do cônjuge as dívidas provenientes de crimes e as indemnizações, restituições, custas judiciais ou multas devidas por factos imputáveis a cada um dos cônjuges.
- Tendo a dívida que motivou o arresto sido contraída através de uma conduta do Requerido que é (pelo menos indiciariamente) criminalmente punível, a responsabilidade cível pela dívida daí alegadamente decorrente é (até decisão de natureza penal que o infirme) exclusiva do Requerido, e não também da Requerida, uma vez que, ao contrário do que é pressuposto do R.I. e da Decisão recorrida, não está em causa a responsabilidade meramente civil do Requerido, mas uma responsabilidade civil que advém de responsabilidade criminal.
- Assim, verifica-se, em sede de procedimento cautelar, à luz do alcance do caso julgado indiciário de natureza penal contido na decisão de pronúncia acima identificada, a incomunicabilidade da dívida ao cônjuge, uma vez que, segundo consta dos autos, ainda não foi proferida qualquer outra decisão sobre a indiciada responsabilidade criminal do Requerido.
- Os factos vertidos nos artigos 212.º a 224.º, 232.º a 235.º e 282.º a 296.º da pronúncia supra referida, encontram-se “fortemente indiciados” nos termos da decisão de pronúncia, transitada em julgado (proferida num processo onde o …, SA é parte), o que decorre dos Doc.s 1, 2 e 4 juntos com a Oposição e certidão judicial emitida pela …, em 8 de Junho de 2012, junta aos autos a fls. 1392 e seguintes, onde se pode ler que “(…) que ainda não foi proferida decisão final sobre a parte criminal e que é certo que tal não ocorrerá a curto prazo em virtude de ainda se estar a produzir prova da acusação.”.
- Face à fortemente indiciada responsabilidade criminal do Requerido relativa à utilização da dita CCC “A1”, à luz do disposto no artigo 1692.º, alínea b), do Código Civil, a Decisão recorrida não tem fundamento legal para decretar o arresto sobre os bens da Requerida com base no invocado proveito comum do casal, uma vez que nem a circunstância de se ter indiciado o alegado proveito comum do casal releva para responsabilizar a Requerida por tal dívida (que se deve presumir até decisão criminal em contrário apenas do Requerido), o que equivale a dizer que não se verifica aqui a aparência do direito de crédito da Requerente sobre a Requerida (“fummus bonum juris”).
- As «dívidas provenientes de crimes» sejam até as de responsabilidade puramente criminal ou só as de responsabilidade civil com aquela conexa, não admitem a prova de que contribuíram ou puderam ter contribuído para o proveito comum do casal (cfr. A. Lopes Cardoso, in R.T, 86.º - 104). 
- Tratando-se de responsabilidade civil conexa com a criminal é sempre a da responsabilidade exclusiva do cônjuge infractor, ainda que ele tenha actuado para ocorrer aos encargos normais da vida familiar ou em proveito comum do casal. Pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges responde também a sua meação nos bens comuns e, sendo a dívida proveniente de responsabilidade civil conexa com a criminal, nem sequer há lugar à moratória referida no art. 1696 n. 1, in fine, do CC. (cfr. Ac. TRL, de 18.04.1990).
- Consequentemente, o alegado direito de crédito invocado pela Requerente não onera o património da Requerida, que nada deve à Requerente.
Quid juris ?
Sendo certo que parte dos créditos cedidos à ora Requerente/Apelada advieram da utilização da conta corrente caucionada “A1”, não menos certo é que esses mesmos valores serviram para liquidar o contrato de empréstimo que ambos os Requeridos celebraram junto do FB… no valor de € 12.500.000,00 (doze milhões e quinhentos mil euros).
Com efeito, a contratação de tal financiamento junto do FB…, a subscrição e realização do aumento de capital da …. são actos que estão dentro dos poderes de administração do ex-cônjuge Requerido J…., que sempre geriu as participações financeiras do casal.
Nos presentes autos de procedimento cautelar de arresto, os créditos da Requerente P…, SA sobre a ora Requerida, que fundamentaram o decretamento do arresto, provêm de empréstimos contraídos pelo ex-marido da Requerida … e ora co-requerido J…., que foram contraídos em proveito comum do casal (como decorre do facto de ele os ter utilizado, nomeadamente, para pagamento de impostos de IRC devidos pelo casal dos requeridos).
Consequentemente, na acção principal (de que este procedimento cautelar é dependência), não estão em causa propriamente quaisquer «indemnizações devidas por factos ilícitos criminais» (nos termos e para os efeitos do art.º 1692.º, alínea b), do Código Civil), ou seja, compensações devidas à vítima de um crime pelos danos deste emergentes, e, portanto, dívidas «provenientes de crimes» no sentido do art.º 1692º, alínea b), do Código Civil, mas antes obrigações que têm a sua fonte nos actos de direito civil (empréstimos) praticados pelo ex-cônjuge administrador J …, consistentes na celebração de contas correntes caucionadas.
Assim sendo, a presente Apelação improcede igualmente, quanto a esta questão.

h) Se a matéria de facto julgada provada é insuficiente para fundamentar o arresto contra a Requerida com base no disposto no artigo 407.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

Pretende – finalmente – a Apelante que a matéria de facto julgada indiciariamente provada pela 1ª instância seria insuficiente para fundamentar o arresto contra a Requerida com base no disposto no artigo 407.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Isto porque:
- Mesmo que se entendesse (como se entendeu na Decisão recorrida) que “(…) sempre os bens da requerida, adquiridos na sequência da partilha dos bens do casal, poderiam ser arrestados, como o foram, por força do disposto no artº 407º, nº 2, do Cód. Proc. Civil.”, ou seja, por serem bens que a Requerida adquiriu do devedor (o Requerido), nos termos deste preceito e do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, sempre caberia à Requerente o ónus de alegar e provar os “factos que tornem provável a procedência da impugnação.” e, designadamente, a “diminuição da garantia patrimonial do crédito” decorrente da partilha (artigo 610.º, do CC) e “a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor” (artigo 612.º, n.º 1 e 2, do CC), o que, à vista dos factos julgados provados, não se verifica.
- Lido o R.I., verifica-se que a Requerente não alega factos de onde decorra um prejuízo, concretamente imputável à partilha celebrada, para o seu pretenso direito de crédito sobre o Requerido, sendo manifestamente insuficiente alegar e provar que a maior parte das participações sociais adjudicadas ao Requerido não são transacionadas em bolsa e têm um valor incerto.
- A Decisão recorrida considerou que caberia à Requerida demonstrar que o valor atribuído àquelas acções na partilha não envolvia a “diminuição da garantia patrimonial do crédito” e que ao celebrar tal partilha a Requerida não tinha “consciência do prejuízo que o acto causava ao credor” - o que viola os artigos 407.º, n.º 2, do CPC, e os artigos 610.º e 342.º, n.º 1, do Cód. Civil.
- De facto, a mera circunstância de se alegar e provar que as “participações sociais detidas pelo requerido serem quase todas não negociadas em mercado organizado e de valor incertonão revela que o valor que lhes foi atribuído fosse prejudicial aos credores do Requerido, e que a Requerida tinha conhecimento de tal prejuízo, pelo que não satisfaz o ónus imposto no artigo 407.º, n.º 2, do CPCivil.
– Acresce que a incerteza do valor das participações sociais (decorrente do facto de as acções não serem negociadas em mercado organizado), face à constatação de que foram adjudicadas acções da … ao Requerido por cerca de 13 cêntimos, quando um acionista de referência da … em data posterior, mas próxima da partilha, exigiu por cada uma das suas acções da ….4,00 euros, não permite extrair da mera incerteza do preço das acções um prejuízo para o credores do Recorrente (prova evidente de que as participações sociais adjudicadas ao Requerido tinham um valor muito superior ao dos imóveis adjudicados à Requerida é a matéria de facto que consta dos pontos 39, 40 e, sobretudo, 41, já que aí se provou que o Requerido “avaliava em € 10.500.000,00” só as acções da …. que lhe foram adjudicadas).
- Atentas as regras da distribuição do ónus da prova, não cabia à Requerida provar que a partilha celebrada “permite garantir aos seus credores o pagamento das dívidas com tais direitos sociais dado que o seu valor tem grande variação.”, antes caberia à Requerente alegar e provar que face ao normal preço de mercado para aquelas participações sociais, entendido como a média do preço de venda praticado, as mesmas foram adjudicadas ao Requerido a um preço inferior ao de mercado e que, consequentemente, a Requerida pôde receber mais tornas do que aquelas a que tinha direito com base na sua meação, ou preencher a mesma com mais bens do que aqueles a que tinha legalmente direito, daí resultando a “diminuição da garantia patrimonial do crédito” alegadamente pertencente à Requerente.  
  - Por isso, a Decisão recorrida deveria ter considerado que pela alegada dívida do Requerido respondem os bens próprios deste e, subsidiariamente, a sua meação dos bens comuns, como estatuí o n.º 1 do art. 1696.º do Código Civil, e nunca, como pressupõe a Decisão recorrida (à revelia do juízo indiciário de natureza penal contido na decisão de pronúncia que considerou “fortemente indiciados” a prática de crimes pelo Arguido, inclusive, quanto à abertura e utilização da conta corrente caucionada “A1”), a totalidade dos bens comuns do casal.
- Assim sendo, deveria a Decisão recorrida ter concluído que a partilha, nos termos em que foi efectuada e à luz dos factos indiciariamente provados, não causou qualquer prejuízo aos pretensos credores do Requerido.
Quid juris ?
Ainda que, porventura, a matéria de facto julgada provada em 1ª instância fosse – como sustenta a ora Apelante – insuficiente para fundamentar o arresto contra a Requerida com base no disposto no artigo 407.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, nunca essa circunstância poderia fundamentar a dedução duma Oposição a um procedimento cautelar de arresto, nos termos e ao abrigo da al. b) do nº 1 do cit. art. 388º do CPC, apenas podendo fundamentar a interposição de recurso, nos termos gerais, contra a decisão que (indevidamente) decretou o arresto, com base nessa insuficiente factualidade.
Tanto bastaria para condenar a presente Apelação ao insucesso, quanto a esta questão.
Acresce, porém, que o juízo formulado pelo tribunal “a quo” (na decisão recorrida), quanto à verificação do circunstancialismo previsto no cit. art. 407º, nº 2, do CPC, não assentou apenas na prova de que a maior parte das participações sociais adjudicadas ao Requerido (na partilha extrajudicial levada a cabo pelos Requeridos, na sequência da separação de pessoas e bens celebrada entre ambos os Requeridos) não são transacionadas em bolsa e têm um valor incerto.
A mais de tal facto, provaram-se muitos outros factos dos quais também decorre a probabilidade de procedência da impugnação da aquisição, pela ora Requerida …, dos bens do primitivo devedor seu ex-cônjuge …., designadamente os descritos sob os nºs 30, 31, 32, 35 e 36 da Decisão Recorrida.
Eis por que a presente Apelação também improcede quanto a esta derradeira questão, o que consequência que a decisão recorrida não é, afinal, passível de qualquer censura, devendo ser confirmada e mantida intocada.


DECISÃO
Acordam os juízes desta Relação em negar provimento à Apelação, confirmando integralmente a sentença recorrida.
Custas da Apelação a cargo da Requerida/Opoente/Apelante.

Lisboa, 5 de Março de 2012

Rui Torres Vouga (relator)
Maria do Rosário Barbosa (1º-Adjunto)
Maria do Rosário Gonçalves (2º-Adjunto)
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[1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).
[5] FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 4ª ed., Abril de 2003, pp. 46-47.
[6] LEBRE DE FREITAS-MONTALVÃO MACHADO-RUI PINTO in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2.°, 2001, pág. 670.
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