Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
25212/22.2T8LSB.L1-1
Relator: RENATA LINHARES DE CASTRO
Descritores: IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
LIQUIDAÇÃO DA SOCIEDADE
CONSERVADOR
REGISTO COMERCIAL
ACTIVO SUPERVENIENTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/26/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. O processo de impugnação judicial da decisão do Conservador de dissolução e de liquidação da sociedade, no que não se encontre especificamente regulado no RJPADLEC (cfr. artigo 12.º), rege-se pelo Código de Registo Comercial (designadamente pelos artigos 101.º-A, 101.º-B, 105.º e 106.º).
II. Em procedimento administrativo instaurado oficiosamente – no caso, com fundamento na al. c) do artigo 5.º do RJPADLEC -, no qual foi proferido despacho final pelo Conservador, não há lugar a nova produção de prova (designadamente, testemunhal), devendo a impugnação ser conhecida e decidida de acordo com os elementos já constantes do processo.
III. O despacho de sustentação proferido pelo Conservador tem que ser notificado nos termos exigidos pelo artigo 101.º-B, n.ºs 1 e 2 do Cód.Reg.Com., sob pena de nulidade.
IV. No processo de impugnação judicial não há lugar à realização de audiência prévia.
V. Mesmo que, após a declaração simultânea de dissolução e encerramento da liquidação da sociedade - por não ter sido apurada a existência de qualquer activo ou passivo a liquidar (artigo 11.º, n.º 4 do RJPADLEC) -, se venha a constatar que, afinal, a mesma era proprietária de algum bem ou apresentava passivo, nem assim o acto praticado pelo conservador (a referida declaração de dissolução e encerramento da liquidação) poderá ser afectado/anulado.
VI. O juízo de inconstitucionalidade incide sobre uma interpretação normativa, isto é, sobre as próprias normas e respectivas interpretações legais (e não sobre a decisão judicial em si mesma), tendo de ser concretizado/especificado o fundamento no qual se sustenta.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa.

I - RELATÓRIO
Pela Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, em 03/12/2021, foi instaurado procedimento administrativo de dissolução/liquidação da sociedade W… Lda, nos termos do disposto no artigo 5.º, al. c) do RJPADLEC (Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e Liquidação de Entidades Comerciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29/03), com fundamento na comunicação da Administração Tributária da declaração oficiosa de cessação de actividade da mesma (procedimento n.º 6642/2021).
No dia 29/12/2021 foi publicado no sítio oficial das publicações do Ministério da Justiça (http://publicacoes.mj.pt), aviso com o seguinte teor:
“NOTIFICAÇÃO // Aos credores, sociedade, sócios e gerentes: // Pelo presente aviso, e em cumprimento do disposto no número 4 e 5 e 7 do artigo 8.º do RJPADLEC e n.º 1 do artigo 167.º do Código das Sociedades Comerciais ficam notificados os credores, a sociedade supra identificada, bem como os seus sócios e gerentes, de que teve início o procedimento administrativo de dissolução, pelo facto de a administração tributária ter comunicado a esta conservatória, a declaração oficiosa da cessação de actividade da sociedade, nos termos previstos na legislação tributária, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 5.º do RJPADLEC, procedimento que corre termos sob o n.º 6642/2021, encontrando-se os documentos disponíveis para consulta nesta Conservatória. // Ficam notificados os credores de que dispõem do prazo de dez dias a contar desta notificação para informar estes serviços sobre os créditos e os direitos que detenham sobre a sociedade, bem como se têm conhecimento de bens e direitos de que aquela seja titular. Informa-se ainda que a comunicação de existência de créditos e direitos que detenham sobre a sociedade, bem como a existência de bens e direitos de que esta seja titular, determina a sua responsabilidade pelo pagamento dos encargos com os liquidatários e peritos nomeados pelo Conservador, sem prejuízo de poderem exigir da sociedade o reembolso dos encargos pagos. // Ficam notificados os sócios, gerentes e sociedade de que dispõem do prazo de dez dias a contar desta notificação para comunicar a este serviço a existência de activo e passivo da sociedade e de envio dos respectivos documentos comprovativos, bem como apresentando documentos úteis para a decisão. Dispõem ainda do prazo de 30 dias, a contar desta notificação, para regularizar a situação ou para demonstrar que já se encontra regularizada. // Constitui igualmente aviso que se resultar dos elementos do processo a inexistência de activo e passivo, ou se não for comunicado no prazo estipulado a sua existência, a Conservatória declara simultaneamente a dissolução e o encerramento da liquidação; se dos elementos do processo resultar a existência de activo e passivo a liquidar, depois da dissolução segue a liquidação sem qualquer outra notificação.”
Em 27/05/2022 foi remetida carta registada com a/r à sociedade W… Lda, com o seguinte teor: “Comunica-se a V. Ex.ª que foi instaurado o procedimento administrativo de dissolução/liquidação da entidade “W… Lda”, com o NIPC xxx, nos termos previstos no n.º 5 do artigo 8.º do Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e de Liquidação de Entidades Comerciais, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 76-A72006, de 29 de março (RJPADLEC). // Mais comunicamos que ao procedimento foi atribuído o n.º 6642/2021, sendo que a notificação prevista no n.º 4 da mesma norma legal, foi realizada por aviso electrónico no sítio oficial das publicações do Ministério da Justiça: http://publicacoes.mj.pt, onde poderá ser consultada”. Esta carta foi devolvida com a menção “Mudou-se”.
Na mesma data, foram remetidas cartas registadas para os sócios e gerentes C … e P … (entregues em 03 e 07/06/2022, respectivamente).

Em 09/09/2022, a CRComercial de Lisboa proferiu despacho final com o seguinte teor:
“Na sequência de comunicação, por parte da administração tributária, da declaração oficiosa da cessação da actividade da sociedade “W… Lda” (…) nos termos previstos na legislação tributária, foi instaurado, a coberto da alínea c), do artigo 5.º do (…) RJPADLEC (…) procedimento administrativo de dissolução a que ficou a corresponder n.º 6642/2021. // Procedeu-se à notificação, por aviso electrónico, nos termos previstos no artigo 167.º, n.º 1, do CSCom, em cumprimento dos n.ºs 1, 2 e 4, bem como do n.º 8, do artigo 8.º e do artigo 9.º do RJPADLEC, da sociedade supra identificada, dos seus sócios ou dos respectivos sucessores, dos gerentes, dos credores e dos trabalhadores. Nos termos previstos no n.º 5, do mesmo artigo 8.º do RJPADLEC, comunicou-se, por carta registada remetida à sociedade e aos respectivos membros constantes do registo, a realização da publicação no referido aviso. Foi dado cumprimento ao disposto no n.º 3 do artigo 9.º do RJPADLEC. (…) // Dos factos: // Lavrou-se o averbamento da pendência da dissolução administrativa, nos termos previstos no n.º 1, do artigo 6.º do RJPADLEC. // Feitas as notificações e comunicações supra referidas previstas nos artigos 8.º e 9.º, do RJPADLEC, decorridos os prazos legais, verifica-se que: • a sociedade, os sócios ou os seus sucessores, os gerentes não vieram ao processo comunicar a existência de activo e passivo da sociedade; • nenhum credor informou deter créditos ou direitos sobre a sociedade e/ou conhecer bens ou direitos de que a mesma seja titular. // Não resulta dos elementos constantes do processo que a situação esteja regularizada ou que estejam pendentes diligências com vista à sua regularização. // Do procedimento não resulta a existência de activo ou passivo suscetíveis de liquidação administrativa. // Do direito: // Analisada a matéria de facto resulta que: • se dá por verificada a causa de dissolução prevista na alínea c), do artigo 5.º do RJPADLEC; • da análise dos elementos constantes do processo não resulta apurada a existência de qualquer activo ou passivo a liquidar, nada obstando a que seja declarada, simultaneamente, a dissolução e o encerramento da liquidação da sociedade acima identificada, nos termos da aplicação conjugada dos n.ºs 3 e 4, do artigo 11.º do RJPADLEC. // Face ao exposto, considero o presente procedimento administrativo procedente, por provado, e decido, fundada nos n.ºs 3 e 4, do artigo 11.º do RJPADLEC, declarar, simultaneamente, a dissolução e o encerramento da sociedade comercial atrás identificada. // Em cumprimento do disposto no n.º 5, do indicado artigo 11.º, proceda-se à notificação, da presente decisão aos interessados, pela forma prevista no n.º 4 do artigo 8.º, do mesmo regime, informando-os ainda, de que dispõem do prazo de 10 dias a contar da mesma para, querendo, a impugnarem judicialmente, de acordo com o artigo 12.º, do RJPADLEC e com o efeito – suspensivo – ali fixado. Nos termos previstos no n.º 5, do mesmo artigo 8.º do RJPADLEC, comunique-se, por carta registada remetida à sociedade e aos respectivos membros constantes do registo, a realização da publicação do referido aviso. // Caso decorra o prazo de dez dias desde a mencionada notificação e da comunicação da sua realização sem que a presente decisão venha a ser objecto de impugnação judicial, lavre-se, de imediato, o registo de dissolução e encerramento da liquidação, procedendo-se ao cancelamento da matrícula, de acordo com o determinado na al. a), do artigo 62.º-A do Código do Registo Comercial.” 
No dia 19/09/2022 foi publicado no sítio oficial das publicações do Ministério da Justiça o competente aviso, com o seguinte teor: “Notificação // Aos credores, entidade comercial, gerentes, sócios ou seus sucessores e demais interessados // Ficam os interessados notificados que, no procedimento administrativo de dissolução autuado sob o n.º 6642/2021, referente à sociedade supra identificada, foi proferida decisão, tendo sido declarada, simultaneamente, a dissolução e encerramento da liquidação, uma vez que não foi apurada a existência de qualquer ativo ou passivo a liquidar. // Mais ficam notificados de que dispõem de 10 dias a contar desta notificação para impugnar judicialmente, querendo, a referida decisão, nos termos do artigo 12.º do RJPADLEC. Caso venha a decorrer o prazo de dez dias sem que a referida decisão seja objecto de impugnação judicial, será lavrado registo de dissolução e encerramento da liquidação, procedendo-se ao cancelamento da matrícula, de acordo com o determinado na al. al. a), do artigo 62.º-A do Código do Registo Comercial.”[1]

Em 30/09/2022 (original apresentado em 03/10/2022) C … (na qualidade de sócio e gerente da sociedade W… Lda) impugnou judicialmente a decisão da Conservatória do Registo Comercial de 09/09/2022 (de dissolução e encerramento da liquidação da sociedade), nos termos previstos pelos artigos 101.º-A, 104.º e 106.º do Código do Registo Comercial e pelo artigo 12.º do RJPADLEC, pugnando pela sua revogação e continuidade do processo de liquidação com as diligências necessárias[2].
Para além do mais, alegou: - não ter sido pessoalmente notificado da decisão final do procedimento (mas tão somente da decisão de instauração do procedimento administrativo), o que consubstancia nulidade; - o procedimento ter sido instaurado por falta de registo de prestação de contas, durante dois anos consecutivos, circunstância que se deveu a incúria do, também sócio e gerente, P …; - aquando da notificação de 27/05/2022, o impugnante não se ter pronunciado por se encontrar, à data, com “graves problemas de saúde”; - não ser verdade que a sociedade não tenha passivo (referindo a existência de processos de execução, os quais identificou); - não ter a Conservatória de Registo Comercial solicitado, como deveria, à AT informação sobre “eventuais registos de trabalhadores da sociedade” e diligenciado por informação acerca do activo e passivo da mesma (omissão que configura nulidade – artigos 9.º, n.º 1, al. c), e 11.º, n.º 4 do RJPADLEC); - só poder ser declarada, simultaneamente, a dissolução e o encerramento da liquidação da entidade comercial se, dos demais elementos constantes do processo, não for apurada a existência de qualquer activo ou passivo a liquidar (artigo 11.º, n.º 4, já citado).
Não obstante, resulta da impugnação não possuir a sociedade quaisquer bens (o imóvel de que era proprietária foi vendido pela Autoridade Tributária – desconhecendo se existirá algum activo daí resultante - e o veículo automóvel “desapareceu” quando o sócio P … se ausentou para parte incerta).
Arrolou prova testemunhal e juntou documentos.  

Por não se encontrar junto ao processo o despacho de sustentação da decisão impugnada, foi o mesmo solicitado à competente Conservatória de Registo Comercial – cfr. promoção do MP de 27/06/2023 e despacho de 24/10/2023.

A senhora Conservadora do Registo Comercial de Lisboa, em 07/11/2023, elaborou despacho de sustentação da decisão impugnada (o qual foi junto aos autos no dia 9), no mesmo tendo concluído: “Nestes termos, e não apenas porque o procedimento seguiu a tramitação prevista no RJPADLEC, mas também porque não foi trazido ao processo, pela forma prevista na lei, informação da existência de ativo ou de passivo, nem foi feita prova da regularização da situação que serviu de base à instauração do processo ou recebida qualquer comunicação da AT nesse mesmo sentido diremos, em conclusão, que não assiste razão ao impugnante.”
Tal despacho tem o seguinte teor[3]:
“(…) PRONÚNCIA // Começamos por esclarecer que, como resulta dos elementos do processo e diversarente do que se refere na petição inicial, o P.º 6642/2021 teve como fundamento o facto previsto na al. c) — comunicação por parte da Administração Tributária da declaração oficiosa de cessação da atividade da identificada sociedade, nos termos previstos na legislação tributária — e não na al. a) — a sociedade não ter procedido ao registo da prestação de contas durante dois anos consecutivos —, do artigo 5.º, do RJPADLEC. // Afigura-se-nos, também, que a conservatória, ao contrário do que se invoca, cumpriu a legislação aplicável ao caso.
Com efeito:
a) Da nulidade por falta de notificação da decisão final // A nosso ver, não se verifica a nulidade invocada. // Por força do disposto no n.º 4 do artigo 8.º, aplicável por força do n.º 5, do artigo 11.º, ambos do RJPADLEC, a notificação da decisão de dissolução e encerramento da liquidação proferida ao abrigo do n.º 4, deste mesmo artigo 11.º, realiza-se através da publicação de aviso, nos termos do n.º 1 do artigo 167.º do Código das Sociedades Comerciais. Ora, como resulta do que vem sendo dito e dos documentos constantes do processo, esta notificação foi efetuada em 19.09.2022. // Na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, as cartas previstas no n.º 5, do artigo 8º, do RJPADLEC, não são, por regra, feitas no momento imediatamente seguinte à realização da notificação por aviso eletrónico. Com efeito, o Instituto dos Registos e do Notariado distribui, a esta Conservatória, listagens com vários milhares de sociedades para efeitos de instauração dos processos, sendo que, por questões relacionadas com a organização das tarefas e maximização dos recursos disponíveis, estas comunicações se fazem num mesmo momento relativamente a um grande número de processos, depois de, previamente, efetuados, um a um e manualmente os avisos por via eletrónica, previstos no n.º 4, do artigo 8.º, do RJPADLEC. // Isso mesmo aconteceu no conjunto de processos em que o presente caso se inclui. As notificações, por via eletrónica, das decisões finais dos mais de 6800 processos instaurados em 2021, foram realizadas durante os meses de setembro e de outubro de 2022. De seguida, enviaram-se, via CTT, as cartas previstas no n.º 5 do artigo 8.º, do RJPADLEC, num primeiro momento, em 18.10.2022, num total de 15997 ofícios — onde se incluíram os referentes ao processo em causa — e, posteriormente, em 25.10.2022, os restantes. // No caso concreto, havia sido, entretanto, remetida a este serviço de registo a petição relativa à impugnação judicial do despacho de dissolução e encerramento da liquidação, a qual se nos afigura, assim, tempestiva.
b) Da nulidade decorrente da não notificação e comunicação ao trabalhador do início do processo // Somos de opinião que nãa se verifica a nulidade invocada. // Apesar de ter dado cumprimento ao n.º 3, do artigo 9.º, do RJPADLEC, a Corservatória não foi informada da existência de trabalhadores da sociedade, nos dois anos anteriores à instauração do processo. // Por mensagem de correio electrónico remetida em 12.01.2022, foi solicitdo à Segurança Social que informasse sobre a existência de eventuais registos de trabalhadores relativos à sociedade, nos últimos dois anos, mas aquela entidade não disponibilizou a identificação e morada de qualquer trabalhador, circunstância que, de acordo com o disposto no n.º 5, do mesmo artigo 9.º, do RJPADLEC, não impede que o processo prossiga e que seja proferida decisão.
c) Da nulidade decorrente da omissão de diligências com vista à obtenção de informações acerca do ativo ou passivo da sociedade // Afigura-se-nos que não se verifica a nulidade invocada. // Decorre do regime legal constante do RJPADLEC quem é notificado para vir ao processo informar da existência de ativo e de passivo — cfr artigos 8.º e 9.º. Cumpridas as formalidades legais, o Conservador limita-se a verificar se, dos elementos trazidos ao processo resulta apurada a existência de ativo e/ou passivo. Assim, a verificação, superveniente, da sua existência, não gera, por si só, invalidade do processo.”

Tendo vista nos autos, nos termos do disposto no artigo 105.º, n.º 1, do Código do Registo Comercial, o Ministério Público apresentou parecer, datado de 15/11/2023, no sentido da improcedência da impugnação suscitada.

Em 30/11/2023, o tribunal recorrido consignou: alguns dos documentos constantes dos autos são suficientes para um conhecimento de mérito (com o envolvimento de matéria de direito), pelo que não se justifica a realização de diligências instrutórias acrescidas”.
E, de seguida, decidiu julgar “improcedente o recurso de impugnação, por falta de fundamento legal, assim mantendo a decisão final impugnada, com a data de 9 de setembro de 2022”.

Inconformado com tal sentença dela interpôs RECURSO o impugnante C …, tendo formulado as CONCLUSÕES que aqui se transcrevem:
1. No presente impugna-se a matéria dada como provada em 10 factos na sentença final, em saneador-sentença sem contraditório e sem julgamento.
2. A sentença recorrida é nula, pois os autos foram tramitados à revelia do impugnante, representado por advogado desde o início, mas que só foi notificado da sentença final.
3. Os factos provados estão impugnados, são conclusivos e carecem de prova documental e testemunhal.
4. A sentença é nula por omissão de pronuncia, pois não fundamentou a dispensa da prova testemunhal.
5. Não foi dispensada a audiencia previa, nem o Recorrente foi notificado para alegações e nem ao menos para a possibilidade de saneador-sentença, a prova arrolada pelo impugnante foi ignorada pelo Tribunal, mas foram indicada 3 testemunhas, que não foram ouvidas.
6. A Sentença é nula porque não houve cumprimento previo do contraditório, o Advogado do recorrente foi ignorado durante toda a tramitação, tendo apenas sido notificado da decisão final.
7. Nem ao menos o mandatário do impugnante foi notificado da promoção do Ministério Publico de 15/11/2023, Refª 430285730 e nem para a fundamentação do Conservador de 09/11/2023 Refª 37531552.
8. As questões objeto da matéria assente em 4 a 10 deveriam ter sido objeto de prova documental e testemunhal, sendo apenas conclusivas e opinativas, sem fundamento em provas concretas.
9. Quanto aos factos nº 5 e 6 da materia assente, sempre se dirá que estando impugnados teria de ser dada oportunidade ao Recorrente de produzir a prova arrolada, pois são fundamentais para o apuramento da situação patrimonial da sociedade
10. O Tribunal estava impedido de dar como provado o facto 7, sem ouvir primeiro a prova arrolada pelo impugnante e obter a documentação devida.
11. Também os factos nº 9 e 10 são conclusivos e até contraditórios com a data de interposição da impugnação do despacho de dissolução.
12. A Contradição reside no facto de o Aviso do despacho de dissolução ter sido publicado em 19 de Setembro de 2022, e foi impugnado em Recurso interposto em 29 de Setembro de 2022 mas o Tribunal dá como provado em 9 e 10, um facto negativo, ou seja que as cartas para notificação de uma decisão já impugnada, não foram recusadas tendo sido remetidas apenas em 18-10-22.
13. Em face da impugnação destes factos pelo recorrente deveria o Tribunal a quo ter-lhe dado a possibilidade de produção de prova. 14. Quanto à prova documental constata-se que não foi oficiado à Seg. Social a insistir pela resposta omitida e também não foi oficiado à AT. Conforme requerido pelo Recorrente, que juntou documentos de rateio em execução fiscal, os quais foram ignorados pelo Tribunal a quo.
15. O presente recurso com impugnação da matéria de facto, não deixa de ser admissivel, por não haver prova gravada, pelo que o prazo acrescido de 10 dias deve ser concedido, sem prejuizo da multa paga por cautela do patrocinio, uma vez que foi omitido despacho sobre toda a prova requerida e o recurso tem como fundamento precisamente a impugnação da materia dada como provada.
16. Considerando o teor da sentença recorrida, constata-se que seguiu de perto a Douta promoção do Ministério Publico, mas omitiu notificação prévia do recorrente para a possibilidade de decisão logo em saneador-sentença, e não dispensou a audiência previa, tudo ocorrendo sem qualquer notificação ao Advogado do Recorrente.
17. A sentença recorrida está viciada pelo “efeito surpresa” com tudo aquilo que tais decisões têm de contrárias ao Direito e à realização da justiça e ao estímulo da confiança dos cidadãos nas decisões jurisdicionais.
18. Nos presentes autos, pendentes desde 25/10/2022, regista-se a singularidade de o Recorrente só ter recebido uma única notificação, a sentença final, o que demonstra a flagrante violação do princípio do contraditório.
19. A sentença recorrida padece do vicio de fundamentação genérica e respalda-se em elementos que não foram dados a conhecer ao Recorrente.
20. Carece ainda de averiguação e prova a atuação da AT que tendo o rateio da venda de imóvel da sociedade para distribuir pelos credores e pela propria executada comunicou à Conservatória a necessidade da dissolução da W… Lda., desconhecendo-se se a distribuição do produto da venda chegou a ser distribuída pelos credores reclamantes.
21. Donde, a sentença recorrida deve ser substituída por outra que, cumprindo estas normas, ordene a realização de audiência prévia e/ou o julgamento, para que a final se dê, sem efeito, a decisão da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa de dissolução e liquidação da sociedade identificada nos autos, mantendo-se esta no ordenamento jurídico como até aqui.
22. É inconstitucional o critério normativo que resulta da conjugação dos Artº 105º, 106, 167 com os Artº 5º,8º, 9º,11º 12º do Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e de Liquidação de Entidades Comerciais (RJPADLEC), aprovado pelo Dec-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, na redação que lhe foi dada pelo Dec-Lei nº 250/2012, de 23/11) na medida em permite a prolação de decisão final sem qualquer notificação prévia ao impugnante/Recorrente, devidamente representado por Advogado.
23. Em suma a sentença é nula por violar o Artº 12 da Lei 62/2013 de 26 de Agosto e o Art.º 20 nº 4 da Lei Fundamental, por ter ignorado o Advogado durante toda a tramitação, não tendo remetido qualquer notificação, de qualquer despacho ou ato processual e só notificou a sentença final.
(…)
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso da matéria de facto e na matéria de direito, com prévia alteração dos factos provados nos termos requeridos, sendo ordenada a produção de prova em 1ª instância.
Quando assim não se entenda deve ser conhecida a inconstitucionalidade das normas que fundamentam a sentença proferida com violação total do contraditório.
Assim decidindo Exmos. Senhores Doutores Juízes Desembargadores farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA.

E, em 25/01/2024, o recorrente requereu a rectificação de um lapso de escrita constante das suas alegações[4].

O Ministério Público apresentou CONTRA-ALEGAÇÕES, nas quais concluiu:
- Da Sentença proferida em 30.11.2023, foi o ora recorrente notificado a 4.12.2023 [por via electrónica- ref.ª citius 430956979 da mesma data-, cfr. º 247.º n.º 1 e 248.º n.º 1 ambos do CPC ex vi do art.º 156.º, do Código do Registo Pedial, com referência ao 115.º do Código do Registo Comercial, e artº 5.º, da Portaria 246/2016, de 07.09], presumindo-se portanto como tendo sido efectuada a 7.12.2023.
- O requerimento de interposição de recurso de apelação, acompanhado das competentes alegações foi apresentado em 24.01.2024, muito para além do prazo de 30 dias, a que alude o art.º 638.º, n.º 1, do CPC, pelo que deverá ser rejeitado, por extemporaneidade.
- Sem conceder,
- As causas de nulidade da Sentença surgem elencadas no art.º 615.º do CPC, nas quais não se inclui o invocado pelo recorrente na sua alegação que, em consequência, improcede.
- A impugnação judicial de decisão proferida por Conservador do Registo Comercial, consubstancia um verdeiro recurso, no âmbito do qual se repondera a decisão recorrida, à luz dos elementos constantes do procedimento em causa e tidos em consideração na sua prolacção, sem que haja lugar à produção de prova.
- Termos em que se considera que a Sentença recorrida fez correcta aplicação da lei aos factos, pelo que com a sua manutenção se fará Justiça.
Deve, pois, negar-se provimento ao recurso.
V.ªas Ex.ªas porém, usando de mais avisado e prudente critério, melhor decidirão como for de JUSTIÇA.

O recorrente foi notificado para, querendo, se pronunciar quanto à questão atinente à tempestividade do recurso, tendo o mesmo vindo pugnar pela mesma[5].

O recurso foi considerado tempestivo e admitido como sendo de apelação, com subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo - artigos 627.º, 631.º, n.º 1, 638.º, n.º 1, 644.º, n.º 1, al. a), e 645.º, n.º 1, al. a), todos do CPC, em conjugação com o disposto no artigo 106.º, n.º 1, do CRComercial.
Pronunciando-se quanto à nulidade da decisão invocada pelo recorrente, o Mmo. Juiz a quo defendeu a sua inexistência.
Para tanto tendo consignado:
(…) Invocou o Recorrente, na sua essencialidade, a nulidade da sentença por alegada violação do princípio do contraditório. // (…) Nas taxativas causas de nulidade da sentença não se inclui – como é bom de ver – o invocado pelo Recorrente nas suas alegações de 24 de janeiro de 2024 (a pretensa violação do princípio do contraditório, em essência). // Ainda assim, diremos que a sentença recorrida não enferma de qualquer (putativa) “omissão de pronúncia”, sobre a dispensa da prova testemunhal, tendo o Tribunal entendido e consignado – explicitamente na decisão – que “(…) alguns dos documentos constantes dos autos são suficientes para um conhecimento de mérito (com o envolvimento de matéria de direito), pelo que não se justifica a realização de diligências instrutórias acrescidas”. // Nem ocorre nenhuma “fundamentação genérica” ou “contradição” entre factos provados, mas sim (e apenas) uma mera discordância do Recorrente em relação ao que ali foi decidido. // Nessa medida, inexistindo razões que levem a crer pela existência de qualquer uma dessas nulidades (ou de outras hipotéticas), mantemos a sentença nos seus precisos termos, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 615.º, n.º 4, e 641.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil.
Foi igualmente admitida a rectificação de lapso de escrita que havia sido requerida em 25/01/2024.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

*
II – DO OBJECTO DO RECURSO
Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões no mesmo formuladas, as questões a decidir são:
1. Da putativa nulidade da sentença por omissão de pronúncia e falta de fundamentação;
2. Da putativa nulidade da sentença por violação do princípio do contraditório;
3. Da eventual alteração da factualidade considerada provada;
4. Da verificação dos legais pressupostos para que fosse proferida decisão de dissolução e encerramento da liquidação da sociedade aqui em causa;
5. Da invocada inconstitucionalidade do critério normativo aplicado.

*
III – FUNDAMENTAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A 1.ª instância fixou a seguinte factualidade provada:
1. O auto de notícia foi exarado no dia 3 de dezembro de 2021, “na sequência de comunicação da Administração Tributária da declaração oficiosa de cessação de atividade da sociedade, nos termos previstos na legislação tributária, por existir fundamento de dissolução administrativa oficiosa conforme o disposto na alínea c), do art.º 5.º, do RJPADLEC”, e não por alegada falta de registo de prestação de contas da sociedade W… Lda.;
2. O primeiro aviso (início do procedimento) foi efetuado no dia 29 de dezembro de 2021, na página oficial de publicações do Portal da Justiça (cfr. artigos 8.º, n.ºs 4 e 8, e 9.º, n.ºs 1 e 6, do RJPADLEC), ali se mencionando que, se dos elementos do processo não for apurada a existência de qualquer ativo ou passivo a liquidar, ou se os notificados não comunicarem o ativo ou passivo no prazo determinado, o conservador declara simultaneamente a dissolução e o encerramento da liquidação;
3. A instauração do procedimento foi ainda comunicada, por carta registada (cfr. artigo 8.º, n.º 5, do RJPADLEC) expedida em 27 de maio de 2022, aos sócios e gerentes, nomeadamente ao aqui Impugnante, a quem foi entregue em 3 de junho de 2022, sendo que apenas a missiva endereçada à sociedade veio a ser devolvida;
4. O Impugnante, devidamente notificado, nada fez;
5. Em 12 de janeiro de 2022, foi solicitado aos serviços da Segurança Social que informasse sobre a existência de eventuais registos de trabalhadores da sociedade nos dois anos anteriores a dezembro de 2021 (cfr. artigo 9.º, n.º 3, do RJPADLEC);
6. Não tendo a solicitada informação sido prestada pelos mencionados serviços (falta de resposta), o procedimento prosseguiu ao abrigo do disposto no artigo 9.º, n.º 5, do RJPADLEC;
7. Em face da ausência de comunicação da existência de ativo e de passivo da sociedade, quer por parte dos sócios e gerentes, quer por parte de eventuais credores, e porque dos elementos do procedimento não decorria a existência de ativo ou passivo suscetíveis de liquidação, foi proferida a decisão (impugnada) em 9 de setembro de 2022;
8. O aviso da sua prolação foi efetuado a 19 de setembro de 2022, na página oficial de publicações do Portal da Justiça (cfr. artigos 8.º, n.ºs 4 e 5, aplicáveis por remissão do artigo 11.º, n.º 5, do RJPADLEC);
9. Por cartas registadas expedidas em 18 de outubro de 2022, foi comunicada a prolação daquela decisão final, para a sede da sociedade em causa e para ambos os sócios e gerentes, para as moradas constantes da ficha informática de registo;
10. Nenhuma destas missivas foi devolvida.
Com relevo para a presente decisão não se provaram quaisquer outros factos concretos (com a exclusão da matéria conclusiva e/ou de direito).

E motivou tal factualidade nos seguintes termos:
A factualidade elencada mostra-se documentalmente comprovada no processo administrativo – com cópia integral dos autos recursivos –, igualmente respaldada no despacho de sustentação; daí também decorre, salvo o respeito devido por entendimento adverso, a ausência de razão do Impugnante nos argumentos equacionados. // Na verdade, são elementos documentais que têm que ver com os antecedentes e a própria marcha do processo administrativo, reportando-se a factos concretos que, alguns deles, inclusive foram admitidos pelo Impugnante (cfr., a título ilustrativo, ponto 4 supra). // Ademais, nenhum dos elementos documentais carreados pelo aqui Impugnante conheceu a virtualidade de rebater a matéria demonstrada no presente recurso, de pouco ou nada adiantando para um cabal esclarecimento do circunstancialismo em análise.

*
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Da putativa nulidade da sentença
Dispõe o artigo 615.º, n.º 1, do CPC que a sentença é nula quando: a) não contenha a assinatura do juiz; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e e) condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
Como decorre desta norma, as causas de nulidade aqui previstas reportam-se à violação de regras de estrutura, conteúdo e limites do poder-dever de pronúncia do julgador, consubstanciando os mesmos vícios formais da sentença ou vícios referentes à extensão/limites do poder jurisdicional (não contendendo, pois, com o mérito da decisão)[6].
Alega o recorrente que a decisão recorrida é nula pelas seguintes razões:
- omissão total do contraditório e não realização das diligencias probatórias requeridas (omissão de audição das testemunhas arroladas e omissão de remessa de ofício à AT para que informasse se a sociedade tem quantias a receber em face da graduação de créditos por via da venda em execução fiscal do único imóvel de que foi proprietária);
- omissão de pronúncia por falta de fundamentação da dispensa da produção da prova testemunhal e demais diligências junto da AT (as quais não foram realizadas mas também não foram indeferidas) e de realização da audiência prévia (a qual também não foi dispensada), sequer tendo sido o recorrente notificado para apresentar alegações e para a possibilidade de prolação de saneador-sentença (não tendo sido cumprido o contraditório);
- falta de notificação da promoção do MP de 15/11/2023 e da “fundamentação do Conservador” de 09/11/2023 (inclusive ao mandatário do recorrente),
- violação dos artigos 3.º n.ºs 1 e 3, 5.º, 6.º, 7.º, 590.º, 591.º, 592.º, 593.º, 599.º e 615.º, todos do CPC.
O Mmo. Juiz a quo pronunciou-se no sentido de inexistir qualquer nulidade.
Apreciemos.

Da putativa nulidade da sentença por omissão de pronúncia
A al. d) do n.º 1 do artigo 615.º reporta-se às situações nas quais o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, isto é, casos nos quais ocorre uma omissão ou um excesso de pronúncia.
Trata-se de uma nulidade que se mostra interligada com a previsão do artigo 608.º, n.º 2, do CPC, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Como esclarece João Castro Mendes[7], o vício que o recorrente imputa à sentença, de omissão de pronúncia, corresponde a vício de limite, por não conter o que devia conter por referência à instância e ao caso delineado na acção.
Como se sumariou no acórdão do STJ de 03/10/2017[8], "I –As causas de nulidade de sentença (ou de outra decisão), taxativamente enumeradas no art.º 615.º do CPC, visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão ou a não conformidade dela com o direito aplicável. II - A nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608.º e 609.º do CPC, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada. III - A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia. IV - É em face do objecto da acção, do conteúdo da decisão impugnada e das conclusões da alegação do recorrente que se determinam as questões concretas controversas que importa resolver. (…)”.
No caso, a questão a decidir prende-se com a dissolução e encerramento da liquidação da sociedade W… Lda. e essa foi apreciada e decidida, tudo o mais não podendo ser valorado para efeitos de estarmos perante qualquer vício de nulidade que afecte a sentença recorrida.
Se o entendimento da 1.ª instância foi ou não o mais acertado será já outra questão, mas que não se confunde com o vício apontado.
Conclui-se, assim, não padecer a sentença recorrida da invocada nulidade.

Da putativa nulidade da sentença por falta de fundamentação
Decorre da peça recursória que o recorrente invoca igualmente a existência de nulidade por falta de fundamentação, desta feita por, no seu entender, a 1.ª instância não ter adiantado qualquer justificação para que as testemunhas por si arroladas não tivessem sido inquiridas, bem como para que não tivesse tido lugar a realização de audiência prévia.
Argumenta que a matéria de facto não poderia ter sido fixada nos moldes em que o foi revelando-se vaga e conclusiva, sendo que, para que tal fixação ocorresse, necessário seria que as diligências probatórias requeridas tivessem tido lugar (sendo que o tribunal assim não procedeu e sequer as indeferiu). Nesse pressuposto veio igualmente impugnar a matéria de facto considerada assente na sentença.
Estamos, agora, em face de uma situação enquadrável na al. b) do já mencionado n.º 1 do artigo 615.º do CPC – falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão -, sendo que a nulidade que daí decorre tem correspondência com o n.º 3 do artigo 607.º do CPC - deve o juiz “discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final” – e, ainda, com o artigo 154.º, n.º 1 do mesmo código - “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”.[9]
Mais uma vez, trata-se de uma nulidade - tal como as demais previstas nas als. c) a e) do mesmo número – que, para além de não ser de conhecimento oficioso, respeita “ao teor do ato decisório, nomeadamente ao cumprimento das normas processuais que determinam a estrutura, objeto e limites do julgamento; porém, não quanto ao mérito desse julgamento”.[10]
Contudo, como tem vindo a ser decidido de forma uniforme pela nossa jurisprudência, apenas a absoluta falta de fundamentação é susceptível de integrar nulidade. Já assim não ocorrerá se a sentença, embora de forma insuficiente ou mesmo incorrecta, se mostre fundamentada (o que apenas será valorado para efeitos de uma eventual revogação ou alteração do decidido), não configurando, igualmente, nulidade o putativo desacerto da decisão.
Da leitura da sentença recorrida, constata-se que o Mmo. Juiz a quo elencou quais os factos que considerava provados (referindo inexistirem quaisquer outros) e, em sede de motivação, expôs o fundamento da sua convicção, aludindo expressamente aos meios probatórios que a sustentaram (prova documental, não obstante ter destacado que, quanto ao facto n.º 4, foi o mesmo admitido pelo impugnante/recorrente)[11].
Acresce que, como expressamente consignado na sentença, “alguns dos documentos constantes dos autos são suficientes para um conhecimento de mérito (com o envolvimento de matéria de direito), pelo que não se justifica a realização de diligências instrutórias acrescidas”.
Ou seja, mostra-se fundamentada a razão pela qual o tribunal recorrido entendeu não ser necessário proceder a quaisquer diligências instrutórias, para além da prova que já resultava dos autos.
Como tal, uma vez mais, independentemente do acerto do decidido, carece de fundamento a alegação segundo a qual a sentença não se mostra fundamentada. Diferente seria se a sentença se revelasse ininteligível (o que não é o caso).[12]
Já com relação à não realização da audiência prévia, mais adiante nos pronunciaremos.
Improcede, assim, nesta parte, a pretensão do recorrente.

Da putativa nulidade da sentença por violação do princípio do contraditório
Defende o recorrente que o tribunal a quo não curou de assegurar o contraditório, não realizou nem dispensou a realização de audiência prévia e decidiu de imediato do mérito (sem que aquele tivesse sido previamente notificado de que iria ser desde logo proferido saneador-sentença).
Reputando de essenciais as diligências probatórias que requereu, alega propor-se a provar os factos contrários à matéria assente, ou seja, que a sociedade ainda tem património e que portanto não estava em condições de ser dissolvida, acrescentando carecer de averiguação e prova a atuação da AT que tendo o rateio da venda de imóvel da sociedade para distribuir pelo credores e pela própria executada comunicou à Conservatória a necessidade da dissolução da W… Lda, desconhecendo-se se a distribuição do produto da venda chegou a ser distribuída pelos credores reclamantes.
Pugna pela substituição da sentença recorrida por outra que ordene a realização de audiência prévia e/ou o julgamento.
Mais refere apenas terem sido ouvidos a Sra. Conservadora (despacho de sustentação a que se reporta o ofício de 09/11/2023) e o MP (promoção de 15/11/2023), pronúncias que não foram notificadas ao recorrente e respectivo mandatário.
Realça ter sido notificado da sentença final, mas que a mesma respalda-se em elementos que não foram dados a conhecer ao impugnante, transcrevendo o segmento da decisão no qual se pode ler: “(…) igualmente respaldada no despacho de sustentação; daí também decorre, salvo o respeito devido por entendimento adverso, a ausência de razão do Impugnante nos argumentos equacionados”.
Conclui que todo o processo foi tramitado à sua revelia, mais argumentando estarmos em face de uma inconstitucionalidade.
Vejamos se assim é.
Actualmente, vigora no nosso ordenamento jurídico uma concepção ampla do princípio do contraditório[13], estando o mesmo associado, não apenas a uma efectiva participação das partes no desenvolvimento do litígio, mas também ao poder de influenciarem o que no processo se decide. Nessa medida, não é lícito ao tribunal conhecer de quaisquer questões (de facto ou de direito) sem que as partes tenham oportunidade de sobre elas se pronunciarem, razão pela qual não se admite a prolação das chamadas decisões surpresa. [14]
Assim, se uma decisão for proferida com preterição do contraditório, será a mesma intrinsecamente nula, por excesso de pronúncia, já que o foi sem que os autos estivessem processualmente preparados para tanto (por não ter sido possibilitada a pronúncia pela parte contrária).
Isto posto, dir-se-á que o n.º 3 do artigo 3.º do CPC prescreve que “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”, sendo que o artigo seguinte impõe que o tribunal assegure, “ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais”, com isso se visando impedir o tratamento privilegiado ou discriminatório de alguma das partes, designadamente quanto ao exercício de determinadas faculdades ou uso de certos meios de defesa[15].
Como escreve Marco Carvalho Gonçalves[16], “O princípio do contraditório, consubstanciado na possibilidade de o requerido de uma determinada providência “oferecer as suas provas, de controlar as provas do adversário e de discretear sobre o valor e resultados”, insere-se no direito a um processo justo e equitativo, sendo, por isso, um importante “instrumento de procura da verdade provável”. Com efeito, o princípio do contraditório é concretizado, quer pelo direito à audição prévia da parte contra a qual foi requerida a providência judicial, quer pelo direito de resposta em relação a um determinado ato processual praticado pela contraparte ou pelo tribunal.”
Já segundo o Tribunal Constitucional[17], o direito de acesso aos tribunais “é, entre o mais, um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcia­lidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder «deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultados de umas e outras»”.

Previamente ao conhecimento da questão agora enunciada, cumpre tecer algumas considerações quanto ao regime aqui aplicável, a saber, o Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29/03, na redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 250/2012, de 23/11, em cujo preâmbulo se refere ser adoptada “uma modalidade de dissolução e liquidação administrativa e oficiosa de entidades comerciais, por iniciativa do Estado, quando existam indicadores objectivos de que a entidade em causa já não tem actividade embora permaneça juridicamente existente”.
Iniciado o procedimento administrativo, no que para o caso releva, do mesmo terão que ser notificados a sociedade e os sócios, notificação essa que é realizada através da publicação de aviso nos termos do artigo 167.º, n.º 1 do CSC[18], dando conta de que os documentos estão disponíveis para consulta no serviço de registo competente – artigo 8.º, n.ºs 1, al. a), 2 e 4 do RJPDLEC.
Essa notificação deverá conter os seguintes elementos: a) cópia do requerimento ou do auto e da documentação apresentada; b) ordem de comunicação ao serviço de registo competente, no prazo de 10 dias a contar da notificação, do activo e do passivo da entidade comercial e de envio dos respectivos documentos comprovativos, caso esses elementos ainda não constem do processo; c) concessão de um prazo de 10 dias, a contar da notificação, para dizerem o que se lhes oferecer, apresentando os respectivos meios de prova (n.º 2 do referido artigo 8.º).
Tal publicação deverá ainda ser comunicada à entidade comercial e aos respectivos membros que constem do registo, por carta registada. Igualmente terá que ser publicado um aviso, nos termos supra referidos, dirigido aos credores da entidade comercial e dos sócios, no qual, para além do mais, se comunica aos mesmos que “Devem informar, no prazo de 10 dias, os créditos e direitos que detenham sobre a entidade comercial em causa, bem como o conhecimento que tenham dos bens e direitos de que esta seja titular” – n.ºs 5 e 8 do mesmo artigo 8.º.
Quando o processo seja instaurado oficiosamente, estatui o n.º 1 do artigo 9.º do RJPDLEC que “a notificação deve conter os elementos referidos no nº 2 do artigo 8º , excepto o que consta da alínea c), e ainda os seguintes: a) Solicitação da apresentação de documentos que se mostrem úteis para a decisão; b) Concessão de um prazo de 30 dias, a contar da notificação, para a regularização da situação ou para a demonstração de que a regularização já se encontra efectuada; c) Aviso de que, se dos elementos do processo não for apurada a existência de qualquer activo ou passivo a liquidar ou se os notificados não comunicarem ao serviço de registo competente o activo e o passivo da entidade comercial, o conservador declara simultaneamente a dissolução e o encerramento da liquidação da entidade comercial; d) Advertência de que, se dos elementos do processo resultar a existência de activo e passivo a liquidar, após a declaração da dissolução da entidade comercial pelo conservador, se segue o procedimento administrativo de liquidação, sem que ocorra qualquer outra notificação”, acrescentando ainda que “No caso de a entidade comercial ter trabalhadores registados, a sua identificação e residência devem ser comunicadas ao serviço de registo competente no prazo de 10 dias a contar da solicitação referida no número anterior, para notificação e comunicação de que o procedimento teve início, nos termos dos n.ºs 4, 5 e 9 do artigo 8º.” (n.º 4) , sem prejuízo de “Na falta de resposta da Inspecção-Geral do Trabalho e dos serviços competentes da segurança social no prazo referido no número anterior pode o procedimento administrativo de dissolução prosseguir e vir a ser decidido sem essa resposta” (n.º 5).
Não tendo sido regularizada a situação, o conservador profere decisão, nos moldes previstos no artigo 11.º - em cujo n.º 4 se estatui que “Se do requerimento apresentado, do auto elaborado pelo conservador ou dos demais elementos constantes do processo não for apurada a existência de qualquer activo ou passivo a liquidar, o conservador declara simultaneamente a dissolução e o encerramento da liquidação da entidade comercial” – a qual poderá, então, ser alvo de impugnação judicial – artigo 12.º - “1 – Qualquer interessado pode impugnar judicialmente a decisão do conservador, com efeito suspensivo, no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão. 2 – A acção judicial considera-se proposta com a sua apresentação no serviço de registo competente em que decorreu o procedimento, sendo de seguida o processo remetido ao tribunal judicial competente. (…)”
Contudo, o legislador não fixou qual o regime a observar na tramitação dessa impugnação.
Ora, como se defende no acórdão do STJ de 27/10/2020 (Proc. n.º 5785/19.8T8LSB.L1.S1, relatora Graça Amaral), o regime subsidiário a atender relativamente aos aspectos que não se encontrem especificamente regulados pelo RJPADLEC não pode deixar de ser o constante do Código de Registo Comercial, porquanto está em causa a necessidade de regularização do registo (o procedimento apenas é dirigido a entidades sujeitas a registo comercial – cfr. artigos 1.º, n.ºs 1 e 2, e 2.º, n.º 1, ambos, do CRC)[19].
Nessa medida, importa chamar à colação as seguintes normas do Cód.Reg.Com.:
- Artigo 101.º-A: ”1 – O recurso hierárquico ou a impugnação judicial interpõem-se por meio de requerimento em que são expostos os seus fundamentos. 2 - A interposição de recurso hierárquico ou a impugnação judicial consideram-se feitas com a apresentação das respectivas petições na conservatória competente.”;
- Artigo 101.º-B: “1 - Impugnada a decisão e independentemente da categoria funcional de quem tiver lavrado o despacho recorrido, este é submetido à apreciação do conservador, o qual deve proferir, no prazo de 10 dias, despacho a sustentar ou a reparar a decisão, dele notificando o recorrente. 2 - A notificação referida no número anterior deve ser acompanhada do envio ou entrega ao notificando de fotocópia dos documentos juntos ao processo. 3 - Sendo sustentada a decisão, o processo deve ser remetido à entidade competente, no prazo de cinco dias, instruído com fotocópia autenticada do despacho de qualificação do registo e dos documentos necessários à sua apreciação. 4 - A tramitação da impugnação judicial, incluindo a remessa dos elementos referidos no número anterior ao tribunal competente, é efectuada electronicamente, nos termos a definir por portaria do Ministro da Justiça.”;
- Artigo 105.º: “1 - Recebido em juízo e independentemente de despacho, o processo vai com vista ao Ministério Público para emissão de parecer. 2 – (…)”; e
- Artigo 106.º: “1 – Da sentença proferida podem sempre interpor recurso para a Relação, com efeito suspensivo, o impugnante, o conservador que sustenta, o presidente do Instituto dos Registos e do Notariado, I. P., e o Ministério Público. 2 - Para os efeitos previstos no número anterior, a sentença é sempre notificada ao presidente do Instituto dos Registos e do Notariado, I. P. 3 - (Revogado.) 4 - Do acórdão da Relação não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível.
Em face do assim previsto, e reportando ao caso, diremos que, no que respeita à fase administrativa propriamente dita, foi integralmente respeitado o contraditório, tendo o aqui recorrente sido notificado do início oficioso do procedimento – o qual teve por fundamento a previsão da al. c) do artigo 5.º do RJPADLEC (a saber, ter a AT “comunicado ao serviço de registo competente a declaração oficiosa de cessação de actividade da sociedade, nos termos previstos na legislação tributária”) e não a previsão da sua al. a) (“Durante dois anos consecutivos, a sociedade não tenha procedido ao registo da prestação de contas”) -, notificação essa efectuada nos moldes prescritos pelo artigo 8.º, n.ºs 1, al. a), 2, 4 e 5, bem como pelo artigo 9.º, n.º 1, do citado diploma legal. Para além de o aviso publicado em 29/12/2021, por si só, ser o meio formalmente previsto para que seja dado conhecimento da instauração do procedimento administrativo (sendo de todo irrelevante que o recorrente não se tenha “apercebido do teor” dessa notificação, bem como não tenha consultado as publicações online, como referido no artigo 13.º do articulado de impugnação), o certo é que foram depois remetidas cartas registadas à sociedade e aos seus sócios gerentes disso dando conta, sendo que a dirigida ao recorrente foi entregue em 03/06/2022.
Sucede que o impugnante/recorrente, não obstante ter sido notificado, nenhuma pronúncia juntou ao processo.
Posteriormente, tendo sido proferida a decisão final pela Sra. Conservadora, foi a mesma notificada ao ilustre mandatário do recorrente (uma vez mais se dando cumprimento ao exigido contraditório – cfr. artigo 11.º, n.º 5 do RJPADLEC -, não assumindo relevância jurídica o facto de tal notificação ter ocorrido em momento posterior ao da apresentação da impugnação, porquanto em nada afectou esta última).
Conclui-se, pois, no sentido de não ter sido preterido qualquer contraditório, sendo que igualmente não se impunha a inquirição das testemunhas arroladas na petição de impugnação (ou de qualquer outra prova, para além da que havia já sido produzida e constava dos autos)[20].
E, igualmente nenhuma nulidade resulta do facto de não constar dos autos o registo dos eventuais trabalhadores da sociedade, porquanto, não obstante o n.º 3 do artigo 9.º do RJPADLEC estatuir que “Devem ser solicitadas, preferencialmente por via electrónica, à Inspecção-Geral do Trabalho e aos serviços competentes da segurança social informações sobre eventuais registos de trabalhadores da entidade comercial nos dois anos anteriores à instauração do procedimento.”[21] (o que foi cumprido), acrescenta o n.º 5 da mesma norma que “Na falta de resposta da Inspecção-Geral do Trabalho e dos serviços competentes da segurança social no prazo referido no número anterior pode o procedimento administrativo de dissolução prosseguir e vir a ser decidido sem essa resposta.”
Já com relação à fase judicial (em sede de recurso), ao contrário do defendido pelo recorrente, dir-se-á que, em face do que decorre das transcritas normas do Cód.Reg.Com., impõe-se concluir no sentido de não haver lugar à realização de audiência prévia, não tendo o tribunal recorrido que a agendar ou dispensar, pelo que nunca a sua não realização poderá configurar nulidade da sentença.
Como se refere no acórdão desta Secção de 13/09/2024, importa aferir antes de mais “se o processo em causa – impugnação judicial de decisão de conservador em procedimento administrativo de dissolução e liquidação – está sujeito à disciplina dos arts. 590º e ss. do CPC, se estando, era obrigatória a realização de audiência prévia e se a sua omissão consubstancia uma omissão de um ato previsto por lei que possa ser gerador de nulidade da decisão subsequente, e ora recorrida”. E, continua, “Os únicos trâmites previstos são (…) a vista ao Ministério Público e o julgamento da impugnação. (…) Pese embora a referência a ação judicial constante do nº2 do art.º 12º do RJPADLEC, estruturalmente estamos ante uma impugnação de uma decisão tomada em procedimento administrativo contraditório, que, em termos processuais civis se identificará muito mais como um recurso, do que como uma ação. // Na verdade, já existe uma decisão tomada pela entidade competente e a finalidade da impugnação é apenas a da confirmação ou revogação da decisão proferida. Note-se que o tribunal competente não pratica atos de registo, apenas confirma ou revoga atos da entidade competente para os praticar, o conservador, estando para o efeito prevista a comunicação oficiosa da decisão (sentença ou acórdão) tomada no processo de impugnação judicial pelo tribunal ao serviço de registo (arts. 12º nº 3 do RJPADLEC e 107º nº2 do CRCom), logo que transitada em julgado (…)”. Por fim, conclui-se: “não vemos, face às regras aplicáveis (arts. 12º do RJPADLEC e 104º e ss. do CRCom) possibilidade de aplicação das regras do processo comum de declaração previstas no CPC e, consequentemente, do regime da audiência prévia previsto nos arts. 591º e ss. do CPC”.
Subscrevemos o acabado de transcrever, pelo que improcede, nessa parte, a pretensão recursória.

Porém, como decorre expressamente no estatuído no transcrito artigo 101.º-B, n.ºs 1 e 2 do Cód.Reg.Com., o despacho do conservador pelo qual a decisão impugnada é sustentada ou reparada tem que ser notificada ao recorrente nos moldes aí previstos.
No caso, o processo foi remetido pela Conservatória ao Tribunal sem que o despacho em causa tivesse sido proferido, o que apenas veio a suceder posteriormente, mais concretamente, em 07/11/2023 (na sequência da promoção do MP de 27/06/2023 e do despacho do Mmo. Juiz a quo de 24/10/2023).
E, não obstante, assim ter sucedido, não foi o recorrente dele notificado, tendo o processo prosseguido com a emissão do parecer pelo MP (também ele não notificado ao recorrente ou ao respectivo mandatário) e a prolação da decisão recorrida.
Estamos, pois, em face de uma nulidade (omissão processual que contende com o direito ao contraditório) que foi acobertada pela decisão recorrida (nessa medida podendo ser invocada em sede de recurso, como o foi – cfr. artigo 630.º, n.º 2 do CPC).
Nessa medida, nesta parte, a decisão recorrida padece efectivamente do vício de nulidade por excesso de pronúncia.

Em face de tal nulidade, coloca-se a questão de saber se esta Relação pode substituir-se ao tribunal a quo, nos termos e para os efeitos do artigo 665.º, n.º 1 do CPC - “Ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação”.
Como refere Abrantes Geraldes[22], decorre deste artigo que, apesar de verificada uma nulidade, poderá a Relação conhecer do âmbito do recurso desde que os autos reúnam todos os elementos para tanto. A anulação da decisão não acarreta automaticamente a remessa do processo para a 1.ª instância, devendo a Relação proceder à apreciação do objecto do recurso, só assim não sucedendo caso não disponha dos elementos necessários para tanto – n.º 2 do mesmo artigo.
Julgamos ser esse o caso, razão pela qual assim se procederá, tanto mais que se trata de uma nulidade que foi suscitada no âmbito do próprio recurso, sendo que se mostra já plasmada nos autos a posição que o apelante tem quanto à questão em apreço.

Da eventual alteração da matéria de facto
Tendo subjacente o que se defendeu quanto à (im)possibilidade/necessidade de produção de prova testemunhal, analisemos os factos que o recorrente considera terem sido mal julgados.
O recorrente impugnou o facto provado n.º 4, o qual reputa de conclusivo, defendendo que a questão sobre a qual o mesmo versa deveria ser alvo de prova testemunhal ou então proceder-se à eliminação do mesmo.
Uma vez que se trata de um facto que se mostra conexionado com o que o antecedeu, importa atender a ambos, os quais têm o seguinte teor:
3. A instauração do procedimento foi ainda comunicada, por carta registada (cfr. artigo 8.º, n.º 5, do RJPADLEC) expedida em 27 de maio de 2022, aos sócios e gerentes, nomeadamente ao aqui Impugnante, a quem foi entregue em 3 de junho de 2022, sendo que apenas a missiva endereçada à sociedade veio a ser devolvida;
4. O Impugnante, devidamente notificado, nada fez;
Sendo certo que a redacção conferida ao facto n.º 4 não terá sido a mais feliz, nem assim se poderá concluir que o mesmo carecia de ter sido objecto de prova testemunhal ou, então, que deva ser eliminado.
Com efeito, mostra-se cabalmente demonstrado que, uma vez notificado da instauração do procedimento, o impugnante nenhuma pronúncia emitiu (designadamente informando, dentro do prazo previsto para o efeito, se existia algum activo ou passivo da sociedade), sendo que, para além de nada ter sido alegado ou junto nesse sentido, é o próprio quem admite não o ter feito, adiantando, inclusive, as razões pelas quais assim sucedeu (razões de saúde).
Nada há, assim, a alterar.
Foram igualmente impugnados os factos 5 e 6, uma vez mais sob o argumento de que teriam de ter sido objecto de prova testemunhal. Regem os mesmos:
5. Em 12 de janeiro de 2022, foi solicitado aos serviços da Segurança Social que informasse sobre a existência de eventuais registos de trabalhadores da sociedade nos dois anos anteriores a dezembro de 2021 (cfr. artigo 9.º, n.º 3, do RJPADLEC);
6. Não tendo a solicitada informação sido prestada pelos mencionados serviços (falta de resposta), o procedimento prosseguiu ao abrigo do disposto no artigo 9.º, n.º 5, do RJPADLEC.
Porém, não é o constante de tais factos que o recorrente impugna, mas tão somente o facto de ter sido proferida decisão final sem que a referida informação estivesse junta aos autos (podendo ler-se na sua motivação de recurso ser tal matéria fundamental para “o apuramento da situação patrimonial da sociedade”).
Nessa medida, nada há a censurar quanto a tais pontos da factualidade provada, a tal conclusão não obstando o facto de o recorrente alegar que havia requerido que “fosse oficiado à AT para prestar informações”, inexistindo despacho sobre tal requerimento. Com efeito, vale aqui o que se deixou supra defendido quanto a não haver lugar a produção de prova testemunhal (ou qualquer outra nova prova).
Já no que concerne ao facto n.º 7, refere o recorrente tratar-se da vexata quaestio dos presentes autos, porquanto aí se afirma a inexistência de activo e passivo da sociedade, pelo que, uma vez mais, defende que deveria ter sido produzida prova testemunhal. Consta do mesmo:
7. Em face da ausência de comunicação da existência de ativo e de passivo da sociedade, quer por parte dos sócios e gerentes, quer por parte de eventuais credores, e porque dos elementos do procedimento não decorria a existência de ativo ou passivo suscetíveis de liquidação, foi proferida a decisão (impugnada) em 9 de setembro de 2022;
Reitera-se o que já se defendeu quanto à produção de prova nesta fase, para além de resultar do procedimento que, na verdade, nem os sócios/gerentes (aqui se incluindo o recorrente), nem eventuais credores terem comunicado a existência de activo ou passivo da sociedade.
Acresce que, sequer em face da impugnação deduzida pelo recorrente, se poderá afirmar o contrário do consignado neste facto. Como o próprio afirma, os únicos bens que existiam já não existem - o imóvel propriedade da sociedade foi vendido pela AT (em sede de execução fiscal) e o veículo automóvel “desapareceu”. Por seu turno, ninguém – sócios/gerentes ou credores - veio invocar a existência de qualquer activo ou passivo da sociedade (sendo que foram notificados expressamente para o fazerem, como decorre do aviso publicado em 29/12/2021 e, no caso concreto do recorrente, também através da carta que recebeu em 03/06/2022. Porém, só após a prolação da decisão final veio invocar a existência de execuções e questionar a eventual existência de activo resultante do rateio efectuado no âmbito da execução fiscal). Seja como for, não se poderá deixar de realçar que nunca seria através da prova testemunhal que o recorrente lograria demonstrar o contrário do descrito neste ponto da factualidade.
Mantém-se, assim, o facto impugnado.
No que concerne aos factos 9 e 10, o recorrente defende serem os mesmos conclusivos e contraditórios. Nos mesmos consignou-se:
9. Por cartas registadas expedidas em 18 de outubro de 2022, foi comunicada a prolação daquela decisão final, para a sede da sociedade em causa e para ambos os sócios e gerentes, para as moradas constantes da ficha informática de registo;
10. Nenhuma destas missivas foi devolvida.
Refere que “O Aviso do despacho de dissolução foi publicado em 19 de Setembro de 2022, foi impugnado em Recurso foi interposto em 29 de Setembro de 2022 e o Tribunal dá como provado em 9 e 10, um facto negativo, ou seja que as cartas remetidas posteriormente, em 18 de outubro de 2022, não foram devolvidas // Quanto à prova documental constata-se que não foi oficiado à Seg. Social a insistir pela resposta omitida e também não foi oficiado à AT. Conforme requerido pelo Recorrente, que juntou documentos de rateio em execução fiscal, os quais foram ignorados pelo Tribunal a quo.”
Contudo, nem estes factos se assumem conclusivos, nem se revelam contraditórios.
Na verdade, as cartas através das quais foi comunicada a decisão final foram expedidas e não foram devolvidas, sendo que está igualmente assente que a impugnação apresentada pelo recorrente o foi em data anterior a tal expedição (sendo certo que a Sra. Conservadora, no seu despacho de sustentação, esclareceu o porquê de assim ter sucedido, mostra-se tal matéria irrelevante para o desfecho dos autos, tanto mais que a impugnação foi apresentada e recebida).

A matéria de facto permanecerá, pois, nos moldes em que foi fixada, nada havendo a alterar, eliminar ou aditar.

Da verificação dos legais pressupostos para que fosse proferida decisão de dissolução e encerramento da liquidação da sociedade aqui em causa
Em face do que já se deixou escrito, refuta-se cabalmente a afirmação do recorrente segundo a qual “no caso concreto, foram omitidas as diligencias de prova e desprezada a prova documental”, para além de que afastada ficou a pretensão de que deverá ser ordenada a “realização de audiência prévia e/ou o julgamento”.
Posto isto, vejamos o que na sentença recorrida se exarou:  
“(…) pretende o Impugnante a revogação da decisão impugnada que declarou, a um tempo, a dissolução e encerramento da sociedade comercial visada, com o consequente cancelamento da matrícula da mesma, por ter violado diversas disposições legais, designadamente e sem esgotar, os artigos 9.º, n.º 1, al. c), e 11.º, n.º 4, do RJPADLEC, bem como o artigo 167.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais. // (…) Os factos relevantes a considerar estão acima elencados e são aqui dados como integrados, por estritas razões de economia processual. // De nada importa, para o caso, a alegação de que o procedimento foi instaurado por falta de registo de contas, durante dois anos consecutivos, circunstância que se deveu a incúria do, também sócio e gerente, P …; sendo que o Impugnante, quando notificado da publicação do aviso de abertura do procedimento administrativo, não se pronunciou por motivos de saúde. Na realidade, não foi a falta de registo de contas que desencadeou todo o procedimento administrativo, conforme acima se exarou em concreto, mas sim a comunicação da Autoridade Tributária de 3 de dezembro de 2021, nos termos do disposto no artigo 5.º, al. c), do RJPADLEC.” (sublinhado nosso).
Mais se defendendo:
“Relativamente à invocada ilegalidade dos fundamentos para a dissolução e o encerramento da liquidação da sociedade em crise, rege o artigo 9.º do RJPADLEC nos termos que se seguem (transcrição parcial): // “1 – Quando o procedimento seja instaurado oficiosamente, a notificação deve conter os elementos referidos no n.º 2 do artigo 8.º, exceto o que consta da alínea c), e ainda os seguintes: (…); c) Aviso de que, se dos elementos do processo não for apurada a existência de qualquer ativo ou passivo a liquidar ou se os notificados não comunicarem ao serviço de registo competente o ativo e o passivo da entidade comercial, o conservador declara simultaneamente a dissolução e o encerramento da liquidação da entidade comercial”. // Verificado o dever legal de aquilatar junto dos serviços da Segurança Social sobre a identificação de eventuais trabalhadores registados nos dois anos que antecederam o início do procedimento administrativo, a observância do procedimento ínsito no artigo 9.º, n.º 5, do RJPADLEC, in casu, não consubstanciou um qualquer vício: // “5 – Na falta de resposta da Inspeção-Geral do Trabalho e dos serviços competentes da segurança social no prazo referido no número anterior pode o procedimento administrativo de dissolução prosseguir e vir a ser decidido sem essa resposta”.
O Impugnante não exerceu, no prazo de que dispunha, o direito de informar da existência de ativo e/ou passivo da sociedade em apreço. No decurso ou pendência do procedimento administrativo, jamais deu conhecimento da existência de passivo, nem de outro modo se apurou da sua existência. E a eventual verificação superveniente da sua existência não tem o condão de gerar, por si só, a invalidade do processo em si, posto que o conservador se limita a perquirir, no seu tempo presente e decisório, se dos elementos carreados ao processo administrativo resulta apurada a existência de ativo e/ou passivo. // A verdade é que, no caso concreto, ocorriam os pressupostos legais para que se declarasse, simultaneamente, a dissolução e o encerramento da liquidação da sociedade comercial acima identificada, segundo o disposto no artigo 11.º, n.º 4, do citado regime jurídico – inexistindo, por conseguinte e manifestamente, qualquer nulidade a decretar (cfr. artigos 9.º, n.º 1, als. c) e d), e 11.º, n.º 4, ambos do RJPADLEC). (…)”.
Subscrevemos tal entendimento.
Com efeito, mesmo que, após a declaração simultânea de dissolução e encerramento da liquidação da sociedade - por não ter sido apurada a existência de qualquer activo ou passivo a liquidar (artigo 11.º, n.º 4 do RJPADLEC) -, se venha a constatar que, afinal, a mesma era proprietária de algum bem ou apresentava passivo, nem assim o acto praticado pelo conservador (de dissolução e encerramento da liquidação) poderá ser afectado/anulado.
Ora, no caso, sequer se apurou que assim sucedesse.
A decisão da Sra. Conservadora, mantida pelo tribunal recorrido, mostra-se, pois, plenamente justificada, porquanto, quando prolatada, não era conhecido da mesma qualquer activo ou passivo a liquidar - não sendo de mais reiterar que o recorrente não comunicou o contrário (insiste-se, no momento previsto para o efeito, ou seja, aquando da sua notificação quanto a ter sido instaurado o procedimento administrativo[23]). Só o veio fazer aquando da impugnação da decisão final da Sra. Conservadora.
Consequentemente, carece de fundamento legal a pretensão de ser a decisão recorrida revogada.

Da invocada inconstitucionalidade:
Por fim, alega o recorrente ser “inconstitucional o critério normativo que resulta da conjugação dos Artº 105º, 106, 167 com os Artº 5º,8º, 9º,11º 12º do Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e de Liquidação de Entidades Comerciais (RJPADLEC), (…) na medida em permite a prolação de decisão final sem qualquer notificação ao impugnante, devidamente representado por advogado. // O critério normativo aplicado nos presentes autos permitiu uma decisão genérica, fundamentada em matéria assente que não foi submetida a contraditório. // É que a lei fundamental “prefere” que, a dissolução, se faça pela via judicial, por se revestir de maior solenidade, publicidade e eficácia, o que nos presentes autos não foi respeitado pelo que o Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e de Liquidação de Entidades Comerciais (RJPADLEC) (…) é INCONSTITUCIONAL quando da sua aplicação resulta que o mesmo pode ser usado para violar o direito de ser representado em juízo por Advogado, omitindo-se sucessivamente a notificação de todos os atos e despachos até à sentença final. // Dada a omissão de notificações, o impugnante/Recorrente não se pôde pronunciar sobre os atos processuais relevantes, como os de 09/11/2023 e 15-11-23 e que se constata que foram usados para fundamentar a sentença recorrida, sem qualquer contraditório.”
Sem razão.
Dando aqui o que já anteriormente se expôs aquando do tratamento da questão atinente à invocada violação do contraditório, a única consequência a extrair é a decorrente da nulidade referente à não notificação do despacho de sustentação emitido pela Sra. Conservadora e do parecer emitido pelo MP, ambos já na pendência da impugnação judicial.
Tal nulidade foi efectivamente declarada, sendo que, no entanto, como imposto pelo legislador, a mesma não obstava a que esta Relação conhecesse do objecto da apelação (como veio a suceder).
Mas, contrariamente ao defendido pelo recorrente, não se poderá afirmar ter o processo decorrido à revelia do mesmo (tanto mais que, logo no aviso publicado em 29/12/2021 foi expressamente comunicado que “se resultar dos elementos do processo a inexistência de activo e passivo, ou se não for comunicado no prazo estipulado a sua existência, a Conservatória declara simultaneamente a dissolução e o encerramento da liquidação”) e estarmos em face de uma inconstitucionalidade do critério normativo que resulta da conjugação dos artigos 105.º e 106.º do Cód.Reg.Com., artigo 167.º do CSC e artigos 5.º, 8.º, 9.º, 11.º e 12.º do RJPADLEC, na medida em “permite a prolação de decisão final sem qualquer notificação ao impugnante, devidamente representado por advogado”, violando-se o disposto no artigo 12.º[24] da Lei n.º 62/2013 de 26/08 (Lei da Organização do Sistema Judiciário) e o artigo 20.º, n.º 4 da CRPortuguesa (preceito que, sob a epígrafe Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, estatui no invocado n.º 4: “Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”).
O juízo de inconstitucionalidade incide sobre uma interpretação normativa, isto é, sobre as próprias normas e respectivas interpretações legais (e não sobre a decisão judicial em si mesma). Ora, o recorrente sequer concretizou ou especificou o fundamento no qual se sustenta (tendo-se limitado a fazer uma alegação genérica).
Seja como for, no caso, sendo certo que decorre do disposto no artigo 101.º-B do Cód.Reg.Com. (aqui aplicável) que o despacho de sustentação deve ser notificado ao impugnante, o tribunal a quo não recusou a sua aplicação, simplesmente omitiu o cumprimento de tal formalidade (nessa medida tendo sido cometida a já referida nulidade). Pelo que nunca se estaria perante uma situação enquadrável no n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 82/82, de 15/11[25].
Improcede, assim, tal alegação.

Em síntese, terá a presente apelação de improceder.

***
IV - DECISÃO
Perante o exposto, acordam os Juízes desta Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação improcedente, mantendo-se o decidido pela 1.ª instância.

Custas pelo apelante, sem prejuízo do apoio judiciário de que o mesmo beneficia – artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

Lisboa, 26 de Novembro de 2024
Renata Linhares de Castro
Paula Cardoso
Nuno Teixeira

_______________________________________________________
[1] Em 13/10/2022 foram, contudo, remetidas cartas registadas à sociedade W… Lda, a P … e a C …, com o seguinte teor: “Comunica-se a V. Ex.ª, nos termos previstos no n.º 5 do artigo 8.º, aplicável por força do n.º 5 do artigo 11.º, ambos do (…) (RJPADLEC), que foi proferida decisão final no procedimento administrativo de dissolução/liquidação da entidade “W… Lda”, (…). // Mais comunicamos que o procedimento tem o n.º 6642/2021, sendo que a notificação prevista no n.º 4 do mencionado artigo 8.º, também aplicável por força do referido n.º 5 do artigo 11.º, do RJPADLEC, foi realizada por aviso electrónico no sítio oficial das publicações do Ministério da Justiça: http://publicacoes.mj.pt, onde poderá ser consultada”.
[2] Tendo então concluído: “Em face do exposto, requer-se que seja admitido o recurso por omissão de notificação pessoal, sendo e dispensada a multa do 1º dias nos termos do Art.º 139 nº 5 a) e nos termos do nº 8 do CPC, e consequentemente impugna-se a decisão de dissolução de 19-9-22 da sociedade W… Lda, nos termos do Art.º 12 do RJPADLEC e requer-se que a presente impugnação seja remetida ao Tribunal competente, para que seja revogada a decisão impugnada e dado deferimento e continuidade ao processo de liquidação com a D.N.”
[3] O despacho de sustentação elenca um segmento denominado ANTECEDENTES E MARCHA DO PROCESSO – “O referido processo foi instaurado, oficiosamente, neste serviço de registo, com bafe na al. c), do artigo 5.º (…) (RJPADLEC), na sequência de comunicação, por parte da Administração Tributária, da declaração oficiosa de cessação da atividade da identificada sociedade, nos termos previstos na legislação tributária. // O respetivo auto de notícia foi lavrado em 03.12.2021. // Em 29.12.2021, a coberto do disposto no n.º 1, do artigo 6.º, do RJPADLEC, foi averbara a pendência do processo de dissolução administrativa na ficha informática de registo — cfr. Av. 2 à Insc. 1. // A notificação prevista nos n.ºs 4 e 8 do artigo 8.º, bem como dos n.ºs 1 e 6, do artigo 9.º, do RJPDLEC foi, também, efetuada em 29.12.2021. // Em 27.05.2022 foram enviadas — para a sede da sociedade e para ambos os sócios, para as moradas constantes da ficha informática de registo —, sob registo de correio, as comunicações previstas no n.º 5, do artigo 8.º e no n.º 4, do artigo 9.º, do RJPDLEC. Apenas a carta remetida para a sociedade foi devolvida ao remetente. // Em cumprimento do disposto no n.º 3, do artigo 9.º, do RJPADLEC, em 12.01.2022 foi solicitado à Segurança Social que informasse sobre a existência de eventuais registos de trabalhadores da sociecade nos últimos dois anos. Aquela entidade não respondeu, pelo que o procedimento prosseguiu e veio a ser decidido sem essa resposta, nos termos previstos no n.º 5, do mesmo artigo 9.º. // Nos prazos fixados legalmente não foram recebidas comunicações relativas à existência de ativo e passivo, nem foi demonstrada a regularização da situação que justificou a instauração do procedimento. // A coberto do n.º 4, do artigo 11.º, do RJPADLEC, por despacho de 09.09.2022 foi, simultaneamente, declarada a dissolução e liquidação da W… Lda, NIPC xxx. Como se refere naquele despacho, apurou-se que "Não resulta dos elementos constantes do processo que a situação da sociedade esteja regularizada ou estejam pendentes diligências com vista à sua regularização." e "Do procedimento não resulta a existência de ativo ou passivo suscetíveis de liquidação administrativa." pelo que "se dá por verificada a causa de dissolução prevista na al. c), do artigo 5.º do RJPADLEC. (...) nada obstando a que seja declarada, simultaneamente, a dissolução e o encerramento da liquidação da sociedade comercial (...)." // A notificação prevista no n.º 4 do artigo 8.º, aplicável por força do n.º 5, do artigo 11.º, do RJPADLEC, foi efetuada em 19.09.2022. // No dia 30.09.2022, foi recebida na Conservatória do Registo Comercial de Setúbal (CRCom Setúbal), sob registo de correio, petição inicial — e documentos anexos e procuração — subscrita por M …, Advogado, em representação de C …, gerente e, também sócio da sociedade, relativa à impugnação da decisão de dissolução e encerramento da liquidação proferida em 09.09.2022. Este documento foi-nos enviado pela conservadora responsável por aquele serviço, tendo dado entrada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa em 11.10.2022. A acompanhá-la foi ainda, enviado requerimento que deu entrada na CRCom Setúbal em 07.10.2022, no qual o indicado Advogado solicitava a remessa do expediente anterior ao nosso serviço. // Em 03.10.2022 recebemos nesta Conservatória petição inicial — bem como documentos anexos e procuração — relativa à impugnação do mesmo despacho, subscrita pelo já referido Advogado. // Em 18.10.2022 foram enviadas, sob registo de correio, as comunicações previstas no n.º 5, do artigo 8.º, aplicável por força do n.º 5, do artigo 11.º, do RJPADLEC — para a sede da sociedade e para ambos os sócios, para as moradas constantes da ficha informática de registo. Nenhuma das cartas foi devolvida. // Por ofício de 21.10.2022, foi remetida ao Tribunal a documentação relativa a esta impugnação, tendo ficado a corresponder-lhe o P.º n.º 25212/22.2T8LSB.– e de um outro denominado OBJETO DO RECURSO – “Na petição inicial o recorrente — C …, —, depois de referir que "Em 19.9.22 foi publicado, via https://publicacoes.mj.pt, de que havia sido proferido despacho final no procedimento administrativo de dissolução/liquidação da entidade W… Lda (Em Liquidação), NIPC xxx, ao qual foi atribuído o procedimento n.° 6642/2021, com a decisão de dissolução e encerramento da liquidação, e o consequente cancelamento da matricula" alega que "verifica-se nulidade por não ter sido notificadada decisão final". Acrescenta, ainda, que "Em 27.5.2022, foi comunicado que fora instaurado o procedimento adminisrativo de dissolução/liquidação da sociedade (...).", como refere, com fundamento na circunstância de "durante dois anos consecutivos, a sociedade não proceder ao registo da prestação de contas, nos termos do disposto na al. a) do ago 5.º do RJPADLEC." // Descreve, de seguida, diversas circunstâncias com vista a justificar que "não tenha cumprido a sua obrigação de registo de publicação de contas, nem tenha respondido à referida primeira notificação". // Mais esclarece que "não é verdade que a sociedade não tenha passivo", elencando os processos de execução que correm contra ela e afirmando "muito se estranha que nenhum destes credores, prrcipalmente a Caixa Geral de Depósitos, S.A. e a Autoridade tributária, não tenha reclamado os seus créditos, contribuindo assim para a dissolução da sociedade e impedindo assim o sócio C … de utilizar e acionar o instituto a sub-rogação na qualidade de fiador." // O recorrente alega, ainda, que a Conservatória "no procedimento que teve lugar, tem o poder dever de solicitar à AT e aos credores supra informações sobre eventuais registos de trabalhadores da sociedade, que existia, o qual deveria ter notificado e comunicado ao trabalhador da sociedade que o procedimento havia tido início, o que não fez e configura nulidade." // Defende, ainda, que porque "a existência ou não de passivo é de capital imporlância para o desfecho do procedimento, pois que, se o houver, como é evidente, não pode ser decretado o encerramento da liquidação ( n.º4 do art.º 11.° RJPADLEC)" a decisão proferida "deve ser substituída por outra que (...) dê sem efeito a decisão" pois que "não indagando previamente pela existência passivo e/ou de património da sociedade dos autos, a decisão recorrida é violadora da al. c) do n.º 2 do art.º 9.º e do n.º 4 do art. 11.º RJPADLEC." // O recorrente defende que a impugnação é tempestiva — pois "não foi notificado do teor e fundamentos da decisão (...) até porque o despacho não se encontra transcrito no registo comercial" — e, ainda, que a petição deve ser considerada apresentada na data da sua entrada na CRCom de Setúbal.”
[4] Rectificação requerida: “Pelo que, onde se pode ler: // “O Aviso do despacho de dissolução foi publicado em 19 de Setembro de 2022, foi impugnado em Recurso foi interposto em 29 de Setembro de 2022 e o Tribunal dá como provado em 9 e 10, um facto negativo, ou seja que as cartas..” // Deverá ler-se: // “O Aviso do despacho de dissolução foi publicado em 19 de Setembro de 2022, foi impugnado em Recurso interposto em 29 de Setembro de 2022 e o Tribunal dá como provado em 9 e 10, um facto negativo, ou seja que as cartas remetidas posteriormente, em 18 de outubro de 2022, não foram devolvidas.”
[5] Cfr. despacho de 14/05/2024 e resposta às contra-alegações de 31/05/2024.
[6] Cfr., nesta matéria, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 17/12/2018 (Proc. n.º 1867/14.0TBBCL-F.G1, relator José Alberto Moreira Dias), o qual se encontra disponível para consulta em www.dgsi.pt, como todos os demais que vierem a ser citados, sem referência a qualquer outra fonte.
[7] Direito Processual Civil, Vol. II, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Ed. da Associação Académica, 1987, pág. 802.
[8] Proferido no âmbito do Proc. n.º 2200/10.6TVLSB.P1.S1 e relatado por Alexandre Reis, cujo sumário está disponível nos sumários de acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça. Secções Cíveis.
[9] O dever de fundamentação tem, aliás, consagração constitucional – cfr. artigo 205.º do CRP.
[10] RUI PINTO, “Os Meios Reclamatórios Comuns na Decisão Civil (artigos 613.º a 617.º do CPC)”, Revista Julgar online, Maio de 2020, pág. 10.
[11] No que respeita especificamente à motivação da matéria de facto, rege o invocado n.º 4 do artigo 607.º do CPC: “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.”
[12] Citando ABRANTES GERALDES/PAULO PIMENTA/PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2.ª edição, 2020, pág. 743 “O importante é que, na enunciação dos factos provados e não provados, o juiz use uma metodologia que permita perceber facilmente a realidade que considerou demonstrada, de forma linear, lógica e cronológica, a qual, uma vez submetida às normas jurídicas aplicáveis, determinará o resultado da acção. (…) Tanto na enunciação dos factos provados como dos não provados, dentro dos temas da prova que foram enunciados ou que porventura foram adicionados posteriormente, o juiz deve assinalar cada um dos factos essenciais que foram alegados no processo por cada uma das partes, de forma a cobrir todas as soluções plausíveis da questão ou questões de direito e evitar que, em sede de recurso de apelação, seja sentida a necessidade de anulação da audiência final para ampliação da matéria de facto (art.º 662º, nº 2, al. c), in fine)”.
[13] Princípio que tem consagração legal e constitucional - cfr. artigos 3.º e 4.º do CPC e artigo 20.º, n.º 1 da CRP.
[14] Como escrevem TEIXEIRA DE SOUSA/CASTRO MENDES, in Manual de Processo Civil, Vol. I, AAFDL Editora, 2022, pág. 633, a decisão é nula quando “o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (excesso de pronúncia: art.º 615.º, n.º 1, al. d)); a não possibilidade do conhecimento de uma questão pode ser absoluta, se o tribunal não pode conhecer, em circunstância alguma, dessa questão (…), ou relativa, se o tribunal não pode conhecer, em certas condições, dessa questão, mas poderia conhecê-la em outras circunstâncias (por exemplo: (…) o tribunal não pode proferir uma decisão-surpresa (art.º 3.º, n.º 3) (…)”.
[15] Cfr. ABRANTES GERALDES, in Recursos em Processo Civil, 6.ª edição actualizada, 2020, Almedina, pág. 98.
[16] Providências Cautelares, Almedina, 4.ª edição, 2021, pág. 373.
[17] Acórdão n.º 86/88, de 13/04/1088 (Proc. n.º 235/86, relator Messias Bento).
[18] Como se esclarece no acórdão da Relação de Guimarães de 15/02/2024 (Proc. n.º 694/19.3T8VCT.G1, relator José Carlos Pereira Duarte), “O n.º 1 do art.º 167º do CSC dispõe que as publicações obrigatórias devem ser feitas, a expensas da sociedade, em sítio na Internet de acesso público, regulado por portaria do Ministro da Justiça, no qual a informação objecto de publicidade possa ser acedida, designadamente por ordem cronológica. // O sítio na Internet de acesso público é o identificado na Portaria 590-A/2005, de 14 de Julho, e cujo art.º 1º, n.º 1 se dispõe que as publicações obrigatórias referidas no artigo 167.º do Código das Sociedades Comerciais e no n.º 2 do artigo 70.º do Código do Registo Comercial fazem-se através do sítio da Internet de acesso público com o endereço electrónico www.mj.gov.pt/publicacoes, mantido pela Direcção-Geral dos Registos e do Notariado.”  
[19] Como neste aresto se pode ler: “No silêncio do legislador, impõe-se ao tribunal integrar a lacuna legal, nos termos estatuídos pelo artigo 10.º, do Código Civil, segundo o qual os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos (nº 1), referindo o n.º2 que há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei. // O recurso à analogia imposta pelo princípio da igualdade justifica-se também e, por isso, em razões de coerência normativa. (…) não assume relevância para afastar a aplicação analógica do artigo 106.º, n.º4, do CRCom ao regime de impugnação judicial da decisão do conservador previsto no RJPADLEC a qualidade dos actos impugnáveis visados por aquele preceito (decisões de recusa da prática do acto de registo e de indeferimento de pedidos de rectificação), uma vez que a razão que sustenta a solução jurídica a aplicar é de política legislativa tendo subjacente as finalidades de simplificação e agilização das decisões de liquidação e dissolução das entidades comerciais, sem contudo deixar de se preservar três graus de reapreciação das situações e garantindo a possibilidade de acesso a dois graus de jurisdição”. No mesmo sentido, veja-se também o recente acórdão desta Secção do Comércio de 13/09/2024 (Proc. n.º 16873/22.3T8LSB.L1-1, relatora Fátima Reis Silva), em cujo sumário se escreveu: ”1 - A tramitação da impugnação judicial da decisão final do procedimento administrativo de dissolução e liquidação, sendo uma decisão do Conservador no Código do Registo Comercial, rege-se pelo art.º 12º do RJPADLEC, pelos arts. 101º-A e 104º e ss. do Código do Registo Comercial e, nos termos dos arts. 115º do Código de Registo Comercial e 156º do Código de Registo Predial, pelo disposto no Código de Processo Civil, com as necessárias adaptações. 2 – O procedimento administrativo de dissolução e liquidação regula-se, assim, em primeiro lugar pelas regras do respetivo regime jurídico (RJPADLEC), depois pelas regras do Código de Registo Comercial, no que não se ache previsto, e na medida indispensável, pelo Código do Registo Predial e, finalmente, em tudo o que não se ache previsto e não seja contrariado por qualquer destes diplomas, pelas regras do CPC, com as devidas adaptações. (…)”.
[20] Como o Ministério Público defende nas suas contra-alegações, não há lugar à produção de prova testemunhal, devendo o tribunal apreciar a matéria “à luz dos elementos constantes do processo”. Nesse sentido, vide o acórdão da Relação de Guimarães de 19/02/2013 (Proc. n.º 809/12.2TBVVD.G1, relator Filipe Caroço), em cujo sumário se consignou: “(…) 4- Atualmente, na impugnação judicial da decisão do Conservador do Registo Predial, por se tratar de um verdadeiro recurso, não há lugar à produção de prova testemunhal, devendo o tribunal apreciar a matéria à luz dos elementos constantes do processo”, no mesmo se podendo ainda ler que a impugnação judicial corresponde a uma fase do processo que é “apenas recursória e cuja natureza se revela de revisão ou reponderação da decisão recorrida” (não obstante este aresto versar sobre uma decisão do conservador do registo predial, tais considerações são válidas para o recurso de decisão do conservador do registo comercial).
[21] Acrescentando o número seguinte: “No caso de a entidade comercial ter trabalhadores registados, a sua identificação e residência devem ser comunicadas ao serviço de registo competente no prazo de 10 dias a contar da solicitação referida no número anterior, para notificação e comunicação de que o procedimento teve início, nos termos dos n.ºs 4, 5 e 9 do artigo 8.º”.
[22] In Recursos …., pág. 381
[23] Já no aviso de 29/12/2021 se consignara expressamente: “Constitui igualmente aviso que se resultar dos elementos do processo a inexistência de activo e passivo, ou se não for comunicado no prazo estipulado a sua existência, a Conservatória declara simultaneamente a dissolução e o encerramento da liquidação; se dos elementos do processo resultar a existência de activo e passivo a liquidar, depois da dissolução segue a liquidação sem qualquer outra notificação.”
[24] Rege o artigo 12.º da Lei n.º 62/2013: “1 - O patrocínio forense por advogado constitui um elemento essencial na administração da justiça e é admissível em qualquer processo, não podendo ser impedido perante qualquer jurisdição, autoridade ou entidade pública ou privada. 2 - Para defesa de direitos, interesses ou garantias individuais que lhes sejam confiados, os advogados podem requerer a intervenção dos órgãos jurisdicionais competentes, cabendo-lhes, sem prejuízo do disposto nas leis do processo, praticar os atos próprios previstos na lei, nomeadamente exercer o mandato forense e a consulta jurídica. 3 - No exercício da sua atividade, os advogados devem agir com total independência e autonomia técnica e de forma isenta e responsável, encontrando-se apenas vinculados a critérios de legalidade e às regras deontológicas próprias da profissão.”
[25] Segundo o n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82: “Cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais: a) Que recusem a aplicação de qualquer norma, com fundamento em inconstitucionalidade; b) Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo; c) Que recusem a aplicação de norma constante de ato legislativo com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado; d) Que recusem a aplicação de norma constante de diploma regional, com fundamento na sua ilegalidade por violação do Estatuto da Região Autónoma ou de lei geral da República; e) Que recusem a aplicação de norma emanada de um órgão de soberania, com fundamento na sua ilegalidade por violação do Estatuto de uma Região Autónoma; f) Que apliquem norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo com qualquer dos fundamentos referidos nas alíneas c), d) e e); g) Que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional; h) Que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional pela Comissão Constitucional, nos precisos termos em que seja requerida a sua apreciação ao Tribunal Constitucional; i) Que recusem a aplicação de norma constante de ato legislativo com fundamento na sua contrariedade com uma convenção internacional, ou a apliquem em desconformidade com o anteriormente decidido sobre a questão pelo Tribunal Constitucional.”