Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6988/23.6T8LSB-A.L1-2
Relator: JOÃO PAULO RAPOSO
Descritores: CRÉDITO
ABUSO DE DIREITO
AVALISTA
LIVRANÇA
PREENCHIMENTO ABUSIVO
INSOLVÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/22/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: (da responsabilidade do relator):
I. O mero decurso do tempo não estabelece, sem mais, no devedor uma confiança juridicamente tutelável na não cobrança de um crédito pelo credor, não traduzindo, portanto, na perspetiva inversa, qualquer abuso o exercício do correspondente direito;
II. Deve  admitir-se, em tese, que o avalista que tenha intervindo no contrato invoque preenchimento abusivo de livrança em branco e excecione junto do portador meios de defesa relativos ao contrato causal ao desrespeito pelo pacto de preenchimento;
Não constitui, todavia, uma defesa relevante a invocação de que a obrigação causal foi liquidada pelo credor, em processo de insolvência, num valor inferior ao exigido cambiariamente ao avalista, não se tratando de uma alteração do crédito que aproveite aos garantes.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Decisão:
I. Caracterização do recurso:
I.I. Elementos objetivos:
- Apelação: – 1 (uma), nos autos;
- Tribunal recorrido: – Juízo de Execução de Lisboa - J5;
- Processo em que foi proferida a decisão recorrida: – Embargos de executado – processo n.º 6988/23.6T8LSB-A;
- Decisão recorrida: – Despacho saneador-sentença.
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I.II. Elementos subjetivos:
            - Recorrente (embargante-executado): - ---;
            - Recorrida (embargada-exequente): - ---, S.A. --
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I.III. Síntese dos autos:
- Instaurou a ---, S.A. execução contra ---, apresentando como título executivo uma livrança subscrita pela sociedade ---, S.A. e, avalizada, além de outro, pelo executado, com data de emissão de 24/11/2008, cujo valor nesta indicado é de 617.156,09 € (seiscentos e dezassete mil cento e cinquenta e seis euros e nove cêntimos) e cuja data de vencimento aposta é de 4/1/2023;
- Alegou a exequente, na síntese factual que apresentou no formulário respetivo, que:
- A subscritora foi declarada insolvente por sentença de 22/10/ 2012 (proferida no 2.º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa, no processo n.º 1813/12.6TYLSB);
- A livrança em causa foi subscrita e avalizada em branco, como garantia de contrato de abertura de crédito em conta corrente celebrado em 24/11/2008;
- A exequente reclamou créditos no âmbito da insolvência, tendo este processo sido encerrado por insuficiência de bens em 16/11/2022;
- Após, preencheu a exequente o título, computando capital e juros devidos à data do preenchimento, e apresentou-o à execução contra os avalistas, que são solidariamente responsáveis pela dívida.
- Citado, embargou ---, requerendo suspensão da execução e concluindo pela extinção completa da execução contra si instaurada.
- Disse, em síntese:
- A exequente reclamou os seus créditos na insolvência, em 22/10/2012, liquidando-os, à data, no montante de € 233.955,39;
- Nessa reclamação de créditos declarou que, após a data da insolvência, passaria a cobrar juros de mora do valor de €1,85 dia;
- A livrança "terá sido preenchida/devia ter sido preenchida", pelo equivalente à dívida de capital (€233.955,39) e por juros de mora de €1,85/dia, desde 22/10/2012 até de 4/1/2023;
- Não foi interpelado, como avalista, para pagamento da dívida em data anterior à propositura da execução;
- Sem essa interpelação a obrigação é inexigível;
- Tendo a livrança computado juros vencidos há mais de cinco anos, ou seja, anteriores 4/1/2018, estes mostram-se prescritos, o que invoca;
- A exequente não pode exigir aos avalistas um crédito superior que o que exigiu à subscritora, sendo a obrigação daqueles dependente desta;
- Na medida em que, entre a data da declaração da insolvência (22/10/2012) e a data do preenchimento da livrança (4/1/2023) decorreram 3.723 dias, a exequente não poderia exigir mais que o valor de €6.887,55 a título de juros, parte deles prescritos;
- O preenchimento da livrança quanto a juros, por exceder o crédito, é abusivo;
- O preenchimento é também abusivo porque deveria ter ocorrido num prazo razoável subsequente à declaração de insolvência;
- O preenchimento da livrança ocorrido dez anos após a insolvência do devedor principal e subscritor é, assim, abusivo.
- Notificada, contestou a exequente pugnando pela improcedência total da oposição.
- Sustenta, em síntese, que a obrigação do avalista se mantém e que o título foi preenchido nos termos e nos limites estabelecidos pelo contrato causal, que se mantém incumprido.
- Foi proferido despacho indeferindo a requerida suspensão da execução;
- Foi, subsequentemente, proferido novo despacho dando conta do entendimento de estarem os autos em condições de ser proferida decisão sem realização de atos de instrução e julgamento e convidando as partes a pronunciarem-se;
- Pronunciou-se a exequente no sentido de se opor à possibilidade de decisão por despacho autónomo e pela necessidade de agendamento de audiência prévia;
- Foi designada data para tal audiência prévia;
- Realizou-se esta diligência, limitando-se a comportar tentativa de conciliação, sendo ordenada abertura de conclusão nos autos para prolação de decisão;
- Na sequência, foi proferido o despacho saneador-sentença objeto de recurso, cujo dispositivo é:
- Pelo exposto, em conformidade com as citadas disposições legais, decide o Tribunal julgar totalmente improcedente, por não provada, a oposição à execução deduzida por --- contra ---, S.A., devendo os autos da acção executiva prosseguirem os ulteriores termos.
- Desta decisão apela o embargante. –
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II. Objeto do recurso:
II.I. Conclusões apresentadas pela recorrente nas suas alegações (sem atualização de grafia, suprimindo pequenos trechos e assinalando a negrito as questões suscitadas):
Quanto à necessidade de interpelação prévia ao preenchimento da livrança:
A. Essencialmente, a não interpelação prévia retira ao avalista a oportunidade de cumprimento voluntário e desonera o beneficiário da livrança de provar o montante inscrito na livrança e de determinar o momento de cumprimento (podendo alegar mora no cumprimento, quando o devedor desconhece por completo a existência e vencimento da dívida);
B. Tratando-se de livrança em branco, é condição da exigibilidade do seu pagamento, a prévia interpelação (prévia ao preenchimento);
C. Devia ter sido dirigida carta ao avalista a interpelá-lo para o preenchimento da livrança, o que nunca sucedeu;
D. Não havendo o avalista/Recorrente sido interpelado previamente ao preenchimento, o pagamento da livrança é-lhe inexigível;
Quanto à prescrição dos Juros calculados ao abrigo da relação contratual subjacente à obrigação cambiária:
E.  Não obstante o evidente abuso perpetrado pela Recorrida, o Tribunal a quo considerou não ser possível ao avalista deduzir excepções emergentes da relação subjacente: quer em relação ao contrato celebrado, quer em relação ao processo de insolvência; para tanto é invocada a autonomia do aval face à relação entre credor e subscritor;
F. Tal entendimento não poderia estar mais longe da realidade fáctica e jurídica: o Recorrente participou na relação jurídica subjacente e, portanto, poderá opor ao credor as excepções dele emergentes;
G. Não é possível configurar o Recorrente como um estranho à relação subjacente; a par da relação cartular que tem com a Recorrida (a livrança), o Recorrente participou e subscreveu uma relação extracartular (o contrato, relação subjacente);
H. Do ponto de vista jurídico, o princípio jurídico avançado pelo tribunal a quo para justificar a inoponibilidade das exceções emergentes do contrato subjacente – res inter alios acta – não tem a extensão/aplicabilidade pretendida;
I. Contrariamente – como sucede no presente caso – quando o avalista seja subscritor da relação extracartular, pode opor ao credor (por com este ter uma relação obrigacional distinta da cartular) as exceções de direito material dele emergentes;
J. Em conclusão, sendo o Recorrente parte do contrato subjacente, celebrada com a Recorrida – relação extracartular, obrigacional e imediata, distinta da livrança – poderá opor-se à Recorrida/-- com recurso aos meios de defesa emergentes dessa relação, designadamente;
K. De qualquer modo, tem-se entendido que o avalista pode invocar o pagamento (a extinção da divida), o que se deve estender à prescrição (mesmo que não fosse parte no contrato subjacente); Quanto ao cálculo dos juros com base na relação subjacente
L. O crédito da -- foi reconhecido e verificado no processo de insolvência da subscritora da livrança, nos exactos termos em que foi reclamado, tendo-se consolidado como tal na ordem jurídica, não podendo a Recorrida exigir mais aos avalistas da livrança;
M. A livrança foi abusivamente preenchida na medida em que o cálculo de juros que lhe terá estado subjacente não corresponde ao cálculo utilizado na reclamação de créditos. Numa perspectiva puramente aritmética, a livrança deveria ter sido preenchida pela soma dos seguintes valores: € 233.955, 39 (capital) + € 3.265,25 (juros não prescritos) + € 275, 51 (imposto do selo), num total de € 237.496,15.
N. Tal significa que a livrança executada foi abusivamente preenchida em € 379.659,94 (€ 617.156,09 (valor preenchido) - € 237.496,15 (valor apurado) = € 379.659,94).
O. A propósito veio o Tribunal a quo referir que o único reflexo do processo de insolvência na presente execução seria “obter a sua redução na mesma proporção em que o crédito da credora for satisfeito na insolvência”, sendo a justificação para tal, novamente, a autonomia do aval; perspectiva com que o ora Recorrente discorda.
P. Não poderá o Tribunal a quo dizer que há um “único” reflexo: existirão todos os reflexos que o caso julgado material impuser na ordem jurídica, transitada em julgado que se encontre a sentença relevante – cfr. art.º 619.º e ss. do CPC;
Q. Assim, o que fundamentalmente se alega, no que concerne especificamente ao cálculo do capital e dos juros subjacentes na operação de que resulta o montante aposto na livrança, tem a ver com coerência. A apreciação do tribunal a quo encontra-se restringida ao que anteriormente se decidiu no processo de insolvência da ---, por força do caso julgado material.
Quanto à prescrição da obrigação cambiária, abuso de preenchimento e abuso de direito:
R. O Tribunal a quo considerou inexistirem enfermidades jurídicas, designadamente, abuso de preenchimento/abuso de direito; para tanto referindo que o preenchimento, momento e montante, respeitou o pacto celebrado: poderia a Recorrida, portanto, preencher pelo montante que quisesse, quando quisesse.
S. Salvo muito raras excepções é permitida a existência de direitos perpétuos; na verdade, o nosso ordenamento jurídico é, de um ponto de vista sistemático, avesso a tais situações (de perpetuidade).
T. Aliás, é inconcebível que algum devedor queira, alguma vez, obrigar-se eternamente ao cumprimento de uma qualquer obrigação, quando e como o credor desejar;
U. Esse preenchimento – a existir o direito formal a fazê-lo – sempre seria abusivo e, logo, ilegal, com as inerentes consequências.
V. A Recorrida nunca manifestou qualquer intenção de preencher a livrança e accionar os avalistas, o seu silêncio manteve-se ininterruptamente até à citação para a execução.
W. Consiste num abuso de direito da Recorrida criar no avalista a convicção de que não irá preencher a livrança avalizada e, depois, preenchê-la e executá-la.
X. Por tudo o exposto, afigura-se que a douta sentença recorrida, deve ser revogada e substituída por outra que à luz do supra exposto, julgue procedente os embargos deduzidos e, em consequência, considere as prescrições e preenchimentos abusivos alegados.
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A exequente, notificada, contra-alegou pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
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II.II. Questões a apreciar:
Face à delimitação do objeto recursório operada pelo recorrente, cumpre apreciar, em primeiro lugar, a invocada preterição do dever de interpelar o avalista, seja do ponto de vista da matéria factual assente nos autos, seja do ponto de vista da sua sustentação jurídica.
Seguidamente, há que apreciar dos invocados fundamentos de preenchimento abusivo da livrança dada à execução.
Esta questão, genérica, de invocação de preenchimento abusivo de uma livrança, entregue em branco, acionada por credor causal e portador cambiário, desdobra-se em duas outras.
A primeira será a circunstância do preenchimento ter sido efetuado cerca de dez anos após tal declaração de insolvência do subscritor do título, designadamente para aferir se o decurso desse tempo, ligado à situação do devedor principal, permitem estabelecer algum abuso do direito de cobrança sobre o garante avalista.
A segunda, pode ser referida como a discrepância entre o valor nela aposto pelo portador e o valor do crédito causal estabelecido em processo de insolvência do devedor principal. Tal impõe a avaliação sobre se se deve considerar que o crédito causal sofreu alguma alteração, por força da liquidação feita em processo de insolvência, e se essa se repercute na garantia acessoriamente prestada.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. –
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II.III. Apreciação do recurso:
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II.III.I. Matéria de facto dada por assente na decisão recorrida:
Sendo a decisão recorrida um despacho saneador-sentença, e não havendo qualquer questão relativa à matéria de facto fixada nos autos, são os seguintes os fundamentos estabelecidos para a decisão recorrida:
· No dia 10/03/2023, a exequente deu à execução a livrança junta ao requerimento executivo, emitida em 24.11.2008, no valor de 617.156,09 € (seiscentos e dezassete mil cento e cinquenta e seis euros e nove cêntimos) e cujo vencimento ocorreu em 04.01.2023;
· Este título foi subscrito pela sociedade ---, S.A. (NIF ---), já declarada insolvente por sentença proferida, em 22-10-2012, pelo 2º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa, Proc.º n.º 1813/12.6TYLSB e avalizado por --- (NIF ---) e --- (NIF ---) – vid. sentença junto aos embargos de executado cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais);
· A livrança em causa foi subscrita e avalizada em branco no âmbito da operação PT 00 35 --- (cfr. face da livrança), que consiste num “Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente (de Utilização Simples)”, celebrado em 24 de Novembro de 2008 (contrato junto aos autos de oposição cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais);
· Nos termos das cláusulas 20ª e 23ª do contrato supra referido, “ Todas e quaisquer quantias que sejam ou venham a ser devidas à -- pela CLIENTE no âmbito do presente contrato, quer a título de capital, quer de juros, remuneratórios ou moratórios, comissões, despesas ou quaisquer outros encargos ficam garantidas pelo aval prestado na livrança prevista no n.º 23, caso a -- decida proceder ao seu preenchimento, de acordo com o pacto de preenchimento ali convencionado. Para titular e assegurar o pagamento de todas as responsabilidades decorrentes do empréstimo, a CLIENTE e os AVALISTAS atrás identificados para o efeito entregam à -- neste acto, uma livrança com montante e vencimento em branco, devidamente datada, subscrita pela primeira e avalizada pelos segundos e autorizam desde já a -- a preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria --, tendo em conta, nomeadamente, o seguinte:
a) a data de vencimento será fixada pela -- quando em caso de incumprimento pela CLIENTE das obrigações assumidas a -- decida preencher a livrança;
b) A importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes do presente empréstimo, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança;
c) A -- poderá inserir cláusula “sem protesto” e definir o local de pagamento;
· O processo foi encerrado por insuficiência de bens em 16 de Novembro de 2022, nos termos do doc. junto à oposição cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;
· A -- reclamou os respectivos créditos no âmbito desse processo que eram, exclusivamente de capital, i.e inexistiam juros em dívida, no montante de € 233.955,39 – cfr. doc. junto à oposição cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;
· Essa reclamação, foi feita com referência à data da insolvência (22/10/2012);
· Ai se referindo que após a data da insolvência, a -- passaria a cobrar juros de mora de €1,85 dia;
· O executado/embargante foi interpelado para o pagamento da livrança em 05.01.2023, para a morada constante no contrato que o mesmo forneceu, conforme carta junta com a contestação cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;
· A carta remetida ao ora embargante, foi registada com aviso de recepção, tendo sido devolvida ao remetente com a indicação “objecto não reclamado”, como se constata da inscrição do respectivo envelope junto com a contestação cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
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II.III.II. Da interpelação do avalista – a invocada inexigibilidade do título:
Sustenta o recorrente, nas suas alegações recursórias, que a obrigação cambiária é inexigível por não ter sido previamente interpelado ao cumprimento na qualidade de avalista, posição cambiária que é a sua.
A decisão recorrida discorreu amplamente sobre a necessidade de interpelação do avalista como condição de exigibilidade da obrigação cambiária, dando eco a amplo debate doutrinário e jurisprudencial sobre a questão e, complementarmente, abordou a comunicação postal enviada pela portadora ao avalista, devolvida com a menção de objeto não reclamado, concluindo o não recebimento da declaração é imputável ao declaratário e, nessa medida, a interpelação foi validamente efetuada em momento anterior à propositura da execução.
É manifesto que esta questão é prévia e verdadeiramente prejudicial, portanto, só será necessário discutir juridicamente a necessidade de interpelação do avalista caso se conclua que este não foi, de facto, interpelado ao cumprimento da sua obrigação.
Consta da decisão, na parte relativa a fundamentos de facto, o seguinte quanto a esta questão:
- O executado/embargante foi interpelado para o pagamento da livrança em 05.01.2023, para a morada constante no contrato que o mesmo forneceu, conforme carta junta com a contestação cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;
- A carta remetida ao ora embargante, foi registada com aviso de recepção, tendo sido devolvida ao remetente com a indicação “objecto não reclamado”, como se constata da inscrição do respectivo envelope junto com a contestação cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
Além desta enunciação autonomizada nos fundamentos de facto da decisão, outras referências foram feitas a propósito da mesma, no corpo dos fundamentos de direito da sentença, que talvez melhor estivessem contidas também nos elencos da fundamentação de facto, e que são:
- conforme se encontra documentado no contrato junto com a contestação, nos termos da cláusula 18ª, com o título “Comunicações, Avisos E Citação (Domicílio/sede), as partes, de boa-fé e livremente acordaram o seguinte:
( … )
As comunicações e os avisos escritos dirigidos pela -- aos demais contratantes serão sempre enviados para o endereço contante do presente contrato, devendo o contratante informar imediatamente a -- de qualquer alteração do referido endereço...
- (...) a morada que o ora opoente forneceu à exequente, foi precisamente aquela para onde foi remetida a carta;
- (...) verifica-se que a carta foi enviada para o local que consta no contrato;
Em passagem anterior da decisão dissera-se ainda que (...) a morada para onde foi remetida essa carta é a mesma que consta na procuração subscrita pelo opoente e junta aos autos com a oposição.
Daqui concluiu o tribunal recorrido pela eficácia da declaração receptícia enviada, de conteúdo interpelatório.
Não havendo qualquer facto ou circunstância que permita afastar a correção desta asserção, designadamente qualquer invocação de comunicação de mudança de morada feita pelo devedor, ora recorrente, ou qualquer falha no envio da comunicação, deve ser mantida.
Isto é, deve considerar-se que o executado devedor foi válida e eficazmente interpelado, acolhendo-se, por uma questão de simplicidade, inteiramente a fundamentação constante da sentença a este propósito, que é a que decorre diretamente do disposto no art.º 224.º n.º 2 do Código Civil (CC), tendo em conta não tando a expressa a alusão factual a ter sido o avalista interpelado, conceito que deve ser remetido para o direito, mas por estar assente que a missiva em causa foi enviada para a morada do garante constante do contrato, sob forma registada, sem que tenha sido invocada qualquer alteração da mesma, vindo devolvida, por não reclamada.
A conclusão retirada a quo é, por isso, claramente subsistente – foi efetuada interpelação ao garante, de forma válida e eficaz.
Decorre desta conclusão, tautologicamente, que tendo o avalista sido interpelado não pode ter sustentação a invocação de inexigibilidade da obrigação por falta desse ato jurídico, sendo desnecessárias e fastidiosas quaisquer considerações adicionais sobre a questão.
Improcede, assim, este fundamento recursório. –
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II.III.III. Do invocado preenchimento abusivo da livrança
II.III.III.I. A questão da dilação no preenchimento – invocação de abuso de direito por preenchimento fora de prazo razoável:
a) Quadro da questão:
Sustenta a recorrente a sua pretensão recursória, nesta parte, dizendo nas suas conclusões, quanto a este ponto, em síntese, que não é permitida a existência de direitos perpétuos e que é inconcebível que algum devedor queira, alguma vez, obrigar-se eternamente ao cumprimento de uma qualquer obrigação, quando e como o credor desejar".
O preenchimento do título seria, assim "abusivo e, logo, ilegal". Conclui que " consiste num abuso de direito da Recorrida criar no avalista a convicção de que não irá preencher a livrança avalizada e, depois, preenchê-la e executá-la".
Esta questão foi tratada na decisão recorrida começando por estabelecer o vencimento das obrigações emergentes do contrato causal em virtude de insolvência do aí devedor.
Diz-se, a este propósito, na sentença recorrida que:
Segundo o disposto no artigo 91º, n.º 1, do CIRE (sob a epígrafe “Vencimento imediato de dívidas “), “[a] declaração de insolvência determina o vencimento de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva.”
A própria LULL prevê no seu artigo 43º, 2º que: “[o] portador de uma letra (ou livrança – cfr. artigo 77º, 1, da LULL) pode exercer os seus direitos de ação contra os endossantes, sacador e outros co-obrigados.
Mesmo antes do vencimento:
2º Nos casos de falência do sacador, quer ele tenha aceite, quer não, de suspensão de pagamentos do mesmo, ainda que não constatada por sentença, ou de ter sido promovida, sem resultado, execução dos seus bens. “
No artigo 44º, 6º consigna-se que “[n]o caso de falência declarada do sacado, quer seja aceitante, quer não, bem como no caso de falência declarada do sacador de uma letra não aceitável, a apresentação da sentença de declaração de falência é suficiente para que o portador da letra possa exercer o seu direito de ação.”
Como resulta da conjugação dos normativos a declaração de insolvência importa o imediato vencimento da obrigação a cargo do devedor/insolvente, ou seja, a sua imediata exigibilidade.
Com este primeiro fundamento estabelece a decisão recorrida a premissa maior do juízo que formulará: - a obrigação causal, cuja é garantida pelo acessório (que é o título de crédito avalizado), ficou vencida com a insolvência da sociedade obrigada e, por consequência, as obrigações dos garantes também se tornaram exigíveis.
Seguindo esta linha argumentativa, aduz-se na decisão recorrida que isso não significa que o portador de livrança emitida em branco deva preencher a livrança apondo a data de vencimento da obrigação.
Esta asserção é autoexplicativa e decorre diretamente da autonomia do título de crédito face ao contrato causal – uma coisa é poder preencher o título em branco, devido ao incumprimento do negócio que garante, na data de vencimento, outra é a obrigação de o fazer sob pena de preclusão.
Isso, diga-se, nem sequer o recorrente sustenta.
A sua argumentação recursória assenta, como referido, na circunstância, de terem decorrido cerca de dez anos entre o vencimento do contrato causal e o preenchimento do título, o que traduziria, na posição afirmada, uma situação de abuso de direito (pela confiança no seu não exercício decorrente do decurso do tempo).
Não foi acolhida esta argumentação, pela decisão recorrida, com base em dois grandes fundamentos:
- A inexistência na lei de um limite temporal para o preenchimento;
- A afirmação (ou acolhimento) do entendimento que o prazo prescrição previsto no artigo 70º da LULL corre a partir do dia do vencimento inscrito pelo portador, desde que não se mostre infringido o pacto de preenchimento.
Nada existe nos autos que pudesse fazer operar esta última ressalva, i.e., não existe qualquer acordo de preenchimento que vincule o credor a acionar a livrança e, portanto, não existe qualquer restrição convencional a que este pudesse ser efetuado no momento que foi.
É também claro que não existe nenhuma obrigação na LULL de preenchimento da livrança em branco num determinado prazo e, portanto, a limitação de prazo estabelecida nesta lei é a que decorre do art.º 70.º, designadamente no n.º 1 (aplicável via art.º 77.º n.º 1) - todas as acções contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento.
Diga-se, precisando esta questão, que não é objeto de recurso a prescrição de juros da obrigação causal, que o recorrente não suscitou.
Como acima sintetizado, na sua oposição à execução o ora recorrente autonomizou expressamente esta invocação de prescrição de juros, por cômputo de vencidos há mais de cinco anos aquando do preenchimento, algo que neste recurso não invoca como fundamento.
Neste recurso, a invocação de abuso no preenchimento, naquilo que se refere à discrepância entre valor aposto no título e valor da obrigação, refere-se à relação direta, pretendida estabelecer, entre uma alteração/liquidação do crédito em processo de insolvência e a sua necessária repercussão na obrigação dos garantes.
Preenchido o título pela exequente com aposição como data de vencimento a de 4 de janeiro de 2023, a prescrição cambiária nunca se poderia considerar verificada, sequer na data presente, face ao disposto no art.º 70.º da LULL.
A argumentação do recorrente de que não podem existir dívidas perpétuas também deve ser contextualizada por referência ao prazo prescricional da obrigação causal do devedor principal, que deve ser computado em vinte anos, nos termos do que dispõe o art.º 309.º do Código Civil (CC) - cf., a propósito, designadamente, o acórdão desta Relação de 20/6/2023, Carlos Oliveira, dgsi.pt, que expressamente afastou argumentação no sentido de dever ser considerado o prazo de prescrição curto, de três anos.   
Enquadrando assim a questão e considerando a dependência da obrigação do garante (sem prejuízo da autonomia do título), parece relativamente linear a conclusão que o avalista de título entregue em branco, como acessório de um contrato de crédito, deverá ter como previsível a possibilidade de ser chamado a cumprir a obrigação nesse prazo alargado de vinte anos.
Quer isto dizer, em termos simples, que uma mera argumentação genérica relativa a uma suposta perpetuidade da dívida é frágil quando a lei tem essa baliza temporal extintiva definida.
Há, porém, dois argumentos de desenvolvimento que podem ser apresentados para contextualizar esta invocação do recorrente:
1. A natureza revolving do contrato de crédito em causa:
Tratando-se de um contrato de crédito em conta-corrente, a sua constituição assenta numa abertura inicial, seguida de sucessivas execuções concretas de cedência de crédito, acompanhadas de sucessivos atos de extinção proporcional da dívida, pelo pagamento.
Nessa medida, é conatural a este tipo contratual a sua tendencial perpetuidade, mantendo-se ativas as obrigações, a despeito de sucessivas renovações, enquanto o contrato for sendo executado pelas partes (entidade de crédito e sociedade financiada).
2. A circunstância de ter sido reclamado cumprimento do crédito causal ao devedor principal, em processo de insolvência, cerca de dez anos antes da exigência ao garante, sem que nada tenha sido exigido a estes no decurso de todo esse período.
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b) Relevância da argumentação face a jurisprudência uniformizada:
O primeiro dos argumentos antes referidos aproxima-se de amplo debate judicial, que deu lugar inclusivamente a dois acórdãos uniformizadores de jurisprudência – as situações de pedido de desvinculação de avalista, também sócio, ou sócio com poderes de gestão de sociedade devedora principal em obrigação cambiária, em caso de dívidas sem prazo ou com prazos sucessivamente renovados.
Esse debate levou recentemente a uma clara inflexão do sentido de jurisprudência uniformizada.
Assim, pelo acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2013 (decisão de 11/12/2012, Diário da República, série I, de 21/1/2013), firmara o STJ jurisprudência no sentido que tendo o aval sido prestado de forma irrestrita e ilimitada, não é admissível a sua denúncia por parte do avalista, sócio de uma sociedade a favor de quem aquele foi prestado, em contrato em que a mesma é interessada, ainda que, entretanto, venha a ceder a sua participação social na sociedade avalizada.
Por este acórdão estabeleceu-se, portanto, um princípio decisório de irrelevância da situação pessoal do garante face à devedora principal, podendo situar-se a interpretação firmada na adoção de uma avaliação taxativa e restritiva da autonomia e abstração da obrigação cambiária face à causal.
Muito recentemente, o STJ firmou jurisprudência em sentido bem mais aberto, autorizando a desvinculação de avalista de livrança em branco, para o futuro, ante obrigações emergentes de contratos sem prazo, ou sucessivamente renováveis, caso se trate de sócio ou sócio-gerente da avalizada - Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2025, de 20/11/2024 - DR, série I, de 8/1/2025).
É o seguinte o segmento decisório deste aresto:
1 - A vinculação para aval prestada em livrança em branco é, desde que assumida sem prazo ou por prazo renovável, decorrido o prazo inicial, suscetível de denúncia, pelo vinculado para aval que tenha deixado de ser sócio ou sócio-gerente da avalizada, até ao preenchimento do título.
2 - A denúncia só produzirá efeitos para o futuro, ou seja, a desvinculação só será eficaz em relação a montantes que venham a ser solicitados após a denúncia produzir os seus efeitos.
Quer isto dizer que, apesar de rodear de cautelas e restrições (cumprimento integral do prazo inicial do contrato; desvinculação estritamente para futuro) o STJ veio claramente restringir a extensão da obrigação do garante e, consequentemente, da autonomia e abstração da sua obrigação, quando a sua situação pessoal sofra alteração relevante face à posição do devedor principal.
Esta nova orientação jurisprudencial reforça, portanto, a relação da obrigação do garante com a obrigação causal.
Avançando na linha destas decisões uniformizadoras, sendo certo que as situações tipificadas não são as que se apresentam neste recurso (pelo menos como objetivadas nos autos – é desconhecida qualquer relação do avalista com a sociedade devedora principal), não deixa de ser uma argumentação que reforça a posição do recorrente, por ter subjacente um entendimento que faz sobrelevar o campo de defesa que o garante cambiário pode apresentar contra o credor-portador.
Por outro lado, com referência à suscitada perpetuidade da obrigação (como qualificada pelo recorrente), também se pode dizer que a orientação jurisprudencial atual é a de permissão alargada de desvinculação do garante, dando-lhe permissão jurídica, para se libertar de obrigações não temporalmente definidas.
Apesar disso, não se pode olvidar que o critério decisório definido está pensado para situações de relação pessoal estreita devedor e garante – a tal qualidade de sócio ou sócio com poderes de representação que, supervenientemente, tenha deixado de pertencer à sociedade.
Está, assim, ínsito a este critério decisório a afirmação de uma relação estreita entre a assunção da obrigação pela pessoa coletiva e vinculação como garante do seu sócio, nexo que, uma vez quebrado, deve introduzir restrições à permanência da obrigação cambiária.
Não é esse, como referido, o quadro factual dos autos.
Não foi alegado que o avalista tenha, ou alguma vez tenha tido, alguma relação com a sociedade subscritora do título de crédito dado à execução.
Se essa relação não existe, esta orientação jurisprudencial parece perder grandemente o seu sentido.
Ainda assim, procurando aferir da possibilidade de construir alguma analogia, ou paralelismo, entre a situação do avalista recorrente e a prevista na referida jurisprudência uniformizada, teria, necessariamente, que ser procurada na existência de algum comportamento que o avalista tivesse desenvolvido no sentido de promover a sua desvinculação da garantia.
Em termos simples, pode encontrar-se na jurisprudência uniformizada ainda algum fundamento para sustentar que é suscetível de comportar situações em que o avalista diligencie pela extinção da garantia, junto da credora ou da devedora.
Neste caso, ilumina-se a orientação jurisprudencial não pela existência de uma relação pessoal entre sócio e sociedade, mas pela perspetiva da um comportamento ativo do garante no sentido da desvinculação, em situações em que, hoc sensu, a garantia tivesse perdido o sentido para que fora prestada.
Nada assim qualificável se mostra, porém, sequer alegado na oposição ou sustentado no recurso, desde logo porque nenhuma declaração destinada a extinguir a garantia foi feita pelo avalista.
Esta linha não tem, portanto, sustentação e, assim, ganha corpo a autonomia da obrigação do avalista que decorre do disposto no art.º 32.º n.º 2 da LULL.
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c) Abuso de direito por preenchimento do título dez anos após vencimento da obrigação causal:
Saindo desta linha de avaliação assente nos critérios definidos em jurisprudência uniformizada, que se fez a título de contextualização prévia, deve olhar-se mais diretamente para a argumentação do recorrente.
O grande fundamento que sustenta a este nível refere-se à invocação de abuso de direito, ou preterição do princípio da confiança do avalista, por ter sido preenchido o título e apresentado à cobrança apenas dez anos depois (aproximadamente) da declaração de insolvência do devedor principal.
Importa começar por contextualizar a matéria de facto que, efetivamente, está assente com interesse para esta questão.
Assim, a saber:
- O contrato de crédito, causal da emissão do título, foi celebrado em novembro de 2008, altura em que a livrança foi emitida e os avalistas firmaram a sua assinatura e, por essa via, se vincularam;
- Cerca de quatro anos mais tarde, i.e., em outubro de 2012, a sociedade emitente do título, e devedora principal, foi declarada insolvente;
- O processo de insolvência foi encerrado, por insuficiência de bens, cerca de dez anos depois, em 16 de novembro de 2022;
- Só então a credora preencheu o título, apondo-lhe como data de vencimento a de 4 de janeiro de 2023;
- Subsequentemente, interpelou a devedora e, ante a devolução da missiva enviada (nos termos supra referidos), instaurou execução para cobrança.
Quer isso dizer, portanto, que o preenchimento do título e a exigência de pagamento aos garantes ocorreu, efetivamente, mais de dez anos após a declaração de insolvência do obrigado principal, mas quase imediatamente após ser constatada a impossibilidade de cobrança junto deste.
Não se trata, assim, de dez anos de pura inação do credor. Trata-se do decurso de dez anos correspondente ao decurso de diligências destinadas a assegurar o crédito no âmbito de processo de cobrança universal (a insolvência), que, após se concluir pela sua inviabilidade, deu lugar a cobrança junto dos avalistas.
Podem existir outras circunstâncias de facto que pudessem levar a afirmar o conhecimento do garante na efetiva cobrança, ou de criação de confiança no na não cobrança. São, todavia, elementos totalmente desconhecidos nos autos e, portanto, o que releva é apenas a matéria conhecida: - decurso do processo de insolvência durante dez anos, culminando numa extinção, por falta de bens.
A mera análise destas circunstâncias diminui grandemente, ab initio, a possibilidade de invocar, sustentadamente, uma quebra da confiança do avalista na não cobrança.
O credor não esteve inerte e não existe, pelo contrário, alguma manifestação tácita de desinteresse na cobrança.
Pode até dizer-se que, a ter havido alguma negligência neste circunstancialismo, será do próprio garante e do seu aparente alheamento do processo de insolvência, sendo que a sua posição de avalista levaria a que tivesse um interesse pessoal em inteirar-se da situação do obrigado principal.
Em termos simples, se o avalista nada fez na insolvência para saber da situação do devedor principal, sibi imputet em termos de estabelecimento de confiança - uma atuação diligente permitir-lhe-ia saber que a dívida permanecia incumprida e em reclamação judicial, bem como do efetivo quadro de previsibilidade de sucesso dessa cobrança.
A defesa do avalista só assenta, portanto, no simples decurso do tempo (dez anos), associando-o à declaração de insolvência do obrigado principal.
Seguindo doutrina do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) em situação próxima da que tratam estes autos (acórdão de 30/3/2023, Tibério Nunes da Silva, dgsi.pt)[i], deve dizer-se que a lei não fixa o prazo dentro do qual deve ser preenchida a livrança entregue em branco, importando ter em conta, nessa matéria, o que se tenha acordado no pacto de preenchimento subjacente à respectiva emissão.
Se isso é certo, aduz-se que a declaração de insolvência da subscritora da livrança determina, nos termos do nº1 do art.º 91º do CIRE, o imediato vencimento da obrigação que emergia da relação subjacente, mas daí não se retira que tal declaração constitua o termo inicial do prazo de prescrição da livrança (3 anos, nos termos do art.º 70º da LULL).
Esta é a doutrina que se ajusta à literalidade e abstração do título e à inerente divisão cardial entre obrigação causal e obrigação cartular.
A obrigação causal extinguir-se-á por prescrição, nos seus termos, e a obrigação cartular nos termos do referido art.º 70.º da LULL, i.e., considerando o prazo de três anos sobre a data de vencimento aposta.
Se, como foi referido, esta asserção é de acolher, retirando relevo à declaração de insolvência da devedora e subscritora do título, seja em abstrato seja, especialmente, num caso em que, corra processo de insolvência em que o credor reclame créditos, o mesmo se terá que estabelecer para o simples decurso do tempo.
Disse-se noutro aresto do STJ (10/10/23, Maria João Vaz Tomé, dgsi.pt)[ii] que ao dar o aval ao subscritor em livrança em branco, fica o avalista sujeito ao direito potestativo do portador de preencher o título nos termos constantes do pacto de preenchimento.
Esse direito extinguir-se-á, como qualquer direito, por decurso do tempo determinativa de prescrição, sendo jurisprudência constante a que tal aresto também acolhe - o mero decurso do tempo, sem que tenha sido exigido o pagamento da dívida por parte do credor, não é suscetível de, sem mais, criar no devedor a confiança de que não lhe vai mais ser exigido o cumprimento da obrigação que sobre ele impende.
Saindo da perspetiva na perspetiva da confiança do devedor, ou do garante, e pondo-a na perspetiva do direito do credor portador, a conclusão é a mesma - não se verifica igualmente abuso do direito, ao crédito ou à cobrança, por mero decurso do tempo.
No mesmo sentido, foi dito em recente acórdão desta Relação (acórdão de 10/9/24, Luís Filipe Sousa)[iii] que tem sido jurisprudência uniforme do STJ sobre a matéria em apreço, a seguinte:
i. Enquanto não foi preenchida a livrança em branco, não é aferível a eventual prescrição do crédito cambiário;
ii. A LULL não fixa o prazo dentro do qual deve ser preenchida a livrança em branco, sendo o pacto de preenchimento que define os termos do preenchimento;
iii. A declaração de insolvência da subscritora não constitui o termo inicial da prescrição da livrança;
iv. Numa livrança em branco, o prazo de prescrição conta-se a partir da data que venha a ser aposta no título pelo respetivo portador, independentemente dessa data coincidir ou não com o incumprimento do contrato subjacente;
v. Para se concluir que existe preenchimento abusivo pelo decurso do tempo, terão de ser demonstradas circunstâncias que permitam sustentar a convicção do devedor no sentido de que, para além de determinado tempo de inação, o credor já não exercerá o direito.
Repescando, a propósito e uma última vez, o que acima se disse, nada foi alegado pelo oponente avalista para sustentar qualquer convicção que o crédito já não seria exercido.
Pelo contrário, como se referiu, o credor pretendeu cobrá-lo em sede de insolvência do devedor principal, só acionando os garantes (quase imediatamente), verificado que foi que esse exercício era impossível, por falta de garantia patrimonial do obrigado.
Verifica-se, assim, em conclusão quanto a este ponto, que não tem fundamento o recurso ao pretender estabelecer um abuso de direito no preenchimento (ou preenchimento e cobrança) junto do garante, quando assente em simples decurso do tempo, sem qualquer outro circunstancialismo que o suporte.
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II.III.III.II. Do invocado preenchimento abusivo por cômputo de juros superiores aos declarados cobrar ao devedor principal em sede de processo de insolvência deste:
a) Quadro da questão:
Em sede de requerimento de oposição o embargante suscitou expressamente exceção de prescrição de juros vencidos há mais de cinco anos sobre a data de preenchimento e computados na dívida.
Como acima assinalado, essa invocação não foi repetida em sede de recurso, ainda que o recorrente aluda genericamente a uma prescrição.
O abuso no preenchimento que aqui sustenta, por cômputo excessivo da dívida, atém-se à invocação da diferença entre o valor de juros que declarou serem devidos pelo obrigado principal (declaração feita em processo de insolvência) e o valor incluído para cobrança aos garantes, equivalente ao preenchido.
Em termos concretos, sustenta que a credora, exequente, reclamou na insolvência apenas uma dívida de capital, do valor total de €233.955,39, aí referindo que, após a data da insolvência, seriam computados juros de mora de €1,85 dia, ao passo que, no preenchimento do título, computou a dívida de capital e juros a partir do convencionado no contrato causal, num total de 617.156,09 € (seiscentos e dezassete mil cento e cinquenta e seis euros e nove cêntimos).
A argumentação é apresentada por referência à dependência da dívida do garante face à do obrigado principal e, portanto, assenta na afirmação que, reduzindo-se o valor da dívida para este, toda a obrigação é alterada, beneficiando indiretamente dessa redução o avalista.
Avançando na análise da questão, um primeiro marco a assinalar é que a situação dos créditos sobre devedor insolvente está expressa e imperativa definida na lei, estatuindo o art.º 91.º n.º 1 do CIRE que a declaração de insolvência determina o vencimento de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva
O contrato causal, que não estava vencido, ficou-o na data da insolvência sendo que, também por imperativo legal (estabelecido pelo n.º 2 desse art.º 91.º), o valor dos juros da obrigação passou a ser computado nos termos legais  - toda a obrigação ainda não exigível à data da declaração de insolvência pela qual não fossem devidos juros remuneratórios, ou pela qual fossem devidos juros inferiores à taxa de juros legal, considera-se reduzida para o montante que, se acrescido de juros calculados sobre esse mesmo montante, respectivamente, à taxa legal, ou a uma taxa igual à diferença entre a taxa legal e a taxa convencionada, pelo período de antecipação do vencimento, corresponderia ao valor da obrigação em causa.
Este enquadramento permite entender a liquidação feita na reclamação de créditos em insolvência (cuja não está questionada) e, portanto, a questão é saber se essa alteração do crédito, que pode ser também referida como limitação legal à cobrança de juros convencionais, ou como verdadeira alteração do crédito.
Dizendo de outro modo, se se limita à relação direta entre credor e insolvente ou se afeta a própria substância do crédito e, por isso, beneficia os garantes.
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b) A invocação pelo avalista de meios de defesa relativos à relação causal:
O primeiro elemento a considerar na análise desta questão refere-se ao teor do pacto de preenchimento constante do contrato causal.
Este faz a cláusula 23 e o seu teor é o seguinte:
23. LIVRANÇA EM BRANCO:
23.1- Para titular e assegurar o pagamento de todas as responsabilidades decorrentes do empréstimo, a CLIENTE e os AVALISTAS atrás identificados para o efeito entregam à --, neste acto, uma livrança com montante e vencimento em branco, devidamente datada, subscrita pela primeira e avalizada pelos segundos, e autorizam desde já a -- a preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria --, tendo em conta, nomeadamente, o seguinte:
a) A data de vencimento será fixada pela -- quando, em caso de incumprimento pela CLIENTE das obrigações assumidas, a -- decida preencher a livrança;
b) A importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes do presente empréstimo, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança;
c) A -- poderá inserir cláusula "sem protesto" e definir o local de pagamento.
23.2- A livrança não constitui novação do crédito, pelo que se mantêm as condições do empréstimo, incluindo as garantias.

Pode inferir-se que os avalistas não são sequer parte no contrato e, consequentemente, pacto de preenchimento, ainda que neste sejam referidos e o tenham assinado. Entendendo-se assim, ou qualificando os avalistas como verdadeiros intervenientes no pacto, uma coisa é absolutamente clara: - não foi estabelecida alguma condição especial para preenchimento do título ou para cobrança do crédito.
Juntando a esta asserção o que acima ficou dito relativamente à inexistência de qualquer menção no contrato de crédito a ter algum dos avalistas alguma posição na sociedade devedora, ou sequer a ter o avalista suscitado a mesma, a única questão é saber, portanto, se o crédito sofreu alguma transformação.
Avançando na análise, pode começar-se por estabelecer um primeiro ponto prévio – o de que este tipo de invocação ficaria liminarmente prejudicado caso não se tratasse de livrança em branco.
Houvesse ou não insolvência do obrigado principal e qualquer que fosse a liquidação feita nessa sede, se o título estivesse cambiariamente completo, o avalista teria que cumprir a obrigação inscrita.
Como se disse em acórdão da Relação de Coimbra de 1/7/2014 (Sílvia Pires, dgsi.pt)[iv] que a obrigação derivada da prestação de aval é autónoma da do avalizado pois o avalista, ao prestar o seu aval, obriga-se ao pagamento da quantia inscrita no título de crédito e não ao cumprimento da obrigação constituída pelo avalizado.
Dito isto, pode partir-se de uma abordagem mais ampla ou mais restritiva para a avaliação da relação entre portador da livrança e o avalista, a conclusão será a mesma.
Assim, seguindo uma interpretação restritiva, dir-se-ia que, no caso de um pacto de preenchimento como o referido, ainda que se aluda aos avalistas, e estes intervenham no contrato causal (assinando-o), não se pode afirmar que exista uma relação extracartular entre credor e garante.
Esse caminho mais restritivo é definido pelo acórdão do STJ de 7/3/2023 (Nuno Pinto Oliveira, dgsi.pt)[v]
Diz-se aí que deve o avalista fazer prova de uma relação extracartular, sem a qual não pode opôr as excepções resultantes das relações entre os sujeitos da convenção causal.
Uma solução mais ampla é sustentada noutras decisões, segundo o qual bastará que o avalista intervenha no pacto de preenchimento para que, no domínio das relações imediatas, possa opor ao portador a sua violação.
Concretizando esta linha, disse-se em recente acórdão desta Relação (de 21/1/25, Diogo Ravara, dgsi.pt)[vi] que quando a livrança seja subscrita e avalizada “em branco”, é sobre o avalista que recai o ónus de alegar e provar os factos consubstanciadores da exceção material de violação do pacto de preenchimento, a saber, a subscrição do pacto de preenchimento, o seu teor, e a violação ou desrespeito pelos termos e condições aí definidos.
Diz-se noutro aresto do STJ (30/05/2023, Jorge Dias, dgsi.pt)[vii] que intervindo no pacto de preenchimento de título de crédito e estando o título no domínio das relações imediatas, o executado/embargante/subscritor ou avalista pode opor ao exequente/embargado a violação desse pacto de preenchimento.
Não apenas em relação a violação do pacto de preenchimento, mas amplamente quanto a qualquer exceção causal, disse-se mais recentemente noutro acórdão do STJ (4/7/24, Isabel Salgado, dgsi.pt)[viii] que o tratamento da oposição pelo avalista das excepções do contrato fundamento do título de crédito, conheceu tal amadurecimento na jurisprudência, que na actualidade, cremos dominante, a solução da admissão, nos casos em que esteja demonstrada a intervenção do avalista na relação imediata com o portador, ultrapassando-se a literalidade da regra adversativa do artigo 32º da LULL.
Vertendo esta doutrina ao caso em apreço, não apenas permitiria a invocação de exceções causais pelo avalista, como o consideraria um verdadeiro interveniente no contrato, colocando-o no domínio das relações imediatas.
Assim, diz-se que o avalista da subscritora do título, por via de regra, posiciona-se fora das relações imediatas que se estabelecem entre o emitente da livrança e a subscritora, encontrando-se apenas numa relação de imediação com a subscritora avalizada, mas estará no domínio das relações imediatas, se, tendo assinado o título em branco, for envolvido pelo emitente no pacto de preenchimento.
Este envolvimento no pacto de preenchimento será meramente formal e, nesse sentido, basta uma referência aos garantes e a sua assinatura no contrato para merecer tal qualificação e, consequentemente, permitir-lhe suscitar meios de defesa causais contra o portador emitente.
Acolhendo-se esta doutrina ampla, admitir-se-á, em tese, que o avalista que tenha intervindo no contrato excecione ao portador, no âmbito das relações imediatas, os meios de defesa relativos ao contrato causal, ou especificamente relativos a desrespeito pelo pacto de preenchimento.
Importa saber, assim, se a defesa apresentada, nesta parte, assim pode ser considerada.
--
Trata-se, como referido, da invocação de preenchimento abusivo, por excesso, traduzindo este a diferença entre o valor computado pelo credor, a título de capital e juros, em processo de insolvência, e o valor computado a esse título que veio a ser aposto no título cambiário e exigido ao avalista.
Deve qualificar-se esta questão como referente à materialidade do crédito? Este é o ponto que cumpre decidir.
Em termos de discrepância de valores pecuniários, é evidente que esta existe. A questão é, porém, da substância do crédito.
Assim sendo, admitindo-se que a exceção possa ser oposta pelo avalista ao credor-portador, será procedente se se concluir que o valor do crédito, isto é, a sua substância, foi modificada pela reclamação feita em processo de insolvência.
Avançando na resposta, cumpre começar por delimitar os termos negativos da questão.
A este nível, impõe-se estabelecer que o garante acionado não invocou neste recurso, como poderia ter invocado, qualquer outro fundamento material relativo ao crédito causal, que não tal discrepância entre o reclamado em insolvência e o exigido por via de ação cambiária.
Assim, designadamente, tudo o que se refira a cômputo indevido de capital, de juros remuneratórios ou de eventual aplicação de penalizações contratuais é absolutamente estranho a esta defesa.
A questão é, portanto, estritamente a de saber o que sucedeu ao crédito pela estrita circunstância de ser reclamado em processo de insolvência, e se alguma modificação que aí possa sofrer se estende aos garantes.
Avançando na questão, pode entender-se a liquidação do crédito feita em processo de insolvência decorre de uma simples limitação legal, estabelecida pelas supra referidas regras do CIRE, e, nessa medida traduziria um estrito obstáculo ao exercício integral do direito quanto àquele concreto obrigado, não alterando a substância do direito creditório em si considerado e, nessa medida, permitindo o seu exercício completo quanto a qualquer coobrigado.
Neste sentido (considerando direito de ação contra os avalistas e extensão da respetiva obrigação) se vêm pronunciando os tribunais superiores de forma quase unânime.
Assim, designadamente, o STJ, por acórdão de 12/12/2023 (Pedro de Lima Gonçalves, stj.pt)[ix], em situação, aliás, muito próxima com a destes autos, decidiu que em princípio, não é abusivo o comportamento do portador que completa o preenchimento da livrança, apondo-lhe uma data de vencimento muito posterior ao da data da declaração da insolvência e que as medidas adotadas no PER não se estendem aos avalistas/garantes do devedor, pelo que, independentemente do que for negociado no plano, o credor mantém intocados os direitos de que dispõe contra os terceiros avalistas podendo exigir deles aquilo a que estavam obrigados, designadamente mediante o preenchimento das livranças que tinha na sua posse.
No mesmo sentido, os acórdãos desta Relação de 7/6/2018 (Ondina Carmo Alves, dgsi.pt)[x] – quanto ao não aproveitamento aos avalistas do plano de recuperação do devedor; de 21/6/2022 (Micaela Sousa, dgsi.pt)[xi] – quanto ao não aproveitamento pelos avalistas das medidas aplicadas ao devedor em Procedimento Especial de Revitalização e de 24/10/2019 (Arlindo Crua, jurisprudencia.pt)[xii] – quanto ao não aproveitamento pelos avalistas  de moratória constante do plano de insolvência do devedor, aduzindo-se aí, de forma expressa, que mesmo considerando uma modificação da relação subjacente, tal não se repercute na relação cambiária.
Neste sentido se pronunciaram ainda outras relações, como a Relação do Porto, por acórdão de 18/4/2020 (Márcia Portela, ecli.jurisprudencia)[xiii] – quanto ao não aproveitamento pelo avalista de qualquer modificação ao crédito introduzida pelo plano de insolvência, quer digam respeito à existência e montante do crédito, quer aos termos e prazo de pagamento.
Em sentido contrário, sobrelevando a dependência da garantia face ao crédito e imputando a benefício do garante as limitações que o credor tenha perante o devedor, pode encontrar-se algum (limitado) apoio, designadamente pelo acórdão da Relação de Guimarães de 24/4/2012 (Araújo de Barros, dgsi.pt)[xiv] decidindo que o plano de insolvência que altere o prazo de cumprimento da obrigação beneficia o avalista.
Não se vê, de facto, que a autonomia do crédito cambiário, na sua literalidade e abstração, possa ser posta em causa por uma limitação legal do acionamento do crédito causal decorrente do regime imperativo da insolvência.
 O que se trata é de uma simples limitação legal, destinada a tutelar a igualdade da posição dos credores (que se encontrem na mesma situação), na cobrança perante o insolvente, designadamente prevenindo que um dado crédito reclamado aumente desproporcionalmente face a outro e, nessa medida, considerando também a declaração de insuficiência da garantia patrimonial para pagamento de todas as dívidas, procurando assegurar que o essencial, correspondente ao capital, possa ser assegurado.
A norma constante do art.º 91.º n.º 2 do CIRE, ao limitar a liquidação de juros vencidos após a insolvência, não tem qualquer sentido, ou teleologia, de tutela dos direitos dos coobrigados com o insolvente, ou de proteção dos garantes.
O seu sentido e fim é a tutela da igualdade dos credores perante o património do insolvente.
Nesse sentido, ainda que se trate de uma transformação do crédito, esta é restrita às partes do processo de insolvência e, deve concluir-se, não beneficia os avalistas. 
Conclui-se, assim, que não assiste, no caso, direito ao recorrente avalista de opor ao credor a redução operada em processo de insolvência.
É o que se decide, também quanto a este fundamento recursório.
Quer isto dizer, em conclusão, que improcedem todos os fundamentos do recurso, devendo manter-se a decisão recorrida. --
---
III. Decisão:
Face ao exposto, nega-se a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Notifique-se e registe-se. –
---
Lisboa, 22-05-2025
João Paulo Vasconcelos Raposo
Laurinda Gemas
Rute Sobral

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[i] https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/fa8589e384b22c4b8025898300557922?OpenDocument
[ii] https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/48506099091fb6a980258a45003d5d70?OpenDocument
[iii] https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/19dc1a0bf66fc93080258ba1003ad5ab?OpenDocument
[iv] https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/-/7E3999BFC35FA90D80257D1100316129
[v] https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/973abd4c50244c248025896c00437f89?OpenDocument
[vi] https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/bc4fc8fcb795dbe280258c28004aea2b?OpenDocument
[vii] https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/389239dad1c86ccf802589c1004659f6?OpenDocument
[viii] https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/9345c32fa9d8c91380258b50005a6e13?OpenDocument
[ix] https://juris.stj.pt/3865%2F21.9T8VNF-A.G1.S1/u49VpgRVJ8P_suadrZTOyjSKFr4?search=_7Rzx7Ey7EvYe_Yz2ko
[x] https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/-/98D7184EA2BE3589802582D0004C3D6E
[xi] https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/79357b10d17373ca80258880002b95bb?OpenDocument
[xii] https://jurisprudencia.pt/acordao/191854/
[xiii] https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRP:2020:1862.19.3T8LOU.A.P1.2D/
[xiv] https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/aba8d3c78c5fd36c802579fb004a325d?OpenDocument