Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
848/21.2PBLRS.L1-5
Relator: CARLA FRANCISCO
Descritores: ARTº 7
Nº2
LEI 38-A/2023
DE 02.08
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I–A expressão “condenados” prevista no nº 2 do art.º 7º da Lei nº 38°-A/2023, de 2/08, tem que se interpretar no sentido de abranger também os “arguidos”, ou seja, todas as pessoas contra quem corre um procedimento criminal e não apenas as pessoas condenadas por sentença transitada em julgado.

II–No âmbito de aplicação da Lei nº 38-A/2023, definido no seu art.º 2º, e nos casos de exclusão de perdão e amnistia, previstos no seu art.º 7º, são colocadas em plano de igualdade de circunstâncias todas as pessoas que forem abrangidas pela previsão de tais normas, não existindo tratamento diverso para quem se encontra em situação idêntica, nem violação do art.º 13º da CRP.

(Sumário da responsabilidade da relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


1– Relatório


No processo nº 848/21.2PBLRS do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo Local Criminal de Loures - Juiz 1, foi proferida sentença datada de 15/09/2023, da qual consta o seguinte dispositivo:

Em face do exposto, o Tribunal julga a acusação procedente e, em conformidade, decide:
a)- Declarar amnistiados os 2 (dois) crimes de injúria agravada pelos quais o Arguido vinha acusado e, consequentemente, ao abrigo do disposto nos arts. 127.º e 128.º, n.º 2 do Código Penal, declara-se extinto o procedimento criminal que contra o arguido existia relativamente a estes.
b)- Condenar o Arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de ameaça agravada, previsto e punível pelo artigo 153.º, n.º 1, 155.º, n.º 1, alíneas a) e c) e 132.º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão, pela prática do crime de ameaça agravada, relativo ao Ofendido BB.
c)- Condenar o Arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de ameaça agravada, previsto e punível pelo artigo 153.º, n.º 1, 155.º, n.º 1, alíneas a) e c) e 132.º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão, pela prática do crime de ameaça agravada, relativo ao Ofendido CC
d)- Condenar o Arguido, em cúmulo jurídico, na pena única de 8 (oito) meses de prisão pela prestação de 240 (duzentas e quarenta) horas de trabalho a favor da comunidade.
e)- Descontar 1 (uma) hora de trabalho na pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade, devendo o Arguido cumprir 239 (duzentas e trinta e nove) horas de trabalho a favor da comunidade.(…)
*

Inconformado com esta decisão, na parte em que declarou amnistiados os dois crimes de injúria agravada, veio o Ministério Público interpor recurso para este Tribunal da Relação de Lisboa, formulando as seguintes conclusões:
1.No âmbito dos presentes autos, o Ministério Público deduziu acusação, sob a forma de processo abreviado, contra AA, imputando-lhe a seguinte factualidade:
“...Pelas 21 horas e 55 minutos do dia 26 de Novembro de 2021, os agentes da PSP CC, BB e DD, encontravam-se no exercício das suas funções e devidamente uniformizados, na ... da PSP de ..., sita na ... em ....
Após terem ouvido uma buzina de uma viatura automóvel, os aludidos agentes deslocaram-se ao exterior da esquadra, onde visualizaram, em frente àquela, um veículo pesado de transporte de passageiros e o respectivo motorista, EE, a pedir auxílio.
Encontrava-se no interior daquele transporte público de passageiros, o ora arguido, AA, que não pretendia efectuar o pagamento do bilhete para a viagem.
Os agentes policiais acima indicados, abordaram o arguido e no decurso do diálogo aquele apodou-os de “filhos da puta’’ e disse-lhes que ninguém o iria retirar do local.
Acto contínuo, o agente BB ordenou ao arguido que saísse do autocarro, ao que aquele respondeu, em tom sério e ao mesmo tempo que olhava para os três agentes da PSP, que ali se encontravam: “Eu mato-te se me tocares".
Após ter sido conduzido ao exterior pelos agentes policiais, o arguido disse, ainda, àqueles: “Vou dar cabo de ti, baixinho, eu rebento-te todo, mato-te aqui”.
Seguidamente foi dada voz de detenção ao arguido e o mesmo conduzido para o interior da esquadra da PSP.
No seu interior, e mantendo o seu propósito e o seu comportamento desrespeitoso para com os agentes policiais, o arguido ainda dirigiu aos mesmos agentes policiais o seguinte: “Eu vou-te apanhar à civil’’; “Dou cabo de ti e da tua família”; “Sei bem onde moras”; “A minha advogada vai-te expulsar da polícia, fixa bem o nome Dra. FF”.
O arguido conhecia a qualidade profissional dos agentes da PSP CC, BB e DD, uma vez que estavam os três devidamente uniformizados, haviam saído do interior da esquadra da PSP de ... e sabia que aqueles se encontravam no exercício das suas funções.
O arguido, ao dirigir-se aos agentes CC e BB com as palavras supra- referidas, sabia que eram atentatórias da sua honra, dignidade pessoal e profissional, e ainda assim não se coibiu de actuar como o fez.
Mais sabia que as expressões de cariz ameaçador que dirigia a todos os agentes policiais eram aptas a causar-lhes sério medo, inquietação, intranquilidade, levando-os a temer futuras condutas do arguido, conforme anunciava, nomeadamente, fazendo-os recear pela sua segurança e vida, o que o arguido quis e logrou.
Agiu o arguido, de modo livre, deliberado e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
O arguido já foi condenado pela prática de crimes de idêntica natureza, no âmbito do processo abreviado 300/19.6GDRLS
Em face do exposto, cometeu o arguido AA, em autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo:
. dois crimes de injúria, previsto e punível nos termos conjugados dos artigos 181°, n.° 1, 184° e 132°, n.° 2, alínea l), todos do Código Penal.
. três crimes de ameaça, previsto e punível nos termos do artigo 153°, n.° 1,155°, n.° 1, alíneas a) e c)e 132°, n.° 2, alínea l), todos do Código Penal...’’
2.Na sequência da realização da diligência de audiência de julgamento e, consequentemente, efectuada e analisada toda a prova coligida e recolhida, testemunhal e documental existente nos autos, sobre todos os factos pelos quais o arguido vinha acusado, entre os quais, os crimes de injúria agravada de que vinha acusado o arguido, a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, na sentença proferida, defendeu o seguinte:
“...A instância mantém-se válida e regular, não tendo sido suscitado quaisquer nulidades ou excepções. Subsiste, no entanto, uma questão prévia que cumpre apreciar relativa à aplicação da Lei n.° 38-A/2023, de 2 de Agosto.

II.1.Da amnistia
A Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto veio estabelecer um perdão de penas e amnistia por ocasião da realização, em Portugal, da Jornada Mundial da Juventude, caso se verifiquem os pressupostos constantes dos seus arts. 2.°, 3.° ou 4.° e 7.° a contrario.
A amnistia é uma medida de clemência concedida pelo Estado que consiste em fazer esquecer os concretos preenchimentos de determinado tipo legal de crime cometidos até determinada data, caracterizando-se por ser uma abolição com carácter geral e impessoal que «anula» o próprio crime.
Compulsados os autos, constata-se que o ilícito penal pelo qual o Arguido AA se encontra acusado foi praticado até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023 (especificamente, em 26.11.2021), bem como que o mesmo possuía, à data da prática dos factos, idade compreendida entre 16 e 30 anos de idade (em concreto, 27 anos de idade) - cfr. o art. 2.°, n.°1 da referida Lei. Por conseguinte, encontram-se reunidos os pressupostos subjectivos para aplicação da amnistia estabelecida pela citada Lei.
No que respeita aos elementos objectivo, prevê o art. 4.° da Lei n.° 38-A/2023, de 2 de Agosto que «são amnistiadas as infrações penais cuja pena aplicável não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa».
Nesta sede, concorda-se na integra com o entendimento de PEDRO BRITO ao consignar que «os crimes puníveis com pena de prisão (...) ou com pena de multa, em alternativa àquela pena de prisão, estarão abrangidos pela amnistia caso o limite máximo da pena de prisão aplicável seja inferior ou igual a um ano de prisão, independentemente do limite máximo da pena de multa aplicável».
Ora, no caso dos autos, o crime de injúria agravada é punível com uma pena de prisão inferior a 1 ano - cfr. os arts. 181.°, n.° 1 e 184.° do Código Penal - pelo que é abrangido pelo estatuído no art. 4.° da referida Lei.
Cumpre, pois apreciar se o caso vertente nos autos configura alguma excepção a que se refere o art. 7.º da Lei. Nesta sede é particularmente relevante atentar ao disposto no n.° 2 nos termos do qual: «as medidas previstas na presente lei não se aplicam a condenados por crimes cometidos contra membro das forças policiais e de segurança, das forças armadas e funcionários, no exercício das respetivas funções».
Cremos que, o caso vertente, não se encontra incluído no âmbito da mencionada excepção. Isto porque, o preceito legal emprega a expressão «condenados», não se referindo em qualquer momento a «arguidos». Tal não sucedeu no n.° 1, al. l), do mesmo artigo, no qual o legislador não se refere a «condenados», mas sim a «autores das contraordenações». Por conseguinte, o legislador escolheu expressamente excluir do perdão e da amnistia os condenados, não os arguidos, os quais - ao contrário dos primeiros - gozam do princípio de presunção de inocência. Por outras palavras, o legislador exclui a aplicação da amnistia imprópria (não extinguindo a execução da pena principal e das penas acessórias), mas não da amnistia própria (extinguindo a infracção). Assim, o elemento literal, impede que seja aplicada a presente excepção ao caso dos autos.
Acresce que, a inclusão dos Arguidos no âmbito de aplicação do referido preceito apenas se afiguraria possível através de uma interpretação extensiva ou analógica do referido n.° 2, a qual não é legalmente admissível no caso de leis excepcionais, como a presente.
Por conseguinte, a situação vertida nos presentes autos não se encontra abrangida por qualquer exclusão a que se refere o art. 7.° da Lei, encontrando-se igualmente preenchidos os requisitos objectivos para a aplicação da amnistia.
Pelo exposto, nos termos do disposto nos arts. 2.°, n.º1, 4.º e 7.°a contrário da Lei n.º 38-A/2023, declaro amnistiados os dois crimes de injúria agravada pelos quais o Arguido vinha acusado e, consequentemente, ao abrigo do disposto nos arts. 127.° e 128.°, n.° 2 do Código Penal, declaro extinto o procedimento criminal que contra o arguido existia relativamente a estes, prosseguindo-se quanto aos crimes de ameaça agravada.
Aguarde-se o decurso do prazo previsto no artigo 11.° da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto... ”.
3. No entanto, o Ministério Público defende que, nos termos do art.º 9.° do Código Civil, a interpretação a efectuar dos preceitos legais, apesar de ter por base o teor literal da letra da lei, o mesmo deverá ser clarificado, aclarado e expurgado tendo em conta as regras da gramática e designadamente o uso corrente da linguagem, e bem assim, os modos de expressão técnico-jurídicos, sendo que, de igual forma, para além do teor verbal, deverá ser considerada a coerência interna do preceito, o lugar em que se encontra e as suas relações com outros preceitos, isto é, a interpretação lógico-sistemática, assim como a realidade que se verificava anteriormente à Lei e toda a evolução histórica, e bem assim o elemento histórico do mesmo, o qual resulta dos trabalhos preparatórios, e por fim, o objectivo concreto da Lei, ou seja, a interpretação teleológica.
4.Ora, analisada a proposta de Lei n.º 97/XV/1ª, mais concretamente, na exposição de motivos que esteve na génese da elaboração da Lei 38-A/2023 verifica-se que, por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude, pretendeu-se estabelecer “...um perdão de um ano de prisão a todas as penas de prisão até oito anos, excluindo a criminalidade muito grave do seu âmbito de aplicação...”, sendo que, adicionalmente iria, de igual forma, ser fixado “...um regime de amnistia, que compreende as contraordenações cujo limite máximo de coima aplicável não exceda € 1.000, exceto as que forem praticadas sob influência de álcool ou de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo, as infrações disciplinares e os ilícitos disciplinares militares que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela presente lei e cuja sanção aplicável não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar e as infrações penais cuja pena aplicável não seja superior a um ano de prisão ou a 120 dias de multa...’’, ou seja, em momento algum, o legislador pretendeu diferenciar, até porque, em nosso entendimento, tal entendimento violaria o princípio da igualdade, previsto no art.° 13.° da Constituição da República Portuguesa, os agentes do crimes em virtude do estado processual em que os respectivos processos se encontrem.
5.De salientar que, em nosso entendimento, a técnica legislativa utilizada, mais concretamente a utilização da expressão “condenados” no art.° 7.° da Lei 38.°A/2023 de 21.08, foi adoptada, em nosso entendimento, em virtude de, nas variadas Leis de Amnistia que lhe antecederam tal vocábulo ter sido, de igual forma, utilizado, no que se refere às excepções de aplicabilidade dessas mesmas Leis, no entanto, por exemplo na Lei 15/94 de 11.05 e na Lei 29/99 de 12.09, tal expressão, na realidade, foi empregue, unicamente, na enumeração das excepções ao perdão de penas e não ao regime da amnistia, uma vez que, todos os ilícitos previstos naqueles diplomas eram puníveis com pena de prisão superior a 1 (um) ano, e por conseguinte, excluídos da previsão da amnistia.
6.Analisadas as várias Leis da Amnistia aprovadas, ressalta com suficiente evidência que, em todos esses diplomas o legislador, nos casos em que definiu o âmbito de excepções, em momento algum pretendeu diferenciar ou depender a aplicação do beneficio da amnistia ou perdão do trânsito em julgado da sentença condenatória, razão pela qual, consideramos que uma interpretação, entre outros, do art.° 7.°, n.° 2 da Lei 38-A/2023 de 02.08, semelhante à efectuada pelo Tribunal a quo, ou seja, considerar que apenas se encontram excepcionados de aplicabilidade do regime de perdão e de amnistia os “condenados" por sentença transitada em julgado, contraria, de forma premente e frontal, o espírito do legislador aquando da elaboração da Lei, uma vez que este pretendeu excepcionar do beneficio do perdão e da amnistia os autores/agentes de determinados ilícitos penais e contra-ordenacionais, por considerar e classificar tais condutas ou comportamentos como graves, atentatórios dos mais básicos valores à vida em sociedade, e por conseguinte, excluir do âmbito de aplicação deste regime ilícitos que sejam classificados com elevadas exigências de prevenção geral.
7.É obrigação do aplicador do Direito subsumir e interpretar correctamente a intenção do legislador, e por conseguinte, não deve ser efectuada uma meramente interpretação literal do texto da lei, uma vez que tal processo hermenêutico conduzirá, à semelhança do ora vivenciado, a soluções aberrantes e contrárias ao pretendido pelo criador da Lei, razão pela qual, consideramos que a expressão “condenados” utilizada no art.° 7.°, n.° 2 da Lei 38/2023 de 02.08 não pode, nem deve ser interpretada como aplicável, única e exclusivamente a arguidos condenados por sentença transitada em julgado, ao invés, o aplicador da Lei deverá, uma vez que o âmbito da excepção refere-se aos ilícitos em si e não à fase processual em que determinados processos se encontrem, interpretar tal vocábulo de forma a excepcionar a aplicação do beneficio do perdão e da amnistia a todos os autores/agentes dos ilícitos que assumam comportamentos subsumiveis na conduta de “...crimes cometidos contra membro das forças policiais e de segurança, das forças armadas e funcionários, no exercício das respetivas funções...", entre os quais se inclui o crime de injúria agravada, p. e p. pelo art.° 184.° ex vi art.º 181,°, n.° 1 e art.° 132.°, n.° 2 al. a), todos do Código Penal, ou seja, os ilícitos pelos quais o arguido nos autos veio acusado.
8.Pensamento semelhante deverá ser efectuado no que se refere aos agentes que praticaram um crime de condução de veículo na via pública em estado de embriaguez, tendo em consideração que, mais uma vez, o legislador utilizou, de forma infeliz, a expressão “condenados” quando prevê que “… 1 - Não beneficiam do perdão e da amnistia previstos na presente lei: (...) d) No âmbito dos crimes contra a vida em sociedade, os condenados por: (...) ii) Crimes de condução perigosa de veículo rodoviário e de condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, previstos nos artigos 291.° e 292.°do Código Penal;..."
9.Ora, consideramos que não foi essa a intenção do legislador, uma vez que, em momento algum, foi enunciado, referenciado ou, em nosso entendimento, sequer conjecturado depender a aplicabilidade ou excepcionalidade do regime de amnistia ou perdão consoante a fase processual em que determinados autos se encontrem.
10.De salientar que as Leis de Amnistia subvertem, de alguma forma, os princípios relativos à divisão e interdependência dos poderes estaduais, uma vez que possibilitam a intromissão de outros poderes na administração da justiça, tarefa para a qual só o poder judicial se encontra vocacionado, pelo que, tais normativos consubstanciam, necessariamente, um direito de excepção.
11.Atenta a natureza excepcional das normais de tais diplomas legislativos, nos termos do art.° 11° do Código Civil "...não comportam aplicação analógica, mas admitem interpretação extensiva...", peio que devem ser "...ser interpretadas nos exactos termos em que estão redigidas...", vide a título exemplificativo, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Dezembro de 1977, in Boletim do Ministério da Justiça, n.°272, p. 111 - «a amnistia, na medida em que constitui providência de excepção, não pode deixar de ser interpretada e aplicada nos estritos limites do diploma que a concede, não comportando restrições ou ampliações que nele não venham consignadas» -, de 6 de Maio de 1987, Tribuna da Justiça, Julho de 1987, p. 30 - «O STJ sempre tem entendido que as leis de amnistia, como providências de excepção, devem interpretar-se e aplicar-se nos seus precisos termos, sem ampliações nem restrições que nelas não venham expressas» -, de 30 de Junho de 1976, Boletim do Ministério da Justiça, n.° 258, p. 138 - «A aplicação da amnistia deve fazer-se sempre nos estritos limites da lei que a concede, de modo a evitar que vá atingir, na sua incidência como facto penal extintivo, outra ou outras condutas susceptíveis de procedimento criminal» -, de 26 de Junho de 1997, processo n.° 284/97, 3.ª Secção - «As leis de amnistia como leis de clemência devem ser interpretadas nos termos em que estão redigidas, não consentindo interpretações extensivas e muito menos analógicas» -, de 15 de Maio de 1997, processo n.° 36/97, 3.ª Secção - «A amnistia e o perdão devem ser aplicados nos precisos limites dos diplomas que os concedem, sem ampliação nem restrições» -, de 13 de Outubro de 1999, processo n.° 984/99, 3.ª Secção, de 29 de Junho de 2000, processo n.° 121/2000,5.ª Secção, e de 7 de Dezembro de 2000, processo n.° 2748/2000,5ª Secção).
12.Em nosso entendimento, conforme referenciado anteriormente, a expressão "condenados” que se encontra plasmada no art.° 7.° da Lei 38-A/2023 deverá ser interpretada como referindo-se aos autores/agentes dos variados ilícitos ali previstos e não os, efectivamente, já condenados por sentença transitada em julgado, uma vez que é essa a que melhor corresponde à vontade do Legislador, com inequívoco apoio e sustentação literal na Lei, ou seja, efectuando uma interpretação declarativa, teleológica e sistemática do corpo da legislação.
13.No entanto, caso este não seja entendimento do Tribunal a quem, realidade que, por mero exercício intelectual se compagina, consideramos uma interpretação semelhança à efectuada pela sentença ora recorrida, acarreta, necessariamente, uma clara e evidente violação do Principio da Igualdade, instituído no ordenamento jurídico nacional pelo art.° 13.° da Constituição da República Portuguesa.
14.Tem sido entendimento jurisprudencial pacífico que"... Qualquer amnistia envolve uma selecção de factos amnistiar, segundo os tipos de crime, as categorias dos agentes ou outras circunstâncias...’’, sendo “...não ofende o princípio da igualdade, que, como é usual, se distingam esses factos de acordo com a sua gravidade relativa. Essa gravidade pode, desde logo, ser determinada pelo tipo de crime e pela medida abstracta da pena que lhe corresponde. Mas também a categoria dos agentes (a sua idade, o facto de serem agentes polícias ou funcionários públicos) ou outras circunstâncias podem ornar mais ou menos graves, objectivamente e à luz dos fins próprios do sistema jurídico-penal, determinadas condutas...”, ou seja, “...O legislador não está estritamente vinculado aos critérios de gravidade relativa já definidos no Código Penal, pode ser sensível a critérios de gravidade relativa ditados pela opinião pública numa determinada conjuntura histórica...”, vide, entre outros, o Acórdão do Tribunal Constitucional 444/1997, disponível em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19970444.html.
15.Em nosso entendimento, a interpretação efectuada do art.° 7.°, n.° 2 da Lei 38- A/2023 de 21.08 pela sentença ora recorrida, não só, derroga os fins inerentes ao Estado de Direito, como tinha como resultado a utilização de um critério arbitrário e irracional, uma vez que não se consegue vislumbrar que critério objectivo e racional serviria para justificar o beneficio, ou deixar de beneficiar da amnistia determinado arguido, única e exclusivamente, pelo estado processual do respectivo processo, ou seja, tal interpretação representaria, em nosso entendimento, uma incoerência do sistema jurídico penal, fornecendo um tratamento favorável a uns em detrimento de outros, pelo simples motivo de determinado processo conseguir ser julgado de forma mais célere.
16.Não se olvida que o legislador parlamentar tem uma liberdade ampla e flexível de criação de legislação, no entanto, afigura-se-nos que, caso a interpretação efectuada pelo Tribunal a quo seja a correcta, tal circunstância evidencia que foram ultrapassados os limites dessa liberdade, uma vez que tal entendimento privilegia e/ou nega privilegiar, nitidamente, arguidos, que cometeram ilícitos idênticos em iguais circunstâncias de tempo e lugar, única e exclusivamente, em virtude da fase processual em que os respectivos processos se encontrem a ser tramitados, ou seja, violando o principio da igualdade consagrado no art.° 13.° da Constituição da República Portuguesa.
17.Uma interpretação semelhante à que foi efectuada pelo Tribunal a quo poderia conduzir a que fosse tratado de forma diferente realidades e a prática crimes em tudo semelhantes, e por conseguinte, violando o estipulado no art.° 13.° da Constituição da República Portuguesa.
18.A título meramente exemplificativo, se conjecturarmos uma situação hipotética, mas de elevada probabilidade de correlação fáctica existencial, de três indivíduos, todos da mesma idade (menores de 31 anos), condutores de viaturas automóveis, na mesma circunstância de tempo (18.05.2023) e lugar, que após sujeitos a fiscalização rodoviária, apresentavam, dois deles, uma taxa de alcoolémia crime e o terceiro de apenas contraordenação, se, por acaso, um daqueles arguidos tivesse solicitado a contraprova por perícia sanguínea e o resultado que confirmou a prática do crime apenas fosse devolvido fora do prazo para poder ser julgado em processo sumário, ao invés do que sucedeu com o outro arguido em processo crime que ostentava uma taxa de alcoolémia superior 1,2 gramas/lt., concluir-se-ia que, caso a interpretação efectuada pelo Tribunal a quo fosse a correcta, por um lado, o arguido que foi julgado em processo sumário não lhe era aplicável o regime da amnistia, pois tinha sido condenado por sentença transitada em julgado, por outro, o que apenas foi julgado após a entrada em vigor da Lei 38-A/2023 de 02.08 era amnistiado, e por fim, independentemente de ter sido condenado ou não por decisão transitada em julgado, o arguido da contraordenação, autor de ilícito, necessariamente, menos gravoso que os outros dois, não poderia beneficiar, de igual forma, do regime da amnistia ou de perdão de penas, pois tal conduta encontra-se excepcionada de aplicabilidade, pelo art.° 7.°, n.° 1 al. l) da citada Lei.
19. Ou seja, segundo a interpretação do Tribunal a quo, por um lado, duas situações em tudo idênticas, quer factuais, quer quanto ao grau de ilicitude e gravidade do ilicito, seriam tratadas de forma díspar, única e exclusivamente, pela fase em que processual o processo se encontrasse, e por lado, tratava de forma mais gravosa uma conduta menos ilícita e menos culposa, independentemente da fase processual em que se encontrasse aquando da aplicação da Lei, apenas e tão só porque, no que se refere a contraordenações, o legislador não utilizou a expressão “condenados”.
20.Pelo exposto, concluímos que a interpretação legislativa efectuada pelo Tribunal a quo levaria, indubitavelmente, a conclusões e decisões, em nosso entendimento, aberrantes, intolerantes, irracionais e incompreensíveis, tratando de forma desigual arguidos em situações idênticas e de forma prejudicial autores de ilícitos contraordenacionais relativamente a arguidos de crimes de natureza idêntica mais gravosos, ou seja, violando, em nosso entendimento, o principio da igualdade, previsto no art.° 13.° da Constituição da República Portuguesa.
21.O princípio da igualdade impede desigualdades de tratamento, ou seja, a delimitação dos factos amnistiados tem que ser feita segundo critérios susceptíveis de generalização em função de circunstâncias não arbitrárias, mas razoáveis do ponto de vista dos fins do Estado de Direito.
22.Não se olvida que o legislador tem discricionariedade, uma vez que, aquele pode optar por excluir inteiramente da lei de amnistia certos tipos de crime, como pode também sujeitar tipos determinados num regime especial, sendo que, cabe a este decidir em relação a que infracções se verifica em especial medida um interesse geral de pacificação, sendo que, “...só há uma violação do princípio da igualdade quando a regulamentação que o legislador deu a certos factos típicos não está manifestamente orientada por princípios de Justiça, ou seja, quando não se encontram para ela quaisquer considerações racionais, que derivem da natureza das coisas ou sejam de qualquer outro modo evidentes...", vide acórdão 444/1997 do Tribunal Constitucional, disponível em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19970444.html.
23.Conforme referenciado anteriormente, na exposição de motivos da elaboração da Lei da Amnistia, foi invocado que na génese da mesma estava a realização em Portugal das Jornadas Mundiais da Juventude, em agosto de 2023, ou seja, em momento algum esteve na origem de tal legislação a adequação dos meios disponíveis aos fins para reduzir a população prisional ou diminuir o trabalho que pesa sobre o sistema judicial, realidade que, mesmo que fosse invocada, teria uma legitimidade "pelo menos duvidosa”, conforme defende o Professor Figueiredo Dias, in Direito Penal Português. Parte Geral, II., Coimbra, 1993, pág. 1102.
24.Ora, não sendo essa a motivação que esteve na génese da criação da Lei 38- A/2023 de 02.08, e mesmo que tal ocorresse, tratar de forma diferente circunstâncias e ou arguidos em posições iguais, violaria, em nosso entendimento, o princípio da igualdade, instituído no nosso ordenamento jurídico, entre o mais, pelo art.° 13.° da Constituição da República Portuguesa, uma vez que, trataria, de forma totalmente diferente circunstâncias e ilícitos iguais, inexistindo, qualquer justificação racional para tal entendimento.
25.Cumpre, de igual forma, alertar que o art.° 2.°, n.° 1 da Lei 28-A/2023 de 02.08 dispõe "...Estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.° e 4.°...", ou seja, depende a aplicação da supramencionada Lei da Amnistia, entre o mais, que os autores dos ilícitos tenham entre 16 e os 30 anos de idade.
26.No entanto, em momento algum do ordenamento jurídico nacional é referenciado ou sequer caracterizado como jovem o indivíduo de 30 (trinta) anos de idade.
27.De salientar que, não obstante, à semelhança do anteriormente expendido, o poder legislativo ter um poder discricionário para optar quanto aos destinatários do diploma, limitar tal aplicabilidade aos alegados destinatários de evento ou celebração, ultrapassa, em nosso entendimento, a discricionariedade normativo-constitutiva do legislador ordinário, uma vez que, contrariam as várias normas já instituídas no ordenamento jurídico nacional.
28.De acrescentar que, apesar de, nas Jornadas Mundiais da Juventude, ser efectuada alusão ou caracterização de indivíduos com 30 (trinta) anos de idade como “jovens” a realidade é que, tal referência ou comparação é contraditada, de forma indubitável, tanto por todos os estudos médicos, psicológicos e psiquiátricos, bem como, de forma peremptória, por todos os ordenamentos jurídicos, entre os quais, o nacional, os quais definem e caracterizam, sem qualquer margem para dúvida, um indivíduo de trinta (30) anos de idade como um adulto, sendo, de igual forma, de salientar que não obstante, aparentemente, a Jornadas Mundiais da Juventude terem como destinatários indivíduos até 30 anos de idade, na realidade, não foi obstada, restringida ou sequer limitada a frequência em tal evento a maiores de 30 (trinta) anos de idade.
29.Conforme referenciado no parecer do Conselho Superior da Magistratura solicitado"... Ora, a diferenciação de tratamento entre pessoas que praticaram idênticas infrações com base unicamente na idade que possuíam no momento da sua prática, ainda que amparada na faixa etária dos principais destinatários de um evento, suscita as maiores reservas quanto à sua conformidade constitucional...”, uma vez que “...trata-se de uma descriminação positiva em função da idade que não se mostra devidamente justificada...", e por conseguinte, violadora do princípio da igualdade, previsto no art.º 13.° da Constituição da República Portuguesa.
30.Ora, com base no exposto, não obstante defendermos existir uma inquestionável discricionariedade inerente à função legislativa, o legislador apenas poderá distinguir objectivamente situações quando na génese do processo legislativo tal distinção prossiga fins legítimos segundo o ordenamento constitucional e se revelem necessárias, adequadas e proporcionadas à satisfação do respectivo objectivo.
31.Assim, e considerando que, conforme referenciado no parecer do Conselho Superior da Magistratura que “...As JMJ não são um valor constitucional que justifique a discriminação de pessoas, sendo, pois, duvidoso que esta discriminação se considere não arbitrária, considerando que a discriminação que é feita tem que se justificar para fins constitucionalmente legítimos...", ou seja, “...é necessário que a discriminação seja constitucionalmente legítima e que a diferença de tratamento estabelecida pelo legislador seja adequada e proporcional nessa perspetiva...”, pelo que “...se é fácil legitimar constitucionalmente que a lei sob escrutínio não abranja infrações futuras ou englobe somente as praticadas até as 00:00 horas do dia 19 de junho de 2023, afigurasse-nos, ao invés, impossível de descobrir um motivo constitucional que seja para que uma pessoa de 31, 40 ou 70 anos de idade à data da prática do facto fique arredada dos benefícios do perdão e da amnistia...".
32.Pelo exposto, concluímos, à semelhança do que é referenciado pelo Conselho Superior da Magistratura que o art.° 2.°, n.° 1 da Lei 28-A/2023 de 02.08, que estamos perante uma situação de discriminação em função da idade, sem qualquer justificação objetiva, ou seja, violadora do princípio da igualdade consagrado no art.° 13.° da Constituição.”
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O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
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O arguido não respondeu ao recurso.
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Nesta Relação, o Ministério Público emitiu parecer, pugnando pela manutenção da decisão recorrida e pela improcedência do recurso, nos seguintes termos:
1.Inexiste circunstância que obste ao conhecimento do Recurso, tempestivamente interposto por quem, para tanto, tem legitimidade e interesse em agir, sendo de manter o regime e efeito fixado nos autos e deve ser julgado em conferência, nos termos do disposto no art. 419.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
2.Delimitação do objecto do recurso.
O recurso vem interposto da douta sentença de 15/9/2023 do J1 do Juízo Local Criminal de Loures na parte em que declarou amnistiados os dois crimes de injúria agravada p. e p. pelos art. 184.º, ex vi art. 181.º, n.º 1 e 132.º, n.º 2, al. l), todos do Código Penal de que o Arguido AA se mostrava também acusado.
É pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
No essencial no recurso interposto pelo Ministério Público sustenta-se que a douta sentença deve ser revogada e substituída por outra que condene o Arguido AA pela prática de dois crimes de injúria agravada p. e p. pelos art. 184.º, ex vi art. 181.º, n.º 1 e 132.º, n.º 2, al. l), todos do Código Penal ou, em alternativa, por um lado, que declare inconstitucional o art.7.º da Lei n.º 38-A/2023, de 21-8, se interpretada a expressão «condenados» como condição para excluir do benefício do perdão e da amnistia unicamente os arguidos condenados por sentença transitada em julgado, por tal entendimento ser, manifestamente, violador do princípio da igualdade previsto no art. 13.º da CRP e, por outro, que declare inconstitucional o art. 2.º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023, de 21-8, por violador do princípio da igualdade previsto no art. 13.º da CRP.
3.Posição sobre o recurso.
Analisados os fundamentos do recurso, e não obstante a douta argumentação desenvolvida pelo Digno Magistrado do Ministério Público junto da 1.ª instância, e sempre com o devido e muito respeito pelo entendimento sustentado, não acompanhamos o recurso apresentado pelo Digno Magistrado do Ministério Público junto da 1.ª instância.
Por um lado, a Lei n.º 38-A/2023, de 21-8, como, aliás, tem acontecido com as anteriores leis de amnistia, não admite interpretação extensiva ou restritiva, devendo, assim, o conceito «condenados» ser interpretado nos exactos termos em que se mostra redigido (cfr., neste sentido, e entre outros, e por exemplo, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 7/12/1977, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 272, p. 111 - «a amnistia, na medida em que constitui providência de excepção, não pode deixar de ser interpretada e aplicada nos estritos limites do diploma que a concede, não comportando restrições ou ampliações que nele não venham consignadas» -, de 6/5/1987, Tribuna da Justiça, Julho de 1987, p. 30 - «O STJ sempre tem entendido que as leis de amnistia, como providências de excepção, devem interpretar-se e aplicar-se nos seus precisos termos, sem ampliações nem restrições que nelas não venham expressas» -, de 30/6/1976, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 258, p. 138 - «A aplicação da amnistia deve fazer-se sempre nos estritos limites da lei que a concede, de modo a evitar que vá atingir, na sua incidência como facto penal extintivo, outra ou outras condutas susceptíveis de procedimento criminal» -, de 26/6/1997, processo 284/97, 3.ª Secção - «As leis de amnistia como leis de clemência devem ser interpretadas nos termos em que estão redigidas, não consentindo interpretações extensivas e muito menos analógicas» -, de 15/5/1997, processo 36/97, 3.ª Secção - «A amnistia e o perdão devem ser aplicados nos precisos limites dos diplomas que os concedem, sem ampliação nem restrições» -, de 13/10/1999, processo 984/99, 3.ª Secção, de 29/6/2000, processo 121/2000, 5.ª Secção, e de 7/12/2000, processo 2748/2000, 5.ª Secção. Por outro lado, não se nos afigura que a sentença recorrida tenha feito qualquer interpretação que possa ser tida como inconstitucional e violadora do princípio da igualdade, seguindo-se, neste particular, o entendimento jurisprudencial plasmado no Ac. do TRE de 18/12/2023 (Relator Exmo. Senhor Juíz Desembargador, Dr. Jorge Antunes) consultável na base da DGSI.
A ser assim, a sentença recorrida não nos merece qualquer reparo ou censura.
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Pelo exposto, somos do parecer de que o Recurso interposto pelo Ministério Público junto da 1ª Instância, e salvo o devido e muito respeito por diferente opinião, deve ser julgado improcedente e, consequentemente, a sentença recorrida deve ser mantida nos seus precisos termos.”
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Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417º, nº 2 do Cód. Proc. Penal, nada tendo o arguido vindo alegar.
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Proferido despacho liminar, teve lugar a conferência.
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2–Objecto do Recurso
Conforme o previsto no art.º 412º do Cód. Proc. Penal, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do recurso, as quais delimitam as questões a apreciar pelo tribunal ad quem, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cf. neste sentido, Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, vol. III, 1994, pág. 320, Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos Penais”, 9ª ed., 2020, pág. 89 e 113-114, e, entre muitos outros, o acórdão do STJ de 5.12.2007, no Processo nº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art. 412º, nº 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.»)

Assim sendo, a questão que cumpre decidir no presente recurso é a de saber se sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que:
- condene o Arguido AA pela prática de dois crimes de injúria agravada p. e p. pelos art.º 184º, ex vi art.º 181º, nº 1 e 132º, nº 2, al. l), todos do Cód. Penal ou
- declare inconstitucional o art.º 7º da Lei nº 38-A/2023, se interpretada a expressão «condenados» como condição para excluir do benefício do perdão e da amnistia unicamente os arguidos condenados por sentença transitada em julgado, por tal entendimento ser, manifestamente, violador do princípio da igualdade previsto no art.º 13º da CRP;
- declare inconstitucional o art.º 2º, nº 1 da Lei nº 38-A/2023, por violador do princípio da igualdade previsto no art.º 13º da CRP.
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3Fundamentação:

3.1.– Fundamentação de Facto

3.1.É a seguinte a decisão recorrida na parte que interessa para o presente recurso:

“(…) II. Saneamento
A instância mantém-se válida e regular, não tendo sido suscitado quaisquer nulidades ou excepções. Subsiste, no entanto, uma questão prévia que cumpre apreciar relativa à aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto.
II.1.- Da amnistia
A Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto veio estabelecer um perdão de penas e amnistia por ocasião da realização, em Portugal, da Jornada Mundial da Juventude, caso se verifiquem os pressupostos constantes dos seus arts. 2.º, 3.º ou 4.º e 7.º a contrario.
Amnistia é uma medida de clemência concedida pelo Estado que consiste em fazer esquecer os concretos preenchimentos de determinado tipo legal de crime cometidos até determinada data, caracterizando-se por ser uma abolição com carácter geral e impessoal que «anula» o próprio crime.
Compulsados os autos, constata-se que o ilícito penal pelo qual o Arguido AA se encontra acusado foi praticado até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023 (especificamente, em 26.11.2021), bem como que o mesmo possuía, à data da prática dos factos, idade compreendida entre 16 e 30 anos de idade (em concreto, 27 anos de idade) – cfr. o art. 2.º, n.º 1 da referida Lei. Por conseguinte, encontram-se reunidos os pressupostos subjectivos para aplicação da amnistia estabelecida pela citada Lei.
No que respeita aos elementos objectivo, prevê o art. 4.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto que «são amnistiadas as infrações penais cuja pena aplicável não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa».
Nesta sede, concorda-se na integra com o entendimento de PEDRO BRITO ao consignar que «os crimes puníveis com pena de prisão (…) ou com pena de multa, em alternativa àquela pena de prisão, estarão abrangidos pela amnistia caso o limite máximo da pena de prisão aplicável seja inferior ou igual a um ano de prisão, independentemente do limite máximo da pena de multa aplicável» (Cfr. PEDRO BRITO, Notas práticas referentes à Lei n.º 38-A/20023, de 2 de agosto, que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude, p. 24, disponível em https://julgar.pt/.)
Ora, no caso dos autos, o crime de injúria agravada é punível com uma pena de prisão inferior a 1 ano – cfr. os arts. 181.º, n.º 1 e 184.º do Código Penal – pelo que é abrangido pelo estatuído no art. 4.º da referida Lei.
Cumpre, pois apreciar se o caso vertente nos autos configura alguma excepção a que se refere o art. 7.º da Lei. Nesta sede é particularmente relevante atentar ao disposto no n.º 2 nos termos do qual: «as medidas previstas na presente lei não se aplicam a condenados por crimes cometidos contra membro das forças policiais e de segurança, das forças armadas e funcionários, no exercício das respetivas funções».
Cremos que, o caso vertente, não se encontra incluído no âmbito da mencionada excepção. Isto porque, o preceito legal emprega a expressão «condenados», não se referindo em qualquer momento a «arguidos». Tal não sucedeu no n.º 1, al. l), do mesmo artigo, no qual o legislador não se refere a «condenados», mas sim a «autores das contraordenações». Por conseguinte, o legislador escolheu expressamente excluir do perdão e da amnistia os condenados, não os arguidos, os quais – ao contrário dos primeiros – gozam do princípio de presunção de inocência. Por outras palavras, o legislador exclui a aplicação da amnistia imprópria (não extinguindo a execução da pena principal e das penas acessórias), mas não da amnistia própria (extinguindo a infracção). Assim, o elemento literal, impede que seja aplicada a presente excepção ao caso dos autos.
Acresce que, a inclusão dos Arguidos no âmbito de aplicação do referido preceito apenas se afiguraria possível através de uma interpretação extensiva ou analógica do referido n.º 2, a qual não é legalmente admissível no caso de leis excepcionais, como a presente.
Por conseguinte, a situação vertida nos presentes autos não se encontra abrangida por qualquer exclusão a que se refere o art. 7.º da Lei, encontrando-se igualmente preenchidos os requisitos objectivos para a aplicação da amnistia.
Pelo exposto, nos termos do disposto nos arts. 2.º, n.º 1, 4.º e 7.º a contrário da Lei n.º 38-A/2023, declaro amnistiados os dois crimes de injúria agravada pelos quais o Arguido vinha acusado e, consequentemente, ao abrigo do disposto nos arts. 127.º e 128.º, n.º 2 do Código Penal, declaro extinto o procedimento criminal que contra o arguido existia relativamente a estes, prosseguindo-se quanto aos crimes de ameaça agravada.(…)”
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3.2.Mérito do recurso
Nos presentes autos, o Ministério Público acusou o arguido AA da prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo, de:
- dois crimes de injúria, p. e p. pelos art.sº 181º, nº 1, 184º e 132º, nº 2, alínea l) do Cód. Penal;
- três crimes de ameaça, p. e p. pelos art.sº 153º, nº 1, 155º, nº 1, alíneas a) e c) e 132º, nº 2, alínea l) do Cód. Penal.
A decisão recorrida declarou amnistiados os dois crimes de injúria agravada pelos quais o arguido vinha acusado, nos termos do disposto nos arts.º 2º, nº 1, 4º e 7º, “a contrário”, da Lei nº 38-A/2023, e, ao abrigo do disposto nos arts.º 127º e 128º, nº 2 do Cód. Penal, declarou extinto o procedimento criminal contra o arguido relativamente a estes crimes, prosseguindo os autos apenas quanto aos crimes de ameaça agravada.

O Ministério Público junto da 1ª instância entende que a decisão recorrida deve ser substituída por outra que:
- condene o arguido pela prática dos dois crimes de injúria agravada ou
- declare inconstitucional o art.° 7° da Lei nº 38°-A/2023, de 2/08, se interpretada a expressão “condenados” como condição para excluir do benefício do perdão e da amnistia unicamente os arguidos condenados por sentença transitada em julgado, por tal entendimento ser, manifestamente, violador do Princípio da Igualdade, previsto no art.º 13º da CRP,
- declare inconstitucional o art.º 2º, nº 1 da Lei nº 38º-A/2023, de 2/08, por ser violador do Princípio da Igualdade, previsto no art.º 13º da CRP.

Alega, para tanto, que da interpretação literal e teleológica do art.º 7º da Lei nº 38º-A/2023 resulta que o vocábulo “condenados” aplicável, única e exclusivamente, aos agentes que tenham sido condenados por sentença transitada em julgado, aquando da entrada em vigor desta Lei, conduz a uma violação clara do Direito de Igualdade, pois leva a que sejam tratadas de forma diferente situações idênticas.

Mais alega que o legislador foi infeliz na utilização do vocábulo “condenados” no art.º 7º, nº 2 da citada Lei, uma vez que, tanto na exposição de motivos que esteve na origem da Lei, como em toda a discussão pública e partidária que lhe sucedeu e em todos os pareceres jurídicos recolhidos, nomeadamente do Conselho Superior da Magistratura e do Conselho Superior da Magistratura do Ministério Público, não foi referenciado ou pretendido tratar de forma diferente os autores de ilícitos semelhantes, em virtude da fase processual em que os correspondentes processos se encontrem, ou seja, considerar determinado ilícito abrangido pela amnistia se o processo ainda não tiver sido julgado e condenado por sentença transitada em julgado e excepcionar de tal benefício a prática de crime em tudo semelhante, apenas por ter sido agendado um julgamento célere.

Considera o recorrente que a expressão "condenados” utilizada no art.º 7º, nº 2 da Lei nº 38/2023 não pode ser interpretada como aplicável, única e exclusivamente a condenados por sentença transitada em julgado, uma vez que o âmbito da excepção se refere à tipologia dos crimes em si e não à fase processual em que determinado agente/autor do ilícito se encontre aquando da entrada em vigor da Lei a aplicar, devendo tal vocábulo ser interpretado de forma a excepcionar na aplicação do benefício do perdão e da amnistia todos os ilícitos que sejam subsumíveis na conduta "...crimes cometidos contra membro das forças policiais e de segurança, das forças armadas e funcionários, no exercício das respetivas funções...", entre os quais se incluí o crime de injúria agravada, p. e p. pelo art.º 184º ex vi art.º 181º, nº 1 e art.º 132º, nº 2, al. a) todos do Cód. Penal.

Vejamos se lhe assiste razão.

A Lei nº 38-A/2023, de 2/08, segundo o previsto no seu art.º 1º, veio estabelecer um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude.

Nos termos do art.º 2º, nº 1 do diploma, estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º”.

Tendo o arguido nascido a 5/11/94 e praticado a 26/11/21 os factos relativos aos crimes de injúria agravada por que foi acusado, constata-se que tinha 27 anos de idade à data da prática destes crimes, razão pela qual se encontra abrangido pela previsão do art.º 2º, nº 1 do diploma legal em apreço.

Importa agora verificar se a sua conduta se encontra também abrangida pelo disposto nos arts.º 3º e 4º do mesmo diploma.

O art.º 4º da Lei nº 38-A/2023, de 2/08 prevê que: «são amnistiadas as infrações penais cuja pena aplicável não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa».

Relativamente ao âmbito de aplicação desta norma, refere Pedro José Esteves de Brito, in “Notas práticas referentes à Lei n.º 38-A/20023, de 2 de agosto, que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude, Julgar Online, agosto de 2023, pág. 24, que:
“Pena a ter em conta:
Faz-se referência à moldura abstrata constante do tipo e não à pena concreta em que o agente tenha sido eventualmente condenado. Na verdade, como resulta do já exposto, a amnistia pode aplicar-se a casos em que já tenha havido condenação.
O referido limite da pena de prisão aplica-se aos crimes puníveis somente com pena de prisão, bem como aos crimes puníveis com pena de prisão e com pena de multa, cumulativamente, ou com pena de multa, em alternativa àquela pena de prisão. Já o referido limite da pena de multa aplica-se aos crimes puníveis apenas com pena de multa.
Assim, os crimes puníveis unicamente com pena de prisão estarão abrangidos pela amnistia caso o limite máximo da pena aplicável seja inferior ou igual a um ano de prisão. Por seu turno, os crimes puníveis com pena de prisão e com pena de multa, cumulativamente, ou com pena de multa, em alternativa àquela pena de prisão, estarão abrangidos pela amnistia caso o limite máximo da pena de prisão aplicável seja inferior ou igual a um ano de prisão, independentemente do limite máximo da pena de multa aplicável. Finalmente, os crimes puníveis apenas com pena de multa estarão abrangidos pela amnistia caso o limite máximo da pena aplicável seja inferior ou igual a 120 dias.”

Ora, no caso dos autos, o crime de injúria agravada é punível com uma pena de prisão inferior a 1 ano, conforme o previsto nos arts.º 181º, nº 1 e 184º do Cód. Penal, pelo que está abrangido pelo estatuído no art.º 4º da referida lei.

Porém, importa averiguar se os crimes em concreto de que o arguido vinha acusado nestes autos integram alguma das excepções a que se refere o art.º 7º da mesma lei, o qual no seu nº 2 estabelece que: «as medidas previstas na presente lei não se aplicam a condenados por crimes cometidos contra membro das forças policiais e de segurança, das forças armadas e funcionários, no exercício das respetivas funções».

No caso dos autos temos que os crimes em apreço foram cometidos contra agentes da PSP em exercício de funções.
Porém, a lei excepciona da aplicação da amnistia os “condenados”, mas não os “arguidos”, os “acusados” ou os “suspeitos”.

Entendeu o juiz a quo que o legislador escolheu expressamente excluir do perdão e da amnistia os condenados, mas não os arguidos, os quais, ao contrário dos primeiros, gozam do princípio de presunção de inocência.

Ora, quanto à forma como se devem interpretar as leis, dispõe o art.º 9º do Cód. Civil que:
1.A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2.Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3.Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

A questão que importa decidir é a de saber se a expressão “condenados" que se encontra plasmada no art.º 7º, nº 2 da Lei nº 38-A/2023 deverá ser interpretada como referindo-se aos autores/agentes” daqueles ilícitos e não apenas aos indivíduos já efectivamente condenados por sentença transitada em julgado, por ser essa a interpretação que melhor corresponde à vontade do legislador, com apoio na letra da lei.

A este respeito é importante não esquecer a excepcionalidade que o legislador reconhecidamente quis atribuir às leis de perdão e amnistia.

Conforme resulta do Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ nº 2/2023, publicado no DR, 1ª série, de 1/02, as Leis do Perdão e Amnistia têm uma natureza excecional que, como tal, não comportam aplicação analógica, interpretação extensiva ou restritiva, devendo as normas que as enformam "ser interpretadas nos exactos termos em que estão redigidas". Nesta medida, "insusceptíveis de interpretação extensiva (não pode concluir-se que o legislador disse menos do que queria), de interpretação restritiva (entendendo-se que o legislador disse mais do que queria) e afastada em absoluto a possibilidade de recurso à analogia, impõe-se uma interpretação declarativa [...]".
Como tal, atendendo à excecionalidade que caracteriza as leis de amnistia e de perdão, a interpretação das mesmas deverá, pura e simplesmente, conter-se no texto da respetiva lei, adotando-se uma interpretação declarativa em que "não se faz mais do que declarar o sentido linguístico coincidente com o pensar legislativo".

A excepcionalidade do regime consagrado nas leis de perdão e amnistia, que comporta já de si alguma discricionariedade, não pode permitir ao intérprete seguir pela via de múltiplas e diferentes interpretações e entendimentos, os quais podem levar a uma ainda maior discricionariedade na aplicação da lei.

Há que ser cauteloso na interpretação deste tipo de leis e presumir que o legislador se expressou da melhor forma possível e que as opções que fez quanto aos destinatários das normas foram pensadas e conscientes, sob pena de cada intérprete correr o risco de tentar incluir na previsão das normas situações que aí não estão expressamente consagradas, com recurso a interpretação extensiva, a interpretação restritiva ou a analogia não permitidas.

Porém, como referem Pires de Lima e Antunes Varela, em anotação ao art.º 9º do Cód. Civil, in “Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição, Coimbra Editora, pág. 58 e 59, no que concerne à interpretação da lei, há que ter em conta que:1. Em lugar de impor um método ou consagrar uma corrente doutrinária em matéria de interpretação das leis, o Código limita-se a consagrar os princípios que podem considerar-se já uma aquisição definitiva na matéria, combatendo os excessos a que os autores objectivistas e subjectivistas têm chegado muitas vezes.
Afasta-se, assim, o exagero dos objectivistas que não atendem sequer às circunstâncias históricas em que a norma nasceu, na medida em que o n.º 1 do artigo 9.º manda reconstituir o pensamento legislativo e atender às circunstâncias em que a lei foi elaborada. Como se condena igualmente o excesso dos subjectivistas que prescindem por completo da letra da lei, para atender apenas à vontade do legislador, quando no n.º 2 se afasta a possibilidade de qualquer pensamento legislativo valer como sentido decisivo da lei, se no texto desta não encontrar um mínimo de correspondência verbal.
E ao mesmo tempo que manda atender às circunstâncias (históricas) em que a lei foi elaborada, o preceito não deixa de expressamente considerar relevantes as condições específicas do tempo em que a norma é aplicada (nota vincadamente actualista).
O facto de o artigo afirmar que a reconstituição do pensamento legislativo deve fazer-se a partir dos textos não significa, de modo nenhum, que o intérprete não possa ou não deva socorrer-se de outros elementos para esse efeito, nomeadamente do espírito da lei (mens legis).
2. Resumindo, embora sem grande rigor, o pensamento geral desta disposição, pode dizer-se que o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório do diploma ou dos próprios trabalhos preparatórios da lei.
Quando, porém, assim não suceda, o Código faz apelo franco, como não poderia deixar de ser, a critérios de carácter objectivo, como são os que constam do n.° 3.(…)”

Na interpretação da lei, há que atender também àquilo a que Pedro Pais de Vasconcelos chamou de “Natureza das Coisas”, in “Última Lição - A Natureza das Coisas, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa” - 16 de Maio de 2016, edição do autor, págs. 11 a 17, e que consiste no seguinte: “Para a operacionalidade do método da “Natureza das Coisas” é necessário por em contacto o dever ser e o ser, mediados pela “Natureza das Coisas”. A mediação entre o ser e o dever-ser deve ser feita a dois níveis, ao nível da legislação – da criação da norma – e ao da concretização – da aplicação da norma aos factos concretos. (…)
Logo na clássica tarefa de interpretar a lei, a Natureza das Coisas intervém, como manda o artigo 9º do Código Civil, na reconstituição do pensamento legislativo a partir do texto, na tomada em consideração da unidade do sistema jurídico, das circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. Na interpretação da lei, de qualquer lei até da lei constitucional, deve ainda ser chamado a contribuir o modo como, na sua génese, no seu processo legislativo, foi tida em consideração e respeitada a Natureza das Coisas e corrigido, quando não tenha sido suficientemente ou não tenha sido bem tida consideração. Tratar-se-á então de uma interpretação corretiva praeter legis ou mesmo contra legis mas secundum ius. (…)”

Ou seja, o sentido da norma não pode deixar de atender ao texto da lei, mas importa relacioná-lo directa ou indirectamente com outras regras e atentar na sua razão de ser, na sua finalidade e nas circunstâncias em que foi elaborada, sem perder de vista a unidade do sistema jurídico.

Aqui chegados, tendo apenas em conta o elemento literal do art.º 7º, nº 2 da Lei 38°-A/2023, de 2/08, a expressão “condenados” reporta-se unicamente às pessoas condenadas por sentença transitada em julgado.

No entanto este nº 2 tem que se articular com o nº 1 da mesma norma onde se prevê que: “Não beneficiam do perdão e da amnistia previstos na presente lei (…)” (sublinhados nossos), seguindo-se um elenco de tipos de crime excluídos da aplicação das medidas de clemência previstas nesta lei.

O que se deve entender por perdão e amnistia decorre do disposto no art.º 128º, nºs 2 e 3 do Cód. Penal, onde se diz que:
2- A amnistia extingue o procedimento criminal e, no caso de ter havido condenação, faz cessar a execução tanto da pena e dos seus efeitos como da medida de segurança.
3- O perdão genérico extingue a pena, no todo ou em parte.” (sublinhados nossos)

Da mera interpretação literal deste preceito se retira que a amnistia se aplica tanto aos já condenados como também aos ainda não condenados, ou seja, a todos os arguidos e condenados, e que o perdão se aplica apenas aos já condenados por sentença transitada em julgado, na medida em que incide sobre as penas.
É este também o entendimento sufragado por Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos ”, 5ª edição atualizada, UCP, pág. 556 e 557, onde refere, a este propósito que:
(…) A amnistia é o ato de graça pelo qual o poder político (a Assembleia da República) declara, por uma lei formal, geral e abstrata, extinta a responsabilidade criminal derivada de factos cometidos dentro de um período de tempo, por uma categoria geral de pessoas. Este é o conceito constitucional de amnistia. Portanto, não é constitucionalmente admissível uma lei de amnistia com efeito extintivo da responsabilidade criminal para factos futuros (concorda, COSTA PINTO, 2013c: 1235 e 1236, admitindo a verificação de condições objetivas da punibilidade posteriores à aprovação da lei de amnistia), nem uma lei de amnistia individual ou com um grupo de destinatários predeterminado e muito menos uma lei de autoamnistia de crimes cometidos pelos titulares de cargos políticos. A lei pode visar casos já transitados ou ainda em julgamento. A consequência é a mesma quer o processo ainda não tenha sido instaurado, já o tenha sido, mas não haja condenação ou já haja condenação transitada. Caso já haja condenação, cessa a execução da pena e da medida de segurança e os seus efeitos. (…)
O perdão (também conhecido por amnistia imprópria) é um ato de graça pelo qual o poder político (Assembleia da República) declara extinta toda ou parte da pena aplicada a uma categoria de pessoas. O perdão pode ser condicionado à satisfação de certos requisitos pelo beneficiário, ao invés da amnistia. (…)”

Ora, o estatuído no art.º 7º, nº 2 da Lei nº 38°-A/2023, de 2/08 tem que ser interpretado em consonância com o que se deve entender por perdão e amnistia, nos termos do art.º 128º, nºs 2 e 3 do Cód. Penal, em obediência à unidade do sistema jurídico.

Assim sendo, uma vez que a expressão “condenados”, mencionada no art.º 7º, nº 2 da Lei nº 38°-A/2023, de 2/08, vem na sequência do previsto no nº 1 da norma, onde se refere que “Não beneficiam do perdão e da amnistia previstos na presente lei (…)” (sublinhados nossos), seguido do elenco de tipos de crime excluídos da aplicação das medidas de clemência previstas nesta lei, tem que se entender que o legislador se quis referir a todos os indivíduos abrangidos pela amnistia e pelo perdão.

Uma vez que a amnistia tem como destinatários os indivíduos ainda não julgados, bem como os já julgados e condenados, com sentença transitada ou não transitada em julgado, à luz do critério da interpretação sistemática, deve-se entender que a expressão “condenados” prevista nos vários números do art.º 7º da Lei 38°-A/2023, de 2/08, e designadamente no seu nº 2, abrange também todos os arguidos”, independentemente do estado em que o processo se encontre relativamente a cada um deles.

Por outro lado, a interpretação do preceito em questão deve levar em linha de conta o espírito do legislador, ou seja, o elemento teleológico, relativo ao que foi o objectivo da feitura da norma, bem como o elemento histórico.

Neste tocante, torna-se necessário atentar no que consta das actas dos trabalhos preparatórios da Lei nº 38°-A/2023, de 2/08, onde se verifica que uma das preocupações do legislador foi a de excluir da amnistia a criminalidade muito grave, incluindo-se nesta os crimes cometidos contra membro das forças policiais e de segurança, das forças armadas e funcionários, no exercício das respetivas funções.

Tal resulta da Proposta da Lei n.º 97/XV/1.ª que esteve na base da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, onde se pode ler que: “Uma vez que a JMJ abarca jovens até aos 30 anos, propõe-se um regime de perdão de penas e de amnistia que tenha como principais protagonistas os jovens. Especificamente, jovens a partir da maioridade penal, e até perfazerem 30 anos, idade limite das JMJ. Assim, tal como em leis anteriores de perdão e amnistia em que os jovens foram destinatários de especiais benefícios, e porque o âmbito da JMJ é circunscrito, justifica-se moldar as medidas de clemência a adotar à realidade humana a que a mesma se destina. Nestes termos, a presente lei estabelece um perdão de um ano de prisão a todas as penas de prisão até oito anos, excluindo a criminalidade muito grave do seu âmbito de aplicação. Adicionalmente, é fixado um regime de amnistia, que compreende as contraordenações cujo limite máximo de coima aplicável não exceda € 1.000, exceto as que forem praticadas sob influência de álcool ou de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo, as infrações disciplinares e os ilícitos disciplinares militares que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela presente lei e cuja sanção aplicável não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar e as infrações penais cuja pena aplicável não seja superior a um ano de prisão ou a 120 dias de multa».

Daqui resulta que o legislador visou perdoar e amnistiar infrações praticadas por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos, idade limite dos peregrinos desta Jornada, definindo a proposta de lei também os limites substantivos da sua aplicação.

Assim, de forma a evitar o alarme social, e tomando como base a natureza e a gravidade de determinados crimes, o bem jurídico que tutelam e as qualidades especiais da vítima ou do agente, elencou-se um conjunto de crimes que não poderiam beneficiar das medidas de clemência, nos quais se incluíram os crimes cometidos contra membro das forças policiais e de segurança, das forças armadas e funcionários, no exercício das respetivas funções.

Impõe-se, pois, concluir que, tal como sucedeu nas anteriores leis de perdão e de amnistia, o que o legislador teve em mente foi excluir das medidas de clemência os agentes de determinados tipos de crimes, em função da gravidade dos mesmos e não do estatuto processual de cada um deles.

Por tudo o exposto, e nos termos as disposições conjugadas dos arts.º 128º, nº 2 do Cód. Penal e 57º do Cód. Proc. Penal, a expressão “condenados” prevista no nº 2 do art.º 7º da Lei nº 38°-A/2023, de 2/08, tem que se interpretar no sentido de abranger também os arguidos”, ou seja todas as pessoas contra quem corre um procedimento criminal e não apenas as pessoas condenadas por sentença transitada em julgado.

(cf., neste sentido os Acórdãos do TRC datado de 24/01/2024, proferido no Processo nº 477/22.3GAPMS.C1, em que foi relatora Alexandra Guiné, do TRC datado de 7/02/2024, proferido no Processo nº1180/20.4T9GRD-B.C1, em que foi relatora Ana Carolina Cardoso, do TRC datado de 21/2/2024, proferido no processo nº 233/19.6GAPMS, em que foi relatora Alcina da Costa Ribeiro, do TRC datado de 10/04/2024, proferido no processo nº 316/03.4GBPMS.C1, em que foi relator José Eduardo Martins, do TRC , Processo n.º 477/22.3GAPMC. C1, relatado por Alexandra Guiné, do TRP datado de 21/02/2024, proferido no processo nº 34/22.4GTAVR.P1, em que foi relator Nuno Pires Salpico, do TRE datado de 5/03/24, proferido no processo nº 330/22.0GTABF.E1, em que foi relatora Laura Maurício, in www.dgsi.pt )

Impõe-se, pois, julgar o presente recurso procedente.

No entanto, porque foram também levantadas questões de inconstitucionalidade da Lei nº 38°-A/2023, de 2/08, entende-se ainda conhecer das mesmas.

Quanto à declaração de inconstitucionalidade do art.º 7º da Lei nº 38°-A/2023, de 2/08, se interpretada a expressão “condenados” como condição para excluir do benefício do perdão e da amnistia unicamente os arguidos condenados por sentença transitada em julgado, e do art.º 2º, nº 1 da mesma Lei, por violarem o Princípio da Igualdade, previsto no art.º 13º da CRP, é nosso entendimento que tais inconstitucionalidades não se verificam.

Segundo o recorrente, a interpretação efectuada do art.º 7º, nº 2 da Lei 38-A/2023 pela sentença recorrida derroga os fins inerentes ao Estado de Direito e resulta de um critério arbitrário e irracional, uma vez que não se consegue vislumbrar que critério objectivo e racional serviu para justificar o beneficio da amnistia a determinado arguido, única e exclusivamente, pelo estado processual do respectivo processo.

Para o recorrente essa interpretação traduz uma incoerência do sistema jurídico penal, fornecendo um tratamento favorável a uns em detrimento de outros, pelo simples motivo de determinado processo conseguir ser julgado de forma mais célere.

Quanto ao previsto no art.º 7º, nº 2 da Lei 38-A/2023, a questão da inconstitucionalidade deixa de se pôr, face à interpretação que preconizamos para aquele preceito legal.

Também o art.º 2º da Lei faz depender a sua aplicação de os autores dos ilícitos terem entre 16 e 30 anos de idade.

Alega o recorrente que o ordenamento jurídico nacional consagra e restringe, em diversos diplomas, o conceito de jovem, o qual abrange pessoas que tiverem completado 16 anos, sem terem ainda atingido os 21 anos, como sucede no art.º 9º do Cód. Penal e no art.º 1º, nº 2 do D.L. nº 401/82, de 23/09, que instituiu o regime aplicável em matéria penal aos jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos.

Conclui o recorrente que o art.º 2º, nº 1 da Lei 28-A/2023 encerra uma situação de discriminação em função da idade, sem qualquer justificação objetiva e, como tal, violadora do princípio da igualdade consagrado no art.º 13º da Constituição.

Apreciemos a questão.

O art.º 13º da Constituição da República Portuguesa dispõe que:
1-Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2.-Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.”

Sucede, porém, que no âmbito de aplicação da Lei nº 38-A/2023, definido no seu art.º 2º, e nos casos de exclusão de perdão e amnistia, previstos no seu art.º 7º, são colocadas em plano de igualdade todas as pessoas que forem abrangidas pela previsão de tais normas, não existindo tratamento diverso para quem se encontra em situação idêntica.

A escolha do universo dos destinatários da Lei nº 38º-A/2023 radica em opções de política criminal por parte do legislador ordinário, que o mesmo exerce em obediência a ditames legais e constitucionais, ainda que a definição do universo de aplicação da lei não possa deixar de conter alguma discricionariedade, mas sem que tal constitua uma violação do art.º 13º da CRP.

Cabe na discricionariedade normativa do legislador ordinário eleger o âmbito temporal e a idade dos indivíduos a quem a lei se aplica, assim como a medida do perdão de penas – o quantum do perdão –, as espécies de crimes ou infracções abrangidas, os limites das penas a perdoar e a sujeição ou não do perdão a condições, desde que tal se faça de forma geral e abstracta, para todas as pessoas e situações enquadráveis na previsão da norma em igualdade de circunstâncias.

Face aos termos em que se mostram redigidas as disposições da Lei nº 38-A/2023, impõe-se concluir que a delimitação do seu âmbito de aplicação está devidamente justificada e não se mostra arbitrária, nem irrazoável, pelo que não está posto em causa o princípio constitucional da igualdade, aplicando-se as normas, de forma geral e abstrata, a todos os indivíduos que se encontrem nas situações tipificadas.

Com esta lei de perdão e amnistia o legislador pretendeu contemplar as pessoas mais jovens, estendendo o seu âmbito de aplicação aos 30 anos de idade, por ter tomando por referência a idade correspondente ao limite máximo de idade, em regra, permitido para a inscrição nas Jornadas Mundiais da Juventude, conforme decorre dos trabalhos preparatórios da lei supra referidos.

Sendo este um regime de excepção, não há que compará-lo a outros regimes de tutela de jovens, previstos na Constituição, assim como nas leis penais e civis e até no direito da família e dos jovens, cujo âmbito de aplicação é necessariamente diferente e com objectivos de política legislativa distintos.

Qualquer previsão normativa, porque geral e abstrata, é susceptível de encerrar alguma arbitrariedade e conduzir a algumas injustiças relativas, consoante os indivíduos se incluam ou não na previsão da norma.

Como refere José de Sousa e Brito, in Revista Jurídica, nº 6, 1986, pág. 15 e seg., a propósito da questão de saber se as normas de amnistia, dada a sua previsão e os seus efeitos, violam os princípios do Estado de Direito e o princípio da igualdade que fundamenta a generalidade das leis: “Ora o princípio da igualdade não significa proibição de normas especiais ou excepcionais relativas a categorias de interessados, mesmo se já individualizáveis em concreto, como nas leis retroactivas, mas sim proibição de normas diversas para situações objectivamente iguais, com o corolário de que normas diversas regulem situações objectivamente diversas do ponto de vista da razão da norma.”

No mesmo sentido, se pronunciou Ema Vasconcelos, in “Amnistia e perdão – Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto”, Julgar Online, janeiro de 2024.

Também a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem considerado que o princípio da igualdade consagrado no art.º 13º da CRP não é impeditivo da existência de regras especiais, dirigidas a categorias específicas de pessoas, em função de critérios objectivos, mas apenas obsta à existência de regras diversas para situações objectivamente iguais (cf., entre outros, os Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 42/95, de 1/02/1995, e nº 152/95, de 15/03/1995).

Conforme se decidiu no Acórdão do STJ de 15/07/1987, in www.dgsi.pt: “ (…) a proibição de discriminação nos termos do artigo 13º, nº 2, da Constituição da República, não significa uma igualdade absoluta em todas as situações, mas apenas exige que as diferenças de tratamento sejam materialmente fundadas e não tenham por base qualquer motivo constitucionalmente impróprio. As diferenciações de tratamento podem ser legítimas quando se fundam numa distinção objetiva e se revelem necessárias, adequadas e proporcionadas à realização da respectiva finalidade”.

Posto isto, considera-se que a Lei nº 38-A/2023, de 2/08, reveste carácter geral e abstracto, aplicando-se a todos os indivíduos que se encontrem nas situações aí previstas, portanto em número indeterminado, encontrando-se a delimitação do seu âmbito de aplicação devidamente justificada e não se mostrando a mesma arbitrária, nem irrazoável, pelo que não padece de qualquer inconstitucionalidade, nomeadamente das apontadas pelo recorrente (cf. neste sentido, entre outros, os Acórdãos do TRL datado de 20/03/2024, proferido no processo nº 329/23.0GBMFR.L1-3, em que foi relatora Cristina Almeida e Sousa, do TRE datado de 18/12/2023, proferido no processo nº 401/12.1TAFAR-E.E1, em que foi relator Jorge Antunes, do TRC datado de 22/11/2023, proferido no processo nº 39/07.5TELSB-H.C1, em que foi relator João Abrunhosa, do TRL datado de 20/02/2024, proferido no processo nº 2033/22.7PFLSB.L1-5, em que foi relatora Sandra Oliveira Pinto, do TRP datado de 13/03/2024, proferido no processo nº 1578/21.0T9LSB.P1, em que foi relator Raúl Cordeiro, in www.dgsi.pt).

Não obstante, por tudo o exposto, impõe-se julgar procedente o presente recurso e determinar a revogação da sentença recorrida na parte em que declarou amnistiados os dois crimes de injúria agravada pelos quais o arguido vinha acusado e ordenar quanto aos mesmos o prosseguimento dos autos.
*

4.Decisão:

Pelo exposto, acordam os Juízes que integram esta 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o presente recurso e, em consequência, determinam a revogação da sentença recorrida na parte em que declarou amnistiados os dois crimes de injúria agravada pelos quais o arguido vinha acusado e, em consequência, ordenam quanto a esses crimes o prosseguimento dos ulteriores termos dos autos.
Sem custas.


Lisboa, 7 de Maio de 2024


(texto elaborado em suporte informático e integralmente revisto pela relatora)


Carla Francisco
(Relatora)
Alda Tomé Casimiro
Paulo Barreto
(Adjuntos)