Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CRISTINA LOURENÇO | ||
Descritores: | CENTRO COMERCIAL QUEDA DANOS CORPORAIS RESPONSABILIDADE CIVIL PRESUNÇÃO DE CULPA ÓNUS DA PROVA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/20/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1. Recai sobre o proprietário de centro comercial o dever de manter o funcionamento das portas automáticas em conformidade com as normas técnicas anexas ao DL nº 163/2006 de 8/08, para o que deverá proceder à manutenção regular dos sensores e da programação da abertura e fecho, bem como a um controlo diário sobre o concreto funcionamento de tais mecanismos, cuja utilização intensiva acarreta o risco de desencadeamento de vícios. 2. O art. 493º estabelece uma presunção de culpa por parte de quem tem a seu cargo, para além do mais, a vigilância de coisas imóveis, e consequentemente, a inversão do ónus da prova quanto à culpa. 3. O proprietário de centro comercial que não demonstre ter cumprido os deveres de vigilância que lhe eram exigíveis, é responsável pelo ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais sobrevindos para utente do estabelecimento, que estando a transpor porta automática, cai ao chão, por as portas terem fechado antes de a zona de passagem ter ficado totalmente desimpedida, como teria de suceder se o sistema de sensores e programação estivesse a funcionar sem vícios. 4. É ajustada a indemnização de € 20.000,00 para ressarcimento de danos não patrimoniais sofridos pela vítima, de 83 anos de idade, que cai desamparada ao chão; que sofre dores imediatas, que aí ficou imobilizada até à chegada de socorro médico; que em consequência do agravamento das lesões – na coluna - regressou ao hospital, onde ficou internada; que em consequência dessas mesmas lesões teve de utilizar colete de Jewet, ininterruptamente, durante cerca de dois meses; que as mesmas lesões determinaram o adiamento de cirurgia programada à anca e, posteriormente, atraso ao nível da recuperação desta cirurgia, que se revelou também mais penosa em consequência dessas lesões, o que demandou da vítima um maior esforço físico e resiliência. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: Relatório A…, residente na Rua ….., em Lisboa, veio propor contra “M…S.A.”, com sede no Edifício…., Rua ….., em Lisboa, e contra “F….S.A.”, com sede …., em Lisboa, ação declarativa de condenação sob a forma única de processo comum, visando o ressarcimento dos danos sofridos em consequência de uma queda sofrida no “Centro Comercial ….”, localizado em Lisboa, de que a primeira Ré é proprietária, advindo a responsabilidade da segunda Ré do contrato de seguro de responsabilidade civil com aquela celebrado. Termina, pedindo seja a ação julgada procedente, por provada e, em consequência: a) Sejam as Rés condenadas, solidariamente, a pagar-lhe a título de danos patrimoniais o valor de € 13.003,85, mais juros a partir da citação; b) Sejam as Rés condenadas, solidariamente, a pagar-lhe a título de danos não patrimoniais o valor de € 26.996,00, mais juros a partir da citação; c) Sejam as Rés condenadas, solidariamente, a pagar-lhe a título de danos futuros decorrentes do acidente, indemnização de montante a aferir em resultado da percentagem de incapacidade permanente atribuída; e) Sejam as Rés condenadas, solidariamente, a pagar-lhe o valor mensal de € 900,00 correspondente à compensação de terceira pessoa imprescindível ao seu quotidiano, durante a toda a sua vida. * A primeira Ré contestou a ação. Declinou a responsabilidade que lhe é imputada pela Autora e concluiu pela improcedência da ação com a sua consequente absolvição do pedido. Requereu a intervenção acessória de “A…., S.A.”, com sede na Rua ….., Maia; e de “T…..SA, NIF …., com sede em…., Sintra. A Ré seguradora também veio contestar a ação. Defendeu-se por exceção e impugnação. Diz, em primeiro plano, que a Autora, fruto da avançada idade sofria já de patologias e lesões anteriores à ocorrência do sinistro, que impunham a realização de intervenções clínicas, pelas quais não pode responsabilizar-se por via do contrato celebrado com a primeira Ré. No mais, impugna os factos alegados pela Autora e conclui que quanto a si a ação não poderá proceder. * O incidente de intervenção acessória provocada foi admitido, com a consequente citação das sobreditas chamadas nos termos e para os efeitos do art. 323º, nº 1, do CPC. * A autora foi notificada para responder, querendo, à matéria da exceção suscitada pela seguradora, o que fez, pugnando pela sua improcedência. * A chamada “A…., S.A.,” contestou a ação. Impugnou os factos alegados pela Autora e pugnou pela improcedência da ação contra a 1ª Ré, com a sua consequente absolvição do pedido. Para o caso de assim não se entender, e entendendo não estarem verificados os pressupostos previstos no art. 321º do CPC, pediu a absolvição do pagamento de qualquer valor a título de indemnização. * A chamada “T…., SA.” juntou procuração nos autos. * Foi dispensada a realização da audiência prévia. Saneado o processo foram fixados o objeto do processo e os temas da prova. * Realizado o julgamento, foi proferida sentença, que culminou com o seguinte dispositivo: “Em face do exposto, julga-se a presente ação parcialmente procedente por parcialmente provada e, em consequência condena-se, solidariamente, a Ré M…, S.A. e a Ré F….., S.A., no pagamento à Autora A…., da quantia de € 4.077,75 (quatro mil, setenta e sete euros e setenta e cinco cêntimos), a título de danos patrimoniais, e da quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros), a título de danos não patrimoniais, num total de € 24.077,75 (vinte e quatro mil, setenta e sete euros e setenta e cinco cêntimos), tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da citação quanto aos danos patrimoniais, e desde a data da sentença, quanto aos danos não patrimoniais, até integral pagamento, absolvendo-as do demais peticionado. * Custas a suportar por ambas as partes, na medida do respetivo decaimento, que se fixa em 40% para a Autora e 60% para as Rés (527.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil).” * A 1ª Ré não se conformou com a decisão, e dela veio recorrer, tendo culminado as suas alegações recursivas com as seguintes conclusões. A. A Recorrente discorda da decisão proferida pelo Tribunal a quo que condenou (solidariamente) as Rés M… S.A. (ora Recorrente) e F…., S.A. no pagamento à Autora (ora Recorrida) de uma indemnização, a título de responsabilidade civil extracontratual, no montante global de € 24.077,75. B. Entende a Recorrente que o Tribunal a quo não apreciou devidamente a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, assim como a prova documental junta aos autos pelas partes, o que necessariamente determinou a decisão proferida. C. A Recorrente não coloca em causa a ocorrência de uma queda sofrida pela Recorrida, mas tão-somente os moldes/circunstâncias em que a mesmo sucedeu, e em especial que lhe seja imputada responsabilidade pela mesma. D. Considera a Recorrente que o Tribunal a quo não deveria ter dado como provados os factos em 2, 3 e 9, com fundamento nas declarações de parte da Recorrida (vide minutos 00:02:18 a 00:02:45; 00:05:08 a 00:05:35; 00:05:52 a 00:06:03; 00:42:56 a 00:43:18 da gravação n.º 20230526095613_19981210_2871111), assim como nos depoimentos das testemunhas P..M… (vide minuto 00:05:30 a 00:05:42 da gravação n.º 20230526103959_19981210_2871111) e A..S.. (vide minuto 00:03:09 a 00:03:25, 00:04:42 a 00:04:52; 00:10:56 a 00:11:18; 00:13:00 a 00:14:14 e 00:18:42 a 00:19:04 da gravação n.º 20230526105900_19981210_2871111). E. Entende a Recorrente que as declarações de parte da Recorrida, assim como a prova testemunhal indicada só poderia contribuir para a valoração de tais factos como não provados. F. Na verdade, da análise das declarações de parte e dos depoimentos destas testemunhas, resulta evidente um (vasto) conjunto de contradições e imprecisões que inviabilizam a credibilidade das respetivas declarações e, em consequência, a sua valoração para efeitos de prova. G. Acresce que, as declarações de parte, assim como os depoimentos das testemunhas indicadas, não só estão em contradição entre si, como revelam pouco rigor uma vez comparados com os depoimentos das restantes testemunhas arroladas pela própria Recorrida, os quais, por sua vez, também se revelam bastante incoerentes. H. Por essa razão, os factos dados como provados em 2, 3 e 9 (na parte em que refere “Em consequência da queda da própria altura, após contusão na porta automática”) deverão ser alterados e julgados como factos não provados. I. De igual modo, os factos dados como provados em 18, 21 a 28 e 32 a 37 deverão ser considerados como não provados, pelas razões expostas a propósito do montante dos danos (patrimoniais e não patrimoniais) alegadamente sofridos pela Recorrida, em especial porque a prova documental junta aos autos, assim com a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, não permitem, de forma alguma, concluir no sentido do entendimento adotado pelo Tribunal a quo. J. Por sua vez, os factos dados como provados em 29 a 31 deverão ser alterados, porquanto, admitindo-se que a Recorrida utilizou o colete de Jewet para recuperação da “fratura D12”, careceu de acompanhamento diário e, como tal, ficou, de forma alternada, em casa dos filhos e se sentiu triste, angustiada, com stress e depressiva, sempre se deverá concluir que, contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, não foi consequência do seu (pretenso) entalamento nas portas automáticas do S…. Shopping. K. Além disso, o facto dado como provado em 43 deverá ser julgado como não provado, porquanto, contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, do depoimento da testemunha J..S… (diretor de operações da A…S.A.; minuto 00:08:03 a 00:08:26 da gravação n.º 20230526160425_19981210_2871111) e do contrato de manutenção celebrado entre a Recorrente e a T…S.A, não resulta, de modo algum, que as portas automáticas onde alegadamente ocorreu o acidente, por terem sido alegadamente alteradas, já não estavam em conformidade com as que foram originalmente fornecidas e instaladas pela A…S.A.. L. Por sua vez, o Tribunal a quo deu como não provado (i) o facto das portas automáticas se encontrarem, à data da ocorrência do acidente, em pleno funcionamento, sem qualquer anomalia (facto dado como não provada em D), assim como (ii) o facto de nunca ter ocorrido qualquer acidente no S.. Shopping, envolvendo portas automáticas (facto dado como não provado em E). M. Da motivação do Tribunal a quo, quanto ao facto dado como não provado em D), resulta que foram valorados os depoimentos das testemunhas P..M.., A…S.. e J.. S.. e que os depoimentos dos funcionários da Recorrente não eram suficientes para constituir prova bastante. N. Além disso, o Tribunal entendeu, por um lado, que a Recorrente não juntou qualquer documento que permita concluir pela não identificação de anomalias nas portas automáticas onde alegadamente ocorreu o acidente e, por outro, que a Recorrente não alegou, nem demonstrou, que exigiu à T..S.A. a elaboração de um relatório de avaliação, como lhe competia. O. Ora, no que diz respeito ao facto dado como não provado em D), entende a Recorrente que foi produzida prova bastante, quer testemunhal (sobretudo tendo em conta os depoimentos das testemunhas A..A.. – minuto 00:11:18 a 00:12:11 da gravação n.º 20230526154034_19981210_2871111, M..S.. – minuto 00:08:49 a 00:09:51 da gravação n.º 20230526142646_19981210_2871111 e R..P.. – minuto 00:08:15 a 00:09:37 da gravação n.º 20230526144616_19981210_2871111, assim como as declarações de parte da Recorrida –minuto 00:32:10 a 00:32:25 da gravação n.º 20230526095613_19981210_2871111), quer documental (em especial, considerando o teor do e-mail junto a fls. 96 e do relatório pericial junto pela Ré F..), para demonstrar que, (i) à data da ocorrência da queda, as portas automáticas estavam em pleno funcionamento e não padeciam de qualquer anomalia e que (ii) a Recorrente solicitou à T…S.A. a elaboração de um relatório de avaliação. P. Acresce que, (i) a testemunha J..S.., em momento algum do seu depoimento, afirmou que as portas automáticas em causa estavam a funcionar indevidamente e, (ii) contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, o depoimento da testemunha P.. M..o (arrolado pela Recorrida) não foi suficientemente credível para o efeito, além de não ter sido corroborado pelo depoimento da testemunha A..S.. (também arrolado pela Recorrida) muito pelo contrário! Q. Entende a Recorrente que os depoimentos dos funcionários da Recorrente foram suficientemente rigorosos para contribuir para formação da convicção do tribunal quanto ao facto de nunca ter ocorrido um acidente no S… Shopping envolvendo portas automáticas, ao que acresce o facto de os mesmos terem sido, para este efeito, corroborados pelos depoimentos da Recorrida e das testemunhas arroladas pela mesma (vide o depoimento da testemunha A..S.. – minutos 00:11:37 a 00:11:44, 00:12:15 a 00:12:25 e 00:17:58 a 00:18:37 da gravação n.º 20230526105900_19981210_2871111; o depoimento da testemunha A..A.. – minuto 00:10:14 a 00:10:29 da gravação n.º 20230526154034_19981210_2871111; e as declarações de parte da Recorrida – minuto 00:04:34 a 00:04:47 da gravação n.º 20230526095613_19981210_2871111). R. Nestes termos, os factos dados como não provados em D) e E) deverão ser alterados e considerados como factos provados. S. Por sua vez, a Recorrente, não só fez prova de que as portas automáticas estavam em pleno funcionamento, como demonstrou que a queda apenas poderá ter sido provocada por motivos alheios ao funcionamento das portas automáticas, em especial pelo facto da Recorrida se ter desequilibrado e/ou por ter efetuado uma utilização inadequada/imprudente das mesmas (vide, neste sentido, o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra (Isaías Pádua), de 18.05.2021, Proc. n.º 67/18.5T8GRD.C1). T. Neste contexto, importa ter em consideração o depoimento da testemunha R.. P.. (minutos00:04:08 a 00:05:13; 00:06:32 a 00:08:09; 00:22:54 a 00:23:45 da gravação n.º 20230526144616_19981210_2871111), que assinalou que a Recorrida fez uma utilização imprudente das portas automáticas, assim como a prova documental junta aos autos, elucidativa da existência de uma lista manifestamente extensa de patologias sofridas pela Recorrida à data da ocorrência do alegado acidente, suscetíveis de ter contribuído para a ocorrência da queda, nomeadamente por provocarem dificuldades de locomoção, tonturas e desequilíbrios. U. Não de menor importância, note-se que, dos relatórios médicos juntos aos autos, resulta evidente que, além das quedas sofridas, designadamente em 2008 e 2012, a Recorrida, após o alegado acidente, voltou a sofrer, pelo menos, mais três quedas (a 02.05.2019, 03.12.2019 e 22.07.2019). V. Sem prejuízo, ainda que se entenda que a Recorrida logrou provar que a queda foi consequência direta e necessária do facto de ter sido entalada pelas portas automáticas – o que não se concebe, nem se concede, mas por mero dever de patrocínio se equaciona –, sempre se deverá concluir que à Recorrente não deve ser imputada qualquer responsabilidade, por não estarem verificados os pressupostos gerais da responsabilidade civil extracontratual, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 483º, n.º 1 do CC. W. As portas automáticas do S… Shopping sempre estiveram, e estão, em funcionamento e sempre respeitaram, e respeitam, todas as normas legais em vigor para o seu bom funcionamento. X. Todas as portas automáticas têm, desde a data da sua instalação, sensores de movimento e dispositivo que permite controlar a velocidade do fecho, encontrando-se programadas para permanecer totalmente abertas aquando da passagem ou deteção de um corpo, tudo conforme comunicado pela empresa que procedeu à instalação das portas (A…S.A.), além de se encontrarem dotadas de um sistema anti-entalamento (vide, neste sentido, facto dado como prova em 42 pelo Tribunal a quo e o depoimento da testemunha A..A.., minuto 00:12:01 a 00:12:11 da gravação n.º 20230526154034_19981210_2871111). Y. Acresce que, a Recorrente, após ter recebido a informação da ocorrência de um acidente alegadamente provocado pelo mau funcionamento das portas automáticas, contactou a T…, S.A., empresa que está obrigada a manter em boas condições de segurança e funcionamento as respetivas portas automáticas, a qual, após examinar as portas automáticas, confirmou que as mesmas estavam em pleno funcionamento e não apresentavam qualquer anomalia. Z. Assim, apenas se poderá conceber a hipótese, sem conceder, de os sensores das portas automáticas terem falhado momentaneamente. AA. Contudo, ainda assim, não poderia ser imputada à Recorrente qualquer responsabilidade, porquanto sempre cumpriu (e continua a cumprir) todas as exigências que legalmente lhe são impostas, pelo que, como é bem de ver, qualquer falha momentânea neste tipo de equipamentos ou outros similares é totalmente imprevisível e incontrolável (insuscetível de ser dominada) pela Recorrente o que, por conseguinte, impede a sua intervenção atempadamente. BB. Mais, o (alegado) acidente sempre teria ocorrido (relevância negativa da causa virtual), mesmo perante a vigilância diária das portas automáticas, pois, estando em causa uma falha momentânea das mesmas, continuaria a ser totalmente imprevisível e incontrolável pela Recorrente. CC. Com efeito, a Recorrente ilidiu a presunção de culpa prevista no artigo 493º, n.º 1 do CC, tendo demonstrado e provado que não praticou qualquer facto voluntário, controlável ou dominável pela sua vontade, ilícito e culposo, designadamente por ter instalado e mantido as portas automáticas em bom estado funcionamento (de acordo com as exigências legais em vigor), ter contratado uma empresa certificada para controlar o funcionamento e a manutenção das portas automáticas e ter uma estrutura operacional e uma equipa de vigilantes responsável por assegurar o bom funcionamento do centro comercial e a segurança dos seus utentes e lojistas. DD. Sendo certo que, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 570.º do Código Civil, baseando-se a (pretensa) responsabilidade da Recorrente numa mera presunção de culpa (à luz do disposto no artigo 493º, n.º 1 do CC), sempre se deverá concluir que a culpa da Recorrida pressupõe necessariamente a exclusão do dever de indemnizar da Recorrente. EE. Efetivamente, apenas se pode conceber que a Recorrida efetuou uma utilização imprudente/inadequada das portas automáticas, porquanto, na tentativa de travar o normal movimento de fecho das portas automáticas, aproximou a sua bengala dos sensores (vide o depoimento da testemunha R..P.., minutos 00:04:08 a 00:05:13; 00:06:32 a 00:08:09; 00:22:54 a 00:23:45 da gravação n.º 20230526144616_19981210_2871111). FF. Acontece que, os sensores das portas automáticas são programados para detetar uma volumetria mínima que corresponde ao tamanho de uma criança e não para detetar objetos pequenos como uma bengala (vide o depoimento da testemunha J.. S.., minutos 00:11:11 a 00:11:32; 00:16:43 a 00:17:19 da gravação n.º 20230526160425_19981210_2871111). GG. A Recorrida tinha – ou, pelo menos, devia ter – consciência do perigo a que estaria exposta ao decidir aproximar a sua bengala dos sensores das portas automáticas, na tentativa de impedir o seu normal funcionamento (vide, entre outros, o Ac. do STJ (Alves Velho), de 12.09.2013, Proc. n.º 308/09.0TBCTB.C1.S1). HH. Com efeito, o comportamento da Recorrida foi causa do facto danoso ou, pelo menos, contribui/concorreu para a produção/agravação dos danos que invoca ter sofrido, pelo que a sua culpa sempre deveria sobrepor-se à mera presunção legal de culpa que recai sobre a Recorrente. II. Não obstante, ainda que pudéssemos concluir pela verificação dos demais pressupostos, a verdade é que sempre seria de afastar a responsabilidade da Recorrente por inexistir um nexo causal entre o facto e os danos alegadamente sofridos pela Recorrida. JJ. Ao abrigo do disposto no artigo 563º do CC e da teoria da causalidade adequada (teoria maioritariamente seguida pela nossa doutrina e jurisprudência para efeitos de apreciação do pressuposto do nexo de causalidade), para concluirmos pela existência de uma relação causa-efeito é necessário que o facto seja adequado/idóneo a produzir o dano, no sentido de esse dano ser uma consequência normal e/ou típica da ocorrência do facto, a avaliar segundo as regras da experiência comum – fórmula positiva da teoria da causalidade adequada. KK. Acresce que, a teoria da causalidade adequada manifesta-se ainda numa vertente negativa, no sentido de se poder concluir que o nexo de causalidade está verificado desde que o facto seja causa do dano (conditio sine qua non), a menos que estejamos perante consequências imprevisíveis/imponderáveis, excecionais ou anómalas (vide, neste sentido, o Ac. do STJ (Fernando Bento), de 18.12.2013, Proc. n.º 1749/06.0TBSTS.P1.S1). LL. Nestes termos, concebendo-se (sem conceder) a hipótese da Recorrida ter sido entalada pelas portas automáticas, a verdade é que o embate das mesmas nunca seria adequado, em condições normais e à luz do critério do homem médio, a originar a sua queda e, muito menos, os danos que invoca ter sofrido – fórmula positiva da teoria da causalidade adequada – em particular se tomarmos em consideração que ficou provado que as portas estavam dotadas de um sistema de anti-entalamento. MM. Acresce que, sempre teríamos de concluir que os danos que a Recorrida invoca ter sofrido foram produzidos em consequência de circunstâncias imprevisíveis, anómalas e excecionais – fórmula negativa da teoria da causalidade adequada. NN. Por outro lado, reitere-se que a Recorrida, à data da ocorrência do acidente, utilizava bengala e padecia de diversas patologias, que dificultavam a sua locomoção e provocavam tonturas e desequilíbrios, ao que acresce o facto da Recorrida ter sofrido outras quedas após o acidente, o que naturalmente poderá ter provocado ou, pelo menos, agravado os alegados danos que invoca ter sofrido. OO. Por fim, relativamente aos danos patrimoniais alegadamente sofridos pela Recorrida, note-se que a Recorrida não logrou demonstrar a existência de um nexo causal com a ocorrência do acidente, ao que acresce o facto de, quanto à grande maioria das despesas juntas aos autos, a Recorrida não ter junto qualquer comprovativo de pagamento das mesmas, sendo manifestamente insuficiente a mera junção das respetivas faturas (vide, neste sentido, entre outros, o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra (Fonte Ramos), de 22/09/2021, Proc. N.º 3078/17.4T8ACB.C2). PP. Por sua vez, no que diz respeito aos danos não patrimoniais, entende a Recorrente que a Recorrida, ao abrigo do artigo 563º do CC e da teoria da causalidade adequada, não logrou demonstrar a existência de um nexo causal entre a ocorrência do alegado acidente e os danos que invoca ter sofrido. QQ. O Tribunal a quo, para efeitos de fixação do montante da indemnização, valorou ainda o adiamento da cirurgia à anca da Recorrida e o seu respetivo tempo de recuperação, assim como o facto da Recorrida alegadamente ter passado a depender de forma permanente de ajudas medicamentosas (medicação analgésica) e ajudas técnicas (colete de estabilização dorso-lombar, para alívio de dor na coluna dorso-lombar). RR. Sucede que, por um lado, incumbia à Recorrida demonstrar que a cirurgia somente foi adiada devido ao acidente que alegada ter sofrido e que a sua recuperação foi mais lenta em consequência da fratura da vertebra D12 e não, pelo contrário, em consequência das patologias que já sofria à data do acidente, o que manifestamente não sucedeu! SS. Por outro lado, a Recorrida já sofria de dificuldades de locomoção e alterações degenerativas e multisegmentares, além de ter sido operada à anca e ter sofrido outras quedas após o acidente, pelo que a medicação analgésica poderá ter sido, naturalmente, receitada para os respetivos tratamentos, incumbindo à Recorrida demonstrar a existência do nexo causal com a ocorrência do acidente, o que não sucedeu! TT. Relativamente às ajudas técnicas, repare-se que, conforme, aliás, foi confirmado pela Recorrida nas suas declarações de parte, a Recorrida deixou de utilizar o colete de estabilização dorso- lombar, pelo menos, a partir de julho de 2019. UU. Sem prejuízo, ainda que se considere que a Recorrida logrou demonstrar a existência de uma relação causa-efeito entre o acidente e os danos não patrimoniais que invoca ter sofrido – o que somente se equaciona para efeito de raciocínio –, sempre se dirá que o montante de 20.000,00€ é manifestamente desproporcional. VV. Nos termos conjugados dos artigos 496º, n.ºs 1 e 4 e 494º do CC, na fixação do montante da indemnização deve ser tida em consideração a gravidade dos danos, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso. WW. Ora, seguindo a nossa doutrina e jurisprudência, a gravidade dos danos deve medir-se por um padrão objetivo, sendo de afastar fatores de caráter subjetivo, suscetíveis de sensibilidade exacerbada, particularmente embotada ou especialmente requintada. XX. Note-se que, tal entendimento foi (estranhamente) perfilhado pelo próprio Tribunal a quo, o qual, inclusivamente, citou, no mesmo sentido, o acórdão do STJ de 16.12.2020, Proc. n.º 6295/15.8T8SNT.L1.S1, não se compreendendo como poderá ter considerado que o montante de €20.000,00 era proporcional e equilibrado. YY. Relativamente à gravidade dos danos, o Tribunal a quo, para efeitos de fixação do montante da indemnização, invoca ter valorado as dores e lesões sofridas pela Recorrida em consequência da queda e o que resultou do relatório pericial, assim como a idade da Recorrida e o seu (elevado, no entender do Tribunal) grau de autonomia à data da ocorrência do alegado acidente. ZZ. Pois bem, entende a Recorrente que o resultado do relatório pericial só poderia ter contribuído para atenuar o montante da indemnização (concebendo, sem conceder, ser devida uma indemnização por danos não patrimoniais), porquanto, tendo sido fixado o quantum doloris da Recorrida em cerca de 43%, o seu défice funcional permanente da integridade físico-psíquica em 7%, o seu dano estético permanente em cerca de 14%, a repercussão permanente nas suas atividades desportivas e de lazer em cerca de 14% e não tendo sido fixada a existência de qualquer dano futuro, o relatório evidenciou que os danos efetivamente sofridos pela Recorrida não correspondem, de forma alguma, aos invocados pela mesma. AAA. Acresce que, ainda que pudéssemos aceitar uma apreciação da gravidade do dano mediante fatores subjetivos, a verdade é que sempre teríamos de concluir que a idade e patologias anteriores da Recorrida só poderiam relevar para efeitos de atenuação do montante da indemnização (tal como foi considerado pelo perito), porquanto, movimentava-se com o auxílio de uma bengala e à data da queda já estava nitidamente condicionada a sua mobilidade. BBB. Por sua vez, relativamente ao grau de autonomia da Recorrida à data da ocorrência do alegado acidente, note-se que foi dado como provado pelo Tribunal a quo e resulta do depoimento das testemunhas arroladas pela Recorrida, que a mesma, contrariamente ao que referiu, continua (entre outras atividades diárias) a conduzir e cozinhar, não se compreendendo como o Tribunal a quo pode ter valorado, para este efeito, o grau de autonomia da Recorrida à data da ocorrência do acidente. CCC. Além disso, note-se que nem sequer se pode concluir que a Recorrida fosse completamente autónoma à data do acidente, pois, além de se movimentar com o auxílio de uma bengala (o que, inevitavelmente reduz o seu grau de autonomia), sofria de diversas patologias que provocavam, e provocam, dificuldades de locomoção. DDD. Por fim, relativamente à culpabilidade do agente responsável, sublinhe-se que a Recorrente instalou as portas automáticas de acordo com as exigências legais em vigor, cumprido todos deveres legalmente impostos para o bom funcionamento e utilização das portas automáticas de acesso ao centro comercial e contratou uma empresa certificada para controlar o funcionamento e a manutenção das portas automáticas, pelo que a culpa da Recorrente, a existir, é manifestamente reduzida. EEE. Por essa razão, a diminuta culpabilidade da Recorrente, ao abrigo dos artigos 486º, n.º 4 e 494º do CC, devia ter sido levada em consideração pelo Tribunal a quo para efeitos de fixação do montante da indemnização a título de danos não patrimoniais, o que manifestamente não sucedeu! FFF. Pelo exposto, considera a Recorrente que o pagamento de uma indemnização no montante de €20.000,00 (vinte mil euros) se revela manifestamente desproporcional e desequilibrado, não só face à gravidade dos danos (apreciada à luz de um padrão objetivo e tendo em consideração as circunstâncias do caso concreto) e à culpabilidade do agente, como face ao entendimento que tem vindo a ser seguido pela nossa doutrina e jurisprudência (vide, entre outros, o Ac. Do Tribunal da Relação de Coimbra (Albertina Pedroso), de 15.01.2013, Proc. n.º 611/10.6T2AVR.C1). GGG. Note-se ainda que, a condenação no pagamento de uma indemnização no montante de 20.000,00€, a título de danos não patrimoniais, tem vindo a ser fixada pela nossa jurisprudência nos casos em que o facto ilícito provoque a morte do lesado, além de graves danos não patrimoniais até à sua ocorrência – o que não foi o caso! (vide, neste sentido, entre outros, o Ac. do STJ (António Joaquim Piçarra), de 03.11.2016, Proc. n.º 6/15.5T8VFR.P1.S1). Nestes termos e nos demais de Direito, com o muito douto suprimento de V.Exas., requer-se que seja concedido provimento ao presente recurso, pelos motivos supra expostos, devendo, em conformidade: i) ser reapreciada a prova gravada e alterada a matéria de facto dada como provada e não provada, designadamente (i) ser julgada como não provada a matéria de facto em 2, 3, 18, 21 a 28, 32 a 37 e 43 e como provada a matéria de facto em D) e E) e (ii) ser alterada a matéria de facto em 9 e 31, nos termos supra descritos; ii) ser revogada a decisão que condenou a Recorrente no pagamento de uma indemnização à Recorrida, a título de responsabilidade civil extracontratual, no montante global de €24.077,75. Caso assim não se entenda, deverá ser subsidiariamente reduzido o montante da indemnização fixado, em conformidade com a gravidade dos danos efetivamente sofridos pela Recorrente e com a diminuta culpabilidade da Recorrente.” * A Autora não respondeu ao recurso. * O recurso foi admitido. Cumpridos os vistos legais, cabe apreciar e decidir. II. Objeto do recurso O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. arts. 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, todos do Código de Processo Civil), sendo que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º, nº3 do mesmo Código). No caso, cumpre decidir as seguintes questões: a) Impugnação da decisão de facto; b) Se assiste à autora o direito a ser indemnizada pelos danos sofridos em consequência da queda ocorrida no espaço comercial pertencente à 1ª Ré; c) Em caso afirmativo, aferir sobre a justiça do quantum indemnizatório fixado em 1ª instância. Fundamentação de Facto Em 1ª instância foi fixado o seguinte quadro factual: Factos Provados 1. No dia 14 de janeiro de 2019 a Autora entrou no Centro Comercial S…, localizado na Rua…., em Lisboa, de propriedade da 1.ª Ré, com o intuito de ir à farmácia. 2. Após a Autora ter passado pelas primeiras portas automáticas da entrada do Centro, junto à farmácia, e quando passava pelas segundas, que distam poucos metros umas das outras, estas fecharam-se sem lhe dar tempo para as transpor, pelo que foi entalada pelas portas automáticas. 3. O fecho repentino das portas automáticas atirou-a para a frente provocando-lhe uma queda. 4. A Autora sentiu dores na cabeça, na coluna e na coxa esquerda e, momentaneamente, ficou atordoada, sentindo-se desmaiar. 5. O INEM foi chamado e a Autora ficou imobilizada no chão até à chegada de uma ambulância, sendo que durante esse período de espera, sentia dores na cabeça, na coluna e na anca esquerda. 6. Durante a viagem para o hospital, sofreu convulsões e teve períodos de perda de memória e sentiu desorientação. 7. Na urgência do hospital de Santa Maria, a Autora fez vários exames e foi suturada, tendo tido alta a seguir. 8. Em resultado do agravamento do seu estado, teve que recorrer novamente ao hospital de Santa Maria onde ficou internada. 9. Em consequência da queda da própria altura, após contusão na porta automática, a Autora sofreu feridas na hemiface e no pavilhão auricular esquerdo e fratura da vertebra D12. 10. A data da consolidação médico-legal das lesões foi fixada em 13.04.2019. 11. A Autora sofreu um défice funcional temporário total fixável num período de 19 dias, entre 14 de janeiro de 2019 e 01 de fevereiro de 2019, correspondente ao período de permanência hospitalar e recuperação de autonomia no domicílio. 12. A Autora sofreu um défice funcional temporário parcial entre 02 de fevereiro a 13 de abril de 2019 fixável em 71 dias correspondente ao período que se iniciou logo que a evolução das lesões passou a consentir algum grau de autonomia na realização desses atos, ainda que com limitações. 13. Foi-lhe fixado um quantum doloris, sofrimento físico e psíquico vivenciado pela Autora entre a data do evento e a consolidação das lesões, no grau 3/7, atendendo ao tipo de traumatismo, as lesões resultantes na face e na coluna dorsal, o tipo de tratamentos efetuados, incluindo uso de colete de Jewett e o período de recuperação funcional. 14. Foi-lhe fixado um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, referente à afetação definitiva da integridade física e psíquica da Autora, com repercussão nas atividades da via diária, incluindo as familiares e sociais, independentes das atividades profissionais, em 3 pontos num total de 100. 15. A Autora padecia de alterações degenerativas, multi-segmentares, pré-existentes ao evento em apreço, no segmento dorso-lombar. 16. Dada a existência de patologia degenerativa da coluna dorlombar, multisegmentar, pré-existente ao acidente em apreço, não lhe foi fixada a existência de dano futuro. 17. Foi-lhe fixado um dano estético permanente no grau 1/7, tendo em conta as cicatrizes faciais. 18. Em consequência do evento, a Autora passou a depender de forma permanente de ajudas medicamentosas, a saber medicação analgésica, e de ajudas técnicas, a saber colete de estabilização dorso-lombar, para alívio de dor na coluna dorso-lombar. 19. Antes do evento, a Autora era viúva, tinha 83 anos e vivia sozinha, sendo autónoma: executava as suas tarefas domésticas, tratava da sua higiene pessoal, fazia as suas compras, passeava, conduzia regularmente e viajava com frequência para a sua “terra” em Tomar. 20. À data do evento a Autora aguardava ser operada à anca, operação essa que estava marcada para o dia 6 de fevereiro de 2019. 21. Dada a ocorrência do acidente e as lesões que o mesmo provocou à Autora ao nível da coluna “fratura da D12”, os médicos responsáveis pela cirurgia à anca, entenderam que tal cirurgia não era compatível com o estado débil da Autora, procedendo ao reagendamento da mesma para o dia 10 de abril de 2019 no Hospital Ordem Terceira, em Lisboa, através de um “vale cirurgia”, emitido pelo Serviço Nacional de Saúde. 22. A cirurgia à anca correu bem, mas o processo de recuperação da Autora foi muito lento relativamente ao que seria expectável, em resultado da “fratura da D12”. 23. A “fratura da D12” dificultou o “levante” imprescindível à retoma de funções motoras para esta cirurgia. 24. Findo o “plafond” do “vale cirurgia” emitido pelo Serviço Nacional de Saúde e porque a Autora não recuperou no tempo previsto para este tipo de intervenção, não lhe foi dada alta clínica, tendo sido necessário prolongar o seu internamento para recuperação. 25. O prolongamento do internamento da Autora não estava incluído no “vale cirurgia” pelo que tais despesas foram suportadas pela própria. 26. Tal prolongamento do internamento derivou numa despesa global de €1.750,19 (mil setecentos e cinquenta euros e dezanove cêntimos), a qual inclui o valor da diária, assistência médica e medicamentosa e da fisioterapia. 27. A recuperação da cirurgia à anca ficou condicionada, tornando-se mais demorada e dolorosa, porque pressupunha a utilização de canadianas pela Autora, o que potenciava a dor na coluna em resultado da “fratura da D12”. 28. Mesmo depois de ter tido alta, a Autora continuou a necessitar de sessões de fisioterapia, as quais foram realizadas em casa desta e com as quais despendeu a quantia de € 557,50 (quinhentos e cinquenta e sete euros e cinquenta cêntimos). 29. A Autora teve de utilizar, com vista à recuperação da “fratura da D12”, um colete de Jewet ininterruptamente até 26 de março de 2019, necessitando de ajuda de terceira pessoa para o vestir. 30. A Autora careceu de acompanhamento diário face à perda de autonomia, tendo ficado, de forma alternada, em casa dos seus filhos. 31. A Autora devido ao evento sentiu-se triste, angustiada, com stress e depressiva. 32. Dada a vida profissional e pessoal dos filhos da Autora, foi necessário providenciar pela contratação do devido apoio domiciliário entre fevereiro e maio de 2019, no montante global de € 660,00 (seiscentos e sessenta euros). 33. Em consequência do evento, a Autora despendeu o valor de € 193,00 (cento e noventa e três euros) com consultas médicas. 34. Em consequência do evento, a Autora despendeu o valor de € 521,88 (quinhentos e vinte e um euros e oitenta e oito cêntimos) com medicamentos. 35. Em consequência do evento, foram necessárias ajudas técnicas, por forma a auxiliar a Autora, como sejam, uma cinta, um alteador de sanita, uma barreira de cama, uma cadeira de duche e meias, num total de € 286,68 (duzentos e oitenta e seis euros e sessenta e oito cêntimos). 36. Foram realizados vários exames de diagnóstico, pelos quais a Autora despendeu a quantia de € 34,60 (trinta e quatro euros e sessenta cêntimos). 37. Todas as deslocações a consultas médicas e/ou exames de diagnóstico, tiveram de ser efetuadas de táxi, dada a impossibilidade da Autora em deslocar-se pelos seus próprios meios, havendo despendido para este efeito a quantia de € 73,90 (setenta e três euros e noventa cêntimos). 38. A Autora, através de Advogada, remeteu uma carta à 2ª Ré, em 7 de fevereiro de 2019, no sentido de solicitar a assunção da responsabilidade pelo acidente, dar a devida nota do estado do processo, bem como, prestar informação sobre a tramitação subsequente. 39. Em resposta, datada de 11 de março de 2019, a 2.ª Ré informou a Autora, que declinava toda a responsabilidade em virtude da ocorrência participada não ter enquadramento na apólice da mesma por se encontrarem excluídos os danos resultantes da “inobservância de disposições legais ou regulamentares”, acrescentando que “não se encontram implementados os requisitos impostos no Decreto – Lei 163/2006, de 8 de agosto, no que regula as condições de acessibilidade das portas automáticas. Com efeito, as portas automáticas devem possuir sensores e estarem programadas para permanecer totalmente abertas aquando da passagem ou deteção de um corpo”. 40. Dada a posição assumida pela 2.ª Ré, em 19 de março de 2019, a Autora remeteu à 1.ª Ré uma carta a solicitar a assunção de responsabilidade. 41. Em 3 de Abril a 1.ª Ré respondeu à Autora referindo que “[…] estamos a desenvolver os nossos melhores esforços com vista ao apuramento detalhado de todos os dados respeitantes à porta automática em causa, de forma a formularmos conclusões sobre o sucedido […]”, nada mais tendo esclarecido. 42. As portas automáticas de acesso ao Centro Comercial S… têm, desde a data da sua instalação pela sociedade A…, S.A., no decorrer de 2011, sensores de movimento e um dispositivo que permitem controlar a velocidade do fecho, havendo sido programadas para permanecer totalmente abertas aquando da passagem ou deteção de um corpo. 43. Alguns dos equipamentos, designadamente as portas do piso 0 e piso 1, já não estão conforme os originalmente fornecidos e instalados pela A.., S.A.. 44. A sociedade A…, S.A., não tem intervenção na manutenção dos equipamentos desde 2011, sendo que, até à data do evento, nunca recebeu qualquer reclamação ou foi chamada para corrigir, substituir ou resolver alguma situação de funcionamento anómalo das portas. 45. A 1.ª Ré celebrou com a entidade T.., S.A., um contrato manutenção das portas automáticas da S… Shopping no dia 01.06.2012, num total de 25 equipamentos, que se mantém em vigor, ininterruptamente, desde aquela data. 46. Do teor do contrato celebrado entre a 1.ª Ré e a T…, S.A. pode ler-se: “1. Objeto do contrato: O contrato de manutenção compreende a prestação do serviço de manutenção aos equipamentos indicados nas condições específicas, com o objetivo de os manter em boas condições de segurança e funcionamento, sem incluir a reparação ou substituição dos componentes. 2.1 Âmbito do contrato (Manutenção): A T.., S.A. compromete-se a enviar, dentro do horário e com a periodicidade mencionada no item 2 das condições específicas, um técnico especializado ao local de instalação, onde lhe deverá ser facultado o livre acesso, para realizar os trabalhos de manutenção e inspeção, necessários à segurança e continuidade o regular funcionamento das portas automáticas. 2.3. Atendimento de avarias: A T…., S.A. atenderá quaisquer pedidos de intervenção do proprietário ou do seu representante, motivados por paralisação ou funcionamento deficiente da porta automática, conforme definido nas Condições Específicas. 2.4. Responsabilidade civil: A T…., S.A. assume, nos termos da legislação em vigor, a Responsabilidade Civil por qualquer acidente que ocorra causado pela deficiente manutenção das portas automáticas ou pelo incumprimento das normas aplicáveis, que lhe seja imputável.”. 47. Do teor das condições específicas do contrato resulta que as portas automáticas do S… Shopping (excluindo algumas dos parques de estacionamento) têm uma periodicidade de manutenção trimestral, obrigando-se a T…, S.A. a elaborar relatório das avarias/intervenções. 48. No ano de 2018, a T…, S.A. procedeu à inspeção periódica das portas automáticas do S…. Shopping, nos meses de janeiro, abril, julho e novembro, tendo verificado os dispositivos de segurança: sensores e borrachas de segurança ativa (células fotovoltaicas, infravermelhos, fins de curso). 49. As Rés celebraram, ao abrigo da apólice nº RC63327037, vigente no período de 01.01.2019 e 01.01.2020 um contrato de seguro facultativo do ramo de responsabilidade civil decorrente da atividade de exploração de shoppings, contrato mediante o qual a 1.º Ré transferiu para a 2.ª Ré a sua responsabilidade civil extracontratual, garantindo esta o pagamento das indemnizações que sejam legalmente exigíveis ao Segurado por danos patrimoniais e/ou não patrimoniais, decorrentes de lesões corporais e/ou materiais, causados a terceiros em consequência de atos ou omissões do Segurado, bem como dos seus empregados, ou mandatários, no exercício da respetiva atividade, com o limite de indemnização de 10.000.000,00 € por sinistro e anuidade. 50. Nos termos da Condição Especial 001 – Responsabilidade Civil Exploração, contratada pela 1.ª Ré, pode ler-se no artigo 2º, al. b) que a 2.ª Ré garante o pagamento das indemnizações emergentes de responsabilidade civil extracontratual que, ao abrigo da lei civil, sejam exigíveis à 1.ª Ré, por danos patrimoniais ou não patrimoniais causados a terceiros, enquanto na qualidade e no exercício da sua atividade de exploração de shoppings, cuja causa seja devida a: (…) ascensores, monta-cargas, plataformas, escadas rolantes e pórticos existentes nas instalações da 1ª Ré. 51. No artigo 3º, nº 1, al. a), pode-se ler-se que esta condição especial não abrange os danos decorrentes de erros ou omissões profissionais e na alínea b) os resultantes da inobservância de disposições legais, regulamentares ou não cumprimento de normas técnicas. * Factos não provados A) Em resultado das lesões que sofreu no acidente, a Autora não tem autonomia para se deslocar sozinha onde quer que seja, nem consegue conduzir o que fazia até ao dia do acidente, tendo bastante medo de poder cair por não conseguir andar sem ajuda. B) Em consequência do evento, a Autora, apesar de ter regressado para a sua casa a partir de junho de 2019, teve que contratar uma terceira pessoa para a auxiliar e acompanhar nas suas necessidades mais básicas e quotidianas, com o custo mensal de € 900,00 (novecentos euros) durante 10 meses, num total de € 9.000,00 (nove mil euros). C) O sensor exterior da porta onde ocorreu o sinistro está fixado numa estrutura metálica em forma de “U”, sendo que a aba inferior do perfil “U” encobre parcialmente os raios infravermelhos determinando que estes não captem o posicionamento da pessoa ou bens que estejam posicionados sob o vão da porta ou muito perto. D) Na data do acidente, as portas automáticas encontravam-se em pleno funcionamento sem qualquer anomalia. E) Nunca ocorreu nenhum acidente no S….Shopping envolvendo portas automáticas. * a) Da impugnação da decisão de facto Segundo o art. 662º, nº 1, do CPC, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. O recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto “… deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.” (cf. art. 639º, nº 1, CPC), explicando António Abrantes Geraldes[1] que esta norma tem cariz genérico, “de tal modo que tanto se reporta aos recursos em que sejam unicamente suscitadas questões de direito, como àqueles que também envolvam a impugnação da decisão da matéria de facto. Em qualquer caso, cumpre ao recorrente enunciar os fundamentos da sua pretensão no sentido da alteração, anulação ou revogação da decisão, rematando com as conclusões que representarão a síntese das questões que integram o objeto do recurso”. No que em particular diz respeito à impugnação da decisão de facto, dispõe o referido art. 640º: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a)Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; (…)”. Relativamente ao recurso que envolva impugnação da decisão da matéria de facto, salienta, ainda, aquele mesmo autor, o seguinte: “a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova, constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos. c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em prova gravada, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d) (…) e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente. (…)”[2] – sublinhados nossos. A propósito do art. 640º, salienta-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de fevereiro de 2022, que “(…) é possível distinguir dois tipos de ónus, como tem vindo a entender a jurisprudência deste Supremo e está bem explícito no acórdão de 29/10/15, processo n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1[6], a saber: - “um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação - que tem subsistido sem alterações relevantes” e consta do transcrito n.º 1 do art.º 640.º; e – “um ónus secundário – tendente, não tanto a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida – que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas – indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização das passagens da gravação relevantes”, previsto no n.º 2 do mesmo preceito. O ónus primário refere-se à exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, conforme previsto nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do citado artigo 640.º, visa fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto e tem por função delimitar o objeto do recurso. O ónus secundário consiste na exigência da indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo, e visa possibilitar um acesso aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida. Os requisitos formais, impostos para a admissibilidade da impugnação da decisão de facto, têm em vista, no essencial, garantir uma adequada inteligibilidade do objecto e alcance teleológico da pretensão recursória, de forma a proporcionar o contraditório esclarecido da contraparte e a circunscrever o perímetro do exercício do poder de cognição pelo tribunal de recurso. (…) O não cumprimento dos aludidos ónus acarreta a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, de acordo com o estatuído no citado art.º 640.º, nºs 1 e 2, não havendo, nestes casos, lugar a qualquer convite ao aperfeiçoamento.”[3] O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, nº 12/2023, proferido a 17 de outubro de 2023, no processo 8344/17.6T8STB.E1-A.S1, e publicado no Diário da República a 14 de novembro de 2023, decidiu que: “Nos termos da alínea c), do nº 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.” Na sequência do exposto, o que releva em sede de impugnação da decisão de facto, são os pontos concretamente assinalados pelo recorrente, relativamente aos quais há de indicar os meios de prova que impõem decisão diversa – fundamentando em que medida esses meios de prova conduzem a decisão distinta da que foi proferida pelo juiz em 1ª instância -, rematando, com a indicação da decisão que a seu ver deve ser proferida relativamente a cada um dos pontos efetivamente impugnados. A este respeito, e tendo presente a impugnação de facto apresentada pela recorrente, temos como pertinente chamar à colação a decisão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/01/2023 (processo nº 1121/13.5TVLSB.L2.S1, acessível em www.dgsi.pt), de cujo sumário consta o seguinte: “(…) II - A impugnação da matéria de facto deve, em regra, especificar os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, relativamente a cada um dos pontos da matéria impugnada. III -. Tendo em conta os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade ínsitos no conceito de processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da CRP), nada obsta a que a impugnação da matéria de facto seja efetuada por “blocos de factos”, quando os pontos integrantes de cada um desses blocos apresentem entre si evidente conexão e, para além disso - tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, nomeadamente, o número de factos impugnados e a extensão e conexão dos meios de prova -, o conteúdo da impugnação seja perfeitamente compreensível pela parte contrária e pelo tribunal, não exigindo a sua análise um esforço anómalo, superior ao normalmente suposto.” Cabe também salientar, em consonância com a decisão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de setembro de 2017 (processo 959/09.2TVLSB.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt), que “… o nosso regime de sindicância da decisão de facto pela 2.ª instância tem em vista não um segundo julgamento latitudinário da causa, mas sim a reapreciação dos juízos de facto parcelares impugnados, na perspetiva de erros de julgamento específicos, o que requer, por banda do impugnante, uma argumentação probatória que, no limite, os configure”. E ainda segundo decisão do mesmo Tribunal (Acórdão proferido em 8 de janeiro de 2019, no processo nº 3696/16.8T8VIS.C1.S1, acessível no sítio da internet www.dgsi.pt), “(…) embora não se tratando de um segundo julgamento, mas antes de uma reponderação, até porque as circunstâncias não são as mesmas, nas respetivas instâncias, não basta que não se concorde com a decisão dada, antes se exige da parte que pretende usar desta faculdade a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova (…)”. Deste modo, não obstante estar garantido um duplo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, não compete à Relação proceder a um segundo julgamento, competindo-lhe apenas reapreciar os pontos de facto que deverão ser enunciados pela(s) parte(s), mantendo-se em vigor na instância de recurso o princípio da livre apreciação da prova previsto no art. 607º, nº 5, do Código de Processo Civil segundo o qual, “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.” O julgador é livre na apreciação das provas, mas liberdade não é sinónimo de arbitrariedade. A liberdade está “..vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no probatório” (vide sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 1/10/2008, processo nº 3/07.4GAVGS.C2, acessível no sítio da internet www.dgsi.pt.). A fundamentação, e nomeadamente a decisão de facto constitui uma parte crucial da decisão, pois é através dela “(…) que o Tribunal colhe legitimidade e autoridade para dirimir o conflito entre as partes e lhes impor a sua decisão, sendo a fundamentação imprescindível ao processo equitativo e contraditório”[4]. Exige-se, por isso do julgador, e desde logo em 1ª instância, onde estão plenamente presentes os princípios da imediação, da oralidade, e da concentração – princípios limitados na instância de recurso -, que exponha as razões da sua convicção. Fundamentar uma decisão relativamente a cada facto concreto (ou com referência a um conjunto de factos, desde que entre eles exista qualquer conexão), significa expor as razões que conduziram à decisão de julgar como provado ou não provado, respetivamente, um facto ou conjunto de factos, de tal modo que em função da consistência da argumentação apresentada pelo julgador seja possível, em termos objetivos, aceitar a decisão como razoável. O julgador tem de fazer a análise crítica da prova, o que significa que tem não só de indicar os meios de prova produzidos e em que funda a decisão, mas, sobretudo, e necessariamente, explicar as razões que o levaram a conferir mais credibilidade a umas provas do que a outras, de modo a que seja possível entender a razão pela qual julgou como provados determinados factos e como não provados outros. No que diz respeito à prova testemunhal, com referência aos factos sobre que depôs cada testemunha, o julgador deve dar a conhecer os motivos por que julgou credível o seu testemunho, conjugando-o e analisando-o conjunta e criticamente com os depoimentos de outras testemunhas que tinham conhecimento sobre o mesmo facto ou conjunto de factos, ou com outras provas que tenham sido apresentadas, designadamente, com prova documental, que sempre que seja usada para firmar a convicção do tribunal, deve também ser não só concretamente indicada, como explicada, de modo a perceber-se como é que determinado documento, por si, ou conjugado com a prova testemunhal (ou outra prova) permite confirmar, ou não, determinado facto ou factos. “A estatuição do citado nº 4 do art- 607º (1º- segmento) é, contudo, meramente indicadora ou programática, não obrigando o tribunal a descrever de modo exaustivo o iter lógico-racional da apreciação da prova submetida ao respectivo escrutínio; basta que enuncie, de modo claro e inteligível, os meios e elementos de prova de que se socorreu para a análise crítica dos factos e a razão da sua eficácia em termos de resultado probatório. Trata-se de externar, de modo compreensível, o itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pelo tribunal na apreciação da realidade ou irrealidade dos factos submetidos ao seu escrutínio. Deve, assim, o tribunal enunciar os meios probatórios que hajam sido determinantes para a emissão do juízo decisório, bem como pronunciar-se: - relativamente aos factos provados, sobre a relevância deste ou daquele depoimento (de parte ou testemunhal), designadamente quanto ao seu grau de isenção, credibilidade, coerência e objectividade; - quanto aos factos não provados, indicar as razões pelas quais tais meios não permitiram formar uma convicção minimamente segura quanto à sua ocorrência ou convencer quanto a uma diferente perspectiva da sua realidade ou verosimilhança (…). Não impõe, contudo, a lei que a fundamentação das conclusões fácticas decisórias seja indicada separadamente por cada um dos factos, isolada e autonomamente considerado (podendo sê-lo por conjuntos ou blocos de factos sobre os quais a testemunha se haja pronunciado).”[5] “(…) tendo presente o alcance da exigência legal ínsita no n.º4 do artigo 607.º do CPC, não pode deixar de se entender que a “fundamentação suficiente” se consubstancia na indicação do fio condutor entre a decisão sobre os factos provados e não provados e os meios de prova usados na aquisição da convicção[4] por forma a que se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado(..)”.[6] Como diz Miguel Teixeira de Sousa[7], o julgador, ao expor a fundamentação, tem de passar de convencido a convincente, e embora aceitando este tribunal que a fundamentação possa ser realizada por referência a um conjunto de factos, desde que conexos entre si, temos por pertinente, citá-lo, quando afirma que “(…) A apreciação de cada meio de prova pressupõe conhecer o seu conteúdo (por exemplo, o depoimento da testemunha) determinar a sua relevância (que não é nenhuma quando, por exemplo a testemunha afirmou desconhecer o facto) e proceder à sua valoração (por exemplo, através da credibilidade da testemunha ou do relatório pericial). Se o facto for considerado provado, o tribunal deve começar por referir os meios de prova que formaram a sua convicção. Se o facto for julgado não provado, a ordem preferível é a seguinte: primeiramente devem ser indicados os meios de prova que conduzem à demonstração do facto; depois devem ser expostos os meios que formaram a convicção do tribunal sobre a não veracidade do facto ou que impedem uma convicção sobre a sua veracidade; finalmente, devem ser referidos os meios inconclusivos”. A impugnação da decisão de facto tem, deste modo, como ponto de partida a fundamentação de facto da 1.ª instância, pois será sobre tal decisão que o Tribunal da Relação terá de aferir se ocorreu qualquer erro na formação da convicção do julgador ou se, pelo contrário, em face da exposição de motivos, se pode concluir pela razoabilidade da sua convicção, quando analisada e avaliada à luz das regras da lógica, da ciência e da experiência de vida. Deste modo, a alteração da matéria de facto só deve ser efetuada pelo tribunal de recurso quando seja possível concluir, com a necessária segurança, que a prova produzida impõe uma decisão diferente da que foi proferida em 1ª instância, ou seja, quando seja possível formar uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto, salientando Ana Luísa Geraldes que «Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte.»[8] Na instância recursiva e ainda em obediência ao sobredito princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal pode socorrer-se de todos os meios probatórios constantes dos autos, e, se necessário, recorrer a presunções judiciais, e caso venha a proceder à alteração de qualquer facto terá de aferir sobre a necessidade de alterar outro ou outros factos concretos, que não obstante não tenham sido objeto de impugnação, exijam também alteração em consequência e por força das alterações introduzidas na matéria de facto que tinha sido objeto de impugnação. Em primeiro lugar, a recorrente impugna os factos julgados como provados sob os nºs 2, 3, e 9, requerendo que os dois primeiros sejam julgados como não provados e que o 9º passe a ter a seguinte redação: “Em consequência da queda da própria altura, a Autora sofreu feridas na hemiface e no pavilhão auricular esquerdo e fratura da vertebra D12.” Fundamenta a sua pretensão na circunstância de as declarações da Autora, conjugadas com os testemunhos de A..S.. e P..M.. (meios probatórios que em 1ª instância sustentaram a decisão) revelarem contradições que impedem que lhes seja reconhecida a credibilidade que ali lhes foi conferida. A recorrente deu cabal cumprimento ao ónus da al. a), do nº 2, do art. 640º, do CPC, quanto à identificação dos trechos dos depoimentos que a seu ver impõem a decisão por que pugna ( declarações de P..M..: minuto 00:05:30 a 00:05:42 da gravação n.º 20230526103959_19981210_2871111; minuto 00:07:40 a 00:09:48 da gravação n.º 20230526103959_19981210_2871111; minuto 00:10:15 a 00:10:48 da gravação n.º 20230526103959_19981210_2871111; declarações da Autora: minuto 00:40:30 a 00:40:42 da gravação n.º 20230526095613_19981210_2871111; minutos 00:02:18 a 00:02:45; 00:05:08 a 00:05:35; 00:05:52 a 00:06:03; 00:42:56 a 00:43:18 da gravação n.º 20230526095613_19981210_2871111; minuto 00:06:04 a 00:06:15 da gravação n.º 20230526095613_19981210_2871111; vide minuto 00:04:14 a 00:05:02 da gravação n.º 20230526095613_19981210_2871111; testemunho de A..S..: minuto 00:03:09 a 00:03:25 da gravação n.º 20230526105900_19981210_2871111; minutos 00:04:42 a 00:04:52; 00:10:56 a 00:11:18; 00:13:00 a 00:14:14 da gravação n.º 20230526105900_19981210_2871111; minuto 00:18:42 a 00:19:04 da gravação n.º 20230526105900_19981210_2871111; minutos 00:03:58 a 00:04:13; 00:05:24 a 00:05:38; 00:16:52 a 00:17:09 da gravação n.º 20230526105900_19981210_2871111; minutos 00:15:06 a 00:15:18; 00:16:40 a 00:16:52; 00:17:09 a 00:17:27 da gravação n.º 20230526105900_19981210_2871111; minutos 00:11:37 a 00:11:45; 00:12:15 a 00:12:25; 00:17:58 a 00:18:35 da gravação n.º 20230526105900_19981210_2871111, minuto 00:04:13 a 00:04:42 da gravação n.º 20230526105900_19981210_2871111). Diz, ainda, que o testemunho de R..P.. (adjunto de diretor de operações no S… Shopping, que visualizou as imagens do alegado acidente - : minuto 00:21:30 a 00:22:23 da gravação n.º 20230526144616_19981210_2871111): A.. M.., (vigilante-chefe no dia da ocorrência: minuto 00:04:07 a 00:04:47 da gravação n.º 20230526153107_19981210_2871111I) e de A..A.. (perito da seguradora: minuto 00:09:52 a 00:10:14 da gravação n.º 20230526154034_19981210_2871111), sustentam, ao contrário do decidido, que o acidente ocorreu nas portas exteriores de acesso ao Centro Comercial. Os factos impugnados são os seguintes: 2. Após a Autora ter passado pelas primeiras portas automáticas da entrada do Centro, junto à farmácia, e quando passava pelas segundas, que distam poucos metros umas das outras, estas fecharam-se sem lhe dar tempo para as transpor, pelo que foi entalada pelas portas automáticas. 3. O fecho repentino das portas automáticas atirou-a para a frente provocando-lhe uma queda. 9. Em consequência da queda da própria altura, após contusão na porta automática, a Autora sofreu feridas na hemiface e no pavilhão auricular esquerdo e fratura da vertebra D12. Admite-se a impugnação em bloco apresentada pela recorrente face à conexão existente entre as situações factuais em causa. Em 1ª instância, e no que tange aos factos provados sob 2, e 3, foi exposta a seguinte motivação: “No que concerne aos factos n.ºs 1 a 3, relativos à dinâmica do acidente, resultaram provados face ao teor das declarações de parte da Autora, corroboradas pelo depoimento da testemunha A..S.. (vizinho), cujos relatos se assumiram como precisos e espontâneos, merecendo plena credibilidade por parte do Tribunal, o qual presenciou o incidente, havendo relatado o mesmo nos exatos moldes descritos pela Autora. Cumpre salientar que a testemunha P..M.. (também vizinho), com um depoimento bastante credível, asseverou ter chegado ao local imediatamente após o incidente, havendo presenciado os momentos em que a Autora se encontrava deitada no chão ensanguentada e tendo-a acompanhado até à chegada da ambulância. Neste conspecto, sublinhe-se a existência de contradições quanto às efetivas portas automáticas que estiveram na origem do acidente aqui em causa, esclarecendo-se que se conferiu maior fiabilidade aos relatos dos intervenientes mencionados nesta sede, porquanto, a Autora foi a pessoa diretamente afetada e, quanto aos vizinhos desta, um deles presenciou o acidente, enquanto o outro chegou numa fase imediatamente subsequente àquele, atribuindo-se, por esta razão, maior rigor a estes quanto às portas automáticas que originaram a situação em crise. De qualquer modo, refira-se que, mesmo as testemunhas R..P.., funcionário da 1ª Ré, que teve acesso às imagens de videovigilância, e A..M.., vigilante, não colocaram em crise que a Autora foi, efetivamente, embatida pelas portas automáticas, apesar de terem identificado o local do acidente como sendo nas primeiras portas de entrada no centro e não nas segundas.” Quanto ao facto nº 9, a motivação foi englobada no seguinte segmento da decisão: “A factualidade dada como provada em 4 a 19 fundou-se no teor do relatório pericial a fls. 404 a 411 que o atestou, conjugado com os elementos clínicos carreados para os autos e que foram objeto de análise pelo senhor perito, tudo conjugado com as declarações de parte da Autora que, apesar da sua provecta idade, se revelou muito lúcida, coerente e com boa capacidade de expressão oral, e com o depoimento das testemunhas P..M.., P..C.., ambos vizinhos, J..J.. e A..M.., amigos e familiares da Autora, e M..S.., filha da Autora que a acolheu e prestou um depoimento emocionado, pelas limitações sofridas pela mãe em sequência da queda, pois, tratando-se de uma pessoa autónoma, que vivia sozinha e conduzia, ficou totalmente dependente de terceiros (ainda que por um período de tempo limitado).” Consigna-se que se procedeu à audição integral das gravações das declarações prestadas pela autora e dos depoimentos de cada uma das sobreditas testemunhas, na medida em que os trechos assinalados pela recorrente relativamente a cada um dos ditos depoimentos não permitia formular um juízo seguro acerca do invocado erro de julgamento. E a análise crítica e conjugada dos referidos meios de prova não revela os apontados erros de julgamento, como passamos a justificar. As declarações da Autora revelaram clareza, precisão e consistência. Do seu depoimento não resulta qualquer dúvida sobre o local onde sofreu a queda. A transcrição de uma pergunta e de uma resposta da Autora no corpo das alegações recursivas não traduz a sequência imediata entre a primeira e a segunda. Quando foi questionada já na parte final do seu depoimento sobre as portas onde caiu, a autora não respondeu concretamente a essa questão (já o tinha feito anteriormente de forma assertiva, ao dizer que passou pelas primeiras portas (exteriores) sem problema e que foi nas segundas – já no interior do edifício - que caiu), tendo discorrido, antes, de forma inequívoca e mais uma vez, sobre o modo como correu o acidente: afirmou que foi tudo tão rápido que não sabia como explicar o sucedido. Apelando às regras da experiência da vida, mas também, e sobretudo, à experiencia decorrente da prática judiciária, estamos perante um comentário habitual de vítimas de acidente que apesar de o lograrem descrever de forma lógica e coerente, não têm como como reter todos os pormenores circunstanciais do sinistro, reiterando-se que a Autora não deu resposta à pergunta que lhe foi concretamente dirigida e que já lhe havia sido formulada anteriormente. Os testemunhos de A..S.. e P..M.., revelaram-se, por seu turno, totalmente objetivos e isentos, dado o seu desinteresse no litígio e a inexistência de qualquer ligação a qualquer dos intervenientes processuais. Um e outro foram assertivos quanto ao local onde ocorreu a queda: A..S.. presenciou-a; P..M.. chegou ao local já quando a autora estava caída no chão e permaneceu junto dela até chegar o INEM. O facto de A..S.. não ter logrado indicar com precisão a distância existente entre as duas portas é totalmente irrelevante para a discussão dos factos, pois o relato que fez das circunstâncias em que ocorreu a queda – consentâneo com o da Autora – não deixa qualquer dúvida quanto ao presenciamento da mesma, não tendo sido produzida prova suscetível de indiciar que quem está a chegar à primeira porta ou já junto da mesma não tem visão para a segunda porta que imediatamente se lhe segue (os registos fotográficos anexos ao relatório elaborado pela ré seguradora e que a mesma juntou com a contestação revelam, inclusivamente, a existência de total visibilidade de um ponto para o outro). Por último, o facto de A..S.. ter declarado não se recordar se a Autora caminhava, à data, com auxílio de bengala não põe em causa o seu testemunho, mesmo sendo seu vizinho e ter afirmado vê-la com frequência (a Autora afirmou que só usava então bengala por estar à espera de cirurgia para a anca, não tendo sido produzida prova sobre o momento em que passou a usá-la), pois o relato que fez do acidente não deixa dúvidas sobre a forma como o mesmo ocorreu. A testemunha R..P.. prestou declarações tendo por base a alegada visualização do registo de imagens, que mais ninguém viu, pelo que o seu testemunho não é corroborado por qualquer outro elemento de prova. A testemunha A.. M.. disse que a Autora estava na porta do lado de fora, na rua, na sequência de pergunta que lhe foi dirigida precisamente nesse sentido. Um e outro têm vínculo laboral com a ora recorrente – não são testemunhas desinteressadas -, pelo que no confronto com as declarações da Autora e das testemunhas supra identificadas, que estiveram efetivamente junto dela, os respetivos depoimentos não nos merecem credibilidade, tanto mais que existe um elemento objetivo que foi salientado também por P..M.. e A..S.. que permite corroborar os seus depoimentos, qual seja, a circunstância de as portas onde afirmaram ter ocorrido o acidente, estarem agora sempre abertas (as testemunhas, tal como a Autora, frequentam diariamente o Centro Comercial pelas razões que indicaram. A própria autora relatou espontaneamente aquele mesmo facto). P..M.. disse, ainda, de forma espontânea que as ditas portas à data do evento evidenciavam não estarem a funcionar de forma correta devido ao sensor. Por último, a testemunha A..A.. declarou não se lembrar se fez inspeção à porta onde se deu o acidente - afirmou ter inspecionado a porta que dá acesso imediatamente ao exterior por lhe ter sido indicada por terceiros como a causadora do acidente. Deste modo, a fragilidade do seu testemunho e a falta de conhecimento direto dos factos é manifestamente insuficiente para infirmar aquilo que foi dito por quem vivenciou, presenciou e/ou esteve no local imediatamente a seguir ao acidente, junto da vítima. A autora explicou que o embate das portas foi mais violento do lado esquerdo, tendo explicado as lesões que lhe sobrevieram e que os elementos clínicos junto aos autos permitem corroborar. P..M.. e A.. S.. sinalizaram a zona corporal da Autora que logo ficou ensanguentada, corroborando as declarações daquela. Inexiste, por conseguinte, o apontado erro de julgamento. * Conclui também a recorrente, que os factos dados como provados em 18, 21 a 28 e 32 a 37 deverão ser considerados como não provados, pelas razões expostas a propósito do montante dos danos (patrimoniais e não patrimoniais) alegadamente sofridos pela recorrida, em especial porque a prova documental junta aos autos, assim com a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, não permitem, de forma alguma, concluir no sentido do entendimento adotado pelo Tribunal a quo. A este propósito, diz a recorrente no corpo das alegações: “…contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, a prova documental junta aos autos (designadamente, o relatório pericial, os elementos clínicos, os atestados médicos e as faturas juntas aos autos pela Recorrida), assim como a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, não permitem, de forma alguma, concluir que: (i) A Recorrida, em consequência da ocorrência do alegado acidente, passou a depender de forma permanente de ajudas medicamentosas e técnicas – facto dado como provado em 18; (ii) A cirurgia à anca da Recorrida foi adiada em virtude da ocorrência do alegado acidente e das lesões que o mesmo provocou (em especial, “fratura da D12”) – facto dado como provado em 21; (iii) O processo de recuperação da Recorrida à cirurgia à anca foi mais lento e doloroso (face ao que seria expectável) devido à “fratura D12”, em especial por ter dificultado o “levante” e pelo facto da utilização de canadianas ter potenciado dor na coluna – factos dados como provados em 22, 23 e 27. (iv) O prolongamento do internamento, em consequência da não recuperação da Recorrida no tempo previsto, não estava incluído no vale cirurgia, pelo que a Recorrida teve de suportar as despesas que ultrapassaram o “plafond” do vale cirurgia, no montante global de €1.750,19 –factos dados como provados em 24, 25 e 26. (v) A Recorrida, em consequência da ocorrência do alegado acidente, suportou despesas com fisioterapia, apoio domiciliário, consultas médicas, medicamentos, ajudas técnicas, exames de diagnóstico, deslocações a consultas médicas e/ou exames de diagnóstico – factos dados como provados 28 e 32 a 37. 35. Repare-se que, além do que infra se desenvolverá, os atestados médicos juntos aos autos pela Recorrida (docs. 8 e 10 juntos com a Petição Inicial), além de terem sido passados em data posterior à realização da cirurgia à anca, não permitem concluir que a cirurgia foi adiada em consequência direta e necessária da ocorrência do alegado acidente, porquanto apenas referem que a cirurgia foi adiada devido aos danos causados pela queda que a Recorrida sofreu junto às portas automáticas do centro comercial S… Shopping, cuja ocorrência, reitere-se, a Recorrente não coloca em causa.” – sublinhados nossos. A Mm juíza do tribunal a quo expôs a sua convicção quanto aos factos em causa nos seguintes termos: “A factualidade dada como provada em 20 a 27 resulta do teor dos atestados médicos que fazem fls. 20v a 24, conjugado com o teor das declarações de parte da Autora e da sua filha que explicaram, de forma pormenorizada, o atraso e as dificuldades na recuperação da cirurgia relacionadas com a queda. A factualidade dada como provada em 28 deveu-se fundou-se no teor de fls. 25 a 26, que consistem no atestado médico e respetivas faturas de fisioterapia. A factualidade dada como provada em 29 a 32 resulta do teor de fls. 27 a 29 e 40, conjugado com o teor do relatório pericial que o atesta, bem como as declarações de parte da Autora e da sua filha M.. S.. que foi quem acompanhou de perto a Autora e pôde esclarecer, em consonância com a Autora, as dificuldades sentidas. A factualidade dada como provada em 33 teve por base as faturas de fls. 31v a 34. A factualidade dada como provada em 34 o teor das faturas de fls. 34v a 39. A factualidade dada como provada em 35 fundou-se no teor das faturas de fls. 40v A factualidade dada como provada em 36 no teor das faturas de fls. 42v a 43. A factualidade dada como provada em 37 no teor das faturas de fls. 44 a 46.” Relativamente ao sobredito conjunto de factos, relativamente extenso e sem que exista conexão estrita entre todos eles, a recorrente não indica os meios probatórios que determinariam a falta de prova relativamente a cada uma das situações fácticas em questão, como no caso se impunha, limitando-se a dizer que os meios de prova indicados na decisão recorrida não podem conduzir à decisão de facto proferida, sem que explique o raciocínio lógico dedutivo que a leva a concluir pela existência de erro de julgamento no que tange a cada um dos factos descriminados na decisão, sempre se acrescentando, não obstante, no que tange à questão do adiamento da cirurgia, que para além dos atestados médicos foram valorados na sentença outros meios probatórios, que a recorrente não menciona, resultando, não obstante, do atestado médico que cita em sede recursiva, a evidência de nexo de causalidade entre as lesões decorrentes do evento lesivo e o adiamento da cirurgia que se encontrava programada. Deste modo, quanto a tal factualidade, sempre seria de improceder a impugnação. No mais, e no que tange à prova testemunhal, a recorrente não cumpre os ónus que sobre si recaíam (al. a), do nº 2, do art. 640º do CPC), pois limita-se a invocar, como fundamento da impugnação, a prova testemunhal produzida em julgamento. Cabe ainda salientar que a propósito da decisão de mérito sobre os danos patrimoniais, a recorrente volta a chamar à colação o invocado erro de julgamento de facto relativamente à factualidade dada como provada com base nas faturas identificadas na motivação sobre a decisão factual, não sistematizando nem cindindo devidamente a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, da decisão sobre o mérito da causa, questionando já nesta sede as despesas provadas com base na prova indicada na sentença. Limita-se, porém, a tecer considerações genéricas sobre a questão, sem indicar os meios de prova que se impunham ponderar nesta sede recursiva e suscetíveis de evidenciar a invocada inexistência de nexo de causalidade entre as lesões decorrentes do acidente em causa e cada uma das despesas tituladas por cada uma das faturas – firmada na decisão de facto - de molde a demonstrar o invocado erro de julgamento. Improcede, por conseguinte, e nesta parte, a impugnação relativa à decisão de facto. * Sob a alínea J) das conclusões formuladas a final, diz a recorrente: “Por sua vez, os factos dados como provados em 29 a 31 deverão ser alterados, porquanto, admitindo-se que a Recorrida utilizou o colete de Jewet para recuperação da “fratura D12”, careceu de acompanhamento diário e, como tal, ficou, de forma alternada, em casa dos filhos e se sentiu triste, angustiada, com stress e depressiva, sempre se deverá concluir que, contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, não foi consequência do seu (pretenso) entalamento nas portas automáticas do S… Shopping.” Na sentença foi dado como provado que: 29. A Autora teve de utilizar, com vista à recuperação da “fratura da D12”, um colete de Jewet ininterruptamente até 26 de março de 2019, necessitando de ajuda de terceira pessoa para o vestir. 30. A Autora careceu de acompanhamento diário face à perda de autonomia, tendo ficado, de forma alternada, em casa dos seus filhos. 31. A Autora devido ao evento sentiu-se triste, angustiada, com stress e depressiva. No corpo das alegações a recorrente não impugnou expressamente a decisão de facto relativamente à matéria apurada sob os nºs 29 e 30; não indicou os meios de prova que conduziriam a decisão diversa da recorrida; nem o sentido dessa decisão. Constituindo as conclusões uma síntese das alegações, não pode atender-se à impugnação feita apenas em sede conclusiva, sempre acrescendo, no caso, que a recorrente acaba por não pedir a final qualquer alteração dos sobreditos pontos factuais (reitera, a final, que pretende a alteração da “…matéria de facto dada como provada e não provada, designadamente (i) ser julgada como não provada a matéria de facto em 2, 3, 18, 21 a 28, 32 a 37 e 43 e como provada a matéria de facto em D) e E) e (ii) ser alterada a matéria de facto em 9 e 31, nos termos supra descritos;” Em consequência, e por incumprimento dos ónus contidos nas alíneas a), e b), do nº 1, do art. 640º, do CPC, rejeita-se o recurso nesta parte. No que diz respeito ao facto nº 31, entende a recorrente que o mesmo deverá ser alterado nos seguintes termos: “A Autora sentiu-se triste, angustiada, com stress e depressiva”. Não indica, porém, quanto a este ponto da matéria de facto os concretos meios probatórios que impõem tal decisão. Nesta parte, rejeita-se o recurso por incumprimento do ónus contido na al. b), do nº 1, do art. 640º, do CPC. * Pede, ainda, a recorrente, que o facto provado sob 43, seja dado como não provado. Ficou ali demonstrado que: Alguns dos equipamentos, designadamente as portas do piso 0 e piso 1, já não estão conforme os originalmente fornecidos e instalados pela A.., S.A.. Este facto está diretamente relacionado com o que antecede e que não foi objeto de impugnação. Assim, sob 42, ficou provado que: As portas automáticas de acesso ao Centro Comercial S… têm, desde a data da sua instalação pela sociedade A…, S.A., no decorrer de 2011, sensores de movimento e um dispositivo que permitem controlar a velocidade do fecho, havendo sido programadas para permanecer totalmente abertas aquando da passagem ou deteção de um corpo. Na sentença recorrida consta, a propósito da prova destes dois factos, o seguinte: “ A factualidade dada como provada em 42 fundou-se no teor do contrato celebrado entre a 1ª Ré e a interveniente A…, a fls. 110v a 118, conjugada com o depoimento da testemunha J.. S.., diretor de operações da A.. que esclareceu o sistema de sensores das portas automáticas, tendo explicado que as portas têm um radar combinado, um interior, por baixo da porta, que impede que encerre perante objetos com a dimensão de um corpo, e outro em triângulo, exterior, que deteta a aproximação dos corpos. De qualquer modo, esta testemunha referiu que tem conhecimento que algumas portas não estão iguais às que instalaram e, com efeito, do teor do contrato de manutenção das portas automáticas celebrado entre a 1ª Ré e a interveniente T…, junto a fls. 118v a 120 resulta de fls. 120 que “os equipamentos 7 a 15”, onde se incluem as portas automáticas do piso 0 e piso 1, ficarão ao abrigo da garantia até 30.09.2013, o que permite concluir que foram alteradas, assim se dando como provado o facto nº 43.” Diz a recorrente que, de per si, o dito contrato não permite extrair a conclusão firmada em 1º instância. Assiste-lhe razão. Analisado o documento em causa, constata-se que retrata um contrato de manutenção celebrado entre a proprietária do espaço comercial e a T…, e inexistindo qualquer outra prova que evidencie que em consequência da manutenção que se propôs realizar, a dita empresa tenha introduzido qualquer alteração à porta onde se deu o acidente, não podemos afirmar com o grau de segurança exigível que a garantia diga respeito a alterações efetuadas na porta ou em algum dos seus componentes/mecanismos. Assim, deferindo-se a impugnação, o facto nº 43 passa a constar do rol dos factos não provados, sob a alínea F), que assim se adita ao mesmo. * Relativamente ao facto julgado como não provado sob a al. D), diz a recorrente que se impõe seja o mesmo tido como provado. Trata-se do seguinte facto: Na data do acidente, as portas automáticas encontravam-se em pleno funcionamento sem qualquer anomalia. O tribunal de 1ª instância fundamentou a decisão nos seguintes termos: “Para a factualidade dada como não provada em D) atendeu-se ao depoimento da testemunha P.. M.., vizinho da Autora, que afirmou no seu depoimento, de forma credível, que entrava várias vezes no centro comercial e que, cerca de quinze dias antes do evento, já tinha ficado com a perceção que as portas não estavam a funcionar bem, pois abriam e fechavam de forma abrupta, sendo que depois passaram a funcionar normalmente, apesar de atualmente estarem sempre abertas. Este depoimento foi corroborado pela testemunha P..C.., vizinho da Autora, que também relatou que as portas, na altura do acidente, fechavam muito “de repente” (sic), o que indicia que não estivessem devidamente calibradas para deixar passar completamente uma pessoa. A testemunha J..S.., funcionário da A.., também afirmou que para se verificar um evento como o descrito o mais provável seria as portas não se encontrarem devidamente afinadas para detetar a passagem de um corpo, mas não fizeram qualquer análise às portas após o evento. Ora, a 1.ª Ré não juntou qualquer elemento documental, designadamente um relatório da empresa de manutenção que pudesse atestar o bom funcionamento das portas, existindo nos autos apenas um e-mail junto a fls. 96 pela 2.ª Ré em que a T… afirma que não foram identificadas anomalias nos equipamentos intervencionados, sem que se refira especificamente às portas automáticas onde se deu o evento. Sucede que, até de acordo com o contrato de manutenção, impunha-se que tivesse sido elaborado um relatório pormenorizado dos testes realizados nas portas automáticas onde decorreu o evento que permitissem sustentar a conclusão de que os sensores das portas automáticas não tinham qualquer anomalia e estavam devidamente calibrados para acionar à passagem de uma pessoa, competindo à 1ª Ré, em qualquer caso, exigi-lo, o que não fez (ou, pelo menos, não o alegou/juntou no processo). Assim sendo, o Tribunal não pôde dar como provado que as portas automáticas estivessem devidamente calibradas para fechar apenas quando a zona de passagem se encontrasse totalmente desimpedida de pessoas, ou seja, que estivessem a funcionar devidamente.” Segundo o disposto no art. 607º, nºs 3, e 4, do CPC, o juiz discrimina na sentença os factos que julga provados e não provados, respetivamente. O julgamento da matéria de facto traduz-se na descrição das situações concretas da vida real, suscetíveis de serem posteriormente submetidas à análise jurídica que a pretensão das partes reclame. Ora, a factualidade contida na dita alínea D) reveste natureza estritamente conclusiva, o que resulta, aliás, do último parágrafo da motivação firmada em 1ª instância. Tendo presente o facto provado sob 42, exigia-se que a ré tivesse descrito factos concretos atinentes ao estado dos sensores de movimento da porta; do(s) dispositivo(s) de controlo da velocidade do seu fecho, e, sobretudo, sobre o estado da respetiva programação aquando do acidente, de modo a que a final se pudesse firmar uma convicção segura sobre o funcionamento da porta e a sua plena e eficaz operacionalidade. A alínea D), encerra, pois, uma mera constatação conclusiva, que não poderia integrar o acervo dos factos provados, não se determinando a sua eliminação do rol dos não provados, por daí não advir qualquer utilidade para a decisão. Por último, diz a recorrente que o facto julgado como não provado sob a alínea E), deve ser julgado como provado. Sob esta alínea resultou como não provado que: Nunca ocorreu nenhum acidente no S… Shopping envolvendo portas automáticas. Em 1ª instância a falta de prova sobre tal facto foi assim justificada: “Para a factualidade dada como não provada em E) o Tribunal entendeu que não foi produzida prova bastante, afigurando-se insuficientes os meros depoimentos das testemunhas M..S.. e M..M…S.., funcionários da 1.ª Ré.” No corpo das alegações, diz a recorrente: “1. Relativamente ao facto dado como não provado em E), não se compreende, novamente, a razão pela qual os depoimentos dos funcionários da Recorrente foram considerados insuficientes para efeitos de prova do facto de nunca ter ocorrido qualquer acidente no Spacio Shopping envolvendo as portas automáticas. 72. Note-se, inclusivamente, que a testemunha R..P.. referiu que trabalha para o S… Shopping há mais de 20 anos... 73. Acresce que, as próprias testemunhas arroladas pela Recorrida afirmaram não ter conhecimento da ocorrência de outro acidente provocado pelas portas automáticas deste centro comercial. 74. A título exemplificativo, vejamos os depoimentos supra descritos (nos pontos 68 e 69) das testemunhas A..S…(vizinho da Recorrida) e A…A… (perito da Ré F…), assim como as declarações de parte da Recorrida (ponto 69).” O trecho da gravação do depoimento da testemunha R..P.. sinalizado nas alegações de recurso a propósito da impugnação do facto julgado como não provado em D) não permite extrair qualquer ilação sobre o facto concretamente descrito sob a alínea E) e a recorrente não indica quaisquer outras passagens da gravação do depoimento da dita testemunha suscetíveis de relevarem para a alegada prova do facto em questão. Acresce que o advérbio de negação “nunca”, que integra a factualidade posta em causa, exigiria a prova da inexistência de qualquer acidente com portas automáticas desde o momento da respetiva instalação no espaço comercial, que não vem indicado, e que não foi mencionado por A..S.., A.. A.. ou a própria Autora, desconhecendo-se o período temporal abrangido pelas declarações destes últimos quando afirmaram que não tinham tido conhecimento de outros acidentes, sempre acrescendo que à Ré cabia fazer a prova de tal facto e não indica qualquer passagem da gravação das testemunhas por si indicadas que permitam infirmar a decisão de 1ª instância. Improcede, assim, a dita impugnação. Deste modo, e concluindo, a matéria factual a atender é a que consta do relatório deste acórdão e a que foi fixada em 1ª instância, com a alteração supra determinada, cumprindo salientar que o Tribunal da Relação só reaprecia a prova no âmbito da impugnação da decisão relativa à matéria de facto e quanto aos factos concretamente impugnados nos termos atrás assinalados, carecendo por isso de relevância a invocação do depoimento de testemunhas ou de declarações da Autora a propósito do mérito da decisão que a recorrente questiona, pois este Tribunal no âmbito da decisão sobre a conformidade da sentença com o direito substantivo aplicável só pode valer-se do quadro factual já definitivamente fixado. Fundamentação de Direito A análise efetuada em 1ª instância sobre a responsabilidade jurídica das rés quanto ao dever de indemnizar os danos verificados na esfera pessoal e patrimonial da Autora não nos merece censura. A norma capital na definição da responsabilidade civil subjetiva por factos ilícitos está contida no artigo 483º, n.º 1 do CC, segundo o qual, “Quem, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. Para que haja imputação de responsabilidade civil subjetiva e por consequência a obrigação de indemnizar, a lei exige a concorrência dos seguintes pressupostos: facto voluntário (por ação ou omissão), ilicitude, nexo de causalidade entre o facto e o dano, culpa e o dano. Ficou demonstrado que o acesso ao interior do centro comercial de que a 1ª Ré é proprietária, e aonde a Autora se deslocou no dia 14 de janeiro de 2019, é feito através de duas portas de fecho automático - que distam poucos metros umas das outras - , e que no momento em que aquela estava a passar pelas segundas, estas fecharam-se, sem lhe darem tempo para as transpor, provocando-lhe uma queda. O Decreto-Lei nº 163/2006, de 8 de agosto (na redação que lhe foi conferida pelo DL nº 125/2017, de 4/10 e vigente à data dos factos) aprovou o conjunto de regras concernente à acessibilidade a espaços públicos, equipamentos coletivos e edifícios públicos e habitacionais, aplicando-se aos estabelecimentos denominados centros comerciais por via do disposto no seu art. 2º, nº 2, al. q), in fine. Das normas técnicas publicadas em anexo a tal diploma, e com interesse para o caso dos autos, consta o seguinte: “Secção 4.10 - Portas de movimento automático: 4.10.1 - As portas podem ter dispositivos de fecho automático, desde que estes permitam controlar a velocidade de fecho. 4.10.2 - Podem ser utilizadas portas de movimento automático, activadas por detectores de movimento ou por dispositivos de operação (exemplos: tapete ou interruptores). 4.10.3 - As portas de movimento automático devem ter corrimãos de protecção, possuir sensores horizontais ou verticais e estar programadas para permanecer totalmente abertas até a zona de passagem estar totalmente desimpedida.” Destaca-se, pela sua importância, a necessária programação das portas para permanecerem totalmente abertas até a zona de passagem estar totalmente desimpedida, pois é consabido que os centros comerciais atraem diariamente pessoas de todas as faixas etárias – desde crianças a idosos -, com ou sem mobilidade reduzida, a quem tem de ser garantida a entrada em total segurança. É certo que as portas são locais de transposição, pressupondo-se, por isso, que quem as utilize não fique voluntariamente imobilizado na zona de passagem. Não obstante, os sensores e a programação das portas de movimento automático têm de estar preparados para eventos de ocorrência excecional - nomeadamente para os casos em que qualquer pessoa, por motivo imprevisto ou para acorrer a uma necessidade repentina fique temporariamente imobilizada na zona de passagem – devendo impedir que nessas circunstâncias e enquanto a zona de passagem estiver ocupada, as portas fechem, pois só desta forma se garante o cumprimento efetivo da referida norma técnica. No caso, tal como se provou, as portas automáticas de acesso ao centro comercial têm desde 2011 (ano da sua instalação) sensores de movimento e um dispositivo que permitem controlar a velocidade do fecho, havendo sido programadas para permanecer totalmente abertas aquando da passagem ou deteção de um corpo. Não obstante, no sobredito dia, quando a autora transpunha a segunda das portas de acesso àquele espaço – estando, por conseguinte, em movimento – as mesmas fecharam-se sem lhe permitirem concretizar a passagem A Autora tinha, então, 83 anos de idade, sendo autónoma em todas as atividades da vida diária. Aguardava uma operação à anca, pelo que até pode colocar-se a hipótese – fundada em tal circunstância e nas regras da experiência de vida – que poderia deslocar-se com alguma lentidão, mas estava em movimento, e enquanto estivesse na zona de passagem é inquestionável que as portas não poderiam ter fechado. A ocorrência do evento evidencia a falha de funcionamento da porta, não tendo também a Ré logrado demonstrar que as portas estavam dotadas de corrimões de proteção, como o exige a dita norma. Assim, e como assinalado na sentença recorrida, “No que concerne ao facto voluntário do agente, verifica-se um comportamento omissivo, controlável e dominável pela vontade, corporizado num incorreto funcionamento do sistema de segurança que degenerou na não deteção da presença da Autora aquando da sua passagem nas portas automáticas, havendo estas embatido naquela. (…) Nesta sede, importa trazer à colação o artigo 486.º do CC, o qual prescreve que «as simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o ato omitido». Da concatenação das premissas legais indicadas e os factos provados em 1 a 3 que descrevem o embate das portas automáticas na Autora, afigura-se demonstrado o ato ilícito a conduta (neste caso omissiva) que degenera no não funcionamento devido dos sensores que compõem o sistema de segurança atinente às portas automáticas, que conduziu a que ocorresse o embate numa pessoa aquando da respetiva passagem, por não respeitar a obrigatoriedade de permanecerem as portas totalmente abertas até a zona de passagem estar totalmente desimpedida. Em complemento, refira-se que não pode relevar a idade ou as características/condicionantes físicas de qualquer pessoa que queira frequentar um estabelecimento desta estirpe, devendo os sistemas de segurança referentes às portas automáticas, funcionar de molde a não atingir ninguém em nenhuma circunstância.” Em consequência do fecho das portas nas circunstâncias descritas a Autora sofreu uma queda da qual lhe sobrevieram as lesões descriminadas supra. Sobre a primeira Ré, enquanto proprietária do centro comercial recaía o dever de manter o funcionamento das portas em conformidade com as referidas normas técnicas, como o dever de as vigiar diariamente, atendendo ao perigo que a utilização deste tipo de equipamento acarreta, se sujeito a qualquer avaria, sendo certo que os sensores e a programação da abertura e fechos de portas automáticas sujeitos a uma utilização diária e intensiva como acontece, como é consabido, nos centros comerciais apresentam risco sério de poderem desencadear vícios de funcionamento. O art. 493.º, n.º 1 do CC, inserido na subsecção da responsabilidade civil por factos ilícitos, prevê, por seu turno, e especificamente que “Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.” O Acórdão do STJ de 28 de junho de 2012 (processo nº 8379/04.9TBOER.L1, acessível em www.dgsi.pt), assinalou que para que do facto voluntário – por ação ou omissão – “…irrompa a consequente responsabilidade necessário se torna, à partida, que o agente possa ser censurado pelo direito, em razão precisamente de não ter agido como podia e devia de outro modo; isto é que tenha agido com culpa. A ilicitude e a culpa são elementos distintos; aquela, virada para a conduta objectivamente considerada, enquanto negação de valores tutelados pelo direito; esta, olhando sobretudo para o lado subjectivo do facto jurídico. (…) Seria contudo ignorar a evolução do instituto da responsabilidade civil se não déssemos conta que a mutação económica e social que se registou nas últimas décadas tem vindo a acentuar àquele o seu cariz objectivo. Isto é patente no caso dos acidentes de viação e de trabalho, campo de actuação por excelência do instituto, mas ainda noutros sectores, como é o caso da responsabilidade do produtor. A complexidade e interdependência das relações de produção no mundo moderno leva ao acentuar da responsabilidade e inversão do ónus da prova sobre o elo mais forte de toda a cadeia de responsáveis por danos causados por um produto defeituoso ou inadequado, o que se perfila também como corolário de exigência de uma maior solidariedade social ao primeiro e principal responsável pela produção dos bens de equipamento, tendo em linha de conta o seu papel na investigação concepção e comercialização dos bens de equipamento que mau grado sejam susceptíveis de simplificar o dia-a-dia dos utentes, são também, se mal concebidos e inadequados, susceptíveis de provocar danos de cariz quiçá irremediável[3]. Sem a protecção especial que vem sendo concedida ao consumidor final tornar-se-ia utópica qualquer tentativa de ressarcimento dentro dos moldes da tradicional responsabilidade civil em que caberia ao lesado, na grande maioria dos casos pessoa comum, a tarefa ciclópica e a bem dizer impossível de demonstrar onde teria residido a omissão ou o defeito na cadeia de produção de um produto, nexo de causalidade e ver-se indemne do prejuízo que lhe foi causado por aquele. Desta preocupação nos dá conta aliás a Directiva Comunitária 85/374/CEE do Conselho de 25 de Julho de 1985 com ulteriores revisões, tendo aliás sido transposta para o Direito interno pelo DL 383/89 de 6 de Novembro com alteração posterior pelo DL 131/2001 de 24 de Abril[4]. Objecto também privilegiado da atenção da “nova responsabilidade civil” e mais de perto relacionado com a problemática que aqui nos ocupa surge-nos a violação dos “deveres de tráfego” que ocorre quando alguém controle uma fonte de perigo, cabendo-lhe adoptar as medidas necessárias a prevenir o dano; o conteúdo dos “deveres de tráfego” é multifacetado, nele cabendo uma pluralidade de situações, podendo dizer-se que abrange os casos em que alguém “crie ou controle uma fonte de perigo, cabendo-lhe então as medidas necessárias para prevenir ou evitar danos”[5]. Neste âmbito se insere, entre nós, a responsabilidade a que alude o artigo 493º nº 1 (…). Trata-se de uma responsabilidade delitual e não de índole objectiva. Mas nota-se já aqui a inversão do ónus da prova no que toca à culpa; o encarregado da vigilância, que pode ser ou não o proprietário, responde pelos danos que a coisa causar, excepto se conseguir provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam verificado ainda que não houvesse culpa sua.” Neste mesmo sentido, entre outros, decidiu também o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão mencionado na decisão recorrida (prolatado em 22-09-2021, no processo nº 19707/18.0T8LSB.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt”, que “ o dever de vigilância «consiste numa obrigação de supervisão, controlo, monitorização e informação sobre as fontes (nomeadamente se possíveis e/ou previsíveis) de risco de produção e eclosão de prejuízos das coisas detidas, no sentido da prevenção desse especial perigo enquanto origem de danos para terceiros e da precaução necessária para evitar o dano. Afigura-se como dever (de segurança) no tráfico, integrado em norma legal de proteção que visa prevenir um perigo abstrato, e dever instrumental para a decisão e a execução de medidas e providências – mesmo que a realizar por terceiro e a solicitação do vigilante – para evitar essa produção de danos e promover a proteção de terceiros, danos esses relativos ao especial risco da coisa que ultrapassa o “limiar da normalidade”. Esse dever de vigilância corresponde a uma manifestação de um mais amplo dever de cuidado (na veste de dever de conduta), enquanto obrigação de os proprietários e detentores de coisas, potencialmente munidas de risco na sua fruição ou utilização, cumprirem com diligência as faculdades jurídicas atribuídas pelo título que lhes permite gozar da coisa “arriscada” ou “perigosa”, de acordo com a bitola que se espera de uma pessoa medianamente prudente em circunstâncias e situações similares.» O art. 493º estabelece uma presunção de culpa por parte de quem tem a seu cargo, para além do mais, a vigilância de coisas imóveis, e consequentemente, a inversão do ónus da prova quanto à culpa. Como esclarecem Pires de lima e Antunes Varela, “Abre-se mais uma excepção à regra do nº 1 do art. 587º, mas não se altera o princípio do artigo 483 de que a responsabilidade depende de culpa. Trata-se, portanto, de responsabilidade delitual e não de responsabilidade pelo risco ou objectiva.(…). No nº 1 estabelece-se uma importante restrição à responsabilidade. Ela só existe se a pessoa que tem em seu poder a coisa móvel ou imóvel (…) está obrigada a vigiá-la. Pode tratar-se do proprietário da coisa (…); mas não tem necessariamente de ser o proprietário (…). É a pessoa que tem as coisas (…) à sua guarda quem deve tomar as providências indispensáveis para evitar a lesão”.[9] Conforme acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de novembro de 2016, proferido no processo nº 472/10.5TBFAF.G1.S2, acessível em www.dgsi.pt, “Nos termos desta disposição legal, que estabelece uma presunção de culpa, derrogando a norma do art. 487.º, n.º 1, do CC, prevê-se a responsabilidade civil de quem tem a seu cargo a vigilância de coisas, móveis ou imóveis, animais, ou exerce uma atividade perigosa, pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, pelos danos que a coisa ou os animais causarem. Não excluindo a culpa, esta responsabilidade civil não representa uma responsabilidade pelo risco ou objetiva (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, I, 2.ª edição, 1979, pág. 430). Esta responsabilidade civil especial, designadamente quanto aos danos causados por coisas, assente numa presunção de culpa, cabe a quem tiver em seu poder a coisa, com o dever de a vigiar. Ao atribuir a responsabilidade a quem tiver a guarda da coisa, o legislador admitiu a presunção daquele que guarda a coisa ter culpa no facto causador do dano, quer por ter o dever de providenciar que tal não venha a verificar-se, quer também por estar em melhor posição para fazer a prova da culpa, pois estando a coisa à sua disposição deve saber se realmente foi cauteloso na sua guarda (VAZ SERRA, BMJ n.º 101, págs. 130 e segs.).” Provou-se, no caso, que as portas automáticas do centro comercial (excluindo algumas dos parques de estacionamento) têm uma periodicidade de manutenção trimestral, e que a empresa com quem a 1ª Ré tinha celebrado contrato de manutenção do equipamento estava obrigada a elaborar relatório das avarias/intervenções. Mais se provou que no ano de 2018, tal empresa procedeu à inspeção periódica das portas automáticas nos meses de janeiro, abril, julho e novembro, tendo verificado os dispositivos de segurança: sensores e borrachas de segurança ativa (células fotovoltaicas, infravermelhos, fins de curso). Esta intervenção periódica não afasta, não obstante, o dever de vigilância permanente e diária que recai sobre a 1ª Ré, enquanto proprietária do espaço comercial. Admitimos a possibilidade dos sensores ou qualquer outro mecanismo determinante no funcionamento da abertura e do fecho das portas automáticas poder avariar ou desprogramar, paulatina e progressivamente (e no caso haviam já passado pelo menos dois meses sobre a última manutenção), e, porventura, até de forma súbita, mas o responsável pela vigilância só afastará numa e noutra situação a dita presunção de culpa se demonstrar, pelo menos, que testa diariamente o funcionamento das portas, nomeadamente, por pessoa que encarregue para o efeito (é comum os centros comerciais terem um ou mais vigilantes, consoante a sua dimensão), o que no caso não sucedeu. Por conseguinte, sufraga-se o decidido em 1ª instância: “… o Tribunal não pode concluir que a 1.ª Ré agiu com a diligência necessária para evitar o acidente, quando ficou cabalmente demonstrado que os sensores não detetaram a passagem da Autora vindo as portas automáticas a embater-lhe e a provocar a sua queda donde se pode concluir que funcionaram de forma deficiente, e a 1.ª Ré não logrou demonstrar que cumpriu os deveres de vigilância que lhe eram impostos nem que as portas estavam em perfeito funcionamento, ou seja, que os sensores se encontravam devidamente calibrados para detetar a passagem de uma pessoa e não permitir o embate em qualquer circunstância, mesmo em pessoas com dificuldades motoras que se movem mais lentamente. Por último, importa referir que também não foi alegado nem demonstrado que a Autora tenha contribuído com o seu comportamento, por qualquer forma, para o evento. Ademais, quanto ao nexo de causalidade, considerando todo o acima exposto, depreende-se facilmente o preenchimento deste pressuposto, atendendo à relação evidente entre a conduta omissiva (ilícita e culposa) e o evento danoso, sendo de recorrer ao artigo 563º do Código Civil que acolhe a teoria da causalidade adequada, a qual prevê que o agente deverá ser responsável pelos danos causados, se o facto ilícito e culposo tiver sido causa dos mesmos (….)”. A recorrente insurge-se, ainda, quanto à indemnização fixada a título de indemnização para ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais. Tendo improcedido a impugnação da decisão relativa à matéria de facto abrangendo a matéria atinente aos gastos suportados pela Autoria em decorrência das lesões que lhe sobrevieram como consequência direta e necessária do acidente, e traduzindo a indemnização fixada a tal título o produto da soma das verbas apuradas, o recurso improcede necessariamente nessa parte. Relativamente à indemnização de € 20.000,00 destinada a reparar os danos de natureza não patrimonial, entende a 1ª Ré que a mesma é desproporcional face aos danos apurados. Neste tocante, cabe ponderar a seguinte matéria de facto: - Imediatamente após a queda, a Autora sentiu dores na cabeça, na coluna e na coxa esquerda e, momentaneamente, ficou atordoada, sentindo-se desmaiar; - Ficou imobilizada no chão até à chegada de uma ambulância, sendo que durante esse período de espera, sentia dores na cabeça, na coluna e na anca esquerda; - Durante a viagem para o hospital, sofreu convulsões e teve períodos de perda de memória e sentiu desorientação; - Na urgência do hospital de Santa Maria, fez vários exames e foi suturada, tendo tido alta a seguir; - Em resultado do agravamento do seu estado, teve que recorrer novamente ao hospital de Santa Maria onde ficou internada; - Em consequência da queda da própria altura, após contusão na porta automática, sofreu feridas na hemiface e no pavilhão auricular esquerdo e fratura da vertebra D12; - A data da consolidação médico-legal das lesões foi fixada em 13.04.2019; - A Autora sofreu um défice funcional temporário total fixável num período de 19 dias, entre 14 de janeiro de 2019 e 01 de fevereiro de 2019, correspondente ao período de permanência hospitalar e recuperação de autonomia no domicílio; - Sofreu um défice funcional temporário parcial entre 02 de fevereiro a 13 de abril de 2019 fixável em 71 dias correspondente ao período que se iniciou logo que a evolução das lesões passou a consentir algum grau de autonomia na realização desses atos, ainda que com limitações; - Foi-lhe fixado um quantum doloris, sofrimento físico e psíquico, entre a data do evento e a consolidação das lesões, no grau 3/7, atendendo ao tipo de traumatismo, as lesões resultantes na face e na coluna dorsal, o tipo de tratamentos efetuados, incluindo uso de colete de Jewett e o período de recuperação funcional; - Foi-lhe fixado um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, referente à afetação definitiva da integridade física e psíquica, com repercussão nas atividades da via diária, incluindo as familiares e sociais, independentes das atividades profissionais, em 3 pontos num total de 100; - Foi-lhe fixado um dano estético permanente no grau 1/7, tendo em conta as cicatrizes faciais; - Em consequência do evento, a Autora passou a depender de forma permanente de ajudas medicamentosas, a saber medicação analgésica, e de ajudas técnicas, a saber colete de estabilização dorso-lombar, para alívio de dor na coluna dorso-lombar; - Antes do evento, a Autora era viúva, tinha 83 anos e vivia sozinha, sendo autónoma: executava as suas tarefas domésticas, tratava da sua higiene pessoal, fazia as suas compras, passeava, conduzia regularmente e viajava com frequência para a sua “terra” em Tomar; - À data do evento a Autora aguardava ser operada à anca, operação essa que estava marcada para o dia 6 de fevereiro de 2019; - Devido à ocorrência do acidente e às lesões sofridas ao nível da coluna “fratura da D12”, os médicos responsáveis pela cirurgia à anca, entenderam que tal cirurgia não era compatível com o estado débil da Autora, tendo procedido ao reagendamento da mesma para o dia 10 de abril de 2019; - A cirurgia à anca correu bem, mas o processo de recuperação foi muito lento relativamente ao que seria expectável, em resultado da “fratura da D12”, que dificultou o “levante” imprescindível à retoma de funções motoras para esta cirurgia; - A recuperação da cirurgia à anca ficou condicionada, tornando-se mais demorada e dolorosa, porque pressupunha a utilização de canadianas pela Autora, o que potenciava a dor na coluna em resultado da “fratura da D12”; - Mesmo depois da alta a Autora continuou a necessitar de sessões de fisioterapia; - A Autora teve de utilizar com vista à recuperação da “fratura da D12”, um colete de Jewet, ininterruptamente até 26 de março de 2019, e necessitou de ajuda de terceira pessoa para o vestir; - A Autora careceu de acompanhamento diário face à perda de autonomia, tendo ficado, de forma alternada, em casa dos seus filhos; - Devido ao evento sentiu-se triste, angustiada, com stress e depressiva. O Código Civil consagra a ressarcibilidade dos danos de natureza não patrimonial, restringindo-a, porém, aos casos em que a gravidade dos danos merece a tutela do direito, como decorre do nº 1, do art. 496º: na “… fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”, consagrando o nº 3, do mesmo preceito legal, por seu turno, que : o “… montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494º (…)”, isto é, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso. Como sublinha Galvão Telles[10], o montante da fixação do montante da reparação dos danos não patrimoniais deverá ser determinado “mediante o cômputo equitativo de uma compensação, em que se atenderá, não só e antes de mais à própria extensão e gravidade dos prejuízos, mas também ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso”. A indemnização por danos não patrimoniais tem um carácter misto: por um lado visa a compensação dos danos sofridos e, por outro, a sanção pela conduta do agente. A gravidade do dano tem de medir-se por um critério objectivo e não à luz de factores subjectivos e “o montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc. E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida”[11]. Neste sentido, decidiu-se em recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, relatado pelo Sr. Conselheiro Jorge Arcanjo (Acórdão de 9/05/2023, proferido no processo nº 7509/19.0T8PRT.P1.S1): “A indemnização pelos danos não patrimoniais não visa reconstituir a situação que existiria se não ocorresse o evento, mas sim compensar o lesado, tendo também uma função sancionatória sobre o lesante (natureza mista). A doutrina e a jurisprudência têm teorizado sobre os modos de expressão do dano não patrimonial, distinguindo-se, como mais significativos, o chamado “ quantum doloris”, ou seja, as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária; o “ dano estético”, o “ prejuízo de afirmação pessoal”, dano indiferenciado que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes, o prejuízo da “ saúde geral e longevidade, que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem estar, o “ pretium juventutis”. Porém, como já em 2005 escreveu o aqui Relator em “Notas Sobre Responsabilidade Civil e Acidentes de Viação”, Revista do CEJ 2º Semestre 2005, Número 3, pág.58 e segs, a propósito das várias vertentes do dano não patrimonial: “Embora sem rigor sistemático, é patente uma preocupação superadora da tradicional categoria de “dano moral”, ampliando o seu espectro, de molde a abranger outras manifestações que a lesão provoca na pessoa, e já não a simples perturbação emocional, a dor ou o sofrimento. Na doutrina e jurisprudência italianas começou a emergir na década de setenta a noção de “dano pessoal”, incorporando todos os danos que lesam a estrutura psicossomática do ser humano, e mais recentemente com a definição conceitual de “dano existencial”, visando abarcar os danos que não sendo estritamente morais originam consequências não patrimoniais (…). Pretende-se, assim, erigir um novo modelo centralizado no “dano pessoal” que afecta a estrutura ontológica do ser humano, entendido como entidade psicossomática e sustentada na sua liberdade, correspondendo a duas únicas categorias de danos: o “dano psicossomático” e o “dano ao projecto de vida”, com consequências extrapatrimoniais. Na verdade, esta concepção é a que melhor se adequa à natureza e finalidade da indemnização pelos danos extrapatrimoniais/pessoais, pondo o enfoque na vítima, com implicações na (re)valorização compensatória, maximizada pelo princípio da reparação integral. Partindo desta concepção e como critério de determinação equitativa para o equivalente económico do dano não patrimonial ( arts.496 nº3 e 494 do CC ), há que atender à natureza e intensidade do dano, ao grau de culpa, à situação económica do lesado e do responsável, sendo certo que o seguro de responsabilidade civil é também um elemento a ter em conta, bem como ao valor actual da moeda e aos padrões jurisprudenciais.” No caso, destaca-se o sofrimento físico da autora imediatamente após a queda; a circunstância de ter aguardado no chão, imobilizada, a chegada da ambulância; a sintomatologia evidenciada no percurso para o hospital; a necessidade de prestação imediata de cuidados de saúde; o posterior agravamento do seu estado com o retorno ao hospital e subsequente internamento; a utilização de um colete de Jewet ininterruptamente até 26 de março de 2019; o apoio que necessitou de terceiros (era, até então, independente em todas as AVDS); o período de recuperação; o quantum doloris (sofrimento físico e psíquico), entre a data do evento e a consolidação das lesões, no grau 3/7; e, sobretudo, a circunstâncias de as lesões sofridas na coluna terem provocado o adiamento de cirurgia programada para a anca e, posteriormente, atraso ao nível da recuperação, que se revelou também mais penosa em consequência dessas lesões, aumentando inquestionavelmente o sofrimento da Autora. Acresce a necessidade de ter passado a depender de forma permanente de medicação analgésica e das sobreditas ajudas técnicas. Em consonância com o anteriormente expendido cabe também valorar a culpa do lesante, que reputamos como relativamente elevada, considerando as características da atividade desenvolvida e as exigências de cuidado e de vigilância que sobre si recaíam e de que falámos anteriormente. Desconhece-se em concreto a condição económica da lesada, ainda que tudo indique que não se trata de pessoa que goze de fragilidade económica (tinha autonomia, passeava,…), presumindo-se, por seu turno, que a 1ª Ré, enquanto proprietária do centro comercial goze de situação económica que lhe permita satisfazer, sem qualquer esforço a indemnização adequada a reparar os danos, acrescendo ter transferido a sua responsabilidade para a seguradora, ora 2ª Ré, com situação económica seguramente desafogada, o que afirmamos com base nas regras da experiência, considerando não só os valores dos prémios de seguros que são consabidamente elevados, como o leque alargado da atividade comercial a que hodiernamente se dedicam e as correspondentes vantagens económicas que daí lhes advêm. Deste modo, sopesando todos estes fatores, e mormente, o esforço, resiliência e resistência física que a recuperação exigiu da lesada, reputamos como justa, adequada e proporcional, a compensação fixada em 1ª instância. Decisão Pelo exposto, acordam as Juízas desta 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a apelação e em manter a decisão recorrida. Custas pela apelante (art. 527º, nº 1, CPC). Notifique. Lisboa, 20 de junho de 2024 Cristina Lourenço Maria Teresa Lopes Catrola Carla Figueiredo _______________________________________________________ [1] “Recursos em Processo Civil”. 6ª Edição, pág. 181. [2] Obra citada, págs. 196-197. [3] Acórdão proferido no âmbito do Processo Nº 1786/17.9/8PVZ.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt. [4] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de janeiro de 2019, proferido no processo 19/14.4T8VVDG1.S.1, acessível no sítio da internet, www.dgsi.pt. [5] Francisco Manuel Lucas de Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, Vol. II, 2015, págs. 350-351. [6] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de junho, proferido no processo 64/15.2T8PRG-CG1.S1, acessível no sítio da internet, www.dgsi.pt. [7] In “Estudos Sobre o Novo processo Civil”, 2ª Edição, pág. 348. [8] Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, p. 609 [9] In, Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, 4ª Edição, pág. 495. [10] In, “Direito das Obrigações”, 6ª edição, pág.385. [11] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado”, 4ª Edição, Volume I, pág. 501. |