Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1035/21.5T8LSB.L1-8
Relator: TERESA SANDIÃES
Descritores: INSOLVÊNCIA
PEDIDO INFUNDADO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
CAUSA PREJUDICIAL
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/16/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: No artº 22º do CIRE prevê-se um caso de responsabilidade civil extracontratual, sendo-lhe aplicável o artº 483º do CC, mas em que se exige que o ato ilícito seja cometido com dolo.
A instauração de processos de insolvência em que o único fundamento alegado é o crédito que a credora reclama das devedoras, sem alegação sequer de factos essenciais atinentes à solvabilidade daquelas, designadamente qualquer facto-índice dos previstos nas alíneas do artigo 20º, nº 1 do CIRE, constitui o facto voluntário e ilícito.
Revelando tal conduta, pelo menos, indiferença perante os resultados previsivelmente decorrentes para as “devedoras”, atuou, no mínimo, com dolo eventual, e uma vez que dessa atuação resultaram danos, estão reunidos todos os requisitos da responsabilidade civil.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

BB, S.A. e CC, Lda. intentaram a presente ação declarativa contra VV, tendo pedido a condenação da R. no pagamento de €3.878.800,00 à A. BB e €2.650.000,00 à A. CC, valores acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos, desde a data da citação até integral pagamento, calculados à taxa de juro prevista para as transações comerciais.
Por despacho de 14/05/2021 foi determinado o desentranhamento da contestação apresentada pela R., com fundamento na sua extemporaneidade.
Por acórdão desta Relação de Lisboa, proferido em 25/01/2022, foi julgado improcedente o recurso interposto pela R. do referido despacho.
Em 01/07/2022 foi proferido despacho do seguinte teor:
“Devida e regularmente citada, a ré não apresentou contestação válida, pelo que se consideram reconhecidos os factos alegados pelos autores, nos termos do disposto do art.º 567 nº1, do CPC.
Notifique as partes nos termos e para os efeitos do disposto no nº 2 do art.º 567º do CPC.”
Por requerimento apresentado em 06/09/2022 a R. requereu a suspensão da instância por causa prejudicial. Alegou para tanto que na presente ação o pedido e a causa de pedir - o ato ilícito imputado à Ré - consiste no facto de a Ré ter, por via do mandatário subscritor, que subscreveu as respetivas petições iniciais, instaurado dois processos peticionando a insolvência das AA, invocando a existência de um crédito emergente de um contrato de empreitada (contra a aqui Autora BB) e um outro crédito emergente de um contrato de subempreitada (contra a aqui Autora CC). Na data em que as ações de insolvência foram instauradas a Ré estava, como continua a estar, convencida que lhe assiste integral razão, uma vez que cumpriu as obrigações que sobre si recaiam, enquanto empreiteira e subempreiteira, entendendo, então, que a falta de pagamento se deve exclusivamente a uma situação de incapacidade financeira das aqui Autoras. Na sequência do indeferimento das ações de insolvência, a Autora instaurou contra as aqui Autoras, ação declarativa de condenação, a correr termos no Juiz …, do Juízo Central Cível de Lisboa, sob o nº 000, a qual constitui causa prejudicial em relação à presente. Defende que com a procedência da ação n.º 000, importará, de imediato, a conclusão da licitude no exercício de um direito adjetivo (pedido de insolvência contra as Rés, aqui Autoras) bem como uma nova e certa configuração quanto à questão da culpa, i. é, a razão que assiste à aqui Ré quando, representada pelo mandatário subscritor, optou por instaurar as duas ações declarativas de insolvência, por o mandatário entender que as aqui Autoras, ali Rés, não dispunham de causa justificativa que as levasse a excecionar o não pagamento do preço dos trabalhos realizados pela aqui Ré, no âmbito dos referidos dois contratos de empreitada e de subempreitada.
A A. opôs-se à suspensão da instância. Alegou, em síntese, que é manifestamente irrelevante para os presentes autos o desfecho da ação declarativa de condenação n.º 000. Neste o pedido formulado pela ora Ré é o de serem as ora Autoras condenadas a pagar em conjunto “€1.931.736,12; correspondente às faturas vencidas, valor dos trabalhos executados constantes dos autos de medição acima identificados, devolução das retenções de garantia e juros de mora, com as legais consequências”. Os presentes autos e aqueles não se encontram em situação de prejudicialidade ou dependência. Mais alegaram que no processo n.º 000 foi proferido despacho, em fevereiro de 2022, no qual se decidiu suspender a instância até à decisão definitiva, transitada em julgado, do processo n.º 555.
As partes apresentaram alegações nos termos do disposto no art.º 567º, nº 2 do CPC.
Em 21/12/2022 foi proferido despacho que indeferiu a suspensão da instância, com fundamento na inexistência de causa prejudicial.
Sob a mesma conclusão, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Face ao supra exposto, julga-se parcialmente procedente a ação e, em consequência, condena-se a R.:
- A pagar às Autoras BB a CC a título de ressarcimento por danos patrimoniais, a quantia, a apurar em liquidação posterior, correspondente aos negócios que importariam ganhos nas importâncias de €3.828.800,00 (1ª autora) e €2.600.000,00 (2ª autora), deduzidos dos custos que a execução / implementação de tais negócios importariam para as autoras.
- A pagar às Autoras BB e CC a título de ressarcimento por danos não patrimoniais, a quantia de €25.000,00 a cada uma, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal, desde a presente decisão e até integral pagamento.
Custas por ambas as partes, na proporção do decaimento, (art.º 527º do CPC).”

A R. interpôs recurso do despacho que indeferiu a suspensão da instância, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
“I) O despacho recorrido, proferido pelo Tribunal “a quo”, ao indeferir a suspensão da instância com fundamento em questão prejudicial, errou de direito quanto à interpretação e aplicação das normas relativas à relação de prejudicialidade entre as ações n.º 555 e n.º 000.
II) A presente ação tem em vista a condenação da Ré numa indemnização a favor das Autoras, com fundamento na prática (pela Ré) de um ato ilícito, ou seja, estamos, assim, sem margem para dúvida, perante uma ação de responsabilidade civil extracontratual.
III) O conceito jurídico de responsabilidade traduz sempre a ideia de sujeição às consequências de um comportamento, tendo por uma base ética, que remete originariamente para uma relação causal entre a adoção consciente e voluntária de um comportamento lesivo de valores socialmente relevantes – e, por isso, merecedores de proteção – e as consequências reprováveis resultantes de tal comportamento.
IV) Sendo o direito um sistema de ordenação de relações entre pessoas, tais consequências, para lá da censurabilidade, hão de se ter repercutido negativamente na esfera jurídica de alguém que não o seu próprio autor.
V) Tal como é comummente reconhecido, são pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos: i) o facto; ii) a ilicitude; iii) a culpa; iv) o dano; e v) o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
VI) Um dos pressupostos da responsabilidade em causa na presente ação correspondente à “ilicitude” e à “culpa”, sem prejuízo do demais: i) a ilicitude consiste na infração de um dever jurídico, pelo que, só havendo ilicitude é que o facto voluntário que lesa interesses alheios conduz à obrigação de reparação, existindo na lei portuguesa causas justificativas do facto danoso, que conduzem à chamada exclusão da ilicitude: trata-se daquelas circunstâncias que, por tirarem ao facto que ocasionou o dano a sua ilicitude, excluem a responsabilidade civil, correspondendo a causas gerais, sem disciplina expressa na lei civil, e causas especiais justificativas do facto, que se consagram a propósito do exercício e tutela dos direitos; ii) a culpa, em sentido amplo, consiste na imputação do facto ao agente.
VII) A responsabilidade civil, em regra, pressupõe a culpa, que se traduz numa determinada posição ou situação psicológica do agente para com o facto, sendo que só excecionalmente a lei se contenta com a existência, entre o facto e o agente, de um puro nexo material.
VIII) A ilicitude encara o comportamento do autor do facto sob um ângulo objetivo, enquanto violação de valores defendidos pela ordem jurídica. Há um juízo de censura sobre o próprio facto.
IX) A culpa, por sua vez, pondera o lado subjetivo desse comportamento, ou seja, as circunstâncias individuais concretas que o envolveram – juízo de censura sobre o agente em concreto.
X) Como é consabido, a lei exige, em suma, que a violação ilícita dos direitos ou interesses de outrem esteja ligada a uma certa pessoa, para que se possa afirmar, não só que foi obra sua, mas que esta poderia e devia ter agido diversamente, nas circunstâncias concretas.
XI) A culpa implica, assim, uma ideia de censura ou reprovação da conduta do agente.
XII) Na análise da culpa, enquanto pressuposto fundamental da responsabilidade civil, existem duas modalidades: i) a mera culpa, que consiste no simples desleixo, imprudência ou inaptidão, em que o resultado ilícito deve-se somente à falta de cuidado, imprevidência ou imperícia; ii) o dolo, que consiste na representação do resultado danoso pelo agente, sendo o ato praticado com a intenção malévola de produzi-lo, ou apenas aceitando-se reflexamente esse efeito.
XIII) Por sua vez, o dolo manifesta-se em diferentes categorias: i) dolo direto, em que o autor do facto age com o intuito de produzir o resultado ilícito da sua conduta, que de antemão representou e quis; ii) dolo necessário, em que o agente não tem intenção de causar o resultado ilícito, mas sabe que este constituirá uma consequência necessária e inevitável do efeito imediato que a sua conduta visa; e iii) o dolo eventual, em que o agente representa o resultado ilícito, mas o dano surge apenas como consequência meramente possível da sua conduta, atuando ele sem confiar que o mesmo não se produza. Há uma relação causal entre a conduta do agente e o evento danoso.
XIV) Considerando o pedido e a causa de pedir na presente ação, o ato ilícito imputado à Ré consiste no facto da Ré ter, por via do mandatário subscritor, que subscreveu as respetivas petições iniciais, instaurado duas ações declarativas de pedidos de insolvência contra cada uma das Autoras, invocando a existência de um crédito emergente de um contrato de empreitada (contra a aqui Autora BB) e um outro crédito emergente de um contrato de subempreitada (contra a aqui Autora CC).
XV) Na data em que as ações de insolvência foram instauradas, a aqui Ré estava, como continua a estar, absolutamente convencida que não lhe assiste integral razão, uma vez que cumpriu as obrigações que sobre ela recaiam, enquanto empreiteira e subempreiteira, entendendo, então, que a falta de pagamento se deve exclusivamente a uma situação de incapacidade financeira das Rés, aqui Autoras (como é comummente reconhecido, sabe-se que, no mercado português, se tornou comum os empreiteiros e subempreiteiros financiar-se à custas dos empreiteiros e subempreiteiros, recusando pagar o preço ou a totalidade do preço acordado, resultado, regra geral, de incapacidade financeira ou de insolvência).
XVI) As duas referidas ações foram indeferidas com os fundamentos constantes nas respetivas sentenças, juntas aos autos, cujo teor, por economia processual, aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais.
XVII) Na sequência do indeferimento, a Autora instaurou contra as Rés, aqui Autoras, ação declarativa de condenação, a correr termos no Juiz …, do Juízo Central Cível de Lisboa, sob o número 000 (conforme certidão da petição inicial, que juntou com o requerimento em que suscitou a suspensão da instância), estando pendente de julgamento.
XVIII) Existe, assim, entre a matéria de facto em causa nas duas ações, a que está em causa nos presentes e a ação instaurada pela aqui Ré contras as aqui Autoras, um nexo de prejudicialidade, que se traduz in casu no mérito da ação instaurada pela aqui Ré contra as Autoras (julgamento de mérito que a Recorrente confia que lhe será favorável).
XIX) Na verdade, no caso da procedência da ação instaurada pela aqui Ré contra as Autoras (ação n.º 000), os pressupostos relativos à ilicitude e à culpa, como supra configurados, da alegada responsabilidade civil da Ré e em que assenta a presente ação, deverão ser apreciados à luz da procedência daquela outra ação.
XX) Dito de outra forma: com a procedência da ação n.º 000 importará, de imediato, a conclusão da licitude no exercício de um direito adjetivo (pedido de insolvência contra as Rés, aqui Autoras) bem como uma nova e certa configuração quanto á questão da culpa, i. é, a razão que assiste à aqui Ré quando, representada pelo mandatário subscritor, optou por instaurar as duas ações declarativas de insolvência, por o mandatário entender que as aqui Autoras, ali Rés, não disponham de causa justificativa que as levasse a excecionar o não pagamento do preço dos trabalhos realizados pela aqui Ré, no âmbito dos referidos dois contratos de empreitada e de subempreitada.
XXI) O art.º 272.º/1, do CPC, dispõe que o tribunal pode ordenar a suspensão da instância quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.
XXII) Entende-se por causa prejudicial aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta se baseia (cfr. Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º, pp. 267 e ss.).
XXIII) De acordo com a jurisprudência, quanto sabemos, uniforme dos nossos tribunais superiores, uma causa é prejudicial em relação a outra quando aí se esteja a apreciar uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para a decisão de outro pleito ou quando a decisão ali proferida possa destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda, como é, claramente, o que ocorre no caso dos autos.
XXIV) A decisão final que vier a ser proferida na ação n.º 000 interfere e afeta, necessária e irremediavelmente, os fundamentos e a razão de ser da presente, que, por força da formação de caso julgado material, terá que ser julgada e decidida em conformidade com o juízo que naquela se vier a fazer sobre o cumprimento ou incumprimento dos deveres de cada uma das Partes.
XXV) Neste sentido, vejam-se os sumários constantes dos seguintes Acórdãos: Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 12 e janeiro de 2017, proferido no processo n.º 133/15.9T8VFL.G1:
I) - Para efeitos do disposto no art.º 272º, nº. 1 do NCPC, uma causa está dependente do julgamento de outra já proposta, quando a decisão desta pode afectar e prejudicar o julgamento da primeira, retirando-lhe o fundamento ou a sua razão de ser, o que acontece, designadamente, quando, na causa prejudicial, esteja a apreciar-se uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem que ser considerada para a decisão do outro pleito.
II) - Entende-se, assim, por causa prejudicial aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta se baseia.
III) - Existindo entre duas acções esse nexo de prejudicialidade, deverá ser suspensa a instância na causa dependente, até à decisão da causa prejudicial.
IV) - Estando o direito de preferência na aquisição de dois prédios que foram vendidos ao Réu, que o Autor pretende lhe seja reconhecido nos presentes autos, dependente do reconhecimento prévio da sua qualidade de titular do direito de propriedade sobre um prédio rústico que alega ser confinante com aqueles, e estando a correr termos uma acção de impugnação de escritura de justificação notarial (em que aquele invoca a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre o aludido prédio rústico), na qual se pretende obter a declaração de inexistência do direito de propriedade invocado pelo Autor, é manifesto que a pretensão do Autor nestes autos está directamente relacionada com a titularidade do direito de propriedade de que se arroga e que foi impugnada naquela outra acção, não sendo o resultado daquela acção inócuo em relação ao desfecho deste processo, uma vez que a sua procedência acarreta como consequência necessária a destruição dos fundamentos desta. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 18 de dezembro de 2018, proferido no processo nº 6090/15.4T8LOU-A.P1:
I - A razão de ser da suspensão por causa prejudicial é a economia e a coerência dos julgamentos entre duas acções pendentes que apresentem entre si uma especial conexão.
II - Para efeitos de decretamento da suspensão da instância por causa prejudicial nos termos do artigo 272º do Código de Processo Civil, entende-se como causa prejudicial aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta se baseia. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 14 de janeiro de 2021, proferido no processo nº 305/20.4T8PTM.E1
I. Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira (causa prejudicial) pode destruir o fundamento ou razão de ser da segunda (causa subordinada ou dependente).
II. Existe nexo de prejudicialidade determinativo da suspensão da instância ao abrigo do artigo 272.º, n.º 1, do CPC, quando na ação prejudicial se discute a resolução de um contrato e na causa subordinada se discute o (in)cumprimento do mesmo contrato.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado, revogando o despacho recorrido, substituindo por outro que determine a suspensão da instância com fundamento em prejudicialidade, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada Justiça!”

A R. interpôs recurso da sentença (em 06/02/2023), terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
“I) O presente recurso tem por objeto a Sentença acima identificada, que julgando parcialmente procedente a ação, condenou a Recorrente a pagar às Recorridas, a título de ressarcimento por danos patrimoniais, a quantia, a apurar em liquidação posterior, correspondente aos negócios que importariam ganhos nas importâncias de €3.828.800,00 (1ª autora) e €2.600.000,00 (2ª autora), deduzidos dos custos que a execução / implementação de tais negócios importariam para as autoras, e a pagar às Recorridas, a título de ressarcimento por danos não patrimoniais, a quantia de €25.000,00 a cada uma, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal, desde a presente decisão e até integral pagamento e nas custas na proporção do decaimento.
II) O julgamento de facto pelo Tribunal “a quo”, decorreu da extemporaneidade na apresentação da contestação pela Recorrente, pelo que, o julgamento de facto na presente ação está, além do mais, sujeito ao disposto no art.º 567.º/1, do CPC, ou seja, perante uma situação de revelia relativa.
III) No caso em apreço cabe ao Tribunal “a quo” uma cuidada apreciação dos factos alegados, não olvidando a diferença entre factos e conclusões, sendo que estas, não sendo factos, apenas podem fazer parte da discussão jurídica ou fundamentação de Direito desde que encontrem ou tenham suporte factual entre os que tenham sido alegados pelas Recorridas e considerados pelo Tribunal “a quo”.
IV) Por revelia relativa pode e deve entender-se que, apesar de os factos alegados pelas Autoras se considerarem confessados, sempre caberá ao Juiz proceder ao respetivo enquadramento jurídico, em termos de julgar a ação materialmente procedente, abster-se de conhecer do mérito da causa e absolver o réu da instância, julgar a ação apenas parcialmente procedente, ou mesmo julgar a ação improcedente, sempre em função do resultado da aplicação das normas de direito material.
V) Analisada a petição inicial, constata-se que a esmagadora maioria da matéria alegada pelas Recorridas na petição inicial é matéria que pode e deve considerar-se matéria conclusiva, i. é, não factual, porquanto traduz meras suposições e conceitos jurídicos, sendo, ainda, que muitos dos factos alegados estão em contradição com os documentos juntos pelas Recorridas com a petição inicial.
VI) Desde logo, não podem ser considerados como factos verdadeiros os factos elencados sob os n.ºs 26 e 51 dos factos considerados como provados pelo Tribunal “a quo”, uma vez que nenhum dos processos de insolvência em causa na presente ação foi publicitado através do portal Citius.
VII) A única informação publicada no sitio respetivo correspondeu à autuação e distribuição das ações, o que é manifestamente diferente do que as Recorridas alegam, sendo que o Tribunal “a quo” não pode ser indiferente a esta realidade, considerando provados factos em total dissonância, sem qualquer correspondência com a realidade, sendo, esta realidade um facto de conhecimento público e notório e como tal não pode ser ignorado pelo Tribunal “a quo”.
VIII) Uma segunda consequência prende-se com o “íter” percorrido pela Recorridas quanto à alegação de factos relativos ao conhecimento das ações de insolvência e alegadas consequências, ou seja, considerando que as ações de insolvência em causa não foram publicitadas, como as Recorridas alegam, todas as consequências (danos invocados) que retiraram de um facto que não é verdadeiro, como é do conhecimento do Tribunal “a quo”, carecem de fundamento.
IX) Considerando o teor dos factos elencados sob os n.ºs 33 e 56 dos factos considerados provados pelo Tribunal “a quo”, correspondentes a factos alegados pelas Recorridas, obriga a que o Tribunal “a quo” na apreciação dos factos alegados, proceda a uma correta apreciação por via de uma prévia e necessária contextualização, ou seja, os constrangimentos que as Recorridas alegam ter sofrido na relação com instituições financeiras, fornecedores e clientes, limitaram-se ao período de tempo em que as agências de avaliação de risco atribuíram uma baixa pontuação às Recorridas (janeiro de 2020 a abril de 2020)
X) Não tendo nenhuma das Recorridas alegado quaisquer outros factos quanto ao momento subsequente à revisão das pontuações pelas agências de avaliação de risco, considerando apenas o teor dos factos alegados, não pode o Tribunal “a quo” considerar como provados os factos elencados sob os n.ºs 34, 35, 36 e 57, 58 e 59, tudo indicando, a contrario, que após a revisão das pontuações pelas agências de avaliação de riscos, tais negócios ter-se-ão de considerar como concluídos ou que poderiam ter sido concluídos, sem qualquer dano, patrimonial ou não patrimonial, para cada uma das Recorridas.
XI) Há, assim, uma contradição insanável entre os factos considerados como provados sob os n.ºs 33 e 56, e os factos elencados sob os n.ºs 34, 35, 36 e 57, 58 e 59, o que conduz necessariamente e que estes últimos se devam considerar como não provados.
XII) Contrariamente aos factos elencados sob os n.ºs 35, 36, 37 e 38 e dos factos considerados como provados pelo Tribunal “a quo”, quando comparados com a alegação constante nos artigos 140.º, 141.º, 142.º e 143.º, da petição inicial conjugado com os documentos n.ºs 58 a 68 da petição inicial, constata-se que a Recorrida BB não é parte em nenhum dos referidos contratos, não podendo o Tribunal “a quo”, considerar como factos provados os elencados sob os números 35, 36, 37 e 38.
XIII) Os documentos n.ºs 58 a 68 da petição inicial, mencionam tratar-se de meras reservas e não contratos promessa, outorgados entre terceiros, em que nenhuma das Recorridas é parte, como também não estão datados, pelo que tais factos não podem ser considerados provados, nem o que se encontra posteriormente alegado de que de tais factos dependa.
XIV) Também os factos elencados sob os n.ºs 41, 42, 43, 44, 45 e 46 e 61, 62, 63, 64, 65 e 66, dos factos considerados como provados pelo Tribunal “a quo”, devem considerar-se em contradição com o teor da matéria alegada pelas Recorridas.
XV) Na verdade, de acordo com o alegado pelas Recorridas na petição inicial, o Tribunal “a quo” não pode considerar como factos provados os vertidos sob os n.º 43, 44, 45 e 46 e 60, 61, 62, 63, 64, 65 e 66, como diretamente decorrentes da instauração das ações de insolvência, ou a terem-se como provados não são imputáveis à Recorrente, sendo, assim, despiciendos para a apreciação de mérito da presente ação, por duas razões: i. - a primeira tem a ver com a autoria da publicação na rede social https://www.facebook.com. Esta publicação não é imputável à Recorrente, nem tão pouco em momento algum as Recorridas alegam qualquer facto que permita imputar à Recorrente a autoria de tal publicação; ii. - a segunda razão prende-se com o que foi alegado pelas Recorridos e vertido pelo Tribunal “a quo” no elenco dos factos considerados provados sob os números 41 e 42 e 60, 61 e 62, em que as Recorridas alegaram e foi considerado provado que os danos em causa decorreram da publicação em causa, na rede social https://www.facebook.com que “levou a que se instalasse um clima de total desconfiança […]”.
XVI) De acordo com a interpretação maioritária da jurisprudência dos Tribunais superior, a responsabilidade em causa na presente ação está dependente da consideração de factos que conduzam a uma explicita atuação dolosa na instauração das ações de insolvência, o que manifestamente não ocorre nos presentes autos, por falta de alegação concreta de factos pelas Recorridas e subsequentemente pela inexistência de quaisquer factos considerados como provados pelo Tribunal “a quo”.
XVII) A apreciação deste pressuposto está dependente da questão prejudicial relativa ao desfecho da ação n.º 15387/20.0T8LS, que interfere e afeta, necessária e irremediavelmente, os fundamentos e a razão de ser da presente, que, por força da formação de caso julgado material, terá que ser julgada e decidida em conformidade com o juízo que naquela se vier a fazer sobre o cumprimento ou incumprimento dos deveres de cada uma das Partes para que o Tribunal “a quo” possa apreciar a verificação do pressuposto respeitante ao dolo, como exige o art.º 22.º, do CIRE, como foi oportunamente requerimento pela Recorrente e indeferido mediante despacho interlocutório proferido pelo Tribunal “a quo”, de que a Recorrente, por não se conformar, também impetrou recurso, em apreciação em momento prévio à apreciação do presente recurso.
XVIII) O limite da condenação por recurso ao art.º 609.º/2 deve corresponder aos casos em que o Tribunal, no momento em que profere a decisão, carecer de elementos para fixar o objeto ou a quantidade da condenação, seja porque ainda não ocorreram os factos constitutivos da liquidação da obrigação, seja porque, apesar de esses factos já terem ocorrido e terem sido alegados, não foi feita a sua prova.
XIX) No caso em apreço, a razão pela qual o Tribunal “a quo” não fixou o quantum da condenação, pelos eventuais e alegados danos patrimoniais, resultou da total ausência da alegação de tais factos pelas Recorridas.
XX) O Tribunal “a quo” errou de Direito (em violação do art.º 609.º/2, do CPC), quando, perante a absoluta omissão da alegação de quaisquer factos que integrassem os elementos para fixar o objeto ou a quantidade da condenação relegou para apurar em liquidação posterior, substituindo-se, assim, ao ónus de alegação de factos a cargo das Recorridas, quando não podia substituir-se às Recorridas, por força da norma ínsita no art.º 5.º, do CPC.
XXI) São pressupostos ou critérios da fixação equitativa da indemnização os seguintes: i) a averiguação dos pressupostos normativos do recurso à equidade; ii) serem devidamente ponderados e considerados as categorias ou os tipos de danos cuja relevância é admitida e reconhecida; iii) na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, devem ser considerados os critérios que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados, como sejam, no caso da indemnização por danos não patrimoniais, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do lesante e a situação económica do lesado; iv) e, por fim, se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram respeitados os limites que, de acordo com a legislação e com a jurisprudência, deveriam ser respeitados.
XXII) Em causa, está “fazer com que o juízo equitativo se conforme com os princípios da igualdade e da proporcionalidade — e que, conformando-se com os princípios da igualdade e da proporcionalidade, conduza a uma decisão razoável.”
XXIII) Ora, a simples redução para metade do peticionado pelas Recorridas, sem nenhuma outra fundamentação, faz incorrer a Sentença em vicio de fundamentação.
XXIV) Por outro lado, recorrendo aos critérios enunciados no citado aresto, quando comparado com o valor fixado na sentença recorrida, torna-se por demais evidente que a condenação em danos não patrimoniais, é manifestamente excessiva.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado, revogando-se a Sentença recorrida, substituindo-a por outra que declare a ação improcedente, por não provada, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada Justiça!”

As AA. apresentaram contra-alegações ao recurso do despacho que indeferiu a suspensão da instância, terminando com as seguintes conclusões:
“1ª O prazo para interposição de recurso de apelação autónomo é de 15 dias, nos termos da parte final do n.º 1 do artigo 638.º e al. a) e n.º 2 do artigo 644.º do CPC, pelo que terminava no dia 18 de janeiro de 2023, tendo tido ainda a possibilidade de interpor recurso, mediante pagamento de multa, nos termos da al. c) do n.º 5 do artigo 139.º do CPC, no limite, até dia 23 de janeiro de 2023, por aplicação do referido artigo conjugado com o n.º 2 do artigo 138.º do CPC;
2ª Tendo interposto recurso no dia 25 de janeiro de 2023, o recurso não poderá ser admitido, por intempestivo, nos termos da parte final do n.º 1 do artigo 638.º e al. a) do n.º 2 do artigo 641.º do CPC; 3ª Tendo a Recorrente procedido à reprodução integral do corpo das alegações, nas conclusões apresentadas, esta reprodução integral consubstancia uma falta de apresentação de conclusões, pelo que deve o recurso ser rejeitado, por falta de objeto, nos termos do n.º 2 do artigo 637.º, n.º 6 do artigo 638.º do CPC e b) do n.º 2 do artigo 641.º do CPC, não sendo de admitir despacho de aperfeiçoamento, por não estar em causa qualquer situação subsumível no n.º 3 do artigo 639.º do CPC;
4ª Quanto ao modo de subida e efeitos da apelação do presente recurso, o mesmo deveria ter sido interposto nos termos da al. a) do n.º 1 e n.º 3 do artigo 644.º do CPC, juntamente com a decisão final, não sendo, portanto, de admitir a presente apelação autónoma, sendo que quanto aos efeitos da apelação será de aplicar a regra geral, que prevê a atribuição de efeito meramente devolutivo à presente Apelação, conforme previsto no n.º 1 do artigo 647.º do CPC, por não se encontrarem preenchidos os requisitos legalmente previstos para atribuição de efeito suspensivo;
5ª A recorrente litiga de má-fé porquanto a sua atuação neste recurso se enquadra nos termos das alíneas c) e d) do nº 2 do artigo 542º do CPC, onde se estipula que litiga de má-fé quem praticar omissão grave do dever de cooperação, ou fizer uso do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão;
6ª Improcede a alegação da Recorrente quanto a erro de julgamento de face à interpretação das normas relativas à prejudicialidade, que considera verificada entre os processos n.ºs 555 e n.º 000 e a presente ação, porquanto nos presentes autos, a decisão é apenas a de saber se os pedidos de insolvência são infundados e se a Recorrente deverá ser responsabilizada pelos prejuízos causados às Recorridas, em razão da existência e consequente publicitação dos referidos processos de insolvência;
7ª É irrelevante para determinação da responsabilidade da Recorrente nos presentes autos, o desfecho da ação declarativa de condenação, a correr sob o Processo n.º 000, pelo que, não existe, como bem decidiu o Tribunal a quo, qualquer relação de prejudicialidade ou dependência entre todas as referidas ações, que determinem a sua suspensão por existência de relação prejudicial.
NESTES TERMOS, E nos melhores de direito que V. Exas. doutamente suprirão,
a) Deve a recorrente ser condenada como litigante de má-fé, porquanto a sua atuação nestes autos se subsume na previsão das alíneas c) e d) do nº 2 do artigo 542º do CPC;
b) Não deverá o presente Recurso ser admitido, por intempestivo (cf. n.º 1 do artigo 638.º e al. a) do n.º 2 do artigo 641.º do CPC); Caso assim não se entenda,
c) Não deverá o Recurso ser admitido, por falta de delimitação do objeto (cf. n.º 2 do artigo 637.º, n.º 6 do artigo 638.º do CPC e b) do n.º 2 do artigo 641.º do CPC).
Caso assim não se entenda,
d) Não deverá ser admitido o Recurso, porquanto por ter sido proferida a Sentença, o recurso deveria ter sido interposto nos termos da al. a) do n.º 1 e n.º 3 do artigo 644.º do CPC, juntamente com a decisão final,
Caso assim não se entenda, e por mero dever de patrocínio,
e) A ser admitido o recurso, este será de apelação autónoma, a subir em separado e com efeito devolutivo, e, em qualquer caso,
e) Deverá o presente Recurso ser julgado totalmente improcedente, por não provado, mantendo-se a Decisão que julgou improcedente a arguida prejudicialidade.”

As AA. apresentaram contra-alegações ao recurso da sentença, terminando com as seguintes conclusões:
“1º Quanto aos efeitos da apelação, será de atribuir o efeito meramente devolutivo, por não se encontrarem preenchidos os requisitos legalmente previstos para atribuição do efeito nos termos do n.º 4 do artigo 647.º do CPC, pelo que, será de aplicar a regra geral do n.º 1 do artigo 647.º do CPC.
2º Improcedem todas as alegações de contradição insanável dos factos, porquanto todos os factos alegados pelas Autoras foram confessados pela Ré, nos termos do artigo 567.º do CPC, não estando perante qualquer situação de exclusão prevista no artigo 568.º do CPC, nem de contradição entre factos e/ou fundamentação que mereça censura.
3º Improcede a alegação de que não existiu alegação de factos que provem a conduta dolosa da Recorrente, nem que o Tribunal a quo explicitou nem deu como provada essa conduta, estando esta apreciação dependente de questão prejudicial relativa ao desfecho da ação n.º 000.
4º Não só as Recorridas alegaram, como ficou provado pelo Tribunal a quo, que a Recorrente agiu dolosamente na instauração das ações de insolvência e que daí resultaram danos indemnizáveis.
5º Por outro lado, não existe qualquer relação de prejudicial relativa ao desfecho da ação n.º 000.
6º Improcede igualmente a alegação de que o Tribunal a quo se substituiu às Recorridas, ao remeter a liquidação dos danos patrimoniais para momento posterior, uma vez que a sentença recorrida vai ao encontro da corrente jurisprudencial atual no que diz respeito à interpretação do n.º 2 do artigo 609.º do CPC. E, por fim,
7º Improcede o vício de falta de fundamentação quanto à fixação de quantia a título de danos não patrimoniais, na medida em que só a falta absoluta de fundamentação constitui nulidade, o que não se verificou, devendo, em consequência, manter-se integralmente a Sentença proferida.
NESTES TERMOS, E nos melhores de direito que V. Exas. doutamente suprirão,
a) Deverá ser atribuído o efeito devolutivo ao presente Recurso.
b) Deverá o presente Recurso ser julgado totalmente improcedente, por não provado, mantendo-se a Decisão que julgou parcialmente procedente a ação.”
*
A sentença recorrida considerou como provada a seguinte matéria de facto:
“1. As AUTORAS são duas empresas que pertencem ao mesmo grupo empresarial, nomeadamente o X, que se dedica ao investimento, promoção e construção imobiliária;
2. No âmbito das suas atividades comerciais, as AUTORAS celebraram um contrato de empreitada, em 15/05/2017, mediante o qual a AUTORA BB, enquanto dona de obra, concedeu à AUTORA CC a empreitada geral do empreendimento denominado S;
3. No início de 2018, as AUTORAS e a sociedade X (através de DC que representava a sociedade), encetaram negociações tendo em vista a execução de uma empreitada e quatro subempreitadas no empreendimento denominado S.
4. Foi negociada a adjudicação de um contrato de empreitada a celebrar pela AUTORA BB por referência à estrutura de betão armado, nomeadamente a construção de um prédio no lote 402 L2 do empreendimento S e quatro contratos de subempreitada a celebrar pela AUTORA CC para a construção das estruturas de betão armado do empreendimento S, nomeadamente das moradias unifamiliares correspondentes aos lotes 405 L1, 405 L2 e 405 L3, correspondendo cada lote a um contrato, e um quarto contrato de subempreitada referente à construção das estruturas de betão armado dos Edifícios 404, 402L1 e 402L3 a 402L5 e construção das Moradias da Banda 401, 405L4 a 405L8, Banda 412, Banda 413, Banda 414, Banda 415, Banda 416, 430 e 431.
5. As partes chegaram a um acordo quanto ao valor da adjudicação e de todos os pormenores da obra a realizar.
6. No início de maio de 2018 iniciaram-se os trabalhos de execução da subempreitada pela X.
7. No dia 12 de junho de 2018 a X solicitou que os contratos fossem celebrados com a sociedade comercial VV, ora RÉ.
8. Não obstante a obra se encontrar em curso, a RÉ e a AUTORA BB celebraram um quarto contrato de subempreitada em 04/01/2019 no que diz respeito à construção dos Edifícios 404, 402L1 e 402L3 a 402L5 e construção das Moradias da Banda 401, 405L4 a 405L8, Banda 412, Banda 413, Banda 414, Banda 415, Banda 416, 430 e 431.
9. A RÉ figurava apenas no contrato, porquanto foi solicitado pela X que constasse a sociedade VV e não a sociedade X por questões internas.
10. No decurso das obras, existiram divergências entre AUTORAS e RÉ quanto a incumprimento de prazos; faturação indevida; faturação indevida nos meios de instalação de estaleiro; alteração de preços de forma unilateral.
11. A AUTORA, por não concordar com a faturação que lhe vinha a ser imposta, até porque não havia aprovado os autos de medição respeitantes a tais faturas, procedeu à sua devolução, e tentou também enviar o contrato assinado na mesma correspondência e que foi recusada.
12. Em 27/12/2019, as AUTORAS foram ameaçadas pela RÉ com a propositura de processos de insolvência, caso não fossem pagas as faturas dos valores que aquela considerava estar em dívida.
13. Em 17/01/2020, com fundamento nos créditos que considerou deter sobre a AUTORA BB, decorrentes das relações contratuais acima descritas, a RÉ intentou ação de processo especial no âmbito do qual requereu a declaração de insolvência da AUTORA. 14. A AUTORA BB apenas havia celebrado um contrato de empreitada com RÉ no âmbito do qual esta última se obrigou à execução da estrutura de betão armado do lote 402 L2, e que se encontrava integralmente pago.
15. Este processo correu termos no Tribunal judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Comércio de Lisboa - Juiz 5, sob o número 333, tendo sido proferido em 28/01/2020 despacho de indeferimento liminar do pedido de insolvência.
16. Este indeferimento liminar fundamentou-se no facto da RÉ apenas ter alegado como único fundamento do pedido de declaração de insolvência a falta de pagamento de faturas, utilizando esse facto para concluir que a AUTORA BB evidenciava uma incapacidade objetiva de solver as suas obrigações não tendo sido alegados factos que pudessem levar a concluir pela situação de insolvência por parte da AUTORA.
17. No mais, concluiu o Tribunal que a factualidade alegada era “absolutamente normal no contexto de um contrato de empreitada, de valor muito elevado, não evidenciando qualquer indício de incapacidade de incumprimento, tanto mais que, por um lado, a Requerida invocou defeitos que, efetivamente, existiam e foram corrigidos e por outro a Requerida nunca aceitou a obra”.
18. Acrescenta a aludida sentença que “Efetivamente não basta invocar a existência de uma dívida para que se possa atingir a conclusão de que o devedor não consegue satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações. Como prescreve a lei, o montante e as circunstâncias do incumprimento devem evidenciar uma incapacidade de cumprir a generalidade das obrigações daquele devedor.
Ora, aceitando-se o incumprimento perante a Requerente, a verdade é que dele não podemos extrair nem a incapacidade de liquidar aquele valor, já que montantes muito superiores foram já pagos, nem tão pouco a impossibilidade de incumprir a generalidade de outras obrigações.
A Requerente nada mais alegou que possa ser valorado como circunstância do incumprimento, sendo apenas factos envolvente de uma relação comercial em curso, devendo levar-se em conta que os contratos de empreitada suscitam, com muita frequência, questões várias, pelo que a falta de pagamento de parte do preço não pode ser valorado, sem mais, como indício de incapacidade para pagar.
Por outro lado, não cremos estar aqui perante uma “insuficiência ou imprecisão na exposição ou concretização da matéria de facto alegada”, mas antes perante a falta absoluta de alegação de factualidade relevante e que sustente o pedido.
Não temos, claramente, matéria suficiente para poder concluir, mesmo perfunctoriamente, com base nestes factos, que a Requerida se encontra em situação de impossibilidade de satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações, nem foram alegados outros, que pudessem ainda ser completados ou explicitados no sentido de sustentar a alegação.
Efetivamente, a Requerente nada sabe sobre património, ativo ou passivo e nada disse sobre a atividade da Requerida, se tem trabalhadores, quantos, se estão a ser pagos, se tem endividamento bancário, se paga os seus impostos, se tem ações declarativas ou executivas instauradas contra si, se tem bens penhorados, etc.
A Requerente apenas vem dizer que a Requerida não lhe paga desde Agosto de 2019, apesar de lhe ter sido solicitado o pagamento e com esta base entende que a Requerida está insolvente.
Ora, a única coisa que podemos com segurança concluir é que existe o incumprimento de uma obrigação cuja satisfação deverá ser buscada por outra via que não o processo de insolvência, que se não destina à cobrança de dívidas, devendo ser usado com cautela e não como forma de pressão sobre a contraparte, pois os prejuízos dele resultantes para uma empresa em actividade podem ser relevantes.
Assim, e porque a matéria alegada não logra preencher a previsão de qualquer das alíneas do disposto no art.º 20º nº 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, designadamente 20º, nº 1, al. b), por manifesta improcedência do pedido, impõe-se o indeferimento liminar da presente petição inicial.
Pelo exposto, nos termos do disposto no art.º 27º nº 1, al. a) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, indefiro liminarmente a petição inicial.”
19. A RÉ recorreu desta decisão, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa mantido a decisão proferida em primeira instância através do acórdão datado de 03/06/2020, que se reviu integralmente na fundamentação da sentença inicialmente proferida.
20. Em 13.01.2020, e para cobrança dos créditos que considerou deter sobre a AUTORA CC, decorrentes das relações contratuais acima descritas, a RÉ intentou ação de processo especial no âmbito do qual requereu a declaração de insolvência da AUTORA. 21. Processo que correu termos no Tribunal judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Comércio de Lisboa - Juiz 2, sob o número 888 e onde foi proferida sentença em 18.02.2020, nos termos da qual foi julgado improcedente o pedido de insolvência formulado contra a AUTORA BB, absolvendo-a do pedido.
22. Nos termos da aludida sentença: “É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas ou, no caso das pessoas coletivas ou patrimónios autónomos, quando o seu passivo seja manifestamente superior ao seu ativo, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis - art.º 3º do CIRE.
A impossibilidade de cumprimento relevante para efeitos de insolvência não tem que abranger todas as obrigações do devedor, podendo tratar-se de algumas ou apenas uma, desde que o seu montante pelo seu significado seja(m), no âmbito do passivo do devedor, revelador(as) da impossibilidade de cumprimento da generalidade das obrigações.
À verificação do estado de insolvência está subjacente o conceito de solvabilidade, podendo acontecer que:
- o passivo é superior ao ativo, mas não se verificar a situação de insolvência por existir facilidade de recurso ao crédito para satisfazer as dívidas excedentárias;
- o ativo é superior ao passivo vencido, mas o devedor encontra-se em situação de insolvência por falta de liquidez do seu ativo (neste sentido vd. Maria do Rosário Epifânio in Manual do Direito da Insolvência, Almedina, 2ª Ed. pág. 21).
Assim, o que releva para a insolvência é a insusceptibilidade de o devedor satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do cumprimento evidenciam a impotência para continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.
Ao Requerente da insolvência compete a alegação e prova dos factos que integram os pressupostos da declaração de insolvência, por meio de petição escrita (cfr. art.º 23º, nº 1, do CIRE e art.º 342º, nº 1, do Cód. Civil), e quando o Requerente é um credor, para além da alegação de um ou mais dos factos que servem de base à presunção legal, tem ainda de justificar a origem, natureza e montante do crédito (art.º 25º do CIRE).
Ora, no caso dos autos o extenso articulado da Requerente incidiu apenas sobre a titularidade de um crédito sobre a Requerida; crédito que, ainda assim, é litigioso.
Considerando que a legitimidade ativa (ad substantium) é condicionada pela verificação de certas situações, elencadas nas alíneas a) a h) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE, o êxito da pretensão da RÉ estava sujeito à reação da Requerida, i.e., à confissão desta do estado de insolvência, ainda que iminente. De referir que estamos perante manifesta omissão de alegação de factos essenciais cujo ónus de alegação não é suprível mediante convite ao aperfeiçoamento, por força do efeito de preclusão ao não terem sido invocados no momento processual devido.
Porém, a Requerida não só não confessou o estado de insolvência como pugnou no sentido de que se encontrar solvente evidenciando para o efeito elementos contabilísticos.
Ainda que não estivéssemos perante um crédito litigioso e/ou que da sinopse do articulado da Requerente se alvitrasse a possibilidade de ser invocada a verificação do facto-indicie atinente à falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações [alínea b), do nº 1 do artigo 20º do CIRE], é de considerar que esta alínea diferencia dois grupos distintos de obrigações, a saber:
- por um lado, a obrigação ou obrigações que não foram cumpridas; - por outro lado, a generalidade das obrigações do devedor que a falta de cumprimento daquela(s) revela, pelo seu montante ou pelas circunstâncias que rodeiam o incumprimento, a impossibilidade de as satisfazer.
Ora o crédito reclamado apenas podia relevar para efeitos do primeiro grupo de obrigações supra referenciadas - obrigação ou obrigações que não foram cumpridas, não obstante a litigiosidade do mesmo – sendo insuscetíveis de ser consideradas para efeitos de integração nas outras obrigações cuja impossibilidade generalizada de cumprimento seja revelada pelo inadimplemento das primeiras.
Partindo deste princípio, os factos alegados na petição inicial são absolutamente omissos relativamente a outras obrigações de que a apelante fosse sujeita passiva, para lá da correspondente àquele crédito único e cuja impossibilidade generalizada de cumprimento seja revelado pelo inadimplemento daquela obrigação única emergente do contrato de mútuo e da sua resolução.
Deste modo, não pode concluir-se que o incumprimento desse débito único revela a incapacidade da apelante satisfazer generalizadamente outra ou outras obrigações de que seja sujeito passivo e, consequentemente, não pode ter-se por preenchido o factor índice que está em apreço.
Termos em que é de concluir que não se mostra verificado o facto índice de insolvência previsto no artigo 20.º n.º 1 b) do CIRE.
Enfim, terminando como começamos, estamos apenas perante um divida litigiosa cujo objeto não deve ser dirimido no processo de insolvência, uma vez que neste, como referido, o credor que vem requerer a instância de insolvência fá-lo, não exclusivamente no interesse de satisfação do seu crédito, dentro do pressuposto que a declaração de um estado de insolvência, quando existe, quanto mais cedo seja feita, melhor.
Está em causa não a cobrança privada de dívidas – para isso o credor dispõe da execução singular – mas o despoletamento de um processo a que é atribuída uma tarefa social, comunitária, visando-se o interesse comum dos credores.
Ademais, não tendo o processo de insolvência por vocação a prova, seja em que grau for, da existência do crédito litigioso do credor a que o art.º 20º do CIRE atribui legitimidade para despoletar o processo, de duas uma:
i - ou se verifica que aquele devedor tem outros credores e em função desses outros créditos se pode concluir pelo fundamento da insolvência, isto é, pela “insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado, no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos;
ii - ou, se verifica que aquele devedor não tem, afinal, outros credores senão aquele que se arroga essa qualidade, mas que a vê contestada judicialmente pelo devedor, e, se assim for, não poderá, nem se deverá fazer prosseguir o processo de insolvência.
Se, por um lado, o legislador abstrai da efectiva qualidade de credor de quem assim se arroga para, em nome de interesses públicos e sociais, que se sobrepõem ao daquele possível credor, se iniciar o processo de insolvência, cuja utilidade e pertinência vai muito além do interesse de quem o despoleta; por outro lado, quando se venha a verificar que o requerido não tem quaisquer outros credores com créditos vencidos, o processo de insolvência não deverá prosseguir, visto que, daí para a frente não terá qualquer função social, sendo que não se destina ao apuramento da existência do crédito e tão pouco à cobrança privada de dívidas.”.
23. Este pedido de insolvência foi julgado manifestamente infundado porquanto a RÉ não alegou nem fez prova da situação financeira da AUTORA CC, limitando-se a invocar a existência de um crédito.
24. A RÉ veio recorrer da referida sentença, tendo sido proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 23/09/2020, a confirmar a decisão da primeira instância.
25. O facto de ter sido apresentado um pedido de insolvência contra a AUTORA BB, determinou o conhecimento por parte de instituições bancárias, fornecedores, agências de avaliação de risco e clientes da existência do referido processo e consequentemente com que esta incorresse em prejuízos diversos.
26. O processo de insolvência é publicitado através do portal CITIUS, sendo por isso do conhecimento público.
27. Motivo pelo qual, os serviços de informação financeira e avaliação de risco de empresas tiveram conhecimento da sua existência.
28. As agências de avaliação de risco consideravam em dezembro de 2019 que a pontuação da AUTORA BB era de 96, sendo por isso o risco de falhar com os seus compromissos quase inexistente. 29. Em janeiro de 2020, e na sequência da notícia da existência do processo de insolvência, a agência de avaliação de risco considerou que a pontuação da 1ª AUTORA era apenas de 1, concluindo, assim, não lhe poder ser atribuído crédito.
30. Face ao elevado risco de incumprimento com os credores por conta da existência de um processo de insolvência a correr contra si.
31. Em abril de 2020, e já após a prolação do despacho de indeferimento liminar do processo de insolvência, a mesma agência de avaliação de risco devolveu a pontuação de 96 à 1ª AUTORA.
32. A informação disponibilizada pelas agências de avaliação de risco é utilizada pelas entidades bancárias, fornecedores e clientes para apurar se devem manter relações contratuais com uma empresa.
33. Durante o período de tempo em que as agências de avaliação risco atribuíam uma pontuação de 1 à 1ª AUTORA esta viu-se impossibilitada de celebrar novos contratos e gerou desconfiança por parte dos seus fornecedores, clientes e instituições bancárias, impedindo assim o seu financiamento.
34. A AUTORA BB viu-se privada de concluir um pedido de crédito junto do Banco Comercial Português, S.A. de cerca de €11.000.000,00 porquanto aquela instituição bancária se recusou a concluir o financiamento com uma empresa contra quem corria termos um pedido de insolvência, tendo em consideração o risco de incumprimento.
35. À data do início do processo de insolvência a 1ª AUTORA tinha onze frações reservadas para venda a clientes, tendo estes procedido ao pagamento de €10.000,00.
36. A venda das referidas frações permitiria à 1ª AUTORA obter receitas no valor total de €3.451.800,00.
37. Entre janeiro e março de 2020, estes clientes perderam interesse nos negócios, cancelaram as reservas efetuadas e as 1ª AUTORA restituíram as quantias pagas de €10.000,00 a cada um.
38. A perda de interesse por parte dos clientes, entre janeiro e março de 2020, foi decorrência direta da existência do processo de insolvência, por terem receio de avançar com a compra de imóveis a uma sociedade comercial que poderia ser declarada insolvente.
39. Ainda em janeiro de 2020, e na sequência da notícia da existência do processo de insolvência, duas clientes, com os quem a 1ª AUTORA havia celebrado dois contratos promessa de compra e venda de duas frações, perderam o interesse na celebração dos contratos definitivos de compra e venda.
40. Face aos riscos de manter um contrato promessa de compra e venda de um imóvel em construção com uma sociedade em processo de insolvência, as clientes perderam o interesse nos negócios, tendo a 1ª AUTORA, além das demais desistências, deixado de promover duas vendas no valor global de €377.000,00.
41. Foi publicado na rede social Facebook a existência do referido processo de insolvência, tendo assim ficado visível a todos os clientes, fornecedores e credores da AUTORA, através da publicação na plataforma Citius, o que abalou o seu nome e credibilidade.
42. A publicação efetuada na referida rede social Facebook levou a que se instalasse um clima de total desconfiança dos clientes perante a 1ª AUTORA, que num verdadeiro tumulto passaram a exercer uma elevada pressão efetuando inúmeros e sucessivos contactos telefónicos, pedidos de reuniões presenciais, pedidos de esclarecimento e prova da solvência da AUTORA, comunicações de desistência de negócios, etc...
43. Devido ao processo de insolvência a AUTORA BB deixou de realizar negócios no total de €3.828.800,00, o que lhe causou uma perda patrimonial do referido valor.
44. A AUTORA BB sofreu danos não patrimoniais decorrentes da afetação da sua reputação, prestígio e bom nome, tendo a sua credibilidade no mercado sido colocada em causa de forma grave.
45. É essencial à manutenção das empresas no mercado, a perceção relativa à solvabilidade das mesmas, sendo que o prestígio comercial da 1ª AUTORA passa pela capacidade da mesma gerar confiança por parte dos agentes com quem interage (fornecedores, clientes, banca e trabalhadores).
46. Face à existência do processo de insolvência e aos riscos de contratar com uma empresa insolvente, atendendo a todas as dificuldades associados aos processos de insolvência do sector imobiliário, determinou que a 1ª AUTORA deixasse de obter financiamento indispensável à continuidade da sua atividade, visse contratos de compra e venda em curso ser resolvidos e a sua credibilidade e bom nome no mercado onde opera fossem gravemente abalados.
47. A 1ª AUTORA faz parte de um dos maiores grupos empresariais de construção de projetos de habitação na área da grande Lisboa, tendo a seu cargo a construção de 1.350 fogos e outros 750 em desenvolvimento.
48. Tendo em consideração as obras que tem a seu cargo, a 1ª AUTORA é responsável por mais de 150 postos de trabalho, sendo que 24 destes postos de trabalho fazem parte dos quadros da 1ª AUTORA.
49. O grupo empresarial a que a 1ª AUTORA pertence é responsável por 70 postos de trabalho pertencentes aos seus quadros e mais de 300 postos de trabalho indiretos.
50. O facto de ter sido apresentado um pedido de insolvência contra a AUTORA CC, determinou o conhecimento por parte de instituições bancárias, fornecedores, agências de avaliação de risco e clientes da existência do processo.
51. O processo de insolvência é publicitado através do portal CITIUS, sendo por isso do conhecimento público.
52. Motivo pelo qual, os serviços de informação financeira e de avaliação de risco de empresas tiveram conhecimento da sua existência.
53. As agências de avaliação de risco consideravam que a pontuação da 2ª AUTORA, em dezembro de 2019, era de 76, sendo o risco de falhar com os seus compromissos mínimo.
54. Em janeiro de 2020, e com a notícia da existência do processo de insolvência, a agência de avaliação de risco considerou que a pontuação da 2ª AUTORA era apenas de 9, concluindo que não deveria ser atribuído à 2ª AUTORA qualquer crédito tendo em consideração a existência de um processo de insolvência a correr contra si.
55. A informação disponibilizada pelas agências de avaliação de risco é utilizada por parte de entidades bancárias, fornecedores e clientes para apurar se devem manter relações contratuais com uma empresa.
56. Durante o período de tempo em que as agências de avaliação de risco atribuíam uma pontuação de 9 à AUTORA esta viu-se impossibilitada de celebrar qualquer contrato ou obter financiamento, contrair novas obrigações e se socorrer de financiamentos para prosseguir a sua atividade comercial.
57. A existência de um processo de insolvência determinou que todas as compras realizadas tivessem de ser feitas a pronto pagamento.
58. A 2ª AUTORA deixou de conseguir obter margens de desconto e de negociação com os seus fornecedores devido à existência do aludido processo contra si intentado.
59. À data de entrada do pedido de insolvência a AUTORA CC encontrava-se a negociar um contrato de empreitada no valor de €2.600.000,00 que se malogrou por conta do aludido processo, tendo em consideração que os seus parceiros de negócios recearam concluir a celebração de um contrato a longo prazo com uma empresa que poderia vir a ser encerrado na sequência de um processo de insolvência o que lhe causou uma perda patrimonial do referido valor.
60. Foi colocado na rede social Facebook a existência do processo de insolvência.
61. A informação sobre o pedido de insolvência ficou visível a todos os clientes, fornecedores e credores da 2ª AUTORA, o que abalou o seu nome e credibilidade.
62. A publicação efetuada na referida rede social Facebook levou a que se instalasse um clima de total desconfiança dos clientes perante a 2ª AUTORA, que num verdadeiro tumulto passaram a exercer uma elevada pressão efetuando inúmeros e sucessivos contactos telefónicos, pedidos de reuniões presenciais, pedidos de esclarecimento e prova da solvência da AUTORA, comunicações de desistência de negócios, etc...
63. A 2ª AUTORA sofreu danos não patrimoniais decorrentes da afetação da sua reputação, prestígio e bom nome, tendo a sua credibilidade no mercado sido colocada em causa de forma grave.
64. O prestígio comercial da 2ª AUTORA passa pela capacidade da mesma gerar confiança por parte dos agentes com quem interage (fornecedores, clientes, banca e trabalhadores).
65. O mero boato de que possa encontrar-se numa situação de insolvência é, por si, condicionador de tal confiança, sendo que no caso concreto houve conhecimento público da existência de uma ação dessa natureza contra a 2ª AUTORA.
66. Face à existência do processo de insolvência e aos riscos de contratar com uma empresa insolvente, atendendo a todas as dificuldades associados aos processos de insolvências do sector imobiliário, determinou que a 2ª AUTORA deixasse de obter financiamento indispensável à continuidade da sua atividade, não conseguisse celebrar novos contratos, e a sua credibilidade e bom nome no mercado onde opera fossem gravemente abalados.
67. A 2ª AUTORA é uma empresa líder de mercado, o que lhe confere um prestígio acrescido no mercado em que opera.
68. Tal como a AUTORA BB a AUTORA CC, faz parte de um dos maiores grupos empresariais de construção de projetos de habitação na área da grande Lisboa, tendo a seu cargo a construção de 1350 fogos e outros 750 em desenvolvimento.
69. Tendo em consideração as obras que tem a seu cargo, a 2ª AUTORA é responsável por mais de 150 postos de trabalho, sendo que 24 destes postos de trabalho fazem parte dos quadros da AUTORA.
70. O grupo empresarial a que a AUTORA pertence é responsável por 70 postos de trabalho pertencentes aos seus quadros e mais de 300 postos de trabalho indiretos.”
*
Para apreciação da questão da suspensão da instância há que considerar a seguinte factualidade, resultante da tramitação e documentos juntos aos autos:
A) Em 17/01/2020, com fundamento nos créditos que considerou deter sobre a AUTORA BB, decorrentes das relações contratuais estabelecidas entre ambas, a RÉ intentou ação de processo especial no âmbito do qual requereu a declaração de insolvência da AUTORA.
B) Este processo correu termos no Tribunal judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Comércio de Lisboa - Juiz 5, sob o número 333, tendo sido proferido em 28/01/2020 despacho de indeferimento liminar do pedido de insolvência.
C) Este indeferimento liminar fundamentou-se no facto da RÉ apenas ter alegado como único fundamento do pedido de declaração de insolvência a falta de pagamento de faturas, utilizando esse facto para concluir que a AUTORA BB evidenciava uma incapacidade objetiva de solver as suas obrigações não tendo sido alegados factos que pudessem levar a concluir pela situação de insolvência por parte da AUTORA.
D) No mais, concluiu o Tribunal que a factualidade alegada era “absolutamente normal no contexto de um contrato de empreitada, de valor muito elevado, não evidenciando qualquer indício de incapacidade de incumprimento, tanto mais que, por um lado, a Requerida invocou defeitos que, efetivamente, existiam e foram corrigidos e por outro a Requerida nunca aceitou a obra”.
E) Em 13.01.2020, e para cobrança dos créditos que considerou deter sobre a AUTORA CC, decorrentes das relações contratuais acima descritas, a RÉ intentou ação de processo especial no âmbito do qual requereu a declaração de insolvência da AUTORA. F) Processo que correu termos no Tribunal judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Comércio de Lisboa - Juiz 2, sob o número 888 e onde foi proferida sentença em 18.02.2020, nos termos da qual foi julgado improcedente o pedido de insolvência formulado contra a AUTORA CC, absolvendo-a do pedido, decisão transitada em julgado.
G) Nos termos da aludida sentença:
“(…) Ora, no caso dos autos o extenso articulado da Requerente incidiu apenas sobre a titularidade de um crédito sobre a Requerida; crédito que, ainda assim, é litigioso.
Considerando que a legitimidade ativa (ad substantium) é condicionada pela verificação de certas situações, elencadas nas alíneas a) a h) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE, o êxito da pretensão da RÉ estava sujeito à reação da Requerida, i.e., à confissão desta do estado de insolvência, ainda que iminente. De referir que estamos perante manifesta omissão de alegação de factos essenciais cujo ónus de alegação não é suprível mediante convite ao aperfeiçoamento, por força do efeito de preclusão ao não terem sido invocados no momento processual devido.
Porém, a Requerida não só não confessou o estado de insolvência como pugnou no sentido de que se encontrar solvente evidenciando para o efeito elementos contabilísticos.
Ainda que não estivéssemos perante um crédito litigioso e/ou que da sinopse do articulado da Requerente se alvitrasse a possibilidade de ser invocada a verificação do facto-indicie atinente à falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações [alínea b), do nº 1 do artigo 20º do CIRE], é de considerar que esta alínea diferencia dois grupos distintos de obrigações, a saber:
- por um lado, a obrigação ou obrigações que não foram cumpridas; - por outro lado, a generalidade das obrigações do devedor que a falta de cumprimento daquela(s) revela, pelo seu montante ou pelas circunstâncias que rodeiam o incumprimento, a impossibilidade de as satisfazer.
Ora o crédito reclamado apenas podia relevar para efeitos do primeiro grupo de obrigações supra referenciadas - obrigação ou obrigações que não foram cumpridas, não obstante a litigiosidade do mesmo – sendo insuscetíveis de ser consideradas para efeitos de integração nas outras obrigações cuja impossibilidade generalizada de cumprimento seja revelada pelo inadimplemento das primeiras.
Partindo deste princípio, os factos alegados na petição inicial são absolutamente omissos relativamente a outras obrigações de que a apelante fosse sujeita passiva, para lá da correspondente àquele crédito único e cuja impossibilidade generalizada de cumprimento seja revelado pelo inadimplemento daquela obrigação única emergente do contrato de mútuo e da sua resolução.
Deste modo, não pode concluir-se que o incumprimento desse débito único revela a incapacidade da apelante satisfazer generalizadamente outra ou outras obrigações de que seja sujeito passivo e, consequentemente, não pode ter-se por preenchido o factor índice que está em apreço.
Termos em que é de concluir que não se mostra verificado o facto índice de insolvência previsto no artigo 20.º n.º 1 b) do CIRE.
Enfim, terminando como começamos, estamos apenas perante um divida litigiosa cujo objeto não deve ser dirimido no processo de insolvência, uma vez que neste, como referido, o credor que vem requerer a instância de insolvência fá-lo, não exclusivamente no interesse de satisfação do seu crédito, dentro do pressuposto que a declaração de um estado de insolvência, quando existe, quanto mais cedo seja feita, melhor.
Está em causa não a cobrança privada de dívidas – para isso o credor dispõe da execução singular – mas o despoletamento de um processo a que é atribuída uma tarefa social, comunitária, visando-se o interesse comum dos credores.
Ademais, não tendo o processo de insolvência por vocação a prova, seja em que grau for, da existência do crédito litigioso do credor a que o art.º 20º do CIRE atribui legitimidade para despoletar o processo, de duas uma:
i - ou se verifica que aquele devedor tem outros credores e em função desses outros créditos se pode concluir pelo fundamento da insolvência, isto é, pela “insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado, no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos;
ii - ou, se verifica que aquele devedor não tem, afinal, outros credores senão aquele que se arroga essa qualidade, mas que a vê contestada judicialmente pelo devedor, e, se assim for, não poderá, nem se deverá fazer prosseguir o processo de insolvência.
Se, por um lado, o legislador abstrai da efectiva qualidade de credor de quem assim se arroga para, em nome de interesses públicos e sociais, que se sobrepõem ao daquele possível credor, se iniciar o processo de insolvência, cuja utilidade e pertinência vai muito além do interesse de quem o despoleta; por outro lado, quando se venha a verificar que o requerido não tem quaisquer outros credores com créditos vencidos, o processo de insolvência não deverá prosseguir, visto que, daí para a frente não terá qualquer função social, sendo que não se destina ao apuramento da existência do crédito e tão pouco à cobrança privada de dívidas.”.
H) Este pedido de insolvência foi julgado manifestamente infundado porquanto a RÉ não alegou nem fez prova da situação financeira da AUTORA CC, limitando-se a invocar a existência de um crédito, decisão transitada em julgado.
I) Na sequência das decisões proferidas nos dois processos de insolvência a ora R. instaurou ação declarativa de condenação contra as aqui autoras, que corre termos no Juiz … do Juízo Central Cível de Lisboa, sob o número de processo 000, e na qual pede a condenação das ali rés e aqui autoras no pagamento da quantia de €1.931.736,12; correspondente às faturas vencidas, trabalhos executados constantes dos autos de medição, devolução das retenções de garantia e juros de mora.
J) Está em causa, na ação referida ação, a execução de trabalhos pela ré, na qualidade de empreiteira e subempreiteira das autoras; saber se tais trabalhos foram devida e integralmente executados; e a aqui ré é credora das autoras pela quantia peticionada, destinada a remunerar tais trabalhos.
K) Por despacho proferido em fevereiro de 2022, no processo nº 000, foi a instância suspensa até à decisão definitiva, transitada em julgado, do processo n.º 555.
*
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões nelas colocadas pela apelante e das que forem de conhecimento oficioso (arts. 635º e 639º do CPC), tendo sempre presente que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº 3 do CPC).
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1. Do deferimento da suspensão da instância por causa prejudicial
2. Da impugnação da decisão de facto
3. Da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil
4. Do quantum indemnizatório
5. Da litigância de má fé
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No corpo das alegações/motivação do recurso (da sentença), a págs. 23, 25 e 30, a apelante imputa o vício de nulidade, invocando o disposto no art.º 615º, nº 1, als. b) e c) do CPC.
Todavia, as conclusões são completamente omissas quanto a esta questão, pelo que não será a mesma apreciada (art.º 638º do CPC).
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1. Do deferimento da suspensão da instância por causa prejudicial
Depois de proferido despacho nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 567º, nº 2 do CPC, a R. requereu a suspensão da instância por causa prejudicial, com os fundamentos supra expostos.
As AA. deduziram oposição, pugnando pela inexistência de causa prejudicial.
O despacho recorrido indeferiu a suspensão da instância por não se verificar relação de prejudicialidade, como decorre do seguinte trecho:
“Como alegaram as autoras e se encontra provado, os processos de insolvência instaurados pela ré improcederam manifestamente, porquanto a ré se limitou a alegar, como único fundamento do pedido de declaração de insolvência, a falta de pagamento de faturas / titularidade de um crédito, concluindo desse facto a incapacidade das autoras de solverem as suas obrigações.
Como foi realçado nas decisões proferidas nos processos de insolvência, ainda que se concluísse pela existência do crédito da aqui ré, tal não implica que o não pagamento revela a incapacidade das autoras de satisfazer as suas obrigações. (…)
Da cópia do despacho proferido em 14.02.2022 naquele processo n.º 000, resulta que foi determinada a respetiva suspensão, até trânsito em julgado do processo n.º 555, por em ambos se discute o mesmo cumprimento defeituoso ou incumprimento dos mesmos contratos de empreitada.
Como já se viu supra, nestes autos a causa de pedir não assenta no cumprimento ou não cumprimento daqueles contratos de empreitada, mas sim na alegada prática, pela ré, de ato ilícito e culposo, que consistiu em intentar processos de insolvência manifestamente infundados contra as autoras; e ressarcimento dos danos sofridos pelas autoras em consequência de tal facto.
Ou seja, apesar de ter sido alegada a relação contratual mantida entre as partes, e o cumprimento defeituoso / não cumprimento por parte da ré, não está em causa saber se a ré é ou não credora das autoras, mas se estão reunidos os pressupostos de responsabilidade civil extracontratual.”
Prevê o art.º 272.º, n.º 1 do CPC a possibilidade conferida ao Tribunal de ordenar a suspensão da instância “quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado”.
Dispõe o nº 2 do citado preceito que “não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens”.
Há causa prejudicial, sempre que numa ação se discuta e pretenda apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto do objeto de uma outra ação.
Assim, a relação de dependência como causa de suspensão da instância, assenta no facto de, numa determinada ação, se discutir em via principal uma questão que é essencial para a decisão de uma outra ação (vide Ac. do STJ de 30.06.1998, BMJ, 378º, p. 703), “de tal modo que a decisão dessa acção possa ser afectada pelo julgamento proferido na outra” (vide Ac. Relação do Porto de 17.12.1992, CJ 1992, tomo V, pág. 242).
Citando Alberto dos Reis (in Comentário ao Código Processo Civil Vol. 3º, pág. 206) “uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão daquela pode prejudicar a decisão desta, isto é quando a procedência da primeira tira a razão de ser à existência da segunda", ou seja, tal situação ocorre quando na causa prejudicial esteja a apreciar-se uma questão cuja sentença possa modificar ou destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda, uma situação jurídica que tem de ser considerada para a decisão de outro pleito, só existindo verdadeira prejudicialidade e dependência quando na primeira causa se discuta, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da outra causa.
Na base da decisão de suspensão da instância pela existência de causa prejudicial estão razões de utilidade e conveniência processual. Pretende-se evitar que com o decurso de duas ações, em que uma das questões suscitadas pode determinar o não conhecimento da submetida a apreciação na outra, o tribunal esteja a despender esforços processuais e a onerar as partes bem como a poder eventualmente proferir decisões de sentido antagónico.
No processo nº 000, a causa de pedir e pedido funda-se no incumprimento pelas ora AA. das obrigações decorrentes de contratos de empreitada e subempreitada celebrados com a ora R.. Apenas em sede de recurso veio a apelante pugnar pela prejudicialidade em relação também ao processo nº 555. Constituindo questão nova, não colocada à apreciada da 1ª instância, não se conhece da mesma.
Nos presentes autos a causa de pedir e pedido têm por fundamento a responsabilidade extracontratual da R., consistindo o seu ato ilícito e culposo na instauração de processos especiais de insolvência contra as ora AA., pedidos esses considerados infundados.
A decisão que vier a ser proferida no processo nº 000 não impede o prosseguimento destes autos, nem é pressuposto da decisão destes. Com efeito, ainda que ali se conclua pelo direito ao crédito reclamado pela R., sempre se terá que apreciar os pedidos formulados na presente ação, não sendo a decisão daquela suscetível de, per se, destruir ou modificar os fundamentos da presente ação. É que as decisões proferidas nos dois processos de insolvência instaurados pela ora R. contra as ora AA. não tiveram por fundamento a (in)existência do direito de crédito da R. sobre as AA., antes a falta de fundamento para a instauração dos processos de insolvência, atentos os seus pressupostos legais.
De modo que a pretensão da Ré não tem cabimento na previsão da 1ª parte do citado artigo 272º, n.º 1 do Código de Processo Civil, na medida em que não se pode considerar que entre os presentes autos e o processo nº 000, ocorra qualquer prejudicialidade ou dependência.
Pelo exposto, improcede, nesta parte, o recurso.

2. Da impugnação da decisão de facto
Na presente ação os factos foram considerados provados por confissão, dada a extemporaneidade da contestação apresentada e seu desentranhamento, nos termos do disposto no art.º 567º, nº 1 do CPC.
A cominação prevista nesta norma apenas não se aplica aos casos previstos no art.º 568º do CPC.
A apelante impugna os factos 26 e 51, considerando que não podem ser dados como provados, uma vez que nenhum dos processos de insolvência em causa na presente ação foi publicitado através do portal Citius e a única informação publicada corresponder à autuação e distribuição das ações, o que, no seu entendimento, é manifestamente diferente do que as AA. alegaram.
Os factos 26 e 51 são do seguinte teor:
“26. O processo de insolvência é publicitado através do portal CITIUS, sendo por isso do conhecimento público.
51. O processo de insolvência é publicitado através do portal CITIUS, sendo por isso do conhecimento público.”
Tais factos foram alegados nos art.ºs 131º e 159º da p.i.
Não existe qualquer divergência entre o alegado e o consignado como provado.
Destes não resulta qualquer menção expressa ao conteúdo do que foi publicitado, sendo relevante a circunstância de, mediante acesso ao portal citius, a qualquer pessoa ser possível ter conhecimento da instauração dos processos de insolvência contra as ora AA., pelo que devem aqueles factos manter-se como provados.
Impugna os factos elencados sob os n.ºs 34 a 36 e 57 a 59, considerando o teor dos factos alegados pelas apeladas, sendo seu entendimento que tudo indica que após a revisão das pontuações pelas agências de avaliação de riscos, tais negócios ter-se-ão de considerar por concluídos, sem qualquer dano, patrimonial ou não patrimonial, para cada uma das recorridas. Entende existir uma contradição insanável entre os factos considerados como provados sob os n.ºs 33 e 56, e os factos elencados sob os n.ºs 34 a 36 e 57 a 59, pugnando para que estes últimos se considerem como não provados. Sustenta a sua posição, ainda, na alegação constante da p.i. no sentido de que os constrangimentos com as instituições bancárias, fornecedores e clientes terem ocorrido apenas durante o período de tempo em que as agências de avaliação de risco lhes atribuíram uma baixa pontuação, o que decorreu entre janeiro a abril de 2020 e por não terem alegado outro facto após o referido lapso de tempo, nem tão pouco que os referidos negócios se perderam irremediavelmente ou que não se concretizaram em momento posterior.
A contradição entre factos apenas existe quando eles se mostrem absolutamente incompatíveis entre si, de tal modo que não possam coexistir. Não é o caso.
Partindo dos factos considerados provados a R. extrai conclusões - designadamente que após a revisão das pontuações pelas agências de avaliação de riscos, os negócios ter-se-ão de considerar por concluídos, sem qualquer dano, patrimonial ou não patrimonial, para cada uma das recorridas - e com base nelas imputar a referida contradição.
As considerações/conclusões tecidas remetem para a decisão de direito, na aferição dos danos causados a cada uma das AA., pelo que, inexistindo contradição entre factos, se mantêm aqueles factos como provados, com a seguinte ressalva: a parte final do facto 59 contém afirmação manifestamente conclusiva/de direito, pelo que se elimina tal segmento, passando a ter o seguinte teor:
59. À data de entrada do pedido de insolvência a AUTORA CC encontrava-se a negociar um contrato de empreitada no valor de €2.600.000,00 que se malogrou por conta do aludido processo, tendo em consideração que os seus parceiros de negócios recearam concluir a celebração de um contrato a longo prazo com uma empresa que poderia vir a ser encerrado na sequência de um processo de insolvência.
Pugna para que os factos 35 a 38 sejam considerados como não provados, por não corresponderem à alegação constante nos artigos 140º a 143º da petição inicial, conjugada com os documentos juntos sob os nºs 58 a 68 com a p.i.. Mais defende constatar-se dos documentos nºs 58 a 68 que: a A. BB não é parte em nenhum; mencionam tratar-se de meras reservas e não contratos promessa, outorgados entre terceiros, não tendo nenhuma das apeladas participado na sua celebração, não estão datados.
Os factos impugnados são do seguinte teor:
“35. À data do início do processo de insolvência a 1ª AUTORA tinha onze frações reservadas para venda a clientes, tendo estes procedido ao pagamento de €10.000,00.
36. A venda das referidas frações permitiria à 1ª AUTORA obter receitas no valor total de €3.451.800,00
37. Entre janeiro e março de 2020, estes clientes perderam interesse nos negócios, cancelaram as reservas efetuadas e as 1ª AUTORA restituíram as quantias pagas de €10.000,00 a cada um. 38. A perda de interesse por parte dos clientes, entre janeiro e março de 2020, foi decorrência direta da existência do processo de insolvência, por terem receio de avançar com a compra de imóveis a uma sociedade comercial que poderia ser declarada insolvente. (destaques nossos)”
Os artºs 140º a 143º da p.i. são do seguinte teor:
“140.º À data do início do processo de insolvência a AUTORA tinha onze frações reservadas para venda a clientes, tendo estes procedido ao pagamento de €10.000,00 (Cfr. Doc. 58 a 68, que se juntam e se dão por integralmente reproduzidos).
141.º A venda das referidas frações permitiria à AUTORA obter receitas no valor total de €3.451.800,00 (Cfr. Doc. 58 a 68).
142.º Entre janeiro e março de 2020, estes clientes perderam interesse nos negócios, cancelaram as reservas efetuadas e as AUTORA restituíram as quantias pagas de €10.000,00 a cada um, (Cfr. Doc. 69, que se junta e se dá por integralmente reproduzido).
143.º A perda de interesse por parte dos clientes, entre janeiro e março de 2020, foi decorrência direta da existência do processo de insolvência, por terem receio de avançar com a compra de imóveis a uma sociedade comercial que poderia ser declarada insolvente.”
Dúvidas não restam de que os factos 35 a 38 correspondem integralmente à factualidade alegada nos artºs 140º a 143º da p.i..
Nesses factos nada consta no sentido de terem sido celebrados contratos-promessa, mas sim reservas de venda. Tais factos, por falta de impugnação, são de considerar como provados, sendo irrelevante que nos documentos juntos sob os nºs 58 a 68 não conste o nome da A. BB, nem a respetiva data, uma vez que constituem acordos de reserva, outorgados entre o promotor e o interessado na aquisição, sem intervenção do proprietário, constituindo procedimento comum na atividade de mediação imobiliária.
Entende a apelante que os factos vertidos sob os n.º 42 a 46 e 62 a 66 não podem ser considerados provados enquanto diretamente decorrentes da instauração das ações de insolvência, ou se provados não lhe são imputáveis, uma vez que as AA. não alegaram que a publicação na rede social Facebook é imputável à Recorrente; as AA. alegaram no artigo 147º da p.i., que foi a publicação em causa, na rede social https://www.facebook.com que “levou a que se instalasse um clima de total desconfiança […]”, com as consequências alegadas nos artigos seguintes da petição inicial (cf. factos provados elencados sob os números 42 e 61 e 62).
Não resulta da factualidade provada – e não foi alegado na p.i. – que tivesse sido a R. a publicar a existência dos processos de insolvência das AA. na rede social Facebook.
Apenas os factos 42 e 62 se referem a consequências advenientes da publicação da insolvência das AA. na rede social Facebook.
A questão da imputação da responsabilidade de tal publicação à R. e os danos daí decorrentes prende-se com a fundamentação de direito – e não com contradição entre factos provados, que não ocorre, havendo que efetuar a devida subsunção destes ao direito aplicável.
Todavia constata-se que o facto nº 43 assume manifestamente natureza conclusiva (relativamente ao valor global dos negócios) e de direito (referência à perda patrimonial), pelo que se determina a sua eliminação.
Pelo exposto, procede parcialmente a impugnação da decisão de facto.

3. Da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual
Entende a apelante que a responsabilidade em causa na presente ação está dependente da consideração de factos que conduzam a uma explicita atuação dolosa na instauração das ações de insolvência, o que manifestamente considera não ocorrer, quer por falta de alegação concreta de factos pelas apeladas, quer pelos factos considerados pelo Tribunal “a quo”.
Dispõe o art.º 22º do CIRE que “a dedução de pedido infundado de declaração de insolvência, ou a indevida apresentação por parte do devedor, gera responsabilidade civil pelos prejuízos causados ao devedor ou aos credores, mas apenas em caso de dolo.”
Trata-se de um caso de responsabilidade civil extracontratual, sendo-lhe aplicável o art.º 483º do CC, mas em que se exige que o ato ilícito seja cometido com dolo (não bastando a mera negligência), o qual pode revestir as modalidades de dolo direto, dolo necessário e dolo eventual.
“A dedução de pedido infundado de declaração de insolvência, ou a indevida apresentação por parte do devedor, gera responsabilidade civil pelos prejuízos causados ao devedor ou aos credores, mas apenas em caso de dolo. Assim, só existe a responsabilidade civil nele prevista, relativamente aos casos em que exista uma actuação dolosa, ainda que em qualquer das suas vertentes: directo, necessário ou eventual.” [1]
A R. instaurou dois processos de insolvência contra as AA., apenas com fundamento no direito de crédito que sobre cada uma delas reclama, em virtude da celebração de contratos de empreitada e subempreitada e falta de pagamento desse crédito, tendo um dos pedidos sido objeto de indeferimento liminar e o outro sido julgado improcedente.
Em relação ao processo de insolvência 1557/20.5T8LSB, instaurado contra a A. BB, foi proferido despacho de indeferimento liminar do pedido, do qual destacamos o seguinte trecho:
“Efetivamente, a Requerente nada sabe sobre património, ativo ou passivo e nada disse sobre a atividade da Requerida, se tem trabalhadores, quantos, se estão a ser pagos, se tem endividamento bancário, se paga os seus impostos, se tem ações declarativas ou executivas instauradas contra si, se tem bens penhorados, etc.
A Requerente apenas vem dizer que a Requerida não lhe paga desde Agosto de 2019, apesar de lhe ter sido solicitado o pagamento e com esta base entende que a Requerida está insolvente.
Ora, a única coisa que podemos com segurança concluir é que existe o incumprimento de uma obrigação cuja satisfação deverá ser buscada por outra via que não o processo de insolvência, que se não destina à cobrança de dívidas, devendo ser usado com cautela e não como forma de pressão sobre a contraparte, pois os prejuízos dele resultantes para uma empresa em actividade podem ser relevantes.
Assim, e porque a matéria alegada não logra preencher a previsão de qualquer das alíneas do disposto no art.º 20º nº1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, designadamente 20º, nº1, al. b), por manifesta improcedência do pedido, impõe-se o indeferimento liminar da presente petição inicial.
Pelo exposto, nos termos do disposto no art.º 27º nº1, al. a) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, indefiro liminarmente a petição inicial.”
E da decisão proferida no processo de insolvência nº 928/20.1T8LSB, em que foi julgado improcedente o pedido de insolvência formulado contra a A. CC, salienta-se o seguinte:
“Ora, no caso dos autos o extenso articulado da Requerente incidiu apenas sobre a titularidade de um crédito sobre a Requerida; crédito que, ainda assim, é litigioso.
Considerando que a legitimidade ativa (ad substantium) é condicionada pela verificação de certas situações, elencadas nas alíneas a) a h) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE, o êxito da pretensão da RÉ estava sujeito à reação da Requerida, i.e., à confissão desta do estado de insolvência, ainda que iminente.
De referir que estamos perante manifesta omissão de alegação de factos essenciais cujo ónus de alegação não é suprível mediante convite ao aperfeiçoamento, por força do efeito de preclusão ao não terem sido invocados no momento processual devido.
Porém, a Requerida não só não confessou o estado de insolvência como pugnou no sentido de que se encontrar solvente evidenciando para o efeito elementos contabilísticos.
Ainda que não estivéssemos perante um crédito litigioso e/ou que da sinopse do articulado da Requerente se alvitrasse a possibilidade de ser invocada a verificação do facto-indicie atinente à falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações [alínea b), do nº 1 do artigo 20º do CIRE], é de considerar que esta alínea diferencia dois grupos distintos de obrigações, a saber:
- por um lado, a obrigação ou obrigações que não foram cumpridas;
- por outro lado, a generalidade das obrigações do devedor que a falta de cumprimento daquela(s) revela, pelo seu montante ou pelas circunstâncias que rodeiam o incumprimento, a impossibilidade de as satisfazer.
Ora o crédito reclamado apenas podia relevar para efeitos do primeiro grupo de obrigações supra referenciadas - obrigação ou obrigações que não foram cumpridas, não obstante a litigiosidade do mesmo – sendo insuscetíveis de ser consideradas para efeitos de integração nas outras obrigações cuja impossibilidade generalizada de cumprimento seja revelada pelo inadimplemento das primeiras. Partindo deste princípio, os factos alegados na petição inicial são absolutamente omissos relativamente a outras obrigações de que a apelante fosse sujeita passiva, para lá da correspondente àquele crédito único e cuja impossibilidade generalizada de cumprimento seja revelado pelo inadimplemento daquela obrigação única emergente do contrato de mútuo e da sua resolução.
Deste modo, não pode concluir-se que o incumprimento desse débito único revela a incapacidade da apelante satisfazer generalizadamente outra ou outras obrigações de que seja sujeito passivo e, consequentemente, não pode ter-se por preenchido o factor índice que está em apreço.
Termos em que é de concluir que não se mostra verificado o facto índice de insolvência previsto no artigo 20.º n.º 1 b) do CIRE.
Enfim, terminando como começamos, estamos apenas perante um divida litigiosa cujo objeto não deve ser dirimido no processo de insolvência, uma vez que neste, como referido, o credor que vem requerer a instância de insolvência fá-lo, não exclusivamente no interesse de satisfação do seu crédito, dentro do pressuposto que a declaração de um estado de insolvência, quando existe, quanto mais cedo seja feita, melhor. Está em causa não a cobrança privada de dívidas – para isso o credor dispõe da execução singular – mas o despoletamento de um processo a que é atribuída uma tarefa social, comunitária, visando-se o interesse comum dos credores.
Ademais, não tendo o processo de insolvência por vocação a prova, seja em que grau for, da existência do crédito litigioso do credor a que o art.º 20º do CIRE atribui legitimidade para despoletar o processo, de duas uma:
i - ou se verifica que aquele devedor tem outros credores e em função desses outros créditos se pode concluir pelo fundamento da insolvência, isto é, pela “insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado, no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos;
ii - ou, se verifica que aquele devedor não tem, afinal, outros credores senão aquele que se arroga essa qualidade, mas que a vê contestada judicialmente pelo devedor, e, se assim for, não poderá, nem se deverá fazer prosseguir o processo de insolvência. Se, por um lado, o legislador abstrai da efectiva qualidade de credor de quem assim se arroga para, em nome de interesses públicos e sociais, que se sobrepõem ao daquele possível credor, se iniciar o processo de insolvência, cuja utilidade e pertinência vai muito além do interesse de quem o despoleta; por outro lado, quando se venha a verificar que o requerido não tem quaisquer outros credores com créditos vencidos, o processo de insolvência não deverá prosseguir, visto que, daí para a frente não terá qualquer função social, sendo que não se destina ao apuramento da existência do crédito e tão pouco à cobrança privada de dívidas.”.
Mais se provou que em 27/12/2019, as AA. foram ameaçadas pela R. com a propositura de processos de insolvência, caso não fossem pagas as faturas dos valores que aquela considerava estarem em dívida (facto 12), o que veio a concretizar.
“I – A dedução de um pedido de declaração de insolvência por um credor do devedor visando pressionar este ao pagamento de determinado valor no quadro da discussão entre os dois do montante de um crédito, consubstancia um uso desviado do processo de insolvência, relativamente a um fim legítimo: propiciar a execução universal do património de um devedor impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.
II – A dedução desse pedido de insolvência, apurando-se a não verificação de qualquer das situações elencadas nas alíneas do nº 1 do artigo 20º do CIRE, confere ao comportamento do credor ao requerer essa insolvência a natureza de comportamento temerário, expressando uma total indiferença pela exposição do devedor aos desvalores normalmente associados pelos diversos agentes económicos, à circunstância de alguém (concretamente uma empresa) ser sujeito a um processo de insolvência, mesmo quando esta não vem a ser decretada.
III – A temeridade desta conduta do credor e a indiferença que ela expressa quando aos resultados dela previsivelmente decorrentes para o devedor colocam tal requerimento infundado de insolvência no domínio do dolo eventual.
IV – Provocando esse requerimento infundado de insolvência danos ao devedor, designadamente referidos à percepção do mercado quanto a solvabilidade dele, deve o requerente dessa insolvência indemnizar esses danos, nos termos do artigo 22º do CIRE e 483º, nº 1 do CC.” [2]
A conduta da R. é ilícita,  pois intentou os dois processos de insolvência contra as AA., alegando como único fundamento o crédito que considera deter sobre cada uma delas e a falta do respetivo pagamento, sem ter alegado sequer factos essenciais atinentes à solvabilidade das AA., designadamente qualquer facto-índice dos previstos nas alíneas do artigo 20º, nº 1 do CIRE – facto voluntário e ilícito. Um dos processos culminou com despacho de indeferimento liminar e o outro foi julgado improcedente. A conduta da R. revela, pelo menos, indiferença perante os resultados previsivelmente decorrentes para as AA., tendo atuado, no mínimo, com dolo eventual, tendo resultado dessa atuação danos para as AA. – requisitos do dano e do nexo de causalidade entre o facto e o dano.
A alegação da apelante no sentido de os prejuízos alegados não poderem ter resultado da instauração dos processos de insolvência por destes apenas ser publicitada a autuação e distribuição não apresenta qualquer sustentação. Tal publicitação foi suficiente para ter determinado o conhecimento por parte de instituições bancárias, fornecedores, agências de avaliação de risco e clientes da existência dos referidos processos e consequentemente para que as AA.  incorressem em prejuízos diversos. Com efeito, devido à publicitação através do portal CITIUS, os serviços de informação financeira e avaliação de risco de empresas tiveram conhecimento da sua existência, sendo a informação por estas disponibilizada utilizada pelas entidades bancárias, fornecedores e clientes para apurar se devem manter relações contratuais com uma empresa (cfr. factos provados 25 a 27, 32, 50 a 52, 55).
A R., representada por mandatário, bem sabia que o processo de insolvência não se destina à cobrança do crédito, nem pode servir para pressionar as eventuais devedoras ao pagamento.
Como referido no citado acórdão RC de 12/06/2012: ”O propósito – único propósito, por sinal – era pressionar um devedor que era solvente ao pagamento de uma dívida (que aqui se apurou corresponder a menos de €20.000,00, num valor global muito mais significativo de todo o negócio entre a A. e a R.), cujo montante estava em discussão, num espaço muito distinto daquele que sugeriria, a uma pessoa de normal diligência e recto procedimento, o recurso ao pedido de declaração de insolvência em vez da tutela declarativa normal. Com efeito, só um propósito de lograr, pela manifesta desproporção do meio empregue e através do temor que esta desproporção de consequências era apta a infundir, o condicionamento da vontade da A. na discussão contratual em curso, só isto, dizíamos, explica a dedução de um pedido de insolvência pela R. nesta particular situação, sobressaindo, como verdadeiros propósitos da R., o de retaliar e o de condicionar.
É neste sentido que não temos dúvidas em situar a conduta da empresa R. aqui em causa num domínio que já é o do dolo eventual, no sentido em que a cegueira e a obstinação de alcançar um outro objectivo (a sujeição da A. à quantificação de um determinado crédito feita pela R., com ou sem razão), acabam por evidenciar uma enorme indiferença básica pelo resultado desvalioso induzido com o pedido descabido de insolvência, sendo que não se apurou aqui que a R. tivesse alguma razão para intuir que a situação patrimonial da A. fosse de incapacidade para satisfazer a generalidade dos respectivos compromissos, ademais da indemonstração de que existissem razões para supor, com seriedade, verificados quaisquer factos-índice da situação de insolvência.
Estão, pois, reunidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.

4. Do quantum indemnizatório
Insurge-se a apelante contra a condenação pelos danos patrimoniais em quantia a liquidar, por entender que não estão observados os respetivos pressupostos, concretamente a alegação dos danos.
Para sustentar a sua posição juntou parecer que se destinou ao incidente de redução de hipoteca judicial, que corre por apenso à ação.
As AA. alegaram os danos em que incorreram com a instauração dos processos de insolvência, os quais foram considerados provados sob os nºs 25 a 46 e 50 a 66.
A decisão recorrida condenou no pagamento dos danos patrimoniais, em quantia a liquidar, com a seguinte fundamentação:
“No que respeita a danos patrimoniais, e atenta a matéria de facto provada, é seguro concluir que em consequência da entrada em juízo e consequente publicitação dos processos de insolvência, as autoras deixaram de realizar negócios que importariam ganhos nas importâncias de €3.828.800,00 (1ª autora) e €2.600.000,00 (2ª autora).
Tratando-se de ganhos não auferidos em consequência da interposição, pela ré, de pedidos de declaração de insolvência, fica demonstrado o nexo causal, (art.º 563º do CC). No que respeita à indemnização por danos patrimoniais, e como já se referiu supra, o valor da indemnização deverá corresponder à diferença patrimonial sofrida pelo lesado. No caso, não é possível saber qual o dano efetivo, visto que as autoras se limitaram a alegar a perda patrimonial relativa aos negócios que deixaram de realizar, mas não os custos associados aos mesmos em que também não incorreram. Ou seja, não é possível calcular o valor da diferença patrimonial, (art.º 566º nº2 do CC).
Assim sendo, relega-se para liquidação posterior a quantificação de tal dano.”
Nos termos dos art.ºs 562º e 566º do CC o obrigado a indemnizar deve reparar os danos reconstituindo a situação que existiria se não tivesse ocorrido a lesão, e, caso esta não seja possível a indemnização é fixada em dinheiro. O dever de indemnizar compreende para além do prejuízo causado (dano emergente), os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência do facto (lucros cessantes) – art.º 564º do CC.
“Na jurisprudência, a questão da liquidação ulterior declarada na sentença tem sido objeto, sobretudo, de duas posições diferenciadas, uma restrita e outra lata.
A posição restrita, perfilhada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de janeiro de 1995 (BMJ n.º 443, pág. 395), admitindo a liquidação ulterior quando ainda não é possível, no momento da sentença, conhecer todos os factos necessários para tal efeito, e excluindo-a se os factos já tiverem ocorrido, designadamente quando não tiverem sido provados.
A posição lata, seguida pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de janeiro de 1998 (BMJ n.º 473, pág. 445), aceita a liquidação ulterior nos casos em que o dano já ocorreu, mas não se consegue obter a sua quantificação.
Esta corrente, que se apresenta como maioritária, apoia-se especialmente numa razão de justiça, a prevalecer sobre a fixação por equidade.
Na verdade, sendo possível obter o valor do dano de modo mais justo, tal é preferível do que arbitrá-lo segundo o critério da equidade, especificado no art.º 566.º, n.º 3, do CC, dada uma certa aleatoriedade e delicadeza na fixação do dano por equidade. (…)
Não obstante o valor do dano deva ser fixado na sentença, sempre que possível, pode relegar-se para liquidação ulterior quando, inexistindo factos para determinar o valor exato, é possível prever a sua prova. De contrário, justifica-se a fixação imediata, recorrendo à equidade, do valor exato do dano (posição idêntica foi sufragada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de novembro de 2015, no processo n.º 480/11.9TBMCN.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt).”  [3]
As AA. alegaram e contabilizaram os danos patrimoniais, valores que resultaram provados. A condenação dos danos em quantia a liquidar contém uma restrição ao montante alegado e peticionado, a quantificar, cabendo na previsão do art.º 609º, nº 2 do CPC, por se entender que o dano efetivo não se reconduz singelamente às perdas dos negócios (receitas), havendo que liquidar tal montante no respetivo incidente.
Mais alegou a apelante que “os constrangimentos que as Recorridas alegam ter sofrido na relação com instituições financeiras, fornecedores e clientes, limitaram-se ao período de tempo em que as agências de avaliação de risco atribuíram uma baixa pontuação às Recorridas (janeiro de 2020 a abril de 2020), não tendo nenhuma das Recorridas alegado quaisquer outros factos quanto ao momento subsequente à revisão das pontuações pelas agências de avaliação de risco; tudo indicando, a contrario, que após a revisão das pontuações pelas agências de avaliação de riscos, tais negócios ter-se-ão de considerar por concluídos, sem qualquer dano, patrimonial ou não patrimonial, para cada uma das Recorridas.”
Este aspeto assume relevância no que respeita aos danos sofridos pela A. BB.
Importa atentar na seguinte factualidade:
“27. Motivo pelo qual, os serviços de informação financeira e avaliação de risco de empresas tiveram conhecimento da sua existência.
28. As agências de avaliação de risco consideravam em dezembro de 2019 que a pontuação da AUTORA BB era de 96, sendo por isso o risco de falhar com os seus compromissos quase inexistente. 29. Em janeiro de 2020, e na sequência da notícia da existência do processo de insolvência, a agência de avaliação de risco considerou que a pontuação da 1ª AUTORA era apenas de 1, concluindo, assim, não lhe poder ser atribuído crédito.
30. Face ao elevado risco de incumprimento com os credores por conta da existência de um processo de insolvência a correr contra si.
31. Em abril de 2020, e já após a prolação do despacho de indeferimento liminar do processo de insolvência, a mesma agência de avaliação de risco devolveu a pontuação de 96 à 1ª AUTORA.
32. A informação disponibilizada pelas agências de avaliação de risco é utilizada pelas entidades bancárias, fornecedores e clientes para apurar se devem manter relações contratuais com uma empresa.
33. Durante o período de tempo em que as agências de avaliação risco atribuíam uma pontuação de 1 à 1ª AUTORA esta viu-se impossibilitada de celebrar novos contratos e gerou desconfiança por parte dos seus fornecedores, clientes e instituições bancárias, impedindo assim o seu financiamento.
35. À data do início do processo de insolvência a 1ª AUTORA tinha onze frações reservadas para venda a clientes, tendo estes procedido ao pagamento de €10.000,00.
36. A venda das referidas frações permitiria à 1ª AUTORA obter receitas no valor total de €3.451.800,00.
37. Entre janeiro e março de 2020, estes clientes perderam interesse nos negócios, cancelaram as reservas efetuadas e as 1ª AUTORA restituíram as quantias pagas de €10.000,00 a cada um.
38. A perda de interesse por parte dos clientes, entre janeiro e março de 2020, foi decorrência direta da existência do processo de insolvência, por terem receio de avançar com a compra de imóveis a uma sociedade comercial que poderia ser declarada insolvente.
39. Ainda em janeiro de 2020, e na sequência da notícia da existência do processo de insolvência, duas clientes, com os quem a 1ª AUTORA havia celebrado dois contratos promessa de compra e venda de duas frações, perderam o interesse na celebração dos contratos definitivos de compra e venda.
40. Face aos riscos de manter um contrato promessa de compra e venda de um imóvel em construção com uma sociedade em processo de insolvência, as clientes perderam o interesse nos negócios, tendo a 1ª AUTORA, além das demais desistências, deixado de promover duas vendas no valor global de €377.000,00.”
Decorre desta factualidade que, no período de janeiro a abril de 2020, em que as agências de avaliação risco atribuíam uma pontuação de 1 à 1ª A., esta viu-se impossibilitada de celebrar novos contratos e gerou desconfiança por parte dos seus fornecedores, clientes e instituições bancárias, impedindo assim o seu financiamento. Em concreto, entre janeiro e março de 2020, os clientes que haviam reservado 11 frações para compra, perderam interesse nos negócios e cancelaram as reservas efetuadas, o mesmo sucedendo com as duas clientes com quem a 1ª A. havia celebrado contratos promessa de compra e venda de duas frações. A venda das 11 frações reservadas permitiria à 1ª A.  obter receitas no valor total de €3.451.800,00, tendo a 1ª A. deixado de promover duas vendas, que eram objeto de contratos promessa, no valor global de €377.000,00.
Verifica-se que não foi alegado, nem resulta demonstrado, que a 1ª A. perdeu definitivamente a possibilidade de vender as aludidas frações – antes se deu como assente que no referido período a 1ª A. não logrou concretizar a venda das mencionadas frações. Não é legítimo extrapolar que decorrido o referido período a 1ª A. não mais conseguiu vender as frações.
Assim, o dano efetivo consiste no valor que - ponderada a diferença entre as receitas que poderia ter obtido com as vendas e os respetivos custos (grosso modo, o lucro) -, a 1ª A. poderia obter caso tivessem sido realizadas as vendas naquele período, decorrente do encaixe do respetivo montante, isto é, o rendimento do capital que deixou de auferir em virtude do não recebimento daquele valor, no período de janeiro a abril de 2020.
Em relação à 2ª A. provou-se que:
“50. O facto de ter sido apresentado um pedido de insolvência contra a AUTORA CC, determinou o conhecimento por parte de instituições bancárias, fornecedores, agências de avaliação de risco e clientes da existência do processo.
51. O processo de insolvência é publicitado através do portal CITIUS, sendo por isso do conhecimento público.
52. Motivo pelo qual, os serviços de informação financeira e de avaliação de risco de empresas tiveram conhecimento da sua existência.
53. As agências de avaliação de risco consideravam que a pontuação da 2ª AUTORA, em dezembro de 2019, era de 76, sendo o risco de falhar com os seus compromissos mínimo.
54. Em janeiro de 2020, e com a notícia da existência do processo de insolvência, a agência de avaliação de risco considerou que a pontuação da 2ª AUTORA era apenas de 9, concluindo que não deveria ser atribuído à 2ª AUTORA qualquer crédito tendo em consideração a existência de um processo de insolvência a correr contra si.
55. A informação disponibilizada pelas agências de avaliação de risco é utilizada por parte de entidades bancárias, fornecedores e clientes para apurar se devem manter relações contratuais com uma empresa.
56. Durante o período de tempo em que as agências de avaliação de risco atribuíam uma pontuação de 9 à AUTORA esta viu-se impossibilitada de celebrar qualquer contrato ou obter financiamento, contrair novas obrigações e se socorrer de financiamentos para prosseguir a sua atividade comercial.
59. À data de entrada do pedido de insolvência a AUTORA CC encontrava-se a negociar um contrato de empreitada no valor de €2.600.000,00 que se malogrou por conta do aludido processo, tendo em consideração que os seus parceiros de negócios recearam concluir a celebração de um contrato a longo prazo com uma empresa que poderia vir a ser encerrado na sequência de um processo de insolvência.”
O contrato de empreitada que estava em negociação com a 2ª A., no valor de €2.600.000,00, malogrou-se em virtude da instauração do processo de insolvência. A factualidade provada não permite extrair a conclusão pretendida pela apelante, no sentido de que depois da decisão proferida no processo de insolvência e da alteração da pontuação atribuída pelas agências de avaliação e risco, o referido negócio se concretizou. 
Assim, o prejuízo patrimonial sofrido pela 2ª A. corresponde à diferença entre o referido valor de €2.600.000,00 e o valor dos custos a suportar, a liquidar.
*
A apelante defende que a indemnização arbitrada a título de danos não patrimoniais é manifestamente excessiva.
Nos termos do disposto no art.º 496º, nº 1 do Código Civil são indemnizáveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, devendo o montante da indemnização ser fixado equitativamente, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º, isto é, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
A indemnização neste tipo de danos tem natureza mista pois visa reparar, de algum modo, mais que indemnizar os danos sofridos pelo lesado, não lhe sendo, porém, estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.
Para Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, pág. 474, 3ª ed., o montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado segundo critérios de equidade, atendendo, para além do mais, ao grau de culpabilidade do responsável, à situação económica das partes, à flutuação da moeda, e “deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.”
Também Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6ª edição, pág.385, sublinha que o montante da fixação do montante da reparação dos danos não patrimoniais deverá ser determinado “mediante o cômputo equitativo de uma compensação, em que se atenderá, não só e antes de mais à própria extensão e gravidade dos prejuízos, mas também ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso”.
No caso, a R. atuou com dolo (eventual). Não é conhecida a capacidade económica das partes.
Os danos causados às AA., que consistem na afetação da reputação, prestígio, bom nome e credibilidade no mercado, assumem gravidade e relevância autónomas em relação aos danos patrimoniais, ainda que aquela gravidade se mostre atenuada por a publicação da existência dos processos de insolvência na rede social Facebook não ser da autoria da R..
Ponderadas as referidas circunstâncias quanto ao juízo de equidade, afigura-se adequada a indemnização de €15.000,00 a cada uma das AA.
5. Da litigância de má fé
Na resposta ao recurso que tem por objeto o despacho que indeferiu a suspensão da instância por prejudicialidade as AA. pugnam pela condenação da R. como litigante de má fé, por entenderem que o recurso deve ser rejeitado, uma vez que o mesmo deveria ter sido interposto com o recurso da decisão final, revelando a apelante uma conduta censurável e violadora do princípio da cooperação.
A apelante, notificada da resposta ao recurso, não se pronunciou.
De harmonia com o disposto no art.º 542º, nº 2 do CPC diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
“I – A má fé substancial verifica quando a atuação da parte se reconduz às práticas aludidas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art.º 542º, do CPC, enquanto a má fé instrumental se encontra prevista nas als. c) e d) do mesmo artigo;
II – Em qualquer dessas situações nos encontramos perante uma intenção maliciosa ou uma negligência de tal modo grave ou grosseira que, aproximando-a da atuação dolosa, justifica um elevado grau de reprovação e idêntica reação punitiva.
III - A condenação como litigante de má fé assenta num juízo de censura sobre um comportamento que se revela desconforme com um processo justo e leal, que constitui uma emanação do princípio do Estado de Direito.” [4]
O erro em que a apelante incorreu na interposição do recurso autónomo, por si só, não é suscetível de integrar qualquer dos requisitos enunciados no preceito em análise, pelo que improcede o incidente.
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a sentença relativamente aos montantes objeto da condenação, que se substitui, pelo seguinte:
- julga-se parcialmente procedente a ação e, em consequência, condena-se a R.:
a) a pagar à A. BB, a título de ressarcimento por danos patrimoniais, a quantia, a apurar em liquidação posterior, correspondente ao rendimento do capital que deixou de auferir, capital esse relativo à diferença entre as receitas que poderia ter obtido com os negócios identificados nos factos provados nºs 35 a 37, 39 e 40 e os respetivos custos de execução, no período de janeiro a abril de 2020, com o limite máximo de €3.828.800,00.
b) a pagar à A. CC a título de ressarcimento por danos patrimoniais, a quantia, a apurar em liquidação posterior, correspondente ao negócio que importaria ganho na importância de €2.600.000,00, deduzidos dos respetivos custos de execução e até àquele montante.
c) a pagar a cada uma das AA., a título de ressarcimento por danos não patrimoniais, a quantia de €15.000,00, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal, desde a presente decisão e até integral pagamento.
Custas do recurso a cargo de apelante e apeladas na proporção de ½.

Lisboa, 16 de maio de 2024
Teresa Sandiães
Marília dos Reis Leal Fontes
Rui Manuel Pinheiro Oliveira
_______________________________________________________
[1] Ac. RC de 20/03/2018, proc. nº 2330/16.0T8LRA.C1, in www.dgsi.pt
[2] Ac. RC de 12/06/2012, proc. nº 1 954/09.7TBVIS.C1, in www.dgsi.pt
[3] Ac. STJ de 21/03/2019, processo nº 496/17.3T8LSB.L1.S1, in www.dgsi.pt
[4] Ac. STJ de 12/11/2020, proc. nº 279/17.9T8MNC-A.G1.S1, in www.dgsi.pt