Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MICAELA SOUSA | ||
Descritores: | AUTORIDADE DO CASO JULGADO EFEITOS OPONIBILIDADE A TERCEIRO LESADO PRESSUPOSTOS CONTRATO DE SEGURO ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/07/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I- Para além das situações de oponibilidade do caso julgado que exigem a verificação dos pressupostos referidos nos artigos 580º e 581º do Código de Processo Civil, há que ponderar o efeito reflexo do caso julgado, isto é, a repercussão do caso julgado relativamente a um terceiro titular de uma relação ou posição dependente da definida entre as partes na decisão transitada em julgado, de modo que o efeito vinculativo do decidido se impõe aos tribunais e aos particulares quando esteja em causa um objecto processual em relação conexa com o objecto da anterior decisão. II - A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, abrangendo as questões debatidas no primeiro processo que estejam numa estrita interdependência com a decisão. III – Não sendo celebrado o contrato de seguro individual previsto no n.º 1 do artigo 104º do Estatuto da Ordem dos Advogados, o n.º 3 do referido normativo prescreve a existência obrigatória de um seguro de grupo, com carácter supletivo; trata-se de um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional mínima de grupo celebrado pela Ordem dos Advogados, tomadora do seguro, no qual são segurados e beneficiários todos os advogados inscritos nesta Ordem e que é accionado sempre que o advogado não tenha celebrado o contrato de seguro individual. IV – No seguro de responsabilidade civil a respectiva cobertura pode ser temporalmente delimitada por referência à data da reclamação (claims made basis), independentemente de o facto gerador ter sido praticado antes do início da vigência do contrato e desde que o tomador do seguro ou o segurado não tivesse conhecimento do sinistro à data da celebração do contrato V - Os sinistros anteriores à data da celebração do contrato não estão cobertos quando o tomador do seguro ou o segurado deles tivesse conhecimento nessa data, sem prejuízo de serem válidas as cláusulas que delimitem o período da garantia atendendo à manifestação do dano ou à sua reclamação, independentemente de o facto gerador ter ocorrido anteriormente ao período de vigência do contrato. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I – RELATÓRIO XL INSURANCE COMPANY SE, SUCURSAL EN ESPAÑA, pessoa colectiva estrangeira, com o número de identificação W0065403H, com sede na Plaza de La Lealtad, 4 – 2ª planta, 28014 Madrid, que exerce a actividade seguradora em regime de livre prestação de serviços[1] intentou contra B, residente na Travessa …, Casal da Silveira, Famões, que na qualidade de advogada usou o nome B e a cédula profissional …L, a presente acção declarativa de condenação, com processo comum formulando os seguintes pedidos: a) A condenação da ré no pagamento à autora da quantia de 10.516,50€ (dez mil quinhentos e dezasseis euros e cinquenta cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos desde a data da interpelação e vincendos até integral e efectivo pagamento. Subsidiariamente, b) A condenação da ré no pagamento à autora da quantia de 5.000,00€ (cinco mil euros), acrescida de juros de mora vencidos desde a data de interpelação e vincendos até efectivo e integral pagamento, por conta da franquia contratada no contrato de seguro de grupo de responsabilidade civil profissional. Alega, para tanto, muito em síntese, o seguinte (cf. Ref. Elect. 11492489): => A autora dedica-se à actividade seguradora e celebrou com a Ordem dos Advogados de Portugal um contrato de seguro do ramo responsabilidade civil profissional, titulado pela apólice de seguro n.º ES00013615EO18A, com data de início a 01.01.2018, posteriormente renovado para as anuidades subsequentes de 2019, 2020 e 2021, através do qual assumiu, perante o Tomador de Seguro (Ordem dos Advogados), a cobertura dos riscos inerentes ao exercício da actividade de advocacia desenvolvida pelos seus segurados (advogados com inscrição em vigor), garantindo até ao limite de capital seguro o eventual pagamento de indemnizações “pelos prejuízos patrimoniais e/ou não patrimoniais causados a terceiros, por dolo, erro, omissão ou negligência, cometido pelo segurado ou por pessoal pelo qual ele deva legalmente responder no desempenho da actividade profissional ou no exercício de funções nos Órgãos da Ordem dos Advogados”, com uma franquia contratual, a cargo dos segurados, de 5 000,00 €, por sinistro; => A ré foi advogada, inscrita na Ordem dos Advogados Portugueses desde 07.03.2006, tendo actualmente a sua inscrição inactiva; => No processo n.º 16434/16.6T8LSB (Juízo Local Cível de Lisboa – Juiz 7), a ali autora, AB, pediu a condenação da ré B no pagamento de uma indemnização (por danos patrimoniais e não patrimoniais) decorrentes da responsabilidade civil profissional que lhe imputava, tendo sido proferida decisão em 15-02-2017 que condenou esta no pagamento àquela das quantias de 17.122,40€, acrescida de juros de mora, a título de indemnização por danos patrimoniais e de 2 500,00 €, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora; => Na sequência dessa acção, a referida AB propôs nova acção declarativa de condenação (processo n.º 895/18.1T8AMD) contra a seguradora XL pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de 19 622,40 €, acrescida de juros em que a referida advogada foi condenada, mas que não pagou, pelo que pretendia ser ressarcida pela companhia de seguros, tendo sido proferida sentença que condenou a seguradora, ali ré e aqui autora, no pagamento a AB da quantia de 9.981,60€ e juros de mora; => Na sequência dessa decisão, a autora pagou a AB a quantia de 10.516,50€ a AB; => De acordo com o ponto 7. da apólice de seguro de Responsabilidade Civil profissional dos advogados contratada com a Seguradora XL é a data da primeira reclamação (e não da ocorrência do facto ilícito) que determina qual a apólice indicada para garantir determinado sinistro, atenta, sobremaneira, a sucessão de contratos de seguro no tempo; => Não obstante a retroactividade ilimitada quanto à data de ocorrência dos factos, é necessário que estes ou circunstâncias passíveis de gerar a responsabilização civil do segurado, não sejam conhecidas (pré-conhecidas) deste último, em data anterior à data de início do período seguro; => A exclusão do sinistro da cobertura da apólice, nos termos previstos na alínea a) do artigo 3.º das condições especiais do contrato de seguro não resulta de qualquer relação e/ou incumprimento por parte do segurado do dever de participação do sinistro; => O presente sinistro foi reclamado junto da seguradora em 2018 com a propositura da acção declarativa de condenação n.º 895/18.1T8AMD e a ré teve conhecimento dos factos que potencialmente poderiam vir a gerar a sua responsabilização em 2012, quando notificada para apresentar defesa na participação disciplinar de que foi alvo, ou em 2016, quando citada para a acção de responsabilidade civil profissional que foi proposta contra si por AB; => Pelo que à data de início do período de seguro do contrato já teria conhecimento dos factos, estando o sinistro excluído das coberturas e garantias previstas na apólice, tendo a autora direito de regresso relativamente ao montante pago; => Sempre existiria o dever de restituição do montante pago, sob pena de enriquecimento sem causa, porquanto o sinistro não está garantido ou coberto pelo contrato de seguro, atento o pré-conhecimento da ré; => E ainda que a exclusão prevista no artigo 3º, al. a) das Condições Especiais do Contrato de seguro se referisse “ao incumprimento ou omissão por parte do segurado ou do tomador do seguro dos deveres que para ele decorrem de tal contrato ou da lei”, não sendo oponível a terceiros lesados, é-o ao segurado, no caso, à ré B, o que sempre determina a exclusão da responsabilidade atento o disposto no artigo 101.º, n.º 4 da Lei do Contrato de Seguro; => Se a ré tivesse participado atempadamente o sinistro, na data em que dele teve conhecimento e da possibilidade de gerar responsabilidade civil profissional, nunca o referido sinistro seria (temporalmente) garantido pelas coberturas do contrato de seguro desta seguradora XL, pois que sequer se mostrava contratado, para além do que essa falta de comunicação impediu a resolução do litígio em sede extrajudicial; => Além disso, foi estabelecida uma franquia ao capital seguro, tratando-se de uma parcela da indemnização que ficará exclusivamente a cargo do segurado, pelo que a ré sempre deveria restituir a quantia de 5.000,00€; A ré contestou admitindo parcialmente alguns dos factos alegados e impugnando os demais e acrescentou o seguinte (cf. Ref. Elect. 11635651): § Não comunicou ou participou o sinistro, omissão que, porém, ocorreu sem qualquer dolo ou intuito fraudulento, sendo que suspendeu a sua inscrição na Ordem dos Advogados em 29 de Maio de 2014, desligando-se dessa actividade, para além do que está em causa um seguro de grupo, que não negociou e que é obrigatório e automático; § Só existe direito de regresso se se estiver perante uma conduta dolosa ou fraudulenta, o que não é o caso; § Para além de não ter existido conduta dolosa da parte da ré, não se verificou um dano significativo para a autora, não havendo direito de regresso por parte da seguradora, embora o valor da franquia lhe seja devido. A ré deduziu reconvenção pedindo a condenação da autora/reconvinda no pagamento da quantia de 7.100,00€, correspondente ao montante que pagou à lesada AB, por se tratar de valor que a autora deveria ter suportado, ficando, assim, enriquecida no seu património, devendo efectuar-se a compensação dos créditos, condenando-se a autora/reconvinda no pagamento do excesso, que se cifra em 2.100,00€. A autora apresentou réplica em que pugnou pela improcedência do pedido reconvencional reiterando a falta de cobertura temporal da apólice contratada devido ao pré-conhecimento do sinistro por parte da ré, para além da perda de cobertura por falta de cumprimento dos deveres de participação, sendo certo e evidente o dano que lhe foi causado; mais refere que não foi demandada, nem chamada à acção n.º 16434/16.6T8LSB, em que a demandada foi única ré, pelo que os montantes que pagou, fê-lo motu próprio, sendo que apenas foi condenada no pagamento de 9.981,60€, acrescidos de juros de mora (cf. Ref. Elect. 11788777). Em 9 de Outubro de 2022 foi dispensada a realização de audiência prévia e foi proferido despacho saneador, aferindo-se positivamente todos os pressupostos processuais relevantes (cf. Ref. Elect. 153440659). Realizada a audiência final, em 14 de Março de 2023 foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, com o seguinte dispositivo (cf. Ref. Elect. 155840853): “a) Absolve-se a Ré B do pedido de condenação formulado pela Autora, a título principal; b) Condena-se a Ré B no pagamento à Autora da quantia de €5.000,00 (cinco mil euros), a título da franquia acordada, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos, taxa legal de 4% ao ano, contados desde a data de citação e até integral e efetivo pagamento; c) Absolve-se a Autora XL INSURANCE COMPANY SE, SUCURSAL EN ESPAÑA do pedido reconvencional deduzido pela Ré. Custas a cargo de ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento.” Inconformada com esta sentença, a autora veio interpor o presente recurso, cuja motivação conclui do seguinte modo (cf. Ref. Elect. 13715178): 1. O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida a fls. …… dos autos da acção de processo comum intentada pela A. e agora Recorrente, XL INSURANCE COMPANY SE, Sucursal en España, contra a Ré B, circunscrevendo-se à parte em que absolveu a Ré do pedido principal formulado (cf. ponto a) do dispositivo), pretendendo a Recorrente a condenação da Ré na totalidade do pedido de €10.516,60; 2. Não obstante todos os factos carreados e julgados provados nos autos, e bem assim todo o enquadramento legal e contratual subjacente à referida pretensão ressarcitória da ora Recorrente, concluiu o douto Tribunal a quo pela “… improcedência do pedido principal formulado pela Autora”, entendendo que “… a apólice de seguro contratada entre a Autora e a Ordem dos Advogados é plenamente válida e encontrava-se em vigor à data da reclamação, não existindo nenhum elemento que permita concluir pela falta de cobertura da mesma relativamente à Ré”, entendimento com o qual a Recorrente não se poderá conformar; 3. Considera a Recorrente que se encontram nos autos elementos, de facto e de direito, que impunham uma decisão em sentido diverso, designadamente no que respeita (i) à falta de cobertura subjectiva do contrato de seguro, decorrente da impossibilidade de qualificação da Ré como segurada, nos termos e para os efeitos previstos na apólice n.º ES00013615EO18A; (ii) da verificação da exclusão de pré-conhecimento do sinistro pela segurada/ advogada – nos termos e para os efeitos do disposto na cláusula 3.º, alínea a) das Condições Especiais da apólice ES00013615EO18A, e bem assim nos artigos 42.º e 44.º, n.º 2 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro; e ainda, (iii) da falta de participação de sinistro pela (pretensa) segurada, nos termos previstos nos artigos 8.º e 10.º das condições especiais da apólice ES00013615EO18A, e bem assim nos artigos 100.º e 101.º do RJCS, e dos danos e prejuízos da advenientes para a Recorrente seguradora de tal incumprimento contratual. 4. Entende a ora Recorrente que, ao decidir do modo como decidiu, violou o douto Tribunal a quo as normas legais previstas nos artigos 342.º do Código Civil, 42.º, n.º 2, 44.º, n.º 2, 100.º e 101.º, e 139.º, n.ºs 2 e 3, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, conjugados com as cláusulas contratuais previstas na apólice de seguro em apreço, designadamente os artigos 3.º, alínea a), 8.º e 10.º das Condições Especiais da apólice de seguro ES00013615EO18A, e bem assim no artigo 10.º das Condições Gerais do contrato de seguro. 5. De facto, tendo o douto Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local Cível da Amadora, Juiz 2, nos autos do processo 895/18.1T8AMD, considerado que, não obstante todas as exclusões contratuais ali alegadas, e bem assim todas as limitações de cobertura previstas (tal como a franquia contratual devida de €5.000,00), não poderiam ser oponíveis à ali A., na qualidade de Terceira Lesada, atenta a natureza obrigatória do seguro, sempre deverão tais exclusões, e bem assim as limitações de cobertura contratual ser agora – a contrario – oponíveis à aqui Ré, na qualidade de (pretensa) segurada. 6. A apólice ES00013615EO18A prevê a possibilidade de estender a cobertura dos riscos e/ou garantias aos advogados após suspensão e/ou cancelamento da inscrição, desde que, à data de início do período de cobertura e/ou período de seguro, o advogado em causa assuma a qualidade de segurado, ou seja, de advogado com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados; 7. Assim, caso, à data de 01.01.2018 (data de início do período seguro), a Ré tivesse a inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, passando, entretanto, à uma situação de suspensão e/ou cancelamento da respectiva inscrição (durante o período de vigência da apólice de seguro), poderia a mesma ser considerada segurada inativa, nos termos previstos na apólice de seguro ES00013615EO18A, beneficiando, assim, de todas as coberturas e garantias (não excluídas) de tal contrato de seguro. 8. No entanto, tendo a Ré suspendido voluntariamente a sua inscrição na Ordem dos Advogados Portugueses em 29 de Maio de 2014, nunca mais tendo, desde a referida data, exercido a actividade da advocacia (cf. pontos 10, 11 e 12 dos factos provados), forçoso será concluir que não poderá a Ré ser considerada segurada (ainda que inativa) para efeito de válido e eficaz accionamento das coberturas e garantias previstas na apólice de seguro ES00013615EO18A, não integrando o universo de pessoas seguras/segurados, beneficiários da apólice n.º ES00013615EO18A. 9. Tendo a Recorrente sido condenada a pagar, nos autos do processo 895/18.1T8AMD, o referido montante de € 10.516,50, à Terceira Lesada, AB, no pressuposto de se tratar de um seguro obrigatório e, como tal, inoponível a terceiros qualquer exclusão e/ou limitação de cobertura contratual, sempre deverá ser reconhecido à Recorrente, nos termos previstos na cláusula 10.ª das condições gerais da apólice, o direito ao reembolso da referida quantia peticionada a título principal. 10. Para além disso, labora em manifesto erro o douto Tribunal a quo relativamente à interpretação e aplicação do disposto nos artigos 42.º, n.º 2, 44.º, n.º 2, 100.º e 101.º e 139.º, n.º 2, todos do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (aprovado pelo DL 72/2008 de 16 de Abril); 11. A apólice de seguro de Responsabilidade Civil profissional dos advogados contratada com a ora Recorrente XL, tem a natureza de apólice “claims made”, por oposição às apólices de ocorrência, nos termos previstos no artigo 139.º, n.º 2 do RJCS, o que significa que, a data da primeira reclamação (e não da ocorrência do facto ilícito) é que determina qual a apólice indicada para garantir determinado sinistro, mormente atenta a sucessão de contratos de seguro no tempo. 12. Contudo, este contrato de seguro exige ainda que, para além de reclamados durante a vigência da apólice, os factos ou circunstâncias passíveis de gerar a responsabilização civil do segurado, não sejam conhecidas (pré-conhecidas) deste último, em data anterior à data de início do período seguro. 13. Para efeitos de aplicação da cláusula de delimitação temporal de cobertura prevista na alínea a) do artigo 3.º das Condições Especiais do contrato de seguro em apreço, o facto e/ou circunstância tem que ser reclamado junto da seguradora durante a vigência da apólice (sendo irrelevante se o mesmo ocorreu aquando outro contrato de seguro se encontrava vigente), desde que não fosse razoavelmente conhecido do segurado, à data de início do período seguro, que tal facto poderia gerar responsabilidade civil, o que tem pleno respaldo no artigo 44.º, n.º 2 do RJCS. 14. De facto, este contrato de seguro segue de perto o disposto nos artigos 42.º e 44.º do RJCS (D.L. n.º 72/2008 de 16 de abril), prevendo o citado artigo 44.º, n.º 2 do RJCS que “O segurador não cobre sinistros anteriores à data da celebração do contrato quando o tomador do seguro ou o segurado deles tivesse conhecimento nessa data”; 15. Assim, e tal como, de resto, ocorre para vários outros ramos de seguro, o âmbito (temporal) de cobertura deste seguro se limita aos factos geradores de responsabilidade civil que sejam ainda desconhecidos pelo segurado aquando da entrada em vigor da apólice de seguro/início do período seguro; 16. Razão pela qual, prevendo o contrato de seguro, de facto, a retroatividade ilimitada quanto à data de ocorrência dos factos, encontra-se, contudo, delimitado pela data da tomada de consciência, pelo segurado, da possibilidade/razoabilidade de tais factos poderem conduzir à sua responsabilização civil. 17. Para efeitos de delimitação da cobertura da apólice releva o referido “pré- conhecimento”, que se encontra impropriamente enquadrado nas “exclusões” da apólice, tratando-se, antes, de norma clarificadora da retroatividade ilimitada. 18. Assim, a cláusula prevista no artigo 3.º, alínea a) das condições especiais da apólice ES00013615EO18A, não pode ser reconduzida a um incumprimento de obrigação de participação do sinistro (previsto no artigo 100.º e 101.º da Lei do contrato de seguro), quando o facto consubstanciador da exclusão em causa, é prévio à própria fonte das obrigações assumidas pelas partes, in casu, à própria celebração do contrato de seguro. 19. Na verdade, os artigos 100.º e 101.º do RJCS são atinentes ao incumprimento da obrigação, a cargo do segurado, de participação de sinistro na vigência do contrato de seguro, o que, como se tem por manifesto, não é o caso da delimitação de cobertura temporal decorrente da previsão contida na alínea a) do artigo 3.º das condições das apólices, e bem assim no artigo 44.º, n.º 2 do RJCS, as quais regulam os “sinistros” conhecidos pelo Segurado em data anterior ao início do período seguro, não impondo ao segurado, qualquer ónus de participação do sinistro. 20. Tal ónus de participação do sinistro nunca poderia ser imposto ao segurado considerando que à data em que o mesmo segurado teve conhecimento da possibilidade de determinado facto/circunstância poder gerar responsabilidade sequer esta apólice se encontrava sequer pensada, contratada ou em vigor. 21. A exclusão do sinistro da cobertura da apólice, nos termos previstos na alínea a) do artigo 3.º das condições especiais do contrato de seguro, não resulta de qualquer relação e/ou incumprimento por parte do segurado, de deveres contratualmente estabelecidos, nomeadamente, da participação do sinistro, até porque mesmo que os factos e circunstâncias conhecidos do segurado e que já tivessem ou pudessem vir a gerar reclamação, fossem comunicados à seguradora na data do início do período seguro, os mesmos sempre se encontrariam excluídos da cobertura das apólices, porque pré-conhecidos. 22. Veja-se que, in casu, e tal como resultou provado nos autos, a Ré teve conhecimento da possibilidade/razoabilidade de ser responsabilizada pela sua ex-cliente, AB, ainda durante o ano de 2012 (cf. ponto 20. Dos factos provados); 23. Tendo a Ré, ademais, sido concreta e efectivamente responsabilizada pela referida Terceira Lesada, no ano de 2016, ocasião em que foi citada para contestar o processo judicial 895/18.1T8AMD, contra si instaurado pela referida esse cliente, no Juiz 2 do Juízo Local Cível da Amadora do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – cf. pontos 13 e 21 dos factos provados. 24. De modo que, é por demais evidente que, à data de início do período de seguro da apólice ES00013615EO18A, garantida pela ora Recorrente, a Ré tinha já perfeito e absoluto conhecimento da existência de tal sinistro profissional, tendo optado, tal como, de resto, explicitou ao Tribunal em sede de declarações de parte, por assumir directa e exclusivamente a sua responsabilidade perante a referida ex-Cliente (Terceira Lesada) AB, sem accionar e/ou fazer intervir naqueles autos qualquer eventual entidade seguradora. 25. Assim, nos termos previstos na citada cláusula contratual constante da alínea a) do artigo 3.º das condições especiais da apólice de seguro ES00013615EO18A, e bem assim nos termos previstos nos (igualmente já citados) artigos 42.º, n.º 2 e 44.º, n.º 2 do RJCS, não poderá o aludido sinistro profissional incorrido pela aqui Ré ser considerado abrangido e/ou coberto pelas garantias previstas nessa apólice de seguro. 26. Contudo, tendo resultado provado que a Recorrente XL pagou à Terceira Lesada, AB, o montante de € 10.516,50, sem que a sua apólice cubra o sinistro em apreço, por pré-conhecido pela R. B – cf. ponto 19) dos factos provados, o que decidiu o Tribunal de primeira instância, nos autos do processo 895/18.1T8AMD (na ação proposta por AB), por considerar não se tratar de uma exclusão oponível à Terceira Lesada, caberá agora à ora Recorrente o direito a ser reembolsada pelo referido montante que liquidou, nos termos expressamente previstos na cláusula 10.ª das condições gerais da apólice de seguro ES00013615EO18A - cf. ponto 9) dos factos provados; 27. Ou, no limite, por via do direito de regresso previsto no disposto no artigo 524.º do CC, ou ainda, em última instância, ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa. 28. De facto, não se encontrando o sinistro em apreço garantido ou coberto pelo contrato de seguro celebrado com a ora Recorrente, atento o pré-conhecimento, encontra-se a Ré enriquecida no seu património – porquanto não liquidou a totalidade de um crédito do qual era devedora – à custa do património da Autora/Recorrente – que se viu empobrecido pelo cumprimento de obrigação alheia, o que desde já se alega para os devidos e legais efeitos. 29. Sendo o pressuposto da inaplicabilidade de tal exclusão contratual (constante do artigo 3.º, alínea a. das condições gerais da apólice) a inoponibilidade da mesma ao Terceiro Lesado – considerando que se trata de um seguro de natureza obrigatório – não se poderá considerar a aqui Ré como Terceira no âmbito do contrato de seguro em apreço, sendo a Ré, enquanto segurada (sem prejuízo de tudo quanto se alegou relativamente à falta de cobertura subjectiva da apólice), parte no contrato de seguro sub judice. 30. Razão pela qual, sempre deverá a referida exclusão ser agora oponível à aqui Ré, condenando-se a mesma a reembolsar a Recorrente da totalidade do montante de €10.516,50, pago à Terceira Lesada, AB, em virtude da sua actuação profissional julgada negligente nos autos dos processos 16434/16.6T8LSB e 895/18.1T8AMD. 31. Parece à Recorrente evidente que a douta sentença recorrida confunde os factos e conceitos jurídicos (e as suas consequências), respeitantes ao pré-conhecimento do sinistro pelo segurado (cf. previsto no citado artigo 3.º, alínea a. das condições especiais da apólice de seguro, e bem assim nos já citados artigos 42.º, n.ºs 1 e 2, e 44.º, n.º 2 do RJCS), com os factos e consequências jurídicas emergentes da falta de participação do sinistro pelo segurado, nos termos previstos nos artigos 100.º e 101.º do RJCS. 32. Em consequência de tal imprecisão (ou incorreta configuração jurídica e fundamentação), sustenta o tribunal a quo a inexistência de dolo na conduta da Ré, insuscetível, assim, de conduzir a qualquer direito da A./Recorrente de reaver as quantias indemnizatórias liquidadas à Terceira Lesada, em virtude daquela actuação profissional; 33. Considerando, desse modo, inaplicável as normas legais previstas nos artigos 100.º e 101.º do RJCS, em particular no disposto no artigo 101.º, n.º 4 do referido regime jurídico, por dele fazer depender, conforme previsto no n.º 2 do mesmo artigo, a existência de uma conduta dolosa, da qual possa então emergir a possibilidade de perda de cobertura das garantias contratuais. 34. Ora, confunde, uma vez mais, a douta sentença recorrida a possibilidade de reembolso do segurador das prestações indemnizatórias liquidadas ao terceiro lesado em virtude de sinistros não cobertos (por qualquer circunstância contratual e legalmente prevista, mas inoponível a este terceiro), com a aludida possibilidade de redução da prestação e/ou perda de cobertura (previstas no artigo 101.º, n.ºs 1, 2 e 4 do RJCS), sendo certo que, apenas esta última situação (prevista no artigo 101.º, n.º 2 e 4 do RJCS) ficaria tal possibilidade de reembolso dependente da existência de uma conduta dolosa do segurado. 35. Nos termos previstos nas cláusulas contratuais 8.º e 10.º das condições especiais da apólice de seguro, encontram-se os segurados obrigados a participar de imediato (ou, no limite, no prazo máximo de 8 dias) ao segurador (ainda que por via da Corretora de Seguros e a título meramente cautelar) quaisquer factos que possam, razoavelmente, implicar uma reclamação, constituindo tal dever um requisito essencial e prévio à assunção, pela Seguradora, de qualquer obrigação decorrente da apólice de seguro n.º ES00013615EO18A, por si garantida; 36. Assim, tendo em conta os factos provados nos pontos 20, 21, 22 e 23, e bem assim nos pontos 16, 17 e 19 do acervo dos factos provados, forçoso será concluir que, em decorrência da falta de participação de sinistro pela segurada no prazo contratual e legalmente previsto (cf. cláusulas contratuais supra citadas, previstas nos artigos 8.º e 10.º das condições especiais da apólice ES00013615EO18A, e bem assim nos artigos 100.º e 101.º do RJCS), a A./Recorrente sofreu um dano e/ou prejuízo correspondente ao valor que pagou à Terceira Lesada, AB, no montante total de €10.516,50, Valor que nunca pagaria caso a Ré tivesse cumprido com o seu dever de participação de sinistro, 37. O que, aliás, e contrariamente ao que vem referido na douta sentença recorrida, a A. expressamente alegou em sede de petição inicial (encontrando-se, assim, cumprido o ónus da A./Recorrente, previsto no artigo 342.º do CC), devendo, in limine, passar a constar dos factos julgados provados, os factos constantes dos artigos 53.º a 64.º da petição inicial, os quais sendo [muito embora] instrumentais e/ou complementares dos factos já constantes do acervo de factos provados, resultam inequivocamente demonstrados, não tendo sido, aliás, impugnados pela Ré, o que desde logo se alega e requer para os devidos e legais efeitos. 38. Assim, tendo resultado provado que o contrato de seguro sub judice celebrado com a A./Recorrente XL, apenas iniciou a sua vigência em 01.01.2018, facto que é, aliás, publicamente veiculado pela Ordem dos Advogados, todos os anos – cf. resultou provado no ponto 24) do acervo dos factos provados, inequívoca será a conclusão de que tal dano e/ou prejuízo, correspondente ao montante de €10.516,60, pago pela Recorrente XL à Terceira Lesada, AB, apenas ocorreu em virtude do incumprimento contratual da Ré segurada - qual seja, a falta de participação atempada de sinistro, nos termos previstos nos artigos 8.º e 10.º das condições especiais da apólice ES00013615EO18A, e bem assim nos artigos 100.º e 101.º do RJCS, o que expressamente se alega para os devidos e legais efeitos. 39. Por todas as ordens de razão supra expostas, ao decidir do modo como decidiu, violou o douto Tribunal a quo as normas legais previstas nos artigos 342.º do Código Civil, 42.º, n.º 2, 44.º, n.º 2, 100.º e 101.º, e 139.º, n.ºs 2 e 3, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, conjugados com as cláusulas contratuais previstas na apólice de seguro em apreço, designadamente os artigos 3.º, alínea a), 8.º e 10.º das Condições Especiais da apólice de seguro ES00013615EO18A, e bem assim no artigo 10.º das Condições Gerais do contrato de seguro, existindo uma incorrecta aplicação e/ou interpretação dos aludidos preceitos legais e contratuais, o que se alega para os devidos e legais efeitos. Termina pedindo a revogação da sentença proferida, na parte em que absolveu a ré do pedido principal, devendo ser substituída por outra que a condene no pagamento à autora da quantia de 10.516,60€. A ré/recorrida contra-alegou pugnando pela manutenção da decisão recorrida (cf. Ref. Elect. 13826410). Em 25 de Setembro de 2023, a ora relatora, considerando a possibilidade de se vir a entender que este Tribunal de recurso estava impedido de conhecer a questão atinente ao âmbito subjectivo da cobertura do contrato de seguro, por se verificar autoridade de caso julgado prejudicial, determinou a notificação das partes para, querendo, se pronunciarem sobre tal matéria (cf. Ref. Elect. 20466618). Uma vez notificadas, nenhuma das partes veio aos autos se pronunciar. * II – OBJECTO DO RECURSO Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil[2], é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª Edição Atualizada, pág. 135. Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não podendo o tribunal ad quem pronunciar-se sobre questões novas - cf. António Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 139. Assim, perante as conclusões da alegação da autora/apelante, o objecto do presente recurso consiste na apreciação das seguintes questões: a) A ampliação da matéria de facto provada; b) A viabilidade do conhecimento do âmbito subjectivo da cobertura da apólice/a autoridade de caso julgado; c) A exclusão da cobertura por pré-conhecimento da segurada dos factos que originaram a reclamação; d) O direito ao reembolso das quantias pagas pela seguradora. Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir. * III - FUNDAMENTAÇÃO 3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO A sentença sob recurso considerou como provados os seguintes factos: 1. A Autora é uma entidade que se dedica à actividade seguradora e que, no âmbito da sua actividade, celebrou com a Ordem dos Advogados de Portugal, um contrato de seguro do ramo responsabilidade civil profissional, titulado pela apólice de seguro n.º ES00013615EO18A. 2. O aludido acordo iniciou-se às 00h00 de 01.01.2018, com termo às 00h00 de 01.01.2019 e foi posteriormente renovado para as anuidades subsequentes de 2019, 2020 e 2021. 3. Das condições particulares do aludido acordo consta como Tomador do Seguro, a Ordem dos Advogados, como Segurador, a Autora e como Segurados, entre outros, «Advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados que exerçam a atividade em prática individual ou societária, por dolo, erro, omissão ou negligência profissional; (…) Advogados após suspensão ou cancelamento da inscrição, enquanto estiver em vigor o contrato de seguro». 4. No ponto 7.º das Condições Particulares escreve-se o seguinte: «O segurador assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador durante a vigência das apólices anteriores, desde que participados após a vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão e negligência profissional, coberta pela presente apólice, e mesmo ainda, que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data da entrada em vigor da presente apólice, e sem qualquer limitação de retroatividade.» 5. No ponto 9 das Condições Particulares estabeleceu-se «uma franquia de 5.000,00€ por sinistro, não oponível a terceiros lesados.» 6. Nas condições especiais do referido convénio, ficou estabelecido, sob a cláusula 1.º, com a epígrafe Definições, o seguinte: «(…) 3. Segurado: A pessoa singular ou coletiva no interesse da qual o contrato é celebrado e cuja responsabilidade civil se garante, de acordo com as Condições Particulares da presente apólice. Segurado Ativo: Advogados identificados nas Condições Particulares da Presente Apólice. Segurado Inativo: Cada advogado identificado nas Condições particulares que, sendo titular de Cédula Profissional emitida pela Ordem, se afaste do exercício efetivo da atividade em consequência de suspensão, cancelamento da inscrição ou passagem à reforma sem autorização para advogar. (…)». 7. No artigo 3.º das Condições Especiais, com a epígrafe Exclusões ficou exarado o seguinte: «Ficam expressamente excluídas da cobertura da presente apólice, as reclamações: a) Por qualquer facto ou circunstância já anteriormente conhecido(a) do segurado, à data de início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação: (…)» 8. Na cláusula 9.º das condições gerais, reza que, «O segurador poderá acionar o segurado pelo montante das indemnizações que tenha satisfeito como consequência do exercício de ação direta aos lesados, quando o dano ou prejuízo causado tenha sido devido a procedimento provadamente fraudulento ou ilícito do segurado, sem prejuízo da cobertura de dolo pela presente apólice.» 9. E na cláusula 10.º fez-se constar que, «o segurador poderá igualmente reclamar os danos e prejuízos que lhe tiver causado o segurado ou o tomador do seguro nos casos e situações previstas na apólice e/ou exigir-lhe o reembolso das indemnizações que tiver que satisfazer a terceiros prejudicados por sinistros não cobertos pelo seguro». 10. A Ré foi advogada, portadora da cédula profissional n.º …L, inscrita na Ordem dos Advogados Portugueses desde 07.03.2006. 11. Em 29 de Maio de 2014, a Ré suspendeu voluntariamente a sua inscrição na Ordem dos Advogados. 12. Desde então, a Ré nunca mais exerceu a actividade de advocacia. 13. Sucede que, no âmbito do processo n.º 16434/16.6T8LSB, que correu termos no Juiz 7 do Juízo Local Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, por sentença transitada em julgado em 13.02.2018 foi a Ré condenada a pagar a AB as seguintes quantias: «a) a título de danos patrimoniais 17.122,40€, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento; b) A título de danos morais 2.500,00€ quantia esta acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal, desde a data da presente sentença até efetivo e integral pagamento.» 14. Resulta do relatório da decisão acima transcrita que: «AB veio instaurar acção declarativa de condenação contra B pedindo a condenação da R. a pagar à A., a título de indemnização por danos patrimoniais e morais a quantia de 22.122,40€, acrescida de juros de mora vincendos à taxa legal em vigor e até integral cumprimento. Alega, em síntese, que conferiu poderes à R., e esta aceitou, patrocinar a Autora na acção executiva nº 5418/06.2TBSXL do 3º juízo cível do Tribunal do Seixal. Desde logo informou a Ré que deveria deduzir a Oposição à Execução, impugnando as assinaturas do título de crédito dado à execução (uma vez que tinham sido forjadas pelo ex-marido da Autora), à semelhança do que sucedeu com a Acção Executiva nº 5419/06.0TBSXL. Na Acção Executiva nº 5419/06.0TBSXL, foi inequivocamente provada a falsificação da assinatura da aqui A., o que também o seria na Acção Executiva nº 5418/06.2TBSXL, pois o resultado da perícia foi inequívoco. Ora, a Ré nunca juntou a procuração emitida a seu favor à acção executiva nº 5418/06.2TBSXL, nem apresentou oposição tendo deixado passar todos os prazos legais. A falta de actuação da R. acarretou a procedência desta acção executiva e a realização de penhora no vencimento da A. até ao valor global de 17.081,60€, por uma dívida que a A. nunca se assumiu como responsável. Pretende assim a A. ser indemnizada pelo valor penhorado, pelas despesas que teve de suportar e por danos não patrimoniais.» 15. Da fundamentação de direito, fez-se constar a seguinte conclusão: «No caso concreto, a prova efectuada pela A. é directa e efectiva não havendo sequer que efectuar um juízo de probabilidade, porque as execuções eram idênticas e os títulos de créditos continham assinaturas idênticas, realizadas por outra pessoa – que não a aqui Autora, logo a execução teria de soçobrar. A penhora do vencimento da Autora é assim uma consequência directa da actuação negligente da R.. Temos assim por verificados todos os pressupostos da responsabilidade da Ré e da sua, consequente, obrigação de indemnizar os danos directamente provocados». 16. Na sequência daquele processo judicial, veio AB propor nova acção declarativa de condenação, desta feita, contra a aqui Autora, que correu termos sob o n.º 895/18.1T8AMD, no Juiz 2 do Juízo Local Cível da Amadora do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste. 17. No âmbito deste processo, por sentença transitada em julgado 18.11.2019, a Autora foi condenada a pagar a AB o montante de €9.981,60 e ainda juros de mora vencidos, à taxa legal, sobre aquele montante desde a data da citação até efectivo e integral pagamento. 18. Da fundamentação de direito, fez-se constar o seguinte: «Concluímos, assim, o facto gerador da responsabilidade civil está coberto pelo contrato de seguro profissional de que a ré é seguradora, pelo que a autora tem o direito a exigir também desta, como responsável solidária, o ressarcimento do dano que lhe foi causado pela atuação negligente da advogada. (…) Pelas razões supra enunciadas, o tribunal avaliou o dano causado no património da autora, no montante de 17.081,60 euros. Sobre este montante, vencem-se juros moratórios à taxa legal, desde a data da citação da ré, porquanto só nesta altura a seguradora teve conhecimento do incumprimento do contrato de mandato pela advogada. Além disso, tendo a advogada co-devedora procedido ao pagamento à autora, até o dia 9 de abril de 2019 do montante de 7.100,00 euros, por conta daquela indemnização, deverá este valor ser descontado da prestação da seguradora. Como também devem ser descontados os valores que tiverem sido pagos despois daquela data.» 19. No seguimento da sentença referida em 17., a Autora procedeu ao pagamento da quantia de €10.516,50 a AB. 20. Em 2012, a Ré foi notificada para apresentar defesa, no âmbito do processo disciplinar de que foi alvo, em virtude da conduta que teve e foi objecto dos processos judiciais identificados em 13. e 16.. 21. Em 2016, a Ré foi citada para contestar o processo judicial contra si instaurado e melhor descrito 13). 22. A R. não participou aquela factualidade à Autora ou a qualquer outra seguradora, titular dos seguros de grupo de responsabilidade civil profissional contratados pela Ordem dos Advogados. 23. A Autora só teve conhecimento da factualidade que originou a sua condenação em 17., em 2018, através de reclamação enviada via e-mail, pelo Ilustre Mandatário de AB. 24. A tomadora de seguro (Ordem dos Advogados) disponibiliza publicamente, todos os anos, informação pertinente relativamente aos seguros de grupo contratados, e envia (por e-mail) aos seus associados as apólices de seguro em vigência. 25. A Ré não tomou conhecimento do acordo descrito em 1.. 26. Apesar de interpelada para o efeito, a Ré não liquidou junto da Autora qualquer quantia monetária. 27. Por força da condenação de que foi alvo em 13., a Ré pagou a AB, o montante de €7.100,00. * O Tribunal a quo deu como não provado o seguinte: a) Apenas com a citação no âmbito da acção declarativa descrita em 16) é que a Autora teve conhecimento da factualidade que ali se discutia. * 3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO 3.2.1. Da ampliação da matéria de facto provada A sentença recorrida, em sede de apreciação do pedido principal, apreciou a eventual exclusão do sinistro do âmbito da cobertura da apólice identificada em 1. por aplicação da cláusula constante do Artigo 3º, alínea a) das Condições Especiais de Responsabilidade Civil Profissional, entendendo que tal cláusula tinha de ser conjugada com o interesse público e colectivo deste tipo de apólice e, por isso, a melhor interpretação a conferir-lhe seria integrando-a no domínio do dever de participação do sinistro, remetendo, assim, para a previsão dos art.ºs 100º e 101º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro[3], aprovado pela Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril, pelo que a autora teria de ter demonstrado que a ré actuou dolosamente ao não participar o sinistro e que isso provocou um dano significativo, o que não fez, concluindo pela validade da apólice, pela sua vigência à data da reclamação e pela cobertura do sinistro e consequente improcedência do pedido principal. Em sede de impugnação do assim decidido, a autora/apelante, além de referir que a sentença confunde a possibilidade de reembolso pelo segurador do valor indemnizatório liquidado ao lesado por virtude de sinistro não coberto com a possibilidade de redução da prestação e/ou perda de cobertura previstas no art.º 101º, n.ºs 1, 2 e 4 do RJCS, refuta a afirmação nela vertida de que a autora não alegou factos, nem constam do processo elementos, que permitam aferir da extensão do eventual dano por ela sofrido em que consequência da falta de participação do sinistro pela segurada, sendo que esse ónus lhe incumbia, com vista a afastar a perda da cobertura prevista na apólice, pois que, ao contrário, alegou tais factos, remetendo para o conteúdo dos artigos 53º a 64º da petição inicial, que pretende que passem a constar dos factos julgados provados, ainda que sejam instrumentais e/ou complementares dos já provados e porque não foram impugnados pela ré, pretendendo deles retirar a conclusão que o valor que pagou à lesada AB apenas ocorreu por virtude do incumprimento contratual da ré segurada. Nas suas contra-alegações a ré/recorrida nada disse quanto à pretensão de aditamento dos apontados factos ao elenco factual apurado. Nos termos do art.º 662º, n.º 1 do CPC, a Relação pode/deve corrigir, mesmo a título oficioso, patologias que afectem a decisão da matéria de facto, o que poderá suceder, designadamente, quando o Tribunal recorrido tenha desrespeitado a força plena de certo meio de prova, desatendido uma declaração confessória constante de documento ou resultante do processo ou tenha desconsiderado algum acordo estabelecido entre as partes nos articulados quanto a determinado facto, ou ainda quando tenha sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente. Como refere, António Abrantes Geraldes, op. cit., pp. 333-336: “Em qualquer destes casos, a Relação, limitando-se a aplicar regras vinculativas extraídas do direito probatório material, deve integrar na decisão o facto que a 1ª instância considerou não provado ou retirar dela o facto que ilegitimamente foi considerado provado (sem prejuízo, neste caso, da sua sustentação noutros meios de prova), alteração que nem sequer depende da iniciativa da parte. […] Tal como o tribunal de 1.ª instância, também a Relação tem poderes que tanto podem determinar a assunção de factos segundo regras imperativas de direito probatório, como a desconsideração de factos cuja prova tenha desrespeitado essas mesmas regras.” A apelante, sustentando que a ré os não impugnou e que estão em causa factos susceptíveis de demonstrar o prejuízo que suportou em virtude da falta de participação do sinistro por parte da segurada, pretende que sejam aditados à matéria de facto o que se mostra vertido nos seguintes artigos da petição inicial: “53. A R. B confrontada, em diversos momentos com a possibilidade ou condenação efetiva por atuação ilícita no âmbito profissional, 54. A saber: a. propositura do procedimento disciplinar, b. condenação no âmbito do procedimento disciplinar por parte da OA, c. propositura da ação de responsabilidade civil profissional, d. subsequente sentença condenatória e e. execução posterior 55. Acomodou-se (aquela Ré) com a sua condenação individual, 56. Termos em que, se não quis, pelo menos, conformou-se com a possibilidade de ser única responsável, e nada reportou ou reclamou junto desta ou da seguradora, cuja apólice se encontrava vigente ao tempo, bem sabendo que tal constituía dever seu. 57. A Seguradora Autora só teve conhecimento do sinistro, em 2018, quando foi citada para o processo judicial n.º 895/18.1T8AMD, 58. O que causou prejuízo ou dano significativo. Com efeito, 59. Tivesse a R. B participado atempadamente o sinistro, na data em que teve conhecimento do mesmo e da possibilidade de gerar responsabilidade civil profissional, nunca o referido sinistro seria (temporalmente) garantido pelas coberturas do contrato de seguro desta Seguradora XL 60. Porquanto, à data, sequer havia sido celebrado qualquer contrato de seguro de grupo junto desta Seguradora e Autora, o que apenas ocorreu em 01.01.2018 – cf. DOC. 1. 61. Encontrando-se vigente, ao tempo do conhecimento dos factos, outro contrato de seguro de grupo celebrado com seguradora distinta da Autora, que garantiria o sinistro em apreço. Mas ainda, 62. A falta de comunicação dos factos atinentes a este processo impacta a apreciação do risco, as coberturas oferecidas pela apólice standard, e o valor do prémio, 63. Impossibilitando (também) a Seguradora de, em sede extrajudicial e numa fase inicial do processo, pugnar pela resolução do litígio. 64. Vendo-se a Autora, agora, a braços com um processo judicial proposto contra si e com subsequente condenação no valor de €10.516,60, cujo risco, pese embora antigo e conhecido da Ré, nunca foi participado e, por isso, previsto ou acomodado nos cálculos e análise de risco efetuada.” Na sua contestação, tal como decorre dos respectivos artigos 1º a 3º, a ré admitiu o alegado nos artigos 53º a 56º da petição inicial (ressalvando a imputação subjectiva alegada), ou seja, confirmou que, tendo tomado conhecimento dos factos susceptíveis de implicarem a sua responsabilidade civil profissional nos momentos indicados, não efectuou qualquer participação à seguradora. Sucede que, quer os momentos em que a ré se pôde aperceber da eventualidade da sua responsabilidade, quer a ausência de participação foram dados como provados sob os pontos 13., 20., 21. e 22. da matéria provada, pelo que nenhuma utilidade teria o aditamento do consignado nos artigos 53º a 56º da petição inicial, com a redacção que lhes foi conferida e que a recorrente parece pretender introduzir na decisão, porquanto o seu conteúdo está, na essência, demonstrado. Quanto ao alegado no artigo 57º da petição inicial – a seguradora só teria tido conhecimento do sinistro com a citação para o processo n.º 895/18.1T8AMD -, trata-se de matéria que a ré declarou desconhecer (cf. artigo 5º da contestação) e que foi dada como não provada pelo Tribunal recorrido, não tendo a apelante dirigido qualquer impugnação ao juízo probatório firmado nesse sentido, pelo que, naturalmente, tal facto deve manter-se como não provado. Por sua vez, o vertido no artigo 58º da petição inicial é claramente conclusivo e não deve integrar o elenco factual apurado. Com efeito, nesse artigo a recorrente não identificou, em concreto, qual a dimensão do prejuízo suportado, isto, por um lado; por outro, saber se tal dano é significativo envereda já por uma apreciação jurídica que não compete efectuar em sede de decisão sobre a matéria de facto. Como é sabido, nem sempre é fácil distinguir entre o que é matéria de facto e matéria de direito, sendo, contudo, consensual, na doutrina e na jurisprudência, que, para efeitos processuais, tudo o que respeita ao apuramento de ocorrências da vida real é questão de facto e é questão de direito tudo o que diz respeito à interpretação e aplicação da lei. Assim, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7-05-2009, processo n.º 08S3441[4]: “No âmbito da matéria de facto, processualmente relevante, inserem-se todos os acontecimentos concretos da vida, reais ou hipotéticos, que sirvam de pressuposto às normas legais aplicáveis: os acontecimentos externos (realidades do mundo exterior) e os acontecimentos internos (realidades psíquicas ou emocionais do indivíduo), sendo indiferente que o respectivo conhecimento se atinja directamente pelos sentidos ou se alcance através das regras da experiência (juízos empíricos) […] No mesmo âmbito da matéria de facto, como realidades susceptíveis de averiguação e demonstração, se incluem os juízos qualificativos de fenómenos naturais ou provocados por pessoas, desde que, envolvendo embora uma apreciação segundo as regras da experiência, não decorram da interpretação e aplicação de regras de direito e não contenham, em si, uma valoração jurídica que, de algum modo, represente o sentido da solução final do litígio.” Todavia, actualmente, vem-se defendendo a possibilidade de se afirmarem juízos que densifiquem e concretizem uma realidade de facto[5]. O Professor Miguel Teixeira de Sousa sustenta que a “chamada «proibição dos factos conclusivos» não tem hoje nenhuma justificação no plano da legislação processual civil[6]. No entanto, fá-lo referindo que, tal como os temas de prova “não têm de (e, aliás, nem podem, nem devem) ser enunciados fora de qualquer enquadramento jurídico, também a resposta do tribunal à prova realizada pela parte não tem de ser juridicamente asséptica ou neutra”, dando como exemplo que “sob pena de se cair num inaceitável formalismo, não pode constituir motivo de censura que o tribunal, depois de considerar provados determinados factos que consubstanciam a violação de deveres de cuidado, conclua que está demonstrada a negligência da parte”, o que revela que a afirmação de factos já com certa conotação jurídico-valorativa dependerá, contudo, da prova de factos que a suportem[7]. Além disso, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a realçar que “o julgamento da matéria de facto implica quase sempre que o julgador formule juízos conclusivos, obrigando-o a sintetizar ou a separar os materiais que lhe são apresentados através das provas”, sem deixar, porém, de afirmar que ao julgador da matéria de facto está vedada a formulação de juízos sobre questões de direito, sendo que a infracção a tal proibição implica a consideração de tal tipo de juízos como não escritos. Neste caso, a afirmação simples da existência de um prejuízo, sem qualquer densificação ou concretização quantitativa e mais ainda com a qualificação de “dano significativo” reveste-se de relevo não em termos de apuramento de um facto, enquanto constatação de uma ocorrência real ou hipotética da vida, mas enquanto apreciação jurídica da causa, designadamente para efeitos de eventual aplicação da norma do art.º 101º, n.º 2 do RJCS, o que, como é evidente, não deve ter lugar no âmbito da decisão sobre a matéria de facto. Por tal motivo, a matéria do artigo 58º da petição inicial não poderia integrar o elenco factual dado como provado. Por sua vez, as afirmações vertidas nos artigos 59º e 60º da petição inicial possuem, também elas, natureza conclusiva, representando ilações que competirá ao tribunal retirar em sede de apreciação do mérito da causa e, mais do que isso, que poderão ser extraídas dos factos provados, designadamente do vertido nos pontos 1. a 4. da matéria de facto provada. Relativamente à existência de um outro contrato de seguro de grupo celebrado com seguradora diversa da recorrente, vigente à data do conhecimento do sinistro, alegada no artigo 61º da petição inicial, nenhum elemento documental carreado para os autos o comprova, pelo que não pode ser afirmada a existência de tal seguro, sendo certo que a formalização do contrato em instrumento escrito – apólice de seguro – constitui exigência legal para a comprovação da sua existência – cf. art.º 32º, n.º 2 do RJCS e art.º 364º do Código Civil. Por fim, o alegado nos artigos 62º a 64º da petição inicial reveste ainda cariz conclusivo, pois que a autora se limitou a formular juízos genéricos sobre a inviabilidade de negociação ou tentativa de resolução extrajudicial por via da ausência de participação do sinistro, sem que, porém, tenha ensaiado qualquer tentativa no sentido de identificar o concreto prejuízo que suportou em consequência do incumprimento pela segurada do dever de participação, fazendo-o reconduzir, ao que se depreende, ao valor que foi condenada a pagar no âmbito do processo n.º 895/18.1T8AMD, valor esse que está já demonstrado (cf. pontos 16., 17. e 19.). Atente-se que, para efeitos do disposto no art.º 101º, n.º 2 do RJCS - norma de imperatividade relativa, conforme resulta do art.º 13º, n.º 1 do referido diploma legal -, o requisito adicional, para efeitos de perda da prestação em caso de incumprimento doloso dos deveres fixados no respectivo art.º 100º, de verificação de dano significativo corresponde ao agravamento do dano que poderia ter sido evitado no caso de participação atempada do sinistro[8], sendo que nos artigos mencionados a apelante se limitou a fazer corresponder tal dano ao montante em que foi condenada, o que, como se referiu, resulta já da factualidade apurada. Em conclusão, nenhuma utilidade teria para a apreciação da causa a introdução no enunciado dos factos provados do alegado nos artigos 53º a 64º da petição inicial, pelas razões supra expendidas, pelo que improcede, nessa parte, a pretensão recursória. * 3.2.2. Da inviabilidade do conhecimento da questão atinente ao âmbito subjectivo da cobertura do contrato de seguro celebrado entre a autora e a Ordem dos Advogados A recorrente começa por se insurgir contra o decidido pela 1ª instância a propósito do âmbito subjectivo da apólice de seguro aqui em causa, em que se consignou o seguinte: “Do âmbito subjetivo da apólice de seguro. De acordo com o clausulado nas condições particulares do aludido convénio, são segurados, entre outros, «os advogados com a inscrição em vigor na Ordem dos Advogados que exerçam a atividade em prática individual ou societária, por dolo, erro, omissão ou negligência profissional (…) e advogados após a suspensão ou cancelamento da inscrição enquanto estiver em vigor o contrato de seguro» Por outro lado, nas condições especiais, na cláusula primeira, ponto 3, que segurado é «a pessoa singular ou coletiva no interesse da qual o contrato é celebrado e cuja Responsabilidade Civil se garante, de acordo com as Condições Particulares da presente apólice», sendo que tal categoria divide-se em segurado ativo, como sendo, «advogados identificados nas Condições Particulares da presente apólice» e segurado inativo, como «cada advogado identificado nas Condições Particulares que, sendo titular de Cédula Profissional emitida pela Ordem, se afaste do exercício efetivo da atividade em consequência de suspensão, cancelamento da inscrição ou passagem à reforma sem autorização para advogar» Vertendo ao caso em apreço, resultou provado que a Ré exerceu a profissão de advogada, com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados entre 07.03.2006 e 29.05.2014, tendo, nessa data, suspendido voluntariamente a sua inscrição, não tendo mais praticado qualquer ato típico de advocacia. Por outro lado, igualmente resulta demonstrado que a presente apólice de seguro entrou em vigor em 01.01.2018 tendo sido posteriormente renovado para as anuidades subsequentes de 2019, 2020 e 2021. Coligando tal factualidade, resulta evidente que à data de entrada em vigor do contrato de seguro em crise, a Ré tinha a sua inscrição suspensa na Ordem dos Advogados. Nesse âmbito, e pese embora não o ter alegado expressamente no seu articulado (apenas em sede de alegações) entende a Autora que o contrato apenas tem como segurados os advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados à data da celebração do contrato de seguro, pelo que a Ré não assume tal posição. Desde já se adianta que não se concorda com tal entendimento. Desde logo porque não é o que resulta das condições acordadas entre as partes e que se encontram reduzidas a escrito na respetiva apólice. Com efeito, não só nas condições particulares é feita expressa referência a segurados como sendo não só os advogados que têm a inscrição em vigor, mas também os advogados cuja inscrição está suspensa ou cancelada, Como, nas condições especiais é referido que são igualmente segurados, os advogados que se encontram com a sua inscrição suspensa (segurados inativos), onde se inclui o caso da Ré. Tendo as partes tido o cuidado e a diligência de fazer constar expressamente como segurados (ainda que inativos), todos aqueles com a sua inscrição suspensa, não é possível outra interpretação senão a que foi vontade das partes incluir no grupo de pessoas seguradas pela apólice, os advogados que, apesar de inscritos, não exercem efetivamente a sua profissão, por suspensão, cancelamento ou reforma. Por outro lado, seguindo o entendimento pugnado pela Autora que a presente apólice não se aplica aos advogados que, à data do início do contrato, a sua inscrição não se encontrava em vigor, tal conduziria à exclusão de um conjunto alargado de situações em que a cobertura do seguro é mais necessária, mas que não mereceria a tutela da apólice. Com efeito e conforme infra se aprofundará, o contrato em crise consiste numa apólice “claims made” (“reclamação feita”), isto é, que condiciona o pagamento da indemnização devida a terceiro à data apresentação de reclamação e não à data da ocorrência. Ou seja, a seguradora obriga-se a pagar as indemnizações reclamadas durante o prazo de vigência do contrato, mesmo que digam respeito a factos ocorridos num período anterior ao início do contrato. Ora, tratando-se de uma sucessão de apólices de seguro – como é o caso dos contratos de seguro celebrados pela Ordem dos Advogados – as seguradoras já sabem que, por um lado, asseguram a responsabilidade do pagamento de indemnizações devida a terceiros que possam ter ocorrido em momento anterior ao inicio da sua apólice (desde que reclamadas no dentro do período de cobertura), mas por outro lado, não é da sua responsabilidade o pagamento de indemnizações reclamadas em momento posterior ao período de cobertura, mesmo que o evento danoso tenha ocorrido na vigência do seu contrato. Partindo destas premissas, basta não existir uma coincidência temporal entre a ocorrência do facto danoso e a reclamação efetuada pelo lesado para que, segundo a Autora, o advogado entretanto suspenso não veja a sua posição protegida. Senão atente-se no seguinte. Imagine-se que determinado advogado, com a inscrição em vigor e em plena vigência de uma determinada apólice de seguro de grupo, pratica um conjunto de atos suscetíveis de originarem a sua responsabilidade civil perante um seu cliente e que, posteriormente, mas ainda dentro do período de cobertura da mesma apólice, suspende a sua inscrição. Entretanto, no ano subsequente e já ao abrigo de outra apólice de seguro, o lesado reclama perante a Seguradora. Nesta situação hipotética, mas comum face às regras da normalidade, a posição do advogado não mereceria qualquer tutela, uma vez que, por um lado, a primeira seguradora não seria responsável uma vez que a reclamação foi apresentada após a vigência do seu contrato e, por outro lado, a segunda seguradora afasta a sua responsabilidade pela circunstância de o advogado se encontrar suspenso à data do início da vigência do contrato de seguro. Evidentemente que tal tese não pode colher. Não só porque tal aceção conduziria a um forte desequilíbrio das prestações do contrato, como configura uma interpretação do clausurado contra legem, na medida em que afronta, frontalmente, o disposto no citado artigo 101.º, n.º 3 do Estatuto da Ordem dos Advogados, Com efeito, seguindo o entendimento perfilhado pela Autora, um advogado na situação da Ré, em que atos ilícitos foram praticados com a sua inscrição em vigor, não beneficiaria de qualquer seguro de responsabilidade civil, em violação clara do disposto naquele preceito legal. Ora, sendo o contrato de seguro um negócio jurídico formal e de natureza facultativa, a sua interpretação está sujeita, desde logo, às regras gerais dos negócios jurídicos consagradas nos artigos 236.º e 238.º do Código Civil. Nesse âmbito, à luz do paradigma da teoria da impressão do destinatário (cf. artigo 237.º do Código Civil) vem-se entendendo que, no contrato de seguro, o declaratório corresponde à figura do tomador médio, sem especiais conhecimentos jurídicos ou técnicos, tendo em consideração, em matéria de interpretação do contrato, o sentido que melhor corresponda à sua natureza e objeto, adotando o sentido comum ou ordinário dos termos utilizados na apólice, impondo-se, como regra, o princípio in dubio contra stipulatorem, na medida em que a aplicação do mesmo conduzirá a um maior equilíbrio das prestações. Tratando-se de um contrato de seguro obrigatório, naturalmente que o interesse público na sua imposição é um elemento fulcral na interpretação a dar ao clausurado, não se podendo deixar a posição dos terceiros lesados de tal modo enfraquecida que neutralize a justificação da sua obrigatoriedade. Por conseguinte, atendendo a tudo o que acima se disse, a interpretação que conduz a um maior equilíbrio das prestações é aquela que permite concluir que a Ré está incluída no âmbito subjetivo do contrato de seguro contratado.” Tal como decorre da passagem da sentença transcrita e emerge do conteúdo dos articulados, a questão do âmbito subjectivo da cobertura da apólice não foi suscitada pela autora na sua petição inicial, tendo apenas sido por ela aventada, ao que se depreende, em sede de alegações. Com efeito, transcorrida a petição inicial verifica-se que a pretensão principal da apelante de ver reconhecido o seu direito a obter o reembolso da quantia que despendeu em cumprimento da condenação de que foi alvo no processo referido em 16. e 17. assentou na oponibilidade à ré/apelada da excepção de pré-conhecimento por esta, à data do início do período de seguro, dos factos e circunstâncias susceptíveis de gerar a sua responsabilidade civil, nos termos do artigo 3º, a) das Condições Especiais da apólice, seja como delimitação da cobertura do seguro, seja, como se entendeu na sentença recorrida, enquanto incumprimento ou omissão da segurada dos deveres que para si decorrem do contrato de seguro, designadamente, do dever de participação do sinistro. Isto é, em parte alguma da petição inicial a autora sustentou que a ré não fosse abrangida pelo âmbito subjectivo da cobertura da apólice mencionada em 1.. A apreciação de questão não suscitada pelas partes integra o vício de excesso de pronúncia que, não obstante, não foi arguido pela recorrente, sendo que se tem entendido que tal nulidade[9] não é de conhecimento oficioso, daí que, não sendo arguida, o tribunal de recurso dela não pode conhecer – cf. Rui Pinto, Os meios reclamatórios comuns da decisão civil (artigos 613.º a 617.º CPC), 2019, https://www.linkedin.com[10], cf. pág. 10 – “Estas nulidades não são de conhecimento oficioso, pelo que se não forem arguidas pela parte, sanam-se com o decurso do prazo para a sua arguição, pelo que o tribunal superior não pode conhecer delas.”; cf. acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 4-10-1028, processo n.º 4981/15.1T8VNF-G.L1 e de 17-05-2018, processo n.º 2056/14.0TBGMR-A.G1; do Tribunal da Relação de Coimbra de 19-02-2013, processo n.º 618/12.9TBTNV.C1, onde se refere, porém, que a Relação pode anular oficiosamente a decisão quando o vício impedir a apreciação censória que lhe cabe efectuar; e do Tribunal da Relação de Lisboa de 27-10-2009, processo n.º 3084/08.0YXLSB-A.L1.1. E compreende-se que o não tenha feito. No âmbito da defesa que apresentou no processo n.º 895/18.1T8AMD referido em 16., em que foi demandada pela lesada AB com vista ao pagamento da quantia em que a aqui ré, foi condenada no processo n.º 16434/16.6T8LSB, a recorrente invocou, precisamente, a falta de cobertura subjectiva da apólice n.º ES0001315EO18A, alegando que de acordo com a Cláusula 4ª das Condições Particulares, são considerados “segurados” para efeitos de accionamento do contrato de seguro, entre outros, os advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados que exerçam a advocacia em prática individual ou societária, por dolo, erro, omissão ou negligência profissional (vii.) e os advogados após suspensão ou cancelamento da inscrição, enquanto estiver em vigor o contrato de seguro (xi.), considerando que, de acordo com a interpretação a efectuar desta cláusula, a possibilidade de cobertura dos riscos após a suspensão e/ou cancelamento da inscrição, apenas ocorre desde que à data de início do período de cobertura o advogado em causa assuma a qualidade de advogado, isto é, advogado com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, o que, no caso, não sucedia com a ré B, que tinha inscrição suspensa desde o ano 2014, sendo que a vigência deste contrato se iniciou apenas em 1 de Janeiro de 2018 – cf. documento n.º 5 junto com a petição inicial. Essa questão foi apreciada e decidida no âmbito desse processo, cuja sentença, proferida em 11 de Julho de 2019 e transitada em julgado em 18 de Novembro de 2019, considerou que os segurados são considerados como segurados activos e segurados inactivos, sendo estes os que se afastaram do exercício efectivo da actividade em consequência de suspensão, cancelamento da inscrição ou passagem à reforma sem autorização para advogar, pelo que os advogados inactivos, com a inscrição suspensa, como a ré B, são segurados, para além de considerar que a interpretação mais conforme a um equilíbrio das prestações é a de que o advogado, ainda que suspenso, é segurado por factos praticados durante o contrato de seguro – cf. documento n.º 4 junto com a petição inicial e certidão judicial junta em 5 de Julho de 2022 (cf. Ref. Elect. 12543985). Como se disse, na presente acção esta questão não foi suscitada pela autora, sendo que, por sua vez, na sua contestação, como é natural, a ré tão-pouco sobre ela se pronunciou. Estabelece o art.º 573º, nº 1 do CPC que “toda a defesa deve ser deduzida na contestação, excetuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado”, acrescentando o nº 3 do mesmo preceito que “Depois da contestação só podem ser deduzidas as exceções, incidentes, e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente”. O preceito citado consagra o princípio da concentração da defesa, do qual decorre que o demandado deve deduzir na contestação ou oposição todos os meios de defesa que tenha ao seu alcance, sob pena de preclusão dos mesmos. Não obstante, a lei processual consagra quatro excepções a esse princípio: - os incidentes que devem ser deduzidos em separado; - os meios de defesa supervenientes, ou seja, os fundados em factos que se verifiquem depois de esgotado o prazo para contestar ou deduzir oposição (superveniência objectiva), ou de que o demandado só tenha conhecimento depois de esgotado esse prazo (superveniência subjectiva); - os meios de defesa que a lei expressamente admita após tal momento; - os meios de defesa de que o Tribunal deva conhecer oficiosamente. Como decorrência deste princípio, a doutrina e a jurisprudência têm sublinhado que os recursos não servem para apreciar questões (de direito ou de facto) novas, mas apenas reapreciar questões já debatidas. Mas precisamente porque a lei processual admite a invocação de excepções de conhecimento oficioso após a contestação, a jurisprudência tem admitido que essas questões podem ser suscitadas apenas em sede de recurso – cf. neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-11-2016, processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S2. Tendo em conta que a defesa posterior prevista no n.º 2 do art.º 573º do CPC abrange a defesa oficiosa, isto é, aquela em que se integram todos aqueles meios de defesa de que o tribunal pode conhecer oficiosamente, como sucede com quase todas as excepções dilatórias (cf. art.º 578º do CPC) e com grande parte das excepções peremptórias (cf. art.º 579º), tal significa que pode esta Relação apreciar ex officio a repercussão do caso julgado emergente da decisão proferida no processo n.º 895/18.1T8AMD na apreciação da pretensão deduzida nos presentes autos (cf. art.º 576º, i) do CPC) – cf. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração, 2018, pág. 646. Ora, em face do decidido no âmbito da acção n.º 895/18.1T8AMD relativamente ao âmbito subjectivo da cobertura da apólice não se pode deixar de reconhecer que estava o Tribunal recorrido impedido de emitir nova pronúncia sobre essa questão. O caso julgado, tal como a litispendência, implica a repetição de uma causa sendo que o primeiro se verifica quando a repetição tem lugar depois de a primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário – cf. art.º 580º, n.º 1 do CPC. A excepção do caso julgado tem como objectivo evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior – cf. art.º 580º, n.º 2 do CPC. O art.º 581º do CPC identifica as situações em que existe repetição de uma causa: quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir; há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica; há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico; há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico – cf. art.º 581º, n.ºs 2 a 4 do CPC. Como refere o Professor Alberto dos Reis “[] o caso julgado exerce duas funções: a) uma função positiva; b) uma função negativa. Exerce a primeira quando faz valer a sua força e autoridade; exerce a segunda quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo tribunal”, sendo que em ambas as funções, por princípio, são necessárias as três identidades mencionadas no art.º 581º do CPC - cf. Código de Processo Civil Anotado, volume III, 4ª edição, reimpressão, pág. 93. O art.º 619º, n.º 1 do CPC estabelece que transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º do mesmo diploma legal, de onde decorre que, efectivamente, é sempre necessário que ocorra a tríplice identidade acima mencionada. As sentenças constituem caso julgado nos precisos limites e termos em que julgam – cf. art.º 621º do CPC. É sabido que o caso julgado material forma-se unicamente sobre a decisão relativa ao objecto da acção, mas, em certos casos, deverá abranger ainda as decisões preparatórias. Será pelo teor da decisão que se deverá determinar a extensão objectiva do caso julgado. Por força do caso julgado, é inadmissível nova decisão noutro processo entre as mesmas partes e com o mesmo objecto, seja repetindo-a (proibição de repetição), seja modificando-a (proibição de contradição), desempenhando, assim, o caso julgado a sua função negativa; entre as mesmas partes, com objectos distintos, mas ligados entre si por uma relação de prejudicialidade, a decisão anterior impõe-se enquanto pressuposto material da nova decisão (efeito positivo do caso julgado). A identidade jurídica das partes não tem de coincidir com a identidade física dos sujeitos relevando antes que actuem como titulares da mesma relação substancial – cf. Jacinto Rodrigues Bastos, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 3ª edição Revista e Actualizada, Lisboa 2001, pág. 47. O pedido consiste no efeito jurídico que se pretende obter, isto é, é a enunciação do direito que o autor quer fazer valer em juízo e da providência que requer enquanto tutela desse direito. A causa de pedir consiste, conforme resulta do art.º 581º, n.º 4 do CPC, nos factos concretos da vida a que se virá a reconhecer, ou não, força jurídica bastante e adequada para desencadear os efeitos pretendidos pelo autor, é o facto jurídico concreto em que se baseia a pretensão deduzida em juízo, isto é, o facto ou conjunto de factos concretos articulados pelo autor e dos quais dimanarão o efeito ou efeitos jurídicos que, através do pedido formulado, pretende ver juridicamente reconhecidos. Do vertido no ponto 16. da matéria de facto provada afere-se que no processo n.º 895/18.1T8AMD, cuja decisão já transitou em julgado, foi autora AB, enquanto lesada, sendo ré a seguradora a XL Insurance Company SE, Sucursal en España, aqui autora, baseando-se o pedido na verificação do sinistro já apreciado na acção n.º 16434/16.6T8LSB (em que foi autora a mesma AB e ré, B), sendo que ali se determinou a condenação da seguradora no pagamento de uma indemnização, tendo por pressuposto, naturalmente, a existência do contrato de seguro e a qualidade de segurada da lesante (a aqui ré). A causa de pedir na presente acção baseia-se na condenação de que a seguradora foi alvo naquela acção n.º 895/18.1T8AMD, entendendo a seguradora que tem direito a obter o reembolso da quantia paga por o sinistro não estar abrangido pelo seguro, tendo invocado a exclusão por pré-conhecimento do sinistro por parte da segurada e falta de participação, sendo, assim, diversa aqueloutra apresentada na acção n.º 895/18.1T8AMD, não obstante a seguradora tenha deduzido defesa onde já então deduziu as excepções de falta de cobertura subjectiva da apólice, exclusão por pré-conhecimento do sinistro e falta de participação do sinistro, tendo a primeira sido apreciada e julgada improcedente e as segunda e terceira julgadas inoponíveis à terceira lesada, ali autora. O pedido visado na primeira acção é, naturalmente, distinto do aqui em causa, desde logo porque está em causa um pedido de reembolso do montante pago pela seguradora à lesada. Também não há coincidência entre as partes, posto que apenas a autora/seguradora esteve presente naquela acção, figurando nesta como parte activa. Não se verifica a aludida tríplice identidade de que depende a verificação da excepção de caso julgado que impede a repetição de uma causa. Mas a análise do “caso julgado” pode ser perspectivada através dessa vertente de excepção dilatória com constatação da aludida tríplice identidade ou, ao invés, pela força e autoridade do caso julgado, decorrente de uma anterior decisão que haja sido proferida, designadamente no próprio processo, sobre a matéria em discussão. A este propósito referem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª Edição, pp. 599-600: “A excepção de caso julgado não se confunde com a autoridade de caso julgado; pela exceção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito […]. Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objeto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida […] ou o fundamento da primeira decisão, excepcionalmente abrangido pelo caso julgado […] é também questão prejudicial na segunda acção […]. E acrescentam: “Seja qual for o seu conteúdo, a sentença produz, no processo em que é proferida, o efeito de caso julgado formal, não podendo mais ser modificada (art.º 620). Mas, quando constitui uma decisão de mérito (“decisão sobre a relação material controvertida”), a sentença produz também, fora do processo, o efeito de caso julgado material: a conformação das situações jurídicas substantivas por ela reconhecidas como constituídas impõe-se, com referência à data da sentença, nos planos substantivo e processual […], distinguindo-se, neste, o efeito negativo da inadmissibilidade duma segunda acção (proibição de repetição: excepção de caso julgado) e o efeito positivo da constituição da decisão proferida em pressuposto indiscutível de outras decisões de mérito (proibição de contradição: autoridade de caso julgado).” E sobre a matéria explana-se no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 6-09-2011, processo n.º 816/09.2TBAGD.C1: “Embora os princípios expostos estejam vocacionados para o caso julgado material, não deixam os mesmos de cobrar aplicação – agora circunscritos à força e autoridade do caso julgado – relativamente às decisões que se formam no interior do próprio processo. O mesmo se diga relativamente à problemática dos seus limites objectivos. A este propósito, tem vindo a ser sustentado maioritariamente, na esteira da doutrina defendida por Vaz Serra (R.L.J. 110º/232), que a força do caso julgado não incide apenas sobre a parte decisória propriamente dita, antes se estende à decisão das questões preliminares que foram antecedente lógico, indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado, tudo isto “... em nome da economia processual, do prestígio das instituições judiciárias e da estabilidade e certeza das relações jurídicas [] O alcance e autoridade do caso julgado não se pode, pois, limitar aos estreitos contornos definidos nos art.ºs 497º e seguintes para a excepção do caso julgado, antes se estendendo a situações em que, apesar da ausência formal da identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, o fundamento daquela figura jurídica está notoriamente presente. [] O Acórdão desta Relação de 28.09.2010 distingue deste modo a excepção de caso julgado e a autoridade de caso julgado: “A excepção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova acção, pressupondo a tríplice identidade de sujeitos, objecto e pedido. A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade, prevista no art.º 498º do Código de Processo Civil.” Quanto à amplitude ou abrangência do caso julgado importa ter presente o disposto no art.º 91º do CPC, de onde resulta que, em princípio, a decisão incidental ou que tenha incidido sobre as questões suscitadas pelo réu apenas produz efeitos no processo, a não ser que alguma das partes requeira a sua apreciação com maior amplitude, produzindo então caso julgado material. No entanto, tal norma não resolve as dificuldades e diversos entendimentos que incidem sobre a questão de saber se os fundamentos que constituíram condição necessária e/ou suficiente da decisão estão ou não abarcados pelo caso julgado, sendo que uma concepção restritiva sustenta que a decisão transitada em julgado não produz efeitos externos na parte em que incide sobre questões prejudiciais resolvidas apenas com o escopo de apreciar o pedido deduzido pelo autor, embora se admitam situações em que se justifica a atribuição de efeitos definitivos entre as partes emergentes dos fundamentos da decisão, designadamente quando a contradição entre os fundamentos (da primeira e da segunda decisões) possa levar à inutilização prática de um direito que a primeira decisão haja salvaguardado, à imposição prática de um duplo dever onde apenas um existe ou à rotura da reciprocidade entre o direito e o dever abrangidos pelo sinalagma – cf. neste sentido, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, op. cit., Volume 1º, eª edição, pp. 181-182. Numa perspectiva ampla, o Professor Miguel Teixeira de Sousa refere que “como toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito), o respectivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos. Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independente dos respectivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão” – cf. Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa 1997, pp. 578-579; João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Volume I, pág. 655 - “A circunstância de o fundamento não valer autonomizado da decisão implica que a decisão também não pode valer autonomizada do seu fundamento: a vinculação à decisão é sempre uma vinculação à decisão no contexto do seu fundamento. Isto significa que, sempre que se invoque uma decisão em juízo, o tribunal perante o qual essa decisão é invocada está vinculado não só à decisão, mas também aos fundamentos que constituam antecedentes lógicos e indispensáveis à sua emissão.” Existem, porém, situações em que, afora a previsão do n.º 2 do art.º 91º do CPC, se justifica a atribuição de efeitos definitivos entre as partes emergentes dos fundamentos da decisão, designadamente quando da mesma relação jurídica emergem uma série de direitos. A jurisprudência tem, nuns casos, seguido a tese restritiva e, noutros, faz prevalecer os princípios da certeza e da previsibilidade, considerando resolvidas as questões cuja solução é necessária para chegar à solução consignada na decisão. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa secundam a posição de que o caso julgado não deve abranger o pronunciamento sobre toda e qualquer questão debatida no percurso lógico que conduziu à decisão da acção, mas reconhecem que deve ser reconhecida autoridade do caso julgado, na esfera jurídica dos sujeitos intervenientes, ao julgamento das questões prejudiciais, quando estas se encontrem numa estreita interdependência com a decisão, evitando-se os riscos da incompatibilidade prática das duas decisões – cf. op. cit., pág. 117. Ponto assente, neste caso, porém, é o de que a aqui ré não teve qualquer intervenção na acção n.º 895/18.1T8AMD, em que foi demandada apenas a seguradora (cf. art.º 146º, n.º 1 do RJCS aplicável ao seguro obrigatório de responsabilidade civil). Não é possível extrair efeitos de uma decisão judicial relativamente a um sujeito que não possa considerar-se vinculado nos termos referidos. Assim, “nenhum efeito de caso julgado (ou mesmo de autoridade de caso julgado) pode ser extraído de uma decisão relativamente a sujeitos que não tiveram qualquer intervenção na acção em que foi proferida nem se integram na esfera da identidade subjectiva definida pelo art. 581º, n.º 2.”, não o podendo ser em acção que corra entre sujeitos diversos na perspectiva da sua qualidade jurídica – cf. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe, op. cit., pp. 661, 742 e 743. Contudo, o alcance e a autoridade do caso julgado não se podem confinar aos rígidos contornos prescritos no art. 581º e seguintes do CPC para a excepção de caso julgado, devendo tornar-se extensivos a situações em que, não obstante a ausência formal da identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, o fundamento e a razão de ser daquela figura jurídica estejam notoriamente, presentes, sem que, por regra, se deixe de exigir a identidade das partes no processo. Na definição da identidade das partes há que ter em conta a extensão subjectiva da eficácia da sentença, que abrange, além das partes, os terceiros juridicamente indiferentes; os titulares de situação jurídica concorrente com a que a sentença reconheceu; os titulares de situação jurídica cuja conservação ou constituição dependa do exercício da vontade negocial duma das partes no processo. Nestes casos, ocorre a extensão a terceiros da eficácia da sentença, que são equiparados aos da estrita identidade de partes, para o efeito dos art.ºs 577.º, e) e 581.º do CPC – cf. neste sentido, José Lebre de Freitas, Um polvo chamado autoridade do caso julgado, in Revista da Ordem dos Advogados III-IV 2019, pág. 695[11]. No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-03-2017, processo n.º 1375/06.3TBSTR.E1.S1, após a explanação sobre o alcance da excepção do caso julgado e da autoridade de caso julgado, aborda-se a sua extensão relativamente a terceiros do seguinte modo: “Relativamente à extensão do caso julgado a terceiros, de entre eles, segundo Antunes Varela e outros distinguir-se-ão: i) – os terceiros juridicamente indiferentes, a quem a decisão não produz nenhum prejuízo jurídico, não interferindo com a existência e validade do seu direito, embora podendo afetar a sua consistência prática ou económica, em relação aos quais não poderia deixar de se admitir a eficácia do caso julgado; ii) – os terceiros juridicamente prejudicados, titulares de relações jurídicas independentes e incompatíveis com o caso julgado alheio, em relação aos quais nenhuma razão haverá para serem por ele atingidos; iii) – os terceiros titulares de uma relação ou posição dependente da definida entre as partes por decisão transitada, a quem se tem reconhecido a eficácia reflexa do caso julgado; iv) – os terceiros titulares de relações paralelas à definida pelo caso julgado alheio ou com ela concorrentes, considerando-se, quanto às primeiras, que o caso julgado só se estende às partes e, quanto às segundas que, se a lei não exigir a intervenção de todos os interessados, só lhes aproveita o caso julgado favorável. A ineficácia do caso julgado em relação a terceiros é explicada por Alberto dos Reis nos seguintes moldes: «É perfeitamente compreensível este princípio da ineficácia do caso julgado em relação a terceiros. A sentença contém a formulação da vontade concreta da lei com referência a um caso particular. Como se alcança esta formulação? A sentença é um acto do juiz; mas para a produção desse acto contribui, na mais larga medida, a actividade do autor e do réu. São as partes que põem a questão; são as partes que articulam os factos; são as partes que alegam e discutem; são as partes, em suma, que preparam, mobilizam e fornecem ao juiz os materiais de conhecimento, os vários elementos de que há-de sair a sua convicção, expressa na sentença. Para bem ou para mal, a sentença, se é um acto do juiz, é ao mesmo tempo o produto de intensa e activa colaboração das partes. Por isso a sentença tem, como destinatários naturais, as partes e só as partes. Estender a eficácia da sentença a terceiros, estranhos ao processo, que não intervieram nele, que não foram ouvidos nem convencidos, que não foram colocados em condições de dizer da justiça, de alegar as suas razões, de exercer qualquer espécie de influência na formação da convicção do juiz – é uma violência que pode redundar numa iniquidade.»” Além disso, há que ponderar ainda o efeito reflexo do caso julgado, isto é a repercussão do caso julgado relativamente a um terceiro titular de uma relação ou posição dependente da definida entre as partes na decisão transitada em julgado, de modo que o efeito vinculativo do decidido impõe-se aos tribunais e aos particulares quando esteja em causa um objecto processual em relação conexa com o objecto da anterior decisão (no sentido de que a desconsideração do teor da primeira decisão conduzir a efeitos incompatíveis com esse teor). Referindo que o caso julgado pode ainda ser estendido a terceiros secundum eventum litis, isto é, quando o terceiro tem a faculdade de fazer seus os efeitos da sentença para os opor à parte contrária, sobretudo se os efeitos da decisão lhe são favoráveis (o que sucede na solidariedade passiva, activa e nos casos de indivisibilidade das obrigações – cf. art.ºs 522º. 531º e 538º, n.º 1 do Código Civil), veja-se Margarida Lima Rego, Código Civil Anotado, Volume I, 2ª Edição Revista e Atualizada, Ana Prata (Coord.), pág. 721; admitindo a sua invocação, mesmo quando a lei não o preveja, quando não estejam em causa direitos indisponíveis, cf. Rui Pinto, Excepção e Autoridade de Caso Julgado. Algumas Notas Provisórias, Novembro 2018, pág. 402[12]. Revertendo ao caso concreto, impõe-se reconhecer que a aqui ré não pode ser considerada abrangida pela esfera de identidade de sujeitos que emerge do n.º 2 do art.º 581º do CPC. Contudo, a recorrente intentou a presente acção com base em contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, pretendendo a condenação da ré/segurada na obrigação de reembolso da quantia que teve de despender por virtude da verificação do sinistro abrangido pelo risco segurado no âmbito daquele contrato, ou seja, formulando uma pretensão de reembolso ou de regresso que assenta, necessariamente, no cumprimento da obrigação de suportar a verificação do risco que suportou, o que pressupõe o reconhecimento da existência e validade do contrato de seguro e, mais do que isso, da qualidade de segurada da lesante. Na acção n.º 895/18.1T8AMD, em que a lesada visava obter a condenação da seguradora no pagamento da quantia indemnizatória em que a ré, B, fora condenada no contexto da verificação de prejuízos decorrentes de conduta omissa negligente ocorrida no exercício da sua actividade profissional de advocacia, a sentença proferida deferiu tal pretensão reconhecendo a existência de um contrato de seguro que cobria o risco decorrente da responsabilidade civil profissional, para o que apreciou a integração da lesante, a aqui ré B, no âmbito da cobertura subjectiva da apólice, considerando-a pessoa segurada no contexto desse contrato de seguro. O direito de reembolso da quantia paga que a seguradora vem exercer na presente acção assenta, de igual modo, no contexto do mesmo contrato de seguro cuja abrangência subjectiva por referência à aqui ré, ainda que não tenha sido parte naquela outra acção, foi apreciada, precisamente, enquanto questão suscitada pela seguradora, no sentido de que aquela não deveria ser considerada segurada por não ter inscrição em vigor à data do início de vigência do contrato de seguro. A apreciação dos pressupostos do direito ao reembolso deverá ter lugar, sem prejuízo da autoridade do caso julgado da sentença que foi proferida no aludido processo, incluindo, designadamente, a qualidade da aqui ré – lesante (não demandada naquela outra acção) – como segurada abrangida pela cobertura da apólice identificada no ponto 1. da matéria de facto. Considerando que a autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença (razão de certeza ou segurança jurídica), não se exigindo a tríplice identidade e tendo presente que o alcance da autoridade do caso julgado deve abarcar as questões debatidas no primeiro processo que estejam numa estrita interdependência com a decisão, é de concluir que, nos presentes autos, a consideração da ré enquanto pessoa abrangida pelo contrato de seguro em discussão, integra a definição da situação jurídica relativa à vigência do contrato de seguro e à assunção do risco pela seguradora relativamente à actividade desenvolvida pela ré, que, tendo sido decidida no processo n.º 895/18.1T8AMD, volta a inserir-se no objecto dos presentes autos, devendo aqui ser acatada a decisão anteriormente proferida sobre o ponto, por se impor como autoridade de caso julgado. E é assim porque: a recorrente/seguradora, aqui autora, entidade prejudicada com a decisão, foi demandada no processo n.º 895/18.1T8AMD; interveio nessa acção, onde exerceu a sua defesa suscitando, precisamente, a questão da abrangência subjectiva do contrato de seguro e invocando os mesmos factos relevantes para a apreciação da questão, tal qual decorrem da factualidade aqui apurada; e a qualidade de segurada da aqui ré ficou ali definitivamente aferida. Com efeito, tendo a seguradora tido oportunidade de realizar a sua defesa e tendo-se concluído que era responsável pelo pagamento da indemnização - que já fora arbitrada na primeira acção em que a lesante foi ré -, por força do contrato de seguro e da qualidade de segurada desta última, não é admissível que, em sede de pretensão de reembolso da quantia paga, pagamento que teve por base, precisamente, aquele contrato de seguro, possa discutir novamente a qualidade de segurada da lesante; além disso, por sua vez, a aqui ré, não tendo sido demandada ou interveniente no processo n.º 895/18.1T8AMD, fora já vencida no confronto com a lesada, por decisão transitada em julgado, sendo condenada na mesma obrigação de indemnização, a que acresce o facto de a decisão proferida naquele processo a beneficiar ao reconhecer-lhe a qualidade de segurada, o que implica que a sua ausência naquele processo não afecta o princípio do contraditório (veja-se, para a oponibilidade do caso julgado pelo co-devedor, o disposto no art.º 522º do Código Civil, válido para situações de seguros obrigatórios de responsabilidade civil, em que há solidariedade passiva na obrigação de indemnizar o lesado). Aferida, assim, uma relação prejudicial e de dependência entre as duas acções, impõe-se reconhecer a autoridade de caso julgado da primeira decisão definidora da qualidade de segurada da aqui ré, enquanto pressuposto da decisão de mérito que nesta se impõe proferir. Por estas razões, fazendo valer o decidido na acção n.º 895/18.1T8AMD quanto à cobertura subjectiva do contrato de seguro, tem-se por resolvido que a ré tem a qualidade de segurada por referência à apólice referida em 1.. * 3.2.3. Da exclusão da cobertura por pré-conhecimento da segurada dos factos que originaram a reclamação A autora veio demandar a ré sustentando que, face ao estatuído no Artigo 3º, a) das Condições Especiais de Responsabilidade Civil Profissional aplicáveis ao contrato de seguro em referência nos autos, o sinistro que justificou a sua condenação no pagamento da indemnização, tal como sucedeu na acção n.º 895/18.1T8AMD, está excluído das coberturas e garantias previstas na apólice em referência por à data do início do período do seguro – 1 de Janeiro de 2018 -, a ré, segurada, já ter conhecimento dos factos que poderiam vir a gerar a sua responsabilização. A 1ª instância entendeu, contudo, que a previsão da aludida cláusula deve ser interpretada tendo em conta o fim prosseguido com a celebração do contrato e o seu efeito útil, isto é, garantir a satisfação dos lesados pelos prejuízos causados pela actuação, dolosa, em erro, omissão ou negligência do segurado no exercício da sua profissão, de modo que, embora reconhecendo que as partes podem, na sua autonomia, limitar o âmbito temporal do contrato através de cláusulas de exclusão, não o podem fazer com uma amplitude tal que alterem o modelo legal fixado, criando um vazio de cobertura no campo de acuação do seguro obrigatório de responsabilidade civil profissional, concluindo que a apontada cláusula transformaria a apólice de reclamação em apólice de ocorrência levando a que os factos geradores da reclamação ocorressem igualmente na vigência do período de cobertura, pois que a protecção do advogado ficaria dependente do momento em que o lesado apresenta a reclamação. A autora/apelante insurge-se contra o assim decidido argumentando o seguinte: . Ficou provado que, pelo menos desde 2012, data em que foi notificada para apresentar a sua defesa no âmbito do procedimento disciplinar, a ré tem conhecimento da factualidade que poderia gerar uma reclamação, pelo que tinha conhecimento desses factos à data do início da vigência do contrato de seguro; . A apólice de seguro contratada tem a natureza de claims made, mas para além de os factos passíveis de gerar responsabilidade deverem ser reclamados durante a vigência do contrato de seguro é necessário que não sejam conhecidos do segurado em data anterior à data do início do período seguro, em conformidade com a alínea a) do Artigo 3º das Condições Especiais, pelo que a apólice apenas cobre os factos geradores de responsabilidade civil que sejam desconhecidos do segurado aquando do início do período seguro, o que clarifica a retroactividade ilimitada fixada na delimitação temporal do seguro; . O pré-conhecimento dessas circunstâncias nada tem que ver com um incumprimento de obrigação de participação do sinistro, pois que se trata de facto que consubstancia a exclusão da causa e é prévio à constituição das obrigações assumidas pelas partes com a celebração do contrato de seguro; . À data do conhecimento dos factos nem existia obrigação para a ré de participar o sinistro, pois que a apólice ainda nem estava em vigor e ainda que fossem comunicados sempre estariam excluídos da cobertura, porque pré-conhecidos; . A seguradora tem direito ao reembolso da quantia paga, nos termos expressamente previstos no Artigo 10º das Condições Gerais da apólice e de acordo com o disposto no art.º 524º do Código Civil. Está em causa uma acção em que a autora, seguradora, pretende obter o reembolso da quantia que pagou na sequência da decisão condenatória proferida na acção n.º 895/18.1T8AMD, que apreciou o pedido de indemnização formulado por AB para reparação dos danos causadas pela aqui ré, advogada, pelo não cumprimento das obrigações integradas no mandato forense que por aquela lhe foi conferido, tendo a condenação assentado na existência do contrato de seguro de responsabilidade civil profissional dos advogados celebrado com a Ordem dos Advogados e identificado no ponto 1. da matéria de facto provada. Estatui o art.º 104º do Estatuto da Ordem dos Advogados[13], aprovado pela Lei nº 145/2015, de 9 de Setembro: “1 - O advogado com inscrição em vigor deve celebrar e manter um seguro de responsabilidade civil profissional tendo em conta a natureza e âmbito dos riscos inerentes à sua atividade, por um capital de montante não inferior ao que seja fixado pelo conselho geral e que tem como limite mínimo (euro) 250 000, sem prejuízo do regime especialmente aplicável às sociedades de advogados e do disposto no artigo 38.º da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro. […] 2 - 3 - O disposto no número anterior não se aplica sempre que o advogado não cumpra o estabelecido no n.º 1 ou declare não pretender qualquer limite para a sua responsabilidade civil profissional, caso em que beneficia sempre do seguro de responsabilidade profissional mínima de grupo de (euro) 50.000, de que são titulares todos os advogados não suspensos.” É entendimento uniforme que esta norma estatuária visa a realização do interesse público de salvaguarda da posição do cliente (lesado) do advogado perante o risco de insolvência deste e assegurar que o direito de indemnização decorrente de actuação geradora de responsabilidade por parte do advogado, de que aquela seja titular, seja efectivamente satisfeito. Mais do que isso, parece não existir especial divergência quanto ao entendimento de que se está perante uma situação de obrigatoriedade de celebração do contrato de seguro de responsabilidade profissional por parte do advogado, atenta a estatuição do n.º 1 da norma transcrita, de modo a que os riscos do exercício da sua profissão liberal de advocacia sejam cobertos, sendo do interesse público que a actividade do exercício da advocacia seja acompanhada de um seguro susceptível de proteger essencialmente as pessoas que a ela recorrem, visando em primeiro lugar a protecção destas pessoas enquanto lesados, mas também dos advogados que a praticam – cf. entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16-12-2020, processo n.º 17592/16.5T8SNT.L1.S1; de 17-10-2019, processo n.º 5992/13.7TBMAI.P2.S2; de 11-07-2019, processo n.º 5388/16.9T8VNG.P1.S1, de 26-05-2015, processo n.º 231/10.5TBSAT.C1.S1 e de 14.12.2016, processo n.º 5440/15.8T8PRT-B.P1.S1. Por sua vez, o n.º 3 do referido art.º 104º do EAO prescreve a existência obrigatória de um seguro de grupo, mas com carácter supletivo. Está em causa o contrato de seguro de responsabilidade civil profissional mínima de grupo celebrado pela Ordem dos Advogados, tomadora do seguro, no qual são segurados e beneficiários todos os advogados inscritos nesta Ordem e que é accionado sempre que o advogado não tenha celebrado o contrato de seguro individual previsto no n.º 1 do mencionado art.º 104º. O seguro de grupo é celebrado relativamente a um conjunto de pessoas ligadas entre si e ao tomador do seguro por um vínculo ou interesse comum, podendo ser contributivo - quando os segurados contribuem no todo ou em parte para o pagamento do prémio - e não-contributivo - quando o tomador do seguro contribui na totalidade para o pagamento do prémio – cf. José Vasques, Contrato de Seguro – Notas para uma Teoria Geral, Coimbra Editora, 1999, pág. 48; art.ºs 76º e 77º do RJCS. No caso, trata-se de um contrato de seguro de grupo base[14], de que beneficiam, sem quaisquer custos adicionais, todos os advogados inscritos e representados pela Ordem dos Advogados, que, através desta sua intervenção, protege o advogado dos riscos em que pode incorrer no exercício da sua actividade e garante a protecção do cliente contra a falta de zelo do seu advogado no cumprimento do mandato forense – cf. Celina Videira, O Seguro de Responsabilidade Civil Profissional os Advogados, pág. 177[15] - “[…] o seguro de grupo assenta numa relação tripartida (segurador, tomador de seguro e segurado/aderente) que pressupõe a existência de um conjunto de pessoas, que se relacionam entre si e com o tomador de seguro. Em regra, os segurados adquirem esse estatuto através de um ato de adesão. Todavia, no caso do seguro de grupo da Ordem dos Advogados, a “adesão” ao seguro, por parte de todos os advogados, dá-se ex lege.” Na situação em apreço, não foi mencionado ou comprovado que a ré advogada tenha celebrado o contrato de seguro individual de responsabilidade civil profissional a que alude o n.º 1 do art.º 104º do EOA, pelo que apenas se impõe considerar o accionamento do contrato de seguro e respectivas condições, tal como emerge do vertido nos pontos 1. a 9. dos factos provados, ou seja, o contrato de seguro do ramo Responsabilidade Civil Profissional celebrado entre a autora/recorrente, seguradora XL Insurante Company SE, Sucursal en España e a Ordem dos Advogados, titulado pela apólice n.º ES00013615EO18A, com início às 00 horas do dia 1 de Janeiro de 2018 e termo às 00 horas de 1 de Janeiro de 2019, posteriormente renovado para as anuidades de 2019, 2020 e 2021, mediante o qual a Ordem dos Advogados transferiu para a apelante seguradora as obrigações de indemnização que legalmente sejam exigíveis aos advogados nela inscritos, em consequência de danos patrimoniais e não patrimoniais causados a clientes e ou terceiros, desde que resultem de actos ou omissões cometidos no exercício da actividade de advogado. Em conformidade, impõe-se atentar no que dispõe o artigo 2.º das Condições Especiais da Apólice de Seguro, sob a epígrafe “Objecto do Seguro”, onde se refere que a apólice “tem por objetivo garantir ao segurado a cobertura da sua responsabilidade económica emergente de qualquer reclamação de Responsabilidade Civil de acordo com a legislação vigente, que seja formulada contra o segurado, durante o período seguro, pelos prejuízos patrimoniais e/ou não patrimoniais causados a terceiros, por dolo, erro, omissão ou negligência, cometido(a) pelo segurado ou por pessoal pelo qual ele deva legalmente responder, no desempenho da atividade profissional ou no exercício de funções nos Órgãos da Ordem dos Advogados”.[16] Por sua vez, o ponto 7. das Condições Particulares da Apólice, sob a epígrafe “Âmbito temporal”, estipula: “O segurador assume a cobertura de responsabilidade civil do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador de seguro ocorridos na vigência de apólices anteriores, desde que participados após o início de vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, coberta pela presente apólice, e mesmo ainda, que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente apólice, e sem qualquer limitação temporal da retroactividade”. Para efeitos da apólice e de acordo com o Artigo 1º, n.º 12 das Condições Especiais, entende-se por “reclamação” “qualquer procedimento judicial ou administrativo iniciado contra qualquer segurado, ou contra o segurador, quer por exercício de ação direta, quer por exercício de direito de regresso, como suposto responsável de um dano abrangido pelas coberturas da apólice” artigo 1.º, n.º 12 das Condições Especiais). O “período de cobertura” foi estabelecido por 12 meses, com data de início às 0,00 horas do dia 1 de Janeiro de 2018 e termo às 0,00 horas do dia 1 de Janeiro de 2019 – cf. ponto 10. das Condições Particulares; ponto 2. dos factos provados. No que concerne ao “período de cobertura” estatui o art.º 139.º do RJCS: “1 - Salvo convenção em contrário, a garantia cobre a responsabilidade civil do segurado por factos geradores de responsabilidade civil ocorridos no período de vigência do contrato, abrangendo os pedidos de indemnização apresentados após o termo do seguro. 2 - São válidas as cláusulas que delimitem o período de cobertura, tendo em conta, nomeadamente, o facto gerador do dano, a manifestação do dano ou a sua reclamação. 3 - Sendo ajustada uma cláusula de delimitação temporal da cobertura atendendo à data da reclamação, sem prejuízo do disposto em lei ou regulamento especial e não estando o risco coberto por um contrato de seguro posterior, o seguro de responsabilidade civil garante o pagamento de indemnizações resultantes de eventos danosos desconhecidos das partes e ocorridos durante o período de vigência do contrato, ainda que a reclamação seja apresentada no ano seguinte ao termo do contrato.” A este propósito refere José Vasques, in Lei do Contrato de Seguro Anotada, 2016, 3ª Edição, pp. 448-449: “Ao contrário do que sucede com a generalidade dos outros seguros de danos (art. 123.º), em que a cobertura é temporalmente delimitada (art. 37.º, n.º 2, al. e)) pelos danos sofridos pelas coisas seguras durante o período de vigência do contrato, no seguro de responsabilidade civil são configuráveis cláusulas de delimitação temporal da garantia que a subscrevam atendendo ao momento: a) da prática do facto gerador da responsabilidade (action commited basis); b) da manifestação do dano (loss occurrence basis); ou c) da sua reclamação (claims made basis), independentemente de o facto gerador ter sido praticado antes do início da vigência do contrato (como resulta do n.º 3) e desde que o tomador do seguro ou o segurado não tivesse conhecimento do sinistro à data da celebração do contrato (art.º 44.º, n.º 2)” Significa isto que o pagamento da indemnização está condicionado à apresentação da queixa de terceiros durante o prazo de validade (vigência) do contrato, podendo a cobertura reportar-se por um determinado período anterior ao início do contrato ou, o que é o mesmo, que o evento relevante para o accionamento do contrato durante a sua vigência, com vista ao pagamento de uma indemnização pela seguradora, é a reclamação e não o facto gerador do dano que está na sua base. Sob a epígrafe “Inexistência do risco”, o art.º 44.º, n.º 2, do RJCS prescreve que “o segurador não cobre sinistros anteriores à data da celebração do contrato quando o tomador do seguro ou o segurado deles tivesse conhecimento nessa data”. A cláusula decorrente do ponto 7. das Condições Particulares da apólice supra transcrita, enquanto delimitadora do período de cobertura da apólice, é válida face ao disposto no art.º 139.º, n.º 2 do RJCS. Por outro lado, sabendo-se que o risco é normalmente definido como o evento danoso, lícito, futuro e incerto, que não tenha ainda ocorrido (n.º 2 do art.º 44º do RJCS) ou cessado relativamente ao qual exista uma possibilidade absoluta ou relativa de ocorrência, os sinistros anteriores à data da celebração do contrato não estão, naturalmente, cobertos quando o tomador do seguro ou o segurado deles tivesse conhecimento nessa data, sem prejuízo de serem válidas as cláusulas que delimitem o período da garantia atendendo à manifestação do dano ou à sua reclamação, independentemente de o facto gerador ter ocorrido anteriormente ao período de vigência do contrato – cf. José Vasques, Lei do Contrato…, pp. 240-241. Assim, por força da mencionada apólice, a seguradora, além de assumir a cobertura da responsabilidade da segurada por todos os sinistros ocorridos entre as 0,00 horas do dia 1 de Janeiro de 2018 e as 0,00 horas do dia 1 de Janeiro de 2019, assumiu a cobertura de igual responsabilidade relativamente a sinistros ocorridos na vigência das apólices anteriores à que está em causa nestes autos. Porém, no caso em apreço, não há notícia da existência de apólices anteriores vigentes, às quais tenha sucedido (eventualmente por renovação) a presente apólice, pelo que o âmbito temporal de cobertura da apólice tem de se ter por comprovadamente aferido por referência às 0,00 horas do dia 1 de Janeiro de 2018 e as 0,00 horas do dia 1 de Janeiro de 2019. A conduta negligente da ré, geradora de responsabilidade civil e correspondente obrigação de indemnizar, reporta-se a um período muito anterior àquele, como se extrai dos factos provados 10. a 15., 20. e 21., pois que tomou conhecimento de que a sua conduta poderia originar a sua responsabilidade civil aquando da notificação para apresentar a sua defesa no âmbito do processo disciplinar, em 2012. Como tal, à data do início de vigência do período de cobertura da apólice – 1 de Janeiro de 2018 – a ré tinha conhecimento dos factos que podiam vir a gerar uma reclamação e que conduziram, depois, à sua condenação no âmbito do processo referido em 13.. Em conformidade com a definição de risco referida, à data da celebração do contrato de seguro verificava-se uma situação de inexistência de risco objecto de cobertura pela apólice sob discussão, sendo que aquilo que ficou vertido no Artigo 3º, a) das Condições Especiais, em nada difere do que resultaria já do disposto no art.º 44.º, n.º 2 do RJCS – cf. neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 8-06-2022, processo n.º 761/19.3T8PVZ.P1. A cláusula em apreço, como bem sustenta a recorrente, nada tem que ver com a obrigação de participação do sinistro a que alude o art.º 101º do RJCS, sendo evidente que não está em causa um qualquer incumprimento por parte da segurada ou do tomador de seguro de deveres contratualmente fixados, mas sim perante uma regra delimitadora do âmbito de uma apólice de seguro e em conformidade com a qual o sinistro em referência não colhe cobertura. E sendo assim, como é, não se pode acompanhar a decisão recorrida quando conclui pela integração do Artigo 3º, a) das Condições Especiais no domínio do dever de participação do sinistro, porquanto essa previsão contratual reporta-se ao âmbito da cobertura e a um circunstancialismo verificado ainda antes da constituição das obrigações que decorrem para as partes por força da celebração do contrato de seguro, sendo que não é a “discricionariedade” do lesado sobre o momento de apresentar a reclamação que conduz ao afastamento da cobertura, mas sim a inexistência do risco decorrente do conhecimento pelo segurado de sinistro anterior à celebração do contrato. Em face disto, importa concluir que, estando em causa uma regra delimitadora do âmbito de garantia da apólice de seguro, o sinistro não encontra nesta cobertura. Esta conclusão impõe, assim, que se verifique se a seguradora tem direito a obter da ré ao reembolso da quantia que despendeu em cumprimento da obrigação de indemnização em que foi condenada e cuja exclusão da falta de cobertura não podia opor à lesada. Nesta matéria há que ter presente o consignado no Artigo 10º das Condições Gerais do seguro onde se estipulou o seguinte: “O segurador poderá igualmente reclamar os danos e prejuízos que lhe tiver causado o segurado ou o tomador do seguro nos casos e situações previstas na apólice e/ou exigir-lhe o reembolso das indemnizações que tiver que satisfazer a terceiros prejudicados por sinistros não cobertos pelo seguro.” Decorre da norma transcrita que as partes contratantes no contexto da apólice previram, precisamente, em função das cláusulas nele apostas, a possibilidade de, tratando-se de um seguro obrigatório de responsabilidade civil, a seguradora ter de assegurar, perante o lesado, o pagamento da indemnização por danos causados pelo segurado/lesante mesmo relativamente a sinistros não cobertos pela apólice, tendo presente a inoponibilidade de determinadas causas de exclusão, como, aliás, sucedeu neste caso. Atente-se que o contrato de seguro se rege pelo princípio da liberdade contratual, sendo que as regras constantes do RJCS têm carácter supletivo, com os limites, como é óbvio da imperatividade absoluta e relativa que emergem dos art.ºs 12º e 13º daquele diploma legal – cf. art.º 11º do RJCS. O princípio da liberdade contactual advém ainda do disposto no art.º 405º do Código Civil que, salvo em situações excepcionais, vale no âmbito dos seguros, mesmo naqueles de riscos de massa. Assim, vigora a regra da liberdade de celebrar contratos de seguro, de escolha da contraparte e de modulação do conteúdo do contrato, sem prejuízo dos regimes de limitação de tal liberdade que decorrem do RJCS. A estipulação da cláusula do Artigo 3º, a) das Condições Especiais que determina a exclusão do sinistro do âmbito da cobertura é válida face ao estatuído no art.º 139º, n.º 2 do RJCS, mesmo no contexto do seguro obrigatório de responsabilidade civil, sendo certo que, não obstante a relativa imperatividade do n.º 3 do art.º 139º (cf. art.º 13º do RJCS), certo é que, no caso, nem mesmo esta norma é afectada, porquanto a exclusão se verifica relativamente a eventos danosos conhecidos das partes, sendo que apenas os desconhecidos se devem ter por abrangidos pela delimitação temporal da cobertura por referência à data da reclamação. Assim, não se vislumbra que a estipulação do direito da seguradora a obter o reembolso daquilo que pagou para indemnizar um terceiro prejudicado por um sinistro que não se encontra coberto pela apólice, como sucede neste caso, viole o conteúdo de qualquer norma imperativa ou o regime legal do seguro de responsabilidade civil profissional, porquanto a salvaguarda que este visa, em última instância, é satisfação dos lesados que, no caso, foi assegurada. Além disso, nos seguros obrigatórios de responsabilidade civil há solidariedade passiva na obrigação de indemnizar o lesado, pela qual respondem quer o responsável civil, seu primeiro titular, quer o segurador, por via da vigência de uma cobertura de seguro, conjugada com a acção directa prevista no art.º 146º, n.º 1 do RJCS, existindo uma relação de subordinação entre o vínculo obrigacional que une o lesado ao responsável civil e o que o une ao segurador. A relação entre a seguradora (a aqui autora) e o responsável civil (a aqui ré) configura-se como uma relação de solidariedade imperfeita ou imprópria, pois que no âmbito das relações internas, a primeira surge como a garante (nos termos contratuais) da indemnização que é devida pelo responsável civil e devedor principal, a quem poderá exigir, dentro do circunstancialismo previsto no art.º 144º do RJCS, o reembolso de tudo o que pagou. Nada obsta, porém, que as partes acordem quanto a esse dever de reembolso também relativamente a situações em que, ao cabo e ao resto, foi satisfeita a pretensão da lesada e alcançado o fim último do seguro obrigatório, de modo a que, no contexto das relações internas entre seguradora e responsável civil directo, o reembolso da totalidade do valor por si suportado quanto a um sinistro que não se mostrava abrangido pela cobertura do seguro tenha lugar, ou seja, quando a responsável solidária acabou por saldar o valor indemnizatório devido, na totalidade, pelo responsável civil directo. Neste contexto, cumpre revogar a decisão recorrida que absolveu a ré do pedido principal e substituí-la por outra que a condene no pagamento da quantia de 10.516,50€ (dez mil quinhentos e dezasseis euros e cinquenta cêntimos). Não obstante o afirmado em 26., não resultou demonstrado em que data a ré foi interpelada para proceder ao pagamento desta quantia monetária, pelo que os juros de mora serão devidos desde a data da citação e até integral pagamento, calculados à taxa legal de 4% - cf. art.ºs 559º, 805º, n.º 1 e 806º do Código Civil e Portaria n.º 291/03, de 8 de Abril. Face ao decidido resulta prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas – cf. art.º 608º, n.º 2 e x vi art.º 663º, n.º 2 do CPC. * Das Custas De acordo com o disposto no art.º 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. Nos termos do art. 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria. A recorrente alcançou provimento na sua pretensão recursória, pelo que as custas (na vertente de custas de parte) ficam a cargo da recorrida * IV – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, no segmento objecto da apelação, substituindo-a pela seguinte decisão: a. julgar parcialmente procedente o pedido principal e condenar a ré B a pagar à autora XL Insurance Company SE, Sucursal en España a quantia de 10.516,50€ (dez mil quinhentos e dezasseis euros e cinquenta cêntimos), acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, desde a data da citação e até integral pagamento, calculados à taxa legal de 4%. As custas ficam a cargo da apelada. * Lisboa, 7 de Novembro de 2023 Micaela Marisa da Silva Sousa Paulo Ramos de Faria Cristina Silva Maximiano _______________________________________________________ [1] Autorizada pela Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões. [2] Adiante designado pela sigla CPC. [3] Adiante designado pela sigla RJCS. [4] Acessível na Base de Dados do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP em www.dgsi.pt, onde se encontram disponíveis todos os arestos adiante mencionados sem indicação de origem. [5] Cf. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-09-2017, processo n.º 659/12.6TVLSB.L1-S1, onde se referiu que, não podendo o tribunal deixar de se mover, exclusivamente, no campo da matéria de facto, estando-lhe vedado o recurso a conceitos de direito e a juízos valorativos ou conclusivos, tal não impede a utilização de termos/adjectivos que, no caso concreto, não se reconduzem a puros conceitos normativos, mas antes densificam e concretizam uma realidade de facto. [6] Cf. Matéria de facto; julgamento; “factos conclusivos”, Jurisprudência (785) 6-02-2018, acessível em Blog do IPPC https://blogippc.blogspot.com/search?q=jurisprud%C3%AAncia+%28785%29. [7] Cf. Jurisprudência (784) 5-02-2018, no referido Blog. [8] Cf. Arnaldo Costa Oliveira, in Lei do Contrato de Seguro Anotada, 2016, 3ª Edição, pág. 365. [9] Impropriamente como tal designada, por constituir, em rigor, uma situação de anulabilidade da sentença – cf. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª Edição, pág. 735; Francisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume II 2015, pág. 369. [10] Revista Julgar Online Maio 2020. [11] Disponível em https://portal.oa.pt/media/130340/jose-lebre-de-freitas_roa-iii_iv-2019-13.pdf, consultado em 20 de Setembro de 2023. [12] Disponível https://julgar.pt/excecao-e-autoridade-de-caso-julgado-algumas-notas-provisorias/, consultado em 20 de Setembro de 2023. [13] Adiante designado pela sigla EOA. [14] Contrato de seguro de danos, na modalidade de responsabilidade civil – cf. art.ºs 123.º e 137.º do RJCS. [15] Disponível em https://www.concorrencia.pt/sites/default/files/imported-magazines/CR_25_Celina_Videira.pdf, consultado em 21 de Setembro de 2023. [16] Cf. Documento n.º 1 junto com a petição inicial. |