Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | OCTÁVIO DOS SANTOS DIOGO | ||
| Descritores: | CONTRATO DE ARRENDAMENTO OPÇÃO DE COMPRA CONTRATO PROMESSA QUALIFICAÇÃO DO CONTRATO EXECUÇÃO ESPECÍFICA | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 04/13/2023 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PROCEDENTE | ||
| Sumário: | 1. Existe erro de julgamento, passível de ser superado nos termos do artigo 607.º, n.º 4, do CPC, quando o tribunal “a quo” não considera na sentença factos que se encontram provados por acordo das partes. 2. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante. 3. Estando demonstrado que o documento, apelidado de contrato de arrendamento com opção de compra, onde consta o contrato dissimulado – o contrato promessa de compra e venda - está assinado por ambas as partes, e o contraente que promete transmitir ou constituir o direito só pode invocar a omissão dos requisitos previstos no nº 3 do art.º 410º, quando a mesma tenha sido culposamente causada pela outra parte, não tendo a Ré contestado tem que haver-se por formalmente válido o contrato promessa de compra e venda. 4. Demonstrado o incumprimento do contrato promessa por parte da promitente vendedora, e que o preço se encontra integralmente pago, estão reunidas todas as condições que conferem à promitente compradora o direito à execução especifica do contrato promessa, isto é, de obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial da faltosa, nos termos do n.º 1 do art.º 830.º do Código Civil. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | *** I – Relatório. A, residente na Travessa do Miradouro, Quinta Grande, Alfragide, intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra B, residente na Rua da Mealha – Condomínio Villagio, Alcabideche, peticionando que: a) seja declarado transmitido a favor da A. o direito de propriedade da fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente ao rés-do-chão esquerdo do prédio urbano sito na Rua Eugénio de Castro, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Alvalade sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de João de Brito. b) Seja a Ré condenada a entregar à A. o montante que se encontrar em dívida do débito garantido pela hipoteca, registralmente averbada pela apresentação nº. … de 20 de fevereiro de 2015, sobre a fração autónoma identificada em I, cujo capital inicial era de €32.000,00, bem como o dos juros vencidos e vincendos, até integral pagamento. Para tanto, alegou, em síntese, que celebrou com a Ré um contrato-promessa de compra e venda, sendo que perante o incumprimento do mesmo por partes desta pretende executar especificamente o mesmo. Regular e pessoalmente citada para contestar, no prazo e sob a cominação legal, a Ré não apresentou contestação. Seguidamente, o tribunal “a quo” proferiu sentença que terminou com a seguinte decisão: Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo a presente ação improcedente e, consequentemente, absolvo a Ré B do pedido. Não se conformando com o assim decidido interpôs a autora o presente recurso de apelação sustentando que deve ser concedido provimento à apelação, sendo revogada a, aliás douta, sentença recorrida e declarado transmitido a favor da ora apelante o direito de propriedade da fração autónoma ajuizada e melhor identificada no art.º 1º. da petição inicial, tendo para tanto apresentado as seguintes conclusões: a) A presente acção foi intentada no dia 17 de Março de 2021, ao abrigo do disposto no nº. 1 do art.º 830, do Código Civil, pretendendo a A., aqui apelante, obter sentença que, substituindo a declaração negocial da Ré, declarasse transmitido a seu favor o direito de propriedade da fracção autónoma correspondente ao rés-do-chão esquerdo do prédio sito na Rua Eugénio de Castro, nº. 16, em Lisboa, e ainda a condenação da demandada a entregar-lhe o montante necessário para pagar a terceiro um crédito garantido por hipoteca que tinha por objecto aquela fracção autónoma, tendo este pedido sido formulado nos termos do nº. 4 da mesma norma legal; b) Regularmente citada – como foi reconhecido pela Mma. Juiz a quo no douto despacho, com a referência CITIUS 413207074, de 23 de Fevereiro de 2022 – a Ré não se apresentou a contestar, pelo que foram declarados confessados os factos articulados pela A., nos termos do nº. 1 do art.º 567º. do Código de Processo Civil; c) Do preço – de €140.000,00 – ajustado entre a A. e a Ré para a compra e venda da fracção autónoma em causa, encontravam-se em dívida €21.000,00 no momento em que a acção foi proposta, tendo a ora apelante, no decurso do processo, procedido a transferências mensais de €1.000,00, para a ora apelada, no total de €12.000,00, e depositado (através de DUC) €9.000,00 à ordem dos autos, ficando o preço integralmente pago no dia 23 de Março de 2022; d) A A., aqui recorrente, fez prova do pagamento dos €21.000,00 através dos documentos que juntou com o seu requerimento – com a referência CITIUS 32073323 – de 23 de Março de 2022; e) Com o mesmo requerimento, a A. juntou aos autos comprovativo de que a Ré regularizara a situação perante os credores hipotecários, pelo que deixara de se justificar o pedido formulado em II, alínea a), a final da petição de justiça; f) As alegações a que alude o nº. 2 do art.º 567º. do Código de Processo Civil foram apresentadas pela A. (com a referência CITIUS 32083259) em 24 de Março de 2022, tendo a ora apelante ficado a aguardar a prolação de sentença; g) A Mma. Juiz a quo proferiu, em 4 de Novembro de 2022 (com a referência CITIUS 419833231), a, aliás douta, sentença que julgou a acção improcedente, por não provada, com a qual a A. não se conforma; 2. Razões do presente recurso. 2.1. Reapreciação da matéria de facto pelo Venerando Tribunal ad quem. h) Ainda que não tenha julgado não provados quaisquer factos na, aliás douta, sentença recorrida, a Mma. Juiz a quo apenas ali relevou 10 factos provados, desconsiderando todos os que se reportavam às negociações entre as partes e que levaram à celebração do contrato exequendo (junto sob doc. nº. 5 da petição inicial), essenciais para a correcta interpretação das declarações negociais por elas ali proferidas; i) A omissão pela Mma. Juiz a quo na, aliás douta, decisão recorrida, da enumeração dos factos relevantes para a boa decisão da causa e que se têm como assentes (C.P.C., art.º 567º., nº. 1), impõe que o Venerando Tribunal ad quem proceda à alteração da decisão sobre a matéria de facto, nos termos do nº. 1, do art.º 662º., do Código de Processo Civil; j) Os factos assentes – mas desconsiderados na, aliás douta, sentença recorrida – que impõem uma decisão diversa da alcançada pela Mma. Juiz a quo são os alegados nos art.ºs 2º., 6º., 7º., 8º., 9º., 10º., 11º., 12º., 13º., 14º., 15º., 16º., 17º., 19º., 20º., 21º., 22º., 23º., 24º., 34º., 35º., 39º., 40º., 41º., 42º., 53º., 54º., 74º., 75º. e 76º. Da petição inicial e transcritos a fls. 24 e ss. das presentes alegações, dando-se aqui por reproduzidos; k) Foram igualmente desvalorizados pela Mma. Juiz a quo, que nem mesmo se lhes referiu, os documentos juntos pela ora apelante com a petição de justiça para prova dos factos ali alegados, designadamente os identificados como docs. nºs. 3 e 4, fundamentais para a interpretação da vontade negocial das partes, uma vez que evidenciam o comportamento de cada uma delas (C. Civil, art.º 236º.); l) A Mma. Juiz a quo não levou em consideração os factos que se produziram posteriormente à propositura da acção e que a ora apelante levou ao conhecimento da Ilustre Julgadora através do seu requerimento de 23 de Março de 2022 (com a referência CITIUS 32073323), com o qual juntou os documentos comprovativos de tais factos; m) A Mma. Juiz a quo violou, na, aliás douta, sentença recorrida por omissão de aplicação, o preceituado no art.º 611º. do Código de Processo Civil, sendo certo que tais factos posteriores são constitutivos do direito à execução específica da ora apelante e afastam a aplicabilidade do nº. 5 do art.º 830º. do Código Civil; n) O Venerando Tribunal ad quem deverá, pois, modificar a decisão sobre a matéria de facto proferida pela Mma. Juiz a quo na, aliás douta, sentença recorrida, levando à relação dos factos provados não só os da petição inicial que devem considerar-se assentes, como os supervenientes relativamente à data da propositura da acção e que foram alegados no requerimento da ora recorrente autuado em 23 de Março de 2022; 2.2. Da errada interpretação da vontade das partes, pela Mma. Juiz a quo e da errada qualificação do negócio jurídico celebrado entre a recorrente e a recorrida no dia 1 de Julho de 2015 (doc. nº. 5 da petição inicial) o) O declaratário normal inserido em situação, que tivesse intervindo nas negociações com a Ré (através da sua mãe, que nelas a representou) não teria dúvidas de que a sua vontade era a de vender à A. a fracção autónoma de que era proprietária (mas que não poderia transmitir antes de 20 de Fevereiro de 2020) e não a de dar de arrendamento, ainda que com opção de compra; p) Foi a compra e venda e não o arrendamento que foi objecto das negociações entre a A. e a Ré, como decorre da troca de mensagens entre elas feita e constante dos docs. nºs. 3 e 4 da petição inicial; q) Não podendo a Ré vender, de imediato (em 2015), a fracção autónoma em causa, a sua mãe dissimulou um contrato-promessa de compra e venda sob a forma de um contrato de arrendamento simulado, do qual constam todas as cláusulas essenciais do negócio efectivamente desejado por ambas as partes (preço, forma de pagamento e tempo de celebração do contrato prometido, com indicação da contraente sobre quem impendia o dever da marcação da escritura de compra e venda); r) Decorre do documento nº. 4 da petição inicial que, para enganar o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (que poderia reverter o negócio celebrado com a Ré), as ora apelante e apelada proferiram declarações negociais divergentes (ainda que mal escondidas) da sua vontade real, celebrando um contrato de arrendamento quando, efectiva e realmente, o que queriam era formalizar um contrato-promessa de compra e venda; s) Existindo sob o simulado arrendamento um contrato-promessa de compra e venda dissimulado, no qual foi observada a forma escrita que este último tem de revestir (C. Civil, art.º 410º., nºs. 2 e 3), tratou-se de uma simulação relativa, pelo que o mesmo é válido, por força do disposto no nº. 1 do art.º 241º. do Código Civil, preceito que a Mma. Juiz a quo não aplicou como deveria; t) Resulta da própria leitura do “Contrato de Arrendamento Urbano para Fim Habitacional com Prazo Certo” ajuizado sob doc. nº. 5 da petição inicial que, materialmente, e ao contrário do que inculca a sua epígrafe, se trata de um contrato-promessa de compra e venda e não de um contrato de arrendamento; u) No contrato sub judice, não foi conferida à A. – ao invés do que a Mma. Juiz a quo consignou – uma opção de vir a adquirir a fracção autónoma que dele é objecto, findo o prazo convencionado: a ora apelante obrigou-se a comprar aquela fracção autónoma (que a Ré se obrigou a vender-lhe), em determinado prazo, cabendo-lhe a ela a marcação da escritura, e a consequência do não cumprimento por parte dela seria a perda do sinal (quer dos €50.000,00 iniciais, quer dos €60.000,00 pagos em prestações mensais), como se lê no nº. 3 da sua cláusula 8ª.; v) Essa sanção para o incumprimento do promitente-comprador é própria da estrutura do contrato-promessa de compra e venda (C. Civil, art.ºs 441º. e 442º., nº. 2) e não do contrato de arrendamento com opção de compra, no qual, como a Mma. Juiz a quo consignou na, aliás douta, sentença recorrida, transcrevendo a Senhora Professora Ana Prata, é estabelecida uma convenção (…) “estruturalmente caracterizada por uma das partes emitir uma declaração ou proposta de contrato, ficando a outra parte com a faculdade de aceitar ou rejeitar o contrato dentro de certo prazo”. w) No caso dos autos não houve uma proposta contratual da Ré que a A. tivesse a faculdade de aceitar ou rejeitar, mas antes uma vinculação recíproca de compra e venda, com as legais consequências para o incumprimento, que ali só se admitiu ser possível por parte da (promitente) compradora; 2.3. Da validade – formal – do contrato ajuizado sob doc. nº. 5 da petição inicial x) Tratando-se de um contrato-promessa de compra e venda de fracção autónoma, terá de revestir forma escrita e esse documento deverá conter o reconhecimento presencial das assinaturas dos promitentes, de acordo com o estatuído no nº. 3 do art.º 410º. do Código Civil; y) A omissão da formalidade do reconhecimento (presencial) das assinaturas dos contraentes só pode ser invocada pelo vendedor, desde que prove que ela foi culposamente causada pela parte compradora (C. Civil, art.º 410º., nº. 3, in fine). No caso dos autos, não tendo havido contestação, essa matéria não está sequer em causa; z) Relativamente ao conhecimento oficioso da omissão das formalidades notariais do contrato-promessa, decidiu o Assento nº. 3/95 (publicado no Diário da República, I Série, de 22 de Abril) que, “no domínio do nº. 3 do art.º 410º. do Código Civil (…), a omissão das formalidades previstas nesse número não pode ser conhecida oficiosamente pelo tribunal”, doutrina que se mantém válida a despeito da modificação da redacção do preceito em causa operada pelo Dec.-Lei nº. 379/86, de 11 de Novembro; aa) O contrato ajuizado sob doc. nº. 5 da petição inicial deve ser qualificado como contrato-promessa de compra e venda, que reflectiu a vontade negocial real da A. e da Ré, contendo todos os elementos essenciais e típicos dessa espécie de contratos, pelo que, mostrando-se assinado pelas partes, é válido e vincula-as nos seus precisos termos, não caindo no âmbito do art.º 374º. do Código Civil, erradamente interpretado e aplicado pela Mma. Juiz a quo na, aliás douta, sentença recorrida; bb) Seria um absurdo, violador do princípio da unidade do sistema jurídico, convocado como critério interpretativo no nº. 1 do art.º 9º. do Código Civil, pretender que um “contrato de arrendamento com opção de compra” está sujeito a requisitos formais mais solenes do que os que vigoram para um contrato-promessa de compra e venda (admitindo, por mera hipótese de raciocínio que é aquele o tipo de contrato autuado sob doc. nº. 5 da petição inicial); 2.4. Da susceptibilidade da execução específica do contrato ajuizado sob doc. nº. 5 da petição inicial e do preenchimento dos requisitos para que seja proferida sentença em substituição da declaração negocial da Ré em escritura de compra e venda. cc) A Ré obrigou-se a transmitir a favor da A. o direito de propriedade da fracção autónoma ajuizada, tendo-se recusado a celebrar a escritura (que chegou a ser lavrada) para o efeito marcada pela A., nos termos que constam da carta que lhe dirigiu em 9 de Junho de 2020 e cuja cópia foi autuada sob doc. nº. 33 da petição inicial; dd) No dia e hora marcados, a procuradora da Ré compareceu no notário designado pela A., mas recusou-se a assinar o contrato prometido, por pretender receber €80.000,00 em vez dos €30.000,00 que a ora apelante lhe devia nessa data e que pretendeu pagar-lhe através de cheque bancário emitido a seu favor, como tudo consta do “certificado de ocorrência” junto sob doc. nº. 34 da petição inicial; ee) Não tendo a Ré cumprido a promessa que fez à A., tem esta o direito de obter sentença que produza os efeitos da sua declaração negocial, nos termos do nº. 1 do art.º 830º. do Código Civil; ff) Na pendência do processo – e até antes da apresentação das alegações previstas no nº. 2 do art.º 567º. do Código de Processo Civil – a A. procedeu ao pagamento dos €21.000,00 do preço que ainda não se encontravam passados aquando da sua instauração e fez prova desse pagamento e depósito com o requerimento que apresentou no dia 23 de Março de 2022; gg) Estando provado o incumprimento da promitente- vendedora e demonstrado que o preço se encontra integralmente pago, estão reunidas as condições de que o art.º 830º., nºs. 1 e 5, do Código Civil faz depender a prolação de sentença que produza os efeitos da declaração negocial da promitente vendedora faltosa, aqui apelada, pelo que a acção deveria ter sido julgada procedente. Respondeu a apelada, sustentando que deverá ser indeferido o requerimento de recurso apresentado pela Recorrente, nos termos do artigo 641º, n.º 2, al. b) do Código do Processo Civil ou, caso assim não se entenda, ser negado o provimento do presente recurso e, consequentemente, ser confirmada a sentença proferida pelo Tribunal a quo e ora recorrida, tendo para o efeito apresentado as seguintes conclusões: A) Deve constar das conclusões de recurso as normas jurídicas violadas, o sentido com que as normas jurídicas, que constituem fundamento da decisão, deviam ter sido interpretadas e aplicadas e indicar quais as normas jurídicas, que no entender da Recorrente, deveriam ter sido aplicadas, conforme previsto no artigo 639º, n.º 2 do C.P.C. B) As conclusões de recurso devem ser apresentadas de forma sintética, indicando os fundamentos que, no entendimento da Recorrente, implicam uma decisão diferente da decisão proferida pelo Tribunal a quo, o que, in casu, não aconteceu, conforme disposto no artigo 639º, n.º 1 do C.P.C. C) A Recorrente não apresenta verdadeiras conclusões, nem as apresenta de forma sintética, recorrendo à transcrição integral (ipsis verbis) do corpo das alegações de recurso. D) A Recorrente ao não apresentar verdadeiras conclusões e ao limitar-se a reproduzir o corpo do texto das alegações, pretende, ainda que de forma discreta, o despacho de uma nova sentença. E) Pelo que, e face ao exposto, deverá o requerimento do recurso apresentado pela Recorrente ser indeferido, nos termos do artigo 641º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Civil por o requerimento de recurso não conter verdadeiras conclusões. F) A Recorrente, alega também que o contrato de arrendamento celebrado entre as partes, e aqui em crise, é susceptível de ser executado especificamente por qualificá-lo como contrato promessa de compra e venda. G) A Recorrida não perfilha desse mesmo entendimento e, como bem observou o Tribunal a quo, não estamos perante um contrato promessa de compra e venda mas sim perante um contrato de arrendamento com opção de compra. H) Ora, e asseverando-se este contrato como contrato de arrendamento com opção de compra, é essencial alcançar ao que ao momento e forma de aquisição da propriedade diz respeito. I) Dispõe o artigo 1316º do CC que o “O direito de propriedade adquire-se por contrato (…)” e, na mesma senda, o artigo 1317º, al. a) do mesmo diploma dispõe que, no caso de contrato, o momento da aquisição do direito de propriedade é o designado nos artigos 408º e 409º. J) E atentos ao teor do n.º 1 do artigo 408º do CC, não se pode ignorar que a lei pode sujeitar a validade de um contrato a determinada forma especial, como vai até mais longe ao sujeitar a escritura pública ou documento particular autenticado os contratos preparatórios de alienação de direitos sobre imóveis, se conjugarmos com o disposto no artigo 875º do mesmo diploma: “o contrato de compra e venda de bens imóveis só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado” - parece razoável conceber que qualquer contrato preliminar a este e que verse sobre um determinado bem imóvel, também ele esteja sujeito a igual exigência de forma . K) Sendo que o desfecho da falta de forma legalmente exigida é a nulidade conforme dispõe o artigo 220º do CC ex vi artigo 219º do mesmo diploma. L) E a natureza formal aqui opera pelo conteúdo e efeito do objecto do contrato que, in casu, seria a opção de compra de um imóvel, o que, atendendo-se ao disposto no artigo 364º do CC, sob a epígrafe “ Exigência legal de documento escrito”, que vem reforçar que a regra é a de que o documento escrito, autêntico, autenticado ou particular, é exigido como forma ad substantiam. M) Face ao supra mencionado, deverá o Tribunal ad quem negar o provimento do recurso e, consequentemente, deverá confirmar a decisão proferida pelo Tribunal a quo. * Recebido o recurso e preparada a deliberação, importa apreciar e decidir. * II- Mérito do recurso 1. Objeto do recurso Este objeto, como é sabido, é, em regra e ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente [artigos 608.º, n.º 2, “in fine”, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC)]. Assim, observando este critério, no caso presente o objeto do recurso é saber se: a) – Deve ser reapreciada a matéria de facto. b) - Da errada interpretação da vontade das partes, pela Mma. Juiz a quo e da errada qualificação do negócio jurídico celebrado entre a recorrente e a recorrida no dia 1 de Julho de 2015 (doc. nº. 5 da petição inicial) c) - Da validade – formal – do contrato ajuizado sob doc. nº. 5 da petição inicial d) - Da susceptibilidade da execução específica do contrato ajuizado sob doc. nº. 5 da petição inicial e do preenchimento dos requisitos para que seja proferida sentença em substituição da declaração negocial da Ré em escritura de compra e venda. * 2. Fundamentação de facto. A - Na decisão recorrida julgaram-se provados os seguintes factos: 1. A Ré é proprietária da fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente ao rés-do-chão esquerdo do prédio sito na Rua Eugénio de Castro, em Lisboa, atualmente inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Alvalade sob o artigo ... (anteriormente sob o artigo ... da extinta freguesia do Campo Grande) e descrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº. ... da (extinta) freguesia do Campo Grande. 2. Por escrito particular datado de 01/07/2015, denominado de “Contrato de Arrendamento Urbano para Fim Habitacional com Prazo Certo”, a Ré declarou ceder à Autora o gozo do prédio referido em 1. pelo prazo de 5 (cinco) anos, não sendo renovável e dando lugar a escritura de compra e venda, a ser efetuada mediante comunicação escrita enviada à outra parte, sob registo postal com aviso de receção, com antecedência mínima de dez dias, pelo Segundo Outorgante. 3. Acordaram quanto ao preço, que findo o prazo dos 5 (cinco) anos, o INQUILINO irá proceder à opção de compra pelo valor de €140.000,00 (cento e quarenta mil euros), sendo as rendas pagas até à data da escritura, no valor de €60.000,00 (sessenta mil euros) abatidas no valor a pagar pela compra do imóvel. 4. (…) A renda mensal é de €1.000,00 (mil euros). O valor de sinal a entregar no ato de reserva será de €5.000,00 (cinco mil euros), a deduzir no valor a pagar pela compra e venda do imóvel. 5. (…) Com a assinatura do contrato de arrendamento será ainda entregue um valor de €45.000,00 (quarenta e cinco mil euros), a deduzir no valor a pagar pela compra e venda do imóvel. 6. A A pagou à Ré €50.000,00 em junho e julho de 2015 e €60.000,00 em reforços mensais de € 1.000,00, entre julho de 2015 e junho de 2020. 7. À fração referida em 1., encontra-se averbada uma hipoteca no montante, em capital, de €32.000,00, respondendo a fração autónoma, em razão dessa hipoteca, por um montante que poderia ascender a €46.720,00. 8. Em 9 de Junho de 2020, a A. notificou a Ré para a outorga da escritura solicitou-lhe que se fizesse acompanhar do documento do distrate da hipoteca. 9. No dia e hora marcados pela A., a mãe da Ré, munida de procuração bastante, compareceu no cartório notarial da Senhora Dra. Ana Isabel Tomé, na Amadora. 10. A Ré, através da sua mãe, fez saber à senhora notária que só assinaria a escritura se a A. lhe passasse, no ato, o montante de €80.000,00. 3. Fundamentação de direito. 3.1. Da reapreciação da matéria de facto. Na tese da Apelante, apesar do tribunal “a quo” não ter julgado não provados quaisquer factos dos alegados pela Apelante, a Mma. Juiz a quo apenas ali relevou 10 factos provados, desconsiderando todos os que se reportavam às negociações entre as partes e que levaram à celebração do contrato exequendo (junto sob doc. nº. 5 da petição inicial), essenciais para a correcta interpretação das declarações negociais por elas ali proferidas. A omissão pela Mma. Juiz a quo na, aliás douta, decisão recorrida, da enumeração dos factos relevantes para a boa decisão da causa e que se têm como assentes (C.P.C., art.º 567º., nº. 1), impõe que o Venerando Tribunal ad quem proceda à alteração da decisão sobre a matéria de facto, nos termos do nº. 1, do art.º 662º., do Código de Processo Civil. Os factos assentes – mas desconsiderados na, aliás douta, sentença recorrida – que impõem uma decisão diversa da alcançada pela Mma. Juiz a quo são os alegados nos art.ºs 2º., 6º., 7º., 8º., 9º., 10º., 11º., 12º., 13º., 14º., 15º., 16º., 17º., 19º., 20º., 21º., 22º., 23º., 24º., 34º., 35º., 39º., 40º., 41º., 42º., 53º., 54º., 74º., 75º. e 76º. Da petição inicial e transcritos a fls. 24 e ss. das presentes alegações, dando-se aqui por reproduzidos. Na presente ação a Ré, ora apelada, regularmente citada não deduziu contestação tendo, em consequência, sido proferido despacho a considerar confessados os factos alegados pelo A. na petição inicial, nos termos do art.º 567.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Posteriormente, em 23/02/2022 veia a Autora, juntar documento que demonstra, efectivamente, que os beneficiários da hipoteca haviam emitido a competente declaração para distrate, em 7 de Julho de 2015 – cfr. doc. nº. 3, mais alegando que: - Procedeu, após a propositura da acção, ao pagamento de 12 reforços do sinal por conta do preço, no valor unitário de €1.000,00, donde, dos €21.000,00 que se encontravam em dívida em 17 de Março de 2021 foram pagos €12.000,00, restando €9.000,00; - E procedeu ao depósito dos € 9.000,00, remanescente do preço, através do DUC com a referência 701280031370071, que se junta sob doc. nº. 16, acompanhado do comprovativo do seu pagamento – doc. nº. 17. - O presente requerimento, e os documentos que o acompanham, é apresentado em momento anterior ao das alegações finais, nas quais serão tidos em consideração os factos aqui invocados e provados. Notificada deste requerimentos e documentos que o acompanham a Ré, ora apelada, nada disse. Na sentença sob recurso, após os factos que foram declarados como provados, foi afirmado, sob o título B. Factos Não Provados, Não há factos a considerar como não provados. Estipula o art.º 607º, nº 4, do CPC Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência. Em face do estabelecido no citado normativo, facilmente se alcança que na elaboração da sentença o tribunal “a quo” violou este normativo, porquanto, apesar de ter proferido despacho a considerar confessados os factos alegados pelo A. na petição inicial, nos termos do art.º 567.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aquando da elaboração da sentença, apenas considerou como provados os factos que se deixaram expostos em 2. Fundamentação de facto. Como se decidiu no Ac. do STJ de 23/03/07, processo nº 7095/10.7TBMTS.P1.S1, acessível e, www.dgsi.pt I. O não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC. II. Tais situações reconduzem-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607.º, n.º 4, do CPC (…) Estando admitidos por confissão da Ré, art.º 567.º, n.º 1, do CPC, todos factos alegados pela A. na petição inicial, bem como os alegados, no requerimento apresentado pela apelante em 23/02/2022, a decisão do tribunal “a quo” ao dar como provados apenas alguns desses factos, incorre em erro de julgamento e não pode ser mantida, impondo-se a alteração da decisão sobre os factos provados, nos termos do art.º 662º, nº 1 do CPC, ao prescrever que - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Ora, a factualidade alegada na petição inicial e no referido requerimento e admitida por acordo da Ré e/ou provada por documento, deve ser tida em conta porque, a nosso ver, impõe decisão diversa da proferida pelo tribunal “a quo”. Assim, altera-se a decisão da matéria de factos e consideram-se como provados, por confissão e/ou documento, também os seguintes factos: 11. Em Abril de 2015, a A. encontrava-se a procurar casa onde instalasse a sua habitação, pois teria de deixar aquela, em Alfama, onde então residia. 12. A A. veio a tomar conhecimento de que, no próprio prédio onde o filho possui uma fracção autónoma, a Ré adquirira a correspondente ao rés-do-chão esquerdo, na qual, todavia, não habitava, 13. tendo encarregado a sua mãe, Senhora D. M… de proceder à venda daquela fracção autónoma. 14. No dia 22 de Maio de 2015, a A. abordou a mãe da Ré, a quem deu conta do seu interesse na aquisição da fracção autónoma em causa. 15. Nessa conversa, a mãe da Ré pôs a A. ao corrente da situação jurídica da fracção autónoma de que a filha era (e é ainda) proprietária: adquirida em 20 de Fevereiro de 2015 ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, estava sujeita a um ónus de inalienabilidade por cinco anos, 16. pelo que a compra e venda não poderia ser formalizada antes de 20 de Fevereiro de 2020 – cfr. doc. nº. 2. 17. A Ré tinha interesse em celebrar um negócio que lhe permitisse um encaixe financeiro imediato, bem como em receber pagamentos mensais por conta do preço, cujo remanescente seria pago no acto da compra e venda, a celebrar após o decurso do prazo de vigência do ónus de inalienabilidade, 18. pelo que a mãe da Ré pediu à A. que lhe apresentasse uma proposta, por escrito, que acautelasse as circunstâncias em que o negócio poderia ser realizado. 19. Ainda no dia 22 de Maio de 2015, a A. endereçou à mãe da Ré a mensagem de correio electrónico cuja impressão se junta sob doc. nº. 3 e aqui se dá por integralmente reproduzida. 20. Nessa mensagem, a A. consignou, além do mais, o seguinte: No seu caso, quanto ao facto de agora só ser possível contrato de PCV e daqui a 4 anos a escritura, penso que isso é possível contornar. Nessa condicionante poderíamos entregar no CPCV, 50% do valor da compra… Parece-lhe bem? (doc. nº. 3) 21. Àquela mensagem da A., respondeu a mãe da Ré, pela mesma via, em 23 de Maio de 2015, ora se juntando a sua impressão, sob doc. nº. 4, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 22. No que diz respeito à proposta de preço da A., escreveu ali a mãe da Ré: A procura que temos realmente é muita e temos também várias propostas, mas o valor que nos propõe é realmente abaixo do que nos têm oferecido e do valor de estudo de mercado da zona. (doc. nº. 4) 23. A ultrapassagem da cláusula de inalienabilidade foi assim configurada: A situação realmente é a que lhe falei, um cpvc com a validade de 5 anos, um valor de entrada e um valor mensal até à escritura definitiva, em que todos esses valores serão descontados. (doc. nº. 4) 24. No início de Junho de 2015, a A. e a mãe da Ré chegaram a um acordo para o negócio, que teria as seguintes cláusulas: a) Preço – €140.000,00; b) Forma de pagamento: (i) sinal de €50.000,00, dos quais €5.000,00 foram passados imediatamente, a título provisório de reserva e os remanescentes €45.000,00 deveriam ser entregues no acto da assinatura do contrato-promessa; (ii) reforços, mensais, de sinal, no valor unitário de €1.000,00, entre Julho de 2015 e Junho de 2020, no total de €60.000,00; (iii) remanescente, de €30.000,00, na outorga da prometida escritura de compra e venda. 25. Na data da escritura (prevista para 30 de Junho de 2020), a A. apenas teria a pagar à Ré, tal como combinado aquando do acerto das condições do contrato, €30.000,00, remanescentes dos €140.000,00 do preço ajustado, do qual foram pagos €50.000,00 em Junho e Julho de 2015 e €60.000,00 em reforços mensais de €1.000,00, entre Julho de 2015 e Junho de 2020. 26. Para justificar a posse da casa, pela A., perante terceiros tais como o condomínio e entidades fornecedoras de serviços, com data de 1 de Julho de 2016, foi assinado um contrato de arrendamento entre a A. e a Ré, nos termos que constam da sua cópia que se junta sob doc. nº. 6 e aqui se dá por reproduzido. 27. Nesse documento fixou-se um prazo de vigência de 4 anos para o arrendamento, sendo assim mantido o exercício do direito potestativo de a A. adquirir a fracção autónoma ajuizada em Junho de 2020 – cfr. doc. nº. 6, cláusula 4ª., nº. 2. 28. Porque não interessava à Ré que fosse conhecido o verdadeiro negócio que ela celebrara com a A., no “contrato” de Junho de 2016 não é feita qualquer referência aos montantes entretanto entregues a título de sinal e seus reforços (€50.000,00 + €13.000,00 pagos em duodécimos de €1.000,00 entre 1 de Julho de 2015 e 1 de Julho de 2016), 29. tendo sido fixada a exígua “renda” de €50,00, para que a carga fiscal da Ré, como senhoria, fosse o mais aligeirada possível. 30. De Maio de 2018 em diante, a A. decidiu deixar de fazer os pagamentos dos reforços do sinal em numerário, tendo solicitado à Ré - através da sua mãe – a indicação de uma conta bancária para onde pudesse fazer as transferências mensais. 31. A conta que a Ré para o efeito indicou à A. – com o NIB … – está aberta em nome de Sérgio Rafael da Silva, irmão uterino da ora demandada. 32. Enquanto diligenciava por chamar a mãe da Ré à razão, a A. manteve as transferências dos reforços de sinal, no montante de €1.000,00 mensais, como decorre dos docs. que se juntam sob nºs. 36 a 44 e melhor identificados no quadro que se segue: DOC. Nº. ANO MÊS DIA MONTANTE 2020 36 Julho 8 €1.000,00 37 Agosto 5 €1.000,00 38 Setembro 2 €1.000,00 39 Outubro 8 €1.000,00 40 Novembro 5 €1.000,00 41 Dezembro 8 €1.000,00 2021 42 Janeiro 6 €1.000,00 43 Fevereiro 1 €1.000,00 44 Março 5 €1.000,00 TOTAL €9.000,00 Consequentemente, 33. Por conta do preço, de €140.000,00, a A. entregou à Ré (através da sua mãe e procuradora) os seguintes valores: a) €5.000,00, em numerário, em Junho de 2015 – cfr. doc. nº. 5 b) €45.000,00, em numerário, no acto da outorga do contrato-promessa, em 1 de Julho de 2015 – cfr. doc. nº. 5 c) €34.000,00, à razão mensal de €1.000,00, em numerário, entre Julho de 2015 e Abril de 2018 – d) €35.000,00, por transferências bancárias para a conta aberta em nome do irmão uterino da Ré, entre Maio de 2018 e Março de 2021 – cfr. docs. nºs. 7 a 32 e 36 a 44. 34. Os beneficiários da hipoteca emitiram a competente declaração para distrate, em 7 de Julho de 2015 – cfr. doc. nº. 3. 35. Após a propositura da acção, a A., ora apelante, procedeu, ao pagamento de 12 reforços do sinal por conta do preço, no valor unitário de €1.000,00. 36. A A., ora apelante, procedeu ao depósito dos €9.000,00, remanescente do preço, através do DUC com a referência 701280031370071, que juntou sob doc. nº. 16, acompanhado do comprovativo do seu pagamento – doc. nº. 17. b) - Da errada interpretação da vontade das partes, pela Mma. Juiz a quo e da errada qualificação do negócio jurídico celebrado entre a recorrente e a recorrida no dia 1 de Julho de 2015 (doc. nº. 5 da petição inicial) O tribunal “a quo” qualificou o contrato celebrado entre as partes como um contrato de arrendamento da fração autónoma em causa com opção de compra. Tendo em conta a matéria de facto tida em consideração pelo tribunal “a quo”, não custaria aceitar a qualificação do contrato como contrato de arrendamento com opção de compra. Porém, como supra já se deixou decidido, o tribunal errou no julgamento da matéria de facto, donde, a matéria de facto relevante para qualificar o contrato discutido nos autos não é apenas a que o tribunal “a quo” teve em consideração, mas antes, toda a matéria de facto que se deixou exposta em 3.1.. Assim, e perante a referida factualidade impõe-se apurar qual foi a vontade real das partes, que tipo de contrato quiseram realmente celebrar. Nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 236º. do Código Civil, a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, (…). Ora, face a toda a factualidade provada, conclui-se que o declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, retiraria da leitura do contrato junto sob doc. nº. 5 da petição inicial que a Ré não pretendeu dar de arrendamento à A. a fração autónoma ajuizada, assim como esta não tencionou tomá-la de arrendamento. Com efeito, pese embora aí se dizer que a Ré cede o gozo da coisa à A., por 5 anos que o INQUILINO irá proceder à opção de compra pelo valor de €140.000,00 (cento e quarenta mil euros), sendo as rendas pagas até à data da escritura, no valor de €60.000,00 (sessenta mil euros) abatidas no valor a pagar pela compra do imóvel, (…) A renda mensal é de €1.000,00 (mil euros). O valor de sinal a entregar no ato de reserva será de €5.000,00 (cinco mil euros), a deduzir no valor a pagar pela compra e venda do imóvel e (…) Com a assinatura do contrato de arrendamento será ainda entregue um valor de €45.000,00 (quarenta e cinco mil euros), a deduzir no valor a pagar pela compra e venda do imóvel. Desta factualidade, não é possível, concluir que se tratou de um contrato de arrendamento com opção de compra, porquanto, dali não resulta que foi concedida ao arrendatário a possibilidade, dependente da sua vontade, de adquirir o local arrendado. Tal aquisição da fração autónoma discutida nos autos foi naquele documento declarada como certa, cf. resulta do nº 2 da cláusula 4ª do contrato – Findo o prazo de 5 (cinco) anos, o INQUILINO irá proceder à opção de compra pelo valor de €140.00,00 (cento e quarenta mil euros). Ora, se se tratasse de um verdadeiro contrato de arrendamento com opção de compra, as partes teriam redigido o nº 2 da referida cláusula noutros termos e em vez do futuro imperativo “irá proceder …” teriam seguramente escrito “poderá proceder …”. Por outro lado, se se tratasse de um verdadeiro contrato de arrendamento com opção de compra que sentido teria o arrendatário ter entregue a título de sinal o valor de €5.000,00 no ato de reserva e ainda o valor de €45.000,00 na data da assinatura do contrato de arrendamento? Num contrato de arrendamento com opção de compra não há sinal e, face ao valor da dita “opção” de compra, muito menos um sinal pelo valor de 50.000,00 euros, quando a “opção” apenas teria lugar passados cinco anos. Tal escrito, (doc. nº. 5 da petição inicial), pese embora nele se falar em arrendamento e opção de compra conjugado com a restante factualidade que se deixou supra exposta conclui-se que as partes não quiseram celebrar um “contrato de arrendamento da fração autónoma em causa com opção de compra”, mas uma verdadeira promessa de compra e venda, dissimulada por um contrato de arrendamento simulado. Com efeito, está provado (factos provados nº 11 a 24), que a A. pretendia comprar um apartamento no Bairro de Alvalade e a Ré tinha uma fração autónoma para venda naquele Bairro, tendo cometido à sua mãe a tarefa de realizar o negócio, como a venda não poderia ser celebrada imediatamente, dada a existência do referido ónus de inalienabilidade, que vigoraria até 20 de Fevereiro de 2020 A ultrapassagem da cláusula de inalienabilidade foi assim configurada: A situação realmente é a que lhe falei, um cpvc com a validade de 5 anos, um valor de entrada e um valor mensal até à escritura definitiva, em que todos esses valores serão descontados. (doc. nº. 4) e no início de Junho de 2015, a A. e a mãe da Ré chegaram a um acordo para o negócio, que teria as seguintes cláusulas: a) Preço – €140.000,00; b) Forma de pagamento: (i) sinal de €50.000,00, dos quais €5.000,00 foram passados imediatamente, a título provisório de reserva e os remanescentes €45.000,00 deveriam ser entregues no acto da assinatura do contrato-promessa; (ii) reforços, mensais, de sinal, no valor unitário de €1.000,00, entre Julho de 2015 e Junho de 2020, no total de €60.000,00; (iii) remanescente, de €30.000,00, na outorga da prometida escritura de compra e venda. Para a qualificação do contrato é ainda importante o estabelecido no nº 3 da cláusula 8ª - “Fica expressamente acordado que este contrato tem a duração efetiva de 5 (cinco anos), com opção de compra, aceitado o Segundo Outorgante perder todos os valores entregues até essa data.” Desta cláusula resulta claramente que as partes se quiseram obrigar a algo, ou seja, celebrar o contrato de compra e venda da fração ajuizada. Com efeito, as regras da experiência demonstram que ninguém, no seu perfeito juízo e no âmbito de um contrato de arrendamento em que tem a opção de comprar ou não, iria entregar €50.000,00 aceitando perde-los caso não opte pela compra. Do que se deixou exposto, resulta claramente que entre as partes não foi negociado qualquer contrato de arrendamento (ainda que com opção de compra), mas sim um contrato-promessa de compra e venda e do qual constam todas as clausulas relevantes: No final do prazo dos cinco anos, iria ser celebrada a escritura de compra e venda, a ser efetuada mediante comunicação escrita enviada à outra parte sob registo postal com aviso de receção, com a antecedência mínima de dez dias ao Segundo Outorgante, a forma de pagamento do preço - os €140.000,00 - €50.000,00 (€5.000,00 + €45.000,00) com a assinatura do contrato, €60.000,00 em prestações mensais de €1.000,00 e os remanescentes €30.000,00 na outorga do contrato prometido. Em conclusão, o tal declaratário normal, art.º 236º, nº 1 do CC, concluiria da leitura do contrato junto sob doc. nº. 5 da petição inicial, ainda que sob a capa de contrato de arrendamento com opção de compra, que a Ré pretendeu prometer vender à a A. e esta prometeu comprar à Ré a fração autónoma ajuizada. As partes fizeram um negócio simulado – o contrato de arrendamento com opção de compra – que é nulo, art.º 240º, nº 2, do CC, e sob esse negócio fizeram um negócio dissimulado – o contrato promessa de compra e venda. Trata-se de um caso de simulação relativa, art.º 241º do CC, e o contrato dissimulado será válido desde que tenha sido observada a forma exigida por lei, cf. nº 2 do mesmo normativo. c) - Da validade – formal – do contrato dissimulado – o contrato promessa de compra e venda. Estabelece o art.º 410.º, do Código Civil 1 - À convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa. 2 - Porém, a promessa respeitante à celebração de contrato para o qual a lei exija documento, quer autêntico, quer particular, só vale se constar de documento assinado pela parte que se vincula ou por ambas, consoante o contrato-promessa seja unilateral ou bilateral. 3 - No caso de promessa respeitante à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fracção autónoma dele, já construído, em construção ou a construir, o documento referido no número anterior deve conter o reconhecimento presencial das assinaturas do promitente ou promitentes e a certificação, pela entidade que realiza aquele reconhecimento, da existência da respectiva licença de utilização ou de construção; contudo, o contraente que promete transmitir ou constituir o direito só pode invocar a omissão destes requisitos quando a mesma tenha sido culposamente causada pela outra parte. Tendo em conta o objeto do contrato promessa discutido nos autos, este é um negócio formal, devendo a declaração ser interpretada com um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, cf. art.º 238.º do CC. Ora, o documento em que as partes formalizaram o contrato dissimulado – contrato promessa de compra e venda - reproduz as pretensões das partes, celebrar um contrato-promessa de compra e venda, com a validade de cinco anos (período durante o qual a ora apelada estava impedida de alienar a fração autónoma), um valor de entrada – que foi de €50.000,00 – e um valor mensal – que foi de €1.000,00 – até à escritura definitiva, sendo o remanescente do preço pago pela A. à Ré no momento da sua outorga. Resulta da factualidade dada como provada que a vontade negocial da A. e da Ré tinha por objeto a futura compra e venda da fração autónoma ajuizada, que só não foi celebrada em 2015 (data da conclusão do negócio), em razão da existência de um ónus de inalienabilidade que vigoraria até 2020. Estando demonstrado que o documento, apelidado de contrato de arrendamento com opção de compra, onde consta o contrato dissimulado – o contrato promessa de compra e venda - está assinado por ambas as partes, e o contraente que promete transmitir ou constituir o direito só pode invocar a omissão dos requisitos previstos no nº 3 do art.º 410º, quando a mesma tenha sido culposamente causada pela outra parte, não tendo a Ré contestado tem que haver-se por formalmente válido o contrato promessa de compra e venda. d) - Da suscetibilidade da execução específica. Prescreve art.º 830.º do Código Civil (Contrato-promessa) 1 - Se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida. 2 - Entende-se haver convenção em contrário, se existir sinal ou tiver sido fixada uma pena para o caso de não cumprimento da promessa. 3 - O direito à execução específica não pode ser afastado pelas partes nas promessas a que se refere o n.º 3 do artigo 410.º; a requerimento do faltoso, porém, a sentença que produza os efeitos da sua declaração negocial pode ordenar a modificação do contrato nos termos do artigo 437.º, ainda que a alteração das circunstâncias seja posterior à mora. 4 - Tratando-se de promessa relativa à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fração autónoma dele, em que caiba ao adquirente, nos termos do artigo 721.º, a faculdade de expurgar hipoteca a que o mesmo se encontre sujeito, pode aquele, caso a extinção de tal garantia não preceda a mencionada transmissão ou constituição, ou não coincida com esta, requerer, para efeito da expurgação, que a sentença referida no n.º 1 condene também o promitente faltoso a entregar-lhe o montante do débito garantido, ou o valor nele correspondente à fração do edifício ou do direito objeto do contrato, e dos juros respetivos, vencidos e vincendos, até pagamento integral. 5 - No caso de contrato em que ao obrigado seja lícito invocar a exceção de não cumprimento, a ação improcede, se o requerente não consignar em depósito a sua prestação no prazo que lhe for fixado pelo tribunal. Ora, da factualidade provada resulta que a Ré se obrigou a transmitir a favor da A. o direito de propriedade da fração autónoma ajuizada, tendo-se recusado a celebrar a escritura para o efeito marcada pela A., nos termos que constam da carta que lhe dirigiu em 9 de Junho de 2020, porquanto, no dia e hora marcados, a procuradora da Ré compareceu no notário designado pela A., mas recusou-se a assinar o contrato prometido, por pretender receber €80.000,00 em vez dos €30.000,00 que a ora apelante lhe devia nessa data e que pretendeu pagar-lhe através de cheque bancário emitido a seu favor, como tudo consta do “certificado de ocorrência”. Mais resulta provado que na pendência destes autos a A. procedeu ao pagamento dos €21.000,00 do preço que ainda não se encontravam passados aquando da sua instauração e procedeu ao depósito dos €9.000,00, remanescente do preço, através do DUC com a referência 701280031370071. Está, pois, demonstrado o incumprimento do contrato promessa por parte da promitente vendedora, a Ré ora apelada, e que o preço se encontra integralmente pago, estão reunidas todas as condições que conferem à A., ora apelante, o direito à execução especifica do contrato promessa, isto é, de obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial da faltosa, nos termos do n.º 1 do art.º 830.º do Código Civil. Pelo que se deixou exposto, procedem as conclusões da apelante pelo que se impõe a revogação da sentença e a procedência da ação. III. Decisão. Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal em conceder provimento ao recurso e, revogando a sentença recorrida, julgam procedente, por provada, a presente ação e, consequentemente, nos termos do art.º 830º, nº 1, do Código Civil, declaram transmitida para a Apelante, o direito de propriedade da fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente ao rés-do-chão esquerdo do prédio sito na Rua Eugénio de Castro, em Lisboa, atualmente inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Alvalade sob o artigo ... (anteriormente sob o artigo ... da extinta freguesia do Campo Grande) e descrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº. ... da (extinta) freguesia do Campo Grande, pelo preço de €140.000,00 (cento e quarenta mil euros), já integralmente pago. Custas da ação e do recurso, pela Apelada. Notifique. Lisboa, 13/4/2023 Octávio dos Santos Moutinho Diogo Cristina da Conceição Pires Lourenço Carla Maria da Silva Sousa Oliveira |