Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
324/14.0TELSB-ED.L1-3
Relator: CRISTINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores: ASSISTENTE
LEGITIMIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: –O regime jurídico atinente à figura do assistente alicerça-se na constatação de que o reconhecimento ao ofendido do direito de intervir no processo, nos termos da lei, deve ser uma das garantias do processo criminal (art. 32º nº 7 da CRP), de harmonia, aliás, com os princípios constitucionais mais genéricos do acesso de todos os cidadãos ao direito e aos Tribunais para defesa dos seus direitos e interesses e do direito à tutela jurisdicional efetiva, consagrados no art. 20º nºs 1 e 4 da CRP, embora não equiparáveis às garantias de defesa reconhecidas ao arguido, pois que o art. 32º nº 1 da CRP visa exclusivamente o arguido e não também o assistente.

–O critério de atribuição de legitimidade para a constituição do assistente previsto no art. 68º nº 1 al. a) do CPP, desdobra-se em dois aspectos cumulativos: a condição de ofendido, no sentido de pessoa que sofreu os prejuízos (não necessariamente, na acepção de danos civis) resultantes da prática do crime; a titularidade de direitos ou interesses directamente implicados no bem jurídico visado pela incriminação.

–Apenas os ofendidos que sejam os titulares dos interesses que a lei penal tem especialmente por fim proteger, quando previu e puniu a infracção e que esta ofendeu ou pôs em perigo, têm legitimidade substantiva para se constituírem como assistentes.

–A determinação de qual é o bem jurídico ou bens jurídicos (no caso dos crimes pluriofensivos ou complexos em que a tutela abrange vários direitos/interesses) que constituem o objecto imediato da incriminação, envolve a análise dos elementos constitutivos do tipo legal de crime e a sua inserção sistemática, na parte especial do Código Penal, a fim de descortinar qual o universo desses titulares de interesses legalmente protegidos. 

–E é dessa análise que depende o juízo sobre a admissibilidade da constituição como assistente, à luz do art. 68º nº 1 al. a) do CPP.

(Sumário elaborado pela relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: cordam os Juízes, na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I–RELATÓRIO

 
Por decisão proferida em 9 de Abril de 2021, no processo 324/14.0TELSB, pelo Mmº. Juiz de Instrução Criminal no Tribunal Central de Instrução Criminal, Juiz 2, foi indeferido o pedido de constituição como assistente que havia sido formulado por JEC______ .

O requerente interpôs recurso deste despacho, tendo sintetizado os motivos da sua discordância, nas seguintes conclusões:

I.–Nos presentes autos os arguidos vêm acusados, entre outros, dos seguintes crimes: crime de burla simples e qualificada, abuso de confiança, falsificação de documentos, infidelidade e branqueamento de capitais.
II.–O recorrente, também enquanto lesado/ofendido, veio requerer a respectiva constituição de assistente, nos termos do artigo 68° n° 1, alínea a) do C.P. Penal.
III.–O Tribunal a quo indeferiu a constituição de assistente por parte do recorrente, alegando, para tal a sua falta de legitimidade, em virtude da mesma fundamentar o seu pedido na aquisição de ações da Portugal Telecom, Portugal Telecom SGPS e/ou Multimédia, PT International Finance BV e de tais instrumentos de dívida não serem objeto do despacho de encerramento do inquérito proferido nestes autos no dia 14.07.2020.
IV.–O recorrente não se limita a fundamentar o seu pedido de indemnização e constituição de assistente na mera aquisição de acções da Portugal Telecom.
V.–Ao longo do seu pedido de indemnização civil e requerimento de constituição de assistente, o recorrente alega e contextualiza, utilizando para o efeito partes da acusação deduzida pelo Ministério Público, a relação entre a Portugal Telecom e o Grupo Espírito Santo, de modo a concluir que as condutas criminosas perpetradas pelos arguidos tiveram influência directa na perda do seu investimento.
VI.–A relação com a Portugal Telecom e com o Grupo Espírito Santo encontra-se discriminada, entre outros, nos pontos 5.2.2.1.1. e sgs. e ainda 7.4.5.2. da acusação.
VII.–A época da subscrição, como resulta da acusação (pontos 3711, ss) o Grupo PORTUGAL TELECOM (PT), liderado pela holding de topo, a PORTUGAL TELECOM SGPS (em 29.05.2015 redenominada PHAROL SGPS SA), até 2014 o principal operador no setor das telecomunicações em Portugal, foi, também, fonte importante de liquidez para o GES.
VIII.–Com efeito, R______, em conjugação de esforços com os demais arguidos, logrou que fosse implementada na PT uma política de gestão de recursos que beneficiou financeiramente o GES, seja através de depósitos do Grupo PT no BES, seja pela tomada de obrigações, até 2008 as comercializadas pelo Grupo BES e, a partir de 2010, as emitidas pela ESI.
IX.–Entre 2001 e 2013, R______conseguiu que a PT concentrasse montantes significativos da sua tesouraria em depósitos no BES e obrigações, representando tais investimentos 91% do total de tesouraria da PT.
X.–A partir de 2010, RS_____,querendo dissimular a deterioração da situação financeira e patrimonial da ESI, conseguiu que o Grupo PT investisse os seus excedentes de tesouraria em obrigações emitidas por essa holding.
XI.–A ESI tinha capitais próprios negativos de, pelo menos, 1609,6 milhões de euros, valor que, se a participação sobre a ESFG fosse ajustada para a cotação em bolsa, atingiria a expressão negativa de 2.791 milhões de euros.
XII.–Parte da dívida da ESI foi transferida para a RIOFORTE alegando os arguidos que se trataria de uma reestruturação financeira do GES, passando a ser a nova holding do GES.
XIII.–A RIOFORTE faz parte do GES.
XIV.–Entre 2009 e Julho de 2014 R…____exerceu controlo sobre todo o GES.
XV.–Nessa medida, e através de deliberações aprovadas nas diferentes reuniões dos Conselhos de Administração (CA) de cada uma das sociedades, foram “fabricados” instrumentos de divida emitidos pelas diferentes sociedades do grupo, foi falsificada documentação contabilística com vista à possível emissão de tais instrumentos de divida, foram promovidos produtos financeiros de sociedades já insolventes, foram emitidos valores mobiliários em franca contradição com deliberações proferidas pelo Banco de Portugal, enquanto entidade reguladora.
XVI.–Foi na sequência da influência de R______, em comunhão de esforços com as pessoas melhor identificadas na acusação, que a Portugal Telecom subscreveu obrigações das ESI e das empresas do grupo que dela faziam parte.
XVII.–Em janeiro de 2014, na execução do plano de “reestruturação” do GES gizado, mostrava-se essencial que a dívida ESI tomada pelo Grupo PORTUGAL TELECOM, que, a 31.12.2013, se cifrava em 750 milhões de euros fosse assumida na integra pela RIOFORTE (ponto 8662, da acusação).
XVIII.–Nessa altura, bem sabiam os arguidos que a ESI não tinha capacidade para reembolsar aquela dívida tomada pelo Grupo PT.
XIX.–Em janeiro de 2014, R______, referindo-lhe o plano de “reestruturação” do GES e apresentando a RIOFORTE como a nova holding de topo do GES, solicitou que os investimentos do Grupo PT em papel comercial da ESI fossem transferidos para Obrigações emitidas pela RIOFORTE, a serem sucessivamente roladas, pelo período de um ano, até fevereiro de 2015.
XX.–Toda a conduta que originou perdas para a PT de cerca de 897 milhões de euros encontra-se descrita nos pontos 8662 a 8682 da acusação.
XXI.–Em 05.05.2014, aquando da liquidação do aumento de capital da OI, a PORTUGAL TELECOM contribuiu com os ativos que haviam sido transferidos para a PT Portugal, incluindo as Obrigações RIOFORTE no valor de 897 milhões de euros, subscritas pela PT SGPS e pela PT FINANCE.
XXII.–Consequentemente, depois de em julho de 2014 a RIOFORTE não ter reembolsado estas Obrigações tomadas pelo Grupo PT, em processo que veio a culminar na sua insolvência, a PT SGPS (atual PHAROL SGPS) sofreu um prejuízo de 897 milhões de euros.
XXIII.–Estas perdas em 2014, causadas pela omissão deliberada da real situação financeira da ESI e da RIOFORTE e falsificação de diversos documentos, levaram a que, mais tarde, em 2016, a OI, tendo já a PT e a PTIF integrada no seu perímetro, tivesse necessidade de pedir ao tribunal a proteção dos credores.
XXIV.–A OI admite que o crescimento da dívida foi o que originou os seus problemas financeiros.
XXV.–Ao invés de apresentarem a ESI/RIOFORTE à insolvência, o arguido R______, coadjuvado pelos demais co-arguidos, utilizaram a ESI/RFI para se financiar junto de terceiros.
XXVI.–De modo a aparentar uma realidade que sabiam não existir, para que fosse possível manter a emissão de produtos financeiros da ESI/RFI, os arguidos/Demandados ordenaram ou executaram atos de manipulação das contas desta entidade por recurso a documentos que falsificaram ou mandaram falsificar.
XXVII.–Os arguidos/Demandados agiram com intenção de obter para si, ou para entidades do Grupo Espírito Santo, um enriquecimento ilegítimo.
XXVIII.–Para o efeito utilizaram, entre outras, as estruturas do BES de modo a que estas comercializassem produtos financeiros que os primeiros sabiam não deter valor ou serem pouco fiáveis.
XXIX.–Assim, o pedido de recuperação pela OI e a consequente perda e danos na esfera patrimonial do lesado/recorrente, está diretamente relacionada com os factos descritos na acusação deduzida pelo Ministério Público.
XXX.–Considerou o Douto despacho recorrido que os factos relatados e que fundamentam o pedido de constituição como assistente em causa, não são objecto dos autos.
XXXI.–Porém, as condutas dos arguidos descritas no pedido de indemnização civil e constituição de assistente dizem respeito a factos constantes da Acusação (pontos 4013, 5.2.2.11 e seguintes e 7.4.5.2. da Acusação).
XXXII.–Os factos descritos no despacho de acusação “...dão corpo ao texto que os concretiza em sede de acusação, na qual são imputados os crimes de associação criminosa para a prática de crimes de falsificação, previsto no art. 256° burla (qualificada), previsto nos art.°s 217° e 218°, infidelidade, previsto no art. 224°, branqueamento, previsto no art. 368°- A, todos do Código Penal, e de corrupção ativa e passiva no setor privado, previstos nos art° 8° e 9° da Lei 32/2008, de 21.04, e de manipulação de mercado, previsto no art.° 379° do Código de Valores Mobiliários. Os factos descritos demonstram a existência de células organizadas, com domínio de assuntos de auditoria, de supervisão, do circuito bancário e do circuito de intermediação financeira para a prática deliberada de atos criminosos, e de todos os conexos a impedir a sua deteção e permitir a sua dissimulação na normalidade de uma atividade particularmente complexa. ” (Fls. 84 da Acusação).
XXXIII.–Considerando a sua versão da ocorrência, os factos descritos, os documentos que juntam e a perspectiva em que se colocam face aos arguidos, é manifesto que a legitimidade do recorrente para se constituir como assistente deve ser reconhecida.
XXXIV.–Independentemente de se virem, a final, a provar ou não as respectivas suspeitas, e perante a tipologia de crimes em causa, é perfeitamente aceitável admitir a constituição de assistente do recorrente/demandante, como titular dos interesses que a incriminação visou especialmente proteger, uma vez que, na sua óptica, viu o seu património afetado pelas condutas cuja prática é o objeto dos presentes autos.
XXXV.–O Recorrente é titular de obrigações emitidas pela PORTUGAL TELECOM INTERNATIONAL FINANCE, BV, (PTIF), sendo que os denunciados cometeram crimes de burla qualificada e infidelidade contra essa mesma sociedade, entre outros.
XXXVI.–De acordo com jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça, (Ac. 10/2010, DR 242 SÉRIE Ide 2010-12-16), “...sempre que for identificado um interesse determinado, corporizado num concreto portador, que não se confunda com o interesse (típico do lesado) no simples ressarcimento do dano sofrido, nem com o interesse geral na mera vigência das normas penais (as chamadas «expectativas comunitárias»), estaremos perante um bem jurídico protegido ”.
XXXVII.–No crime de burla e de infidelidade o bem jurídico protegido é o património.
XXXVIII.–No crime de burla previsto e punido nos termos do art. 217.° do C.P., o legislador procurou acautelar o património, não só do burlado, como também de algum terceiro que, como consequência directa do engano provocado pelo agente sofra um prejuízo patrimonial.
XXXIX.–O mesmo acto ilícito pode provocar prejuízo a uma pluralidade de pessoas, e, portanto, provocar vários ofendidos.
XL.–O prejuízo provocado pelos arguidos ao Recorrente não é apenas indirecto e reflexo, mas decorre, directamente, da conduta dos arguidos.
XLI.–A burla qualificada na venda de papel comercial ESI e da RIOFORTE teve consequências directas nas obrigações PT e na OI e/ou PTIF, originando a perda de valor das ditas obrigações.
XLII.–No douto despacho recorrido considerou-se que as obrigações emitidas pela PORTUGAL TELECOM INTERNATIONAL FINANCE, BV, (PTIF) não são objeto do despacho de encerramento do inquérito proferido nos autos.
XLIII.–Sucede, porém que as condutas referidas tiveram impacto na PT e posteriormente na OI.
XLIV.–O pedido de recuperação pela OI e a consequente perda e danos na esfera patrimonial do lesado/recorrente, está diretamente relacionada com os factos descritos na acusação.
XLV.–Depois de, em julho de 2014 a RIOFORTE não ter reembolsado as Obrigações tomadas pelo Grupo PT, em processo que veio a culminar na sua insolvência, a PT SGPS (atual PHAROL SGPS) sofreu um prejuízo de 897 milhões de euros.
XLVI.–Perdas estas que levaram a que em 2016, a OI, tendo já a PT e a PTIF integrada no seu perímetro, tivesse necessidade de pedir ao tribunal a proteção dos credores (Cfr. Art.°s 54.° a 56.° do pedido de indemnização civil e requerimento de constituição de assistente).
XLVII.–O recorrente é a titular do interesse que constitui objeto jurídico imediato dos crimes de burla qualificada e infidelidade, interesse próprio e direto que não se consubstancia somente na pessoa do lesado, uma vez que está em causa não apenas o património mas a necessidade de garantir a integridade dos mercados financeiros e promover a confiança dos investidores.
XLVIII.–O recorrente é, por isso, titular de um interesse que a norma incriminatória procurou acautelar, e, portanto, tem legitimidade para apresentar a queixa e constituir-se assistente, dado que é ofendido, na extensão que o conceito deve ter, conforme fixado pelo Acórdão 1/2003 do Supremo Tribunal de Justiça.
XLIX.–O Meritíssimo Juiz a quo interpretou de forma errónea o disposto no artigo 68° n.° 1 al. a) do CPP, nomeadamente, quanto ao conceito de ofendido, já que deveria ter considerado que o recorrente, sendo titular de um interesse especialmente protegido pela norma, tem legitimidade para se constituir assistente.

L.–Neste sentido, veja-se o sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 03-02-2016, proferido no âmbito deste mesmo processo (324/14.0TELSB), acessível in, que diz o seguinte:
1.-Têm legitimidade para se constituírem assistentes, os lesados por uma instituição bancária onde se investigam os crimes de burla simples e qualificada, abuso de confiança, falsificação de documentos, branqueamento de capitais e fraude fiscal, e cujo processo tem como arguido, entre outros, o Presidente do respectivo Banco.
2.-Tem sido comumente aceite, que o conceito de ofendido para efeitos de legitimidade para constituição como assistente, coincide com o adotado para se aferir da legitimidade para apresentação de queixa, previsto no art° 113°, n° 1, do cód. penal.
3.-Como condição dessa legitimidade exige-se a existência de um interesse específico, particularmente qualificado, que intercede na relação entre o bem jurídico e o sujeito afectado.
4.-Os lesados pelos gestores da instituição bancária na qual haviam depositado o seu dinheiro, mostram-se investidos na posição de titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com as incriminações que se indiciam.”

LI.–O mesmo se conclui relativamente a eventuais crimes de falsificação e de abuso de confiança, atenta a descrição da factualidade alegada pelo recorrente.
LII.–O crime de falsificação de documento é um crime contra a vida em sociedade, em que o bem jurídico segurança e confiança do tráfico probatório, a verdade intrínseca do documento enquanto tal é prevalente ou predominantemente protegido.
LIII.–Mas não é o único bem jurídico particularmente protegido com a correspondente incriminação, atendendo ao conjunto do tipo.
LIV.–Como requisito subjectivo deste crime, exige-se que o agente tenha actuado com a intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou Estado ou alcançar para si ou para terceiro benefício ilegítimo.
LV.–O mesmo é dizer que se não estiver presente esse elemento não perfecciona o respectivo tipo.
LVI.–Quando for o caso, verificados os elementos materiais do iter criminis, é essa especial direcção de vontade do agente: prejudicar outra pessoa, que dita o completamento do crime.
LVII.–O que impõe a conclusão, face a este elemento subjectivo, de que o tipo em causa visa proteger aqueles valores, mas (também) em razão do prejuízo que os atentados contra eles podem causar a interesses de particulares.
LVIII.–Esses interesses particulares, se bem que não exclusivamente, são pois protegidos de modo particular pela incriminação, constituindo um dos objectos imediatos da incriminação.
LIX.–Se num caso concreto os arguidos visaram com a falsificação causar prejuízo aos interesses particulares de determinada pessoa, neste caso todos os adquirentes de obrigações PT, estes poderão constituir-se assistentes.
LX.–A análise do tipo legal de falsificação de documento do artigo 256.° do Código Penal permite concluir que a circunstância de ser aí protegido um interesse de ordem pública não afastou, sem mais, a possibilidade de, ao mesmo tempo, ser também imediatamente protegido um interesse susceptível de ser corporizado num concreto portador, aquele cujo prejuízo o agente visava, assim se afirmando a legitimidade material do ofendido para se constituir assistente.
LXI.–Neste sentido, veja-se o Acórdão 1/2003 - Processo n° 609/02 - do Supremo Tribunal de Justiça, disponível in vvwvv.dgsi.pt que concluiu o seguinte que «No procedimento criminal pelo crime de falsificação de documento, previsto e punido pela alínea a) do nº1 do artigo 256º do Código Penal, a pessoa cujo prejuízo seja visado pelo agente tem legitimidade para se constituir assistente.» ”
LXII.–O Acórdão 1/2003, estabelece que o vocábulo “ especialmente” usado pela lei significa “de modo especial, num sentido de particular e de não exclusivo” de sorte que” quando os interesses imediatamente protegidos pela incriminação, sejam, simultaneamente, do Estado e de particulares... a pessoa que tenha sofrido danos em consequência da sua prática tem legitimidade para se constituir assistente.”
LXIII.–O direito penal tem por encargo proteger os bens jurídicos e todos os preceitos penais podem reconduzir-se à protecção de um ou vários bens jurídicos que podem ser lesados cumulativamente ou alternativamente.
LXIV.–Neste caso, os interesses particulares, se bem que não exclusivamente, também são objecto imediato da protecção pela norma incriminadora.
LXV.–A ampliação do conceito de ofendido acarreta o correto equilíbrio entre a necessidade de punir e a necessidade que esta punição seja feita de forma justa e ponderada contribuindo assim para a realização de um processo penal mais equitativo e pacificador.
LXVI.–Assim, impunha-se, face às circunstâncias particulares do caso e ao tipo legal de crime em causa que se concluísse que o Recorrente, surge como titular de um interesse digno de tutela e acautelado pela norma incriminadora em apreciação.
LXVII.–Neste contexto, JEC______,apresenta-se com legitimidade para se constituir assistente nos presentes autos.
LXVIII.–Razão pela qual, face ao supra exposto, o Douto despacho violou a alínea a) do n° 1 do artigo 68° do Código de Processo Penal.
Nestes termos, e nos melhores de direito que doutamente serão supridos por v. exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser revogado o douto despacho recorrido, sendo substituído por outro no qual seja admitida a constituição de assistente do recorrente.

Admitido o recurso, o Mº. Pº. apresentou a sua resposta, na qual concluiu:
1.-Importa, perante o teor do recurso, aquilatar se o recorrente se mostra investido na posição de titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação no âmbito destes autos.
2.-O conceito de ofendido, para efeitos de legitimidade para constituição como assistente, coincide com o conceito adoptado para se aferir da legitimidade para apresentação de queixa, previsto no art° 113° n° 1 do Código Penal, onde igualmente se estabelece que ofendido é o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação.
3.-A legitimidade do ofendido é aferida necessariamente em relação ao crime concreto que estiver em causa, e a delimitação do seu conceito encontrar-se-á na tipologia criminal concretamente expressa em lei. Só assim é possível determinar se uma pessoa viu os interesses que a lei quis especificamente proteger afectados pela conduta adoptada pelo arguido ou pelo suspeito. 
4.-É a norma incriminadora que fornece ao intérprete o interesse que o legislador quis proteger, ao tipificar determinada conduta como criminosa.
5.-No caso vertente, o recorrente apresentou-se à constituição como assistente invocando apenas o disposto no art° 68° n° 1 al. a) do CPP, tendo o tribunal a quo necessidade de recorrer aos termos do pedido cível deduzido.
6.-Sendo o seu fundamento o facto de ter na sua posse 15.500 acções nominativas, emitidas pela PT SGPS, pelas quais despendeu a quantia de € 43.055,60.
7.-Não foi apurado neste inquérito em que circunstâncias foram comercializados os instrumentos de dívida a que alude o recorrente e se tais factos implicariam responsabilidade criminal e de quem.
8.-O objecto do processo foi fixado com a acusação proferida no dia 14.07.2020.
9.-Nela não foi imputada a prática de qualquer crime por aqueles factos, pelo que, e salvo melhor opinião, não assume o recorrente a qualidade de ofendido nos termos e para os efeitos do art° 68° n°1 al. a) do CPP, ou seja, aquela que a norma incriminadora especialmente quis proteger com a incriminação.
10.-E, por isso, carece de legitimidade para se constituir assistente.
11.-Sempre se dirá, contudo, que não estando o recorrente investido na qualidade de ofendido, como pretende, sempre poderia ser admitido a intervir como assistente ao abrigo do que dispõe o art.° 68° n° 1 al. e) do CPP (o que não requereu), já que se procede por crimes de corrupção no sector privado.
12.-Todavia, nos termos pretendidos, deverá ser negado provimento ao recurso interposto, por total falta de fundamento face ao que dispõe o art. 68° n° 1 al. a) do CPP, mantendo-se a decisão recorrida.
Remetido o processo a este Tribunal, na vista a que se refere o art. 416º do CPP, a Exma. Sra. Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer, acompanhando a resposta ao recurso apresentada pelo Mº. Pº., em primeira instância.
Foi cumprido o art. 417º nº 2 do C.P.P., sem resposta do arguido.

Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência.

II–FUNDAMENTAÇÃO

2.1.–Delimitação do objecto do recurso e identificação das questões a decidir:
De acordo com o preceituado nos arts. 402º; 403º e 412º nº 1 do CPP, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
Além destas, o tribunal está obrigado a decidir todas as questões de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem o recorrente, nos termos dos arts. 379º nº 2 e 410º nº 3 do CPP e dos vícios previstos no art. 410º nº 2 do CPP, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito (Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995, in Diário da República, I.ª Série-A, de 28.12.1995 e o AUJ nº 10/2005, de 20.10.2005, DR, Série I-A, de 07.12.2005).
Umas e outras definem, pois, o objecto do recurso e os limites dos poderes de  apreciação e decisão do Tribunal Superior (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 1059-1061).

Das disposições conjugadas dos arts. 368º e 369º por remissão do art. 424º nº 2 , todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem:
Em primeiro lugar das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão;
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art. 412º do CPP, a que se seguem os vícios enumerados no art. 410º nº 2 do mesmo diploma, quando as decisões impugnadas sejam sentenças e/ou acórdãos;
Finalmente, as questões relativas à matéria de Direito.
Seguindo esta ordem lógica, a única questão que cumpre apreciar é a de saber se o recorrente tem legitimidade para intervir como assistente.

2.2.–Fundamentação de facto

Com relevo para o desfecho do presente recurso, importa ter em atenção a seguinte factualidade:
No dia 14 de Julho de 2020, o Mº. Pº. deduziu acusação contra vinte e cinco pessoas singulares e colectivas, entre as quais, ______,Espírito Santo International, SA e Rioforte Investments, SA, a quem foi imputada a prática, ora como autores materiais, ora em concurso real de infracções, de diversos crimes, designadamente, de associação criminosa, p. e p. pelo art. 299º nºs 1, 3 e 5 do CP (os três primeiros arguidos em co-autoria com outros), de corrupção activa no sector privado, p. e p. pelo art. 9º nºs 1 e 2 da Lei 20/2008 de 21 de Abril (doze crimes imputados ao primeiro dos identificados arguidos), de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º nº 1 als. d) e e) do CP, de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º nº 1 e 218º nºs 1 e 2 al. a) do CP, de infidelidade, p. e p. pelo art. 224º do CP, de manipulação de mercado, p. e p. pelo art. 379º nºs 1 e 2 do CdVM, de branqueamento de capitais p. e p. pelo art. 368º A do CP, de corrupção passiva no sector privado, p. e p. pelo art. 8º nºs 1 e 2 da Lei 20/2008 de 21 de Abril (este crime imputado às pessoas colectivas arguidas Espírito Santo International, SA e Rioforte Investments, SA) (cópia digitalizada da acusação com as referências Citius 17754038 e 17755923).

No dia 22 de Fevereiro de 2021, o recorrente JEC_____ apresentou um requerimento ao processo, no qual:
a)-pediu a sua constituição como assistente, invocando, para o efeito, o disposto no art. 68º nº 1 al. a) e nº 3 do CPP;
b)-veio aderir em à acusação pública deduzida pelo Ministério Público no âmbito dos presentes autos:
c)-formulou pedido de indemnização civil contra______, pedindo a condenação:
De todos os arguidos no pagamento ao lesado do montante de € 45 055,60. a titulo de danos patrimoniais, aos quais deverão acrescer os juros vencidos desde Julho de 2016 até ao presente, considerando-se para efeito de cálculo de juros, atento o disposto na al. d) do art. 310º do CC, os últimos 5 anos, ou seja de janeiro de 2016 a janeiro de 2021, o que, à taxa legal de 4% importa os juros vencidos no montante de € 8.611,12 euros totalizando assim o montante de € 51.666,72; bem como no pagamento dos juros vincendos sobre o montante de € 43.055,60, desde a notificação deste pedido de indemnização civil é até efetivo e integral pagamento do montante em dívida;
De todos os arguidos no pagamento ao lesado do montante de € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais, bem como nos juros que se vierem a vencer desde a notificação do presente pedido de indemnização e até efetivo e integral pagamento, assim perfazendo o montante global de € 56.666,72 (requerimento junto com a certidão com a referência Citius 5173385).

Para o efeito, alegou, em síntese, o seguinte:

É titular de uma conta de activos financeiros sedeada na CGD com o nº 0178........4 de tipo Acções.
Em 2020 o ora demandante tinha na sua posse 15.500 ações nominativas emitidas pela Portugal Telecom ou Portugal Telecom SGPS, encontrando-se as mesmas custodiadas na referida conta.
As referidas ações resultam das operações de compra de 4.000 ações efetuadas entre 2005 e 2014 nas quais despendeu 43.055,60 euros.
O valor mobiliário com a designação “PTC" corresponde a ações ordinárias, nominativas, com o ISIN: PTPTC0AM0009.
Estas ações tinham como emitente, na data da subscrição, a PORTUGAL TELECOM, SGPS, SA (PT, SGPS), sociedade aberta, NIPC 5.......8, com sede em Av. ... ... ..., nº.., L____.
Os títulos mencionados foram registados ou depositados na CONTA DE REGISTO E DEPÓSITO DE INSTRUMENTOST FINANGEIROS por sua vez, associada à conta referida no ponto anterior.
Este produto financeiro foi adquirido sucessivamente, durante vários anos e implicou um investimento total de 43.055,60 euros, que corresponde ao seu prejuízo atual.
Não obstante, o risco existente para quando se subscrevem ações, o certo é que a imagem e as contas da PT permitiam concluir ser uma instituição sólida.
O demandante enquanto acionista não deixa de ser credor da PT, sendo que esta entidade fazia parte do Grupo Portugal Telecom.
A relação com a Portugal Telecom e com o Grupo Espírito Santo encontra-se descriminada, entre outros, nos pontos 5.2.2.1.1. e segs. e ainda 7.4.5.2. da acusação.
À época da subscrição, como resulta da acusação (pontos 3711, ss) o Grupo PORTUGAL TELECOM (PT), liderado pela holding de topo, a PORTUGAL TELECOM SGPS (em 29.05.2015 redenominada PHAROL SGPS SA), até 2014 o principal operador no setor das telecomunicações em Portugal, foi, também, fonte importante de liquidez para o GES.
Com efeito, na sequência da celebração em 2000 de um acordo de parceria estratégica entre o Grupo PT, o Grupo BES e a CGD, o BES tornou-se acionista de referência da PORTUGAL TELECOM SGPS (PT), com uma participação no capital social da PT que atingiu os 10,05% em 2013 e que lhe conferia o poder de nomear dois membros do CA da PT,
Dois desses administradores, nomeados pelo BES, foram Jo… e AP_____, este último desempenhando as funções de administrador não executivo da PORTUGAL TELECOM SPGS (PT) entre 21.04.2006 e 30.07.2014.

Progressivamente, R______,através daqueles dois administradores, mas também por ter logrado colocar em lugares cimeiros do Grupo PT executivos da sua confiança pessoal por dele ferem dependido em termos profissionais ou com ele terem proximidade pessoal, designadamente:
MHC_____presidente executivo da PT entre 2002 e 2006, depois de, entre 1990 e 1995, ter sido administrador do BES s do BESI, e que regressou ao BESI como vice-presidente do CA do BESI quando abandonou a PT;
E, a partir de 2006, como presidente do CA da PT, indicado por R______, HG______ que mantinha relações pessoais próximas com JMES______,que apodava de ''irmão adotivo” e tinha desenvolvido trabalhos remunerados para o GES.
Dizia-se, R______,conseguiu capturar e submeter à sua estratégia para o GES a estratégia e a gestão do Grupo PT, deste retirando elevados proveitos para o BES e para financiamento do GES.
RS______ logrou que fosse implementada na PT uma política de gestão de recursos que beneficiou financeiramente o GES, seja através de depósitos do Grupo PT no BES, seja pela tomada de obrigações, até 2008 as comercializadas pelo Grupo BES e, a partir de 2010, as emitidas pela ESI.
Entre 2001 e 2013, R_____ conseguiu que a PT concentrasse montantes significativos da sua tesouraria em depósitos no BES e obrigações (destas, a partir de 2010, as emitidas pela ESI), em valores anuais que oscilaram entre 366 e 2851 milhões de euros, e que, a 31.12.2013, se fixavam em 1691 milhões de euros, representando 91% do total de tesouraria da PT.
A partir de 2010, ultrapassada a crise financeira que afetou a tesouraria da PT e a levou a deixar de investir em títulos de dívida nos anos de 2008 e 2009, e no momento em que a PT obteve liquidez acrescida pela alienação da participação que detinha na sociedade brasileira VIVO, R______,querendo dissimular a deterioração da situação financeira e patrimonial da ESI, conseguiu que o Grupo PT investisse os seus excedentes de tesouraria em obrigações emitidas por essa holding.
Para o sucesso da estratégia de R_____na captura da liquidez do Grupo PT, para além da sua proximidade com HG_____ e Z____, administradores da PT, e mesmo dos contactos que para o efeito não hesitava em estabelecer com LPM____ CEO da PT, revelou-se essencial a atuação de AP_____, enquanto administrador executivo da PT, sempre atento às disponibilidades de tesouraria do Grupo PT, e de IA______ responsável máxima do DFME do BES, posicionada por R_____ para a emissão dos títulos de dívida ESI a serem tomados pelo Grupo PT.
R_____, com a colaboração de AP_____ e IA______e através da influência exercida junto dos dirigentes da PT- HG_____e Z_____desconhecedores que a imagem de solvabilidade da ESI assentava em demonstrações financeiras forjadas que ocultavam que tinha capitais próprios negativos, logrou que estes determinassem o investimento em obrigações emitidas pela ESI de uma importante parte das disponibilidades de tesouraria do Grupo PT”.
Ora, para a RIOFORTE, R_____atribuiu a MFES_____ e a JC_____o papel de comandar as posições dos dirigentes da empresa que permitiram que os programas de venda de dívida fossem feitos no superior interesse do GES, definido pelo primeiro.
Na falsificação das demonstrações financeiras da ESI, com referência a 31.12.2012, a ESI tinha capitais próprios negativos de, pelo menos, 1609,6 milhões de euros, valor que se a participação sobre a ESFG fosse ajustada para a cotação em bolsa, atingiria a expressão negativa de 2.791 milhões de euros.
Os pormenores da colocação do papel comercial da RioForte encontra-se nos pontos 4013, ss, da acusação.
Na Nota Informativa do programa de PC da RFI, datada de 25.09.2013, foram juntas as demonstrações financeiras consolidadas e individuais da RFI relativas dos exercícios de 2010, 2011, e 2012, que, com referência ao ano de 2012, indicavam como capitais próprios 966,9 milhões de euros nas contas individuais e 1607,3 milhões de euros nas contas consolidadas.
Como tal, e como bem sabiam e queriam R_____, FMC_____e JC_____, também a construção do programa de PC da RFI foi feita com base em informação inverídica uma vez que aquelas contas da RFI juntas à Nota Informativa ocultavam aos tomadores de divida a real situação patrimonial da empresa, em risco de perda, e que arrastaria consigo os que tinham direitos sobre o passivo da empresa, designadamente os clientes de retalho do BES que tomaram papel comercial da RFI.
Parte da dívida da ESI foi transferida para a RFI alegando os arguidos que se trataria de uma reestruturação financeira do GES, passando a ser a nova holding do GES.
A RFI faz parte do GES.
O Grupo Espírito Santo (GES) é composto por um conjunto de empresas constituídas em holding, assente em três-grandes ramos: um ramo de governo interno, um ramo financeiro e um ramo não financeiro.
A Espírito Santo Control S.A. (ESC S.A.) detinha a Espírito Santo Investments S.A. (ESI), que por sua vez se divide em três sub-ramos: o ramo da atividade financeira, bancária e de seguros, liderado pela MFES_____ Finantial Group S.A. (ESFG); o ramo de atividades vocacionado para o turismo, imobiliário e agricultura, liderado pela Rioforte Investmenst S.A (RFI) e o ramo de atividades não financeiras, liderado pela MFES_____ Resources S.A. (ESR).
Dentro de cada um destes ramos, inserem-se as arguidas ESI (MFES_____ International), a RFI (Rioforte Investments), a Eurofin Private Investments Office (EFI), a ES (Espírito Santo Irmãos - SGPS), e dentro desta última, com particular relevo para o caso concreto, a ES Tourism, a Espírito Santo Resources Limited (no Luxemburgo) e a ES Resources (em Portugal).
Entre 2009 e Julho de 2014 R______  exerceu controlo sobre todo o GES.
Nessa medida, e através de deliberações aprovadas nas diferentes reuniões dos Conselhos de Administração (CA) de cada uma das sociedades, foram “fabricados” instrumentos de dívida emitidos pelas diferentes sociedades do grupo, foi falsificada documentação contabilística com vista à possível emissão de tais instrumentos de divida, foram, promovidos produtos financeiros de sociedades já insolventes, foram emitidos valores mobiliários em franca contradição com deliberações proferidas pelo Banco de Portugal, enquanto entidade reguladora.                       
Foi na sequência da influência de R______, em comunhão de esforços com as pessoas já identificadas em cima, que a Portugal Telecom subscreveu obrigações da ESI e das empresas do grupo que dela faziam parte.
Em janeiro de 2014, na execução do plano de “reestruturação” do GES gizado, mostrava- se essencial que a dívida ESI tomada pelo Grupo PORTUGAL TELECOM, que, a 31.12.2013, se cifrava em 750 milhões de euros fosse assumida na integra pela RIOFORTE (ponto 8662 da acusação).
Com efeito, bem sabiam R______, JMES_____ e MFES_____ ESPÍRITO SANTO que a ESI uma sociedade "falida” como a descreveu R_____ na reunião do Conselho Superior do GES de 11.04.2014, não tinha capacidade para reembolsar aquela dívida tomada pelo Grupo PT.
A solução estava então na transferência dessa dívida para a RIOFORTE, justificada pela “reestruturação do GES.
Em janeiro de 2014, R______, referindo-lhe o plano de "reestruturação ” do GES e apresentando a RIOFORTE como a nova holding de topo do GES, solicitou a HG______ (então a acumular o cargo de presidente do CA da PT SGPS com o cargo de CEO) que os investimentos do Grupo PT em papel comercial da ESI fossem transferidos para Obrigações emitidas pela RIOFORTE, a serem sucessivamente roladas, pelo período de um ano, até fevereiro de 2015.
LPM____ CFO do Grupo PT, reuniu-se com S…, na sede do BES, de " forma-a oficializarem o pedido que tinha sido  feito a HG______.Nessa reunião, em janeiro de 2014, “R______ novamente ocultando as consequências do plano de "reestruturação” do GES para a situação patrimonial da RioForte, designadamente a sua incapacidade futura em reembolsar os elevados montantes de divida que iria emitir ao longo de 2014, alegou então, que em termos de risco comparativamente à ESI, a RIOFORTE apresentava vantagens por se encontrar mais próxima dos activos do GES, uma vez que era a nova holding final do GES.
Para a concretização dos investimentos dos fundos de tesouraria da PT em Obrigações RIOFORTE, e tal como já vinha fazendo relativamente aos investimentos da PT em dívida da ESI, R______ convocou os esforços de IIA______e AP_____, também administrador executivo da PT, acedendo estes em continuar a colaborar na execução daquele plano em troco de recompensas financeiras, ocultando as consequências da "reestruturação ” do GES na situação patrimonial da RIOFORTE e apesar de cientes dos prejuízos que daí adviriam para o Grupo PT.
Toda a conduta que originou perdas para a PT de cerca de 897 milhões de euros encontra-se descrita nos pontos 8662 a 8682, e conforme já se aderiu, e aqui se dão por reproduzidas, para todos os efeitos legais.

Assim, no mês de fevereiro de 2014, e aquando do vencimento das Obrigações ESI que havia tomado, o Grupo PT investiu 897 milhões de euros em diversas Obrigações RIOFORTE:
Por exigência do C… e porque em meados de abril seria necessário ter liquidez para a transferência de ativos de PT SGPS para a PT PORTUGAL no âmbito da operação de combinação de negócios entre a PT e a OI, as aplicações do Grupo PT em Obrigações RIOFORTE foram feitas com maturidade a 15 e 17.04.2014.          
No entanto, em março de 2014, ciente de que aquando da maturidade das Obrigações - tomadas-pelo Grupo PT a RIOFORTE não teria dinheiro para as reembolsar, R…,  ocultando esse facto, acordou com Z_____ (então Presidente Executivo da OI), S… e C… (representantes das sociedades ANDRADE GUTIERRES TELECOMUNICAÇÕES LTDA e LA FONTE TEL SA, titulares de participações sociais na OI, que, no âmbito da concretização da combinação de negócios entre a PT e a OI, em contrapartida da participação da PORTUGAL TELECOM no aumento de capital na sociedade OI através da entrega dos seus ativos e da subscrição de Obrigações convertíveis possibilitando os fundos necessários à liquidação dá dívida daquelas sociedades Brasileiras, aqueles se comprometiam a que a OI mantivesse as aplicações Obrigações RIOFORTE.
Em cumprimento da decisão de renovação dos títulos da RIOFORTE tomada por HG_____, as aplicações em títulos da RIOFORTE emitidos em 13, 20 e 21.02.2014, acima referidas, foram renovadas em 15 e 17.04.2014, com maturidade a 15 e 17.04.2014, mantendo-se assim o investimento do Grupo PT em Obrigações RIOFORTE no valor global de 897 milhões de euros.
Em 05.05.2014, aquando da liquidação do aumento de capital da 01, a PORTUGAL TELECOM contribuiu com os ativos que haviam sido transferidos para a PT Portugal, incluindo as Obrigações RIOFORTE no valor de 897 milhões de euros, subscritas pela PT SGPS e pela PT FINANCE.
Consequentemente, depois de em julho de 2014 a RIOFORTE não ter reembolsado  estas Obrigações tomadas pelo Grupo-PT- em processo que veio-a culminar na sua insolvência, a PT SGPS (atual PHAROL SGPS) sofreu um prejuízo de 897 milhões de euros.
Estas perdas em 2014 levaram a que, mais tarde, em 2016, à OI, tendo já a PT integrada no seu perímetro, tivesse necessidade de pedir ao tribunal a proteção dos credores.
Foi exatamente isso que originou a brutal desvalorização da cotação das ações da PT, pois, as ações da PT, atualmente Pharol, SGPS, SA, encontram-se à data de hoje com a cotação de € 0,14, cada uma, quando, com referência a Agosto de 2014, essa cotação era de 1,53 euros.
A posição da Pharol, SGPS, no capital social da Oi foi reduzida de 39,7% para 27,48%, na sequência da questão RIOFORTE, e, mais tarde, com a aprovação do plano de recuperação, para menos de 8%, porque foram convertidos 6,8 mil milhões de euros de dívida em ações, a favor dos credores, correspondentes a 72,12% do capital da operadora brasileira, como se pode verificar pelo relatório e contas da Pharol 2018.
Por isso, o principal ativo da Pharol — a posição acionista que tinha na OI - foi drasticamente reduzida.
Ao invés de apresentarem a ESI/RFI à insolvência, o arguido R______, coadjuvado pelos demais co-arguidos, utilizaram a ESI/RFI para se financiar junto de terceiros.
De modo a aparentar uma realidade que sabiam não existir, para que fosse possível manter a emissão de produtos financeiros da ESI/RFI, os arguidos/Demandados ordenaram ou executaram atos de manipulação das contas desta entidade por recurso a documentos que falsificaram ou mandaram falsificar.       
Ao longo de cinco anos, ou seja, entre 2009 e 2014, a viciação de contas da ESI/RFI foi maquinada, executada ou mantida não só por R_____mas também, pelo menos, por FMC_____, NE____, IIA_____ e AP_____ .
Para manterem a aparência de regularidade das contas da ESI/RFI os arguidos/Demandados fizeram também uso do BESI, o qual, com intervenção de LD_____, fizeram avaliações ad hoc da ESFG para que, em termos contabilísticos, a ESI parecesse financeiramente mais robusta.
Os documentos apresentados no registo comercial foram forjados de modo a ocultarem a situação de insolvência em que a ESI/RFI se encontrava.
A 31.12.2012 a ESI/RFI encontrava-se inquestionavelmente insolvente, não obstante, apenas no final de maio de 2014 a entidade de supervisão confirmou as suspeitas quanto à existência de irregularidades das contas da ESI.
O pedido de recuperação pela OI e a consequente perda e danos na esfera patrimonial do lesado está diretamente relacionada com os factos descritos na acusação deduzida pelo Ministério Público.
1 Ponto 160 da Acusação (fls 303 da acusação, 48238 dos autos) e
2 Ponto 188 da acusação (fls 308 da acusação, 48243 dos autos)
Por força da comunhão de esforços realizada entre todos os arguidos/Demandados na prática dos crimes dos quais veem formalmente acusados, o lesado foi prejudicado patrimonial e moralmente.
Os arguidos/Demandados agiram com a intenção de obter para si, ou para entidades do Grupo Espírito Santo, um enriquecimento ilegítimo.
Os arguidos/Demandados, conjugada e paralelamente, sob os comandos de R_____violaram de forma livre e deliberada as obrigações a que estavam adstritos.
Os arguidos/Demandados violaram a fé pública que os documentos merecem no tráfego jurídico.
Violaram direitos patrimoniais alheios, praticando atos contrários aos fins que presidiram : a concessão de poderes de governo dos interesses do GES e de todas as entidades do grupo, onde se inclui o BES e a ESI.
Atentaram contra a formação de preços e decisões de investimento em valores mobiliários, interferindo no regular e transparente funcionamento deste mercado como instrumento essencial do desenvolvimento da economia.
Fazendo-o para benefício próprio ou das empresas do grupo GES, privilegiando-as na obtenção de financiamento junto do negócio bancário do Grupo.
Estes arguidos/Demandados abusaram grosseiramente das funções para as quais foram contratados, no seio de instituições cuja atividade tem interesse público.
Estes arguidos/Demandados fizeram uso da sua experiência e conhecimentos técnicos que envolvem as profissões que exerciam, subvertendo-os, de modo persistente, para satisfação de interesses que nada tem que ver com os interesses legítimos que enquadram o funcionamento destes setores de atividade.
Bem cientes da violação sistemática de regras de cumprimento obrigatório, desenvolveram sucessivamente comportamentos destinados a impedir que a regulação interna e externa pudesse tomar conhecimento do modo anómalo como funcionavam.
E nem se diga que a aquisição dos produtos financeiros encerra riscos, dado que não fora a conduta dos arguidos e a ilusão criada por estes quanto à fiabilidade dos produtos em causa e solvabilidade da entidade emitente, e o lesado/demandante nunca teria mantido e investido o capital que investiu
Por outro lado, não fora os actos ilícitos perpetrados pelos arguidos/demandados e não seria o produto financeiro em apreço destituído de valor, pois a OI manteria a sua vitalidade económica.
O lesado investiu e manteve o investimento dado o sentimento de segurança que lhes incutiram, na decorrência do que foi passado ao mercado e a opinião pública, pelos arguidos/Demandados, face a natureza do produto, sua fiabilidade, e solvabilidade da entidade emitente.
Ora, ignorava o Demandante que esta decisão de investimento c/ou da sua manutenção, tinha por base uma informação inverídica sobre produtos financeiros de tesouraria e outros, emitidos por empresas do GES e subscritos pela PT, que se aproximavam de um bilião de euros.
Os arguidos sabiam que os clientes que subscrevessem ou mantivessem produtos emitidos pelas empresas do Grupo PT/OI estariam a comprar e a manter indiretamente, dívida de sociedades GES cuja situação patrimonial era de insolvência.
O lesado viu-se, desde julho de 2014 — altura em que teve conhecimento da provável perda do montante investido, através dos meios de comunicação social, devido ao problema RIOFORTE — confrontado com um prejuízo patrimonial muito elevado.
E sem que nada o fizesse prever, o lesado, sofreu uma perda direta e necessária do investimento realizado já que atualmente, pouco vale.
Ao referido prejuízo acresce o decorrente do choque emocional sofrido pela perda de tal valor.
O lesado sentiu, durante meses, muita ansiedade, nervosismo, preocupação e revolta.
Durante os meses que se seguiram tinha recorrentemente pesadelos e mau estar noturno.
Apresentava-se ansioso e não raras vezes teve ataques de fúria.
Isto numa fase da vida em que o lesado conta com uma idade avançada (71 anos).
Tendo os factos aqui em apreço prejudicado o estado de saúde do Demandante, face à possibilidade de não conseguir recuperar o montante que investiu (requerimento junto com a certidão com a referência Citius 5173385).

Os factos descritos no capítulo 5.2.2.1 da acusação, para os quais o requerente JEC_____ remeteu, nos artigos 13 e 26 do pedido de indemnização cível são os seguintes:
5.2.2.1.1.- GRUPO PORTUGAL TELECOM
3711.-O Grupo PORTUGAL TELECOM (PT), liderado pela holding de topo, a PORTUGAL TELECOM SGPS (em 29.05.2015 redenominada PHAROL SGPS SA), até 2014 o principal operador no setor das telecomunicações em Portugal, foi, também, fonte importante de liquidez para o GES.
3712.-Com efeito, na sequência da celebração em 2000 de um acordo de parceria estratégica entre o Grupo PT, o Grupo BES e a CGD, o BES tornou-se acionista de referência da PORTUGAL TELECOM SGPS (PT), com uma participação no capital social da PT que atingiu os 10,05% em 2013 e que lhe conferia o poder de nomear dois membros do CA da PT.
3713.-Dois desses administradores, nomeados pelo BES, foram JG____ e AP_____, este último desempenhando as funções de administrador não executivo da PORTUGAL TELECOM SPGS (PT) entre 21.04.2006 e 30.07.2014.
3714.-Progressivamente, R______, através daqueles dois administradores, mas também por ter logrado colocar em lugares cimeiros do Grupo PT executivos da sua confiança pessoal por dele terem dependido em termos profissionais ou com ele terem proximidade pessoal, designadamente:
MHC______ presidente executivo da PT entre 2002 e 2006, depois de, entre 1990 e 1995, ter sido administrador do BES e do BESI, e que regressou ao BESI como vice-presidente do CA do BESI quando abandonou a PT;
E, a partir de 2006, como presidente do CA da PT, indicado por R______, HG_____ que mantinha relações pessoais próximas com JMES_____, que apodava de “irmão adotivo”, e tinha desenvolvido trabalhos remunerados para o GES; Conseguiu capturar e submeter à sua estratégia para o GES a estratégia e a gestão do Grupo PT, deste retirando elevados proveitos para o BES e para financiamento do GES.

3715.-Com efeito, entre 2010 e 2013, a título de pagamentos por serviços prestados ao Grupo PT e de dividendos, o Grupo BES recebeu do Grupo PT cerca de 864 milhões de euros:

ANO DIVIDENDOS DA  PT SGPS FACTURAÇÃO DO GRUPO BES À PT
2001 ____ 871.518,00€
2002 11.691.966,10€ 4.056.518,00€
2003 19.563.851,84€ 3.773.261,00€
2004 23.670.511,04€ 1.805.826,00€
2005 33.035.694,65€ 417.636,00€
2006 41.673.734,08€ 19.333.344,00€
2007 43.373.110,23€ 38.724.440,00€
2008 48.124.608,33€ 23.359.485,00€
2009 41.204.963,45€ 23.772.697,00€
2010 140.449.705,20€ 37.051.991,00€
2011 132.207.385,70€ 31.849.608,00€
2012 58.674.398,90€ 28.467.536,00€
2013 29.268.357,63€ 28.105.495,00€
SUBTOTAL 622.938.287,15 € 241.589.355,00 €
TOTAL 864.527.642,15

3716.-Mas, e com maior relevo para a defesa dos interesses do GES, R______  logrou que fosse implementada na PT uma política de gestão de recursos que beneficiou financeiramente o GES, seja através de depósitos do Grupo PT no BES, seja pela tomada de obrigações, até 2008 as comercializadas pelo Grupo BES e, a partir de 2010, as emitidas pela ESI.

3717.-Com efeito, entre 2001 e 2013, e conforme detalhado no quadro seguinte (valores em milhões de euros), R_____conseguiu que a PT concentrasse montantes significativos da sua tesouraria em depósitos no BES e obrigações (destas, a partir de 2010, as emitidas pela ESI), em valores anuais que oscilaram entre 366 e 2851 milhões de euros, e que, a 31.12.2013, se fixavam em 1691 milhões de euros, representando 91% do total de tesouraria da PT:
MONTANTES DE TESOURARIA DO GRUPO PORTUGAL TELECOM
CONCENTRADOS EM DEPÓSITOS NO BES E OBRIGAÇÕES ESI
Ano
VALOR TOTAL APLICAÇÕES TESOURARIA DO GPT A 31/12
VALORES APLICADOS PELO GPT EM PRODUTOS FINANCEIROS
COMERCIALIZADOS PELO BES
TOTAL DA EXPOSIÇÃO
DO GPT A BES/GES
(títulos + depósitos)
OBRIGAÇÕES DEPÓSITOS TOTAL
TÍTULOS DEPÓSITOS BES
Valor % * Valor %* Valor %
48920
986
MONTANTES DE TESOURARIA DO GRUPO PORTUGAL TELECOM
CONCENTRADOS EM DEPÓSITOS NO BES E OBRIGAÇÕES ESI
Ano
VALOR TOTAL APLICAÇÕES TESOURARIA DO GPT A 31/12
VALORES APLICADOS PELO GPT EM PRODUTOS FINANCEIROS
COMERCIALIZADOS PELO BES
TOTAL DA EXPOSIÇÃO
DO GPT A BES/GES
(títulos + depósitos)
OBRIGAÇÕES DEPÓSITOS TOTAL
TÍTULOS DEPÓSITOS BES
Valor % * Valor %* Valor %
2001 600 111 712 600 100% --- --- 600 84,27%
2002 300 860 1160 300 100% 258 30,00% 558 48,10%
2003 510 827 1337 510 100% 126 15,24% 636 47,57%
2004 560 778 1338 560 100% 104 13,37% 664 49,63%
2005 1206 2570 3125 1206 100% 927 36,07% 2133 68,25%
2006 506 1004 1511 506 100% 218 21,71% 724 47,92%
2007 251 842 1093 251 100% 207 24,58% 458 41,90%
2008 --- 463 463 --- --- 366 79,05% 366 79,05%
2009 --- 593 593 --- --- 451 76,05% 451 76,05%
2010 400 4592 4992 400 100% 2116 46,08% 2516 50,40%
2011 550 3284 3834 550 100% 2301 70,07% 2851 74,36%
2012 510 1725 2235 510 100% 1389 80,52% 1899 84,97%
2013 750 1105 1855 750 100% 941 85,16% 1691 91,16%
* Percentagem do valor relativamente ao total do Grupo PT nesse tipo de aplicação (títulos ou depósitos)
** Percentagem do valor total de tesouraria do Grupo PT concentrado em obrigações da ESI e depósitos no BES
3718.-Até 2008, os investimentos do Grupo PT em obrigações comercializadas pelo Grupo BES tinham associada uma garantia de recompra pelo BES a um valor previamente fixado, sempre superior ao preço de aquisição inicial dos títulos pela PT, assim apresentando uma garantia que mitigava o risco de perda do capital investido.
3719.-No entanto, a partir de 2010, ultrapassada a crise financeira que afetou a tesouraria da PT e a levou a deixar de investir em títulos de dívida nos anos de 2008 e 2009, e no momento em que a PT obteve liquidez acrescida pela alienação da participação que detinha na sociedade brasileira VIVO, R_____, querendo dissimular a deterioração da situação financeira e patrimonial da ESI, conseguiu que o Grupo PT investisse os seus excedentes de tesouraria em obrigações emitidas por essa holding.
3720.-Ao contrário dos títulos comercializados pelo BES, em que a PT investiu até 2008, os investimentos da PT em obrigações ESI a partir de 2010 não gozavam de qualquer cláusula de recompra ou rendibilidade garantida pelo BES, circunstância que agravava o seu risco, já que ficavam dependentes do desempenho financeiro da ESI.
3721.-Para o sucesso da estratégia de R_____ na captura da liquidez do Grupo PT, para além da sua proximidade com HG_____ e Z_____ administradores da PT, e mesmo dos contactos que para o efeito não hesitava em estabelecer com LPM____ CFO da PT, revelou-se essencial a atuação de AP_____ , enquanto administrador executivo da PT, sempre atento às disponibilidades de tesouraria do Grupo PT, e de IA_____ responsável máxima do DFME do BES, posicionada por R______ para a emissão dos títulos de dívida ESI a serem tomados pelo Grupo PT.
3722.-Assim, a partir de 2010, e até 31.12.2013, o Grupo PORTUGAL TELECOM subscreveu obrigações de curto prazo emitidas pela ESI que foram sendo sucessivamente roladas.

3723.-Conforme se detalha no quadro que se segue, o valor dos investimentos da PT em obrigações ESI foram sempre crescendo: de 400 milhões de euros a 31.12.2010 para 550 milhões de euros em finais de 2011, fixando-se em 750 milhões de euros em 31.12.2013:
OBRIGAÇÕES EMITIDAS PELA ESI TOMADAS PELO GRUPO PT ENTRE 2010 E 2013
ANO TOMADOR MONTANTE EMITENTE TAXA INÍCIO VENCIMENTO DIAS
1. 2010 PT MÓVEIS 250.000.000 ESI 4,0000% 29-09-10 13-01-11 106
2. 2010 PT SGPS 75.000.000 ESI 5,5000% 31-12-10 31-03-11 90
OBRIGAÇÕES EMITIDAS PELA ESI TOMADAS PELO GRUPO PT ENTRE 2010 E 2013
ANO TOMADOR MONTANTE EMITENTE TAXA INÍCIO VENCIMENTO DIAS
3. 2010 PT MÓVEIS 75.000.000 ESI 5,5000% 31-12-10 13-01-11 13
Total a 31.12.2010 400.000.000€
4. 2011 BRATEL BV 250.000.000 ESI 4,0000% 13-01-11 31-01-11 18
5. 2011 BRATEL BV 75.000.000 ESI 5,5000% 13-01-11 31-03-11 77
6. 2011 BRATEL BV 250.000.000 ESI 4,2500% 31-01-11 29-04-11 88
7. 2011 BRATEL BV 75.000.000 ESI 5,5000% 31-03-11 01-07-11 92
8. 2011 PT SGPS 75.000.000 ESI 5,5000% 31-03-11 01-07-11 92
9. 2011 PT MÓVEIS 250.000.000 ESI 5,5000% 29-04-11 01-08-11 94
10. 2011 PT FINANCE 200.000.000 ESI 5,5000% 30-06-11 03-10-11 95
11. 2011 BRATEL BV 37.500.000 ESI 5,5000% 01-07-11 03-10-11 94
12. 2011 PT SGPS 60.000.000 ESI 5,5000% 01-07-11 03-10-11 94
13. 2011 PT MÓVEIS 250.000.000 ESI 5,5000% 01-08-11 02-11-11 93
14. 2011 BRATEL BV 37.500.000 ESI 6,5000% 03-10-11 22-12-11 80
15. 2011 PT SGPS 60.000.000 ESI 6,5000% 03-10-11 23-12-11 81
16. 2011 PT FINANCE 200.000.000 ESI 6,7500% 03-10-11 27-12-11 85
17. 2011 PT MÓVEIS 250.000.000 ESI 6,5000% 02-11-11 28-12-11 56
18. 2011 BRATEL BV 40.000.000 ESI 6,5000% 22-12-11 04-04-12 104
19. 2011 PT SGPS 60.000.000 ESI 6,5000% 23-12-11 16-04-12 115
20. 2011 PT FINANCE 200.000.000 ESI 6,7500% 27-12-11 23-03-12 87
21. 2011 PT MÓVEIS 250.000.000 ESI 6,5000% 28-12-11 02-05-12 126
Total a 31.12.2011 550.000.000€

22. 2012 PT FINANCE 200.000.000 ESI 6,7500% 23-03-12 25-06-12 91
23. 2012 BRATEL BV 40.000.000 ESI 6,5000% 04-04-12 04-07-12 94
24. 2012 PT FINANCE 60.000.000 ESI 6,5000% 17-04-12 17-07-12 91
25. 2012 PT FINANCE 250.000.000 ESI 6,5000% 02-05-12 02-08-12 92
26. 2012 PT FINANCE 200.000.000 ESI 6,7500% 25-06-12 15-10-12 112
27. 2012 PT FINANCE 60.000.000 ESI 6,5000% 17-07-12 17-10-12 92
28. 2012 PT FINANCE 250.000.000 ESI 6,5000% 02-08-12 01-02-13 183
29. 2012 PT FINANCE 200.000.000 ESI 6,5000% 15-10-12 14-01-13 91
30. 2012 PT FINANCE 60.000.000 ESI 6,5000% 17-10-12 17-01-13 92
Total a 31.12.2012 510.000.000€

OBRIGAÇÕES EMITIDAS PELA ESI TOMADAS PELO GRUPO PT ENTRE 2010 E 2013
ANO TOMADOR MONTANTE EMITENTE TAXA INÍCIO VENCIMENTO DIAS
31. 2013 PT FINANCE 200.000.000 ESI 4,9000% 14-01-13 15-04-13 91
32. 2013 PT FINANCE 60.000.000 ESI 4,9000% 17-01-13 17-04-13 92
33. 2013 PT FINANCE 250.000.000 ESI 4,9000% 01-02-13 29-04-13 92
34. 2013 PT FINANCE 200.000.000 ESI 4,9000% 15-04-13 16-05-13 24
35. 2013 PT MÓVEIS 100.000.000 ESI 4,0000% 22-04-13 16-05-13 39
36. 2013 PT SGPS 200.000.000 ESI 3,7500% 29-04-13 29-07-13 96
37. 2013 PT FINANCE 250.000.000 ESI 4,5000% 10-05-13 08-08-13 34
38. 2013 PT FINANCE 250.000.000 ESI 4,5000% 10-05-13 08-08-13 91
39. 2013 PT MÓVEIS 12.500.000 ESI 4,1500% 16-05-13 24-06-13 90
40. 2013 PT MÓVEIS 37.500.000 ESI 4,1500% 16-05-13 20-08-13 87
41. 2013 PT FINANCE 12.500.000 ESI 4,1500% 20-06-13 20-08-13 31
42. 2013 PT SGPS 200.000.000 ESI 3,7500% 29-07-13 29-10-13 90
43. 2013 PT FINANCE 250.000.000 ESI 4,1500% 08-08-13 08-11-13 90
44. 2013 PT FINANCE 250.000.000 ESI 4,1500% 08-08-13 08-11-13 61
45. 2013 PT MÓVEIS 37.500.000 ESI 4,1500% 20-08-13 20-11-13 92
46. 2013 PT FINANCE 12.500.000 ESI 4,1500% 20-08-13 20-11-13 92
47. 2013 PT FINANCE 37.500.000 ESI 4,1500% 23-09-13 20-11-13 92
48. 2013 PT SGPS 200.000.000 ESI 3,7500% 29-10-13 29-01-14 58
49. 2013 PT FINANCE 250.000.000 ESI 4,0000% 08-11-13 10-02-14 94
50. 2013 PT FINANCE 250.000.000 ESI 4,0000% 08-11-13 10-02-14 94
51. 2013 PT FINANCE 50.000.000 ESI 4,0000% 20-11-13 20-02-14 92
Total a 31.12.2013 750.000.000€

3724.-Desta forma, R_____, com a colaboração de AP_____ e IA_____e através da influência exercida junto dos dirigentes da PT HG_____HG______ e Z_____desconhecedores que a imagem de solvabilidade da ESI assentava em demonstrações financeiras forjadas que ocultavam que tinha capitais  próprios negativos, logrou que estes determinassem o investimento em obrigações emitidas pela ESI de uma importante parte das disponibilidades de tesouraria do Grupo PT (cópia digitalizada da acusação com as referências Citius 17754038 e 17755923).

Os factos descritos no capítulo 7.4.5.2 da acusação, para os quais o requerente JEC______ remeteu, nos artigos 13 e 26 do pedido de indemnização cível são os seguintes:
7.4.5.-A COLOCAÇÃO DE DÍVIDA DA RIOFORTE E DA ES IRMÃOS AO LONGO DE
7.4.5.1.-INTRODUÇÃO
8657.- Em 2014, na concretização do plano de “reestruturação” do GES, mostrava-se essencial aos intentos dos arguidos assegurar que o ciclo de financiamento do grupo não se interrompia e que os investidores migravam para instrumentos de dívida da RIOFORTE os seus investimentos em dívida titulada emitida pela ESI que, a 31.12.2013, se cifrava em 4118 milhões de euros.
8658.-Objetivo apenas alcançável se àqueles investidores continuasse a ser ocultada a situação de insolvência técnica da ESI, o crescente sobre-endividamento da RIOFORTE, o consequente aumento de exposição da RFI e ES IRMÃOS à ESI e o prejuízo em que incorreriam ao tomar aquela dívida.
8659.-Para tanto, e na distribuição de tarefas para execução do novo esquema de financiamento do GES, gizado por R______, cuja execução foi por este liderada em conjugação de esforços com J… e MFES_____, a que aderiram os demais, coube:
A RS______  e a J... manter no BES e na ES SERVICES as centrais de emissão de crédito titulado, a ser vendido em todas as oportunidades de negócio;
A AP_____ e IA______em articulação com JC_____ e JM…, monitorizar o mapa de vencimento da dívida de todas as sociedades do GES e assegurar a transição da dívida da ESI que maturasse para o Grupo RIOFORTE (RIOFORTE e ES IRMÃOS), num processo controlado pelo DFME;
A RS_____, com a colaboração de AP_____  e IA______estes em violação dos seus deveres funcionais de lealdade para com os investidores em dívida GES, de proteção dos interesses dos acionistas do Grupo BES e ESFG e de pugnar pelo funcionamento regular e transparente do mercado de valores mobiliários e em troca de pagamento de prémios monetários, orientar e instrumentalizar os serviços comerciais do BES para a venda de dívida emitida pela RIOFORTE e pela ES IRMÃOS, assim concretizando o engano patrimonial dos investidores;
A R_____ e JM…, ocultando a real situação patrimonial do GES, determinar os serviços comerciais do BPES a colocar a dívida da RIOFORTE junto dos seus clientes;

E a MFES_____ fazer aprovar o plano de “reestruturação” pelo CA da RFI e viabilizar nos órgãos de governo desta sociedade a emissão de dívida, que seria destinada à ESI e à manutenção dos planos criminosos dos três administradores do GES não financeiro.
8660. Para coordenar o planeamento financeiro da RIOFORTE, R_____determinou a realização de reuniões periódicas, designadamente:
No dia 12.02.2014, pelas 15 horas, em Lisboa, nas instalações do BES, e com a presença de R_____, AP_____, JMES, MFES_____, IA_____, JC_____, J… P..., Jo…, G…, R…, Ri… e JM…, para fazer um ponto de situação da transição da dívida da ESI para a RFI;
No dia 27.02.2014, pelas 10 horas, em Lisboa, com a presença de, pelo menos, RS_____, IIA_____ e MFES_____ para discutir temas da gestão da RIOFORTE;
No dia 20.03.2014, pelas 15 horas, em Lisboa, “reunião de coordenação da RIOFORTE com o BES” em que estiveram presentes, RS_____, IA______ MFES_____ e J…, e em que se discutiu a conclusão do ETRICC 2, a obtenção de financiamento bancário para a RIOFORTE (Projeto Douro) e o fecho de contas da sociedade.
8661.-Também na última semana de março de 2014, no âmbito da preparação de um “sistema de reporte integrado da tesouraria” da ESI e da RIOFORTE, deslocou-se a Lausanne, onde contactou pessoalmente com os funcionários da ES SERVICES.
7.4.5.2.-TOMADA DE DÍVIDA DA RIOFORTE PELO GRUPO PORTUGAL TELECOM
8662.-Em janeiro de 2014, na execução do plano de “reestruturação” do GES gizado, mostrava-se essencial que a dívida ESI tomada pelo Grupo PORTUGAL TELECOM, que, a 31.12.2013, se cifrava em 750 milhões de euros (descritos no quadro seguinte), fosse assumida na íntegra pela RIOFORTE mas ainda que, para além disso, o Grupo PT aumentasse esse investimento para os mil milhões de euros e pelo período de um ano:
OBRIGAÇÕES EMITIDAS PELA ESI TOMADAS PELO GRUPO PT A 31.12.2013
EMISSÃO VENCIMENTO PRAZO ISIN TOMADOR TAXA VALOR
29-10-13 29-01-14 58 ZZZZZ9802752 PT SGPS 3,75% 200.000.000
08-11-13 10-02-14 94 ZZZZZ9802836 PT FINANCE 4,00% 250.000.000
08-11-13 10-02-14 94 ZZZZZ9802844 PT FINANCE 4,00% 250.000.000
20-11-13 20-02-14 92 ZZZZZ9802901 PT FINANCE 4,00% 50.000.000
TOTAL A 31.12.2013 750.000.000

8663.-Com efeito, bem sabiam R_____, e MFES que a ESI, uma sociedade “falida” como a descreveu R_____na reunião do Conselho Superior do GES de 11.04.2014, não tinha capacidade para reembolsar aquela dívida tomada pelo Grupo PT.
8664.-A solução estava então na transferência dessa dívida para a RIOFORTE, justificada pela “reestruturação” do GES.
8665.-Conforme acima referido no separador 5.2.2.1.1 GRUPO PORTUGAL TELECOM, através de estratégia que começou a implementar em 2000, na sequência da celebração de um acordo de parceria estratégica entre o Grupo PT e o Grupo BES, R_____logrou capturar e submeter à sua estratégia para o GES a gestão do Grupo PT, daí retirando elevados proveitos para o BES e para o financiamento do GES.
8666.-Nesse enquadramento, logo em janeiro de 2014, R_____, referindo-lhe o plano de “reestruturação” do GES e apresentando a RIOFORTE como a nova holding de topo do GES, solicitou a HG_____(então a acumular o cargo de presidente do CA da PT SGPS com o cargo de CEO) que os investimentos do Grupo PT em papel comercial da ESI fossem transferidos para Obrigações emitidas pela RIOFORTE, a serem sucessivamente roladas, pelo período de um ano, até fevereiro de 2015.
8667.-HG_____, apenas ciente das constantes necessidades de injeção de dinheiro no GES, mas desconhecedor da situação patrimonial concreta da ESI, e das nefastas consequências do plano de “reestruturação” do GES na situação patrimonial da RIOFORTE, factos ocultados por R______, acedeu àquele pedido.
8668.-Para o efeito, solicitou a LPM_____ CFO do Grupo PT, que se deslocasse à sede do BES, em Lisboa, para se reunir com R_____ a fim de tratar o tema da transferência das aplicações financeiras de curto prazo do Grupo PT em títulos da ESI para títulos da RIOFORTE.
8669.-Nessa reunião, em 28.01.2014, RS_____transmitiu a LPM____ que, em virtude de ter existido uma reorganização do GRUPO ESPÍRITO SANTO, os títulos da ESI, subscritos pelas empresas do Grupo PORTUGAL TELECOM, deveriam ser substituídos por títulos da RIOFORTE.
8670.-R_____, novamente ocultando as consequências do plano de “reestruturação” do GES para a situação patrimonial da RIOFORTE, designadamente a sua incapacidade futura em reembolsar os elevados montantes de dívida que iria emitir ao longo de 2014, alegou então que em termos de risco, comparativamente à ESI, a RIOFORTE apresentava vantagens por se encontrar mais próxima dos ativos do GES, uma vez que era a nova holding final do GES.
8671.-Terminada a reunião, LPM____ logo deu conhecimento a HG_____ do seu teor, mas alertou-o para a circunstância de que os montantes investidos em dívida da ESI, e que RS_____ pretendia que fossem investidos em RIOFORTE, teriam que ser desmobilizados em março de 2014.
8672.-E porquanto tinham de ser utilizados no aumento do capital social da sociedade brasileira OI S.A. (OI) em cumprimento do acordo entre a PT e a OI consignado em Memorando de Entendimentos, datado de 02.10.2013, pelo qual estas sociedades anunciaram a intenção de proceder à combinação de negócios numa única entidade cotada de direito brasileiro.

8673.-Com efeito, naquele Memorando de Entendimentos encontravam-se definidos um conjunto de compromissos, entre os quais:
Aumento de capital da OI a subscrever pela PT SGPS mediante entradas em espécie consistentes na totalidade dos seus ativos operacionais;
Subscrição pela PT SGPS, através das suas subsidiárias no Brasil, de Obrigações convertíveis em ações representativas do capital social das sociedades brasileiras ANDRADE GUTIERRES TELECOMUNICAÇÕES LTDA (AG TELECOM) e LA FONTE TEL SA (do Grupo JEREISSATI TELECOM SA), titulares de participações sociais na OI.
8674.-Para a concretização dos investimentos dos fundos de tesouraria da PT em Obrigações RIOFORTE, e tal como já vinha fazendo relativamente aos investimentos da PT em dívida da ESI, R_____ convocou os esforços de IIA_____ e AP_____, também administrador executivo da PT, acedendo estes em continuar a colaborar na execução daquele plano em troco de recompensas financeiras, ocultando as consequências da “reestruturação” do GES na situação patrimonial da RIOFORTE e apesar de cientes dos prejuízos que daí adviriam para o Grupo PT.
8675.-Nesse âmbito, em 27.01.2014, IIA_____diligenciou para que fosse entregue a C…, diretor de finanças corporativas do Grupo PT, um documento intitulado Rio Forte Corporate Overview January 2014 bem como informação das taxas de juro propostas para as aplicações Obrigações RIOFORTE.
8676.-No entanto, e como bem sabia IA_____a informação prestada pelo BES sobre a RIOFORTE naquele documento era lacunar já que, para além de não incluir nem as demonstrações financeiras da RIOFORTE nem quaisquer dados sobre as mesmas, a fls. 6 contemplava apenas uma breve referência aos valores de ativos, equity e net financial debt da ES IRMÃOS.
8677.-Nesses valores, e conforme acima já referido no separador 7.4.4.3, não se denotava o enorme desequilíbrio financeiro da ES IRMÃOS, materializado num fundo de maneio negativo de 1582,6 milhões de euros para o qual era determinante a existência de uma dívida desta sociedade no valor de 1711,6 milhões de euros decorrente da aquisição à ESI da participação na ESFG (789 milhões de euros em dívida à ESI e 922,6 milhões de euros em dívida à RIOFORTE), como veio a constar das contas de 2013 da sociedade, aí referenciada como “Outras contas a pagar”.
8678.-A situação patrimonial da ES IRMÃOS a 31.12.2013 era ainda mais grave que a espelhada nas contas já que o valor da participação da ESFG estava empolado pelo efeito dos aspetos anteriormente referidos. No limite, se aquela participação estivesse valorizada ao valor de cotação de bolsa, a ES IRMÃOS revelaria estar em situação de insolvência técnica.
8679.-Também em 27.01.2014, em conference call que manteve com o diretor de finanças do Grupo PT, C…, e LPM____ CFO da PT, que pretendiam esclarecimentos quanto à migração dos montantes até aí investidos pela PT em Obrigações ESI para Obrigações RIOFORTE, IA_____ reafirmando a mensagem falsa antes transmitida por R______ a HG_____, referiu que a RIOFORTE era uma sociedade sólida, que por via da “reestruturação” do GES estava “mais próxima dos ativos do GES” e acrescentou que os responsáveis da RIOFORTE estariam disponíveis para prestar quaisquer esclarecimentos pretendidos, o que aqueles estranharam porquanto até aí todos os investimentos da PT em dívida da ESI apenas envolviam contactos com os responsáveis do DFME do BES.
8680.-Num primeiro momento, e por em 29.01.2014 se vencer a aplicação da PT SGPS de 200 milhões de euros em dívida da ESI com o ISIN ZZZZZ…, acima referida no quadro no ponto 8662, não foi tomada qualquer decisão quanto à subscrição da dívida da RIOFORTE, pelo que tal aplicação na ESI foi renovada, mas apenas por 15 dias, com vencimento em 13.02.2013.
OBRIGAÇÃO ESI TOMADA PELA PT SGPS
EMISSÃO VENCIMENTO PRAZO ISIN TOMADOR TAXA VALOR
29-01-14 13-02-14 16 ZZZZZ… PT SGPS 2,25% 200.000.000
8681.-No entanto, nos primeiros dias de fevereiro de 2014, e na sequência de almoço organizado por R_____em 03.02.2014 e que reuniu AP_____, HG_____e LPM_____ e em que os arguidos voltaram a veicular a ideia falsa de que a RIOFORTE era uma sociedade sólida e que o investimento em dívida por ela emitida era seguro, aqueles responsáveis da PT decidiram reinvestir os 750 milhões de euros da PT aplicados na ESI em papel comercial da RIOFORTE aquando do vencimento destas aplicações pendentes, e ainda aumentar o valor total desse investimento para 900 milhões de euros.
8682.-Consequentemente, em 04.02.2014, e por ordem de IA_____o BES transmitiu ao diretor de finanças da PT “o interesse da RIOFORTE” em fazer uma emissão de Obrigação de 500 milhões de euros, para o efeito tendo sido remetido o Prospeto do Programa de EMTN da RFI, datado de 21.09.2012 e que incluía apenas um sumário das contas de 2010 e 2011 da sociedade, assim ocultando o agravamento da situação patrimonial da RIOFORTE verificado nas contas de 2012 e ainda em 2013, por via do aumento dos avanços à ESI e da “reestruturação” do GES.

8683.-Assim, no mês de fevereiro de 2014, e aquando do vencimento das Obrigações ESI que havia tomado, o Grupo PT investiu 897 milhões de euros nas seguintes Obrigações RIOFORTE:
OBRIGAÇÕES RIOFORTE TOMADAS PELO GRUPO PT EM 02.2014
EMISSÃO VENCIMENTO ISIN TOMADOR TAXA VALOR
10-02-14 15-04-14 XS1032634765 PT FINANCE 3,75% 500.000.000
13-02-14 15-04-14 XS1034381365 PT SGPS 3,00% 200.000.000
20-02-14 17-04-14 XS1038121510 PT FINANCE 3,75% 50.000.000
21-02-14 15-04-14 XS1039332264 PT FINANCE 3,75% 147.000.000
TOTAL 897.000.000

8684.-Para que o Grupo PT pudesse tomar este valor total de dívida da RIOFORTE, e uma vez que com a emissão da Obrigação de 500 milhões de euros em 10.02.2014 se tinha esgotado o valor máximo do Programa de EMTN da RIOFORTE, em 12.02.2014, aproveitando a deslocação a Lisboa de Jo… da  (diretor geral do COMEX do BPES), foi celebrado entre a RFI, o BPES e o BPES Sucursal em Portugal, um acordo de subscrição e acordo de agenciamento fiscal, com vista à emissão pela RFI de fixed rated notes até ao montante de 200 milhões de euros, com maturidade em abril de 2014, ao abrigo do qual foi então emitida a note no valor de 200 milhões de euros em 13.02.2014.
8685.-Estes 897 milhões de euros investidos pelo Grupo PT em Obrigações RIOFORTE mostraram-se essenciais para que a RIOFORTE efetuasse avanços à ES IRMÃOS, por esta depois utilizados para saldar a dívida à ESI pela compra da participação social na ESFG.

8686.-Com efeito, e conforme especificado no quadro seguinte, até 31.03.2014 a RIOFORTE adiantou à ES IRMÃOS 888,7 milhões de euros, sendo que as emissões dos dias 10 e 13.02.2014 tomadas pelo Grupo PT, no valor de 500 milhões de euros e 200 milhões de euros, respetivamente, permitiram à RIOFORTE, nessas mesmas datas, transferir esses exatos montantes para a ES IRMÃOS:
AVANÇOS DA RIOFORTE À ES IRMAOS EM 2014
DATA VALOR
10-02-14 500.000.000€
11-02-14 4.350.000€
12-02-14 39.600.000€
12-02-14 70.700.000€
13-02-14 200.000.000€
19-02-14 74.000.000€
AVANÇOS DA RIOFORTE À ES  IRMAOS EM 2014
DATA VALOR
TOTAL 888.650.000,00 €

8687.-Todavia, e porquanto o valor de 897 milhões de euros investido pela PT não era suficiente para cobrir as necessidades de financiamento do GES, designadamente da ESI, em 18.02.2014, AP_____, sob instrução de R______, abordou LPM_____ solicitando-lhe que a PORTUGAL TELECOM investisse mais 100 milhões de euros em Obrigações da RIOFORTE.
8688.-Quando informado por LPM____ da indisponibilidade de fundos da PT para satisfazer aquele pedido, AP_____ mostrou-se “aflito”, como referiu P… ainda nesse dia em mensagem que enviou a C….
8689.-Por exigência do C…, e porque em meados de abril seria necessário ter liquidez para a transferência de ativos de PT SGPS para a PT PORTUGAL no âmbito da operação de combinação de negócios entre a PT e a OI, as aplicações do Grupo PT em Obrigações RIOFORTE foram feitas com maturidade a 15 e 17.04.2014.
8690.-No entanto, em março de 2014, ciente de que aquando da maturidade das Obrigações tomadas pelo Grupo PT a RIOFORTE não teria dinheiro para as reembolsar, R______, ocultando esse facto, acordou com ZB_____ (então Presidente Eecutivo da OI), S… e C… (representantes das sociedades ANDRADE GUTIERRES TELECOMUNICAÇÕES LTDA e LA FONTE TEL SA, titulares de participações sociais na OI), que, no âmbito da concretização da combinação de negócios entre a PT e a OI, em contrapartida da participação da PORTUGAL TELECOM no aumento de capital na sociedade OI através da entrega dos seus ativos e da subscrição de Obrigações convertíveis possibilitando os fundos necessários à liquidação da dívida daquelas sociedades brasileiras, aqueles se comprometiam a que a OI mantivesse as aplicações Obrigações RIOFORTE.
8691.-A esse mesmo acordo veio R_____a aludir em e-mail que enviou a SA_____ em 08.07.2014.
8692.-De tal acordo foi dado conhecimento a HG_____, que, tal como Z_____desconhecedor da incapacidade da RIOFORTE em reembolsar aqueles títulos, determinou a renovação do investimento em papel comercial da RIOFORTE aquando do seu vencimento em abril de 2014.
8693.-Para tanto, em 25.03.2014, HG_____ solicitou a LPM____ que se deslocasse à sede do BES para reunir com AP_____ para discutir a rolagem dos títulos da RIOFORTE aquando do seu vencimento.
8694.-Na referida reunião, para a qual LPM_____se fez acompanhar de C…, AP_____, ao ser confrontado com a resistência daqueles à renovação das aplicações da PT na RIOFORTE, sabendo que a RIOFORTE não teria capacidade para reembolsar as Obrigações tomadas pela PT e na prossecução da conduta já adotada aquando da colocação daquelas Obrigações em fevereiro, informou-os que essa decisão já tinha sido acordada entre RS_____, HG_____ e Z_____ pelo que os investimentos de curto prazo em títulos da RIOFORTE teriam que ser renovados, e pelo prazo de um ano.
8695.-Nesse mesmo dia, regressado da reunião, LPM_____deu conhecimento do seu teor a HG_____que então ordenou a renovação das aplicações na RIOFORTE, mas apenas por três meses.

8696.-Em cumprimento da decisão de renovação dos títulos da RIOFORTE tomada por HG_____, as aplicações em títulos da RIOFORTE emitidos em 13, 20 e 21.02.2014, acima referidas no ponto 8683, foram renovadas em 15 e 17.04.2014, com maturidade a 15 e 17.07.2014, mantendo-se assim o investimento do Grupo PT em Obrigações RIOFORTE no valor global de 897 milhões de euros, conforme discriminado no seguinte quadro:
OBRIGAÇÕES RIOFORTE TOMADAS PELO GRUPO PT EM 04.2014
EMISSÃO VENCIMENTO ISIN TOMADOR TAXA VALOR
15-04-14 15-07-14 XS1059531860 PT FINANCE 3,75% 647.000.000
15-04-14 15-07-14 XS1059623121 PT SGPS 3,00% 200.000.000
17-04-14 17-07-14 XS1059623394 PT FINANCE 3,75% 50.000.000
Total 897.000.000

8697.-Em 05.05.2014, aquando da liquidação do aumento de capital da OI, a PORTUGAL TELECOM contribuiu com os ativos que haviam sido transferidos para a PT Portugal, incluindo as Obrigações RIOFORTE no valor de 897 milhões de euros, subscritas pela PT SGPS e pela PT FINANCE.
8698.-Consequentemente, depois de em julho de 2014 a RIOFORTE não ter reembolsado estas Obrigações tomadas pelo Grupo PT, em processo que veio a culminar na sua insolvência, a PT SGPS (atual PHAROL SGPS) sofreu um prejuízo de 897 milhões de euros.
8699.-Na sequência do não reembolso pela RIOFORTE do capital e do não pagamento dos juros relativos à subscrição daquelas Obrigações, e porquanto os representantes da OI logo alegaram não terem conhecimento desse investimento, realizado já depois de celebrado o Memorando de Entendimento, e que, na sequência do aumento de capital realizado em 05.05.2014, se encontrava já no perímetro da OI, a PT SGPS viu-se obrigada a renegociar os termos da Combinação de Negócios então em curso com a OI.
8700.-Pelo que, a 30.03.2015, em cumprimento do contrato de permuta celebrado em 8 de setembro de 2014 entre a PT SGPS e a OI SA, a PT SGPS recebeu da PT FINANCE e PT PORTUGAL, empresas subsidiárias da OI desde o aumento de capital de 05.05.2014, o papel comercial da RIOFORTE com o valor total de 897 milhões de euros, e, em troca, entregou-lhes cerca de 474 milhões de ações ordinárias e 948 milhões de ações preferenciais representativas do capital social da OI, assim ficando com participação mais reduzida no capital social desta (cópia digitalizada da acusação com as referências Citius 17754038 e 17755923).

O despacho recorrido indeferiu o pedido de constituição como assistente formulado pelo recorrente JEC_____ e tem o seguinte teor (transcrição):
Fls. 63184 a 63185, com referência aos Apensos Q D56, Q-D76, Q-D79, Q- D81, Q-D83, Q-D84. Q-D86, Q-D88, Q-D93, Q-D100 a Q-D103, Q-D105 a Q-D107, Q-D112 a Q-D114 - ………….(efectuaram pagamento apenas de um único montante relativamente a taxa de justiça), J…, I…, JEC______  S…, Ab…, MM…, VM…, ME…. , V…, JEC____, PC…, LP…, MC…, J T…, JEC______ MR…, MF…, JJ…, MS…, AS…, vêm requerer a respectiva constituição como assistente nos termos do art° 68° n° 1 al. a) e 3 do Código de Processo Penal.
Todos estes requerentes, fundamentam o seu pedido (como decorre do pedido de indemnização civil) na aquisição de acções da Portugal Telecom, Portugal Telecom, SGPS e/ou da PT Multimédia, PT International Finance, BV.
Porém, verifica-se como aduzido pelo titular da acção penal que, tais instrumentos de dívida não são objecto do despacho de encerramento do inquérito proferido nestes autos no dia 14.07.2020, pelo que corroboramos o entendimento sancionado pelo detentor da acção penal de que, no âmbito do presente inquérito, não têm os requerentes legitimidade para se constituírem assistentes, nos termos e para os efeitos do art. 68º nº 1 al. a) do Código de Processo Penal, pelo que se indeferem os respectivos pedidos.
Notifique.

2.3.–Apreciação do Mérito do Recurso

O Código de Processo Penal (CPP) não define directa e expressamente um conceito de assistente, limitando-se a indicar quem se pode constituir como tal e a estruturar a correspondente posição processual e suas atribuições.
Assim, segundo o disposto no art. 68º, podem constituir-se assistentes: as pessoas e entidades a quem leis especiais conferirem esse direito (corpo do nº 1 do artigo 68º); os ofendidos, maiores de 16 anos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação (alínea a) do nº 1 do artigo 68º); as pessoas de cuja queixa ou acusação particular depender o procedimento (alínea b) do nº 1 do artigo 68º); os representantes do ofendido falecido, não renunciante, incapaz ou menor de 16 anos (alíneas c) e d) do nº 1 do artigo 68º) e qualquer pessoa em determinados crimes expressamente indicados, como é o caso dos crimes contra a paz e a humanidade, de tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário, denegação de justiça, prevaricação, corrupção, peculato, participação económica em negócio, abuso de poder e de fraude na obtenção ou desvio de subsídio ou subvenção (alínea e) do n.º 1 do artigo 68º).
O CPP prevê, ainda, uma panóplia de direitos de intervenção no processo, entre os quais se destacam os poderes de deduzir acusação; de requerer a instrução (no caso de arquivamento dos autos por decisão do Mº. Pº.); de apresentar provas, durante o inquérito, a instrução e o julgamento, de ser ouvido, de interpor recurso da decisão final absolutória, inerentes a esse estatuto, para além de outros, expressamente reconhecidos ao assistente, nos arts. 68º; 69º; 284º; 285º; 287º nº 1 al. b); 341º al. b); 346º; 401º nº 1 al. b).
E, no art. 69º nº 1, assume de forma clara que o assistente é um colaborador do Mº. Pº., devendo, por regra, subordinar a sua intervenção no processo à actividade do Mº. Pº.
A previsão do assistente como um sujeito processual, é uma especificidade do CPP português sem paralelo no Direito Comparado, fruto da pretensão do legislador português, no sentido de assegurar o equilíbrio entre a natureza pública do exercício da acção penal, atribuído a um órgão do Estado, o Mº. Pº. (art. 219º da CRP), em sintonia com o interesse eminentemente público do jus puniendi como direito exclusivo do Estado e com as exigências de observância do princípio da legalidade e de defesa da legalidade democrática e as finalidades de protecção da vítima, para cuja prossecução «mais decisivo ainda que o auxílio “social” em sentido amplo que lhe possa ser prestado é o conferir-lhe voz autónoma, logo ao nível do processo penal, permitindo-lhe uma acção conformadora do sentido da decisão final» (Figueiredo Dias, «Sobre os sujeitos processuais no novo Código de Processo Penal», in Jornadas de Processo Penal, Centro de Estudos Judiciários, p. 10).
O regime jurídico atinente à figura do assistente alicerça-se, pois, na constatação de que o reconhecimento ao ofendido do direito de intervir no processo, nos termos da lei, deve ser uma das garantias do processo criminal (art. 32º nº 7 da CRP), de harmonia, aliás, com os princípios constitucionais mais genéricos do acesso de todos os cidadãos ao direito e aos Tribunais para defesa dos seus direitos e interesses e do direito à tutela jurisdicional efectiva, consagrados no art. 20º nºs 1 e 4 da CRP, embora não equiparáveis às garantias de defesa reconhecidas ao arguido, pois que o art. 32º nº 1 da CRP visa exclusivamente o arguido e não também o assistente (cfr., entre outros, os Acórdãos do TC nºs 194/2000, 259/2002, 464/2003, 326/2012, 118/2017 e 281/2020, in http://www.tribunalconstituicional.pt e Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª ed., Coimbra, 2014, pp. 516 e 523).
A consideração de que o crime ofende principalmente interesses da comunidade não anula a constatação de «que em grande número de crimes quem primeiro sofre o mal do crime são os particulares e, por isso, a sua participação activa no processo permite dar-lhes satisfação pela ofensa sofrida, convencendo-os da efectivação da justiça no caso, e trazer ao processo a sua colaboração» (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, p. 240).
Assim «o assistente está legitimado a agir no processo penal, enquanto detentor de um específico interesse na questão de direito sujeita a apreciação judicial. Sendo que esse interesse, embora particular, é um elemento de ponderação na concreta decisão do caso, pelo que a intervenção do assistente é também uma exigência de ordem pública (pois que a decisão justa é aquela que tem por suporte a consideração de todos os pontos juridicamente relevantes - incluindo o do assistente)» (Damião da Cunha, «A participação dos particulares no exercício da acção penal», RPCC, 8, p. 593).
Porém, se «(…) a experiência nos patenteia do quanto é eficaz e benéfica a ampla colaboração dos particulares na acusação, (…) eles possam, muitas vezes, levar para o processo uma natural paixão que desvirtua a função da acusação, essa paixão pode e deve ser eficazmente contrabalançada pela imparcialidade tanto do Ministério Público como do juiz» (Luís Osório, Comentário ao Código de Processo Penal Português, I, pp. 192 e segs. No mesmo sentido, art. 2º nº 1, 7 e 11 da Lei de autorização legislativa do actual Código de Processo Penal (Lei n.º 43/86, de 26 de Setembro).
Para o que releva no caso vertente, a legitimidade para a constituição como assistente só pode ser apreciada, de acordo com a previsão legal contida no art. 68º nº 1 al. a) do CPP, quanto aos crimes em investigação, nestes autos, que não integram o catálogo da al. e) do art. 68º nº 1, nem são crimes de natureza semi-pública ou particular, como é o caso dos crimes de burla e falsificação, imputados aos arguidos, já que foi exclusivamente com fundamento no disposto no art. 68º nº 1 al. a) do CPP que o recorrente requereu a sua intervenção como assistente.
Nos termos da daquela disposição legal, o ofendido com legitimidade para se constituir assistente, tem um sentido mais restrito do que o conceito geral de ofendido e, portanto, não basta que tenha sofrido prejuízos com o crime, é essencial que este crime o haja atingido directa e particularmente. É o ofendido com o significado estrito de pessoa titular dos interesses que a lei quis especialmente proteger com a incriminação, a título pessoal directo, ou por representação, na acepção contida no art. 113º nº 1 do CP.
Efectivamente, o conceito de ofendido é mais amplo do que deve ser o de assistente, pois que, se é certo que o ponto de partida na construção do critério de atribuição da legitimidade para a constituição como assistente, se localiza na condição de ofendido, tal como resulta do próprio texto da alínea a) do nº 1 do artigo 68º do CPP, a verdade é que a lei penal não exige que o ofendido seja titular do direito protegido pela incriminação.
É que o nº 1 do artigo 113º do Código Penal, ao mencionar expressamente o «titular dos interesses», para se referir ao ofendido, significa que o reconhecimento da legitimidade para o exercício de direitos processuais do ofendido, só depende da existência de um interesse, o qual pode nem envolver a titularidade do bem jurídico visado pela norma que tipifica o crime (por outro lado, também pode nem coincidir com o conceito de lesado, pois este é apenas referido a pessoas que sofreram as consequências civis da prática do crime – ou seja, prejuízos ligados por um nexo de causalidade à conduta delituosa e cujo ressarcimento esteja legalmente previsto).
Assim, o ofendido só terá legitimidade para se constituir assistente, no processo penal, se for o titular do interesse directo, imediata e predominantemente protegido pela incriminação, sendo este conceito restritivo o que melhor se adequa, quer ao teor literal do art. 68º nº 1 al. a) do CPP, especialmente, à expressão «interesse que a lei especialmente quis proteger», quer ao princípio geral consagrado no art. 9º do CC de que nenhum resultado da interpretação normativa pode ser validado, se não tiver correspondência no texto da lei e à presunção de que o legislador consagrou as soluções jurídicas mais justas e adequadas a cada caso.
Este conceito restrito é o que entronca directamente na tradição legislativa iniciada com o art. 11º do CPP de 1929 e, depois com as alterações àquele preceito introduzidas pelo Decreto-Lei nº 35007 de 13 de Outubro, em cujo texto se perfilhou o conceito restrito de ofendido, porque era imperioso afirmar expressa e claramente a natureza pública do processo penal (cfr. os arts. 1º, 4º e 5º do citado Decreto Lei 35007), para o que se revelou necessário substituir as anteriores «partes acusadoras» pelo actual assistente e sublinhar a competência tendencialmente exclusiva ou principal do Estado, por via de representação pelo Ministério Público, para o exercício do jus puniendi, permitindo a intervenção do assistente, sim, mas apenas como auxiliar ou colaborador da entidade promotora do processo criminal e relativamente à qual subordinou a respetiva actividade.
De resto, a alusão restritiva a interesse que a lei quis especialmente proteger com a incriminação é ainda a que melhor se adequa à natureza pública do processo penal e à regra, dela resultante, de que a titularidade da acção penal compete, em regra, ao Ministério Público, tal como anunciado no art. 219º nº 1 da CRP.
Não podem, pois, ser incluídos no universo de pessoas com legitimidade para se constituírem assistentes, os titulares de interesses mediata ou só indirectamente protegidos, de uma ofensa indirecta ou de interesses morais. A ofensa de tais valores, pela prática do crime, poderá, quanto muito, atribuir-lhes a condição de lesados e, nessa qualidade, a de sujeitos processuais como partes civis, mas não a possibilidade de intervir no processo penal, como assistentes.
Em contrapartida, a própria Constituição relegou para o legislador ordinário a densificação do direito de intervir no processo, reconhecendo-lhe autonomia na função modeladora e normativo-constitutiva de determinação da universalidade de processos em que o ofendido pode intervir, na qualidade de assistente.
Por isso que, afinal, o artigo 68.º nº 1 al. a) do CPP consagra um conceito de ofendido que não é assim tão restrito, «(…) ainda que não reconheça um conceito de tal forma amplo que possa englobar a totalidade das pessoas prejudicadas pelo facto criminoso. Assim, consagra a noção operatória e concetual de ofendido através duma especificidade multifacetada ou poligonal do bem jurídico que serve de base ao tipo violado e à própria situação em apreço. Assim, cria uma dependência em torno do conceito de bem jurídico. (…) o conceito legal de ofendido é pois restrito, conclusão inexorável imposta por lei, sendo que se aceitarmos um conceito amplo de ofendido poderíamos obter como resultado consequências desastrosas para o processo (…) a problemática, assenta não no conceito de ofendido, mas na identificação do bem jurídico protegido pelo crime que estiver em causa» (Maria Luísa Henriques Tembo, “A Constituição de Assistente”, Dissertação de Mestrado, na Área de Especialização em Ciências Jurídico-Forenses apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Orientada pela Senhora Dra. Cláudia Santos, Coimbra, 2015, p. 35, in https://eg.uc.pt/bitstream/10316/34890/1/A%20Constituicao%20de%20Assistente.pdf).
O conceito de ofendido, para efeitos da sua intervenção como assistente, nos termos do art. 68º do CPP, passa a «ser adaptado à realidade sociológica da vítima e à realidade normativa da titularidade do bem jurídico da norma incriminadora em análise, pelo que comporta vantagens de política criminal, abrindo portas também para uma aproximação entre o sistema penal e o processo penal, pois, não é abandonada a natureza pública do processo penal e não é descaracterizada a figura do assistente amplificando ou remodelando a figura que existe atualmente às novas exigências da moderna sociedade.» (Frederico de Lacerda da Costa Pinto, «O estatuto do Lesado no Processo Penal», in Estudos em homenagem a Cunha Rodrigues, vol. 1, Coimbra Editora, 2001).
É em sintonia com este concomitante estreitamento do conceito de ofendido e ampliação do espectro da definição de bem jurídico que os AUJ do STJ nºs 1/2003 de 16 de Janeiro, 8/2006 de 28 de Novembro e 10/2010 e 17 de Novembro fixaram jurisprudência em matéria de critério determinante da legitimidade para a constituição como assistente, em relação aos crimes de falsificação, de denúncia caluniosa e de desobediência qualificada por violação de providência cautelar, respectivamente, à pessoa cujo prejuízo haja sido visado pelo autor do crime, ao caluniado e ao requerente da providência cautelar  (cfr. DR, Série I-A de 27.02.2003, DR Série I-A de 28 de Novembro de 2006 e DR Série I -A de 16.12.2010).
São, pois, apenas os ofendidos que sejam os titulares dos interesses que a lei penal tem especialmente por fim proteger, quando previu e puniu a infracção e que esta ofendeu ou pôs em perigo, que têm legitimidade substantiva para se constituírem como assistentes.
Ora, a determinação de qual é o bem jurídico ou bens jurídicos (no caso dos crimes pluriofensivos ou complexos em que a tutela abrange vários direitos/interesses) que constituem o objecto imediato da incriminação, envolve a análise dos elementos constitutivos do tipo legal de crime e a sua inserção sistemática, na parte especial do Código Penal, a fim de descortinar qual o universo desses titulares de interesses legalmente protegidos (José António Barreiros, Sistema e Estrutura do Processo Penal Português, II, pp. 156 e segs.; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, p. 240; Damião da Cunha, «Algumas reflexões sobre o estatuto do assistente e seu representante no direito processual penal português» RPCC, 5.º, 1995, p. 153, e «A participação dos particulares no exercício da acção penal», mesma RPCC, 8.º, pp. 593 e segs.; Teresa Beleza, Apontamentos de Direito Processual Penal, III, p. 206).
Os factos com fundamento nos quais o requerente pretende intervir como assistente, como o próprio indica, são, para além da aquisição de 15.500 ações nominativas emitidas pela Portugal Telecom ou Portugal Telecom SGPS, que resultam das operações de compra de 4.000 ações efectuadas entre 2005 e 2014, nas quais despendeu € 43.055,60, a circunstância de as mesmas já não terem qualquer valor, em resultado, não do risco próprio inerente ao funcionamento dos mercados de valores mobiliários, mas fruto do comportamento delituoso dos arguidos contra os quais deduziu o pedido cível e descrito nos factos alegados na acusação sob os pontos 5.2.2.1.1. e 7.4.5.2.
Efectivamente, se comparado o teor dos artigos 3º a 100º do pedido de indemnização civil formulado pelo recorrente JEC_____com os artigos 3711 a 3724 (páginas 983 a 990, capítulo 5.2.2.1.1) da acusação e com os artigos 8662 a 8700 (páginas 2699 a 2709, capítulo 7.4.5.2) da acusação, constata-se que existe uma quase exacta reprodução, no pedido cível, da sucessão de factos imputados na acusação aos arguidos RS____, Jo…, MFES, AP____, IIA_____a que se referem aqueles artigos 3711 a 3724 e 8662 a 8700.
Os mencionados artigos 3711 a 3724 descrevem a estratégia concebida por R_____coadjuvado pelos arguidos JO… e MFES_____ e por todos executada de tornar o grupo BES um dos principais accionistas da Portugal Telecom SGPS e as formas como através de dois administradores da PT nomeados pelo BES (os arguidos JG_____ e AP_____) e ainda de outros executivos colocados em lugares decisivos da administração da PT por indicação do arguido R______, conseguiram financiar as empresas do grupo BES com o dinheiro da Portugal Telecom SGPS, ora através de depósitos do Grupo PT no BES, ora pela tomada de obrigações, até 2008 as comercializadas pelo Grupo BES e, a partir de 2010, as emitidas pela ESI, do que resultou que, entre 2001 e 2013, a PT concentrasse montantes significativos da sua tesouraria em depósitos no BES e obrigações (destas, a partir de 2010, as emitidas pela ESI), em valores anuais que oscilaram entre 366 e 2851 milhões de euros, e que, em 31.12.2013, se fixavam em 1691 milhões de euros, representando 91% do total de tesouraria da PT.
Por seu turno, os pontos 8662 a 8700 da acusação descrevem um estratagema e diversas manobras levadas a cabo pelos arguidos R______, Jo…, MFES_____, AP_____, JG…, IIA_____seja através da prestação de informações falsas, ou incompletas acerca da real solvabilidade da ESI e da Rioforte, seja da colocação de administradores de confiança e em lugares decisivos no conselho de administração da PT que a levaram a descapitalizar-se, por efeito de pagamentos feitos pelo Grupo PT ao grupo BES, entre 2010 e 2013, por serviços prestados e de pagamentos de dividendos, de cerca de 864 milhões de euros, bem assim, em resultado de investimentos da PT em obrigações ESI, investimentos estes que foram sendo realizados de forma crescente, passando de 400 milhões de euros em 31.12.2010, para 550 milhões de euros em finais de 2011, fixando-se em 750 milhões de euros em 31.12.2013 e, depois, em 2014, através de um estratagema alicerçado numa falsa aparência de uma reestruturação do GES e da consequente criação de uma nova holding supostamente dotada de grande solidez financeira e solvabilidade, a RIOFORTE, o que implicava que os investimentos do Grupo PT em papel comercial da ESI fossem transferidos para Obrigações emitidas pela RIOFORTE, aumentando o Grupo PT o seu investimento para os mil milhões de euros, pelo período de um ano, até fevereiro de 2015, ou ainda veiculando a ideia de que a RIOFORTE era uma sociedade sólida e que o investimento em dívida por ela emitida era seguro, determinando assim os responsáveis da PT a reinvestir os 750 milhões de euros da PT aplicados na ESI em papel comercial da RIOFORTE aquando do vencimento destas aplicações pendentes, e ainda aumentar o valor total desse investimento para 900 milhões de euros, bem sabendo os arguidos RS____, JMES_____ e MFES_____que a ESI era uma sociedade “falida” e sem qualquer capacidade para reembolsar aquela dívida tomada pelo Grupo PT, porquanto a ESI tinha capitais próprios negativos de, pelo menos, 1609,6 milhões de euros, valor que, se a participação sobre a ESFG fosse ajustada para a cotação em bolsa, atingiria a expressão negativa de 2.791 milhões de euros, o mesmo sucedendo com a RIOFORTE, que lhe sucedeu e para a qual foi transferida a maior parte daquele passivo.
Com fundamento nestes factos, o Mº. Pº. imputou àqueles arguidos a prática, para além do mais, de crimes de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º nº 1 e 218º nºs 1 e 2 al. a) do CP.
O recorrente alicerça a sua legitimidade para intervir como assistente neste tipo de crime e ainda, nos de falsificação e de infidelidade que, segundo a sua leitura da acusação, também foram imputados aos arguidos, com fundamento nos mesmos factos.
O art. 217º do Código Penal prevê, como elementos constitutivos do crime de burla, o uso de erro ou engano sobre factos, astuciosamente provocados para determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou a terceiro, prejuízo patrimonial e a intenção do agente de obter para si próprio ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo, este último definido com recurso ao conceito civilístico de enriquecimento sem causa - o enriquecimento de alguém, com o consequente empobrecimento de outrem, a existência de nexo causal entre essas duas situações e a ausência de causa justificativa, para tal empobrecimento - tal como previsto no art. 473º do CC (cfr., quanto à mencionada equiparação do enriquecimento, os Acs. da Relação de Coimbra de 19.02.86, CJ, Tomo I, p. 63; da Relação do Porto de 10.05.2006, in http://www.dgsi.pt; do STJ de 23.01.97, BMJ nº 463, p. 276 e de 08.11.2007; da Relação de Évora de 05.07.2016, proc. 23/12.7TAPRL.E1, in http://www.dgsi.pt).
O bem jurídico protegido, neste tipo de ilícito penal, é o património, globalmente considerado na sua perspectiva económico-jurídica, como o acervo de direitos subjectivos (reais ou obrigacionais), a que se somam os lucros cessantes e as expectativas de vantagens jurídico-económicas, todos bens e direitos materiais e imateriais, desde que susceptíveis de quantificação pecuniária e, por isso mesmo, dotados de valor económico e conquanto sejam protegidos pela ordem jurídica, ou pelo menos, a sua fruição não seja por esta desaprovada, uma vez que esta concepção económico-jurídica do património é a única  consentânea com a natureza do crime de burla como um crime contra o património e como um crime de dano (nesse sentido, Almeida Costa, Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo II, p. 275/276; José António Barreiros, Crimes contra o património, Lisboa: Edição da Universidade Lusíada, 1996, pág. 148 e 152; A. Lopes de Almeida/, Lopes do Rego/ Guilherme da Fonseca/Marques Borges/ Varga Gomes, Crimes contra o património em geral (Nota ao código penal), Lisboa: Editora Reis dos Livros, 1983, pág. 19 e 25 e, Manuel Lopes Maia Gonçalves, Código penal português (anotado e comentado), 14.ª ed., Coimbra: Livraria Almedina, 2001, pág. 690 e por todos, Acs. do STJ de 27.06.2001; de 24.05.2006, de 4.12.2008; de 16.06.2010 e Acs. da Relação de Coimbra de 02.06.2009; de 08.02.2012, proc. 522/01.6TACBR.C2 e de 07.04.2016, proc. 798/15.1T9GRD-A.C1; Ac. da Relação de Lisboa de 20.04.2012, proc. 1174/06.2TAFIG.L1-5; Ac. da Relação do Porto de 11.01.2017, proc. 1830/12.6JAPRT.P1, in http://www.dgsi.pt).

O preenchimento do tipo exige um duplo nexo de causalidade – entre o erro ou engano provocados astuciosamente pelo agente e a prática, pelo sujeito passivo, de actos tendentes a uma diminuição do património próprio ou alheio (portanto, a conduta enganatória do autor do crime tem de ser a causa da disposição patrimonial da vítima) e entre estes actos e a efectiva verificação do prejuízo patrimonial – aferido de acordo com a teoria da adequação.
Trata-se, naturalmente de um crime doloso, em que a «intenção de obter para si ou para outrem enriquecimento ilegítimo» e a intenção de causar um prejuízo patrimonial ao sujeito passivo ou a terceiro, em qualquer uma das modalidades previstas no artigo 14º do Código Penal, que são os dois elementos constitutivos do tipo subjectivo, têm de anteceder a entrega (ou transferência de bens ou valores) e tem também que presidir à actuação do arguido, desde o seu início, a falsa representação da realidade, em que o erro ou engano se traduz.
Isto, não obstante, a consumação do tipo de burla não dependa da efectivação do enriquecimento do agente ou de terceiro, bastando-se a consumação, como se disse, com o prejuízo patrimonial da vítima, na acepção de empobrecimento do lesado, de diminuição da sua situação económica.
A consideração deste elemento subjectivo permite, como se salientou, qualificar a burla como um crime de resultado cortado ou parcial, nos termos supra expostos.
Por isso, como é próprio dos crimes de intenção, a ausência do dolo específico, em que tal intenção (de conseguir, através da sua conduta específica, um enriquecimento ilegítimo próprio ou alheio) se materializa, obsta à incriminação.
O crime de falsificação de documento, envolve vários modos de execução típica, incluindo os actos de fabrico ou elaboração de documento falso, ou de qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo; a alteração de qualquer dos componentes integrantes do documento, o abuso de assinatura de outra pessoa, o fazer constar facto juridicamente relevante não coincidente com a verdade em documento ou em qualquer dos seus componentes, o uso, a distribuição, colocação em circulação ou detenção de documento forjado ou adulterado por qualquer destas formas.
O bem jurídico protegido com a incriminação contida no art. 256º do CP é a segurança e a confiança no tráfego jurídico, especialmente no que concerne ao valor probatório dos documentos e à verdade intrínseca que os mesmos devem traduzir, enquanto tais, pois é com base nessa verdade que se protegem as relações sociais (cfr., por todos, o Ac. do STJ de 13.03.91, AJ, Ano 17º. No mesmo sentido, Helena Moniz, O Crime de Falsificação de Documentos - Da Falsificação Intelectual e da Falsidade em Documento e Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo II, anotação ao art. 256º, pág. 679 e ss.; Luís Osório, in “Código Penal Português”, Vol. II (1927), p. 340, que no caso dos títulos de crédito, alude à protecção da circulação comercial; Enrique Bacigalupo Estudios sobre la Parte especial del Derecho Penal; pág. 416).

Quanto à imputação subjectiva do crime de falsificação, esta é feita, exclusivamente, com base no dolo, traduzido na intenção do agente de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado ou, em alternativa, de obter um benefício ilegítimo.
Com esta exigência, o legislador teve em consideração certas situações em que dificilmente se vislumbra um prejuízo causado a outrem ou ao Estado, mas que, por via da falsificação, conferem vantagens jurídicas ou de facto a que o agente não tem direito (Marques Borges, «Dos Crimes de Falsificação de Documentos, Pesos e Medidas»,p. 30).
O tipo de infidelidade previsto, actualmente, no art. 224º do Código Penal, foi introduzido pelo Código Penal de 1982, que visou suprir o que se entendia ser, até então, uma lacuna na ordem jurídica portuguesa, relativamente a graves prejuízos causados por alguém incumbido de administrar ou fiscalizar património e interesses alheios, nesses mesmos interesses e património, em situações que, por não haver apropriação ilegítima, não se subsumiam nem aos tipos de burla, de abuso de confiança ou de furto, ficando, portanto, sem sanção penal e em que o recurso a meras sanções de natureza civil se mostrava insuficiente para prevenir tais tipos de actuação.

No Preâmbulo do texto de 1982 do C. Penal escreveu-se, a propósito do crime de infidelidade:
«Definiu-se a infidelidade… — novo tipo legal de crime contra o património —, cujo recorte, grosso modo, visa as situações em que não existe a intenção de apropriação material, mas tão só a intenção de provocar um grave prejuízo patrimonial. Além disso, ensina a criminologia e a política criminal que estes comportamentos não são tão raros como à primeira vista se julga. De mais a mais, no mundo do tráfico jurídico a regra de ouro é a confiança e a sua violação pode, em casos bem determinados na lei, necessitar da força interventora do direito penal, que apesar de tudo, tem de ser entendida, torna-se a dizer, como última ratio».
A conduta típica deste crime foi objecto de uma formulação genérica, por forma a abranger uma generalidade de acções ou de omissões, mas suficientemente delimitada, para evitar o excessivo alargamento do tipo a certas situações que, apesar de traduzirem uma gestão ruinosa de interesses alheios, não merecem tutela penal.
Assim, as diversas modalidades de acção típica têm de comum traduzirem a execução de uma obrigação jurídica de administração ou fiscalização de património alheio, cuja fonte poder ser a Lei ou um acto jurídico (unilateral ou bilateral), abstraindo a punição de um eventual posterior declaração de nulidade ou da anulação dos actos praticados em execução de tal obrigação legal ou contratual de administração ou fiscalização, actos esses que tanto podem ser de alienação, oneração de bens ou de gestão corrente, também designados de administração ordinária.
Mas, do que o preenchimento do tipo do art. 224º não prescinde é da ideia ética de confiança, do dever de fidelidade que deve estar inerente ao encargo da administração e que se mantém, pelo menos, até ao momento da declaração da invalidade do acto ou actos prejudiciais.
O outro elemento constitutivo do tipo, do ponto de vista objectivo, consiste, na existência de um prejuízo para o titular dos interesses patrimoniais, resultado que deverá estar causalmente associado à grave violação dos deveres inerentes ao encargo da administração/fiscalização.
O bem jurídico protegido é, pois, património e, ainda, a «confiança no tráfico jurídico» (José António Barreiros, Crimes Contra o Património, 1996, p. 211. No mesmo sentido, Américo Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo II, p. 367).
Trata-se, ainda, de um crime específico próprio, na medida em que só a pessoa a quem, por disposição legal ou por negócio jurídico, foram atribuídos os poderes-deveres de gerir património de outrem, poderá ser o agente do crime.
Quanto ao elemento subjectivo, o crime em apreço exige o dolo directo ou necessário, excluindo o dolo eventual, como resulta da inclusão das expressões «intencionalmente e com grave violação dos deveres que lhe incumbem», o que está de harmonia com a preocupação do legislador em não incluir sob o âmbito do art. 224º todos e quaisquer casos de gestão ruinosa de interesses patrimoniais alheios, mas apenas os que, pela sua gravidade, realmente merecem ser criminalmente puníveis, de que se falou «supra».
Deste modo, o administrador terá de, no momento em que pratica o facto típico, querer praticar actos de gestão que impliquem o prejuízo, igualmente, por ele querido, ou, pelo menos, de estar ciente, no mesmo momento, de que a sua conduta irá necessariamente causar um prejuízo patrimonial importante para a pessoa cujos interesses patrimoniais tem o dever de zelar e que esse prejuízo, certamente, se irá verificar.
«Assim, o termo intenção deve tomar-se no sentido da consciência ou conhecimento da inevitabilidade do resultado e, portanto, desempenha a função prática de exclusão da suficiência do dolo eventual. (Américo Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo II, p. 368).
Todos estes crimes protegem, pois, o património das vítimas, a par de uma tutela da confiança absolutamente essencial às relações jurídicas de carácter negocial, comercial e até meramente social.
Da leitura e análise comparadas do pedido de indemnização civil e da acusação, conclui-se que o recorrente atribuí a causa próxima dos prejuízos que diz ter sofrido, à exponencial e quase total desvalorização das acções da PT que comprou, em resultado da insolvência da OI e do Grupo PT, por sua vez, causada pelo estratagema e pelas manobras fraudulentas e enganosas de captação da liquidez financeira da Portugal Telecom, levadas a cabo pelas pessoas identificadas e pelo modo descrito, naqueles pontos 3711 e 3724 e 8662 a 8700 da acusação.  
Esses factos são, de resto, os únicos que têm alguma conexão com os títulos cuja titularidade o requerente invocou.
Através deles, são relatadas as circunstâncias determinantes da perda de liquidez financeira da Portugal Telecom e consequente insolvência da OI que deram origem ao pedido de protecção de credores apresentado perante o sistema de Justiça brasileiro e, em resultado dessa perda de liquidez e de solvabilidade, à quase total desvalorização das acções adquiridas pelo recorrente que de € 1,53 passaram a valer € 0,14, segundo o que vem invocando no pedido cível.
Mas não é pelo facto de o recorrente remeter, nos arts. 13º e 26º do mesmo pedido cível, para os capítulos 5.2.2.1.1. e 7.4.5.2. da acusação, ou seja, para aqueles factos descritos nos artigos 3711 a 3724 e 8662 a 8700 e de os qualificar como causa próxima e directa do seu prejuízo emergente da quase total desvalorização dos seus títulos, que pode ser considerado como titular do interesse que a lei quis especialmente proteger com a incriminação dos crimes de burla que com base em tais factos o Mº. Pº. imputou aos arguidos.
Por efeito da natureza acusatória do processo penal, expressamente anunciada no art. 32º nºs 1 e 5 da CRP, é a acusação que fixa o objecto do processo, delimita os poderes de cognição do Tribunal, fixa os limites do julgamento e da decisão final e o âmbito do caso julgado.
Na acusação deduzida no processo, não existe qualquer alusão às 15.500 acções emitidas pela PT e adquiridas pelo requerente, no sentido de que tenham sido compradas num contexto de qualquer artifício enganoso ou embuste desenvolvido por algum dos arguidos e que, tendo induzido o recorrente em erro, ou num falso convencimento acerca do valor daqueles títulos, ou da sua autenticidade, ou dos riscos envolventes à sua rentabilização, o tenha determinado a despender aquela importância monetária de € 43.055,60, como seria essencial para que pudesse ter-se por verificado o crime de burla.
Ainda à luz da descrição factual vertida na acusação, não pode retirar-se qualquer inferência, no sentido de que tais títulos mobiliários tenham sido adulterados, por fabrico ou emissão por quem não tinha legitimidade substantiva para os emitir, ou que tenham sofrido alguma alteração ilícita parcial, no seu conteúdo originário, ou que padeçam de alguma inveracidade característica da chamada falsidade ideológica, ou não tenham sido emitidos de forma genuína ou em conformidade com as regras insertas no CdVM, ou outras que regulem o funcionamento dos mercados financeiros e nem que a oferta de compra daquelas acções tenha sido direcionada ao recorrente para prossecução de objectivos de obtenção de benefícios indevidos ou de produção de prejuízos patrimoniais, como seria necessário à consumação do crime de falsificação.
Também não se descortina no texto da acusação excerto algum do qual possa extrair-se a existência de algum vínculo dos arguidos perante o recorrente gerador de alguma obrigação jurídica de administração ou fiscalização de património pertencente ao recorrente, com fonte na lei ou num acto jurídico (unilateral ou bilateral), nem uma qualquer ética de confiança ou dever de fidelidade no exercício do encargo de administração daquelas acções, nem que o prejuízo traduzido na desvalorização daqueles títulos estivesse causalmente associado à grave violação dos deveres inerentes ao dito encargo da administração/fiscalização, de que dependeria o preenchimento do tipo do art. 224º do CP.
Mais, segundo a versão apresentada pelo próprio recorrente e por ele expressamente assumida, nas conclusões do recurso e nos próprios fundamentos do pedido cível, a compra dessas acções até se processou de forma absolutamente lícita, de acordo com as regras da oferta e da procura no mercado de valores mobiliários e com as regras da autonomia privada em matéria de liberdade negocial, portanto, desligada de qualquer comportamento delituoso imputado pela acusação aos arguidos, neste processo.
Nem a compra dos títulos pelo recorrente corresponde a qualquer estágio do iter criminis descrito na acusação que conduziu à consumação dos crimes de burla, falsificação e infidelidade invocados pelo recorrente, nem da versão dos factos constante da acusação, tais títulos se podem considerar instrumentos ou produtos de qualquer dos crimes imputados a qualquer dos arguidos.
Segundo a versão dos factos veiculada pelo recorrente no requerimento de constituição como assistente e no pedido cível, os factos eventualmente integradores dos crimes de burla, de falsificação e de infidelidade até poderão explicar a sucessão de eventos conducentes à perda do montante que investiu na compra das acções da PT, por força do impacto que esses crimes terão tido, na capacidade económica daquela empresa para assegurar a rentabilização dos produtos financeiros adquiridos, segundo a margem de risco previamente assumida, nos termos contratados, aquando da aquisição desses produtos.
Mas, então, do que se trata é de apurar as razões do incumprimento contratual, quanto às prestações a cargo da PT e/ou da OI, atinentes à remuneração daqueles produtos financeiros e já que é o próprio requerente que assume que o seu interesse é apenas ver ressarcido o prejuízo resultante do investimento não remunerado nas acções da PT e contextualiza esse incumprimento contratual na insolvência destas empresas e depois, só a propósito da explicação sobre como é que essa insolvência emergiu é que invocou, como causas da mesma, os tais crimes de burla qualificada, de falsificação de documentos e de infidelidade imputados na acusação com referência aos factos dos pontos 3711 a 3724 e 8662 a 8700 ali descritos.
Porém, tal só permitirá explicar como e porquê advieram os prejuízos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo recorrente, mas não lhe atribuí qualquer tutela específica que justifique a sua intervenção como assistente, porque tudo se passa ao nível do impacto que, supervenientemente, aqueles crimes de burla e/ou de falsificação e/ou de infidelidade terão tido no incumprimento contratual imputável à PT e/ou à OI, o que vale por dizer, que os prejuízos alegadamente suportados pelo requerente, têm como causa próxima o incumprimento contratual imputável à PT e à OI, este incumprimento contratual,  apresentado pelo recorrente como tendo tido origem na insolvência destas empresas que, por seu turno, motivou a quase total desvalorização das acções e estas é que podem, eventualmente, de acordo com a mesma versão, ter resultado dos crimes de burla, de falsificação e infidelidade imputados na acusação aos arguidos contra quem vem formulado o pedido cível. Não existe, por conseguinte, um nexo de causalidade adequada directa entre as condutas delituosas sobre que versam aqueles factos descritos na acusação e o prejuízo invocado, porque este, mesmo a demonstrar-se a tese do requerente, é só uma consequência remota, um dano colateral dos tais crimes de burla, falsificação e infidelidade, alegados.
E sendo assim, o recorrente poderá, quanto muito, ser considerado lesado, por ter sofrido danos patrimoniais (e não patrimoniais) ainda causalmente resultantes dos comportamentos delituosos que integram o objecto deste processo, só que esse, sendo o único interesse a ponderar para aferir da sua legitimidade para ser assistente, é um interesse reflexo ou indirecto, não especificamente visado por qualquer das incriminações (e provavelmente, nem sequer abrangido pelo princípio da adesão previsto no art. 71º do CPP, por se referir a pressupostos de responsabilidade civil contratual e não extracontratual, como imposto pelo art. 129º do CP), porque, mesmo segundo a versão do próprio recorrente, os crimes de burla, falsificação e infidelidade descritos na acusação só serão, por conseguinte, uma causa remota, secundária, dos prejuízos que diz ter sofrido.
Ou seja, o recorrente não está incluído no universo de pessoas protegidas pelas normas que tipificam aqueles crimes, porque não tem, na sua esfera jurídica, nenhum interesse directo abrangido por qualquer das incriminações feitas na acusação, do mesmo modo que não necessita da responsabilização penal das pessoas por eles acusadas, neste processo, para se ressarcir dos prejuízos emergentes da desvalorização das acções que comprou. Estes poderão alicerçar um pedido de indemnização civil, aliás, já apresentado, com base no qual lhe poderá ser conferido o estatuto processual de parte civil, como lesado, mas não também o de assistente, porque não pode ser considerado vítima de qualquer destes crimes, na acepção de pessoa com legitimidade para se constituir assistente, ao abrigo do disposto no art. 68º nº 1 al. a) do CPP.
O despacho recorrido merece, pois, concordância, por ter feito uma interpretação correcta do art. 68º nº 1 al. a) do CPP e uma adequada aplicação desta norma aos factos.
Considerando que também vêm imputados a alguns dos arguidos contra os quais o requerente também deduziu o pedido cível, crimes de corrupção activa e passiva no sector privado, poder-se-ia colocar a possibilidade de a constituição como assistente ser admitida ao abrigo da norma contida no art. 68º nº 1 al. e) do CPP.
Esta estabelece que «podem constituir-se assistentes no processo penal (…) qualquer pessoa nos crimes contra a paz e a humanidade, bem como nos crimes de tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário, denegação de justiça, prevaricação, corrupção, peculato, participação económica em negócio, abuso de poder e de fraude na obtenção ou desvio de subsídio ou subvenção.»
Através da norma contida no art. 68º nº 1 al. e) do CPP, é reconhecida a qualquer pessoa, quanto a determinadas categorias de crimes, os chamados «crimes sem vítima», como os ali enumerados, a possibilidade de intervir, no processo penal, com a categoria de assistente e os poderes processuais correspondentes, em defesa do interesse público, no apuramento dos factos e responsabilização penal dos seus autores, em atenção à excessiva danosidade social dos crimes a investigar e ao interesse na realização de uma boa administração da Justiça Penal.
«O estatuto material do assistente e a natureza dos interesses que a qualidade e a posição processual se destinam a assegurar nos casos de legitimidade «popular», previstos no artigo 68º nº 1 alínea e) e em disposições de leis avulsas – realização do direito de colaboração com o MP no exercício da acção penal para a realização do interesse público – impedem a apropriação da qualidade quando através da constituição de assistente se pretendem prosseguir outros interesses, fora ou em desvio das finalidades de atribuição de estatuto de sujeito processual; exemplo típico de utilização desviante e em clara situação de abuso de direito (abuso do direito de constituição de assistente) será o caso, de intervenção recente, de jornalistas que requereram a constituição como assistentes utilizando a legitimidade «popular», não com qualquer intenção ou interesse de colaboração com o MP na prossecução das finalidades do processo e da realização da justiça mas apenas com o objectivo de recolha de informação do processo, tentando contornar as regras sobre o segredo de justiça através do acesso que a qualidade de assistente lhe permite, em tais casos, com fundamento em carência dos pressupostos materiais que justificam a qualidade de assistente, em também por ser caso de abuso de direito, não deve ser admitida a intervenção como assistente, ou, se a verificação resultar de comportamento subsequente à admissão, deve ser retirada a qualidade de sujeito processual» (Henriques Gaspar, em Código de Processo Penal Comentado, 2016, 2.ª Edição Revista, Almedina, pág. 220).

Acontece, porém, que o recorrente não formulou o seu pedido de constituição como assistente, com fundamento nesta al. e) do art. 68º nº 1 do CPP, sendo certo que o Tribunal não pode substituir-se à sua vontade, nem presumi-la.

Não é admissível inferir da manifestação de vontade em participar no processo com o estatuto processual de assistente pelos crimes de burla, falsificação e infidelidade, que essa vontade seja extensível a todos os crimes imputados na acusação, já que não vigoram aqui regras de declaração de vontade tácita ou da teoria civil dos comportamentos concludentes, nem é indiferente assumir o papel de colaborador do Mº. Pº. para perseguição criminal de crimes de burla, ou falsificação, ou infidelidade, ou fazê-lo para crimes de outra natureza completamente diversa como é o caso dos crimes de corrupção, dadas as substanciais diferenças, nos bens jurídicos tutelados e nos elementos constitutivos e, consequentemente, no tipo de actividade processual a desenvolver.

Também não é aplicável um critério paralelo ao consagrado no art. 5º nº 3 do CPC segundo o qual, em matéria de indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, o Juiz não está vinculado às alegações e qualificações jurídicas das partes.
Desde logo, porque em face da diferente natureza do processo penal e do diverso tipo de interação entre a actividade jurisdicional e a que é desenvolvida pelos demais sujeitos processuais, emergentes dos valores de interesse e ordem pública prosseguidos no processo penal, da sua estrutura acusatória e consequente vinculação temática e dos princípios do contraditório e das garantias de defesa, esse não pode ser critério de decisão.

Depois porque estando em causa, para aferir da existência do especial interesse tutelado pela incriminação, na esfera jurídica do requerente, a análise dos factos concretos que integram os crimes indiciados ou acusados e os respectivos bens jurídicos, a vontade de alguém se constituir assistente tem de reportar-se de forma expressa, clara e inequívoca, a um concreto crime e a um concreto acervo factual que o traduza, pois só assim será possível concluir pela admissibilidade ou inadmissibilidade do pedido de constituição como assistente.

Como nenhuma vontade de se constituir assistente por referência aos crimes de corrupção foi afirmada pelo requerente, como lhe seria permitido pelo art. 68º nº 1 al. e) do CPP, fica arredada qualquer possibilidade de intervir nessa qualidade.

O recurso não merece, pois, provimento.

III–DISPOSITIVO
Termos em que decidem, neste Tribunal da Relação de Lisboa:
Em negar provimento ao recurso, confirmando, na íntegra, a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, que se fixam em 3 UCs – art. 524º do CPP.
Notifique.
*


Acórdão elaborado pela primeira signatária em processador de texto que o reviu integralmente (art. 94º nº 2 do CPP), sendo assinado pela própria e pelo Mmo. Juiz Adjunto.



Tribunal da Relação de Lisboa, 15 de Dezembro de 2021

                         
                         
Cristina Almeida e Sousa
-Relatora -

                         
Alfredo Costa
- Adjunto -