Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1520/22.1T8LSB.L1-1
Relator: FÁTIMA REIS SILVA
Descritores: ACÇÃO DE ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
AUMENTO DO CAPITAL SOCIAL
DELIBERAÇÃO ABUSIVA
DISTRIBUIÇÃO DE LUCRO
SUPRIMENTOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/19/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1 – Para os efeitos do disposto no art. 58º, nº1, al. b) do CSC, importa aferir, em primeira linha, se uma deliberação de aumento do capital social foi apropriada para prejudicar o sócio, ou se foi apropriada para conferir benefícios a outros sócios ou terceiros, mediante prejuízo da sociedade ou do sócio. O interesse da sociedade intervém para a aferição da relação entre um prejuízo e esse interesse, e entre um beneficio que cause prejuízo, se existirem, permitindo a avaliação da existência de excesso ou desproporção.
2 - A subscrição de um aumento de capital social com o qual se discorda, dados os efeitos que essa decisão pode ter na participação social do sócio discordante, não implica aceitação ou confirmação da deliberação que o aprovou e quanto à qual expressamente se votou contra.
3 - Para que uma deliberação de aumento de capital social possa ser considerada abusiva têm que estar verificados os requisitos gerais previstos na al. b) do nº1 do art. 58º do CSC.
4 - A realização de suprimentos pelos sócios à sociedade é uma forma de financiamento desta que não aumenta a exposição dos sócios ao risco do negócio, apenas os expondo ao risco de incumprimento.
5 - A não distribuição de lucros, do ponto de vista do interesse da sociedade, surge justificada, em termos de racionalidade económica, quando simultaneamente os sócios decidem que a sociedade vai efetuar um elevado suprimento a uma sua participada.
6 - Não se apurando benefícios ilegítimos de outros sócios nem prejuízo para a sociedade e inexistindo quaisquer dos indícios típicos da instrumentalização da supressão da distribuição de lucros, esta deliberação não pode considerar-se abusiva.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa

1. Relatório
MREC intentou a presente ação declarativa sob a forma comum, contra SGN, Lda, pedindo seja decretada a anulação de deliberações sociais tomadas em duas assembleias gerais da R. ocorridas no dia 23/07/21 e ainda seja declarada, pelo tribunal, a deliberação social em falta, de distribuição de metade dos lucros do exercício, e condenada a sociedade Ré a distribuir as quantias que lhe correspondem, no valor de €234.708,09 (duzentos e trinta e quatro mil e setecentos e oito euros e nove cêntimos), cabendo à Autora um mínimo de €58.677,02 (cinquenta e oito mil, seiscentos e setenta e sete euros e dois cêntimos), correspondente a 25% dos lucros periódicos a distribuir, ou de €88.015,53 (oitenta e oito mil e quinze euros e cinquenta e três cêntimos), correspondente a 37,5% desses lucros.
Alegou, em síntese, ser sócia da R., a qual tem como único ativo as quotas representativas de 60% de uma outra sociedade, a SMN, cujo remanescente de capital é detido por um dos sócios da R., e seu gerente. Este transferiu uma das quotas de que era titular para uma terceira sociedade, tendo a A. exercido o direito de preferência.
As deliberações tomadas na referida assembleia geral da R. aprovaram: (i) o aumento do capital social da Ré para o montante de €50.000,00 (cinquenta mil euros), (ii) alteração do contrato de sociedade de forma que este se coadunasse com esse aumento de capital, (iii) a realização, pela Ré, de um suprimento no valor de €500.000,00 (quinhentos mil euros) à SMN e (iv) a não distribuição de lucros do exercício de 2020, não tendo sido aprovadas pela maioria legalmente exigível e visando prosseguir interesses próprios do seu gerente.
Citada a R. contestou, arguindo como questão prejudicial a pendência da ação em que a A. pede o reconhecimento do direito de preferência, cujo desfecho é prejudicial ao conhecimento, nestes autos, de se estava reunida a maioria legalmente exigida para determinadas deliberações, pedindo a suspensão da instância nos termos do art. 272º do CPC.
No mais defendeu-se por impugnação, pedindo seja julgado improcedente o pedido da A.
A A. pronunciou-se sobre os documentos juntos.
A R. veio juntar sentença entretanto proferida na ação de preferência intentada pela A. e que julgou a mesma improcedente.
A A. veio pronunciar-se no sentido do interesse na manutenção da ação com base na invocação das demais causas de anulabilidade que havia invocado.
O tribunal, considerando estarem reunidos os elementos necessários ao conhecimento do mérito da causa, concedeu às partes 10 dias para alegarem por escrito.
A R. pronunciou-se pedindo seja julgado improcedente o pedido.
A A. pronunciou-se pedindo que:
(i) as primeira, segunda e quarta deliberações sejam anuladas por serem abusivas, visando causar prejuízo à Autora e não correspondendo à realização do interesse social da Ré.
(ii) Seja declarada, pelo Tribunal, a deliberação social em falta, de distribuição de metade lucros do exercício, e condenada a sociedade Ré a distribuir as quantias que lhe correspondem, no valor de €234.708,09 (duzentos e trinta e quatro mil e setecentos e oito euros e nove cêntimos) ou, subsidiariamente, de € 120.000,00 (cento e vinte mil euros), cabendo à Autora um mínimo de €58.677,02 (cinquenta e oito mil, seiscentos e setenta e sete euros e dois cêntimos), correspondente a 25% dos lucros periódicos a distribuir, ou de €30.000,00 (trinta mil euros), correspondente a 25% desses lucros.
Em 21/02/2023 foi proferida sentença, na qual foi decidido:
“Nestes termos e com estes fundamentos, julga-se a presente acção improcedente, e em consequência absolve-se a Ré do pedido.”
Inconformada, apelou a A., pedindo a procedência do recurso, a revogação da decisão recorrida e a anulação das deliberações em crise bem como a execução específica da deliberação social em falta de distribuição de metade dos lucros do exercício, formulando as seguintes conclusões:
 “A. O presente Recurso tem como objeto a decisão do Tribunal a quo que, concluindo pelo caráter não abusivo das deliberações sociais que foram tomadas em Assembleia Geral da SGN realizada no dia 23 de julho de 2021, considerou que as mesmas não seriam anuláveis.
B. As referidas deliberações sociais aprovaram: (i) o aumento do capital social da Ré para o montante de €50.000,00 (cinquenta mil euros), (ii) a alteração do contrato de sociedade de forma que este se coadunasse com esse aumento de capital, (iii) a realização, pela Ré, de um suprimento no valor de €500.000,00 (quinhentos mil euros) à SMN & Cia, Lda. (“SMN”), e (iv) a não distribuição de lucros do exercício de 2020.
C. Nos termos do artigo 58.º, n.º1, al. a) do CSC, são anuláveis as deliberações que “violem disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade, nos termos do artigo 56.º, quer do contrato de sociedade”.
D. Já nos termos do artigo 58.º, n.º 1, alínea b) do CSC, são anuláveis as deliberações que “sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes (…)”.
E. Deverão, portanto, ser consideradas abusivas as deliberações que (i) sejam tomadas com o propósito de alcançar proveitos patrimoniais em prejuízo da sociedade ou de sócios da sociedade ou (ii) sejam consideradas emulativas, no sentido de terem como único propósito prejudicar a sociedade ou os sócios.
F. É precisamente neste pano de fundo que se deve analisar o carácter abusivo (e num dos casos ilegal) das deliberações tomadas em 23 de julho de 2021, ao contrário do que fez o Tribunal a quo, que andou mal na Sentença que proferiu a esse respeito.
G. Assim, a primeira deliberação, relativa ao aumento de capital, e contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, deve ser considerada inválida por ser abusiva, desnecessária e dirigida apenas à diluição da participação social da Recorrente.
H. O sócio gerente da SGN pretendeu com este aumento de capital criar as condições necessárias para transformar a SGN em sociedade anónima, assim conseguindo, entre outros aspetos, eliminar as barreiras à alteração do substrato subjetivo da sociedade e diluir a participação social da Recorrente.
I. Trata-se, portanto, de um aumento de capital promovido no interesse de um único sócio e sem qualquer razão associada que o justifique.
J. É certo que a Recorrente veio, posteriormente, a acompanhar o aumento de capital, não podendo, contudo, ao contrário do que fez o Tribunal a quo, tal facto ser suscetível de retirar o caráter abusivo da deliberação, pois teve como único propósito evitar precisamente o dano que o referido aumento (ilegal e abusivo) causaria à Recorrente – a diluição da sua participação social.
K. Impõe-se, de igual forma, a anulação da segunda deliberação – que visa a alteração do contrato de sociedade da SGN de acordo com o aumento de capital votado na primeira deliberação - uma vez que a anulação da deliberação relativa ao aumento de capital sempre implica a ineficácia desta segunda, por ter desaparecido o facto jurídico que lhe daria causa. Demonstra-se, pois, irrelevante a Recorrente, a respeito dessa deliberação ter, por lapso manifesto, votado a favor.
L. Também a terceira deliberação, relativa à concessão de um suprimento no montante de €500.000,00 (quinhentos mil euros), pela SGN à SMN, deve ser, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, anulada por ser abusiva, porquanto visou tão somente atribuir, uma vez mais, uma vantagem ao sócio-gerente da SGN – a redistribuição do risco da atividade da SMN, sociedade da qual é sócio na proporção de 40%.
M. Acresce que, ao contrário do que consta da Sentença Recorrida, para a determinação do carácter abusivo da deliberação de concessão do referido suprimento, a consideração do fenómeno de capitalização ou descapitalização da SGN não deve ser levada em conta, visto que o prejuízo de tal concessão decorre da transferência do risco de operação da SMN para os sócios da SGN e não da descapitalização da SGN em virtude de tal suprimento.
N. Por fim, também andou mal o Tribunal a quo na validação e respetiva fundamentação da quarta deliberação, que consistiu na decisão de não distribuição dos lucros de exercício e trânsito destes para reservas livres.
O. Isto porque, ao não existem quaisquer razões de carácter social ou financeiro que possam fundamentar a necessidade de não distribuir os lucros de exercício distribuíveis para, ao invés, os integrar em reservas: (i) viola-se a regra geral contida no artigo 217.º, n.º 1, por um lado, uma vez que não se encontram reunidos os requisitos que permitem obstar à tal regra e, por outro lado, (ii) concede-se uma vantagem especial indevida ao sócio gerente da SGN, em prejuízo da sociedade, que torna a deliberação aqui em causa abusiva.
P. Com efeito, o verdadeiro motivo por detrás desta deliberação prende-se com a canalização de recursos para a SMN pretendida pelo sócio-gerente da SGN, em seu claro benefício e em manifesto prejuízo do interesse da SGN e da Recorrente, cujo direito aos lucros é negado, suportando, contudo, o risco de operação da SMN.
Q. Não se pode, além do mais, ignorar a contradição do Tribunal a quo quando considera a SGN uma sociedade com capacidade económica suficiente para prestar suprimentos no montante de € 500.000,00 mas, por outro lado, e logo de seguida, conclui que é razoável a mesma sociedade não distribuir lucros para “fazer face a futuros investimentos ou necessidades financeiras”.
R. Trata-se, portanto, de uma deliberação:
(i). ilegal, nos termos do artigo 58.º, n.º 1, al. a) na medida em que o disposto no artigo 217.º, n.º 1 só pode ser derrogado consoante a aprovação de uma deliberação por maioria de ¾ do capital tendo subjacente uma razão de interesse social, o que, como se demonstrou, não corresponde ao presente caso; mas
(ii). também abusiva, nos termos do artigo 58.º, n.º 1, al. b), procurando com ela, o sócio gerente da Recorrida, satisfazer um propósito próprio, obtendo deste modo vantagens especiais para si e prejudicando, consequentemente, a Recorrente e os restantes sócios.
S. Assim, deve também a referida deliberação ser anulada nos termos do disposto artigo 58.º, n.º 1 alínea b) do CSC e, adicionalmente, ser determinada a distribuição de lucros de exercício através da condenação da Ré na entrega de € 58.677,02 (cinquenta e oito mil seiscentos e setenta e sete euros e dois cêntimos), correspondente a 25% dos lucros periódicos a distribuir à Recorrente nos termos do disposto do artigo 217.º, n.º1 concatenado com o artigo 830.º, n.º 1 do Código Civil conforme peticionado na Petição Inicial.
T. A deliberação de distribuição de metade dos lucros periódicos da Ré, correspondentes a € 234.708,09 (duzentos e trinta e quatro mil, setecentos e oito euros e nove cêntimos), deve ser objeto de execução específica, pelo Tribunal, sendo a Ré condenada a entregar aos sócios essa quantia.
U. A situação jurídica descrita não pode ser consentida pelo ordenamento jurídico, razão pela qual todas as deliberações aqui impugnadas deverão ser anuladas e especificamente executada a que fica em falta.”
A apelada apresentou contra-alegações, pedindo seja mantida a decisão recorrida e formulando as seguintes conclusões:
“A) A Recorrente bem sabe que nenhuma das deliberações é anulável ou abusiva, ainda assim continua na sua demanda judicial com o objectivo de desgastar a Recorrida e os seus sócios, uma vez que, pensa que se continuar com os presentes litígios irá conseguir alienar as suas participações sociais por valores muito superiores ao valor das participações sociais.
B) A Recorrente ao vir alegar que pretende que a deliberação de aumento de capital seja declarada abusiva pelo facto de ser intenção dos sócios da Recorrida e da Recorrida diluir a sua participação social, encontra-se a alegar novos factos em sede de Recurso.
C) As questões novas suscitadas pela parte apenas em sede de recurso, que não foram alegadas oportunamente, nem consideradas pelo tribunal, nos termos do artigo 608.º nº 2 do N.C.P.C., não podem por isso ser levadas em conta, estando vedada a sua apreciação ao tribunal de recurso.
D) Em face de tal facto dúvidas não existem que este douto Tribunal a quem não pode apreciar os factos alegados pela Recorrente, daí que, deva considerar a deliberação de aumento de capital válida, mantendo assim, a decisão proferida pelo Tribunal ad quo.
E) Acresce que na acta da assembleia realizada em 23.07.2021, pelas 10 horas, consta, além do mais, que “todos os sócios informaram que pretendem subscrever ao aumento de capital”, incluindo a aqui Recorrente, que não adiantou, naquela assembleia, qualquer constrangimento/prejuízo em o fazer.
F) Tanto que assim é que resulta dos Autos que:
i) “Em 22.12.2021, a Autora transferiu para a sociedade Ré o aumento de capital aprovado em 23.07.2021.” conforme resulta do ponto 12 dos factos provados;
ii) “Ademais, não foi aprovado um aumento de capital por via do qual a percentagem da Autora no capital social da Ré fosse reduzida, mantendo-se, exactamente, a mesma percentagem que existia antes do aumento.” Vide pág. 17 da Sentença de fls…
iii) “Aliás, a esse propósito, diga-se que a Autora refere que, à cautela, acompanhou o aumento de capital aprovado, não concretizando qualquer prejuízo/dano que tal acto lhe tenha causado.” vide pág. 17 da Sentença de fls…
iv) “Todavia, a Autora limita-se a referir que tais deliberações tiveram “certamente o objectivo de diluir a participação social da Autora” – não o explicitando, nomeadamente, não invocando, sequer, que não dispunha de meios financeiros para acompanhar tal aumento de capital e que tal era do conhecimento dos demais sócios. Ademais, não foi aprovado um aumento de capital por via do qual a percentagem da Autora no capital social da Ré fosse reduzida, mantendo-se, exactamente, a mesma percentagem que existia antes do aumento. Aliás, a esse propósito, diga-se que a Autora refere que, à cautela, acompanhou o aumento de capital aprovado, não concretizando qualquer prejuízo/dano que tal acto lhe tenha causado. Acresce que, na acta da assembleia realizada em 23.07.2021, pelas 10 horas, consta, além do mais, que “todos os sócios informaram que pretendem subscrever ao aumento de capital”, incluindo a aqui Autora, que não adiantou, naquela assembleia, qualquer constrangimento/prejuízo em o fazer. Como tal, entende o Tribunal que, ao contrário do que defende a Autora, não resultou demonstrado que a deliberação de aumento de capital seja uma deliberação emulativa e, por conseguinte, anulável. Acresce que, quanto à sociedade Ré é óbvio que o aumento do seu capital social não a prejudica, pois a dota de mais solidez financeira. Por conseguinte, não vislumbramos que da deliberação de aumento de capital decorra qualquer prejuízo para a Autora ou para a Ré, nem qualquer vantagem para terceiro- não sendo por este motivo também anulável.” vide pág. 17 e 18 da Sentença de fls…
G) Tendo a Recorrente votado favoravelmente à subscrição do aumento de capital e tendo inclusive subscrito aquele aumento de capital, quer isto dizer que, dúvidas não existem que nenhum dano foi provocado à Recorrente.
H) Acrescenta-se que, tendo a deliberação de aumento de capital sido aprovada pela Recorrente, tendo a Recorrente subscrito o aumento de capital e tendo aprovado a deliberação de alteração de estatutos, não pode arguir a sua anulabilidade, por aplicação do artigo 59.º, n.º 1 do CSC, daí que, deva este douto Tribunal manter a decisão proferida pelo Tribunal ad quo.
I) Quanto à deliberação que deu origem à realização de suprimento da Recorrida à SMN, cumpre referir que, em sede de PI foi pela Recorrente alegado que a deliberação era abusiva uma vez que a Recorrida não demonstrou a necessidade de realização dos suprimentos, o sócio da SMN não demonstrou que iria realizar um suprimento na mesma proporção da Recorrida e não foram alegados os motivos que levaram a que a SMN não recorresse a um financiamento bancário.
J) Não colhendo tais argumentos os efeitos pretendidos, tanto no procedimento cautelar como neste douto processo, na sequência da Sentença de fls… que foi proferida, vem a Recorrente alterar os factos por si alegado. Senão vejamos:
K) A Recorrente pretende agora alegar que a deliberação é abusiva, uma vez que, o sócio MC “procurou obter para si uma vantagem especial – a redistribuição do risco da actividade da SMN -, assim se beneficiando.”
L) A Recorrente vem alegar – em sede de PI – que a deliberação que conferiu um suprimento à SMN era abusiva devido ao facto de não se ter demonstrado a necessidade de realização dos suprimentos, acontece que, em sede de recurso vem alegar que o sócio MC procurou obter para si uma vantagem especial – a redistribuição do risco da actividade da SMN -, assim se beneficiando, daí que seja a deliberação abusiva.
M) As questões novas suscitadas pela parte apenas em sede de recurso, que não foram alegadas oportunamente, nem consideradas pelo tribunal, nos termos do artº 608 nº 2 do N.C.P.C., não podem por isso ser levadas em conta, estando vedada a sua apreciação ao tribunal de recurso.
N) Em face de tal facto dúvidas não existem que este douto Tribunal a quem não pode apreciar os factos alegados pela Recorrente, daí que, deva considerar a deliberação que conferiu um suprimento à SMN válida, mantendo assim, a decisão proferida pelo Tribunal ad quo.
O) Ainda quanto a esta deliberação cumpre referir que nenhum sócio foi beneficiado em prejuízo da Recorrente ou da Recorrida, tanto que assim é que, a Recorrente não invoca nenhum dano.
P) Quanto a este ponto já o douto Tribunal ad quo havia esclarecido que:
i) “Por essa razão, a concessão de um suprimento por um sócio a uma sociedade sua participada, por definição, não configura uma vantagem especial, antes é uma forma de financiamento que coloca o sócio, perante a sociedade, e pelo valor do empréstimo concedido, em posição semelhante à de um terceiro credor. Ora, no caso concreto, não se vislumbra que tal deliberação vise satisfazer os interesses do sócio MC, aliás, o fundamento apresentado e não posto em causa convenientemente (note-se que a Autora refere que existem dúvidas de que existam “necessidades imediatas de tesouraria”, o que não é suficiente para entender que tal deliberação é abusiva), vai ao encontro dos interesses da sociedade Ré que, além de ser accionista de 60% do capital social da sociedade SMN & Companhia, Lda., é da actividade de tal sociedade que retira o seu rendimento. Acresce que, no caso concreto, este empréstimo será remunerado a uma taxa de juro anual de 1%, sendo que esta entrega não equivale a uma perda daquele valor, pois a concessão do suprimento faz nascer na esfera jurídica da Ré um crédito sobre a SMN de valor igual ao do suprimento. Por outro lado, vistos os valores de activo, passivo e capital próprio da Ré no final de 2020 não vemos que aquele suprimento a deixe descapitalizada, ou ponha em crise o valor do capital social, nos termos e para os efeitos previstos no art. 35º do Código das Sociedades Comerciais. Acresce que apenas o facto de o capital social remanescente da sociedade SMN & Companhia, Lda. (40%) ser detido por MC, não permite concluir que este sai beneficiado em virtude do suprimento ser realizado pela sócia maioritária da SMN e não por este sócio minoritário – o qual desconhecemos, inclusive, pois não foi alegado, se teria capacidade para fazer face a tal empréstimo ou se já fez suprimentos a tal sociedade, noutras alturas. Concluindo, não conseguimos identificar qualquer vantagem especial para a SMN ou para o seu sócio minoritário, passíveis de uma censura grave, nem qualquer prejuízo que surja como consequência da deliberação de concessão de suprimento, que justifique a aplicação da previsão do art.58º, n.º1, alínea b), do CSC. Pelo exposto, conclui-se não ter sido demonstrado que a referida deliberação foi tomada em abuso de direito e, por conseguinte, não se verifica o fundamento de anulabilidade imputado.” vide pág. 21 e 22 da Sentença de fls…
ii) “não conseguimos identificar qualquer vantagem especial para a SMN ou para o seu sócio minoritário, passíveis de uma censura grave, nem qualquer prejuízo que surja como consequência da deliberação de concessão de suprimento, que justifique a aplicação da previsão do art.58º, n.º1, alínea b), do CSC. Pelo exposto, conclui-se não ter sido demonstrado que a referida deliberação foi tomada em abuso de direito e, por conseguinte, não se verifica o fundamento de anulabilidade imputado.”
Q) Em face tais factos, deve este douto Tribunal pugnar pela absolvição da Recorrida e manutenção da decisão proferida pelo Tribunal ad quo que considerou que a deliberação não é anulável ou abusiva.
R) Quanto à deliberação de distribuição de lucros dúvidas não existem que, tendo a deliberação sido aprovada com 75% dos votos, e sendo essa percentagem, nos termos do n.º 1 do artigo 217.º do CSC, suficiente para a aprovação da deliberação de aplicação de resultados, dúvidas não existem que deve este douto Tribunal a quem considerar válida a deliberação de aplicação de resultados.
S) Mais cumpre referir que o douto Tribunal ad quo veio considerar que “Entendemos que não. Com efeito, não se pode considerar abusiva uma não distribuição de lucros quando, na mesma data é aprovado um suprimento no valor de €500.000,00 à uma terceira sociedade. Por outro lado, é razoável que se mantenham os lucros do exercício em reservas livres para fazer face a futuros investimentos ou necessidades financeiras da Ré. Pelo exposto, concluir-se não ter sido demonstrado que a referida deliberação foi tomada em abuso de direito e, por conseguinte, não se verifica o fundamento de anulabilidade imputado. Face a tudo o exposto, a presente acção deverá improceder.” Vide pág. 23 da Sentença de fls…
T) Em face tal facto deve este douto Tribunal pugnar pela manutenção da decisão proferida pelo Tribunal ad quo e considerar que a presente deliberação é válida.”
O recurso foi admitido por despacho de 22/06/2023 (ref.ª 425927466).
Foram colhidos os vistos.
Cumpre apreciar.
*
2. Objeto do recurso
Como resulta do disposto nos arts. 608º, n.º 2, aplicável ex vi art. 663º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4, 639.º n.ºs 1 a 3 e 641.º n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio e daquelas cuja solução fique prejudicada pela solução dada a outras, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso. Frisa-se, porém, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 5º, nº3 do mesmo diploma.
Consideradas as conclusões acima transcritas as únicas questões a decidir são as seguintes:
- se as deliberações identificadas, de aumento do capital social e correspondente alteração dos estatutos, de realização de suprimentos e de não distribuição dos lucros do exercício de 2020 são anuláveis;
- quanto à última deliberação identificada, sendo procedente o pedido de anulação, se pode este tribunal substituir a deliberação faltosa.
*
3. Fundamentos de facto
Foi proferida, em 1ª instância, a seguinte decisão relativa à matéria de facto:
“Com relevância para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
1. A Ré é uma sociedade comercial que tem por objecto social “a prestação de serviços de consultoria económica e a organização e gestão de empresas e de sociedades, de que seja sócia ou não, bem como a gestão de quotas, acções e partes sociais, por incumbência ou que lhe pertençam, bem como a administração de imóveis próprios ou alheios e a prestação de serviços de consultoria sobre administração de bens”.
2. O seu capital social é de €6.200,00, correspondente à soma das seguintes quotas:
− 2 quotas, uma no valor nominal de €1.200,00 e outra no valor nominal de €350, pertencentes à sócia PCL;
− 2 quotas, uma no valor nominal de €1.200,00 e outra no valor nominal de €350, pertencentes à sócia CBC;
− 2 quotas, uma no valor nominal de €1.200,00 e outra no valor nominal de €350, pertencentes à Autora; e
− 3 quotas, uma quota no valor nominal de €425,00, uma quota no valor de €775,00 e uma quota no valor nominal de €350, pertencentes ao sócio MC.
3. É gerente único da Ré sócio MC.
4. A Ré é accionista de 60% do capital social da sociedade SMN & Companhia, Lda., de cuja actividade a Ré retira o seu rendimento.
5. O capital social remanescente da sociedade SMN & Companhia, Lda. (40%) é detido por MC que é gerente único de tal sociedade.
6. Em 6.7.2021 – e por correio registado –, o gerente da Ré procedeu à convocação de duas Assembleias Gerais da Ré, a realizar no dia 23.07.2021, uma às 10, outra às 12 horas.
7. Na Assembleia Geral das 10 horas seria apreciada a seguinte ordem de trabalhos:
“PONTO PRIMEIRO: Deliberar sobre o consentimento da sociedade à permuta da quota com o valor nominal de € 775, realizada entre o sócio MC e a [MAC], através de deliberação datada de 7 de junho de 2021 e registada no dia 16 de junho de 2021.
PONTO SEGUNDO: Deliberar sobre o consentimento da sociedade para a realização, por parte do sócio MC, de um aumento de capital na [MAC] […].
PONTO TERCEIRO: Deliberar sobre o aumento de capital da sociedade no montante total de €43.800,00, a realizar em numerário, na proporção das participações detidas por cada um dos sócios.
PONTO QUARTO: Aprovação do relatório organizado pela gerência, justificativo da transformação da sociedade em sociedade anónima, com base no balanço social reportado a 31 de maio de 2021.
PONTO QUINTO: Aprovação da transformação da sociedade em Sociedade Anónima e do modo de conversão das participações sociais.
PONTO SEXTO: Nomeação dos novos órgãos sociais da sociedade, para o triénio 2021 a 2023 […].
PONTO SÉTIMO: Dispensa do relatório do ROC independente nos termos e para os efeitos do n.º6 do artigo 99.º do Código das Sociedades Comerciais.
PONTO OITAVO: Alteração ao contrato social.
PONTO NONO: Deliberar sobre a realização de um empréstimo no montante de € 500.000,00 à [SMN] […].”
8. Na Assembleia Geral das 12 horas seria apreciada a seguinte ordem de trabalhos:
“PONTO PRIMEIRO – Deliberar sobre o Relatório de Gestão e as contas do Exercício de 2020;
PONTO SEGUNDO – Deliberar sobre a proposta de aplicação de resultados.”
9. Pelas 10 horas do dia 23.7.2021, reuniu-se a Assembleia Geral convocada para esse dia e hora tendo sido elaborada a respectiva Acta n.º65, com o seguinte teor:
“No dia 23 de Julho de 2021, pelas 10:00 horas, reuniu na Rua … Lisboa, a Assembleia-Geral da SGN, LDA. pessoa colectiva número … e com o capital social de € 6.200,00.
Antes de dar início à ordem de trabalhos foi pedida a palavra pelo sócio MC que disse, revogou a operação de permuta realizada com a M, LDA. com efeitos retroactivos, conforme devidamente registado na certidão permanente da sociedade, motivo pelo qual, é e sempre foi, o sócio MC, detentor de 25% do capital da sociedade. Acrescenta ainda que, não mais tem interesse em requerer qualquer consentimento à sociedade para a realização de qualquer operação de permuta, pelo que, exclui da ordem de trabalhos o ponto primeiro e segundo, facto esse que foi comunicado ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral através de missiva entregue em mão.
Foi ainda dito pelo Sr. MC, na qualidade de gerente, que tendo sido levantados obstáculos à realização da transformação da sociedade por parte da sócia MREC e não pretendendo o gerente colocar os sócios numa posição desconfortável, então, exclui da apreciação dos sócios o Ponto Quarto, Ponto Quinto, Ponto Sexto e Ponto Sétimo da Ordem de Trabalhos, tal como já comunicado ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral através de missiva entregue em mão. Questionado sobre as consequências da interrupção do projeto de transformação da SGN em Sociedade Anónima, MC, em representação própria e de CBC e com a concordância de PCL, lamentou que a mesma interrupção era um revês para o planeamento e os objetivos de crescimento da SMN, retirando-lhe um grau de solidez perante o mercado e instituições financeiras e públicas. Mais disse lamentar que os obstáculos levantados pela MREC demonstram que ela não está interessada no crescimento e na dinamização da SMN, ao contrário dos restantes sócios.
A SPC, em presentação da MREC, acrescentou que a MREC não está contra o crescimento da SMN, mas acredita que a estrutura societária da SGN não deverá impactar o crescimento da SMN, e que a transformação em sociedade anónima traria custos adicionais.
Posto isto, foi referido que, nos termos do artigo 248.° do Código das Sociedades Comerciais, foram os sócios convocados para a realização da Assembleia Geral Extraordinária da sociedade, tendo sido cumpridas todas as exigências de convocatória. Para tanto estão presentes todos os sócios que perfazem a totalidade do capital social, a saber:
a)  MC, detentor de uma quota com o valor nominal de € 425,00, uma quota com o valor nominal de € 775,00 e uma quota com o valor nominal de € 350,00;
b)  CBC, detentora de uma quota com o valor nominal de € 1.200,00 e uma quota com o valor nominal de € 350,00. neste acto devidamente representada pelo Sr. MC, conforme carta mandadeira que se junta à presente acta e que dela faz parte integrante;
c)  PCL, detentora de uma quota com o valor nominal de £ 1.200,00 e uma quota com o valor nominal de € 350,00;
d) MREC, detentora de uma quota com o valor nominal de € 1.200,00 e uma quota com o valor nominal de € 350,00, neste acto devidamente representada pela Sra. SPC, conforme procuração que se junta à presente acta c que dela faz parte integrante;
Posto isto, assumiu a Presidência da Mesa da Assembleia Geral o Sr. MC, com a concordância de todos os sócios, que comunicou aos sócios a ordem de trabalhos, que foi por eles aceite:
PONTO TERCEIRO: Deliberar sobre o aumento de capital da sociedade no montante total de € 43.800,00, a realizar em numerário, na proporção das participações detidas por cada um dos sócios.
PONTO OITAVO: Alteração ao contrato social.
PONTO NONO: Deliberar sobre a realização de um empréstimo no montante de € 500.000,00 à SMN & COMPANHIA, LIMITADA, pessoa colectiva número  …, com sede na Rua … Lisboa.
Quanto ao ponto terceiro da ordem de trabalhos foi dito pelo Sr. MC que, a SMN & COMPANHIA, LIMITADA, necessita de tesouraria a curto prazo, pelo que, requereu a realização de um suprimento por parte da sócia, conforme consta do ponto nono da presente Assembleia Geral.
Julgando a gerência que é necessário realizar aquele suprimento, mas não querendo reduzir o capital próprio da sociedade, então, considera que deve subscrever-se o presente aumento de capital, garantindo-se assim o capital próprio da sociedade e a realização do suprimento.
Daí que, propõe-se o aumento do capital da sociedade, no montante total de € 43.800,00, a realizar em numerário, na proporção das participações detidas por cada um dos sócios.
Posto isto, foram os sócios questionados, nos termos da alínea g) do n.° 1 do artigo 87.° do CSC, se pretendem subscrever o capital nos termos propostos:
A SPC sugeriu que o aumento de capital fosse por transformação dos resultados transitados da SGN.
Todos os sócios informaram que pretendem subscrever ao aumento do capital, pelo que, devem os sócios aumentar o capital social nos seguintes termos:
a)  MC, deverá realizar um aumento de capital, no montante de € 10.950,00, a realizar através da entrada em dinheiro;
b)  CBC, deverá realizar um aumento de capital, no montante de € 10.950,00, a realizar através da entrada em dinheiro;
c)  PCL, deverá realizar um aumento de capital, no montante de € 10.950,00, a realizar através da entrada em dinheiro:
d) MREC, deverá realizar um aumento de capital, no montante de £ 10.950,00, a realizar através da entrada em dinheiro.
Não tendo sido explicado em primeira instância, foi informado que, nos termos da alínea f) do n.° 1 artigo 87.° do CSC devem os sócios do efectuar as entradas no prazo máximo de 5 (cinco) dias após a realização da presente Assembleia Geral, devendo para tanto, depositar os valores exigidos no IBAN xxxx da sociedade e enviar o comprovativo de entrega daquele valor para o email do gerente da sociedade, por forma que seja possível o gerente preparar e assinar a declaração prevista no n.° 2 do artigo 88.° do CSC e, por conseguinte, proceder ao registo comercial das presentes alterações.
Como mais ninguém quis usar da palavra, foi o ponto terceiro da ordem de trabalhos posto à votação, tendo sido aprovado com os votos favoráveis do sócio MC, CBC e PCL que representam 75% do capital, mas com o voto desfavorável da MREC, aumentar o capital da sociedade no montante total de € 43.800,00, a realizar em numerário, passando o capital da sociedade a fixar-se nos € 50.000,00 e os sócios a deter as seguintes participações:
a)  MC, detentor de uma quota com o valor nominal de € 425,00, uma quota com o valor nominal de € 775,00, uma quota com o valor nominal de € 350,00 e uma quota com o valor nominal de € 10.950,00;
b)  CBC, detentora de uma quota com o valor nominal de € 1.200.00, uma quota com o valor nominal de € 350,00 e uma quota com o valor nominal de € 10.950,00;
c)  PCL, detentora de uma quota com o valor nominal de € 1.200,00, uma quota com o valor nominal de € 350,00 e uma quota com o valor nominal de € 10.950,00;
d) MREC, detentora de uma quota com o valor nominal de € 1.200,00, uma quota com o valor nominal de € 350,00 e uma quota com o valor nominal de € 10.950,00.
Aberto o ponto oitavo da ordem de trabalhos disse o sócio MC que, em face da deliberação de aumento de capital, então, toma-se necessário proceder à alteração do artigo quinto dos estatutos da sociedade, passando o mesmo a ter a seguinte redacção:
ARTIGO QUINTO
O capital social é de € 50.000,00 e corresponde à soma das seguintes quotas dos sócios:
a)  MC, detentor de uma quota com o valor nominal de € 425,00, uma quota com o valor nominal de € 775,00. uma quota com o valor nominal de € 350,00 e uma quota com o valor nominal de € 10.950,00;
b)  CBC, detentora de uma quota com o valor nominal de € 1.200,00, uma quota com o valor nominal de € 350.00 e uma quota com o valor nominal de € 10.950,00;
c)  PCL, detentora de uma quota com o valor nominal de € 1.200,00, uma quota com o valor nominal de € 350,00 e uma quota com o valor nominal de € 10.950,00;
d) MREC, detentora de uma quota com o valor nominal de € 1.200.00, uma quota com o valor nominal de € 350,00 e uma quota com o valor nominal de € 10.950,00.
Como mais ninguém quis usar da palavra, foi o ponto oitavo da ordem de trabalhos posto à votação, tendo sido aprovado com os votos favoráveis do sócio MC, CBC, PCL e MREC, que representam 100% do capital, alterar o artigo quinto dos estatutos da sociedade.
Aberto o ponto nono da ordem de trabalhos foi dito que, foi a sociedade informada que na sequência do crescente desenvolvimento da SMN & COMPANHIA, LIMITADA, e do consequente aumento das vendas da mesma, tem a SMN & COMPANHIA, LIMITADA, verificado que por vezes existem necessidades imediatas de tesouraria que causam constrangimentos à mesma, designadamente, pela diferença do prazo de pagamento a fornecedores e os recebimentos de clientes.
Daí que, a SMN & COMPANHIA. LIMITADA, tenha solicitado que a sociedade realize um suprimento no montante de € 500.000,00, o qual, seria remunerado a uma taxa de juros de 1% e seria reembolsado no prazo de 2 anos, podendo ser renovável por períodos de 1 ano.
A SPC disse não compreender porque a SMN queria crescer sem recurso a financiamento bancário. MC explicou sobre o contexto do mercado atual, e que não só as condições presentes elevam o nível de risco operacional, como também proporcionam oportunidades de crescimentos.
A SPC disse que iria votar contra, com forte oposição do uso do capital dos sócios para um negócio mais arriscado, achando que possivelmente seria melhor não avançar com um projeto de maior risco para os acionistas, sendo que o objetivo dos sócios é a obtenção de lucro, tendo acrescentado posteriormente que o objetivo também era a obtenção de lucro da empresa.
MC respondeu que, por um lado e como já referido, não se trata de um projeto de risco, mas sim de um contexto comercial de maior risco, e por outro lado para os restantes sócios, o objetivo principal da SGN é apoiar a SMN, sem primazia à obtenção de lucro.
Acrescentou a PCL que, para além do crescimento e da saúde da SMN, os restantes sócios também davam prioridade ao bem estar.
Como mais ninguém quis usar da palavra, foi o Ponto Nono da ordem de trabalhos posto à votação, tendo sido aprovado com os votos favoráveis do sócio MC, CBC e PCL, que representam 75% do capital, que a sociedade realize à SMN & COMPANHIA, LIMITADA, um suprimento no montante de € 500.000,00, o qual, será remunerado a uma taxa de juros de 1% e será reembolsado no prazo de 2 anos, podendo ser renovável por períodos de 1 ano. Tendo ainda sido aprovado por 75% dos votos, nomear o gerente da sociedade para outorgar o respeCtivo contrato de suprimentos.
Tendo o presente ponto da ordem de trabalhos sido votado desfavoravelmente pela Sra. MREC.
Nada mais havendo a discutir e deliberar, foi a sessão encerrada pela Presidente da Mesa da Assembleia-Geral pelas 11:00 horas, tendo sido lavrada a presente acta que, depois de lida, será assinada.”
10. Em 31.12.2020 a Ré apresentava o capital próprio de €5.437.870,98.
11. Pelas 10 horas do dia 23.7.2021, reuniu-se a Assembleia Geral convocada para esse dia e hora tendo sido elaborada a respectiva Acta n.º66, com o seguinte teor:
“No dia vinte e três de julho do ano de dois mil e vinte e um, por acordo de todos os sócios reuniu, pelas 13 horas, na sede social, a assembleia geral da sociedade SGN, LDA., encontrando-se presentes o MC, por si e em representação da sócia D. CBC, a D. PCL, e a D. SPC, em representação da sócia D. MREC. Para tanto estão presentes todos os sócios que perfazem a totalidade do capital social, a saber:
a)  MC, detentor de uma quota com o valor nominal de € 425,00, uma quota com o valor nominal de € 775,00 e uma quota com o valor nominal de € 350,00;
b)  CBC, detentora de uma quota com o valor nominal de € 1.200,00 e uma quota com o valor nominal de € 350,00, neste acto devidamente representada pelo Sr. MC, conforme carta mandadeira que se junta à presente acta e que dela faz parte integrante;
c)  PCL, detentora de uma quota com o valor nominal de € 1.200,00 e uma quota com o valor nominal de € 350,00, neste acto devidamente representada pelo Sr. MC, conforme carta mandadeira que se junta à presente acta e que dela faz parte integrante;
d) MREC, detentora de uma quota com o valor nominal de € 1.200,00 e uma quota com o valor nominal de € 350,00, neste acto devidamente representada pela Sra. SPC, conforme procuração que se junta à presente acta e que dela faz parte integrante;
Por acordo dos sócios, assumiu a Presidência da Mesa da Assembleia Geral o Sr. MC.
A assembleia foi convocada por carta enviada a 06 de julho de 2021. A ordem de trabalhos foi a seguinte:
Ponto primeiro: deliberar sobre o Relatório de Gestão e as contas do Exercício de 2020
Ponto segundo: deliberar sobre a proposta de aplicação de resultados.
De imediato se entrou no primeiro ponto da ordem de trabalho, tendo tomada a palavra o Sr. MC, com a apresentação do relatório de gestão e as contas do exercício fiscal de 2020, que apresentam um lucro contabilístico de €469.416,18 (quatrocentos sessenta e nove mil quatrocentos e dezasseis euros e dezoito cêntimos), o qual se ficou a dever essencialmente à aplicação do método de equivalência patrimonial na contabilidade da empresa, por via dos lucros verificados no exercício, dessa mesma participação. O Relatório de Gestão e as contas do Exercício de 2020 foram aprovados com os votos favoráveis do sócio MC, CBC e PCL, que representam 75% do capital, e com o voto desfavorável da MREC, que representa 25% do capital.
Passou-se de seguida no segundo ponto, sendo igualmente deliberado se o resultado positivo de €469.416,18 (quatrocentos sessenta e nove mil quatrocentos e dezasseis euros e dezoito cêntimos) seria transferido para a conta de Reservas Livres existentes na empresa. A deliberação foi aprovada com os votos favoráveis do sócio MC, CBC e PCL, que representam 75% do capital, e com o voto desfavorável da MREC, que representa 25% do capital.
A SPC solicitou que fossem distribuídos dividendos sobre 50% dos resultados do exercício.
O MC constou que, nos termos do artigo 217 do CSC, a decisão por 75% dos sócios de não distribuir dividendos é suportada por lei. sendo que MC, CBC e PCL representam 75% do capital e não entendem que se deve distribuir dividendos.
A SPC declarou ser ilegal não distribuir pelo menos 50% dos resultados.
A SPC também solicitou nesta assembleia geral que lhe fosse enviado o Relatório de Gestão e Contas da SMN & Ca. Lda. tendo sido respondido que se irá requerer à gerência para diligenciar junto da SMN para obter esses elementos.
Nada mais havendo a tratar, foi a assembleia encerrada pelas doze horas e trinta minutos, dela se lavrando a presente acta que, depois de lida em voz alta, será assinada pelos presentes.”
12. O resultado liquido do exercício de 2020, foi de €469.416,18.
12-A.[1] Em 22.12.2021, a Autora transferiu para a sociedade Ré o aumento de capital aprovado em 23.07.2021.
13. Na acção que correu termos sob o n.º 16221/21.0T8SNT, no Juízo de Comércio de Sintra – Juiz 6, onde figura como Autora MREC, e como Réu MC, foi julgado improcedente o pedido de ser reconhecida a validade e eficácia da preferência exercida pela Autora no dia 12 de julho de 2021 e, em consequência, ser declarado o direito da Autora a haver para si, com efeitos a 12 de julho de 2021, quota no capital da SGN transferida pelo Réu à MC no valor nominal de € 775,00.
14. No dia 29 de julho de 2021 a Autora requereu uma providência cautelar de suspensão das deliberações, que correu termos neste tribunal, Juiz 5, sob o n.º 18468/21.0T8LSB, a qual foi julgado improcedente.
15. Em 29.07.2021, a Autora enviou à SGN a carta que consta como doc. 20 junto com a p.i. , que aqui se dá por integralmente reproduzida.
16. Em 2.08.2021, a SGN enviou à Autora a carta que consta como doc. 21 junto com a p.i. , que aqui se dá por integralmente reproduzida.
17. Em 23.12.2021, a SGN enviou à Autora a carta que consta como doc. 27 junto com a p.i. , que aqui se dá por integralmente reproduzida.
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A matéria de facto resultou do acordo das partes manifestado nos articulados e nos seguintes documentos: certidão permanente da Ré; certidão permanente da sociedade SMN & Companhia, Limitada, convocatórias juntas como documentos 10) e 11) com a p.i, actas juntas como documentos 16 e 19 com a p.i., cópia da sentença proferida no processo n.º 16221/21.0T8SNT, no Juízo de Comércio de Sintra – Juiz 6, cópia da decisão proferida na providência cautelar de suspensão das deliberações, que correu termos neste tribunal, Juiz 5, sob o n.º 18468/21.0T8LSB, e cartas que constam como documentos n.º 20, 21 e 27 juntos com a p.i..”
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4. Fundamentos do recurso
4.1. Anulabilidade das deliberações tomadas nas assembleias gerais da R. ocorridas em 23/07/2021, nos termos do art. 58º nº1 do CSC:
Peticiona a A., nestes autos, sejam anuladas as seguintes deliberações:
(i) aumento de capital da Ré no montante total de €43.800,00;
(ii) alteração do contrato de sociedade por forma a fazer constar o aumento de capital deliberado;
(iii) concessão de um suprimento no montante de €500.000,00 à SMN;
(iv) não distribuição dos lucros (periódicos) resultantes da atividade da sociedade no exercício de 2020.
Para tanto, a ora recorrente, e apenas quanto à primeira, segunda e quarta deliberações identificadas, porque legalmente previstas como necessitando de maioria qualificada, invocava, na petição inicial, a falta dessa maioria legal, atribuindo a si própria, que votou contra, a titularidade de determinada quota em relação à qual havia exercido direito de preferência.
Tal questão foi conhecida e julgada improcedente na sentença proferida, não tendo sido posta em causa nesta parte.
Assim, o presente recurso está restringido, quanto à validade das deliberações tomadas, à questão de se se trataram de deliberações ilegais ou abusivas com outros fundamentos que não a inobservância da maioria legalmente exigida.
Assim, e de acordo o objeto do recurso, tal como delineado pela A., apenas há que conhecer das causas de anulabilidade previstas nas als. a) e b) do nº1 do art. 58º do CSC.
Prescreve a al. a) do nº1 do art. 58º do CSC que são anuláveis as deliberações que:
«a) Violem disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade, nos termos do artigo 56.º, quer do contrato de sociedade;»
Nos termos do disposto no art. 58º, nº1, al. b) do CSC, uma deliberação é anulável quando, sem violar disposições específicas da lei ou do estatuto da sociedade – é “apropriada para satisfazer o propósito de sócio conseguir vantagens especiais para si ou para outrem em prejuízo da sociedade ou de outro sócio, ou o propósito de prejudicar aquela ou este, salvo se se provar que a mesma deliberação teria sido adotada sem os votos abusivos”.
Prevêem-se duas espécies de deliberações abusivas: as apropriadas para satisfazer o propósito de alcançar vantagens especiais em prejuízo da sociedade ou de sócios e as apropriadas para satisfazer o propósito tão só de prejudicar a sociedade ou os sócios (as denominadas deliberações emulativas); “tendo ambas pressupostos subjetivos (na 1.ª espécie, o propósito é o de alcançar vantagens especiais; e, na 2.ª espécie, o propósito é o de causar prejuízos) e objetivos (têm que ser objetivamente apropriadas a satisfazer os referidos propósitos).”[2]
Discute-se se, neste preceito o legislador se limitou a consagrar o princípio do abuso de direito plasmado no art. 334º do Código Civil relativamente às deliberações dos sócios, consistindo o abuso, em traços gerais, no exercício de um direito quando o seu titular excede o fim social ou económico desse direito.
No caso das deliberações sociais e como resulta do citado preceito legal a sanção da anulabilidade aplica-se, segundo Pinto Furtado, não “à deliberação vantajosa para a maioria e desvantajosa para a minoria, a sociedade ou terceiros, mas àquela que a estas características acrescente a feição excessiva, i. e., abusiva”; “se não houver no caso concreto o traço de um excesso nas vantagens especiais aprovadas, não será esta alínea que determinará a anulabilidade da deliberação respectiva, ainda que todo o restante quadro se suponha, por hipótese, preenchido.”[3].
Acrescenta ainda o mesmo autor que “Não será, pois, sem mais, abusiva a deliberação da maioria apenas susceptível de causar um dano à Sociedade ou aos sócios na prossecução de vantagens especiais, mas aquela que traduza esta ideia na forma ou na dimensão de um excesso manifesto, abrindo margem à situação de clamorosa injustiça de que falam os autores e quanto à qual, só verificada ela, poderá fazer-se disparar a eficácia reparadora do abuso de direito.”[4].
A redação do preceito legal em análise é algo infeliz já que parece fazer recair o abuso no voto quando, em rigor, o que é abusivo é a deliberação. Com efeito, “o voto exprime-se por um sim ou por um não a uma concreta proposta de deliberação. Enquanto aprova ou reprova a proposta, o sentido que vai exprimindo serve unicamente para estruturar o conteúdo final da deliberação – e só esse poderá, pela regulamentação de interesses que envolve, vir a traduzir-se no excesso manifesto que é o abuso: não há, portanto, votos abusivos; pode é haver deliberações abusivas.”[5].
Menezes Cordeiro defende um ponto de vista diverso, propondo que a violação do art. 334º do CC mantém a sua autonomia e não é consumido pelo art. 58º nº1, al. b) do CSC, que se queda “pelo exercício danoso do voto com propósitos extra-societários” desde que reunidos os requisitos objetivos e subjetivos[6].
Paulo Olavo Cunha defende também que as deliberações abusivas são aquelas “pelas quais se vai prosseguir um interesse particular, prejudicando-se o interesse dos sócios sem que isso corresponda ao interesse da sociedade.”[7] enumerando os seguintes requisitos para que a deliberação seja abusiva:
- a deliberação assegure vantagens especiais para o sócio ou para terceiro, em prejuízo da sociedade ou de outro sócio – requisito objetivo;
- a deliberação vise prejudicar a sociedade ou outro sócio – requisito subjetivo;
- a não verificação da cláusula de salvaguarda (requisito negativo).
Munidos destes conceitos e tendo em conta o objeto do recurso, tal como delimitado pelas partes, temos, assim, a apreciar os seguintes pontos:
- relativamente às deliberações de aumento do capital social e de alteração do contrato de sociedade, se é abusiva por desnecessária (não justificada pelo interesse social) e dirigida apenas à diluição da participação social da Recorrente (visando o prejuízo da recorrente) – cls. G e H do recurso interposto pela recorrente; há ainda que analisar a relevância do facto de a recorrente ter votado a favor da deliberação de alteração do pacto social e de ter acompanhado e realizado o referido aumento de capital social – cls. J e K do recurso interposto pela recorrente e conclusões E) a H) da resposta ao recurso e ainda se se trata de uma questão nova – cls. B) e C) das alegações da recorrida;
- quanto à deliberação de realização de suprimentos pela sociedade R. a sociedade de que é sócia, se tal deliberação visou apenas atribuir uma vantagem ao sócio gerente, titular de 40% do capital daquela outra sociedade, transferindo o risco da operação da sociedade participada para os sócios da sociedade participante – cls. L e M das alegações de recurso da recorrente; se tal se trata de uma questão nova – cls. L) e M) das contra-alegações da recorrida;
- quanto à deliberação de não distribuição de lucros relativos ao exercício de 2020:
a) se viola o disposto no nº1 do art. 217º do CSC, sendo anulável, nos termos da al. a) do nº1 do art. 217º, dado que a deliberação em causa tem que ter subjacente uma razão de interesse social, o que não sucede no caso – cls. R das alegações de recurso;
b) se é abusiva, nos termos da al. b) do mesmo preceito por beneficiar o sócio gerente da sociedade recorrida, dado que a verdadeira razão da não distribuição de lucros é a canalização de recursos para a outra sociedade, a SMN, em benefício do referido sócio gerente e em prejuízo dos sócios da recorrida, cujo direito aos lucros é negado, ficando a suportar o risco do negócio da SMN – cls. P das alegações de recurso da recorrente.
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4.1.1. As deliberações de aumento do capital social e de alteração do contrato de sociedade
A decisão recorrida, analisando o alegado carater abusivo desta deliberação, referiu que a alegação da A. se resumia à sua desnecessidade e ser dirigido apenas à diluição da participação social da A.
Apontou que o ónus de alegação dos factos que permitiriam concluir que estas deliberações eram apropriadas a prejudicar a sócia lhe pertencia, não tendo sido cumprido, nomeadamente não tendo sido invocado “que não dispunha de meios financeiros para acompanhar tal aumento de capital e que tal era do conhecimento dos demais sócios.”
Passo seguinte referiu-se o facto de se ter mantido a percentagem de capital social da A., com o aumento deliberado, subscrito pela A., que nenhum prejuízo invocou por esse ato.
Afastou, desta forma a alegada feição emulativa da deliberação e avançando referiu ainda que um aumento de capital social contribui sempre para a solidez financeira da sociedade, não sendo, por definição, prejudicial à sociedade.
Quanto à deliberação de alteração do contrato de sociedade, a decisão recorrida valorou o facto de a A. ter votado favoravelmente tal deliberação, e analisando a alegação de lapso no exercício do voto, concluiu que não integrava qualquer vício de vontade, nomeadamente erro, dolo ou coação, pelo que, nos termos do art. 59º nº1 do CSC, a A. não tinha o direito de peticionar a sua anulabilidade.
Em sede de recurso a recorrente coloca em causa as conclusões atingidas pelo tribunal, nos seguintes termos: o sócio gerente da SGN tem como objetivo a transformação desta em sociedade anónima com o fim de permitir a diluição da participação social da recorrente. Assim se explica o aumento para € 50.000,00, precisamente o montante necessário para o efeito, sendo esta a verdadeira razão do aumento deliberado. Assim se compreende a promoção de um aumento de capital social sem quaisquer razões que o justifiquem, prosseguindo a valorização da participação social do próprio e a diluição da dos restantes sócios, em especial a recorrente.
O suprimento também deliberado não justifica este aumento e a SGN não tem estrutura de custos que justifique este aumento.
A recorrente manteve a sua percentagem de participação porque à cautela acompanhou o aumento, o que não retira à deliberação o seu carater abusivo.
O facto de ter votado a favor da deliberação de alteração dos estatutos é irrelevante, dado que a anulação da primeira deliberação arrastará consigo a segunda deliberação como efeito. Acrescenta que tendo sido alegado um lapso o tribunal deveria ter determinado a produção de prova relativa a esse facto.
A recorrida, nesta parte, contrapôs que a recorrente apenas alegou, na petição inicial, que a deliberação em causa era abusiva por não prosseguir o interesse social da sociedade e que agora alega, de novo, que é abusiva por pretender diluir a participação social da recorrente, factos que nunca alegou e que não resultam da matéria de facto provada. Tratam-se de questões novas que não podem ser conhecidas em fase de recurso. Ainda assim alega que não se apurou nem benefício para os demais sócios da sociedade, nem prejuízo para a recorrente, que apenas alega que não queria realizar o aumento de capital social.
A recorrente acompanhou o aumento de capital e votou a favor da alteração dos Estatutos pelo que aprovou de forma tácita o aumento de capital social, pelo que estava impedida de invocar a anulabilidade desta deliberação (de aumento).
Quanto à deliberação de alteração do pacto social, não há dúvidas que a recorrente aprovou tacitamente o aumento e que não ocorreu nenhum vício de vontade pelo que estava impedida de arguir a anulabilidade desta deliberação.
Apreciando:
Tendo deixado já explicitada a regra do art. 58º, nº1, al. b) do CSC, a primeira nota a fazer é de que o preceito não sanciona com anulabilidade a deliberação que seja simplesmente tomada sem justificação ou coincidência com o interesse social.
A regra invalida as deliberações que visem beneficiar um sócio ou outrem em prejuízo da sociedade ou de outro sócio ou que visem prejudicar a sociedade ou outro sócio e sejam apropriadas para o efeito pretendido.
O interesse da sociedade intervém para aferir a medida do excesso manifesto, mediante a avaliação dos interesses envolvidos, um dos quais o interesse social.
Assim, o que importa aferir, em primeira linha, é se a deliberação de aumento do capital social foi apropriada para prejudicar a A., nomeadamente permitindo a diluição da sua participação social, o prejuízo invocado, ou se foi apropriada para conferir benefícios a outros sócios ou terceiros mediante prejuízo da sociedade ou da A. O interesse da sociedade intervém apenas para a aferição da relação entre um prejuízo, se existir, e esse interesse, e entre um beneficio que cause prejuízo, se existir, permitindo a avaliação da existência de excesso ou desproporção.
Começaremos pelas objeções levantadas pela recorrida.
Alega a recorrida que a recorrente, ao declarar subscrever o aumento de capital social e ao votar a favor da alteração dos estatutos, aprovou tacitamente a deliberação de aumento do capital social, pelo que não pode, nos termos do disposto no nº1 do art. 59º do CSC, arguir a nulidade desta específica deliberação.
Como referem Menezes Cordeiro e David Festas, em anotação ao art. 59º do CSC[8] a ação só poderá ser intentada por sócios que tenham votado contra e que não tenham depois aprovado a deliberação, expressa ou tacitamente, sendo a aprovação uma confirmação nos termos do art. 288º do CC, podendo ser tácita.
Pinto Furtado[9] refere ser preferível falar-se em “aceitação” e que, podendo esta ser expressa ou implícita, se terá que recorrer ao disposto nos arts. 217º e 218º do CC para o seu preenchimento.
Não temos qualquer dúvida que a subscrição de um aumento de capital social com o qual se discorda, dados os efeitos que essa decisão pode ter – no caso tratamos de uma sociedade por quotas, mas numa sociedade anónima poderíamos estar a falar de uma redução de percentagem que levasse à impossibilidade de impugnação judicial, ou, tratando-se de uma operação harmónio, ao desaparecimento da qualidade de sócio – não implica aceitação ou confirmação da deliberação que o aprovou e quanto à qual expressamente se votou contra.
A recorrente expressamente votou contra a deliberação de aumento de capital social e a sua representante apresentou observações coincidentes com esse sentido de voto (cfr. facto nº9), sugerindo que o aumento se fizesse por incorporação de reservas, logo após a declaração de intenção de subscrição. Assim, não há qualquer dúvida quanto ao sentido do seu voto nesta deliberação.
Subscrever ou não o aumento é uma opção diversa e que se prende com a execução da deliberação que pode ser consequências muito sérias na posição societária do titular do direito. O facto de a recorrente se ter apresentado a pedir a suspensão da deliberação (nº14 da matéria de facto dada como provada) e a anulação da mesma (com esta ação) demonstra que a declaração de intenção de subscrição, tal como a própria subscrição, não implicaram aceitação ou confirmação da deliberação de aumento de capital social. Não temos factos dos quais com toda a probabilidade se deduza a aceitação da deliberação (art. 217º nº1 do CC)[10].
Quanto à aprovação da deliberação de alteração consequente dos estatutos da sociedade, alega a recorrente que se tratou de um lapso, sobre o qual deveria ter sido produzida prova e que essa aprovação é irrelevante, dado que a ser anulada a deliberação de aumento do capital social tal acarretará também a anulação da deliberação de alteração dos estatutos.
A recorrente alegou na petição inicial que votou favoravelmente aquela deliberação “mas por lapso, por pensar que, a improceder a impugnação do aumento do capital, poderia ficar impedida de o acompanhar, e portanto com vista à sua participação não ser diluída”- cfr. nº129 da pi).
Tal como se apreciou na sentença recorrida esta alegação não é reconduzível a qualquer dos vícios da vontade previstos nos arts. 240º a 257º do CC, sendo, quanto muito, uma falha de conhecimento (jurídico), cuja essencialidade não é óbvia nem percetível por qualquer dos demais presentes. Não havia, assim, qualquer prova a produzir sobre uma falha de conhecimentos da representante da A. na assembleia geral, dada a respetiva irrelevância.
Mas na verdade esta aprovação é equiparável à declaração de intenção de subscrição, não sendo passível de ser interpretada como aprovação tácita da deliberação imediatamente anterior: aprovada a deliberação, de que se discordava, a alteração dos estatutos era uma consequência, uma execução da deliberação, que ocorreria com ou sem o concurso do voto da recorrente e que, como refere a apelante, acaba por ser irrelevante: esta impugnou a deliberação de aumento e, a ter êxito na sua pretensão, a anulação de uma deliberação acarreta a invalidade da deliberação consequente.
Apreciaremos agora, ainda em sede prévia ou prejudicial, a alegação da recorrida de que a este tribunal está vedado o conhecimento do prejuízo alegado (diluição da participação social) por se tratar de uma questão nova[11].
A A. e ora apelante havia arguido, no requerimento inicial, quanto a estas deliberações, o seguinte:
 - ser o único objetivo das deliberações abrir as portas para a transformação da Ré numa sociedade anónima e permitir ao sócio gerente diluir as participações sociais da Autora e as de todas as restantes sócias, de forma a adquirir o controlo exclusivo da SGN e, consequentemente, da SMN e dos lucros gerados por esta sociedade (18º pi);
Não se trata, assim, de uma questão nova, mas de uma outra forma de encarar a deliberação, a que já havia sido feita referência. Assim se explica, aliás, que a decisão recorrida tenha precisamente feito referência à alegação de ser visada a diluição da participação societária da A.
O que não significa que o argumento seja procedente.
O facto de o capital social aumentado ter ficado no limiar mínimo necessário para a transformação em sociedade anónima não acarreta, em si, nenhum risco de diluição da participação societária da A. e apelante.
Em primeiro lugar porque, como resulta da matéria de facto provada (pontos 7 e 9 da matéria de facto provada), os pontos da ordem de trabalhos desta mesma assembleia relativos à transformação da sociedade em sociedade anónima foram retirados.
Depois, porque a transformação de uma sociedade por quotas em sociedade anónima, em abstrato, não acarreta, em si, qualquer risco de diluição de qualquer participação social. E dizemos em abstrato porque em concreto nada foi alegado que permitisse a conclusão de que esta deliberação de aumento de capital social, como preparatória de uma transformação da sociedade, implicaria risco efetivo de diluição da participação social da A.
Acresce ainda que, no decurso dos autos não foi trazida notícia de ocorrência dessa preanunciada transformação.
Ou seja, exatamente a mesma conclusão atingida pela decisão recorrida e que os argumentos esgrimidos em recurso não põem em causa.
 As considerações tecidas pelo tribunal quanto à realização do aumento pela recorrente destinam-se à aferição desse prejuízo, cujo ónus de alegação cabia por inteiro à A.
A doutrina mais avalizada é unânime na necessidade, quanto à especifica deliberação de aumento de capital social, dos requisitos gerais previstos na al. b) do nº1 do art. 58º do CSC para que a deliberação possa ser considerada abusiva: assim Paulo Olavo Cunha[12] quando refere que os vícios das deliberações de aumento do capital social são comuns às demais deliberações e podem resultar, nomeadamente, do seu carater abusivo, e Coutinho de Abreu[13] refere que o mero enfraquecimento da posição do sócio resultante de não poder ou não querer subscrever um aumento deliberado não fundamenta, em princípio, o pedido de anulação do reforço do capital social.
Necessário seria a alegação de que os demais sócios ou um deles pretendiam, com a deliberação de aumento, diminuir a participação da A. porque sabiam que ela não conseguiria subscrever a mesma ou não iria fazê-lo, por não o querer ou por qualquer outro motivo.
Não só tal alegação não foi feita como os factos provados permitem concluir que a A. podia subscrever o aumento, como o fez (facto nº 12-A), querendo ou não querendo fazê-lo. Foi essa também a apreciação do tribunal recorrido, que aqui se subscreve.
Não há, também, de forma evidente, qualquer prejuízo da sociedade que possa ser valorado, seja como pressuposto do carater emulativo da deliberação, seja como contraponto de um inexistente e não alegado benefício de um dos outros sócios que votou no sentido que fez vencimento. Justificado ou não – e a ata, é parca na documentação da necessidade do aumento, referindo a necessidade de realizar um suprimento muito superior e que se não deve reduzir o capital próprio da sociedade (cfr. nº 9 da matéria de facto provada) – um aumento de capital social por entradas em dinheiro proporciona sempre recursos à sociedade, liquidez, meios para prosseguir a sua atividade.
As cautelas de que a lei rodeia a realização dos aumentos de capital, como nos explica Paulo de Tarso Domingues[14] destinam-se, em primeira linha a acautelar os riscos que a recorrente receia, os direitos dos sócios, garantindo mecanismos que previnam que seja usado como forma de desequilíbrio societário – a manutenção do status socii – e justificam-se exatamente nos casos de aumento por entradas em dinheiro. Os aumentos de capital por incorporação de reservas, porém, não são isentos de riscos para os sócios: “É que, deliberado o aumento de capital por incorporação de reservas – que não as legais, uma vez que estas não podem ser distribuídas (cfr. art. 296º CSC) – tornar-se-á bem mais difícil a possibilidade da sua distribuição pelos sócios, desde logo porque tal apenas passará a ser possível se for efetuada uma operação de redução do capital social (por exuberância).[15]
A deliberação em causa não é, assim, anulável por abusiva nos termos da al. b) do nº1 do art. 58º do CSC.
Quanto à deliberação de alteração dos Estatutos da sociedade recorrida, pese embora a improcedência da impugnação da deliberação de aumento e a interligação entre as duas, renova-se aqui tudo o que ficou supra referido relativamente ao alegado lapso pelo qual o voto teria sido emitido: o lapso concretamente alegado não é reconduzível a qualquer vício de vontade.
Se não pudemos valorar este voto a favor – no sentido que fez vencimento – como exteriorização de uma aceitação tácita da deliberação de aumento do capital social, como acima explicitado – a verdade é que também não podemos descartar o facto de que a ora recorrente votou a favor da proposta que agora pretende seja anulada.
Valorada autonomamente esta deliberação, uma vez descartada a anulabilidade da deliberação de aumento do capital social, estamos ante a hipótese de extinção do direito de pedir a anulação prevista no nº1 do art. 59º do CSC. Concordamos com a posição de Pinto Furtado, no sentido de que o voto no sentido que fez vencimento não gera ilegitimidade processual ativa para a interposição de ação de anulação, mas antes extingue o direito do sócio a pedir a anulação, por abuso de direito, acrescentamos, na modalidade de venire contra factum proprium.[16]
Improcedem, assim, tal como decidido na sentença sob recurso, os pedidos de anulação das deliberações de aumento do capital social da sociedade recorrida e de alteração dos estatutos da mesma.
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4.1.2. A deliberação de realização de suprimento
Na sentença recorrida o tribunal começou por caraterizar o contrato de suprimento concluindo que, dadas a sua noção e regime, a concessão de suprimentos à sociedade não configura uma vantagem especial, sendo uma forma de financiamento que coloca o sócio, perante a sociedade, e pelo valor do empréstimo concedido, em posição semelhante à de um terceiro credor.
Prosseguindo na análise concreta considerou-se que não havia indícios de que a deliberação visasse satisfazer os interesses do sócio MC dado que a sociedade R. é titular de 60% do capital social da sociedade a quem vai conceder o empréstimo e é da atividade da mesma sociedade que retira o rendimento. Acrescenta que as suspeitas expressas pela A. – da inexistência de necessidades imediatas de tesouraria – não são suficientes para dar à deliberação uma feição abusiva.
Aponta ainda que o empréstimo será remunerado e que não se trata de perda de valor para a R., que terá como contrapartida um crédito de igual valor.
Analisou ainda os valores do ativo, passivo e capital próprio da R., para concluir que a concessão do suprimento não a irá deixar descapitalizada ou por em causa o seu valor.
A circunstância de MC ser titular de 40% do capital social da sociedade a quem vai ser concedido o suprimento não indicia qualquer vantagem especial para este, sendo desconhecido se este realizou ou não suprimentos. Não se identificaram assim, quais quer vantagens especiais para a sociedade participada ou para o seu sócio minoritário, que é o sócio gerente da R.
A recorrente argumenta, em sede de recurso que o que o sócio gerente pretendeu foi utilizar o património da recorrida e os recursos dos sócios para capitalizar uma outra sociedade que detém diretamente em 40%, transferindo assim o risco da atividade daquela sociedade para os sócios da recorrida, em vez de ficar nos sócios da participada. Utiliza recursos alheios e vai receber 55% dos benefícios de uma atividade cujos riscos apenas suporta em 25%.
Esta deliberação, conclui, visa beneficiar o sócio gerente e prejudica a recorrida que suporta uma maior fatia do risco da participada que lhe caberia sem a deliberação. A capitalização ou descapitalização da SGN não releva, sendo uma sociedade fortemente capitalizada.
A recorrida contra-argumenta que o alegado benefício de MC, a redistribuição do risco, são novas questões e factos apenas alegados em sede de recurso, cujo conhecimento se encontra vedado.
Argumenta que a alegação de que o suprimento financiava a participada de forma muito menos onerosa para MC do que se concedesse ele próprio um suprimento não tem base factual. Não retirou nem visou retirar qualquer vantagem especial, o suprimento não prejudica a sociedade recorrida que retira todo o seu rendimento da atividade da participada não estando preenchida a previsão da al. b) do nº1 do art. 58º do CSC.
A recorrente havia alegado na petição inicial quanto à feição abusiva desta deliberação:
- quanto à concessão de suprimento à SMN, sendo a R. detentora de 60% do capital daquela, o sócio gerente da R. é detentor dos demais 40%, o sócio gerente não informou se o suprimento seria proporcional ou suficiente para colmatar as invocadas necessidades de tesouraria (219 a 220 e 224 a 227 da pi);
- duvida que existam necessidades de tesouraria (228 da pi);
- não foi justificado o não recurso a financiamento bancário (229 e 230 pi);
- (i) Não se demonstrou em que medida o aumento de capital seria relevante para a concessão do suprimento;
(ii) Não se demonstraram as concretas necessidades de tesouraria, a sua medida e a estratégia de aplicação do suprimento;
(iii) Não se demonstrou que o gerente da Ré, enquanto sócio da SMN, tivesse suportado um suprimento equivalente (proporcional) ao que foi deliberado realizar pela Ré; e
(iv) Não se demonstrou, por fim, por que razão não se recorria a um financiamento bancário. (231º da pi);
- julga a A. que o gerente da R. pretende utilizar o património da R. para capitalizar outra sociedade, detida diretamente em 40% por ele, transferindo o risco da atividade daquela sociedade para os sócios da R. e não para os sócios da SMN (233º pi);
- o sócio gerente da R. procurou assim, obter para si uma vantagem especial, a redistribuição do risco da SMN, beneficiando-se a si próprio (234º pi);
- também satisfaz os seus interesses ao disponibilizar fundos à SMN exclusivamente através da sociedade R. e de forma muito menos onerosa que se o fizesse enquanto sócio da SMN (235º pi);
Como pode verificar-se, a transferência do risco da atividade da participada SMN para os sócios da SGN estava já alegada, não constituindo matéria nova.
Passando à análise dos argumentos sob recurso verifica-se que, relativamente a esta deliberação é alegada a intenção de um dos sócios de conseguir vantagens especiais para si em prejuízo da sociedade e de outros sócios.
As vantagens alegadas como visadas são a imputação de um investimento à sociedade R., que lhe seria mais oneroso fazer, e a diminuição da sua exposição ao risco do negócio de uma sociedade de que é sócio mediante a sua transferência para a SGN e para os sócios da SGN.
O prejuízo para a SGN é o correspondente aumento da exposição ao risco.
A recorrente não coloca em causa, por qualquer forma, o total não apuramento de realização ou de não realização de suprimentos à SMN pelo sócio MC. Na verdade, trata-se de matéria que deixou alegada de forma conclusiva e como suspeita, tal como aliás a suspeita de falsidade das necessidades de tesouraria[17]. Deixou também cair o argumento relativo à necessidade de justificar o não recurso ao crédito bancário, que, assim, não será igualmente objeto de análise.
O contrato de suprimento consiste “no empréstimo ou mútuo (em dinheiro ou outros bens fungíveis) efetuado pelo sócio, em prol da sociedade, com um caráter de permanência – entendendo-se que esta corresponde a uma disponibilização financeira superior a um ano (cfr. art. 243.º, n.º 2) – ficando a sociedade obrigada a restituir bens do género e qualidade dos que foram disponibilizados, ou é o contrato pelo qual o sócio acorda com a sociedade o diferimento, por prazo superior a um ano, do vencimento de créditos que tem sobre a mesma (cfr. art. 243.º, n.º1).”[18]
É uma das formas de financiamento da sociedade à disposição dos sócios que, contrariamente ao alegado pela recorrente, por definição, não aumenta a sua exposição ao risco do negócio.
Como de forma clara explica Paulo de Tarso Domingues[19] “Ora se os sócios – em face das necessidades de financiamento – em vez de realizarem um aumento de capital social, efetuarem empréstimos à sociedade, eles estarão, por essa via, a resolver os problemas de financiamento da empresa, sem, contudo, aumentarem a sua responsabilidade relativa à atividade desenvolvida pela sociedade (como sucederia se tivessem financiado a sociedade através de um aumento de capital social), uma vez que – nesta hipótese – assumem, perante ela e pelo valor dos empréstimos realizados, posição semelhante à de um terceiro credor. Com uma vantagem substancial: a de poderem reembolsar os créditos quando lhes convier, na medida em que podem influir nas decisões da administração.”
É exatamente assim. Ao fazer este suprimento a SGN está apenas a assumir o risco do incumprimento por parte da SMN e não o risco económico relativo à atividade da SMN. Faz um empréstimo, fica com o crédito respetivo e uma remuneração (simbólica, de 1%) e sendo sócia titular de 60% do capital da SMN, quando entender, solicita o reembolso.
Não se verifica nem a vantagem alegada nem o prejuízo da sociedade ou dos respetivos sócios – note-se que os sócios da SGN foram chamados a um aumento de capital inferior a 50 mil euros e não a suportar este suprimento – porque não há qualquer redistribuição de risco.
Além do mais, não basta alegar genericamente a redistribuição do risco da atividade de uma determinada empresa sem o concretizar, exercício que, de todo, não foi feito.
Assim, concluímos, como o tribunal recorrido que não se verifica este fundamento de anulabilidade da deliberação.
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4.1.3. Deliberação de não distribuição de lucros
A sentença sob recurso analisou a questão da maioria legalmente exigida e, quanto à feição abusiva da deliberação, considerou não se verificar quando, na mesma data é aprovado um suprimento no valor de €500.000,00 a uma terceira sociedade. Entendeu também ser razoável que se mantenham os lucros do exercício em reservas livres para fazer face a futuros investimentos ou necessidades financeiras da Ré.
A recorrente defende em sede de alegações de recurso a anulabilidade desta deliberação com base na al. a) do nº1 do art. 58º, expondo que a exceção deliberativa contemplada no nº1 do art. 217º do CSC requer um outro requisito, que nas suas palavras tem vindo a ser associado implicitamente pela doutrina e jurisprudência e que será o de que “a deliberação de não distribuição de lucros (aprovada por votos correspondentes a um mínimo do capital social) não seja considerada abusiva nos termos do artigo 58.º, n.º 1, alínea b) do CSC.”
No caso não existem razões de interesse social que sustentem esta deliberação e o tribunal contradisse-se quando assume num primeiro momento que a R. é uma sociedade economicamente poderosa e depois a toma como uma sociedade em que é razoável reter capital através da não distribuição de lucros. Assim sendo deveria o tribunal ter considerado desadequada a prestação de um suprimento a terceira sociedade de € 500.000,00.
Considera que esta deliberação é abusiva, à luz da al. b) do nº1 do art. 58º do CSC, dado que teve apenas por objetivo canalizar recursos para a SMN, em benefício do sócio gerente e em prejuízo da SGN e da recorrente que se vê privada do seu direito aos lucros e fica a suportar o risco de operação da SMN.
A recorrida contrapôs que os sócios da SGN tiveram por propósito garantir a tesouraria desta, enquanto decorre o suprimento à SMN e que seria um contrassenso pedir aos sócios um aumento de capital e no mesmo dia distribuir dividendos.
A deliberação foi validamente tomada nos termos do nº1 do art. 217º do CSC.
Não se trata de uma deliberação abusiva porquanto não foi apropriada a beneficiar qualquer sócio nem a prejudicar a sociedade e que virá a proporcionar maior distribuição de dividendos da SMN à SGN e, consequentemente, desta aos seus sócios.
Apreciando:
O artigo 217º do CSC (bem como o art. 294º, aplicável às sociedades anónimas de redação similar) visou resolver uma questão interpretativa que resultava do art. 20º da Lei das Sociedades por Quotas e que deixava questões em aberto, sendo uma delas a de se uma sociedade por quotas poderia sacrificar, ano após ano, o lucro de cada sócio, reinvestindo-o.
Na discussão do anteprojeto chegou a ser ponderada a obrigatoriedade da distribuição de lucros, como decorre dos anteprojetos transcritos por Raúl Ventura em anotação a este artigo 217º[20].
Como referem António Menezes Cordeiro e Miguel Brito Bastos[21] “Pretendia-se evitar que a sociedade retivesse indefinidamente património, por vontade da maioria, contra a vontade e sem proveito para a minoria, a não ser uma teórica valorização da sua quota que nem poderia vender sem o consentimento da própria sociedade.
O projeto final (238º) chegou a um compromisso: distribuição de parte dos lucros mas mantendo os sócios o poder de deliberar em sentido contrário;”
Na reforma de 1987 (Decreto-Lei n.º 280/87, de 08/07) consagrou-se a exigência da maioria de três quartos para a deliberação de não distribuição de lucros, chegando-se assim, à redação atual desta norma supletiva e de claro pendor de proteção das minorias.
Resulta desde logo do nº1 do art. 217º citado que existe uma diferença entre o lucro do exercício (na linguagem do SNC resultado líquido do período) e o lucro distribuível - «... não pode deixar de ser distribuído aos sócios metade do lucro do exercício que, nos termos desta lei, seja distribuível.»
Há que entrar em linha de conta com um princípio norteador do direito das sociedades comerciais – a intangibilidade do capital social.
De entre as várias manifestações deste princípio temos, precisamente, o regime de atribuição de bens aos sócios – os arts. 31º e ss. do Código das Sociedades Comerciais – aí se proibindo, expressamente, no art. 32º, a distribuição aos sócios de quaisquer bens da sociedade quando a situação líquida seja inferior à soma do capital social com as reservas.
O nº1 do art. 33º do CSC estabelece que «Não podem ser distribuídos aos sócios os lucros do exercício que sejam necessários para cobrir prejuízos transitados ou para formar ou reconstituir reservas impostas pela lei ou pelo contrato de sociedade.»
Situação líquida é o termo usado pela lei que equivale a capitais próprios, termo usado no SNC e a Património ou a Activo Líquido – cfr. neste sentido Paulo de Tarso Domingues[22].
Como escreve este autor, a razão de ser da norma é a de “...permitir apenas a distribuição aos sócios de bens que constituam lucros da sociedade. A norma não visa, pois, impedir a distribuição de lucros; o que acontece é que na hipótese configurada não há verdadeiramente lucro, sendo, por isso, proibida a atribuição de bens aos sócios.”
No caso não se coloca qualquer questão de determinação do lucro distribuível, pelo que a aplicação da regra geral – distribuição de metade do lucro distribuível – era possível no caso concreto.
A posição avançada pela recorrente, de que a regra do nº1 do art. 217º do CSC foi violada por falta de um elemento que ali não se encontra previsto, não se reveste, à partida, de viabilidade.
A recorrente começa por afirmar que a jurisprudência e a doutrina associam ao nº1 do art. 217º do CSC um requisito implícito que se traduziria em a deliberação não ser abusiva.
Tendo em conta que se a deliberação for abusiva ela será anulável nos termos da al. b) do nº1 do art. 58º do CSC, não vemos como incluir o não preenchimento desta alínea na descrição típica de outro preceito. Ou a deliberação é anulável por abusiva ou não é. Se for abusiva esse facto não a faz ser ilegal por contrariar o nº1 do art. 217º, significando apenas que pode ser anulada nos termos do art. 58º, nº1, al. b) do CSC.
Nem o aresto citado faz tal construção, nem qualquer outro consultado, nem a doutrina o faz[23].
O que é referido, não como requisito adicional ou implícito do art. 217º do CSC, mas como regra geral é que esta deliberação, tal como qualquer outra, pode ser abusiva.
Assim, por exemplo, se escreveu no Ac. TRG de 10/05/18 (Maria Cristina Cerdeira):
“IV) - O regime do artº. 217º, nº. 1 do CSC permite que a assembleia geral de sócios delibere, por maioria de ¾ dos votos correspondentes ao capital social nela reunido, sobre a distribuição e/ou aplicação de lucros, desde que se não verifiquem as situações previstas no artº. 33º do CSC. e sempre que tal se entenda necessário à luz dos interesses da sociedade, permitindo deste modo que o interesse social se sobreponha ao interesse particular do sócio.
V) - Resulta do regime dos artºs 33º e 217º, nº. 1 do CSC que o direito dos sócios aos lucros não é absoluto e pode ceder perante o interesse da sociedade, que se pode sobrepor ao interesse individual de cada sócio, caso existam razões que o justifique.”
Ou no Ac. TRP de 28/03/2023 (Maria da Luz Seabra):
“I - Ainda que não se verifique qualquer uma das restrições legais à distribuição de lucros previstas no art. 33º do CSC, não bastará que haja lucros distribuíveis para que os sócios tenham direito a recebê-los, porquanto o direito ao recebimento do lucro concretizar-se-á no momento em que a assembleia de sócios delibere distribuí-los, sopesando o interesse inegável dos sócios a receberam a contrapartida económica da sua participação na sociedade em termos de lucros, com o interesse social na garantia de solvabilidade e sustentabilidade da própria sociedade.
II - O art. 217º do CSC, consagrando como princípio-regra a distribuição aos sócios de metade do lucro de exercício, no entanto, admite expressamente que tal não ocorra por deliberação qualificada de sócios, que representem ¾ do capital social.
III - O art. 58º nº 1 al. b) do CSC não impõe a sanção da anulabilidade à deliberação vantajosa para a maioria e desvantajosa para a minoria, a sociedade ou terceiros, mas somente àquela que, para além daquelas características nele mencionadas, acresça o carácter anormalmente excessivo do conteúdo aprovado.”
Aliás, é exemplar o aresto citado pela recorrente, o Ac. TRG de 29/06/17 (Conceição Bucho) que conclui pelo carater abusivo da deliberação de não distribuição de dividendos (nos termos da al.b) do nº1 do art. 58º do CSC) por não ter sido, em concreto, justificada. Ou seja, o carater abusivo da deliberação foi validado por si só e não como requisito implícito do nº1 do art. 217º do CSC.
Assim, não se verifica a invocada anulabilidade por violação do art. 217º nº1 do CSC, nos termos da alínea a) do nº1 do art. 58º do mesmo diploma, independentemente do carater abusivo da deliberação, a valorar ao abrigo da al. b) do mesmo preceito.
Coloca-se neste ponto com alguma acuidade a polémica acima referida quanto ao abuso de direito e à deliberação abusiva, mas que facilmente se ultrapassa mediante a constatação de que será uma “deliberação social abusiva, toda a deliberação, formal e objectivamente correcta, desarmónica com o fim social, que causa um prejuízo à sociedade ou aos sócios, nessa qualidade.  Caracteriza-se por visar a prossecução de um interesse particular, prejudicando o interesse dos sócios, sem que isso corresponda ao interesse da sociedade”[24]
Como já se referiu antes, o interesse da sociedade é aqui convocado para aferir a dimensão do benefício ou do prejuízo, para servir de fiel da balança, em especial na possível violação de uma norma estabelecida em função de razões de proteção dos sócios minoritários.
O que significa que teremos que compreender de que falamos, exatamente, quando invocamos o interesse social.
O interesse da sociedade surge referido expressa ou implicitamente em vários preceitos legais, nomeadamente do Código das Sociedades Comerciais[25] de que se destacam pela sua importância os arts. 64º, 6º nº3 e 58º nº1, al. b). Está presente o mesmo conceito nos preceitos que regulam a proibição de concorrência por parte dos sócios e gestores (180º, 254º, 398º e 477º), no direito à exclusão do sócio incumpridor (186º, 204º, 241º e 242º), na obrigação de prestações acessórias, na utilização pelo sócio do direito à informação, na matéria do direito aos lucros, de impedimentos de voto, de amortização de quotas ou acções, situações de aumento de capital e de supressão de direito de preferência, entre outros e ainda as situações de transmissão das participações sociais, quer inter vivos quer mortis causa. “Nestes casos, procurou-se conciliar em termos equitativos o interesse da sociedade, através da figura do consentimento desta em certos casos, com o interesse dos sócios, sendo que a regra proibitiva da transmissão sacrificaria em medida, talvez inaceitável, em ordem ao princípio da livre cedibilidade das participações sociais.”[26].
Resulta de várias disposições legais não serem os interesses dos sócios os únicos representados na formação da vontade social. No entanto os contratualistas (doutrina clássica) consideram ser à maioria dos sócios que compete a decisão sobre o interesse da sociedade, doutrina que, com algumas variações, é acolhida pela maioria da doutrina portuguesa. Pelas teses institucionalistas o interesse da sociedade é dissociado dos interesses dos sócios ou grupos de sócios, sendo a sociedade concebida como uma estrutura jurídica de empresa, como sujeito de um interesse não recondutível aos interesses dos associados mas que, de algum modo, representa o ponto de convergência dos interesses dos sócios actuais, dos sócios futuros, dos gestores, dos trabalhadores, dos consumidores e até da própria colectividade.
Dentro das teses contratualistas encontramos várias teses – as que defendem o interesse da sociedade como o interesse comum dos sócios actuais e futuros, as que defendem ser o interesse social apenas o dos sócios actuais, os que vêm o interesse no sócio médio, os que o atribuem a um objectivo abstracto, entre outros.
O que de facto ressalta, da perspectiva do julgador é que o interesse da sociedade – abstractamente presente em todas as deliberações sociais – tem que ser passível de ser apreciado de mérito, o que afasta desde logo todas as concepções que o transformam em algo em permanente mutação, ao sabor da vontade da maioria presente dos sócios.
Também releva o facto de o interesse da sociedade ter que ser avaliado de tantas formas e em tantas ocasiões – ao avaliar o direito de informação, quando o sócio minoritário o invoca como fundamento de anulabilidade contra deliberação tomada pela maioria, ao avaliar o comportamento do gestor, ao fixar o prazo de devolução de suprimentos, etc. - que a sua eleição, pela lei, em critério, tem necessariamente que ser suportada numa realidade objectiva e avaliável de uma perspectiva externa e imparcial que olha para a sociedade vendo um ser jurídico diverso dos respectivos sócios e com interesses não necessariamente coincidentes com estes.
A reforma de 2006 pareceu tomar partido nesta temática com o legislador a consagrar, no art. 64º do CSC, ainda sem definir interesse social, na al. b) do nº1 do preceito, “Os gerentes ou administradores da sociedade devem observar deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como trabalhadores, clientes ou credores”.
O legislador parece ter optado pela menção da tese contratualista corporizada pelos interesses de longo prazo dos sócios, sem arredar os contributos institucionalistas, ou seja, demarcou-se da discussão doutrinária corrente.
Assim sendo, a discussão entre as teses contratualistas e institucionalistas continua em aberto[27], sem bem que se assinale, nesta redação do art. 64º do CSC, a negação de qualquer das teses tradicionais “puras”, somando-se agora as conceções pluralistas que dão prevalência aos interesses dos sócios, mas atribuindo alguma relevância aos interesses de outros sujeitos envolvidos na empresa[28].
O que emergiu desta interessante discussão foi também uma visão fragmentada do interesse social, ou melhor, de “interesses sociais”[29], conforme seja erigido em padrão de comportamento dos sócios ou da administração[30], que se pode, com as devidas adaptações, estender aos orgãos de fiscalização, atento o aditamento a que se procedeu em 2006  ao artigo 64º do CSC que dispõe agora no nº3 que «Os titulares de orgãos sociais com funções de fiscalização devem observar deveres de cuidado, empregando para o efeito elevados padrões de diligência profissional e deveres de lealdade, no interesse da sociedade.»
Tendemos a concordar com as conceções pluralistas e fragmentadas que valoram devidamente a posição dos protagonistas no tecido societário, concordando assim que o interesse da sociedade privilegia, em primeira linha os interesses dos sócios de longo prazo, orientados para a a duração e saúde do projeto, sem descurar os interesses dos stakeholders que serão, muitas vezes, determinantes para o sucesso da empresa.
Transpondo estamos ante um conceito indeterminado que cumpre preencher, com recurso ao que ficou apurado.
E o que foi apurado foi que, no mesmo dia, foi tomada uma deliberação, que já sabemos válida, de prestação de um suprimento à participada SMN, no valor de € 500.000,00.
Um suprimento significa, à partida, saída de liquidez (substituída por um crédito), e sabemos que essa liquidez não ia ser assegurada pelo aumento do capital deliberado na mesma data (atenta a diferença nos montantes envolvidos).
Ou seja, em termos de racionalidade económica, faz sentido não se distribuir dividendos porque se vai fazer um suprimento de elevado montante.
O interesse da sociedade nos termos descritos (interesses dos sócios de longo prazo e não descurando terceiros envolvidos) recomenda que se mantenha e cuide da estrutura financeira da sociedade (a estrutura patrimonial permanece intocada, veja-se que o resultado líquido do exercício deriva precisamente da performance da participada a quem se vai fazer o suprimento – “aplicação do método de equivalência patrimonial na contabilidade da empresa, por via dos lucros verificados no exercício, dessa mesma participação.”[31]).
Não há qualquer contradição entre referir que uma sociedade pode conceder um suprimento de € 500.00,00 e que, para o efeito, faz sentido que não distribua os lucros do exercício.
Assim, a não distribuição de lucros, do ponto de vista do interesse da sociedade, surge justificada, em termos de racionalidade económica numa visão de longo prazo.
Não existe, consequentemente, prejuízo da sociedade e, quanto à requerente, o prejuízo é o adveniente do não recebimento da quota parte de lucros (50%) correspondente à sua participação social.
Não encontramos qualquer outro facto ou indício que permitisse concluir pelo excesso entre este sacrifício da recorrente e o interesse da sociedade.
O alegado benefício do sócio gerente é o benefício que já havia sido alegado (e afastado) quanto à deliberação de prestação de suprimento, com os fundamentos que aqui damos por reproduzidos e que permitem concluir pela sua inexistência.
Percorrendo a jurisprudência logramos discernir, na apreciação deste tipo de deliberações, pontos chave, que excedem o quadro regra do binómio interesse da sociedade v. interesse do sócio no recebimento da sua parte dos lucros[32]: assim é frequente que um longo período sem distribuição seja censurado (Ac. TRP de 22/02/21), a total ausência de justificação, à luz do interesse social (Ac. TRL de 07/02/2023), as necessidades previstas de capitalização, sem prejuízo de os eventos previstos não virem posteriormente a ocorrer, como suficientes para justificar o interesse social (Ac. TRE de 09/11/06), entre outros. Nenhum destes “indícios” se verifica no caso concreto.
No caso presente identificamos o interesse da sociedade em termos de racionalidade económica e não se identificaram benefícios ilegítimos do sócio gerente nem prejuízo da sociedade. Assim, esta concreta deliberação de não distribuição de dividendos do ano de 2020 não se mostra abusiva, pelo que, também nesta parte, merce confirmação a sentença recorrida.
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Face à improcedência do pedido de anulação da deliberação social tomada na assembleia geral da R. de não distribuição de dividendos, fica prejudicado o conhecimento do pedido de execução específica da deliberação social em falta de distribuição de metade dos lucros do exercício.
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A presente apelação improcede, assim, integralmente.
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A apelante, porque vencida, suportará integralmente as custas do presente recurso que, in casu se traduzem apenas nas custas de parte devidas, porquanto se mostra paga a taxa de justiça devida pelo impulso processual do recurso e este não envolveu diligências geradoras de despesas – arts. 663.º, n.º 2, 607.º, n.º 6, 527.º, n.º 1 e 2, 529.º e 533.º, todos do Código de Processo Civil[33].
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5. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar integralmente improcedente a apelação e, em consequência, decidem manter a sentença recorrida.
Custas de parte na presente instância recursiva pela recorrente.
Notifique.
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Lisboa, 19 de setembro de 2023
Fátima Reis Silva
Isabel Fonseca
Pedro Brighton
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[1] Numeração inserida por este tribunal para facilidade de compreensão e nomeação, dado que, por evidente lapso de escrita cometido na decisão recorrida, e que assim se corrige, este parágrafo, contendo facto autónomo e diverso do anterior, não recebeu numeração.
[2] Cfr Ac. STJ de 18/04/2023 (Barateiro Martins), disponível, como os demais citados sem referência, em www.dgsi.pt.
[3] Em Deliberações dos Sócios, pgs. 388 e 389.
[4] Local citado, pg. 389.
[5] Idem, pgs. 403 e 404.
[6] Em Código das Sociedades Comerciais Anotado…, pg. 304 e, mais desenvolvidamente em Manual de Direito das Sociedades, vol. I, Das sociedades em geral, Almedina, 2004, pgs. 664 a 666.
[7] Em Deliberações Sociais, já citado, pg. 238.
[8] Em Código das Sociedades Comerciais Anotado, Códigos Comentados da Clássica de Lisboa, 3ª edição, Almedina, 2020, pg. 309.
[9] Em Deliberações de Sociedades Comerciais, Almedina, 2005, pg. 740.
[10] Neste sentido veja-se o Ac. TRE de 15/12/08 (Silva Rato), no qual se considerou tacitamente aprovada uma deliberação de aprovação de contas por não ter sido judicialmente impugnada (tratando-se de uma assembleia de condóminos mas em lógica transponível para as assembleias dos sócios).
[11] Como alegado, os recursos apenas podem incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo incidir sobre questões novas, e exceção feita às questões de conhecimento oficioso, o objeto do recurso fica limitado por “…em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas” – Abrantes Geraldes, em Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 7ª edição atualizada, 2022, pgs. 139 a 142 e, entre outros os acórdãos STJ de 11/07/2023 (Jorge Leal), de 07/07/16 (Raúl Borges), Ac. TRL de 13/10/2022 (Nelson Borges Carneiro) e Ac. TRC de 08/11/2011 (Henrique Antunes).
[12] Em Deliberações Sociais – Formação e Impugnação, Almedina, 2020, pg. 294.
[13] Em Do Abuso de Direito, Almedina, 1999, pg. 172.
[14] Em O Financiamento Societário pelos Sócio (e o seu reverso), Almedina, 2021, pgs. 271 e 272.
[15] Local e autor citados, pg. 272.
[16] Pinto Furtado em Deliberações…, pgs. 738 e 739.
[17] O documento 18 junto com a petição inicial confirma a existência de um desfasamento razoável entre os prazos de recebimento e os prazos de pagamento da SMN, dele resultando igualmente a total ausência de financiamento com recurso a capitais alheios.
[18] Paulo Olavo Cunha em Direito das Sociedades Comerciais, 3ª edição, Almedina, dezembro de 2007, pgs. 431 e 432.
[19] Local citado, pg. 564.
[20] Em Sociedades por Quotas, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Vol. I, 2ª edição, Almedina 1993, pgs. 320 a 321.
[21] Em anotação ao art. 217º do CSC em Código das Sociedades Comerciais Anotado, 3ª edição, Almedina, 2020, pg. 771.
[22] in Capital e Património Sociais, Lucros e Reservas – Estudos de Direito das Sociedades, 4ª edição, nota 69 a pgs. 149.
[23] Para uma visão geral da doutrina quanto à questão da deliberação abusiva de não distribuição de lucros ver João Tiago Correia Pinto em A Não Distribuição de Dividendos no Seio das Sociedades de Capitais e a Exoneração Fundada em Justos Motivos enquanto Instrumento de Salvaguarda das Minorias, dissertação de mestrado, UCP, Porto, 2016, pgs. 32 a 33, disponível em https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/21945/1/Joao%20Tiago%20Correia%20Pinto.pdf.
[24] Cfr. Ac. TRL de (Pedro Brighton), citando o Ac. TRC de 06/11/12.
[25] Ver sobre o tema José Nuno Marques Estaca in O Interesse da Sociedade nas Deliberações Sociais, Almedina, 2003.
[26] – autor e local citados, pgs. 78 e 79.
[27] Por exemplo, João Regêncio em Do interesse social, RDS V (2013), 4, 801-818, disponível em http://www.revistadedireitodassociedades.pt/files/RDS%202013-04%20(801-818)%20-%20Doutrina%20-%20Jo%C3%A3o%20Reg%C3%AAncio%20-%20Do%20interesse%20social.pdf, analisando já a redação de 2006 aponta, porém, que a função do art. 64º é ainda e apenas o de lembrar que os stakeholders são importantes para o sucesso da empresa, optando por uma tese contratualista em que o interesse social corresponde ao “interesse comum dos sócios em lucrar através da actividade desenvolvida pela sociedade (…).” um “interesse social-quadro, a exigir concretização a cada momento pelos órgãos sociais”, “operada pelo princípio maioritário” e que não pode ultrapassar os limites impostos pelo referido interesse social quadro.
[28] Ver mais em detalhe Pedro Caetano Nunes em Dever de Gestão dos Administradores de Sociedades Anónimas, Almedina, Teses, 2018 (reimpressão), pgs. 450 a 455.
[29] A expressão é de Coutinho de Abreu em Deveres de Cuidado e de Lealdade e Interesse Social, em Reformas do Código das Sociedades, IDET, Colóquios, nº3, Almedina, Março de 2007, pgs. 17 e ss.
[30] A questão surge essencialmente discutida a propósito dos administradores, como se vê do texto citado na nota anterior ou da abordagem de Pedro Caetano Nunes, na obra também já citada.
[31] Ata reproduzida em 9 da matéria de facto provada.
[32] O direito aos lucros qua tale não é posto em causa por uma deliberação anual de não distribuição de dividendos, como refere Filipe Cassiano dos Santos, em O Direito aos Lucros no Código das Sociedades Comerciais, Problemas de Direito das Sociedades, Almedina-IDET, 2002, pgs. 187 e 188.
[33] Vide neste sentido Salvador da Costa in Responsabilidade das partes pelo pagamento das custas nas ações e nos recursos, disponível em https://blogippc.blogspot.com/.