Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3693/20.9T8FNC-B.L1-2
Relator: JOSÉ MANUEL MONTEIRO CORREIA
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
ACÇÃO DE REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
MOTIVO JUSTIFICADO
PENDÊNCIA DE ACÇÃO
PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I.- A nulidade da decisão decorrente da falta de fundamentação prevista, quanto aos despachos, no art.º 615.º, n.º 1, alínea d), ex vi art.º 613.º, n.º 3, ambos do CPC, pressupõe a falta absoluta de fundamentação, não se bastando, por isso, com a simples insuficiência de fundamentação.
II.- Há motivo justificado para a suspensão da instância da regulação do exercício das responsabilidades parentais, nos termos do disposto no segundo período, do n.º 1, do art.º  272.º do CPC, quando, estando pendente processo de promoção e proteção, não só estão nele em averiguação factos relativos às condições de vida dos progenitores e da criança, como nele foi aplicada medida provisória de apoio junto dos pais, contemplando obrigações a cargo destes visando a melhoria dessas condições de vida e das respetivas competências parentais.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: .- Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa os Juízes Desembargadores abaixo identificados,

I.- Relatório
1.- O Ministério Público, no interesse e em representação da criança …, nascida em …, instaurou a presente ação tutelar cível para regulação das respetivas responsabilidades parentais, em contexto de violência doméstica e com natureza urgente, contra os progenitores … e …
Como fundamentos da ação invocou, em suma, o seguinte.
A criança …, nascida em …, é filha de ambos os Requeridos, que não são casados entre si e que estão separados de facto na sequência de factos ocorridos em …, que deram origem à instauração de inquérito criminal contra o Requerido, por violência doméstica.
A criança reside com a mãe em casa abrigo para vítimas de violência doméstica.
O relacionamento entre os Requeridos é pautado pelo conflito verbal e físico da parte do Requerido, em regra na presença da filha.
Foi iniciado processo de promoção e proteção no interesse da criança e do seu irmão uterino, beneficiando estes da medida de proteção de apoio junto dos pais.
Face à subsistência da situação descrita, impõe-se a regulação das responsabilidades parentais relativas à criança com urgência, fixando-se o contributo dos Requeridos para as despesas com a alimentação, sustento e educação da filha, bem como um regime provisório que confira a guarda da mesma exclusivamente à progenitora e que estabeleça um regime de convívios com o pai, com intermediação e fixação da respetiva prestação de alimentos.
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2.- Por decisão de …, proferida nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 12.º, 17.º, 28.º e 44.º-A do RGPTC e 1906.º-A, al. b) do CC, foi fixado um regime provisório das responsabilidades parentais relativas à criança … nos seguintes termos:
i.- o exercício das responsabilidades parentais, quer quanto aos atos da vida corrente, quer quanto aos actos de particular importância, cabe, em exclusivo, à progenitora;
ii.- o direito de convívio/visitas do progenitor fica suspenso até ser agendado pelo …  o regime de convívios da criança com o pai;
iii.- o progenitor assegurará o pagamento da prestação alimentícia a favor da sua filha no valor de €90,00, a pagar até ao dia 8 de cada mês, por transferência ou depósito bancário para a conta da progenitora que esta venha a indicar;
iv.- tal valor será atualizado, anualmente, a partir de janeiro de 2022, por indexação à taxa de inflação publicada pelo Instituto Nacional de Estatística relativa ao ano anterior.
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3.- Por despacho de 04-01-2022, foi:
i.- nos termos do disposto no art.º 28.º, n.º 1 do RGPTC, alterado o regime provisório das responsabilidades parentais referido em 2 nos seguintes termos: “[o] direito de convívio/visitas do progenitor de … com a filha decorrerá no …, à terça-feira à quinta-feira, no horário a combinar com esse Espaço”;
ii.- considerada não verificada a situação de risco em que a criança e o seu irmão uterino se encontravam à data da decisão referida em 2, não sendo, assim, de considerar o regime constante do art.º 44.º-A, n.ºs 1 e 2 do RGPTC, relativo à “regulação urgente” das responsabilidades parentais.
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4.- Em 31-01-2022, pela Casa Abrigo onde se encontrava acolhida a progenitora e a criança foi informado o tribunal a quo de que a mesma, depois de ter tomado conhecimento das medidas de coação aplicadas pelo tribunal, no âmbito do processo crime por violência doméstica instaurado ao progenitor, e facultado o seu consentimento para a vigilância e controlo à distância por meios técnicos eletrónicos pela DGRSP, decidira, de livre vontade, sair, no dia 13-01-2022, da Casa Abrigo com a sua filha e regressar à casa de morada de família.
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5.- Por decisão de 13-05-2022, proferida sob pedido do Ministério Público, foi novamente alterado o regime das responsabilidades parentais relativas à criança … nos seguintes termos:
.- “… fica entregue à guarda e cuidados da mãe e com ela residente”;
.- “As visitas entre o progenitor e a criança ficam suspensas enquanto o mesmo se encontra em prisão preventiva”.
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6.- Em 5 de junho de 2023, pelo Ministério Público foi feita a seguinte promoção:
(…)
Promovo, antes de mais, que seja dado andamento ao processo de promoção e proteção
cujo RAD deu entrada a …, solicitando-se à EMAT informação atualizada sobre a situação das crianças dado que já decorreram mais de 4 meses sobre a apresentação do relatório.
*
E que os autos aguardem a execução da medida promocional, porquanto atenta a condenação do requerido pelo crime de violência doméstica, sanção acessória aplicada, recurso apresentado e condições vivenciais atuais do casal, a evolução da execução da medida de promoção e proteção assume particular relevância para a decisão a tomar, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 272º nº 1 “ parte final “ do Cód. Proc. Civil, aplicável “ ex-vi “ do art.º 33º, do RGPTC.
(…)
*
7.- Sobre tal promoção recaíu o seguinte despacho, proferido em 28-06-2023:
(…)
Considerando o estado dos autos de promoção e protecção, aguardem estes autos nos
termos do 2.º parágrafo da promoção que antecede.
(…)
*
8.- Em 17-11-2023, pelo progenitor … foi apresentado requerimento nos seguintes termos:
.- “(…) na sequência do despacho proferido a …, com a refª. Citius n.º …, e considerando que foi já celebrado acordo de promoção e de protecção no âmbito dos autos principais e que nada obsta ao prosseguimento dos presentes autos, vem requerer a V. Exª. que se digne promover os ulteriores termos do presente incidente.
(…)”.
*
9.- Também em 17-11-2023, pelo progenitor foi apresentado outro requerimento no qual, após exposição das razões da sua apresentação, concluiu pedindo o seguinte:
.- “(…) Termos em que requer a V. Exª. que se digne fixar, sem precedência de audição da parte contrária e com carácter de urgência, novo regime das responsabilidades parentais, onde seja fixada a residência alternada da menor, ou, pelo menos, sejam salvaguardados convívios regulares que permitam manter os laços de afectividade e o convívio são entre requerido e filha, nos termos do art.º 28º, 44º-A, 13º e n.º 2 do art.º 14º, todos do RGPTC.
(…)”.
*
10.- Em 20-11-2023, pelo progenitor foi apresentado mais um requerimento, no qual, depois de expostas as razões da sua apresentação, concluiu pedindo o seguinte:
(…) que seja:
a) Reconhecida a presente oposição do requerente à saída de sua filha menor da RAM, incluindo Continente e do espaço Schengen;
b) Comunicar a todas as secções e postos de fronteira da Unidade de Coordenação de Fronteiras e Estrangeiros a presente Oposição;
c) Ordenar a todos as secções e postos de fronteira da Unidade de Coordenação de Fronteiras e Estrangeiros que impeçam a saída da menor da RAM e do território nacional, e autoridades do espaço Schengen;
d) Comunicar pela via mais expedida a presente oposição à Unidade de Coordenação de Fronteiras e Estrangeiros de todos os países da União Europeia e às autoridades responsáveis pelo Sistema de Informação Schengen.
(…)”.
*
11.- O Ministério Público, em 22-11-2023, pronunciou-se relativamente aos requerimentos do progenitor referidos em 8, 9 e 10 nos seguintes termos:
(…)
O Ministério Público mantém a posição já assumida na promoção refª … (suspensão dos termos dos autos).
Com efeito, o requerente tem uma condenação em 1ª instância pelo crime de violência
doméstica, em que é ofendida a progenitora, e que está pendente de recurso.
Face à informação que consta do processo de promoção e proteção, foi apresentada nova denúncia, pela prática de factos que integram o crime de violência doméstica, ocorridos após o regresso da progenitora à …
Ora, neste momento a progenitora e os menores estão a residir em Casa Abrigo para Vítimas de Violência Doméstica.
Os relatórios/informações juntos ao PPP comprovam que permanece inalterada a dinâmica familiar assimétrica, sendo que o percurso de vida dos progenitores está devidamente explorado nesses autos, com especial acuidade no último relatório da EMAT.
Assim sendo, mantendo-se inalterados os pressupostos factuais e de Direito que conduziram ao regime provisório de RERP fixado (guarda exclusiva, visitas supervisionadas e pensão de alimentos), bem assim como à suspensão dos autos, qualquer alteração do regime de regulação das responsabilidades parentais só poderá ser uma consequência de alterações positivas na dinâmica familiar por força da intervenção promocional.
Tendo sido o acordo de PP sido celebrado a …, estamos numa fase inicial de execução do plano promocional, pelo que é prematura qualquer alteração do regime provisório de regulação das responsabilidades parentais.
Por tudo o que resta exposto, promovo se indefira o requerido.
(…)”.
*
12.- Sobre os mesmos requerimentos do progenitor referidos em 8, 9 e 10, recaíu o seguinte despacho, proferido em 19-01-2024:
(…)
No presente processo de regulação das responsabilidades parentais veio o requerido requerer o prosseguimento do processo, considerando que já foi celebrado acordo de promoção e protecção no âmbito do processo principal.
*
O Ministério Público opôs-se ao requerido, considerando, em suma, que se mantem inalterados os pressupostos factuais e de direito que conduziram ao regime provisório fixado nestes autos (guarda exclusiva, visitas supervisionadas e pensão de alimentos), bem assim como à suspensão dos autos.
*
A requerida não se pronunciou.
*
Cumpre, então, apreciar e decidir.
Os presentes autos configuram uma acção de regulação das responsabilidades parentais referente à menor ….
Por decisão proferida em …, foram provisoriamente reguladas as responsabilidades parentais da menor, tendo a mesma sido entregue à guarda e cuidados da mãe e fixado o regime de convívios/visitas, determinando-se que o direito de convívio/visitas do progenitor com a filha fica suspenso até ser agendado pelo … o regime de convívios da criança com o pai.
Por despacho de …, foi alterado o regime de visitas/convívios nos seguintes termos: “O direito de convívio/visitas do progenitor de … com a filha decorrerá no …, à terça-feira à quinta-feira no horário a combinar com esse …”.
Por decisão de …, foi alterado o regime provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais, tendo-se determinado, para além do mais, que as visitas entre o progenitor e a criança ficam suspensas enquanto o mesmo se encontra em prisão preventiva.
Por despacho de …, foi determinado que os autos aguardassem o relatório de avaliação diagnóstico pedido no processo de promoção e protecção.
Posteriormente, por despacho de …, foi determinada a suspensão dos autos.
Aqui chegados, a questão que se coloca é se existem elementos fácticos que fundamentem, ainda que indiciariamente, no superior interesse da menor …, o prosseguimento deste processo e a alteração da regulação provisória das responsabilidades parentais nos moldes pretendidos pelo progenitor.
No processo de promoção e protecção, por decisão de…, foi aplicada à menor a medida de apoio junto dos pais, pelo período de 1 ano, com revisão semestral.
A reabertura do processo de promoção e protecção ocorreu, conforme se escreveu no despacho de …, no processo de promoção e protecção, no seguinte contexto:
“No caso em análise, o despacho de… justificou a reabertura do processo nos seguintes moldes:
“Através do ofício da SER datado de… verifica-se que os menores estão na Madeira pelo menos desde o início …, facto que foi ocultado pelo pai da … na diligência realizada a ….
Mostra-se essencial avaliar a situação atual das crianças.
Solicite assim, RAD à EMAT, com cópia da promoção que antecede e do ofício da SER.”
Conforme se refere na promoção do Ministério Público que antecede tal despacho:
“A situação dos menores foi comunicada às autoridades brasileiras para seguimento da situação dos menores.
Os autos apenas foram arquivados, porquanto os menores estavam a residir no estrangeiro.
Recorde-se que a situação de perigo da criança … e do menor … deriva do registo de violência doméstica perpetrado pelo pai/padrasto, com reiteradas e sucessivas ruturas conjugais dos pais e subsequentes reconciliações sem qualquer solidez e sem que nada se altere na dinâmica conjugal e familiar. Estas ruturas com a manutenção da proximidade geográfica e o conhecimento da … sobre as estruturas de apoio e proteção à vítima (conhecia todas as Casas de Abrigo da RAM, uma vez que… esteve em todas elas e deu-lhe conhecimento da localização) não favoreciam que … consiga redefinir um projeto de vida alternativo eficaz na RAM e correspondente às necessidades da própria e da filha … e do irmão …”
Ou seja, os presentes autos apenas foram arquivados porque a progenitora regressou…, deixando, assim, este tribunal de ter competência para a aplicação de qualquer medida de promoção e protecção (cf. art.º 2.º da Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro).
Todavia, face ao regresso da progenitora com os filhos a esta região, integrando, novamente, o agregado familiar do progenitor da menor …, impunha-se e exigia-se, no superior interesse dos menores, a reabertura do processo.
Tanto assim é que, realizado relatório social elaborado sobre a situação das crianças e do seu agregado familiar se concluiu pela necessidade da aplicação de uma medida de promoção e protecção.”
Neste contexto, o requerido vem, ainda, invocar que a requerida, nas declarações para memória futura, negou quaisquer actos de violência doméstica que tenham sido praticados.
Não foi proferida até à presente data, que seja do conhecimento deste processo, despacho de arquivamento e/ou acusação no âmbito desta última queixa-crime.
Todavia, urge salientar que ao presente processo não compete apurar da existência (ou
não) de suspeitas, vestígios, sinais ou indícios da prática pelo progenitor dos factos incrimináveis que lhe são imputáveis.
O que releva nesta sede é apenas o superior interesse da criança e a sua protecção integral. É em seu exclusivo benefício que devem ser ponderadas as decisões a proferir que lhe digam respeito, nomeadamente o regime de visitas/convívio com o progenitor ou qualquer suspensão deste.
Este princípio fundamental deve sobrepor-se a qualquer interesse que possa integrar a vontade de cada um dos progenitores.
Aqui chegados, a única certeza que subsiste neste processo é a de que se verifica uma situação de perigo para a menor, que justificou a aplicação da medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais, que deve ser ultrapassada, previamente a uma decisão no âmbito deste processo de regulação das responsabilidades parentais, no processo de promoção e protecção.
Nos termos do art.º 272.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ex vi do art.º 33.º, n.º 1, do
Regime Geral do Processo Tutelar Cível, “O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.”
Por sua vez, determina o art.º 27.º, n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível que as decisões que apliquem medidas tutelares cíveis e de promoção e protecção, ainda que provisórias, devem conjugar-se e harmonizar-se entre si, tendo em conta o superior interesse da criança.
Assim, atento todo o exposto, no superior interesse da menor, os presentes autos devem continuar suspensos, aguardando a execução da medida de apoio junto dos pais, no processo de promoção e protecção.
Pelo exposto, indefiro o requerido.
Notifique.”
(…)”.
*
13.- Por apenso a estes autos correm termos autos de promoção e promoção abertos no interesse da criança … e do seu irmão uterino, no âmbito dos quais, efetuada, em …, conferência com vista à obtenção de acordo de promoção e proteção, foi obtido esse acordo, homologado, por decisão proferida na diligência, como aplicação de medida de apoio junto dos pais, prevista no art.º 35.º, n.º 1, alínea a) da LPCJP, com a duração de 12 meses, a rever decorridos 6 meses da sua aplicação, salvo comunicação de algum facto que aconselhasse a revisão antecipada da medida.
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14.- No acordo referido em 13, comprometeram-se:
14.1.- Os progenitores a:
• Satisfazer as necessidades físicas (higiene, alimentação, vestuário, saúde), necessidades afetivas, de estimulação e de segurança da filha;
• Inserirem-se de forma estável, no mercado de trabalho;
• Assegurar as condições socioeconómicas e habitacionais que permitam proteger e promover a segurança, bem-estar, higiene, alimentação e educação adequados à faixa etária da filha;
• Promover relações seguras, estáveis e afetuosas, garantindo um ambiente familiar harmonioso;
• Promover a frequência escolar da filha e seguir com as orientações educativas;
• Acompanhar o processo de desenvolvimento da filha e garantir os acompanhamentos no âmbito da saúde, caso seja necessário;
• Aceitar a possibilidade de avaliação/adesão em consultas de enfermagem de saúde mental e/ou ser sujeita a testes de despiste, como também outros encaminhamentos que se afigurem necessários;
• Aceitar o encaminhamento que seja efetuado para respostas de apoio ao desenvolvimento de competências para um exercício positivo da parentalidade;
• Colaborar com as entidades envolvidas no acompanhamento de execução de medida e na definição do plano de intervenção, designadamente a EMAT, e comunicar eventuais dificuldades no cumprimento das medidas preconizadas no plano de intervenção;
• Autorizar a recolha de informação pela EMAT junto das instituições de educação e de saúde, relativas a si e à sua filha, desde que pertinentes para o presente processo;
14.2.- A EMAT a:
• Promover e participar no desenvolvimento, acompanhamento e avaliação do plano de intervenção;
• Elaborar respostas às solicitações judiciais;
• Informar o Tribunal de qualquer ocorrência e/ou informação superveniente que deva ser considerada no âmbito do processo.
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15.- Inconformado com o despacho a que se alude em 12, veio o progenitor Requerido interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões, que assim se transcrevem:

“1. O presente recurso tem por objecto o despacho proferido nos autos pelo tribunal a quo a …, que decidiu pela manutenção da decisão de suspensão dos autos que corporizam o incidente de fixação das responsabilidades parentais, quanto à menor …;
2. O ora recorrente apresentou três requerimentos, sendo que:
O primeiro, apresentado a …, destinava-se ao prosseguimento dos autos, ante a falta de impulso processual; - cfr. Refª. Citius n.º …
O segundo, apresentado na mesma data, tinha como pedido a fixação de um regime provisório, no qual se salvaguardasse os convívios do recorrente com a menor, por estar privado de visitas;
E o terceiro, apresentado a …, tinha como pedido a confirmação de oposição de saída da menor do território nacional. - cfr. Refª. Citius n.º …
3. O Tribunal, no seu douto despacho e fazendo alusão às referências Citius dos 3 requerimentos, fez constar o seguinte:
“…
No presente processo de regulação das responsabilidades parentais veio o requerido requerer o prosseguimento do processo, considerando que já foi celebrado acordo de promoção e protecção no âmbito do processo principal.”.
4. Ou seja, o recorrente ter realizado 3 pedidos autónomos e distintos entre si, e o tribunal proferiu, o que numa primeira leitura permite concluir que se tratou de uma decisão que abrangeu esses três pedidos, porquanto faz referência aos mesmos preliminarmente.
5. Todavia, e conforme decorre do excerto supra transcrito, não se vislumbra qualquer referência aos pedidos realizados nos demais requerimentos, circunscrevendo-se, tão só, ao pedido de prosseguimento dos autos, o qual concluiu pela suspensão;
6. Impunha-se assim que, e ainda que de forma sintética, o Tribunal a quo expusesse as concretas razões que impuseram no seu entender e prudente critério a decisão que tomou quanto aqueles pedidos, o que in casu não sucedeu.
7. Não se trata de uma fundamentação parca ou deficiente, mas sim de ausência de fundamentação, no que toca aos mencionados requerimentos, aos quais é feita referência preambular, mas sobre os quais não se debruça ou pronuncia-se especificadamente.
8. Sendo a decisão totalmente omissa quanto à sua fundamentação, não se pronunciando sobre os motivos que entendeu suspender os autos quanto aqueles pedidos, é a decisão nula nos termos dos artigos 154.º e do artº 615º, nº 1, al. b) ambos do CPC ex vi do n.º 1 do art.º 33º do RGPTC e artigo 205.º da CRP, nulidade que expressamente se invoca.
9. Os presentes autos foram despoletados através de requerimento do MP, submetido a …, a coberto do auto de denúncia por violência doméstica a que foi atribuído o Nuipc nº …, intentado pela progenitora contra o recorrente.
10. O tribunal proferiu decisão provisória da regulação das responsabilidades parentais, na qual fixou a plenitude das responsabilidades parentais à progenitora, e com ela fixou residência, sem precedência de audição do recorrente, no dia …
11. Não se afigura correcta nem justa a situação em que o recorrente é reiteradamente colocado: a progenitora, sobre a égide de violência doméstica, com ou sem queixa-crime apresentada, leva consigo a filha menor, sem mais.
12. Uma coisa é a privação de contactos do recorrente com a progenitora, o que se aceita, outra bem distinta, é a privação dos contactos com a sua filha.
13. Nem o recorrente nem a menor podem ficar reiteradamente privados de contactos ao sabor de processos-crimes que são sucessivamente intentados pela progenitora
14. É incompreensível e de uma injustiça profunda a manutenção judicial da privação de contactos do recorrente com a sua filha menor, por via de sucessivas queixas-crimes que vão sendo intentadas pela progenitora, sem que o recorrente tenha uma única condenação pelos crimes de que vem sendo acusado, e até quando deles foi absolvido.
15. Não pode um regime provisório perdurar durante mais do que dois anos, ou, pelo menos, por via dele, o pai estar judicialmente privado por mais do que dois anos em estar com a sua filha quando inexistem quaisquer factos ou indícios que demonstrem perigo desses convívios para com a menor.
16. A ser assim, está aberta a porta para a perpetuidade de um incidente de responsabilidades parentais, bastando a progenitora lançar sucessivamente mão de novas queixas-crime e descoberto o “Ovo de Colombo” para assegurar ou manter a exclusividade das responsabilidades parentais por via de um regime, que como o próprio nome indica, é provisório por natureza.
17. Devia, pois, o tribunal a quo ter proferido decisão na qual fixasse um novo regime provisório de responsabilidades parentais, onde fossem asseguradas as visitas ou residência alternada da menor com o recorrente.”
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16.- O Ministério Público respondeu ao recurso, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:

I. O processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais e o processo de promoção e proteção têm alcances distintos.
II. Nos termos do art.º 27º, nº 1, do RGPTC “as decisões que apliquem medidas tutelares cíveis e de promoção e proteção, ainda que provisórias, devem conjugar-se e harmonizar-se entre si, tendo em conta o superior interesse da criança”.
III. Os fatores de perigo atuais que podem colocar em causa o desenvolvimento harmonioso de …, nomeadamente (sic):
• exposição continuada a situações de violência e conflito entre os principais cuidadores, com sucessivas ruturas relacionais, que acarretam alterações habitacionais, de país, escolares, entre outras;
• instabilidade emocional e comportamental das figuras de referência / cuidadoras;
• instabilidade ao nível habitacional sendo que, estas crianças, só nos últimos meses, já passaram por diversas habitações e a permanência na atual residência parece que também irá ser de curta duração;
• perceção de insegurança passada pelos seus cuidadores, face à dificuldade que têm tido de manter indicadores de estabilidade;
• Frágil e/ou fraca rede de suporte informal, nomeadamente familiar e social;
• Possibilidade de, a curto prazo, … estarem novamente a coabitar, mantendo o ciclo disfuncional e desorganizado que tem vindo a caracterizar e impactar o processo de desenvolvimento das crianças.
IV. Ao longo da intervenção das estruturas formais da comunidade em sede de promoção e proteção, que tem vindo a ocorrer desde a gravidez de … parecem não conseguir promover uma mudança efetiva nas suas rotinas, no seu comportamento e condições de vida, que perdurem ao longo do tempo, traduzindo uma dificuldade em encarar as necessidades de segurança e de estabilidade dos filhos como prioritária a todas as outras.
V. Sucedem-se os comportamentos impulsivos e/ou de agressividade, as acusações mútuas, as narrativas incoerentes e inconsistentes, a mudança sucessiva de projetos de vida. Indicam ainda não assumir o seu papel e contributo em todo este processo, remetendo as responsabilidades para terceiros.
VI. No que respeita à colaboração com os técnicos que intervêm no processo de promoção e proteção, são observadas, ao longo da intervenção, várias incongruências e inconsistências nos discursos indicando estratégias de dissimulação que não são compatíveis com uma postura de uma adequada colaboração, necessária a que a intervenção num processo de promoção e proteção possa assegurar e contribuir para a mudança.
VII. Foi proposta a medida de acolhimento residencial para a menor …
VIII. Foi agendada conferência no processo de promoção e proteção.
IX. A confirmação da situação de perigo impõe e justifica a manutenção da suspensão do processo de regulação das responsabilidades parentais.
X. Neste momento, a intervenção adequada a salvaguardar a estabilidade emocional da criança é a intervenção promocional.
XI. Os processos tutelares cíveis constituem processos de jurisdição voluntária, conforme expressamente resulta do disposto no art.º 12º R.G.P.T.C., com necessária remissão sistemática para o disposto nos artigos 986º a 988º do C.P.C.
XII. O princípio segundo o qual o tribunal se deve conter nos limites do pedido (art.º 609º, 1 C.P.C.) não tem aplicação nos processos tutelares cíveis, considerando que o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna – art.º 987º C.P.C.
XIII. Sendo introduzida em juízo uma questão relacionada com o exercício das responsabilidades parentais, ao tribunal não cabe deferir ou indeferir o pedido, podendo e devendo conformá-lo à realidade contemporânea da decisão na perspetiva de garantir a realização do direito imperativo aplicável ao caso concreto.
XIV. Impõe-se ora executar a estratégia delineada para a execução da medida de promoção e proteção.
XV. Ficando, assim, inviabilizada a tramitação subsequente do processo de regulação das responsabilidades parentais, razão pela qual se justifica a manutenção da suspensão deste processo.
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A Requerida não respondeu ao recurso.
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O recurso foi admitido como recurso de apelação, com subida nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e assim recebido nesta Relação, que o considerou corretamente admitido e com o efeito legalmente previsto.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II.- Das questões a decidir
.- O âmbito dos recursos, tal como resulta das disposições conjugadas dos art.ºs 635.º, n.º 4, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 641.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Civil (doravante, CPC), é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente.
Isto, com ressalva das questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado ou das que se prendem com a qualificação jurídica dos factos (cfr., a este propósito, o disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 663.º, n.º 2 e 5.º, n.º 3 do CPC).
Neste pressuposto, as questões que, neste recurso, importa apreciar e decidir são as seguintes:
i.- saber se o despacho recorrido é nulo por falta de fundamentação;
ii.- saber se estes autos devem permanecer suspensos ou prosseguir os seus termos, nomeadamente, com a fixação de um novo regime provisório de responsabilidades parentais.
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III.- Da Fundamentação
III.I.- Os factos que aqui importa considerar e que, em função dos elementos constantes dos autos, se mostram provados, são os acima descritos no relatório desta decisão em 1 a 14, os quais, por razões de economia processual, se dão aqui por integralmente reproduzidos.
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IV.- Do objeto do recurso
1.- Da nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentação
Este recurso incide sobre o despacho proferido pelo tribunal a quo em 19-01-2024, acima referido em 12, por via do qual foi decidido que os presentes autos deveriam permanecer suspensos, a aguardar a execução da medida de apoio junto dos pais decretada nos autos de promoção e proteção apensos, indeferindo-se, consequentemente, os requerimentos do Recorrente referidos supra em 8, 9 e 10.
Segundo o Recorrente, o despacho padece da nulidade prevista no art.º 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC, por não conter a fundamentação exigível nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 154.º do CPC, 33.º, n.º 1 do RGPTC e 205.º da CRP.
De acordo com a citada alínea b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão.
Tal disposição legal, apesar de se referir expressamente aos vícios da sentença, aplica-se, também, aos casos em que, como o dos autos, está em causa um simples despacho, por força da remissão operada pelo art.º 613.º, n.º 3 do CPC.
A nulidade derivada da falta de fundamentação pressupõe a absoluta falta de fundamentação.
Como referem Antunes Varela, José Miguel Bezerra e Sampaio Nora “[p]ara que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente e incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito” (in Manual de Processo Civil, Coimbra, 1985, p. 687).
No mesmo sentido apontava Alberto dos Réus, segundo o qual “[o] que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, mas não produz nulidade”, sendo que “[p]or falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”.
Por isso, de acordo com o mesmo, “[s]e a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade” (in Código de Processo Civil Anotado, Coimbra, 1981, Vol. V, p. 124).
De referir que uma tal posição doutrinal constitui jurisprudência largamente acolhida pelos tribunais superiores, exemplificando-se tal constatação com os Acórdãos do STJ de 09-10-2019, no processo 2123/17.8LRA.C1.S1; de 15-05-2019, no processo n.º 835/15.0T8LRA.C3.S1; e de 02-06-2016, no processo n.º 781/11.6TBMTJ.L1,S1; todos eles enunciados, por seu turno, no Acórdão do mais alto Tribunal de 03-03-2021, no processo 3157/.8T8VFX.L1.S1.

In casu, segundo o Recorrente o despacho recorrido seria nulo pelo facto de, recaindo sobre três requerimentos seus que formulara nos autos, conter fundamentação do indeferimento tão somente quanto ao primeiro deles e já não relativamente aos restantes.
Não há, contudo, nulidade atendível.
É um facto que, como alude o Recorrente, o despacho recorrido teve por objeto os três requerimentos que o mesmo formulara nos autos em 17-11-2023 (os dois primeiros) e em 20-11-2013 (o terceiro). Que assim foi, evidencia-o a própria epígrafe do despacho, ao conter uma alusão expressa à referência citius de cada um dos requerimentos.
Toda a argumentação (fundamentação) expendida no despacho não pode, contudo, deixar de relevar para cada um desses requerimentos, já que a pretensão que, com eles, quis o Recorrente acautelar reconduz-se, no essencial, à mesma questão, que é a da regulação, definitiva ou provisória, das responsabilidades parentais atinentes à …
Assim, se, pelo primeiro requerimento, o Recorrente visava o normal prosseguimento dos autos, certamente que o que realmente pretendia era, em se tratando de ação de responsabilidades parentais, que o tribunal apreciasse as questões inerentes a tal regulação, como sejam as da guarda e da residência da criança, as do regime de visitas e as do cumprimento das obrigações alimentícias a seu favor.
Outrossim, se, pelo segundo requerimento, pretendia a fixação de um novo regime das responsabilidades parentais relativamente à sua filha, onde fosse fixada a sua ‘residência alternada ou, pelo menos, fossem salvaguardados os convívios regulares que permitissem manter os laços de afetividade e o são convívio’ entre ambos, é claro que o que pretendia era a apreciação de componentes da questão atinente às responsabilidades parentais da criança.
Finalmente, pelo terceiro requerimento, datado de 20-11-2023, pretendia o Recorrente a confirmação da sua oposição de saída da criança do território nacional juntamente com a progenitora, o que, em último termo, está relacionado com a questão inerente à guarda ou à residência da criança.
Ou seja, subjacente aos três requerimentos estava a formulação de pretensões que, no essencial, se reconduzem à mesma questão de direito a apreciar, pelo que os fundamentos expendidos no despacho recorrido para justificar a decisão nele tomada valem para todas elas.
Ora, o tribunal a quo, no despacho recorrido, explanou uma série de argumentos que, na sua perspetiva, justificavam que os autos se mantivessem suspensos, a aguardar a execução da medida de promoção e proteção decretada no apenso correspondente.
Nomeadamente:
.- que no processo de promoção e proteção, foi aplicada, por decisão de…, a medida de apoio da criança junto dos pais, pelo períodos de um ano, com revisão semestral;
.- que a situação de perigo da criança deriva do registo de violência doméstica perpetrado pelo pai/padrasto, com reiteradas e sucessivas ruturas conjugais dos pais e subsequentes reconciliações sem qualquer solidez e sem que nada se altere na dinâmica conjugal e familiar;
.- que tais ruturas, com a manutenção da proximidade geográfica e o conhecimento do progenitor da localização das Casas Abrigo onde se encontrava a progenitora, não favoreciam que esta redefinisse um projeto de vida alternativo eficaz na RAM e correspondente às necessidades da própria e dos filhos;
.- que o que releva nesta sede é, não apurar da existência (ou não) de suspeitas, vestígios, sinais ou indícios da prática pelo progenitor dos factos incrimináveis que lhe são imputáveis, mas o superior interesse da criança e a sua protecção integral;
.- que a única certeza que subsiste neste processo é a de que se verifica uma situação de perigo para a menor, que justificou a aplicação da medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais, que deve ser ultrapassada, previamente a uma decisão no âmbito deste processo de regulação das responsabilidades parentais, no processo de promoção e protecção.
Ao fazê-lo, justificou as razões pelas quais entendia não dever apreciar, para já, as questões inerentes à regulação das responsabilidades parentais da criança, em termos tais que, da sua leitura, se fica a perceber a razão de ter decidido como decidiu.
Nenhum fundamento há, por conseguinte, para que se considere que o despacho recorrido padece do vício da falta de fundamentação.
De resto, como se viu atrás, nulidade por falta de fundamentação relevante é aquela que assenta na ‘absoluta ausência de motivação’ e não na sua ‘insuficiência’, o que, certamente, não é o caso do despacho recorrido, que, como se viu, contém inúmeros argumentos que justificam a decisão nele tomada.
Não há, pois, nulidade atendível, improcedendo a pretensão do Recorrente em apreço.
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2.- Da manutenção da suspensão destes autos ou da prossecução dos seus termos normais
A questão que aqui importa apreciar é a de saber se estes autos devem, como decidido no despacho recorrido, permanecer suspensos em função da medida promocional aplicada no apenso de promoção e proteção no superior interesse da criança…, ou se, como propugnado pelo Recorrente, devem prosseguir os seus termos, nomeadamente, com nova regulação provisória das responsabilidades parentais, onde sejam asseguradas visitas ou residência alternada da criança com o progenitor.
Dispõe o art.º 272.º, n.º 1 do CPC, aplicável ao processo tutelar cível por força do art.º 33.º, n.º 1 do RGPTC, que o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.
No caso, não está em causa a suspensão da instância com fundamento na primeira parte do normativo em apreço, que pressupõe a pendência de uma causa prejudicial, mas na segunda parte do mesmo normativo, que pressupõe a verificação de motivo justificado para o efeito.
O legislador não define o que deve entender-se por motivo justificado, pelo que cabe ao juiz, no seu prudente arbítrio, concretizá-lo, aferindo, perante as circunstâncias do caso concreto, se há conveniência ou utilidade na suspensão da instância.
Nessa tarefa, e como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luis Filipe Pires de Sousa, o juiz “goza de uma larga margem de discricionariedade, devendo aquilatar se efetivamente se justifica tal medida” (in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2023, 3.ª edição, p. 350).
No mesmo sentido aponta o Acórdão da Relação do Porto de 25-03-2019, segundo o qual, não decorrendo da lei o que se deva entender por “motivo justificado”, na sua concretização é conferida ao juiz “uma margem lata de liberdade de ação” (Acórdão disponível na internet, no sítio com o endereço www.dgsi.pt).
Liberdade de ação não é, contudo, confundível com arbitrariedade, pelo que a suspensão da instância pressuporá que a mesma se justifique em função da verificação, ainda de acordo com o mesmo Acórdão da Relação do Porto, de um “motivo suficientemente ponderoso para justificar a suspensão da marcha normal do processo, que se mostre conveniente e contribua para a justa resolução do litígio”.

No caso em apreço, decidiu-se no despacho recorrido manter a suspensão da instância da presente ação tutelar cível de regulação das responsabilidades parentais, aguardando a execução da medida promocional de apoio junto dos pais decretada no apenso de promoção e proteção.
A justificação do tribunal a quo para tal decisão assentou no facto de a criança no interesse da qual correm os dois processos estar em ‘perigo’ e de, sendo essa a única certeza que subsiste neste momento, dever tal situação ser ultrapassada no apenso de promoção, previamente a uma qualquer decisão no âmbito do processo de regulação das responsabilidades parentais.
Ora, em função dos elementos constantes dos autos, não vemos como censurar esta posição do tribunal a quo.
Na verdade, o processo de promoção e proteção apenso tem na sua origem uma situação de risco em que se encontra a criança, filha do Recorrente e da Recorrida…
Na origem dessa situação de risco, como se depreende dos elementos constantes dos autos acima enunciados, estão fatores como conflitos constantes e reiterados entre os seus progenitores, sucessivas ruturas relacionais entre ambos e consequentes alterações de residência e, inclusive, de país.
Acresce a situação de manifesta instabilidade emocional e comportamental dos progenitores e a aparente ausência de alternativas de suporte no seio das respetivas famílias alargadas.
Um quadro desta natureza, como bem salienta o Ministério Público na resposta ao seu recurso, evidencia a impossibilidade de os progenitores “promoverem uma mudança efetiva nas suas rotinas, no seu comportamento e condições de vida, que perdurem ao longo do tempo, traduzindo uma dificuldade em encarar as necessidades de segurança e de estabilidade dos filhos como prioritária a todas as outras”.
A situação da criança …, em cujo superior interesse deve ser orientada a tramitação dos dois processos aqui em consideração, é, pois, de uma precariedade afetiva e familiar que impele a que o tribunal tudo faça para que, num primeiro momento, afaste o risco inerente a tal situação para o seu desenvolvimento integral e que só depois, num segundo momento, parta para a tomada de decisão das questões inerentes às responsabilidades parentais, que pressupõe a ausência daquela situação de risco.
Acresce que a prossecução destes autos para os fins visados pelo Recorrente implicaria necessariamente a ponderação de fatores como as condições de vida dos progenitores, a relação interpessoal entre ambos e as suas competências parentais.
Todos estes aspetos estão, contudo, sob apreciação no processo de promoção e proteção apenso, constituindo mesmo objeto das obrigações a que ambos os progenitores, no âmbito da medida de apoio junto dos pais ali decretada, se comprometeram a cumprir, mediante acompanhamento e colaboração da EMAT.
A continuação destes autos, além de poder redundar na repetição de atos, traria, assim, o risco de realização de diligências e de tomadas de decisão suscetíveis de comprometer a eficácia da medida aplicada.
Aliás, como decorre do disposto no n.º 1 do art.º 27.º do RGPTC, as decisões que apliquem medidas tutelares cíveis e de promoção e proteção, ainda que provisórias, devem conjugar-se e harmonizar-se entre si, tendo em conta o superior interesse da criança e tal comando legal não seria certamente cumprido se, como propugnado pelo progenitor no recurso, se avançasse com a prossecução destes autos, face ao risco daí adveniente de adoção de medidas conflituantes entre si.
De resto, e tal como se depreende do disposto no n.º 3 deste último preceito legal, a aplicação de medida judicial de proteção da criança deve sempre preceder ou impor-se à aplicação da medida tutelar cível, caso ambas conflituem.
Concluímos, assim, que havia efetivamente motivo justificado para que o tribunal a quo mantivesse suspenso o presente processo tutelar cível de regulação das responsabilidades parentais, tal como fez no despacho recorrido.
De resto, a pretensão do Recorrente, se bem se entende a sua posição expressa no seu recurso, passa, no essencial, por que sejam estabelecidos ou fomentados os seus convívios com a sua filha, o que pode ser prosseguido nos autos de promoção e proteção, no quadro da medida promocional a aplicar.
O despacho recorrido deve, pois, manter-se.
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Porque vencido, suportará o Recorrente as custas da apelação (art.ºs 527.º e 529.º do CPC).
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IV.- Decisão
Termos em que se decide julgar improcedente o recurso e, consequentemente, manter o despacho recorrido.
Custas da apelação pelo Recorrente.
Notifique.
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Lisboa, 23 de maio de 2024
José Manuel Monteiro Correia
Arlindo José Colaço Crua
Pedro Martins