Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | RUI MANUEL PINHEIRO DE OLIVEIRA | ||
Descritores: | ACÇÃO COM PROCESSO ESPECIAL FIXAÇÃO JUDICIAL DE PRAZO OBJECTO PRESSUPOSTOS | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/06/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I - A acção especial de fixação judicial do prazo tem por finalidade a fixação de prazo nas situações em que, não obstante a falta de estipulação ou disposição legal de prazo para o cumprimento, a prestação não pode ou não deve ser imediatamente exigida atenta a sua natureza, as circunstancias que a determinam, lhe subjazem ou envolvem, ou os usos a que está sujeita, e as partes não acordarem na determinação do prazo; II - Não cabem no âmbito daquela acção especial, questões de carácter contencioso, como sejam as da (in)existência, (in)validade, (in)exigibilidade ou extinção da obrigação cujo prazo de cumprimento se pretende ver fixado. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes na 8.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I – RELATÓRIO 1.1 A e B intentaram acção especial de fixação judicial do prazo contra a C, pedindo que «o Tribunal se digne fixar prazo não superior a um ano para a Ré cumprir a obrigação por si assumida na escritura pública de compra e venda celebrada em 14 de Setembro de 1977, sob pena de, caso tal condição não se verifique no prazo judicialmente fixado, se dar a reversão a favor dos Autores enquanto herdeiros do vendedor, pelo preço estabelecido entre as partes vendedor e compradora em 14 de Setembro de 1977, devendo a presente acção de fixação judicial de prazo ser julgada procedente e provada». Para tanto, alegaram, em síntese, que o seu falecido pai vendeu à Requerida um lote de terreno para que a mesma ali construísse a sua sede social, não lhe podendo ser dado outro destino e, caso tal condição não se verificasse, dar-se-ia a reversão a favor do vendedor ou seus herdeiros, pelo preço da venda, sendo que a Requerida nunca construiu a sua sede, incumprindo a obrigação por si assumida, para a qual, contudo, não foi estabelecido entre o vendedor e a compradora prazo para o cumprimento, não tendo, também, as partes logrado acordar nessa fixação. 1.2. A Requerida respondeu, invocando a ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir, a inexistência de um direito de crédito dos Requerentes sobre a Requerida e a prescrição do mesmo caso fosse existente e defendendo que as partes não acordaram qualquer prazo para a construção da sede, sendo certo que a reversão apenas teria lugar se a Requerida desse ao lote de terreno outro destino, o que não sucedeu. Concluiu da seguinte forma: «(…) deve ser: a) Julgada totalmente improcedente, com fundamento na matéria da impugnação, por manifesta falta de fundamento da pretensão dos A, nos termos do artigo 595º do CPC com todas as demais consequências. b) Que seja declarada a inépcia do requerimento inicial por ausência da causa de pedir (falta de acordo na determinação do prazo nos termos do art.ºs 186, n.º1 e 2, alínea a) do CPC). c) Deve ser julgada procedente por provada a prescrição e em consequência a Ré ser absolvida do pedido. d) Caso assim não entenda, e por se tratar de uma Associação de elevado valor social e comunitário, tendo em conta a atual conjuntura económica que o prazo não seja inferior a 20 anos» 1.3. Os Requerentes ainda responderam por escrito, pronunciando-se pela improcedência das excepções invocadas e concluindo como na petição inicial. 1.4. Realizou-se a audiência de inquirição de testemunhas, após o que foi proferida sentença que julgou improcedentes a excepção da ineptidão da petição inicial e a acção e absolveu a Requerida da totalidade do pedido. 1.5. Inconformados, apelaram os Requerentes, formulando as seguintes conclusões: «1. A douta Sentença proferida em 20 de Dezembro de 2022 julgou a presente acção de fixação judicial do prazo totalmente improcedente por não provada e, em consequência, absolveu do pedido a Recorrida C; 2. Entendem os Recorrentes que foi incorrectamente julgado pelo Tribunal “a quo” quando entendeu que os Recorrentes decidiram alcançar uma resolução contratual por via de uma acção de fixação judicial do prazo; 3. Entendem os Recorrentes que foi incorrectamente julgado pelo Tribunal “a quo” quando concluiu que inexiste qualquer prestação que recaia sobre a Recorrida, considerando que a Recorrida não se obrigou a construir um edifício no lote de terreno vendido em 14 de Setembro de 1977; 4. A acção de fixação judicial de prazo, prevista nos artigos 1.026º e 1.027º do Código de Processo Civil, tem como pedido o pedido de fixação do prazo e como causa de pedir a ausência de acordo das partes na fixação do prazo; 5. Na presente acção de fixação judicial de prazo, o que se mostra peticionado pelos Recorrentes é que o Tribunal fixe judicialmente o prazo para a Recorrida cumprir a obrigação assumida na escritura pública de compra e venda celebrada em 14 de Setembro de 1977; 6. Não há acordo das partes na fixação do prazo; 7. Entendem os Recorrentes que a Recorrida encontra-se obrigada e vinculada ao cumprimento da condição estabelecida na escritura pública de compra e venda celebrada em 14 de Setembro de 1977; 8. Nos termos acordados entre o vendedor V e a compradora C, conforme consta na escritura pública de compra e venda outorgada em 14 de Setembro de 1977, o lote de terreno para construção urbana destinava-se “a nele ser construída a sede social da compradora, não lhe podendo ser dado outro destino e, caso tal condição não se verifique, se dará a reversão a favor dele, vendedor, ou seus herdeiros e pelo preço agora vendido” (Factos Provados N.º 3); 9. Está provado nos presentes autos que a vontade das partes que celebraram o contrato de compra e venda em 14 de Setembro de 1977 “era unicamente o desejo de que o terreno não fosse utilizado para outro fim que não o da construção da sede da C” (Factos Provados N.º 12); 10. Está provado nos presentes autos que a Recorrida “não procedeu até à data à construção da sua sede social no lote de terreno” vendido em 14 de Setembro de 1977 (Factos Provados N.º 13); 11. Entendem os Recorrentes que foi incorrectamente julgado pelo Tribunal “a quo” quando considera provado que a Recorrida “em nenhuma circunstância deu uso diverso ao lote de terreno daquele estabelecido na escritura pública de compra e venda” (Factos Provados N.º 20); 12. O Tribunal “a quo” esqueceu e não relevou devidamente que não dar o uso a que a Recorrida C se vinculou no contrato de compra e venda celebrado em 14 de Setembro de 1977 é objectivamente dar um “uso diverso” ao lote de terreno para construção; 13. Através da presente acção de fixação judicial de prazo, os Recorrentes requereram ao Tribunal que seja fixado um prazo não superior a um ano para a Recorrida cumprir a obrigação de construção no lote de terreno identificado da sua sede social, nos termos do disposto no artigo 777º, n.º 2/ do Código Civil; 14. A Recorrida obrigou-se a construir no lote de terreno para construção urbana vendido em 14 de Setembro de 1977 “a sede social da compradora, não lhe podendo ser dado outro destino”; 15. Recai sobre a Recorrida efectuar o cumprimento da obrigação assumida na escritura pública de compra e venda celebrada em 14 de Setembro de 1977; 16. É admissível ou válida a inclusão da cláusula ou condição estabelecida no contrato de compra e venda celebrado entre o vendedor e a compradora em 14 de Setembro de 1977; 17. Em primeiro lugar, porque esta cláusula consta expressamente da escritura pública de compra e venda outorgada entre vendedor e compradora em 14 de Setembro de 1977 (Factos Provados N.º 3); 18. Em segundo lugar, porque esta cláusula consubstancia uma condição ou uma obrigação voluntariamente assumida pela compradora C, vertida na escritura pública de compra e venda, celebrada no Cartório Notarial de …; 19. Em terceiro lugar, porque está inscrita no registo predial a cláusula acordada na escritura pública de compra e venda outorgada em 14 de Setembro de 1977, publicitando, como é função do registo predial, a “reversão para o vendedor ou seus herdeiros e pelo preço da venda, se for dado outro destino ao terreno, expresso na escritura” (Factos Provados N.º 21); 20. Esta condição admissível e válida obriga a Recorrida enquanto compradora a destinar o prédio adquirido à construção no lote de terreno da sede social da compradora, sob pena da reversão a favor do vendedor ou dos seus herdeiros; 21. Sendo admissível e válida esta cláusula, o que é necessário, perante o texto do contrato de compra e venda de 14 de Setembro de 1977, e perante a ausência de acordo entre as partes na sua determinação, é que a fixação do prazo para o cumprimento da obrigação assumida pela Recorrida seja “deferida ao Tribunal”, nos termos do disposto no artigo 777º, n.º 2/ do Código Civil; 22. O que se encontra em discussão na presente demanda é a necessidade ou não da fixação judicial de prazo para a Recorrida cumprir a obrigação assumida na escritura pública de compra e venda celebrada em 14 de Setembro de 1977; 23. A resolução ou a reversão do prédio identificado nos presentes autos a favor dos Recorrentes enquanto herdeiros do vendedor V será uma eventual consequência futura do não cumprimento da obrigação pela Recorrida no prazo judicialmente fixado; 24. A douta Sentença recorrida proferida em 20 de Dezembro de 2022 violou o disposto no artigo 777º, nº 2/ do Código Civil e violou o disposto nos artigos 1.026º e 1.027º do Código de Processo Civil. 25. Deste modo, em suma, a douta Sentença recorrida proferida em 20 de Dezembro de 2022 não fez a correcta interpretação dos factos e não fez a correcta aplicação e interpretação da lei adequada; 26. Nos termos e com os fundamentos anteriormente expostos, deverá ser julgado procedente o presente recurso de apelação, revogando-se a douta Sentença proferida em 20 de Dezembro de 2022 e, em consequência, deverá ser julgada provada e procedente a presente acção de fixação judicial de prazo instaurada pelos Recorrentes contra a Recorrida, pelo que deverá ser fixado judicialmente prazo para o cumprimento pela Recorrida da obrigação assumida na escritura pública de compra e venda celebrada em 14 de Setembro de 1977, fazendo assim V. Exas. a mais correcta e adequada aplicação e interpretação do Direito. Como é de Justiça». 1.6. A Requerida apresentou contra-alegações, pronunciando-se pela improcedência da apelação, alinhando as seguintes conclusões: «a. Em momento algum, tanto nas provas documentais, bem como pelas provas testemunhais, restou estabelecido que as partes, aquando da assinatura da escritura pública de compra e venda, estabeleceram qualquer prazo para a edificação da sede da Recorrida, restando apenas comprovado que “o referido lote do terreno destinava-se a nele ser construída a sede social da compradora, não lhe podendo ser dado outro destino e, caso tal condição não se verifique, se dará a reversão a favor dele, vendedor, ou seus herdeiros e pelo preço agora vendido” (factos provados n.º3, vide. d. Sentença recorrida, fls.5); b. Diante de toda a prova documental existente no processo é evidente que a reversão a favor do vendedor ou dos seus herdeiros ocorreria apenas na iminência do comprador (ora Recorrida) ter dado outro destino ao terreno aqui em litígio, como bem afirma os Autores/Recorrentes; c. Ficou comprovado que a Ré/Recorrida cumpriu com o ónus a que se obrigou na escritura de compra e venda que foi o ónus de construir no terreno vendido um muro de vedação, em tijolo, com a altura mínima de dois metros (factos provados n.º 6, vide. d. Sentença recorrida, fls.5); d. Restou comprovado ainda que a Ré/Recorrida colocou junto do portão de entrada para o lote de terreno um painel de azulejos com a indicação do nome da C e colocou uma caixa de correio no muro, junto ao portão existente (factos provados n.º 7, vide. d. Sentença recorrida, fls.5); e. Que há muitos anos a Requerida/Recorrida iniciou a construção de um edifício no lote de terreno, tendo a obra parado com a edificação da estrutura do prédio em tijolo e cimento ao nível do rés-do-chão e do primeiro andar, encontrando-se as respetivas vigas a descoberto (factos provados n.º 8, vide. d. Sentença recorrida, fls.5); f. Que há vários anos que no portão de entrada do lote de terreno se encontra afixado um letreiro com a indicação de obras (factos provados n.º 9, vide. d. Sentença recorrida, fls.5); g. Que a vontade das partes que celebraram o contrato era unicamente o desejo de que o terreno não fosse utilizado para outro fim que não o da construção da sede da Ré (factos provados n.º 12, vide. d. Sentença recorrida, fls.6; h. Que a Requerida/Recorrente é uma associação sem fins lucrativos, fundada em 21 de junho de 1863, com o objetivo de fomentar e incentivar a cultura musical e que até o momento não foi possível angariar os recursos financeiros suficientes para investir na finalização do projeto de construção da sede da R. (factos provados n.º 18 e 19, vide. d. Sentença recorrida, fls.6).; i. Que a Requerida/Recorrida em nenhuma circunstância deu uso diverso ao lote de terreno daquele estabelecido na escritura de compra e venda (factos provados n.º 20, vide. d. Sentença recorrida, fls.6); j. O lote de terreno em causa encontra-se registado a favor da Ré/Recorrida na 2ª Conservatória do Registo Predial de …. pela apresentação n.º …. de 13/12/1977, ali constando o seguinte: «CLÁUSULA: Reversão para o vendedor ou seus herdeiros e pelo preço da venda, se for dado outro destino ao terreno, expresso na escritura.» (factos provados n.º 21, vide. d. Sentença recorrida, fls.6); k. A Requerida/Recorrida não reconhece ter qualquer obrigação para com os Requerentes/Recorrentes no tocante ao estabelecimento de prazo para construção da sua sede (factos provados n.º 22, vide. d. Sentença recorrida, fls.6). Os Autores/Recorrentes entendem que a Ré /Recorrida encontra-se obrigada e vinculada ao cumprimento da condição estabelecida na escritura pública de compra e venda celebrada em 14 de Setembro de 1977 e por isso requereram ao Tribunal “a quo” que seja fixado um prazo não superior a um ano para a Ré/Recorrida cumprir com a obrigação de construção no lote de terreno identificado da sua sede social, requerendo assim a reforma da douta sentença que julgou totalmente improcedente o pedido formulado pelos Autores/Recorrentes. No entanto, diante de todo o exposto a D. Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” em 20 de Dezembro de 2022, salvo o devido e merecido respeito, não merece qualquer reforma, diante de toda a prova documental e prova testemunhal restou provado que a Ré/Recorrida não se obrigou a construir um edifício no lote de terreno, apenas aceitou que a utilização de tal lote tinha como destino exclusivo a construção de um edifício para ali edificar a sua sede». 1.7. Colhidos os vistos, cumpre decidir. II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO Decorre do disposto nos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 do CPC, que as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (cfr., neste sentido, Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pág. 105 a 106). Assim, atendendo às conclusões supra transcritas, a questão essencial a decidir consiste em saber se deverá ser fixado prazo para cumprimento da pretensa obrigação da Requerida de construir um edifício no lote de terreno objecto do contrato de compra e venda de 14.09.1977. III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 3.1. A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: «1. Em 14 de Setembro de 1977, V e J, este em representação da Ré C, celebraram escritura pública de compra e venda pela qual o primeiro vendeu à R., livre de quaisquer ónus ou limitações e com todas as coisas acessórias, pelo preço de 135.000$00, um lote de terreno para construção urbana, com a área de 1.350 m2, localizado na Rua …., freguesia de …., concelho de ….. 2. O lote de terreno para construção urbana vendido por V à C deveria ser desanexado do logradouro do prédio urbano então descrito na Conservatória do Registo Predial de Loures – Primeira Secção sob o número …, registado a favor de V, e que estava inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 1603. 3. Da escritura pública de compra e venda consta o seguinte: «o referido lote de terreno se destina a nele ser construída a sede social da compradora, não lhe podendo ser dado outro destino e, caso tal condição não se verifique, se dará a reversão a favor dele, vendedor, ou seus herdeiros e pelo preço agora vendido». 4. Consta igualmente: «Que a compradora fica, desde já, obrigada a construir no terreno vendido um muro de vedação, em tijolo, com a altura mínima de dois metros e no prazo de trinta dias a contar desta data». 5. Por último, foi feito ainda constar: «Declarou, depois, o segundo contraente, que, para a sua representada, aceita este contrato nos termos exarados.» 6. A Requerida construiu no lote de terreno descrito em 1 um muro de vedação, em tijolo, com a altura mínima de dois metros. 7. A Requerida colocou junto do portão de entrada para o lote de terreno um painel de azulejos com a indicação do nome C e colocou e uma caixa de correio no muro, junto ao portão existente. 8. Há muitos anos, a Requerida iniciou a construção de um edifício no lote de terreno descrito em 1, tendo a obra parado com a edificação da estrutura do prédio em tijolo e cimento ao nível do rés-do-chão e do primeiro andar, encontrando-se as respetivas vigas a descoberto. 9. Há vários anos que no portão de entrada do lote de terreno se encontra afixado um letreiro com a indicação de obras. 10. A Ré C mantém a sua sede na Rua …. 11. É nesta morada que a Ré C realiza as suas atividades e as suas reuniões de Assembleia Geral. 12. A vontade das partes que celebraram o contrato era unicamente o desejo de que o terreno não fosse utilizado para outro fim que não o da construção da sede da R.. 13. Apesar de todas as diligências desencadeadas ao longo dos anos, quer pela mãe dos Autores, quer pelos próprios Autores, a Ré C não procedeu até à data à construção da sua sede social no lote de terreno descrito em 1. 14. O lote de terreno descrito em 1 encontra-se com ervas altas, silvas, entulho e lixo. 15. Em 29.05.2020 e 8.01.2021 a Requerida solicitou à Junta de Freguesia de …. a limpeza do lote terreno descrito em 1. 16. V faleceu em 6 de Fevereiro de 1992, sendo os Autores os seus atuais e únicos herdeiros habilitados, enquanto seus filhos. 17. A mãe dos Autores, M, viúva de V, faleceu em 29 de Julho de 2011. 18. A R. é uma associação sem fins lucrativos, fundada em 21 de junho de 1863, com o objetivo de fomentar e incentivar a cultura musical. 19. Até o momento não foi possível angariar os recursos financeiros suficientes para investir na finalização do projeto de construção da sede da R.. 20. A R. em nenhuma circunstância deu uso diverso ao lote de terreno daquele estabelecido na escritura pública de compra e venda. 21. O lote de terreno referido em 1 encontra-se registado a favor da Requerida na 2ª Conservatória de Registo Predial de … pela apresentação número … do dia 13 de dezembro de 1977, ali constando o seguinte: «CLÁUSULA: Reversão para o vendedor ou seus herdeiros e pelo preço da venda, se for dado outro destino ao terreno, expresso na escritura». 22. A Requerida não reconhece ter qualquer obrigação para com os Requerentes no tocante ao estabelecimento de prazo para construção da sua sede». 3.2. A sentença recorrida considerou não provados os seguintes factos: «A. O preço de 135.000$00 correspondente atualmente à soma de € 673,38, tendo sido um preço meramente simbólico, sem correspondência com o valor patrimonial do lote de terreno. B. O pai dos Autores desencadeou junto da R. diligências para que esta construísse a sua sede social no lote de terreno descrito em 1. C. O lote de terreno descrito em 1 tem animais e constitui um perigo para a saúde pública». IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Pretendem os Requerentes que seja fixado um prazo, não superior a um ano, para que a Requerida cumpra a obrigação de construção da sua sede social no lote de terreno objecto do contrato de compra e venda celebrado em 14.09.1977, sob pena de se dar a reversão a seu favor (enquanto únicos herdeiros do vendedor, entretanto, falecido). De acordo com o disposto no art.º 1026.º do CPC, «Quando incumba ao tribunal a fixação do prazo para o exercício de um direito ou o cumprimento de um dever, o requerente, depois de justificar o pedido de fixação, indica o prazo que repute adequado». Incumbe ao tribunal a fixação do prazo, quando «(…) se tornar necessário o estabelecimento de um prazo, quer pela própria natureza da prestação, quer por virtude das circunstâncias que a determinaram, quer por força dos usos, e as partes não acordarem na sua determinação, a fixação dele é deferida ao tribunal» (art.º 777.º, n.º 2 do CC). Como é consabido, a inexistência de um prazo previamente definido para o cumprimento de uma obrigação não significa que se esteja perante uma obrigação pura (que é aquela que se vence logo que o credor, mediante interpelação, exija o seu cumprimento). Na verdade, existem prestações que, seja pela sua natureza, seja pelas circunstâncias que a determinaram, seja ainda pela força dos usos, não podem ou não devem ser subordinadas ao princípio da imediata exigibilidade das obrigações sem prazo, devendo ser qualificadas como obrigações de prazo natural. Nestas obrigações de prazo natural, não existindo acordo das partes quanto ao seu vencimento, está vedada a fixação unilateral de prazo pelo credor, sendo, por isso, necessário o recurso à intervenção do tribunal para fixação do prazo, através de um processo especial (art.ºs 1026.º e 1027.º do CPC). A acção especial de fixação judicial de prazo tem por finalidade, precisamente, a fixação do prazo para as situações em que, não obstante a falta de estipulação ou disposição legal de prazo para o cumprimento, a prestação não pode ou não deve ser imediatamente exigida atenta a sua natureza, as circunstancias que a determinam, lhe subjazem ou envolvem, ou os usos a que está sujeita (cfr., por exemplo, o acórdão da RC de 22.05.2012, in www.dgsi.pt). Visa-se, através dela, completar uma lacuna da estipulação das partes quanto ao prazo de cumprimento, tornando efectivo o direito a ver estabelecido um prazo para que possa julgar-se vencida a obrigação que foi assumida, indispensável para a determinação da mora. Por outras palavras, o direito que se faz valer através desta acção especial, e que lhe serve de fundamento, é o direito do credor poder exigir ao devedor o cumprimento da obrigação por este assumida. Desta forma, a acção de fixação judicial de prazo tem como pedido a fixação do prazo e como causa de pedir a inexistência do mesmo e a ausência de acordo das partes na fixação do prazo (cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, Coimbra, 7.ª ed., 1999, p. 43, e acórdãos da RC de 01.03.2016, da RL de 24.10.2017 e da RE de 25.01.2018, in www.dgsi.pt). Da natureza deste processo especial (de jurisdição voluntária), bem como das suas características, tramitação e finalidades instrumentais, decorrem um conjunto de corolários, que a jurisprudência maioritária tem afirmado: - o requerente tem que justificar, suficientemente, o seu pedido de fixação do prazo, mas não tem que fazer a prova dos seus fundamentos; - não cabem no seu âmbito indagações sobre a extinção da obrigação cujo prazo de cumprimento se pretende ver fixado; - estão fora do seu campo questões de carácter contencioso, como sejam as da (in)existência, (in)validade ou (in)exigibilidade da obrigação. É que a lei parte do princípio que a obrigação é certa, sendo apenas incerto o prazo de cumprimento. Por isso, ao requerente cabe, apenas, justificar o pedido de fixação de prazo e indicar o lapso de tempo que repute adequado, sem necessidade de fazer a prova dos fundamentos. A questão a decidir é, tão somente, a da fixação judicial do prazo, consubstanciando a causa de pedir a falta de acordo entre o credor e o devedor quanto ao momento em que se vence a obrigação. Não há, assim, lugar neste processo simplificado à discussão de questões de natureza contenciosa, nomeadamente sobre a existência e validade da obrigação ou de uma qualquer condição e sua natureza, que têm que ser, previamente, resolvidas no quadro de uma acção comum. Assim, por exemplo, escreveu-se no acórdão da RC de 01.03.2016, in www.dgsi.pt, que «(…) nesta ação a função jurisdicional apenas incide sobre a fixação – ou não – do prazo para cumprimento de uma obrigação e logo se esgota no preciso momento em que se profere a decisão. Tal finalidade da ação apresenta-se como única. Nela são inadmissíveis indagações sobre questões de cariz contencioso como sejam a (in)existência ou nulidade da obrigação. O que, liminarmente, decorre da inserção sistemática do art.º 1026º e segs. Sendo-lhe, assim, aplicáveis os princípios próprios dos processos de jurisdição voluntária, os quais visam uma tramitação é simples e rápida, como decorre do disposto nos art.ºs 292º e segs e 986º e sgs do CPC. Tramitação esta que, evidentemente, não se compadece e compagina com aquelas indagações, a maior parte das vezes, complexas e morosas. E que, aliás, justifica que o requerente apenas tenha que provar em termos de suficiência - que não exaustivamente - o pedido de fixação do prazo para o cumprimento, o que passa pelo convencimento de que se tem direito ao cumprimento e que o demandado tem a obrigação de cumprir, constituindo a sua recusa ou inação uma ilegalidade ou até um abuso de direito». No caso vertente, está em causa a cláusula do contrato de compra e venda, na qual se estipulou que: «o referido lote de terreno se destina a nele ser construída a sede social da compradora, não lhe podendo ser dado outro destino e, caso tal condição não se verifique, se dará a reversão a favor dele, vendedor, ou seus herdeiros e pelo preço agora vendido». Refira-se que as partes não colocam em causa a validade dessa cláusula (nem seria admissível neste lugar esse tipo de indagações, como se viu). De resto, a jurisprudência tem-se pronunciado no sentido da validade deste tipo de cláusulas, como é disso exemplo o acórdão do STJ de 19.10.2004, in www.dgsi.pt., onde se concluiu que «a cláusula acordada numa escritura de venda de um prédio rústico a um Município, nos termos da qual o terreno se destinava à realização das feiras mensais, e, em caso de afectação do terreno a fim diferente daquele os vendedores teriam direito a voltar à posse do terreno, mediante a devolução do preço, traduz a estipulação de uma condição resolutiva, porquanto as partes, sem dúvida, quiseram que o contrato produzisse, desde logo, os seus efeitos - transmissão da propriedade - sujeitando-se, porém, o comprador a destinar o prédio à instalação das feiras mensais, sob pena de resolução contratual por parte dos vendedores. Tal condição resolutiva é válida por se não mostrar contrária à lei ou à ordem pública, ou ofensiva dos bons costumes, sendo o seu objecto possível, quer física quer legalmente». Os Requerentes consideram que da cláusula referida decorre para a Requerida a obrigação de construir a sua sede social no lote de terreno. Já a Requerida entende que da mesma emerge, apenas, a obrigação de não dar ao terreno outro uso que não o da construção da sede da Requerida, obrigação essa que afirma ter cumprido. A sentença recorrida parece ter acolhido o entendimento da Requerida, ao escrever que: «De acordo com os factos provados, a Requerida obrigou-se a construir no terreno vendido um muro de vedação, em tijolo, com a altura mínima de dois metros e no prazo de trinta dias a contar da data da escritura, o que fez. Quanto ao mais, não podemos concluir que constitui uma obrigação da Requerida. Na realidade, o destino a dar ao lote de terreno vendido não constitui uma obrigação, mas uma condição contratual. Em lado algum do contrato se obrigou a Requerida a construir um edifício, pelo que o pedido destes autos não encontra fundamento no contrato que lhe está na base e que constitui a causa de pedir dos Requerentes. (…) Em suma, no contrato de compra e venda a Requerida não se obrigou a construir um edifício no lote de terreno, apenas aceitou que a utilização de tal lote tinha como destino exclusivo a construção de um edifício para ali erigir a sua sede. Saber se tal cláusula é admissível num contrato de compra e venda ou qual a consequência da falta de construção do edifício não cabe no objeto destes autos. E inexistindo qualquer prestação que caiba à Requerida prestar, o pedido formulado pelos Requerentes não pode proceder». Sucede que, independentemente de se acompanhar ou não este entendimento do tribunal a quo, uma conclusão surge-nos como incontornável: existe evidente controvérsia das partes no que respeita à existência da obrigação relativamente à qual se pretende o estabelecimento de um prazo (a obrigação de construção da sede social). Aliás, a resposta à questão de saber se, através da cláusula em apreço, as partes se limitaram a definir e acordar no destino do lote de terreno ou se estabeleceram, também, uma verdadeira obrigação de construção de um edifício para servir de sede social da Requerida, depende de todo um labor interpretativo do negócio jurídico em causa, à luz do regime consagrado nos arts. 236º a 238.º do CC, que não se compadece com a natureza e características da presente acção especial e que, por isso e como se viu, nos está vedado realizar. E, sendo assim, exigindo a acção especial de fixação do prazo certeza e ausência de controvérsia quanto à existência da obrigação, que não se verifica no caso sub judice, e estando nela vedada essa indagação, teremos que concluir pela improcedência da acção, embora com fundamentação diversa da sentença recorrida (que extraiu a improcedência do argumento segundo o qual “inexistindo qualquer prestação que caiba à Requerida prestar, o pedido formulado pelos Requerentes não pode proceder”). Com efeito, não se justifica, por inútil, a fixação judicial de prazo para o cumprimento de uma obrigação, quando o devedor não reconheça a sua existência e se recuse, por consequência, a cumpri-la. Neste sentido, decidiu já esta Relação, em acórdão de 24.10.2017, que: «1– No processo judicial de fixação de prazo o requerente terá, apenas, de justificar o pedido da fixação, e não já de fazer prova dos seus fundamentos. 2– Atenta a natureza e processamento do processo em causa - de jurisdição voluntária, seguindo a tramitação dos art.ºs 1026º e 1027º, bem como dos art.ºs 986º a 988º, todos do CPC -, exorbita o seu âmbito ou objecto próprio qualquer discussão sobre a existência, validade ou eficácia do direito correspondente, estando, apenas, em causa apreciar e decidir da questão da razoabilidade do prazo. 3– Contestada a existência da obrigação deve a acção ser julgada improcedente». Escreveu-se neste aresto que «não podendo o tribunal, na acção em causa, decidir mais do que a controvérsia sobre a fixação de um prazo de cumprimento de uma obrigação indiscutível, por ambas as partes aceite, outra não podia ter sido a decisão do tribunal recorrido, por não se verificarem os pressupostos legais para a acção de fixação judicial de prazo. Negando a R. a existência da obrigação, recusa-se, consequentemente, a cumpri-la, pelo que é, em todo o caso, também, defensável o entendimento de que não se justifica a fixação judicial de prazo para cumprimento da obrigação, a quem antecipadamente declarou não a cumprir» (cfr., no mesmo sentido, os acórdãos da RL de 06.11.2014, da RC de 01.03.2016 e de 17.03.2020, da RE de 25.01.2018, da RP de 11.04.2019 e de 27.01.2020 e jurisprudência anterior neles citada, todos em www.dgsi.pt). No caso dos autos, a Requerida não reconhece ter qualquer obrigação para com os Requerentes no tocante à construção da sua sede e ao estabelecimento de prazo para tanto (cfr. n.º 22 dos factos provados e posição expressa no articulado de resposta) e recusa cumpri-la. Destarte, a fixação do prazo para o cumprimento da mencionada obrigação não se justifica, nem tem qualquer efeito útil, pelo que, nos termos em que foi pedida e perante a matéria de facto provada, não pode ser concedida. De resto, nunca poderia, nesta acção especial, fixar-se um prazo para cumprimento «sob pena de, caso tal condição não se verifique no prazo judicialmente fixado, se dar a reversão a favor dos Autores enquanto herdeiros do vendedor, pelo preço estabelecido entre as partes vendedor e compradora em 14 de Setembro de 1977», como pedem os Requerentes. Na verdade, tal equivaleria a decidir logo nesta acção - que não é o lugar próprio -, que o não cumprimento da obrigação (de construção da sede) a cargo da Requerida dentro do prazo que viesse a ser fixado, importaria a verificação da condição resolutiva estabelecida no contrato, permitindo aos Requerentes promover, imediatamente, a destruição retroactiva do mesmo, pela via da resolução. Acompanhamos, pois, a sentença recorrida quando refere que «(…) ao pretenderem a fixação de um prazo para a construção do edifício, sob pena de reversão, os Requerentes partem do pressuposto de que o direito à reversão do contrato existe com a mera omissão por parte da Requerida, sem previamente discutirem tal matéria em sede própria, uma ação declarativa. Ao invés, decidiram os Requerentes alcançar uma resolução contratual por via de uma ação que visa apenas fixar um prazo para o cumprimento de uma prestação». Improcede, assim, o recurso. V – DECISÃO Pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar totalmente improcedente a apelação, mantendo-se a sentença recorrida. Custas pelos apelantes. Notifique. Lisboa, 06.07.2023 Rui Manuel Pinheiro de Oliveira Luís Correia de Mendonça Octávio dos Santos Moutinho Diogo |