Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
14779/22.5T8LSB.L1-8
Relator: MARÍLIA DOS REIS LEAL FONTES
Descritores: PRESTAÇÕES CONDOMINIAIS
PRESCRIÇÃO
PRAZO
INTERRUPÇÃO
SUSPENSÃO
LEGISLAÇÃO COVID-19
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I – Sendo, requisito essencial para a ampliação do recurso a que alude o art.º 636, nº 1 do CPC, que a decisão recorrida lhe tenha sido desfavorável num dos fundamentos invocados pelo Réu, não tendo havido qualquer decisão a esse respeito, a ampliação, deduzida não é admissível.
II – Os regimes excepcionais de suspensão dos prazos de prescrição em curso criados pela “legislação Covid-19”, foram estabelecidos pelos seguintes preceitos: art.º 7.º, nºs 3 e 4 da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, vigorando entre o dia 09 de Março de 2020 até ao dia 03 de Junho de 2020, num total de 87 dias (cfr. art.º 5.º da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, e arts. 8.º e 10.º da Lei n.º 16/2000 de 29 de Maio), art.º 6.º-B, nº 3 da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, que, face ao seu art.º 5º, vigorou entre 22 de Janeiro de 2021 e o dia 5 de Abril de 2021, num total de 74 dias (cfr. art.º 4.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, e art.º 7.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril).
III - Ambos os diplomas se aplicam a processos ainda não instaurados, não se encontrando na letra da Lei suporte para o entendimento perfilhado pelo recorrido, segundo o qual, numa segunda fase, a suspensão dos prazos de prescrição, apenas se aplicaria aos processos já pendentes em Tribunal.
IV - Sendo assim, há que somar os dois períodos de suspensão do prazo em questão, obtendo um total de 161 dias, que deverão ser aditados ao termo que ocorreria ordinariamente.
V - Só um infracção objectiva por parte do autor, o impede de beneficiar da interrupção da prescrição prevista no art.º 323, nº 2 do Código Civil, nos cinco dias posteriores à entrada da PI em juízo.
VI - Esse prazo de cinco dias, findo o qual, o prazo prescricional se considera interrompido, conta-se seguido, sendo indiferente que estejamos em período de férias judiciais, Sábados, Domingos ou feriados, pois é um prazo civil, de natureza substantiva ou material. VII - A junção de documentação, volvidos três dias após a entrada da acção, não constitui qualquer infração objectiva, que impeça o autor de beneficiar da interrupção da prescrição prevista no art.º 323, nº 2 do CC, nos cinco dias posteriores à entrada da PI em juízo.
(Sumário elaborado pela relatora, cfr. art.º 663º nº 7 do Código de Processo Civil)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - Relatório
Condomínio Edifício …, sito na Av. …, n.º, Lisboa, representado pela sua administradora, … do Condomínio, Unipessoal Lda., NIPC …, com sede na Av. …, n.º …, Amadora, intentou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra AA, divorciado, advogado, com domicílio profissional na Rua ..., Lisboa.
Peticionou a condenação deste último a pagar-lhe:
- € 19.943,81 (dezanove mil e novecentos e quarenta e três euros e oitenta e um cêntimos) a título de quotas em dívida;
- € 9.971,91 (nove mil novecentos e setenta e um euros e noventa e um cêntimos) a título de penalizações multa prevista no ponto 3 da moção 7, que foi aprovada na Assembleia Geral de 17/12/2004;
- Quantias estas acrescidas dos respetivos juros, desde a citação à taxa legal, até integral e efetivo pagamento.
Em sede de contestação, alegou o réu a prescrição das dívidas peticionadas pela A.
Cumprido o contraditório, alegou a A. que as mesmas apenas se consolidaram com o trânsito em julgado da decisão do julgado de paz de Lisboa no proc. …, não estando prescritos os invocados créditos.
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Em audiência prévia, foi proferido saneador-sentença, que julgou procedente a excepção de prescrição invocada pelo réu e, em consequência, absolveu-o do pedido contra si formulado, considerando prejudicadas as demais excepções suscitadas, sendo este o respectivo teor:
“Da PRESCRIÇÃO
Alega o réu a prescrição das dívidas peticionadas pela A.
Cumprido o contraditório, alega a A. que as mesmas apenas se consolidaram com o trânsito em julgado da decisão do julgado de paz de Lisboa no proc. n.º ….
Cumpre apreciar e decidir.
A A. funda o seu pedido com base em valores devidos e não pagos pelo réu, a título de quotas de condomínio, apurados na acta da assembleia geral de condóminos de 07-02-2014.
As deliberações constantes dessa acta foram impugnadas pelo réu, perante o Julgado de Paz de Lisboa, no proc. n.º …, com fundamento no facto de não lhe terem sido facultadas informações por si solicitadas sobre a gestão do condomínio em momento anterior.
A decisão concluiu pela improcedência da acção, porquanto se apurou que as informações relevantes lhe foram prestadas, assim mantendo aquela assembleia geral e, por conseguinte, as deliberações nela tomadas.
Esta decisão transitou em julgado 09-01-2017.
Ora, nos termos do artigo 310.º, al. g) do CC, a obrigação do condómino de pagar as quotizações mensais do condomínio, assim como as despesas relativas à manutenção e conservação do imóvel, reconduzíveis a quotizações ordinárias (aqui se incluindo as atinentes a contribuições para o Fundo Comum de Reserva), resultantes da aprovação do orçamento anual de receitas/despesas do condomínio, renováveis anualmente, prescrevem no prazo de 5 anos, que se inicia na data em que a prestação pode ser exigida — cfr. n.º 1 do artigo 306.º. do CC.
Assim, as dívidas em causa apuradas em 07-02-2014 podiam ser exigidas ao condómino devedor a partir do trânsito em julgado daquela decisão - 09-01-2017 -, data em que começou a decorrer o prazo prescricional de 5 anos.
A situação pandémica introduziu um regime de excepção que estabeleceu uma suspensão generalizada de prazos, cfr. art.º 7.º, da Lei 1-A/2020, de 19/03, com efeitos a partir de 20-03-2020. A acrescer, a essa suspensão foi atribuído efeito retroactivo, por via do art.º 6.º, n.º 2 da Lei 4-A/2020, de 06/04, à data de 09-03-2020.
Tal suspensão geral de prazos veio cessar a 02-06-2020, pelo art.º 8.º da Lei n.º 16/2020, de 29-05, que revogou aquele art.º 7.º da Lei 1-A/2020, de 19/03.
Conclui-se, desta forma, terem estado suspensos os prazos, por via da referida legislação, de 09-03-2020 a 02-06-2020, i.e., pelo período de 86 dias.
Volvendo ao caso concreto, e nos termos supra expostos, constata-se que o referido direito do autor encontrar-se-ia prescrito, nos termos normais, em 10-01-2022.
Porém, considerando a legislação especial referida, tal prazo só ocorreu decorridos 86 dias da data em que, não fosse esta suspensão generalizada dos prazos, ocorreria a prescrição.
Tendo o autor proposto a acção em 12-06-2022, verifica-se que o prazo prescricional já tinha terminado há cerca de 3 meses, considerando aqueles 86 dias.
Pelo exposto, julgo procedente a excepção de prescrição invocada pelo réu e, em consequência, absolvo o réu do pedido contra si formulado - n.º 3 do art.º 576.º do CPC.
Considerando o sentido da decisão, quedam-se prejudicadas as demais excepções suscitadas.
Custas pelo autor – art.º 527.º, n.º 1, do CPC.
Registe e notifique.”
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Inconformado com tal decisão, veio o autor/apelante dela interpor o presente recurso de apelação, apresentando no final das suas alegações, as seguintes conclusões:
“1) A presente ação, interposta pela recorrente em 12/06/2022, foi julgada improcedente, pois foi julgada procedente a exceção da prescrição invocada pelo réu.
2) A autora funda o seu pedido de pagamento de quotas ordinárias e extraordinárias, por parte do réu, apuradas na ata da assembleia geral de condóminos de 07/02/2014, em sentença judicial que manteve as deliberações tomadas nessa assembleia, que transitou em julgado no dia 09/01/2017.
3) O tribunal a quo na contagem do prazo de 5 anos, para efeitos de prescrição do direito do recorrente, apenas teve em conta, que o prazo esteve suspenso entre 09/03 e 03/06 de 2020, num total de 87 dias.
4) Porém, a sentença recorrida não teve em conta que, por força da aplicação do art.º 6.º-B, n.ºs 3 e 4 da Lei n.º 4-B/2021, de 01/02, ficaram suspensos os prazos de prescrição e caducidade entre 22/01/2021 e 06/04/2021, com a entrada em vigor da Lei n.º 13-B/2021, de 05/04, sendo os prazos de prescrição e caducidade alargados em mais 74 dias.
5) Devido às leis “Covid”, o prazo de prescrição esteve suspenso durante 161 dias (87+74), pelo que o direito da autora de receber as quotizações ordinárias prescreveria normalmente em 09/01/2022.
6) Em consequência do alargamento de 161 dias, o direito da autora só prescreveria no dia 19/06/2022.
7) De acordo com o disposto no artigo 323.º, n.º 2, do Cód. Civil, o prazo de prescrição encontra-se interrompido, decorridos que sejam 5 dias depois de requerida a citação, o que significa que o prazo da prescrição se interrompeu no dia 17/06/2022.
8) Assim não se entendendo e por mera cautela, sempre se dirá que a autora reclama do réu, nos pontos 22.6 e 24.18 da petição inicial, valores relativos a quotizações que respeitam à reparação de elevadores e monta autos, e, bem assim, as respetivas penalizações acessórias, que estão contemplados nas verbas peticionadas sob 1 e 2 e qua tale, atenta a sua natureza extraordinária, sujeitas ao prazo de prescrição de 20 anos (cfr. art.º 311.º do Cód. Civil), contados desde 09/01/2017.
9) Também, os valores reclamados a este título não prescreveram.
10) A douta sentença recorrida infringiu todas as disposições legais enunciadas nestas conclusões.”
Pugna pela procedência do recurso com a consequente revogação da decisão da 1.ª instância e substituição por outra que julgue improcedente a exceção de prescrição, devendo os autos prosseguir os seus termos.
Se assim se não entender, uma vez que os valores relativos às quotizações extraordinárias não se encontram prescritos deverá a ação prosseguir para as apreciar.
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O réu/apelado apresentou contra-alegações, concluindo que:
“- O regime de suspensões de prazos, incluindo os prazos de prescrição, concebido e estatuído na Lei 1-A/2020, 19.03, distingue-se em duas fases, correspondendo a segunda já ao período de mitigação das medidas destinadas a promover o distanciamento social e profiláctico exigidas, excepcionais e temporárias, como resposta à pandemia da doença covid-19.
- No caso sub judice, importará ter presente as regras de interpretação e aplicação da lei à luz do art.º 9º/1 CC (interpretação da lei), com especial enfoque na letra de cada lei e nas discussões travadas na Assembleia da República a quando da aprovação de cada uma das “leis Covid-19”, o pensamento verdadeiro e a vontade real do legislador 13.
- Na primeira fase, no que mais nos importa, os prazos de prescrição foram objecto de uma suspensão absoluta e que vigorou, de 09.03.2020 a 02.06.202014, durante 86 dias.
- Na segunda fase, todos os prazos de suspensão, incluindo os prazos de prescrição, passaram a ser indexados a processos pendentes em juízo, numa clara modalidade de suspensão relativa, implicada de todo em actos pessoais que tivessem de ser praticados presencialmente em juízo e o não pudessem ser.
- Ou seja, actos ou diligências de obrigatoriedade presente e pessoal, especialmente tendo em vista a propositura da presente acção (via Citius), o que não sucedeu (durante esta segunda fase). - Ao caso vertente aplica-se apenas o regime da suspensão absoluta, isto é, o regime que vigorou no âmbito e alcance do art.º 7º/1 e 3 da Lei 1-A/2020, enquanto vigorou tal e qual, porque a presente acção só foi instaurada muito depois da data de 02.06.2020.
- Com efeito, a interrupção do prazo de prescrição que teria de ser tida em conta dependia da propositura da presente acção até à data de 04.04.2022.
- Ora, o A. apresentou a P.I. da presente acção, via Citius, em 12.06.2022 (23:58:24), e, em 15.06.2022 (às 21:19:02 e 21:19:04), entregou seis documentos anexos à P.I. (necessários à plena compreensão da causa de pedir, cfr. art.º 144º/2, 1ª parte, CPC), os quais já dispunha há mais de oito anos – só então (15.06.2022) é que o A. procedeu à comunicação dos elementos essenciais do processo – por conseguinte, excedeu notoriamente o prazo de prescrição – 5 anos + 86 dias – que o art.º 6º da Lei 16/2020, 29.05, lhe assinava.
- A sentença recorrida julgou, e bem, procedente a excepção de prescrição invocada na Contestação do Recorrido.
- O Recorrente/A., aliás, nunca poderia prevalecer-se, ainda que fosse o caso, o que não é, do disposto no art.º 323º/2 CC: a ficção dos cinco dias de citação interruptiva da prescrição tem como pressuposto que o beneficiário [A.] aja com a imprescindível diligência necessária, o que não sucedeu neste caso.
- O R. foi citado, por diligências da Secretaria, em 29.06.2022 (vd. art.º 323º/1 CC), data em que já há muito havia ocorrido a prescrição em causa.
- Por outro lado, não deve ser considerado um prazo diferente dos cinco anos de prescrição das prestações periódicas (art.º 310º/g CC), no caso dos contributos para as despesas extraordinárias de administração dos condomínios.
- É que todas as despesas, sem distinção, da administração de um condomínio devem ir e vão, como no caso concreto foram, às contas anuais, apresentadas nas Assembleias Gerais de Condóminos respectivas: dão origem a uma conta da despesa anual, a repartir e a saldar nesse ano.
- A lei faz vencer esta prestação, segundo a anualidade dos pagamentos dos condóminos, nesta periodicidade normativa com que se nos apresentam no ordenamento (art.ºs 1430º e 1431º CC).
- No caso concreto, ainda por cima, de três em três meses, segundo o que resulta do Regulamento do Condomínio do Edifício …, alegado na P.I. pelo Recorrente/A. (vd. quanto a este ponto o que resulta do art.º 306º/1 CC).”
Conclui, pugnando pela improcedência da Apelação do A.
Deduziu ampliação do recurso, caso a Apelação do A. obtenha procedência, solicitando que o pedido daquele seja julgado improcedente, desde já, com os seguintes argumentos, que sintetizou:
“- Cada uma autonomamente e todas as verbas que, na arquitectura da P.I. integram a causa de pedir e a pretensão do A., correspondem a prestações prescritas, cfr. art.ºs 306º/1 e 310º/g) CC.
- O R. foi citado em 29.06.2022: apenas através da presente acção é que o A. solicitou ao aqui R. o pagamento judicial das alegadas dívidas.
- Verbas aquelas que estão subordinadas às regras da anualidade orçamental e de pagamento correspectivo da repartição das despesas de Administração dos Condomínios horizontais.
- Tal como sublinha, sem qualquer margem para dúvida (vd. art.º 12º/2 CC, segmento final), o art.º 6º/1 do Dec. Lei nº 268/94, de 25.10, redacção dada pela Lei nº 8/2022, de 10.01, em vigor a partir de 10.04.2022.
- Mas foram todas elas levadas e estão, portanto, a ser exigidas em pagamento ao R., a partir de deliberações tomadas em Assembleias Gerais de Condóminos e suas actas (contrárias ao formato prescrito no ante-citado art.º 6º/1 do DL nº 268/94, e, por conseguinte, sem poderem sequer ser tidas como títulos executivos – nº 2 do preceito citado), AGs realizadas, sim, mais de 5 anos depois dos anos a que as respectivas prestações e alegadas dívidas disseram respeito.
- Donde, a acta da AG de 07.02.2014 não é título executivo, incluindo, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1 do art.º 6º do DL nº 268/94, de 25 de Outubro.
- Não obstante os factos, base e foco do pedido terem sido sempre do conhecimento coevo do A..
- E de qualquer modo não pode defender-se sequer (embora o A. nada tenha alegado neste sentido) que ocorreu uma novação válida das obrigações, imputadas ao R., frente ao disposto nos art.ºs 857º e 859º CC.
- Logo, ocorreu, para com o A., a prescrição do direito de propor a presente acção.
- Deve, pois, o Acórdão a proferir declarar esta prescrição, e absolver o R. em conformidade.
- À acção deve ser fixado o valor de € 30.734,64.”
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Respondeu o Autor/Apelante do seguinte modo:
“1) Na presente ação, interposta pelo recorrente em 12/06/2022, foi julgada procedente a exceção da prescrição (de 5 anos) invocada pelo réu.
2) Além da antedita exceção, foram aduzidas outras exceções pelo réu na sua defesa, porém o tribunal recorrido considerou que o conhecimento destas estava prejudicado pela decisão que deu ao litígio.
3) Não há lugar à ampliação do objeto do recurso, a título subsidiário, por parte do réu/recorrido, vencedor da causa; porquanto é pressuposto desta figura processual o decaimento, no todo ou em parte, nos fundamentos da defesa que aduziu, e o réu não decaiu em nenhum deles, pois, o tribunal a quo apenas decidiu não os apreciar.
4) Por não se mostrarem verificados os respetivos pressupostos, não se deve admitir a ampliação do âmbito do recurso de apelação requerida pelo réu na sua resposta à alegação do autor, a que respeitam as conclusões de I a XI, não podendo consequentemente conhecer-se dos respetivos fundamentos (da ampliação).
5) Nas suas alegações e conclusão XII, o réu suscitou o incidente sobre a verificação do valor da causa.
6) Na subjacente ação declarativa de condenação, com processo comum, o autor peticionou a condenação do réu no pagamento de €29.915,72, correspondentes ao somatório de € 19.943,81 e €9.971,91, sendo precisamente este o valor que atribuiu à ação.
7) Por sua vez, o réu indicou um valor substitutivo de €30.734,64.
8) Este valor substitutivo não tem cabimento, posto que nos termos da 1.ª parte do art.º 297.º, n.º 1 do Cód. de Proc. Civil, deverá ser observada a regra geral segundo a qual o valor da causa corresponde à quantia certa em dinheiro peticionada em juízo, a ponto de não ser admitida impugnação nem acordo em contrário, não podendo o tribunal atribuir à causa valor diverso.”
Apela à improcedência da ampliação do objeto do recurso e da alteração do valor da causa, pretendidas pelo Réu/Recorrido.
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Recebidos os autos neste Tribunal, foram colhidos os vistos.
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Questão Prévia:
Quanto à ampliação do recurso requerida pelo Réu/Apelado:
Deduziu o Réu/Apelado, ampliação do recurso, para o caso, da Apelação do A. obter procedência, solicitando que o pedido daquele seja julgado improcedente, referindo que todas as verbas que integram a causa de pedir e a pretensão do A., correspondem a prestações prescritas.
O Autor/Apelante referiu que o réu estava proibido de requerer a ampliação do objeto do recurso interposto pelo Autor, uma vez que, embora tenha aduzido uma pluralidade de exceções na sua defesa, ele não decaiu em nenhuma delas, porquanto não foram apreciadas pelo tribunal a quo.
De acordo com o disposto no art.º 636, nº 1 do CPC, “no caso de pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa, o Tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação”.
Segundo Abrantes Geraldes[1], “pode não ser indiferente para a contraparte (parte vencedora ou parcialmente vencedora) a resposta que o Tribunal “a quo” tenha dado aos fundamentos de facto ou de direito por si invocados (…). Na verdade, se acaso o Tribunal “ad quem” reconhecer razão aos fundamentos invocados no recurso interposto pela parte vencida, pode revelar-se importante para a defesa dos interesses do recorrido que sejam acolhidos, no âmbito do mesmo recurso, os fundamentos que oportunamente esgrimiu e que foram objecto de resposta desfavorável por parte do Tribunal a quo. É esta a função e a utilidade da ampliação do objecto do recurso”.
“(…) A solução legal prevista para situações em que a sucumbência é circunscrita aos fundamentos da acção ou da defesa proporciona à parte vencedora, com total razoabilidade, a possibilidade de suscitar, perante o Tribunal ad quem, a reapreciação de questões cuja resposta tenha sido desfavorável, esconjurando os riscos derivados da adesão do Tribunal de recurso aos fundamentos apresentados pelo recorrente para alcançar a revogação ou a anulação da decisão.
Para o efeito, essa parte tem o ónus de suscitar as questões de facto ou de direito que foram resolvidas a seu desfavor na decisão recorrida (…)”.
Neste sentido já se pronunciou o STJ, em acórdão proferido em 20.01.2022, relatado pelo Sr. Conselheiro Manuel Capelo[2], segundo o qual:
“São fundamentos para a ampliação do recurso:
- A existência da pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa;
- O decaimento do vencedor em parte dos fundamentos;
- O requerimento do vencedor para que o Tribunal conheça dos seus fundamentos;
- O não decaimento do vencedor em qualquer pedido que tenha formulado ou arguição de nulidade que haja atempadamente suscitado.”, concluindo que:
A ampliação do recurso prevista no art.º 636 do CPC remete para a possibilidade do recorrido (parte vencedora ou parcialmente vencedora) prevenir a discussão de fundamentos que tenha invocado e que o Tribunal não tenha julgado favoralmente para a procedência da acção, caso o Tribunal de recurso venha a reconhecer razão aos fundamentos invocados no recurso interposto pela parte vencida”.
Seguindo o já decidido anteriormente, em Acórdão relatado pelo Sr. Conselheiro Gonçalves Rocha, em 07.07.2016[3] , segundo o qual:
Não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação”.
Mais recentemente e, no mesmo sentido, importa ainda recordar o Acórdão relatado pelo Sr. Conselheiro Mário Belo Morgado, em 22.06.2022,[4] no qual foi decidido que:
“A possibilidade de ampliação do objecto do recurso (…) visa permitir ao recorrido a reabertura da discussão sobre determinados pontos (fundamentos) que foram por si invocados na acção (e julgados improcedentes) (…)”.
Nesta senda, entendemos que, pese embora tivessem sido invocadas várias as excepções pela defesa, resulta da decisão sob recurso, que apenas uma (a da prescrição por aplicação da suspensão dos prazos prevista no regime de excepção do art.º 7.º, da Lei 1-A/2020, de 19/03, com efeitos a partir de 20-03-2020, ao qual foi atribuído efeito retroactivo, por via do art.º 6.º, n.º 2 da Lei 4-A/2020, de 06/04, à data de 09-03-2020) foi apreciada e obteve procedência.
Face à decisão recorrida, o Réu – parte vencedora -, não decaiu, porque nenhum outro fundamento da sua defesa foi apreciado sequer.
E sendo, requisito essencial para a ampliação do recurso, que a decisão recorrida lhe tenha sido desfavorável num dos fundamentos invocados pelo Réu, não tendo havido qualquer decisão a esse respeito, a ampliação deduzida não é admissível, o que se decide.
Veio o Réu/Apelado requerer que à acção seja fixado o valor de € 30.734,64.
O Autor/Apelante insurgiu-se contra tal pretensão.
Não sendo a ampliação do recurso admissível, fica prejudicada a apreciação desta questão.
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Objeto do recurso
Admitido o recurso interposto pelo Autor, e remetido o mesmo a este Tribunal, nada obsta ao conhecimento do seu mérito.
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Questões a decidir
São as conclusões formuladas pelo recorrente que delimitam o objeto do recurso, no tocante ao desiderato almejado por aquele, bem como no que concerne às questões de facto e de Direito suscitadas, conforme resulta das disposições conjugadas dos arts. 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC.
Esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art.º 5º n.º 3 do CPC)[5].
Por outro lado, não pode o Tribunal de recurso, conhecer de questões que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas[6].
No presente caso, tendo em conta as conclusões apresentadas, as questões colocadas ao Tribunal de recurso, traduzem-se em saber:
- Qual a natureza das prestações condominiais reclamadas nesta acção (quotizações ordinárias e/ou extraordinárias);
- Se deve ou não, julgar-se verificada a prescrição declarada na decisão recorrida.
  ***
II – FUNDAMENTOS
Fundamentação de facto:
Com interesse para a apreciação do presente recurso, mostram-se assentes os seguintes factos não impugnados:
1 - Em 09.01.2017, transitou em julgado a sentença proferida no processo n.º … do Juízo Local Cível de Lisboa – Juiz … do Tribunal da Comarca de Lisboa, que manteve a decisão proferida no Proc. … do Julgado de Paz de Lisboa que concluiu pela improcedência da acção intentada pelo ora Réu/Apelado e manteve as deliberações tomadas na assembleia geral de condóminos de 07-02-2014.
2 – Nessa assembleia geral de condóminos foi aprovada a acta com o reconhecimento de que o Réu/Apelado devia a título quotizações relacionadas com as despesas do condomínio a quantia total de € 29.915,72.
3 – Do montante total referido em 2, correspondem a despesas relativas à reparação de elevadores e monta autos, as seguintes:
- 1.ª prestação, no valor de 837,50€ por fração e outra prestação no mesmo valor de 837,50 € por fração; tudo no valor global de 1.675,00 euros.
4 - Do montante total referido em 2, a quantia de € 9.971,91, corresponde a penalizações.
5 - Do montante total referido em 2, a quantia de € 18.268,81, corresponde a despesas mensais do condomínio.
6 – O Autor/Apelante propôs a presente acção no Domingo, dia 12.06.2022, sendo que dia 13.06.2022 é feriado municipal em Lisboa.
7 - O réu foi citado para os seus termos em 24.06.2022.
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Fundamentação de Direito
Natureza das prestações condominiais reclamadas nesta acção (quotizações ordinárias e/ou extra-ordinárias):

No caso em apreço, o Autor/Apelante reclama do Réu/Apelado o pagamento das seguintes quantias:
- € 18 268, 81 corresponde a despesas mensais do condomínio;
- € 1.675,00 euros de despesas relativas à reparação de elevadores e monta autos;
- € 9.971,91 euros, corresponde a penalizações.
Conforme já foi decidido neste Tribunal da Relação de Lisboa em 21.03.2024, em acórdão relatado pelo Sr. Desembargador Arlindo Crua[7], “as prestações condominiais relativas às despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do condomínio constam de um orçamento a elaborar e, que se renova, anualmente, sendo depois repartidas entre os condóminos, normalmente em prestações mensais, representando a contrapartida pelo uso, utilização e fruição daquelas partes comuns, têm a natureza de quotizações ordinárias (nestas se incluindo as contribuições destinadas ao Fundo Comum de Reserva).
(…) Sendo o objecto da prestação, especialmente o seu montante, essencialmente determinado em função do respectivo tempo de duração, estamos perante uma prestação duradoura, de execução continuada ou periódica; caso o objecto da prestação seja essencialmente determinado em função do valor do bem objecto de aquisição, servindo o tempo de duração apenas para permitir a liquidação de uma certa prestação no tempo (este, não influi na determinação do objecto prestacional, apenas se relacionando com o modo da sua execução), estamos perante uma prestação instantânea fraccionada.”
Perfilhando este entendimento, as despesas mensais do condomínio, peticionadas no montante de € 18.268,81 correspondem a prestações duradouras representando a contrapartida pelo uso, utilização e fruição daquelas partes comuns, tendo a natureza de quotizações ordinárias.
Mas, as despesas relativas à reparação de elevadores e monta autos e as fixadas a título de penalizações, nos montantes de € 1.675,00 e € 9.971,91, respectivamente, ainda que fraccionadas, foram efectuadas ou fixadas, num concreto momento, as primeiras, tendo como contrapartida a prestação de um serviço, as segundas, um cálculo com fundamento no alegado incumprimento do Réu/Apelado. Têm, por isso, natureza de quotizações extra-ordinárias.
Esta distinção assume particular relevância na análise do caso “sub judice”, na medida em que os prazos de prescrição quotizações ordinárias e extra-ordinárias, não coincidem, como veremos “infra”.
*
Da prescrição:
A prescrição é uma forma de extinção de direitos (e dos correspondentes deveres) em consequência do seu não exercício durante um determinado período de tempo. Encontra-se referida no nº 1 do art.º 298 do CC e regulada, enquanto instituo geral, nos artºs. 300 a 327 do mesmo diploma.
É uma excepção peremptória, cuja verificação determina a absolvição do pedido. Carece de invocação expressa pela parte a quem aproveita (art.º 303 do CC).
Segundo dispõe o art.º 310, al. g) do Código Civil, as prestações periodicamente renováveis prescrevem em cinco anos. São exemplo destas prestações, as quotizações ordinárias “supra” referidas, que se destinam a suportar os custos de manutenção do condomínio e que, no caso, foram peticionadas no montante de € 18.268,81.
Mas, conforme também foi defendido no Acórdão “supra” citado do TRL proferido em 21.03.2024, despesas como as da reparação de elevadores e monta autos e as fixadas a título de penalizações, nos montantes de € 1.675,00 e € 9.971,91, respectivamente, ainda que fraccionadas, são prestações extra-ordinárias, sujeitas ao prazo de prescrição a que alude o art.º 309 do Código Civil – 20 anos.
Considerando que os montantes em causa consideram-se devidos desde 09.01.2017, data em que transitou em julgado a sentença proferida no processo n.º … do Juízo Local Cível de Lisboa – Juiz …, do Tribunal da Comarca de Lisboa, sabendo que a presente acção foi intentada em 12.06.2022 e que o réu foi citado para os seus termos em 24.06.2022, tendo em atenção que a citação judicial, tem como consequência a interrupção da prescrição, nos termos do disposto no art.º 323, nº 1 do CC, não subsistem dúvidas que as prestações extraordinárias identificadas “supra”, não se mostram prescritas, uma vez que decorreram pouco mais de cinco anos entre 12.06.2022 e 24.06.2022.
Resta saber, se o crédito relativo às prestações ordinárias, porque sujeitas a um prazo de cinco anos de prescrição, deverá ser considerado prescrito como defende o Réu/Apelado, em conformidade com o decidido na sentença sob recurso, ou se tal prazo prescricional, porque interrompido, nos moldes descritos pelo Autor/Apelante, não decorreu, antes da citação daquele.
Alegou o recorrente que “a sentença recorrida não teve em conta que, por força da aplicação do art.º 6.º-B, n.ºs 3 e 4 da Lei n.º 4-B/2021, de 01/02, ficaram suspensos os prazos de prescrição e caducidade entre 22/01/2021 e 06/04/2021, com a entrada em vigor da Lei n.º 13-B/2021, de 05/04, sendo os prazos de prescrição e caducidade alargados em mais 74 dias.
Devido às leis “Covid”, o prazo de prescrição esteve suspenso durante 161 dias (87+74), pelo que o direito da autora de receber as quotizações ordinárias prescreveria normalmente em 09/01/2022. Em consequência do alargamento de 161 dias, o direito da autora só prescreveria no dia 19/06/2022. De acordo com o disposto no artigo 323.º, n.º 2, do Cód. Civil, o prazo de prescrição encontra-se interrompido, decorridos que sejam 5 dias depois de requerida a citação, o que significa que o prazo da prescrição se interrompeu no dia 17/06/2022.”
Por contraponto, entende o recorrido que:
“O regime de suspensões de prazos, incluindo os prazos de prescrição, concebido e estatuído na Lei 1-A/2020, 19.03, distingue-se em duas fases, correspondendo a segunda já ao período de mitigação das medidas destinadas a promover o distanciamento social e profiláctico exigidas, excepcionais e temporárias, como resposta à pandemia da doença covid-19.
Na primeira fase, no que mais nos importa, os prazos de prescrição foram objecto de uma suspensão absoluta e que vigorou, de 09.03.2020 a 02.06.202014, durante 86 dias.
Na segunda fase, todos os prazos de suspensão, incluindo os prazos de prescrição, passaram a ser indexados a processos pendentes em juízo, numa clara modalidade de suspensão relativa, implicada de todo em actos pessoais que tivessem de ser praticados presencialmente em juízo e o não pudessem ser.
Ou seja, actos ou diligências de obrigatoriedade presente e pessoal, especialmente tendo em vista a propositura da presente acção (via Citius), o que não sucedeu (durante esta segunda fase). Ao caso vertente aplica-se apenas o regime da suspensão absoluta, isto é, o regime que vigorou no âmbito e alcance do art.º 7º/1 e 3 da Lei 1-A/2020, enquanto vigorou tal e qual, porque a presente acção só foi instaurada muito depois da data de 02.06.2020.
Com efeito, a interrupção do prazo de prescrição que teria de ser tida em conta dependia da propositura da presente acção até à data de 04.04.2022.”
Não encontramos na letra da Lei suporte para o entendimento perfilhado pelo recorrido, segundo o qual, numa segunda fase, a suspensão dos prazos de prescrição, apenas se aplicaria aos processos já pendentes em Tribunal.
Efectivamente, a redação dos preceitos que a seguir transcreveremos, são em tudo idênticas, senão vejamos:
Lei n.º 1-A/2020 de 19 de março
“Artigo 7.º
Prazos e diligências
1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, aos atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos, que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, aplica-se o regime das férias judiciais até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, conforme determinada pela autoridade nacional de saúde pública.
(…)
3 - A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.
4 - O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional.”
Lei n.º 4-B/2021 de 1 de fevereiro
“Artigo 6.º-B
Prazos e diligências
1 - São suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que junto dele funcionem, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
(…)
3 - São igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados no n.º 1.
4 - O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, aos quais acresce o período de tempo em que vigorar a suspensão.”

Conforme resulta do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, relatado pelo Sr. Desembargador José Lúcio, em 09.05.2024, [8]:
“No âmbito da “legislação Covid-19” foram estabelecidos regimes excepcionais de suspensão dos prazos de prescrição em curso.
Inicialmente, essa suspensão foi introduzida pelos n.ºs 3 e 4 do art.º 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, vigorando entre o dia 09 de Março de 2020 até ao dia 03 de Junho de 2020, num total de 87 dias (cfr. art.º 5.º da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, e arts. 8.º e 10.º da Lei n.º 16/2000 de 29 de Maio).
Num segundo momento, no decorrer da evolução da pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2 e doença COVID-19, voltou a vigorar um regime de suspensão dos prazos de prescrição, agora nos termos do n.º 3 do art.º 6.º-B da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, que, visto o seu art.º 5º, vigorou entre 22 de Janeiro de 2021 e o dia 5 de Abril de 2021, num total de 74 dias (cfr. art.º 4.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, e art.º 7.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril).
Somando os dois períodos de suspensão do prazo em questão, temos um total de 161 dias, que deverão ser acrescentados ao termo que ocorreria normalmente a 04.06.2021, para que se complete o aludido prazo, obedecendo a esta legislação excepcional. (…) Tal significa que, como os prazos estiveram suspensos durante um determinado período, quando este período termina os prazos da prescrição são alargados pelo período correspondente àquele em que estiveram suspensos.”
No sentido expresso de que ambos os diplomas se aplicam a processos ainda não instaurados, pronunciou-se o TRP, em 25.01.2024, em acórdão relatado pela Srª. Desembargadora Ana Vieira[9]
“A suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade estabelecidas no âmbito das medidas excepcionais e temporárias de resposta à pandemia da doença COVID-19, aplica-se aos prazos para instaurar acções ou procedimentos que evitem a prescrição e a caducidade.”
Seguindo o entendimento perfilhado nas decisões dos Tribunais superiores que acabámos de citar e, aplicando-o ao caso em análise, assiste razão ao Apelante quando defende a aplicação dos dois diplomas de forma a poder beneficiar de um total de 161 dias de suspensão do prazo de prescrição.
Assim sendo, o direito do Autor de receber as quotizações ordinárias prescreveria normalmente em 09/01/2022, mas por força do alargamento de 161 dias, o direito da autora só prescreveria no dia 19.06.2022.
Resulta da factualidade assente que o Réu apenas foi citado em 24.06.2022, ou seja, 5 dias depois de ter ocorrido a prescrição invocada.
Interessa agora apurar se, por força do disposto no artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil, tal como defende o Apelante, o prazo de prescrição se interrompeu, decorridos que sejam 5 dias depois de requerida a citação, o que significaria que o prazo da prescrição se tem por interrompido no dia 17.06.2022.
Aqui, importa trazer à colação os seguintes dados mencionados pelo Apelado e que constam da factualidade assente:
O Apelante propôs presente acção no dia 12.06.2022, que correspondeu a um Domingo, no dia seguinte (13.06.2022) as secretarias judiciais encontravam-se encerradas por força do feriado anual, municipal e, a petição apenas no dia 15.06.2022 esteve em condições de ser transmitida ao recorrido, pois, foi só nesse dia, o recorrente juntou aos autos documentação essencial às respectivas alegações.
O artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil, dispõe expressamente que a prescrição tem-se por interrompida, se a citação não se fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, mas, apenas se, tal suceder, por causa não imputável ao requerente.
Refere o Apelado que, por causa imputável ao recorrente, só a partir do dia 15.06.2024, a citação podia ser efectuada, pois só aí estava o Tribunal na posse de todos os elementos necessários à efectivação do acto, incluindo os documentos juntos naquele dia. Pelo que, os cinco dias a que alude o preceito citado, segundo aquele defende, deveriam ser contados a partir do 15.06.2024, ou seja, a prescrição ter-se-ía por interrompida apenas no dia 20.06.2024, ou seja, um dia depois do decurso do prazo de prescrição do crédito do Apelante, que ocorreu, precisamente a 19.06.2024.
Veremos se lhe assiste razão.
Realça o acórdão proferido pelo STJ em 29.11.2016, relatado pelo Sr. Conselheiro Garcia Calejo,[10] que:
“É entendimento pacífico na jurisprudência do STJ que a conduta do requerente só não exclui a interrupção da prescrição quando tenha infringido objectivamente a lei em qualquer termo processual até à verificação da citação, sendo que a expressão «causa não imputável ao requerente» usada no art.º 323, nº 2 do Código Civil, deve ser interpretada em termos de causalidade objectiva, só excluindo a interrupção da prescrição quando tenha infringido objectivamente a lei em qualquer termos processual até à verificação da citação”.
E acrescenta, no desenvolvimento deste raciocínio o seguinte:
“O que releva decisivamente na aplicação do dito regime legal é o eventual cometimento pelo autor de uma infracção a regras procedimentais a que estava vinculado e que tenham sido causais da demora na consumação do acto de citação”.
No mesmo sentido, também já se pronunciou o TRC, em 25.05.2018, em acórdão relatado pelo Sr. Desembargador Jorge Loureiro[11], segundo o qual:
“A exclusão da interrupção da prescrição prevista no art.º 323, nº 2 do C.Civil só ocorre nos casos em que o autor tenha infringido objectivamente a lei, em qualquer termo processual, após o requerimento para a citação e até à verificação desta, daí decorrendo o retardamento da citação para lá do prazo de cinco dias previsto nessa norma.
A exclusão do benefício não opera se o retardamento da citação foi determinado por razões ligadas à organização do sistema judicial (férias judiciais), sendo certo que o mesmo sempre se verificaria ainda que não ocorressem os vícios procedimentais apontados ao autor na primeira decisão judicial proferida no processo que, ao invés de ordenar a citação, determinou a sanação daqueles vícios.”
Neste citado acórdão do TRC diz-se ainda o seguinte, que por coincidir com a argumentação do Apelado, interessa realçar:
“No caso em apreço, a decisão recorrida convoca, para efeito de imputar aos autores o retardamento da citação excludente do benefício do art.º 323, nº 2 do CC, a falta de junção de alguns documentos invocados na petição inicial e a falta de procurações outorgadas pelos autores a favor da mandatária subscritora da petição inicial.
Não estão em causa, assim e como era suposto acontecer nos termos e para os efeitos do art.º 323, nº 2 do CC, comportamentos activos ou omissivos do autor posteriores à apresentação da petição e que, por algum modo, tenham retardado a citação.”

Em suma, resulta dos acórdãos citados, que refletem o sentido maioritário da jurisprudência conhecida, com o qual concordamos, o seguinte:
- Só um infracção objectiva por parte do autor, o impede de beneficiar da interrupção da prescrição prevista no art.º 323, nº 2 do Código Civil, nos cinco dias posteriores à entrada da PI em juízo;
 - Esse prazo de cinco dias, findo o qual, o prazo prescricional se considera interrompido, conta-se seguido, sendo indiferente que estejamos em período de férias judiciais, Sábados, Domingos ou feriados, pois é um prazo civil, de natureza substantiva ou material, conforme já foi decidido pelo STJ em 22.09.1992, em acórdão relatado pelo Sr. Conselheiro José Magalhães[12]:
“O prazo de cinco dias que se menciona no artigo 323, nº 2 do Código Civil é um prazo civil – um prazo de natureza substantiva ou material, em que (…) são de incluir os sábados, os domingos, os dias feriados e as férias judiciais - e não um prazo judicial ou processual. Nem, aliás, se compreenderia que, incluindo a lei as citações e as notificações entre os actos judiciais que podem ser praticados nos domingos, em dias feriados e durante as férias (citado art.º 143, nº 1 do CPC – actual 137, nº 2 do CPC) fosse de outra maneira: que no prazo do artigo 323, nº 2 do Código Civil só se pudessem contar os dias úteis (…) visto a citação ser precisamente um dos actos que pode ser praticado em qualquer dia, útil ou não útil.”
- Com a instauração da acção, o Autor exprime claramente a intenção de exercer o seu direito;
- A junção de documentação, volvidos três dias após a entrada da acção, não constitui qualquer infração objectiva, que o impeça de   beneficiar da interrupção da prescrição prevista no art.º 323, nº 2 do CC, nos cinco dias posteriores à entrada da PI em juízo.
Pelo que, também, neste ponto, improcede a alegação do recorrido e, em consequência, declara-se que o crédito do Apelante no que se refere às quotizações ordinárias que se destinam a suportar os custos de manutenção do condomínio, peticionadas no montante de € 18.268,81, não se mostrava prescrito quando o Apelado foi citado.
Não existe, pois, nexo de causalidade/imputação objectiva entre o retardamento da citação para lá de 17.06.2022, por um lado e, qualquer comportamento processualmente reprovável do Autor/Apelante posterior à apresentação da petição, por outro lado.
Caso diferente seria, por exemplo se o Autor tivesse indicado uma morada diversa da do domicílio do réu e a citação do mesmo se frustrasse e o Autor estivesse, sem justificação plausível para o efeito, mais de um, dois meses, sem indicar nova morada.
Conclui-se assim, que no caso em apreço não pode ser afastada a interrupção da prescrição em 17.06.2022, sendo que o prazo prescricional e questão, só findaria a 19.06.2022.
Pelo que, não pode subsistir a decisão recorrida.
*
III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que integram a oitava secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa no sentido de:
- Julgar inadmissível a ampliação, pelo Apelado, do objecto do recurso.
- Julgar improcedente o incidente de verificação do valor da causa suscitado pelo Apelado.
- Julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida e julgando-se improcedente a excepção de prescrição invocada pelo réu, devendo os autos prosseguir os seus termos subsequentes.
Custas da apelação pelo Apelado (art.º 527 nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).
Custas do incidente de ampliação do recurso, pelo Apelado, fixando-se a taxa de justiça uma UC.
Notifique.
*
Lisboa 19/12/2024
Marília dos Reis Leal Fontes
Amélia Puna Loupo
Rui Manuel Pinheiro de Oliveira
_______________________________________________________ [1] In Recursos em Processo Civil, 7ª Ed. Almedina, págs. 145 e 146
[2] Inwww.dgsi.pt
[3] In www.dgsi.pt
[4] In www.dgsi.pt
[5] Neste sentido cfr. GERALDES, Abrantes António, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Edição, Almedina, 2018, págs. 114 a 116.
[6] Neste sentido cfr. GERALDES, Abrantes António, in “Opus Cit.”, 5ª Edição, Almedina, 2018, pág. 116.
[7] In www.dgsi.pt
[8] In www.dgsi.pt
[9] In www.dgsi.pt
[10] In www.dgsi.pt
[11] In www.dgsi.pt
[12] In www.stj.pt