Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA TERESA LOPES CATROLA | ||
Descritores: | ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO PRAZO CERTO RENOVAÇÃO ARTIGO 1096.º N.º 1 DO CÓDIGO CIVIL REGIME IMPERATIVO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/26/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | (elaborado pela relatora - art. 663º, nº 7, do Código de Processo Civil) 1. A Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro visou estabelecer um conjunto de medidas com a finalidade de corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, privilegiando a posição dos primeiros, através do reforço da segurança e estabilidade do arrendamento urbano, aumentando o prazo de duração do contrato e a antecedência pela qual a revogação deveria operar. 2. No que respeita à renovação do contrato de arrendamento com prazo certo destinado a habitação deve entender-se que o artigo 1096/1 do Código Civil estabelece um regime imperativo, no sentido de que é lícito às partes afastar a renovação automática do contrato, mas uma vez convencionada a renovação, deverá a mesma obedecer ao limite mínimo previsto na lei - 3 anos. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes que compõem a 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório “…., SA”, com o NIPC ….55 e sede na Rua …., intentou, junto do Balcão Nacional de Arrendamento, procedimento especial de despejo contra B…., residente na Rua …., , pedindo o seu despejo do imóvel sito na morada do requerido. Para tanto, alegou, como fundamento do despejo, a “cessação por oposição à renovação pelo senhorio”. Juntou cópia do contrato de arrendamento e da comunicação ao requerido da oposição à renovação do contrato. O requerido apresentou oposição, alegando, em síntese, que com a entrada em vigor da Lei 13/2019, de 12 de fevereiro, foi alterado o prazo de renovação previsto no artigo 1096 do Código Civil, e por isso o contrato de arrendamento não cessou em 30 de abril de 2024 (por lapso, na carta enviada pelo senhorio consta a data de 30 de abril de 2023, data anterior à da emissão da referida carta), tendo-se renovado por mais cinco anos, mantendo-se vigente até 30 de abril de 2028. Notificada a requerente para nos termos dos artigos 547 e 3/4, ambos do CPC, responder à matéria de excepção propugnou a mesma pela não procedência da excepção peremptória de renovação do contrato de arrendamento, em 1.5.2023, por 5 anos, decidindo-se como concluído no requerimento de despejo. Alega que a alteração introduzida pela Lei nº 13/2019 não permite a interpretação sustentada pelo requerido, devendo a expressão salvo estipulação em contrário, constante do art.º 1096.º do Cód. Civil ser interpretada no sentido da supletividade da norma, não podendo ser imposta às partes um prazo de duração mínimo do contrato de mais três anos, invocando a seu favor diversa jurisprudência de vários Tribunais Superiores. Foi prolatada sentença, na qual foi proferido despacho saneador tabelar, e, a final, julgada improcedente a ação, sendo este o segmento decisório, que se transcreve: “V. Dispositivo Pelo exposto e decidindo, o Tribunal julga o presente procedimento especial de despejo improcedente por não provado, e em consequência ABSOLVE a Requerida do pedido. Custas pela Requerente”. * Inconformada com esta sentença, a requerente interpôs recurso de apelação, que termina com as seguintes conclusões: “1. A sentença recorrida incorreu em erro de interpretação ao aplicar a Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, comprometendo a autonomia contratual e a segurança jurídica, ao considerar que o contrato de arrendamento dos autos não cessou a 30.4.2024. 2. A decisão não considerou adequadamente a vontade das partes, expressa no contrato de arrendamento, ao aplicar a Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, pelo que ignorou o princípio da autonomia contratual consagrado no artigo 405º do C.C. 3. O que resulta da redação do art.º 1096º/1 do C. C. dada pela Lei 13/2019, de 12 de fevereiro, é que, inexistindo no contrato qualquer cláusula em sentido contrário, o mesmo renovar-se-á por período igual ao estipulado para a sua duração inicial e, se este for inferior a três anos, a renovação será por três anos. 4. A salvaguarda do direito à habitação do arrendatário, motivação expressa da Lei 13/2019, de 12 de fevereiro, resulta da limitação imposta pelo art.º 1097º/3 do C.C., e não de qualquer interpretação restritiva do disposto no art.º 1096º/1 do C.C. 5. É contraditório dizer-se que o previsto no art.º 1096º/1 do C.C. permite a pura e simples ausência de renovação automática do contrato de arrendamento, mas, tendo um locador admitido essa mesma renovação, impor-lhe duração mínima desse prolongamento contratual, face, ainda, ao previsto no art.º 1095º/2 do C.C. 6. A supletividade do art.º 1096º/1 do C.C. resulta da sua própria letra, primeiro elemento interpretativo de qualquer norma legal, e incide sobre toda a sua previsão, não se limitando à questão da existência, ou não, de renovação automática in totum. 7. A interpretação correta do art.º 1096º/1 do C.C. deve respeitar a autonomia contratual das partes, permitindo-lhes fixar livremente os termos e condições dos seus contratos dentro dos limites legais. 8. A confiança e expectativas legítimas são um corolário do princípio da boa-fé e exige que as partes possam confiar na estabilidade e na segurança jurídica dos contratos celebrados. 9. Esta liberdade de estipulação contratual é essencial para garantir a segurança jurídica e a previsibilidade nas relações contratuais. 10. A vontade das partes, manifestada no contrato ao abrigo do disposto no art.º 405º do C.C., deveria ter sido respeitada e considerada válida, uma vez que foi acordada de forma livre e esclarecida pelos intervenientes contratuais. 11. Sendo as alterações introduzidas pela Lei 13/2019, de 12 de fevereiro, aplicáveis, imediatamente, aos contratos existentes à data da sua entrada em vigor, como o diploma expressamente consagra, a interpretação resultante da modificação do art.º 1096º/1 do C.C. não pode senão ser aquela que o Apelante agora sustenta (supletividade da regra legal), sob pena de violação dos princípios da confiança e da segurança jurídica. 12. Ao decidir nos termos da sentença recorrida, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 1096º/1, 1097º/3, 1095º/2 e 405º, todos do C.C. 13. Nos termos expostos, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença de 2.7.2024 e substituindo-se a mesma por decisão que reconheça a caducidade do contrato de arrendamento habitacional dos autos à data de 30.4.2024, em conformidade com a oposição à renovação comunicada pela Recorrente, nos termos acordados entre as partes”. * O requerido apresentou contra-alegações, que termina com as seguintes conclusões: “I- A Lei 13/2019 de 12 de fevereiro é aplicável ao contrato de arrendamento em análise; II- A finalidade da Lei 13/2019 de 12 de fevereiro é a que, sem dúvidas, vem esplanada no seu sumário, ou seja, “corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios”; III- Foi com esse prepósito que a referida lei procedeu à alteração ao disposto no n.º 1 do Artigo 1096.º do Código Civil, clarificando, e modificando, os limites mínimos de duração das renovações dos contratos de arrendamento a termo certo e correspondentes prazos de oposição à renovação; IV- Essa alteração visou limitar, ainda mais, a discricionariedade das partes, protegendo a assim a posição do arrendatário; V- O Artigo 1096.º do Código Civil, nomeadamente o disposto no seu n.º 1, tem natureza imperativa, ao abrigo do artigo 1080.º do C.C. introduzido pelo NRAU; VI- Assim, como conforme defende o Tribunal a quo, a referida expressão “Salvo disposição em contrário” deve aplicar-se cumulativamente tanto quanto à renovação como ao período da mesma, ou seja, as Partes podem dispor em contrário no sentido de não permitir que o contrato se renove automaticamente, não podem é permitir a sua renovação e pretender fixar um novo período diferente daquele que a redação da norma impõe; VII- Nesta conformidade, a correta interpretação da norma é a de que ou as Partes excluem a renovação automática ou, não excluindo, como sucedeu, o contrato “renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior”. Nestes termos, e nos mais de Direito, requer, sempre com o mui Douto suprimento de V. Exa., que o Recurso apresentado pela sociedade comercial “…, S.A”. seja considerado improcedente, mantendo-se a decisão do Tribunal a quo no sentido de absolver o Requerido do pedido”. * O recurso foi admitido, com a correção, pela relatora, do efeito atribuído ao recurso- despacho de 13 de setembro de 2024. Foram colhidos os vistos legais. Cumpre apreciar e decidir. * II. Questão a decidir Como resulta do disposto nos artigos 5, 635/3 e 639/1 e 3 do CPC (e é jurisprudência consolidada nos Tribunais Superiores) para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pela recorrente. Deste modo no caso concreto a questão a apreciar refere-se à eficácia da comunicação da oposição à renovação do contrato, realizada pela senhoria, pressupondo a análise do caráter imperativo ou supletivo da norma constante do artigo 1096 do Código Civil. III – Fundamentação de Facto. A recorrente não impugnou a matéria de facto fixada na 1.ª instância e por isso tem-se por assente o seguinte quadro factual, constante da sentença recorrida: “A- Fundamentação de facto A.1. Factos provados: 1.1. Do requerimento inicial: 1. Em 09.03.2018 por intermédio de documento particular denominado “contrato de arrendamento para fins habitacionais com prazo certo” , …, SA, na qualidade de senhoria e B…., na qualidade de inquilina, celebraram entre si o contrato de arrendamento de fração destinada a habitação, pelo prazo de cinco anos, com início a 01.05.2018, convencionando-se que o contrato se renovaria automaticamente no fim do prazo, por períodos iguais e sucessivos de um ano, salvo denúncia de qualquer das partes, com a antecedência mínima de 90 dias em relação ao prazo da renovação. 2. Por intermédio de carta datada de 18.12.2023, a senhoria …, SA comunicou à inquilina a oposição à renovação do contrato de arrendamento, considerando que o mesmo cessaria os seus efeitos no dia 30.04.2023. 3. Pese embora por lapso, na carta aludida em 2) a data referida para a produção de efeitos seja anterior à data da própria carta, veio a confirmar-se que a Requerente pretendia fazer cessar o contrato com efeitos a 30.04.2024 * IV. Fundamentação de Direito - A disposição normativa aplicável: Nos autos não se suscitaram dúvidas acerca da aplicabilidade do novo regime legal ao contrato de arrendamento já celebrado à data da entrada em vigor da Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro. Com efeito, nos termos da segunda parte do n.º 2 do art.º 12.º do Código Civil, quando a lei “dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor”. Assim, pelo menos as regras imperativas da Lei n.º 13/2019 aplicar-se-ão aos contratos já celebrados ao tempo da sua entrada em vigor, com ressalva, salvo exceção legal – art.º 12.º n.º 1 do Código Civil - dos efeitos já produzidos pelos factos que a lei visa regular (v.g., veja-se Maria Olinda Garcia, citado artigo publicado na Julgar Online, março de 2019, pág. 8; acórdão do STJ de 17.01.2023, processo 7135/20.1T8LSB.L1.S1). Será então com base nas normas constantes da Lei 13/2019, de 12 de fevereiro, que analisaremos a questão objeto do recurso. Tendo o contrato sub judice a duração inicial de cinco anos, com início em 1 de maio de 2018, a partir da entrada em vigor da Lei n.º 13/2019, que ocorreu em 13.02.2019 (art.º 16.º da Lei), o prazo de renovação aplicável passou a ser o determinado pela nova redação do art.º 1096/1 do Código Civil. A noção de locação consta expressamente do artigo 1022 do Código Civil como o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição. Dúvidas não há, nestes autos, de que entre as partes foi celebrado um contrato de arrendamento urbano, mais precisamente um contrato de arrendamento com fim habitacional (cfr. artigos 1022.º, 1023.º, 1064.º, 1067.º n.º 1 e 1092.º e seguintes do Código Civil). O contrato de arrendamento foi celebrado em 9 de março de 2018, pelo prazo de cinco anos, com início a 1 de maio de 2018, convencionando-se que o contrato se renovaria automaticamente no fim do prazo, por períodos iguais e sucessivos de um ano, salvo denúncia de qualquer das partes, com a antecedência mínima de 90 dias em relação ao prazo da renovação. A questão que se suscita prende-se com a validade e eficácia da oposição à renovação do contrato efectuada pela senhoria, ora recorrente, por carta datada de 18 de dezembro de 2023, entendendo a recorrente que o período contratual da renovação findava em 30 de abril de 2024, data dos alegados efeitos da oposição à renovação do contrato. Sustenta tal posição no entendimento de que a norma em causa- o artigo 1096/1 do Código Civil é supletiva, e, portanto, o prazo de cada renovação do contrato continuou a ser de um ano. Por sua vez, o recorrido entende que com a nova redação dada ao n.º 1 do artigo 1096 do Código Civil pela Lei 13/2019, de 12 de fevereiro, esta norma passou a impor um prazo mínimo de três anos para o período de renovação do contrato. Para o efeito (interpretação da norma) importa recorrer ao disposto no artigo 9 do Código Civil, o qual no seu nº1 prescreve que “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”; acrescenta o nº 2 que “Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” e o nº 3 que “ na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”. Importa, pois, para além do elemento literal/gramatical, atender aos elementos sistemático, histórico e teleológico necessários à boa interpretação da norma. Apreciemos então. O regime jurídico do arrendamento urbano tem-se pautado por permanente instabilidade, traduzida em sucessivas reformas e, dentro destas, reiteradas alterações e modificações. Tal é reflexo da relevância dos interesses em presença, em particular dos inquilinos, que no locado exercem a sua atividade económica ou satisfazem a necessidade, essencial, da habitação. Após um longo período em que o regime se caraterizou pelo chamado vinculismo, forçando os senhorios à sucessiva renovação dos contratos e à manutenção do valor das rendas inicialmente contratadas, com a publicação em 1990 do RAU (Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei 321-B/90, de 15 de outubro) consolidou-se um movimento de pendor contrário, mais sensível aos interesses dos proprietários e aberto ao livre funcionamento do mercado. Desde logo, admitiu-se a celebração de contratos de arrendamento urbano, para habitação, de duração limitada, por prazo não inferior a cinco anos, que seriam renováveis, pelo prazo mínimo de três anos, se outro não fosse convencionado, podendo qualquer das partes impedir a renovação, mediante declaração nesse sentido (apelidada pelo legislador de “denúncia” – artigo 100 do RAU) emitida com uma determinada antecedência (um ano antes do termo do prazo ou da renovação, quanto ao senhorio – artigo 100/2 do RAU). O NRAU (Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro), que aprofundou esse pendor mais liberal das alterações ao regime do arrendamento urbano, manteve a possibilidade da celebração de contrato de arrendamento para habitação com prazo certo, com a duração mínima de cinco anos (artigo 1095/2 do Código Civil), automaticamente renovável por períodos mínimos sucessivos de três anos, se outros não estivessem contratualmente previstos (artigo 1096/1), mediante declaração de oposição à renovação que, no caso do senhorio, deveria ter a antecedência mínima de um ano antes do termo do contrato ou da renovação (artigo 1097) – tudo à luz da versão inicial do NRAU. De notar que quer a redação do artigo 100/1 do RAU, quer a redação introduzida no artigo 1096/1 do Código Civil pelo NRAU davam azo a dúvidas, no que concerne à supletividade dos prazos de renovação dos contratos de arrendamento para habitação com duração limitada. O artigo 100/1 do RAU tinha a seguinte redação: “Os contratos de duração limitada celebrados nos termos do artigo 98.º renovam-se, automaticamente, no fim do prazo e por períodos mínimos de três anos, se outro não estiver especialmente previsto, quando não sejam denunciados por qualquer das partes”. E o artigo 1096/1 do Código Civil, com a redação introduzida pelo NRAU (redação original), tinha a seguinte redação: “Excepto se celebrado para habitação não permanente ou para fim especial transitório, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos mínimos sucessivos de três anos, se outros não estiverem contratualmente previstos”. A remissão para a possibilidade de estipulação contratual de “outro(s)” prazos de renovação do contrato, prevista em ambas as formulações da lei, inculcava que essa previsão legal era supletiva, tanto sendo possível a previsão de renovações superiores a três anos, como inferiores a três anos. Mas a verdade é que, sendo assim, teria sido mais adequado estipular um prazo supletivo de três anos, sem acoplar o qualificativo “mínimo”. Essa utilização do qualificativo “mínimo” dava azo a diversidade de interpretações. Assim, havia quem defendesse que o aludido prazo era totalmente supletivo (António Pais de Sousa, Anotações ao Regime do Arrendamento Urbano (R.A.U.), 6.ª edição, 2001, Rei dos Livros, páginas 304 e 305: “Os contratos de duração limitada, depois do período inicial de cinco anos, no mínimo, se não forem devidamente denunciados, também se renovam automaticamente. Se nada for estipulado, o período mínimo de cada renovação é de três anos. Portanto, podem acordar-se prazos de renovação inferiores ou superiores a três anos”; no mesmo sentido, Jorge Pinto Furtado, Manual do Arrendamento Urbano, 3.ª edição, 2001, Almedina, p. 255). Mas havia quem considerasse que a supletividade apenas funcionava para a consagração contratual de prazos de renovação superiores a três anos (M. Januário da Costa Gomes, Arrendamentos para habitação, 2.ª edição, 1996, Almedina, páginas 216 e 217: “Não se contesta – nem é contestável – que as partes possam acordar prazos de renovação superiores a três anos. A dúvida está na estipulação de prazos inferiores, a qual não nos parece ser possível, sob pena de se tornar ininteligível o superlativo “mínimos” aplicado aos “períodos” (…) Acresce que o nº 2 do artº 100º impõe, para a eficácia da denúncia, que a notificação judicial avulsa seja requerida com um ano de antecedência sobre o fim do prazo ou da sua renovação. Esse sistema não se compatibiliza com a liberdade de estipulação de períodos de renovação, por exemplo, por um ano…”; no mesmo sentido, Jorge Alberto Aragão Seia, Arrendamento Urbano, Anotado e Comentado, Almedina, 7.ª edição, 2003) - sendo essa interpretação da lei estendida ao regime introduzido pelo NRAU (Fernando Gravato Morais, Arrendamento para Habitação – Regime transitório, 2007, Almedina, página 27: “…a consagração [no RAU] de um período (legal mínimo) de 3 anos após a primeira prorrogação é meramente fictício, atento o facto de o senhorio sempre poder extinguir o contrato para o termo do primeiro período”; páginas 157 e 158: “…a configuração e a estrutura dos arrendamentos de duração limitada, decorrentes dos arts. 98.º a 100.º do RAU, são muito próximos dos actuais arrendamentos com prazo certo, regulados nos arts. 1095º.ss. NRAU. Tal sucede com o período de duração mínima inicial do contrato (de 5 anos) e com a regra da prorrogação automática do contrato que se mantêm. Permanece idêntico o período mínimo da(s) prorrogação(ões), ou seja, os 3 anos (nota 90)”; e página 159: “O período inicial de duração não podia ser inferior a 5 anos (art. 98.º, n.º 2 RAU). Os subsequentes podiam ser mais baixos, embora nunca menores do que 3 anos (art. 100.º, n.º 1 RAU). (…) O art.º 1095.º, n.º 1 e o art.º 1096.º, n.º 1, ambos do NRAU, expressam idênticas regras às do RAU”). O legislador, ao traçar o quadro de adaptação ao NRAU dos arrendamentos constituídos à luz da(s) lei(s) pretérita(s), parece ter-se apercebido das dúvidas interpretativas suscitadas pelo texto legal, tendo optado, no regime transitório, pela expressão clara da imperatividade da duração mínima de três anos na renovação do arrendamento habitacional. Assim, no art.º 26.º n.º 1 do NRAU (redação original) estipulou-se que os contratos habitacionais celebrados na vigência do RAU e os contratos não habitacionais celebrados depois do Dec.-Lei n.º 257/95, de 30.9 (diploma que estendeu aos arrendamentos urbanos para comércio ou indústria a possibilidade de estipulação de um prazo para a duração efetiva do arrendamento - artigos 117.º e 118.º do RAU) passavam a estar submetidos ao NRAU, com as “especificidades” que, no n.º 3 do art.º 26.º, eram as seguintes: “Os contratos de duração limitada renovam-se automaticamente, quando não sejam denunciados por qualquer das partes, no fim do prazo pelo qual foram celebrados, pelo período de três anos, se outro superior não tiver sido previsto, sendo a primeira renovação pelo período de cinco anos no caso de arrendamento para fim não habitacional.” Para quem, como se aduziu acima, já defendia a aludida imperatividade do prazo mínimo de renovação do contrato de arrendamento para habitação com prazo certo, neste aspeto não há especificidade, “já que nada se modifica” (Gravato de Morais, ob. cit., pág. 159). Num movimento de reforço da liberalização do regime do arrendamento urbano, a Lei n.º 31/2012, de 14.8, introduziu-lhe diversas alterações. Visou-se, conforme enunciado no art.º 1.º da Lei, aprovar “medidas destinadas a dinamizar o mercado de arrendamento urbano, nomeadamente: a) Alterando o regime substantivo da locação, designadamente conferindo maior liberdade às partes na estipulação das regras relativas à duração dos contratos de arrendamento; b) Alterando o regime transitório dos contratos de arrendamento celebrados antes da entrada em vigor da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, reforçando a negociação entre as partes e facilitando a transição dos referidos contratos para o novo regime, num curto espaço de tempo; (…)”. A Lei n.º 31/2012 terminou com a fixação de um prazo mínimo para a duração dos arrendamentos de prazo certo, apenas se mantendo o limite máximo de 30 anos (artigo 1095 do Código Civil). E o artigo 1096 do Código Civil passou a ter a seguinte redação: “1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 2 - Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática nos contratos celebrados por prazo não superior a 30 dias. 3 - Qualquer das partes pode opor-se à renovação, nos termos dos artigos seguintes”. O arrendamento para habitação deixou de ter um prazo mínimo para a sua duração inicial e a fixação do prazo da renovação ficou inteiramente a cargo das partes, sem prejuízo da estipulação legal, supletiva, de um prazo de renovação igual ao da duração inicial do contrato. Por outro lado, passou a ser possível às partes estipularem a não renovabilidade do contrato – o que as dispensa, nesse caso, da comunicação de oposição à renovação do contrato. Em relação aos contratos de arrendamento urbano com prazo certo anteriores ao NRAU, a Lei n.º 31/2012 reduziu para dois anos os prazos mínimos de renovação fixados no artigo 26/3 do NRAU (que eram, na versão inicial do NRAU, de três anos para os contratos de habitação e de cinco anos para os arrendamentos para fim não habitacional). Por força da Lei n.º 79/2014, de 19.12, o artigo 26/3 do NRAU voltou a diferenciar os contratos de arrendamento não habitacionais quanto ao prazo de renovação, cujo mínimo foi fixado em três anos. Posteriormente reinstalou-se um movimento de alegada defesa dos interesses dos inquilinos, em especial no que concerne à estabilidade e duração do contrato de arrendamento para habitação. A Lei n.º 30/2018, de 16.7, consagrou um “regime extraordinário e transitório para proteção de pessoas idosas ou com deficiência que sejam arrendatárias e residam no mesmo locado há mais de 15 anos”. Esta Lei teve a sua origem no Projeto de Lei n.º 853/XIII/3.ª (Bloco de Esquerda) e no Projeto de Lei n.º 854/XIII (Partido Socialista). Estes projetos visavam, conforme consta nas respetivas exposições de motivos, garantir, de forma transitória (enquanto não fosse publicada a legislação que definitivamente corrigiria os desequilíbrios que se entendia existirem no mercado habitacional), a proteção de inquilinos considerados em particular situação de fragilidade, nomeadamente face aos efeitos da não renovação, pelo senhorio, de contratos de arrendamento de duração limitada. Resulta da Lei n.º 30/2018 que, quanto aos contratos de duração limitada, cujo arrendatário, à data da entrada em vigor do diploma (17.7.2018), tivesse idade igual ou superior a 65 anos ou grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60 % e residisse no locado havia mais de 15 anos, o senhorio ficava impedido, durante o período de vigência da lei (17.7.2018 a 31.3.2019), de se opor à renovação do contrato, a menos que pretendesse acorrer às suas necessidades de habitação própria ou dos seus descendentes em 1.º grau. Quanto às declarações de oposição à renovação que tivessem sido emitidas antes da entrada em vigor da lei e que produzissem efeitos dentro do prazo de vigência da lei, os seus efeitos ficavam “suspensos” (ressalvando-se, também aqui, os casos que visassem as necessidades de habitação própria do senhorio ou dos seus descendentes em 1.º grau). O regime destinado a corrigir definitivamente os alegados desequilíbrios foi aprovado pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro. Este diploma teve por base a Proposta de Lei n.º 129/XIII, publicada no D.R., II série-A, n.º 106/XIII/3, de 30 de abril de 2018 (pp. 20-30). Na respetiva Exposição de Motivos considerava-se “necessário estimular a oferta de habitação para arrendamento que constitua uma alternativa habitacional efetiva, proporcionando a estabilidade, a segurança e a acessibilidade em termos de custos, necessárias ao desenvolvimento da vida familiar e aos investimentos realizados com a conservação desses edifícios”. Para alcançar esses objetivos, além do mais, anunciava-se um conjunto de medidas que iriam contribuir “para minorar uma vulnerabilidade histórica e estrutural de competitividade da habitação permanente face aos outros usos potenciais, e responder à necessidade imperiosa de salvaguardar a segurança e estabilidade dos agregados familiares que permaneceram ao longo de décadas numa habitação arrendada, sobretudo, das pessoas de idade mais avançada, perante o risco de cessação de contratos de arrendamento decorrente da superveniência de opções mais rentáveis para os mesmos espaços.” O diploma legal que subsequentemente veio a ser aprovado, a já referida Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, contém, neste âmbito dos inquilinos especialmente carecidos de proteção, sob a epígrafe “Disposição transitória”, um art.º 14.º, de cujo regime resulta que nos contratos de arrendamento habitacionais de duração limitada celebrados ao abrigo do RAU, cujo arrendatário, à data da entrada em vigor do diploma (13 de fevereiro de 2019 – art.º 16.º), residisse há mais de 20 anos no locado e tivesse idade igual ou superior a 65 anos ou grau comprovado de deficiência igual ou superior a 60%, o senhorio apenas poderá opor-se à renovação do contrato ou proceder à sua denúncia se tencionar demolir o locado ou nele proceder às obras de remodelação ou restauro profundos referidas na alínea b) do artigo 1101 do Código Civil. Por outro lado, as comunicações do senhorio de oposição à renovação do contrato de arrendamento enviadas durante a vigência da Lei n.º 30/2018 aos arrendatários por ela abrangidos não produziriam quaisquer efeitos, a menos que tivessem por fundamento as necessidades de habitação do senhorio e seus descendentes em 1.º grau. As apontadas normas destes diplomas protegem, pois, os interesses de algumas categorias de arrendatários, que o sejam à luz do RAU, em detrimento dos senhorios, nesse sentido se integrando, conjuntamente com outras normas legais, na já mencionada inflexão do movimento liberalizador que vinha sendo imprimido ao regime do arrendamento urbano pelo NRAU e suas alterações. Voltemos ao caso que nos ocupa nesta ação. O art.º 1.º da Lei n.º 13/2019, sob a epígrafe “Objeto”, anuncia que “A presente lei estabelece medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade…” A alteração ao artigo 1095/2 do Código Civil introduzida pela Lei n.º 13/2019 repôs um prazo mínimo de duração do contrato de arrendamento para habitação com prazo certo, que foi fixado em um ano. O n.º 3 do artigo 1095, que havia sido revogado pela Lei n.º 31/2012, foi repristinado, excecionando deste limite mínimo de um ano os contratos para habitação não permanente ou para fins especiais ou transitórios. Os n.ºs 2 e 3 do artigo 1096 passaram a ter a seguinte redação: “1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 2 - Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática nos contratos previstos n.º 3 do artigo anterior”. A única alteração ao n.º 1, que é a que releva no caso que nos ocupa, foi a inserção do segmento “ou de três anos se esta for inferior”. A manutenção, no início do artigo, da ressalva “Salvo estipulação em contrário” inculca a ideia de que a supletividade aí anunciada continua a abarcar todos os elementos da norma: a consagração da renovabilidade automática do contrato e a estipulação do prazo ou prazos da sua renovação. Porém, a inserção deste “corpo estranho”, a menção de um prazo mínimo, de três anos, de renovação do contrato, não deixa de causar algum alerta, que é ampliado pelos antecedentes históricos, atrás expostos, de fixação imperativa (pelo menos segundo entendimento de alguns, defensável pelas razões expostas) de limites mínimos de renovação dos contratos de arrendamento habitacional com prazo certo. A razoabilidade do alerta é confirmada pelo teor do n.º 3 aditado pela Lei n.º 13/2019 ao artigo 1097 do Código Civil: “A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte” (o “número seguinte” ressalva determinadas situações pessoais do senhorio que justificarão a eficácia da oposição à primeira renovação do contrato). Na solução consignada no novo n.º 3 do artigo 1097 fica clara a intenção de que o arrendamento habitacional com prazo certo, renovável, vigore pelo menos por três anos (sem prejuízo de atuação em contrário por parte do arrendatário). Sobre esta matéria (prazo de renovação dos arrendamentos habitacionais com prazo certo) regista-se divergência de entendimentos, tanto na doutrina como na jurisprudência. - Uma tese propugna a integral supletividade das previsões normativas contidas no n.º 1 do art.º 1096.º do Código Civil, sem prejuízo das limitações impostas pelo art.º 1097.º n.º 3 do Código Civil. É a posição de Jorge Pinto Furtado (Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Almedina, 3.ª edição, 2021, páginas 655 a 657): “Com a Reforma de 2012, tinha-se estabelecido, neste art.º 1096-1, que, salvo estipulação contratual em contrário, o contrato de prazo certo renovava-se “no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração”. A Reforma de 2017 não aflorou este ponto, mas, com a Lei n.º 13/2019, veio estabelecer-se, pegando na redação de 2012, que, “salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior”. Limitou-se, pois, a acrescentar à frase “períodos sucessivos de igual duração” a expressão “ou de três anos se esta for inferior”. De realçar, que estamos aqui em presença de arrendamentos habitacionais; para os não habitacionais, rege o disposto no art.º 1110. O que se determina no presente n.º 1, como se viu, é que o contrato de arrendamento urbano, com prazo certo, no termo da sua duração contratual, se renova, “salvo estipulação em contrário”, por períodos sucessivos de igual duração, ou de três anos quando essa duração for inferior. A ressalva é expressa, surgindo, soberana, a encabeçar o preceito”. (…) Já se pretendeu, no entanto, sem mais, que o preceito “diz que a renovação do contrato opera por um período mínimo de 3 anos”. Não cremos, porém, salvo o devido respeito, que a presente disposição, só por si, permita semelhante conclusão. Por este n.º 1 do artigo, e só por ele, a ressalva à cabeça da livre estipulação das partes poderia até abranger o próprio limite de três anos, previsto na sua parte final. Somente acontece, a nosso ver, que, sobre o tema, terá de atender-se ao disposto no art.º 1097-3 que, desgarradamente embora, voltando a dispor sobre a oposição à renovação, determina uma importante limitação ao normativo do n.º 1 do presente artigo obrigando o intérprete a coordenar as duas disposições. (…) Ora, já se viu que o n.º 1 do presente artigo só dispõe para o silêncio contratual e, como no art.º 1097-3 também não se estabelece qualquer dimensão para o ulterior período de renovação, em si, daí se seguirá, se bem nos parece, que, quando pretenda estabelecer-se renovação para um arrendamento habitacional de prazo certo terá de atribuir-se à própria duração desse contrato, pela aplicação conjugada dos dois preceitos, uma duração mínima de três anos. Cremos, por conseguinte e em conclusão poder, pois, validamente estabelecer-se, ao celebrar-se um contrato, que este terá, necessariamente, uma duração de três anos, prorrogando-se, no seu termo, por sucessivas renovações, de dois ou de um ano, quatro ou cinco – como, enfim, se pretender (…).” Embora a propósito do regime dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais, também Jéssica Rodrigues Ferreira (“Análise das principais alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, aos regimes da denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais”, in RED – Revista Electrónica de Direito, FDUP, fevereiro 2020, páginas 82 e 83) propugna a plena autonomia das partes na fixação do prazo de renovação do contrato: “A nova redação do art.º 1096.º suscita várias dúvidas interpretativas, desde logo relacionadas com o alcance da expressão “salvo estipulação em contrário”. Reportar-se-á apenas à possibilidade de as partes afastarem a renovação automática do contrato, ou permitirá também a estipulação de um prazo de renovação diferente do aí previsto? Neste último caso, poderão as partes estipular um prazo inferior a cinco anos? Parece-nos que o legislador pretendeu que as partes fossem livres não apenas de afastar a renovação automática do contrato, mas também que fossem livres de, pretendendo que o contrato se renovasse automaticamente no seu termo, regular os termos em que essa mesma renovação ocorrerá, podendo estipular prazos diferentes – e menores - dos supletivamente fixados pela lei, e não, conforme poderia também interpretar-se da letra do preceito em análise – cuja redação pouco precisa gera estas dúvidas – um pacote de “pegar ou largar”, em que as partes estariam adstritas a optar entre contratos não renováveis ou, optando por um contrato automaticamente renovável no seu termo, com períodos sucessivos de renovação de duração obrigatoriamente igual à duração do contrato ou de cinco anos [tem-se aqui em vista o prazo mínimo previsto no art.º 1110.º n.º 2 do CC para os contratos não habitacionais, correspondente ao art.º 1096.º n.º 1 para os contratos habitacionais] se esta for inferior, pois ainda que a ratio subjacente a esta alteração legislativa tenha sido reforçar a estabilidade dos contratos, se o legislador deixou ao critério das partes o mais – optar por renovar ou não o contrato – também se deve entender que lhes permite o menos – optando por renovar o contrato, regular os termos dessa renovação.” Na mesma linha se insere a posição de André Mena Hüsgen (“As novas regras sobre a duração, denúncia e oposição à renovação do arrendamento urbano”, in Estudos de Arrendamento Urbano, vol. I, Universidade Católica Editora, Porto, 2020, páginas 86 e 87): “Ainda que a expressão «salvo estipulação em contrário» tenha sido deslocada para a parte inicial da norma, a redação atual não impossibilita a leitura de que tal salvaguarda deve também abranger o prazo mínimo de renovação de três anos, i.e., de que deve estar na possibilidade das partes estipular um prazo de renovação inferior. Na verdade, o prazo de três anos poderá ter exclusivamente como objectivo conferir proteção adicional aos arrendatários cujo contrato seja omisso em relação à duração do prazo de renovação. Sobretudo numa ótica de política legislativa, a proibição de prazos de renovação inferiores a três anos prejudicará os arrendatários que não pretendam manter o arrendamento por um período tão alargado, uma vez que só poderão denunciar o contrato após terem decorrido 16 meses, contados desde a data de renovação do contrato, nos termos do artigo 1098.º (3), alínea a) do CC.” Esta tese liberalizadora é seguida também por Edgar Alexandre Martins Valente (Arrendamento urbano – Comentário às Alterações Legislativas introduzidas ao regime vigente, Almedina, 2019, pág. 31) e por Isabel Rocha e Paulo Estima (Novo Regime do Arrendamento Urbano – Notas práticas e Jurisprudência, 5.ª edição, Porto Editora, 2019, pág. 286). Na jurisprudência, decidiu-se à luz desta interpretação da lei (caráter integralmente supletivo do disposto no n.º 1 do art.º 1096.º do CC, na sua redação atual), nos acórdãos seguintes: Relação de Lisboa: 17.3.2022, processo 8851/21.6T8LRS.L1-6; 10-01-2023, processo 1278/22.4YLPRT.L1.7; 27.04.2023, processo 1390/22.0YLPRT.L1.6; 16-05-2024, processo 2807/22.9T8CSC.L1-8; Relação do Porto: 23.03.2023, processo 2966/21.3T8GDM.P1; 12-07-2023, processo 19506/21.1T8PRT-A.P1 (todos, assim como os adiante mencionados, consultáveis em www.dgsi.pt). - Outra corrente entende que a lei impõe um limite mínimo, de três anos, à renovação do contrato, reduzindo-se a autonomia contratual das partes à possibilidade de arrendamento com renovabilidade do contrato e à possibilidade de estipulação de prazos de renovação do contrato superiores a três anos. Na doutrina, neste sentido, vejam-se as palavras de Maria Olinda Garcia (“Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019”, in Julgar Online, março de 2019, páginas 11 e 12): “Quanto à renovação do contrato, a nova redação do artigo 1096.º suscita alguma dificuldade interpretativa, nomeadamente quanto ao alcance da possibilidade de “estipulação em contrário” aí prevista. Por um lado, pode questionar-se se tal convenção poderá excluir a possibilidade de renovação do contrato ou apenas estabelecer um diferente prazo de renovação. Parece-nos que (na sequência do que já se verificava anteriormente) as partes poderão convencionar que o contrato não se renova no final do prazo inicial (o qual tem de ser de, pelo menos, um ano). O contrato caducará, assim, verificado esse termo. Mais delicada é a questão de saber se as partes podem estipular um prazo de renovação inferior a 3 anos (hipótese em que o prazo legal de 3 anos teria natureza supletiva). Atendendo ao segmento literal que diz que o contrato se renova “por períodos sucessivos de igual duração”, pareceria poder concluir-se que, se o período inicial pode ser de 1 ou de 2 anos, as partes também teriam liberdade para convencionar igual prazo de renovação. Todavia, ao estabelecer o prazo de 3 anos para a renovação, caso o prazo de renovação seja inferior, parece ser de concluir que o legislador estabeleceu imperativamente um prazo mínimo de renovação. Afigura-se, assim, que a liberdade das partes só terá autónomo alcance normativo se o prazo de renovação estipulado for superior a 3 anos. Conjugando esta disposição com o teor do artigo 1097.º, n.º 3, que impede que a oposição à renovação, por iniciativa do senhorio, opere antes de decorrerem 3 anos de duração do contrato, fica-se com a ideia de que o legislador pretende que o contrato tenha, efetivamente, uma vigência mínima de 3 anos (se for essa a vontade do arrendatário). Assim, o contrato só não terá duração mínima de 3 anos se o arrendatário se opuser à renovação do contrato no final do primeiro ou do segundo ano de vigência. No final destes períodos (tratando-se de contrato celebrado por 1 ano), o senhorio não terá direito de oposição à renovação. Tal direito extintivo cabe, assim, exclusivamente ao arrendatário antes de o contrato atingir 3 anos de vigência”. Na mesma senda seguem Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde e António Barroso Ramalho Rodrigues (“Denúncia e oposição à renovação do contrato de arrendamento urbano”, in Revista de Direito Civil, ano IV (2019), n.º 2, pág. 303: “A inovação da Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, consistiu na consagração da renovação automática pelo período mínimo de 3 anos, independentemente de duração inicial inferior. (…) A renovação automática (de natureza supletiva) pelo período mínimo de 3 anos (período mínimo imperativo de renovação) recupera a regra do RAU de 1990, reiterada no NRAU de 2006)”. Também no mesmo sentido, vide Ana Isabel Afonso (“Sobre as mais recentes alterações legislativas ao regime do arrendamento urbano”, in Estudos de Arrendamento Urbano, vol. I, Universidade Católica Editora, Porto, 2020, páginas 26 e 27): “A entender-se que o prazo é supletivo – conforme inculca a estrutura do sistema e a ressalva inicial da norma -, não vemos efeito útil na previsão de um mínimo de três anos de renovação automática em vez da habitual renovação por períodos sucessivos de igual duração, habitualmente prevista e correspondente à fórmula usual. O «salvo estipulação em contrário» limita-se, quanto a nós, à admissibilidade de previsão de duração indeterminada do contrato (a norma aplica-se apenas aos contratos celebrados com prazo certo) e ao poder não excluído (possivelmente de modo inadvertido) por lei de se convencionar a caducidade do contrato no fim do prazo”; no mesmo sentido, cfr. a mesma autora em “O prazo mínimo de renovação do contrato de arrendamento urbano é imperativo ou supletivo?”, comentário ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17.3.2022, Proc. 8851/21.6T(LRS.L1-6, in Cadernos de Direito Privado, 78, abril-junho 2022, p. 53 e seguintes). Esta interpretação do n.º 1 do art.º 1096.º do Código Civil, no sentido da imperatividade de um prazo mínimo de renovação do contrato (três anos) é seguida também por José António de França Pitão e Gustavo França Pitão (Arrendamento urbano anotado, Quid Juris, 3.ª edição, 2019, p. 390), Márcia Passos (“A duração nos contratos de arrendamento com prazo certo”, in Boletim da Ordem dos Advogados, Setembro de 2019, pág. 21), Manteigas Martins, Carlos Nabais, José M. Raimundo (Novo regime do arrendamento urbano, comentários e breves notas, Vida Económica, 2019, pág. 183), Luís Menezes Leitão (Arrendamento urbano, 11.ª edição, 2022, Almedina, p. 179). Tem acolhimento em parte da jurisprudência emitida pelas Relações: Acórdãos da Relação de Guimarães: de 11.02.2021, processo 1423/20.4T8GMR.G1; de 08.04.2021, processo 795/20.5T8VNF.G1. Acórdãos da Relação de Évora: de 10.11.2022, processo 983/22.OYLPRT.E1; de 10.11.2022, processo 126/21.7T8ABF.E1; de 25.01.2023, processo 3934/21.5T8STB.E1 (com um voto de vencido). Acórdão da Relação do Porto: de 04.05.2023, processo 1598/22.8YLPRT.P1. Acórdão da Relação de Lisboa: de 16.05.2024, processo 1282/23.5YLPRT.L1 (no qual a ora relatora foi 2.ª adjunta). Também o STJ, no acórdão proferido em 17.01.2023, propendeu para esta tese: “O artigo 1096.º do Código Civil, conforme é entendimento dominante na doutrina, não tem carácter imperativo, pelo que é permitido às partes excluírem a renovação automática. Impõe imperativamente, porém, que, caso seja clausulada a renovação, esta tem como período mínimo uma renovação pelo período de 3 anos. Ou seja, o legislador permite às partes que convencionem um contrato de arrendamento urbano para habitação pelo período de um ou dois anos, não renovável. Mas, caso seja convencionada uma cláusula de renovação automática, terá de obedecer ao disposto neste normativo, ou seja, o contrato sofre uma renovação automática de 3 anos”. A sentença recorrida propendeu para a segunda tese supra referida (imperatividade do disposto no artigo 1096/1 do Código Civil). Aí se exarou o seguinte: “(…) Neste conspecto, somos por sufragar a posição sustentada pela jurisprudência invocada pela Requerida, a qual acreditamos que surge reforçada pelo Ac. STJ de 17.01.2023 (Pedro Gonçalves) (Ac. STJ de 17.01.2023 (Pedro Gonçalves) P. 7135/20.1T8LSB.L1.S1 (www.dg.pt), por via do qual se sustentou que a Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro visou estabelecer um conjunto de medidas com a finalidade de corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, privilegiando a posição dos primeiros, através do reforço da segurança e estabilidade do arrendamento urbano, aumentando o prazo de duração do contrato e a antecedência pela qual a revogação deveria operar. Deste modo e seguindo de perto o supra citado acórdão, que segue a posição de Rui Ataíde e António Rodrigues (Ataíde, Rui Mascarenhas e Rodrigues, António Barroso, Revista de Direito Civil, Ano IV (2019), n.º 2, Almedina, Denúncia e Oposição à Renovação do Contrato de Arrendamento Urbano, pág. 302/303), deve o regime por ela estabelecido considerar-se por isso como imperativo, no sentido de que é lícito às partes afastar a renovação automática do contrato, mas uma vez convencionada a renovação, deverá a mesma obedecer aos limites mínimos previstos na lei. Pelo que aplicando esta interpretação ao caso vertente, verifica-se que à data em que se mostraram preenchidos os cinco anos de duração inicial do contrato, em 01.05.2023, o prazo de renovação automática de um convencionado no contrato, se deve considerar estendido a três anos, motivo pelo qual o contrato dos presentes autos se considerou renovado até 30.04.2026, não tendo nessa medida caducado em 30.04.2024, nem indo caducar em 30.04.2028. Por conseguinte, o contrato de arrendamento celebrado entre as partes, encontra-se válido e em vigor, pelo que não tendo caducado, não poderá ser objeto de despejo. O artigo 342.º n.º 1 do Cód. Civil dispõe que "àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado", competindo a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado àquele contra quem a invocação é feita (art.º 342.º, n.º 2 Cód. Civil). A Requerente alegou os factos constitutivos do seu direito de denúncia por oposição à renovação, mas a Requerida logrou efetuar prova de facto extintivo do mesmo, pelo que o presente procedimento especial de despejo não poderá proceder”. Cabe tomar posição nesta controvérsia. Tudo ponderado, cremos, com o máximo respeito por quem propugna a posição contrária, que a interpretação correta da solução legal é a da imposição, quanto ao prazo de renovação de contratos de arrendamento habitacional com prazo certo, do limite mínimo de três anos. Só essa interpretação se harmoniza com a norma imperativa contida no n.º 3 do art.º 1097.º do CC, aditada pela Lei n.º 13/2019. Subscrevem-se os argumentos para o efeito expendidos no Acórdão do S.T.J. de 20.9.2023, no sentido de “(…) Não faria sentido permitir prazos contratuais de renovação de um ano, para contratos com a duração inicial de um ano, para depois se impor uma primeira renovação compulsória do contrato a fim de se garantir uma duração mínima de três anos desse contrato. O n.º 3 do art.º 1097.º obsta a que, estando um contrato de arrendamento renovável, com a duração inicial de um ano, sujeito à renovação mínima de três anos, cesse antes desse “tempo”, por oposição do senhorio à renovação. Este regime está em linha com o objectivo anunciado no art.º 1.º da Lei n.º 13/2019, o de «reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano» “, sendo certo que “o n.º 3 do art.º 1097.º do CC aí está, dando consistência ao disposto no art.º 1096.º n.º 3, norma esta que, tendo em conta a totalidade da sua redacção (elemento literal da interpretação das leis), conjugada com o disposto no n.º 3 do art.º 1097.º (elemento sistemático da interpretação da lei), à luz do objectivo tido em vista com a publicação da Lei n.º 13/2019 (elemento teleológico ou racional da interpretação das leis) e os já mencionados antecedentes históricos nesta matéria (elemento histórico da interpretação das leis), segundo a melhor interpretação (art.º 9.º do CC), por um lado possibilita a contratualização não renovável de arrendamentos habitacionais e, por outro lado, quando se perfila um arrendamento habitacional renovável, impõe (em benefício do arrendatário) uma expectativa mínima de três anos para a sua renovação." (rel. Jorge Leal, disponível em www.dgsi.pt ). Assim se conclui que, no que respeita à renovação do contrato de arrendamento com prazo certo destinado a habitação deve entender-se que o artigo 1096/1 do Código Civil estabelece um regime imperativo, no sentido de que é lícito às partes afastar a renovação automática do contrato, mas uma vez convencionada a renovação, deverá a mesma obedecer ao limite mínimo previsto na lei três anos. Do exposto supra resulta que, por força da aplicação ao contrato da alteração ao artigo 1096 do Código Civil introduzida pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, o prazo de renovação do contrato, que havia sido contratualmente fixado em um ano, foi alterado, por norma imperativa, para três anos. Deste modo em 1 de maio de 2023 o contrato de arrendamento objecto dos autos renovou-se por mais três anos, isto é, até 30 de abril de 2026 e, por conseguinte, esse contrato não cessou em virtude da comunicação de oposição à renovação efectuada pela recorrente, que não assume qualquer eficácia, não produzindo efeitos, atentos os prazos em curso. Assim, a decisão recorrida não merece reparo. Improcede o recurso interposto. V. Decisão Por todo o exposto, acordam os Juízes desta 8.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: 1. Julgar improcedente o recurso de apelação e, em consequência, manter a decisão recorrida. Custas pela recorrente. Lisboa, 26 de setembro de 2024 Maria Teresa Lopes Catrola Maria Carlos Calheiros Carla Mendes |