Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ROSA MARIA CARDOSO SARAIVA | ||
Descritores: | DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO PERSEGUIÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/05/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | I. O dever de fundamentação, designadamente através do exame crítico da prova, corresponde a uma exigência fundamental, decorrente de uma imposição constitucional, que visa dotar a decisão da capacidade de se tornar entendível para todos os destinatários. II. Tal dever mostra-se devidamente cumprido desde que a sentença contenha a enunciação dos momentos probatórios em que se fundou a convicção alcançada e proceda à discussão sobre o percurso racional que traduz a apreciação desses elementos III. O vício da insuficiência da matéria de facto haverá de decorrer do texto da decisão, ou deste passado pelo crivo das regras da experiência comum, e terá de consistir na existência de uma lacuna factual que impede a decisão de direito, bem como quando o tribunal não investiga a totalidade da matéria de facto, quando podia e devia fazê-lo. IV. Tal vício, pois, não se confunde com a impugnação da matéria de facto provada e não provada, nomeadamente com invocação da insuficiência da prova para legitimar determinada decisão. V. Ora, a impugnação da matéria de facto exige que se observe a tramitação imposta pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 412º do CP Penal, pelo que ausência dos referidos elementos conduz à rejeição do recurso, nessa parte. VI. O crime de perseguição, p. e p. pelo artigo pelo artigo 154º-A do CP, é um crime de mera actividade e de execução livre que tem como elementos típicos a acção de assédio ou perseguição, praticada pelo agente ou por intermédio de terceiro; a reiteração das aludidas condutas que sejam adequada a causar medo ou inquietação na vítima ou a prejudicar a liberdade de determinação desta. VII. São adequados ao preenchimento do tipo comportamento repetidos por um agente como sejam o aparecimento dele nos locais onde a vítima permanecia, designadamente junto da sua casa e da casa dos seus pais, mandando mensagens de modo insistente, que, pela sua frequência e persistência, se mostram aptas a causa e medo e inquietação e a prejudicar a sua liberdade de determinação. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Criminal (9ª) do Tribunal da Relação de Lisboa: * I – Relatório: No Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 11, foi proferida sentença, que decidiu do seguinte modo (transcrição): “VIII- DECISÃO Em consequência do exposto, o Tribunal decide: a) Absolver o arguido AA, da prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b), n.º 2, alínea a), do Código Penal. b) Convolar a acusação imputada ao arguido AA, para um crime de perseguição, previsto e punido pelo artigo 154.º-A, n.º 1, do Código Penal c) Condenar o arguido AA, pela prática de um crime de perseguição, previsto e punido pelo artigo 154.º-A, n.º 1, do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão. d) Suspender a execução da pena referida em c) pelo período de 1 (um) ano e 6 (seis) meses, subordinada às seguintes regras de conduta (artigo, 50.º, do Código Penal): -Não se aproximar da residência da assistente e dos pais desta, bem como do local de trabalho da assistente. - Não contactar com a assistente por qualquer meio. (artigos 50.º do Código Penal). e) Condenar o arguido AA nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) U. C., e nos demais encargos com o processo, nos termos do disposto nos artigos 513.º e 514.º todos do Código de Processo Penal e artigos 8.º e 16.º do Regulamento das Custas Processuais. * Após trânsito: a) Remeta boletins ao registo criminal; b) Envie cópia da presente sentença, comunique, com urgência, à DGRSP, a nos termos do artigo 494.º do Código de Processo Penal; c) Comunique ao organismo da Administração Pública responsável pela área da cidadania e da igualdade de género, bem como à Direcção-Geral da Administração Interna – artigo 37.º da Lei n.º 129/2015 de 30 de Setembro.” * Inconformado, o arguido AA recorreu, apresentando motivações, e concluindo do seguinte modo (transcrição): “CONCLUSÕES 1 - Este processo correu sob o espetro da imputação de um crime de violência doméstica ao recorrente, tendo posteriormente sido convolado em crime de perseguição; 2- A factualidade dada como provada assentou nos depoimentos testemunhais, tanto da acusação como da defesa; 3 - O artigo 127.º do CPP consagra o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador; 4 - O princípio da livre apreciação da prova não pode consistir numa concessão de arbítrio que colida com as regras da experiência comum; 5 - O Tribunal credibilidade às declarações prestadas pela assistente, pelas testemunhas BB, CC, DD, EE, FF e GG; 6 - Nessa sequência, deu como provados os factos constantes dos pontos 1 a 45; 7 - Sucede que assistente e as suas testemunhas apresentaram factos em juízo que colocam em causa a sua credibilidade; 8 - A assistente e as suas testemunhas, por um lado apresentam o recorrente como sendo perigoso, um perseguidor que levou a assistente a sentir medo pela sua vida, tendo esta até saído de casa para ficar a morar em casa dos amigos por alguns meses; 9 - Por outro, ninguém logrou explicar como é que, após tantos aditamentos, na sequência dos alegados avistamentos, em momento algum foi pedida uma medida de afastamento do recorrente; 10 - A assistente rejeitou a teleassistência quando lhe foi proposta; 11 - A mãe da assistente falou em ameaças de morte que o recorrente teria feito à filha, bem como a um suposto futuro companheiro; 12 - Referiram que viram o recorrente quando apenas identificavam uma motorizada, que acreditavam ser daquele; 13 - Chegaram a identificar a motorizada de forma errada, dando o exemplo das malas, quando naquela época a recorrente não as tinha devido a um acidente de mota; 14 - Noutros casos alegavam tratar-se do recorrente porque a assistente o dizia, por alegadamente conhecer a mota e o blusão do recorrente; 15 - As mensagens recebidas de contas com nomes aleatórios ou associados ao recorrente, eram na maioria dos casos, mensagens vagas; 16 - Numa das mensagens, enviadas por um perfil “AA” até se faz menção a um “HH”, que nem a assistente nem o recorrente souberam identificar; 17 - Não foi feita qualquer perícia ou tentativa de deteção do IP, bastando-se a investigação com as declarações da assistente, secundada pelas testemunhas, suas amigas; 18 - Também o recorrente era alegadamente visto à hora do almoço a rondar a casa dos pais da assistente, quando se demonstra o quão pouco verosímil seria; 19 - O recorrente também foi alegadamente visto quando estava no ..., não faltando provas disso, refugiando-se o Tribunal a quo no facto de não ser possível, indo em sentido totalmente contrário às regras da experiência comum; 20 - Ficou assente, mormente pelo Relatório Social e pelas declarações do recorrente, que o mesmo sempre esteve, e está empenhado em desenvolver a sua carreira, além de que estava num relacionamento com outra pessoa no verão de 2020; 21 - O Tribunal a quo deu como provados os factos, baseando-se na palavra da assistente, tendo a mesma sido secundada pelos amigos e família; 22 - No entanto, analisando de forma crítica as ações da mesma, vemos que não se coaduna com as regras da experiência comum e do normal acontecer; 23 - Deveriam ter sido dados como não provados os factos dos pontos 1 a 42. 24 - Foram violadas as normas jurídicas seguintes: art.º 32.º da Constituição da República Portuguesa; art.º 6.º da CEDH; art.º 11.º da DUDH; artigo 154.º-A do Código Penal; artigo 127.º e 410.º n.º 2 al. a) do Código de Processo Penal; 25 - Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proc.º n.º 16/15.2GCABF.E1 26- A douta Sentença de 11/06/2024 deve ser substituída por douto Acórdão que, verificando os fundamentos supra elencados, absolva o recorrente do crime em que foi condenado, com as demais consequências legais.” * O recurso foi admitido, com subida nos próprios autos e com efeito suspensivo (art.º 399º, 401º, 1 406º, nº 1, 407º, nº 2, al. a) e 411º, nºs 1 e 3 do CPPenal). * A assistente II respondeu ao recurso, pugnando pela respectiva improcedência, com a manutenção da decisão recorrida, apresentando as seguintes conclusões (transcrição): “CONCLUSÕES: A. Decidiu bem o Tribunal a quo ao condenar o Recorrente pela prática de um crime de perseguição, previsto e punido pelo artigo 154.º-A, n.º 1 do Código Penal (CP), na pena de 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano e 6 (seis) meses, subordinada às regras de conduta (artigo 50.º do CP) de não se aproximar da residência da assistente e dos pais desta, bem como do local de trabalho da assistente e de não contactar com a assistente por qualquer meio, bem como ao condenar o arguido nas custas do processo, fixando a taxa de justiça em três UC’s, e nos demais encargos com o processo, nos termos do disposto nos artigos 513.º e 514.º do CPP e nos artigos 8.º e 16.º do Regulamento das Custas Processuais. B. Alega o Recorrente que para a boa decisão da causa e para descoberta da verdade era essencial que a análise dos depoimentos tivesse sido feito de uma forma que não foi a efetivada pelo Tribunal a quo, porquanto, no seu entender, o Tribunal atribuiu injustificadamente credibilidade às declarações prestadas pela assistente, pelas testemunhas BB, CC, DD, EE, FF e GG. C. Ora, tal entendimento não acolhe pois resulta demonstrado que o Tribunal a quo não motivou a decisão de facto apenas com base nas testemunhas arroladas pela acusação, tendo valorado também as declarações do arguido e da assistente, bem como as declarações de todas as testemunhas inquiridas e os documentos juntos aos autos. D. No que ao depoimento da assistente diz respeito, veio o Recorrente, em sede de alegações de recurso, invocar que não se coadunam as afirmações por parte da mesma de que se terá sentido intimidada por conta das alegadas deslocações do recorrente até à zona da residência dos seus pais, bem como da sua, e ainda assim recusar a teleassistência que lhe foi proposta. E. Ora, tal argumento não pode proceder. O facto da Recorrida não ter requerido a aplicação da medida de teleassistência não justifica, nem abre portas a que seja permitido ao Recorrente perseguir a mesma e atentar contra o seu livre desenvolvimento da personalidade, bem como contra a sua liberdade e autodeterminação. F. O Recorrente perseguia constantemente a Recorrida por onde quer que esta se encontrasse e forçava o contacto com a mesma de inúmeras formas, mesmo depois de a Recorrida esclarecer diversas vezes que não pretendia manter qualquer ligação com o mesmo. G. Com as suas condutas, o Recorrente invadiu o espaço pessoal da Recorrida, bem como a sua esfera íntima, importunando a mesma de tal forma que esta se viu obrigada a ausentar-se da sua residência por largos meses, ficando a residir em casas de amigas, com receio das condutas adotadas pelo primeiro. H. Assim, andou bem o Tribunal a quo ao considerar que “As declarações da assistente, revelaram-se esclarecedoras e claras quanto à precisão das mensagens que recebe, assim como estas a afectaram na sua vida, sendo por esse motivo merecedoras de credibilidade permitindo a resposta aos pontos 1. a 37. dos factos provados”. I. As declarações proferidas pela Recorrida foram ainda corroboradas pelos depoimentos das testemunhas BB, CC, EE, MM, FF e GG, testemunhas estas que se revelaram claras e esclarecedoras, não demonstrando qualquer animosidade para com o Recorrente, razão pela qual mereceram, com toda a razão, a credibilidade que lhes foi atribuída pelo douto Tribunal a quo. J. Dos depoimentos supra descritos resulta clara a insistência do Recorrente e as frequentes deslocações aos locais de referência para a Recorrida, nomeadamente à sua casa e à casa dos seus pais, tendo sido avistado diversas vezes nos locais mencionados, tanto pela Recorrida, como pelos pais e amigos da mesma e até pelo agente da Polícia de Segurança Púbica encarregue de proceder às avaliações de risco. K. Não obstante, e apesar da relevância do que aqui foi relatado, não se bastou o douto Tribunal a quo com os depoimentos supra descritos. A acrescentar a estes, foram ainda considerados os depoimentos das testemunhas arroladas pelo Recorrente, nomeadamente a testemunha NN e as testemunhas OO, PP, QQ e RR, testemunhas às quais o Tribunal a quo atribuiu também credibilidade, por considerar que as declarações das mesmas se revelaram claras e esclarecedoras quanto aos factos de que tinham conhecimento. L. Por essa razão, não se diga agora em sede de alegações de Recurso que o douto Tribunal a quo apenas se baseou em depoimentos de umas testemunhas e não de outras, uma vez que resulta claro da douta sentença recorrida que tal não corresponde à verdade. M. Face ao supra exposto, é notório que foram tidos em consideração pelo douto Tribunal a quo todos os elementos de prova existentes, tendo estes permitido concluir irrefutavelmente pela prova dos factos que constam da sentença recorrida como factos provados. N. No que concerne à fundamentação de direito, afirma o Recorrente que o crime de perseguição pelo qual foi condenado tem como bens jurídicos protegidos a integridade física e psíquica, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual e até a honra e que, in casu, a prova feita em sede de audiência não logrou demonstrar que o Recorrente tivesse comprometido nenhum dos bens jurídicos em causa. O. Ora, tal como afirmou o Tribunal da Relação de Évora em acórdão datado de 05-11- 2019, proc. n.º 17/16.3GBRMZ.E1 (relator João Amaro), “A “perseguição” (ou “stalking”) é um padrão de comportamentos persistentes, que se traduz em formas diversas de comunicação, contacto, vigilância e monitorização de uma pessoa-alvo. Tais comportamentos podem consistir em ações rotineiras e aparentemente inofensivas (como, por exemplo, oferecer presentes constantemente, telefonar insistentemente), ou mesmo em ações inequivocamente intimidatórias (como, por exemplo, seguir a vítima constantemente - a pé ou em veículo automóvel -, enviar repetidas mensagens de telemóvel com conteúdo persecutório e/ou “ameaçador”, enviar correspondência escrita de idêntico conteúdo, etc.) (...)” P. No caso dos autos, verifica-se a tipicidade da conduta, uma vez que o Recorrente se dirigiu, diversas vezes, à zona de residência quer da Recorrida, quer dos pais desta, persistiu frequentemente no contacto com a Recorrida, quer por intermédio de contactos telefónicos, quer com recurso às redes sociais. E, mesmo depois da Recorrida bloquear todas as redes sociais que conhecia do Recorrente, este criava novos perfis com o intuito de a importunar. Q. As condutas do Recorrente não só eram adequadas a causar medo e inquietação na Recorrida, como tal, de facto, veio a suceder, razão pela qual as condutas do Recorrente são ainda ilícitas porque violadoras do bem jurídico protegido pelo artigo 154.º - A do Código Penal, a liberdade individual. R. Ademais, o Recorrente agiu de forma livre, esclarecida e intencional, bem sabendo que a sua conduta não era querida pela Recorrida e que importunava a mesma, estando assim verificado o elemento volitivo do dolo, tratando-se, no caso, de dolo necessário, uma vez que apesar de o Recorrente não ter como objetivo final o resultado da sua conduta, aceitou o mesmo como sendo uma consequência necessária da mesma. S. A Douta Sentença recorrida encontra-se assim devidamente fundamentada e conta com a enumeração dos factos provados e não provados, bem como com uma exposição completa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. T. Contrariamente ao afirmado pelo Recorrente, e tal como consta da douta Sentença “O Tribunal fundou a sua convicção concreta e globalmente, a partir da prova produzida em audiência de julgamento, depois de criticamente analisada, à luz das regras de experiência comum da verosimilhança, incluindo-se as declarações de arguido e assistente os depoimentos das testemunhas inquiridas e os documentos juntos aos autos, designadamente, o certificado de registo criminal”, inexistindo assim fundamentos para a sua substituição.” * Por seu turno, o Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência e apresentando as seguintes conclusões (transcrição): “III - Conclusões A) Vem o presente recurso interposto da douta sentença que condenou o arguido pela prática de um crime de perseguição, previsto e punido pelo art.º 154º-A, do Código Penal. B) Não se verifica, no texto da decisão recorrida, qualquer dos vícios elencados no art.º 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não se descortina qualquer falha grosseira que seja detectável, do mesmo passo que não se mostra que tenham sido considerados provados factos incoerentes ou inconciliáveis entre si, nem que o decisor se tenha baseado em juízos ilógicos, arbitrários, absurdos ou contraditórios, desrespeitando as regras da experiência comum e da normalidade da vida. C) Face ao princípio da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação, e não visando o presente recurso um segundo julgamento, mais não resta do que reconhecer que a sentença proferida não se mostra ferida de qualquer vício, nem de um evidente erro de julgamento, estando devidamente fundamentada, e a motivação da convicção do julgador permite seguir, de modo lógico, todo o percurso analítico desenvolvido. D) O recorrente não cumpriu o ónus de especificação, considerando, em termos genéricos, que não poderiam ter sido dados como provado os factos elencados que consubstanciam os elementos objectivos e subjectivos do crime pelo qual foi condenado, procurando substituir a convicção de quem julgou pela convicção de quem espera uma decisão favorável. E) Não indicou qualquer meio de prova que obrigasse a decisão diferente da proferida, mostrando apenas o seu desacordo quanto à leitura que a Mm.ª Juíza a quo fez da prova produzida e a credibilidade que atribuiu, ou não, a tal prova. F) Verificando-se que a Mm.ª Juíza a quo formou a sua convicção com base em provas não proibidas, o respeito pelo princípio da livre apreciação da prova impõe que, em detrimento da convicção formada pelo recorrente, prevaleça a convicção que o julgador retirou da prova produzida, motivo pelo qual não nos merece reparo a correcção da sentença proferida e esta não pode ser censurada, sob pena de violação do princípio da livre apreciação da prova pelo julgador. Termos em que deverá o recurso ser julgado improcedente e manter-se a decisão recorrida.” * Uma vez remetido a este Tribunal, a Exmª Senhora Procuradora-Geral Adjunta deu parecer referindo, designadamente, que: “III. A signatária revê-se na resposta oferecida aos autos pelo MP junto da primeira instância. Na verdade, o recorrente, pretendendo fazer a chamada impugnação ampla da matéria de facto, art.º 412.º n.º 3e 4 do Código de Processo Penal, falha em identificar os concretos pontos de factos que considera incorretamente julgados, retirando dos depoimentos prestados em julgamento, excertos que sufragam a sua opinião. Ora, como já se disse, o tribunal a quo escudou-se de forma irrepreensível no art.º 127.º CPP, fundamentando de forma clara as razões da sua convicção, não parecendo as mesmas dignas de censura. Acresce que não resultam dos autos nenhum dos vícios a que alude o art.º 410.º CPP, pelo que por nenhum modo poderia o recurso interposto obter provimento. IV. Deve assim improceder o recurso em apreço. A final, não obstante, melhor se dirá.” * * Cumprido o disposto no art.º 417º do CPP, o recorrente nada veio dizer. * Proferido despacho liminar e, colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência. * * II- Questões a decidir: Preceitua o art.º 412.º, n.º 1, do CPPenal que “A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”. É consabido que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso ou de nulidades que não se considerem sanadas, o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na decorrência dos argumentos expendidos em sede de motivação. Assim, as questões a decidir prendem-se com o seguinte: - Falta de exame crítico da prova. - Insuficiência da matéria de facto versus impugnação da matéria de facto. - Verificação do crime de perseguição. * * III – Da sentença recorrida (transcrição parcial): “III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A) Factos provados Discutida a causa, e com relevância para a mesma, resultaram provados os seguintes factos: - Da acusação 1. O arguido e a vítima II mantiveram uma relação de namoro entre Novembro de 2017 e inicio de Maio de 2020, com algumas interrupções. 2. Entre Março e início de Maio de 2020 partilharam casa na residência de II sita na Av. ..., Lisboa. 3. Contudo, em noite não apurada do início do mês de Maio de 2020, II comunicou ao arguido que pretendia terminar a relação, iniciando-se uma discussão. 4. Nessas circunstâncias, o arguido pegou numa caixa de preservativos da vítima e tentou rasgar os invólucros individuais que continham os preservativos 5. O arguido manteve-se na residência durante uma semana, em quartos separados, vindo a sair para o quartel pelo tempo previsto de duas semanas. 6. Nessa ocasião, a vítima disse ao arguido que não queria que regressasse a sua casa e que não iriam de férias juntos. 7. No entanto, o arguido não aceitou o termo da relação e, desde então e, pelo menos até Fevereiro de 2021, insistiu em reatar a relação e manter o contacto com a vitima, 8. Para tanto várias vezes por semana e, em alguns desses dias, diversas vezes, efectuou múltiplos telefonemas à vítima e enviou-lhe inúmeras mensagens, deslocou-se junto da sua casa e dos seus pais, sita na Rua ... e enviou flores para o seu local de trabalho. 9. As mensagens eram enviadas, em especial, através de diversos perfis das redes sociais, alguns dos quais o arguido criava após ser bloqueado pela vítima. 10.A fim de melhor controlar a vida da vítima, o arguido pediu amizade nas redes sociais a amigos daquela. 11. Ainda, em Maio de 2020, num dia não determinado, o arguido deslocou-se a casa da vitima para ir buscar os seus pertences contudo insistiu em retomar a relação, o que foi recusado. 12. Com receio de que o arguido atentasse contra a sua integridade física, a vítima foi viver para casa de uma amiga por cerca de dois meses, contudo quando regressou o arguido continuou a deslocar-se junto da sua casa. 13. No dia 20-7-2020, pelas 17h16, o arguido através do perfil …enviou uma mensagem pelo Instagram com o seguinte teor “tenho saudades tuas, queria tanto estar aqui contigo”. 14. No dia 20-7-2020, pelas 19h11, através do perfil … enviou uma mensagem pelo Instagram com o seguinte teor “já deves ter outro mas é”. 15. No dia 21-7-2020, às 0h23 através do perfil … começou 4 conversas de vídeo e enviou enviar uma mensagem com o seguinte teor “foda se crl eu sei que vês”. 16.No dia 21-7-2020, pelas 1h24 através do perfil AA efectuou uma chamada de voz, uma conversa de vídeo e mandou 3 mensagens com o seguinte teor “II é o AA”, “desculpa por tudo, tenho tentado falar contigo” “eu estou arrependido do que fiz” “eu perdoou-te o que fizeste”, “mas peço-te perdão”. 17. De seguida através do perfil AA fez uma chamada de voz para a vítima e mandou mensagem com o seguinte teor “tu és a tal!” e “é contigo que eu quero passar o resto da minha vida”. 18. Fez, de seguida, às 9h04 fez cinco chamadas. 19. Às 9h29 através do perfil AA e enviou as seguintes mensagens “II” “eu só preciso saber se estiveste com alguém”. 20. Às 18h24 e 18h58 através do perfil AA enviou mensagem com o seguinte teor “O II” “II”. 21. Através do perfil AA fez outra chamada, pelas 20h32 e escreveu “eu estou arrependido do que fiz”, “ele perdoou-te o que fizeste” “tens toda a razão em estar chateada comigo”. 22. Através do perfil AA fez nova chamada para a vítima e enviou a mensagem “sei que estás a viver a tua vida como dantes…sem nunca te lembrares que alguma vez estiveste comigo, fiz coisas muito más eu sei”, “mas eu peço-te perdão”. 23. De seguida, o arguido efectuou nova chamada e escreveu mensagem “tu es a tal!” “é contigo que quero passar o resto da vida”. 24. No dia 21-7-2020, às 18h30, através do perfil ... o arguido tentou iniciar uma conversa de vídeo com a vítima. 25. No dia 21-7-2020, às 20h31 através do perfil ... o arguido mandou uma mensagem com o seguinte teor “tou cheio de saudades tuas, amo te para crl”. 26. No dia 22-7-2020, pelas 13h38 através do perfil ... o arguido mandou três mensagens com o seguinte teor “que é necessário fazer pra que acredites em mim”, “isto é, um suplicio” “caramba” e de seguida começou 10 conversas de vídeo. 27. No dia 22-7-2020, através do perfil AA pelas 13h20, o arguido enviou a seguinte mensagem “!!!!” 28. No dia 23-7-2020, através do perfil AA, o arguido fez 4 chamadas e enviou a mensagem “nunca te rejeitei como fez o HH e outros”. 29. Pelo ..., o arguido enviou, em Agosto de 2020 diversas mensagens nas quais escreveu “és uma cobarde, ando eu na guerra para que seja assim, …. Es uma taker, sim tens uma aura muito negra à tua volta. Os gajos só se aproveitam de ti! Porque és 3 pratos e olha já perguntam por ti no Telegram ahaahahahha que engraçado!” 30. No dia 11 de Setembro de 2020, durante o período da manhã, o arguido dirigiu-se junto da residência da vitima, permanecendo ali por algum tempo. 31. Ao final do dia, pelas 22h15, o arguido encontrava-se junto à residência da vítima, quando a mesma ali chegou, permanecendo diversos minutos no local. 32. No dia 24-9-2020, o arguido, no encalço da vítima, deslocou-se junto da residência dos pais da mesma, sita na Rua ..., em Lisboa. 33. Nos dias 16 e 23 a 26 de Novembro de 2020, o arguido deslocou-se, com a intenção de ver e contactar com a vitima junto da residência dos pais desta. 34. Em Dezembro de 2020, o arguido criou um blog, que apagou entretanto, no qual escrevia acerca da vitima e da relação de ambos e da sua vontade em retomar a relação. 35. Em 4 de Janeiro de 2021, pediu “amizade” através do Instagram. 36. No dia 8 de Janeiro, à semelhança do que fizera nos dias antecedentes, o arguido deslocou-se junto da residência dos pais da vitima, com o intuito de a contactar. 37. No dia 2-2-2021, por volta da hora de almoço, o arguido encontrava-se a 20 metros da residência da vítima. 38. Ao proceder da forma descrita, procedeu o arguido, de forma reiterada e persistente, impor a sua presença na vida da vítima II pese embora bem soubesse que o fazia contra a vontade desta. 39. Para tanto, o arguido, sabedor das rotinas da vida profissional e pessoal da vitima, contra a vontade desta, quis e deslocou-se aos locais aonde a mesma estava/se dirigia, aí circulando, com o intuito não apenas de ver a vitima, mas de ser visto por esta, ciente de que o modo como o fazia eram idóneos a tanto, bem como quis e logrou enviar as mensagens acima descritas nas circunstâncias de tempo, modo e lugar descritos. 40. Com a sua conduta, o arguido quis e manteve a vítima num clima de cerco existencial, vigiando-a nas suas rotinas diárias e dirigindo-lhe perseguições, pese embora bem soubesse e não pudesse ignorar que a vítima não pretendia manter qualquer contacto consigo. 41. Bem sabia e não podia ignorar o arguido que tais condutas, dirigidas de forma constante à vitima, eram idóneas e adequadas a causar-lhe medo e inquietação, fazendo-a recear o que o arguido lhe pudesse fazer, mantendo-a num estado de persistente perturbação e desassossego, e prejudicando a sua liberdade de determinação, resultados que o arguido sabia e logrou atingir. 42. Agiu, em tudo, livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal. Mais resultou provado em sede de audiência 43.O arguido é aficionado por motos. 44.O arguido costuma ver o MotoGP. Do Enquadramento socioeconómico do arguido 45. Do teor do relatório social elaborado pela DGRSP resulta que: “I - Dados relevantes do processo de socialização O processo de socialização de AA decorreu em ..., em zona rural, sendo o segundo de uma fratria de quatro elementos. O contexto familiar e social, e, não obstante os progenitores não se revelarem figuras muito afetivas, foi caracterizado como organizado segundo um modelo convencional, alargada aos avós, quer maternos, quer paternos, com supervisão parental e proteção, bem como imposição de regras. Os progenitores, exploravam uma padaria e no seu tempo livre o dedicavam-se a trabalhos rurais na horta familiar. O percurso escolar é descrito como normativo, frequentou a escola em ..., onde contava com o apoio dos avós maternos, aí residentes. Aos 14 anos de idade, após a conclusão do 8º ano de escolaridade, decidiu ingressar no Seminário ..., como aluno interno, no sentido de vir a concretizar o seu sonho de vir a ser padre. Contudo, após a conclusão do 11º ano de escolaridade, paralelamente, pretendia fazer serviço militar, mas, não lhe foi concedida autorização pela instituição religiosa, pelo que optou por deixar o Seminário e ingressar no Exército, o que ocorreu em 07/07/2010, na altura com 18 anos de idade. Entrou inicialmente na Academia Militar, seguindo-se o Centro de Tropa ... para instrução. Após ter frequentado o Curso de Formação de ... entrou para os quadros em 01/10/2013. Em conformidade com os documentos concedidos, AA apresenta um percurso profissional investido e ascendente. Atingiu o posto de ... em 01/10/2016, tendo sido colocado no Regimento ..., na ..., onde se mantém até ao presente. Paralelamente, tem efetuado Cursos Profissionais Militares, nomeadamente, Curso de Vigilância do Campo de Batalha (2015), Curso Paraquedismo Militar, Curso Proteção Pessoal (2018), Curso Técnicas de Emergência Médica para Profissão de Alto (2018) e Curso de Suporte Básico de Vida com Desfibrilhação. Neste contexto, tem sido colocado pelo serviço a desempenhar várias funções, nomeadamente como Formador, na Polícia do Exército, como “Segurança do ...” (de 01/12/2022 a 04/02/2023), “Comandante de Secção ...” (de 02/01/2023 a 01/06/2023) e “...” (de 25/05/2023 até ao presente). Durante a sua carreira Militar obteve vários dias de licença por mérito, recebeu várias Condecorações, Menções Honrosas “por comportamento exemplar, sentido de dever e responsabilidade” e Louvores nomeadamente em 05/09/2016 como formador, em 09/03/2020 pela missão que cumpriu no ..., em funções de Segurança/Protecção de altas entidades, em 12/03/2021 na “Missão ...” e em 2022 como ...no ..., de 16 de maio de 2022 a 16 de novembro de 2022”. No que respeita às relações afetivas, AA destaca uma primeira relação quando tinha 20 anos de idade (2012), a qual perdurou apenas cerca de 7 meses, e que se revelou disfuncional vindo a eclodir em processo judicial, nomeadamente Processo nº 112/13.0GFLLE, tendo sido condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, com regime de prova. Na sequência do tempo passado já não existem registos nos nossos serviços do acompanhamento à medida imposta. No período compreendido entre 2015 e 2017 (não soube especificar), viveu maritalmente com KK, contudo, ambos viviam focados nas suas respetivas carreiras profissionais, optando por se separarem, mas, segundo o referenciado mantendo-se amigos até ao presente. Seguindo-se, então, o relacionamento afetivo com II (vítima) o qual segundo o arguido se iniciou no final do ano de 2017 e terminou por decisão da vítima no dia 03/09/2019, no Aeroporto, dia em que o mesmo, embarcou para missão para a ..., o que descreve como muito violento em termos emocionais, acrescentando ainda ter sido uma missão muito difícil e necessitar de apoio, e a vítima optava por agredi-lo psicologicamente. Segundo o próprio, existia um grave problema comunicacional entre ambos, não aceitando II (vítima) que o arguido, privilegia-se a sua carreira profissional em detrimento da relação afetiva entre ambos, situação acrescida por questões monetárias, nomeadamente não aceitava que visitasse os familiares no ... e os apoiasse financeiramente. II - Condições sociais e pessoais À data dos acontecimentos subjacentes ao presente processo, e após ter regressado da missão na ... em 12/03/2020, até maio/2020, alegadamente, por comum acordo, o arguido e a vítima partilharam habitação, fazendo, contudo, vidas separadas. Enquanto esteve na missão, AA referiu ter conhecido uma Diplomata das Nações Unidas, com a qual em junho de 2020, em …, país para onde a mesma, entretanto, tinha sido colocada, iniciaram relação de namoro. Porém, na sequência da pandemia COVID 19, não era possível viajar com regularidade e a relação terminou em setembro de 2020. Entretanto, ficou a viver no quartel, e no ano de 2021 conheceu LL, a qual residia numa zona junto do quartel, e com a qual iniciou relação de namoroem 25/06/2021. Passados cerca de quatro meses optaram por passar a viver maritalmente. O casal reside em casa dos pais da companheira do arguido, na ..., integrando, ainda, o agregado, a avó materna da mesma, situação que se mantém no presente. De acordo com o referenciado a situação económica do agregado familiar apresenta-se modesta, mas, equilibrada, os sogros são proprietários de uma oficina. O arguido, aufere mensalmente 1221,69€ mensais e a companheira, enquanto, arquiteta, trabalha como freelancer não tendo vencimento certo. Neste contexto, comparticipam para as despesas do agregado consoante as necessidades sem um valor certo. AA ajuda financeiramente os pais, os quais na sequência da pandemia COVID 19, registaram perdas financeiras na padaria que exploram e tiveram de arranjar trabalhos alternativos para subsistir. Do que nos foi dado a conhecer, o arguido beneficia de um relacionamento com a atual companheira com sentimentos de gratificação na dinâmica relacional estabelecida, assente no respeito mútuo. Segundo o casal, ambos respeitam o espaço pessoal e a ambição profissional de cada um. Desejam autonomizar-se, adquirindo a sua própria habitação e terem filhos em comum. Por sua vez a sogra, descreve o arguido como uma pessoa muito respeitadora, que se integrou no agregado familiar de forma positiva, sendo considerado como um filho, não obstante ter-lhe sido dado a conhecer a existência do presente processo, não deixou de manter a imagem positiva que tem do mesmo. Para além do convívio com a família constituída, os seus tempos livres são também ocupados na realização de práticas desportivas, nomeadamente na prática de Karaté. É voluntario da ..., da qual a companheira é a coordenadora e a sogra faz voluntariado, e como religioso que é, todos os domingos acompanha a avó da companheira à missa, o que foi corroborado pela companheira e a sogra. Em termos profissionais, AA até 28/07/2023 encontra-se durante a semana, no quartel das ... a frequentar o Curso de … (duração 9 semanas). Encontra-se, também, em fase de concurso para três cargos, nomeadamente, para o ..., ...e para ... para a .... AA, reconhece ser muito empreendedor e com grande ambição de carreira, com um desejo inabalável de cumprir o seu dever militar, com lealdade e espírito de missão. As características pessoais do arguido parecem expressar-se em boas competências comunicacionais, mas carente em termos emocionais, o que foi corroborado pela companheira, a qual referenciou ainda, que até ao presente tem-se mostrado leal, fiel e afetivo, caso contrário nunca aceitaria a manutenção da relação. Como atrás referenciado, AA regista antecedentes criminais (2012), confrontado com o mesmo, reconhece o ilícito, justificando com a imaturidade que vivenciava na altura. Contudo, desde então, e de acordo a informação concedida pelo OPC, não se registam outros registos em seu nome. III - Impacto da situação jurídico-penal AA, no seu discurso, apresenta em abstrato, consciência crítica sobre o desvalor da conduta criminal em causa, denotando reconhecimento do bem jurídico em causa e da gravidade do alegado ilícito. Contudo, face ao seu envolvimento no processo em causa não se revê nas circunstâncias que deram origem ao mesmo, referindo ser culpa de ambos, por não saberem comunicar e a vítima não o respeitar, como pessoa e enquanto profissional. O arguido considera que a sua situação jurídico-penal tem tido repercussões no seu quotidiano, principalmente em termos pessoais, aguardando com acentuada ansiedade e preocupação o desfecho da mesma, podendo mesmo estar em risco a sua progressão profissional e consequentemente a autonomia do casal. IV - Conclusão Do que nos foi dado a avaliar, depreende-se um processo de desenvolvimento decorrido e integrado em contexto familiar minimamente estruturado, aparentemente pautado por regras e valores socialmente aceites, o qual lhe parece ter permitido reconhecer as regras e normas essenciais à vivencia na comunidade, e assim, desenvolver um estilo de vida social e juridicamente integrado, traduzido num percurso laboral regular e investido. Em termos das relações afetivas ressalva-se alguma instabilidade, e com indicadores de eventual venerabilidade emocional, contudo, parece ter encontrado na presente relação, a estabilidade e o afeto ambicionado. Nas circunstâncias atuais, o suporte afetivo por parte da família constituída e o seu investimento e empenho laboral, constituem-se como importantes fatores de proteção. (…)” Dos antecedentes criminais 46. O arguido não possui antecedentes criminais registados. * B) Factos não provados Da prova produzida e com interesse para a decisão da causa resultaram não provados os seguintes factos. Que: a) Durante essa discussão referida em 3., o arguido, gritando e de forma descontrolada, desmanchou a cama e disse “és uma puta, só queres andar é atrás de outros homens, és como as outras”. b) No circunstancialismo referido em 4., o arguido, mas como estava descontrolado não o conseguiu rasgar os invólucros e arremessou-os na direcção da vítima dizendo que esta os queria usar com todos os gajos. c) No circunstancialismo referido em 10, o arguido efectuou o pedido a todos os amigos da assistente. d) Logo após o termo da relação, o arguido conversou com outro homem com quem a vítima trocava mensagens a fim de apurar que relação mantinham, tendo aquele afirmado que nenhuma. e) No entanto, o arguido crendo que a mesma tinha outra pessoa, disse-lhe que se ia suicidar e enviou-lhe fotos de uma receita passada no hospital onde teria dado entrada após tentativa de suicídio. f) No circunstancialismo referido em 11., e após, o arguido enviou mensagens a dizer que se ia suicidar. g) O receio sentido pela assistente referido em 12., decorreu da conduta referida em 11. dos factos provados e f) dos factos não provados h) O arguido quis e agiu do modo descrito, sabendo que, de modo reiterado, molestava verbal e psiquicamente II, que bem sabia ser sua (ex) namorada e companheira, que lhe infligia maus-tratos psíquicos, a humilhava e ofendia na sua honra e consideração pessoais. i) Bem sabia que ao agir da forma descrita condicionava gravemente a vida e bem estar psicossocial de II, que bem sabia e ofendendo-lhe a respectiva dignidade humana e pondo em perigo a sua saúde física e psíquica. * C) Motivação da Decisão de Facto O Tribunal fundou a sua convicção, concreta e globalmente, a partir da prova produzida em audiência de julgamento, depois de criticamente analisada, à luz das regras de experiência comum e da verosimilhança, incluindo-se as declarações de arguido e assistente, os depoimentos das testemunhas inquiridas e os documentos juntos aos autos, designadamente, o certificado de registo criminal. Assim vejamos. O arguido prestou declarações referindo que conheceu a assistente através de uma aplicação, a qual sinalizava pessoas, subscritoras da referida aplicação, que estivessem na mesma rua, esclarecendo aina que tem amigos que residem numa rua …, tendo o namoro iniciado talvez 2018/2019 (final de um ano, início do outro). Referiu o arguido que nunca partilharam casa de forma permanente, mas que algumas vezes pernoitava na casa da assistente, nomeadamente por altura do confinamento, mas que nessa altura não partilhavam o quarto, dividiam apenas a casa. Disse o arguido que entre ambos existiam algumas quezílias, em virtude de a assistente o “sondar” acerca da possibilidade de emigrar, questionando-o se caso esta decidisse nesse sentido se o declarante a aguardava tendo este respondido que não, resposta que não foi aceite pela assistente. Referiu ainda que a relação de namoro terminou em 3 de Setembro de 2019, quando o declarante se deslocou em missão para a ..., de onde regressou em 12 de Março de 2020, sendo que, apesar do fim do namoro, foram mantendo contacto durante a missão deste, esclarecendo que a assistente, por ter mudado de casa tinha receio de ali permanecer sozinha, razão pela qual acabaram por partilhar a casa, apesar de inexistir relação de namoro, até Abril ou Maio de 2020, tendo ambos rotinas diferentes. Mais disse que em Maio de 2020 se encontrava na ..., onde permaneceu cerca de “um mês e qualquer coisa”, mencionando ainda que entre Julho e Agosto de 2020 esteve em .... O arguido negou o teor das mensagens constantes dos autos, mencionando que as mesmas não são coincidentes com o seu perfil, como pessoa, e que, apenas tomou conhecimento destas com a acusação/processo. Referindo igualmente que a sua conta bancária foi alvo de hacker, pelo que, participou tal situação o banco, ficando a situação resolvida e voltando a acontecer uma segunda vez, não só quanto às contas bancárias, mas também às redes sociais. Relativamente às deslocações à zona da residência da assistente, disse que aquelas que se situam na hora de almoço não podendo corresponder à realidade, uma vez que está colocado na ... tendo apenas o período entre as 12.30h e as 13.50h para almoço, fazendo tal refeição no Regimento …, não tendo qualquer possibilidade de se deslocar a Lisboa. Mais disse o arguido que nunca teve qualquer tentativa de suicídio, até por razões profissionais, uma vez que a existir, tal é de imediato comunicado às chefias, ficando-se afastado do acesso a armas fora do quartel, passando a ser seguido pelos serviços do Hospital ..., o que nunca sucedeu consigo. Ainda no que respeita às deslocações à zona da residência dos pais da assistente, disse que o stand/oficina de reparação da sua mota é ali que se encontra, como terá sucedido num dia em Fevereiro de 2021, bem como, residem naquela zona uns familiares de um amigo, pessoas com quem tem relacionamento de amizade. Assim como mencionou que em Novembro de 2020 se encontrava no ... para assistir ao MotoGP, tendo ainda salientado que quando se deslocava ao ..., tal não era bem aceite pela assistente, porque esta mencionava que o declarante ia ter com mulheres e não com os pais. Questionado quanto à deslocação a casa da assistente, disse que o fez porque ia buscar as suas coisas que ali ainda se encontravam e que não entrou na residência. Após a produção de prova testemunhal o arguido referiu que durante dois anos ficou sem malas na mota por causa dos acidentes que sofreu, apenas as tendo comprado no início de 2023. Negou que em alguma circunstância se tivesse tentado matar, até por razões profissionais, nem se revê na posição de agressor. A assistente II, disse ter conhecido o arguido através de uma aplicação tendo namorado com este entre 2017/2018 e Maio de 2020, tendo quanto aos factos referido que durante o referido período de namoro coabitaram cerca de 2 meses entre Março e Maio de 2020, sendo após o mês de Maio que os problemas começaram, por o arguido não aceitar o fim do relacionamento, contactando-a através de mensagens escritas, remetidas por todas as formas e de deslocações para junto da sua residência e da residência dos seus pais. Esclareceu a declarante que o términus da relação foi uma opção sua, a qual o arguido não aceitou, mencionando que o fez, pois teve conhecimento de que o arguido se relacionava com outras mulheres, porquanto numa ocasião se apercebeu de uma chamada recebida por alguém que estava identificado com uma patente militar, mas que da chamada se percebia que não correspondia à identificação registada. Mais disse que o conhecimento da traição ocorreu na véspera do arguido partir para a ..., todavia, nessa ocasião a declarante optou por perdoar o arguido. Referiu a assistente que previamente ao contacto que estabeleceram através da aplicação nunca se havia cruzado com o arguido, nomeadamente junto da casa dos pais desta sita na Rua ..., aludindo a este respeito que desconhece se o arguido tem ou não amigos e familiares destes nessa zona. Questionada disse que nos dois meses que viveram juntos tomavam refeições, ficavam no mesmo quarto, fazendo em tudo vida de casal e não apenas partilha de casa. Após o fim do relacionamento, em Maio de 2020, disse a declarante que o arguido tentou reacender a relação, sendo esse o motivo subjacente às mensagens que enviava. Aludiu ainda a declarante que quando o arguido soube que a declarante havia descoberto a sua traição, começou a andar de trás para a frente dentro do quarto, acabando por ir ao guarda-vestidos e daí retirou uma caixa de preservativos, rasgando-os em seguida. Disse a assistente que o relacionamento entre ambos não tinha qualquer natureza aberta, esclarecendo que o arguido tinha acesso ao seu computador e telemóvel, mencionando ainda que este era muito ciumento e controlador, sendo essa a razão pela qual não aceitou o fim do relacionamento, dizendo ainda que das mensagens que enviava eram de duas naturezas, as primeiras a pedir para reatarem e as segundas com cariz ofensivo. Disse a declarante que o arguido após o fim do namoro frequentava amiúde a zona da residência, quer da declarante, quer dos pais desta, mostrando-se quase sempre visível, sendo que chegou a ver o arguido quando passeava o cão, tendo aquele a abordado e pedido desculpas ao mesmo tempo que insultava, não logrando a declarante esclarecer quais os insultos utilizados. Descreveu ainda a declarante que das variadas deslocações que o arguido efectuava à área da sua residência, fazia por se mostrar, assim como na zona da casa dos pais da declarante e do trabalho desta, abordando-a quando se encontrava sozinha. Relatou ainda que numa ocasião o arguido deslocou-se à sua casa, numa noite em que se encontrava acompanhada de alguns amigos, tendo-o feito para ir buscar os seus pertences que ainda ali se encontravam, os quais foram entregues pela janela pela declarante. Questionada relativamente às mensagens, disse que as mesmas eram remetidas através de várias plataformas e com vários nomes, identificando-se como AA e eventualmente como AA, sendo que a declarante bloqueava tais contactos, mais referindo que este ao ser bloqueado criava um novo perfil. Questionada porque razão considera ser o arguido esta referiu que se deve ao facto de ser mencionado o relacionamento que tinham tido. Referiu ainda que para além das mensagens, o arguido criou igualmente um blogue, do qual a declarante teve conhecimento através de um link, no qual era abordado o relacionamento, assim como foi colocada uma foto sua, interpretando-o como forma de denegrir a sua imagem. Ainda no que respeita às mensagens afirmou que através do ... o arguido lhe enviou uma foto de uma arma, ao mesmo tempo que afirmava que “não queria viver assim”, não conseguindo, contudo, precisar se foi enviada foto de uma receita médica. Salientou a declarante que os contactos eram estabelecidos a qualquer hora do dia ou da noite, chegando a referir que se encontrava a dormir no carro no parque de estacionamento junto à casa da declarante, tendo sido estas situações que a levaram a permanecer cerca de 2 meses em casa de uma amiga, até Agosto de 2020, enquanto o marido desta estava fora, pelo que com o regresso deste, voltou à sua casa, acabando por algumas amigas pernoitarem na sua residência, para que não permanecesse sozinha. Mencionou ainda a assistente que o arguido abordou alguns amigos seus, para que desistisse do processo, salientando ainda que alguns dos amigos da assistente foram adicionados às redes sociais do arguido. Questionada disse que apenas teve conhecimento da existência de um stand após o relacionamento, não conseguindo precisar se o arguido em alguma ocasião ali efectuou revisões da mota. Salientou a assistente que quer o equipamento envergado, quer a mota, eram do arguido, por isso pode afirmar que era este quem se deslocava à zona da sua residência, dizendo ainda que o arguido permanecia várias horas num café que se situa junto à casa dos seus pais. Concluiu a assistente que toda a conduta do arguido, a colocou numa situação de fragilidade, pois sentia-se limitada na sua liberdade e intimidada, gerando-lhe medo. As declarações da assistente, revelaram-se esclarecedoras e claras quanto à precisão das mensagens que recebeu, assim como estas a afectaram na sua vida, sendo por esse motivo merecedoras de credibilidade permitindo a resposta aos pontos 1. a 37. dos factos provados. A testemunha BB, disse conhecer o arguido por ser amigo da assistente, tendo quanto aos factos referido que acompanhava ambos, arguido e assistente, mesmo ambos de estes terem iniciado o relacionamento. Disse a testemunha que era o único amigo que gostava do arguido em virtude de este ter um feitio algo conflituoso, nomeadamente porque assumia opiniões/posições extremadas, fazendo-o na sua óptica com a intenção de provocar os presentes, salientando que inicialmente achava que era mera provocação “da boca para fora”, mas que após o regresso da ... ficou mais agressivo. Mais referiu que constatou numa ocasião o arguido a gritar com a assistente, tendo-o feito de tal forma que o cão desta última se assustou, mencionando que o fazia por ser controlador, esclarecendo que por ter visto alguns problemas foi questionando a assistente acerca do relacionamento, tendo-lhe esta referido que o arguido a havia traído. Disse igualmente que numa dada altura já após o fim do relacionamento, encontravam-se a jantar em casa da assistente, tendo o arguido aí se deslocado, desconhecendo o depoente se este havia previamente combinado, e que nessa ocasião foi buscar umas coisas, as quais lhe foram entregues pela janela, descrevendo, contudo, que o arguido se encontrava exaltado, a gritar, sendo depois desta ocasião que a assistente foi residir durante um tempo para casa da DD. Relativamente às deslocações do arguido à zona da residência dos pais da assistente, disse o depoente que o soube através daquilo que aquela lhe relatou, razão que o levou a abordar o arguido, quer por telefone, quer através das redes sociais, para que este deixasse de o fazer, uma vez que a assistente havia ficado assustada, considerando nomeadamente o facto de aquela lhe ter relatado que essas deslocações ocorriam várias vezes, ao que este lhe retorquiu que era por ir arranjar a mota numa oficina naquelas imediações, reconhecendo que o podia ter feito mais vezes, mas não alterou a sua conduta. Salientou, todavia, que após a apresentação da queixa as coisas acalmaram por 3 a 4 meses. No tocante às mensagens envidadas à assistente, disse o depoente não ter dúvidas de que as mesmas eram enviadas pelo arguido, uma vez que eram idênticas aquelas que este lhe enviou, salientando ter conhecimento dos sucessivos bloqueios aos números efectuados pela assistente. Questionado referiu não ter conhecimento de o arguido haver tentado junto dos amigos para que intermediassem no reatar da relação, tendo apenas na conversa tida com o arguido este lhe dito que a assistente “era a mulher da sua vida”, mas que logo no momento seguinte referiu que “era uma galdéria que andava com todos”, dessa conversa a testemunha disse ter ficado com a impressão que o arguido queria uma reconciliação, mas aproveitando por expressar o seu desagrado com o fim da mesma, não tendo nunca referido que o relacionamento terminou por culpa da assistente. Relativamente ao relacionamento disse que terá sido iniciado entre 2018/2019 e que o arguido lhe foi apresentado como namorado, tendo o mesmo terminado em Março ou Maio de 2020. Mais referiu ter ideia de que moraram juntos, tendo o arguido lá passado muitos serões, até porque o arguido foi buscar os seus pertences a casa da assistente. Disse o depoente quanto às mensagens que apenas as viu após o fim do relacionamento, não tendo visto quaisquer fotos ou conhecimento da existência de arma. As declarações da testemunha revelaram-se claras e esclarecedoras quanto aos factos de que teve conhecimento e da forma como obteve esse mesmo conhecimento, não revelando qualquer animosidade para com o arguido, sendo merecedoras de credibilidade e permitindo ao Tribunal dar como assentes os pontos 11. dos factos provados. A testemunha CC, disse conhecer arguido e assistente tendo quanto aos factos referido que presenciou alguns factos ocorridos entre assistente e arguido, nomeadamente quando a depoente se encontrava na casa da assistente, com esta e com a EE e decidiram ir comprar comida a um restaurante nas imediações da residência, razão pela qual permaneceram no exterior do mesmo, quando foi alertada pela assistente de que o arguido se encontrava ali a passar, após ter visto uma mota, salientando, no entanto, a testemunha que não conhece a mota do arguido, mencionou, todavia, que depois constatou o arguido a descer a rua a pé, tendo ainda este depois subido novamente a rua a pé, encontrando-se ao telefone. Mais referiu que nessa altura a assistente havia recebido uma chamada da PSP a avisá-la de que o arguido iria ser notificado, altura em que a assistente a sugestão da depoente informou o agente da presença do arguido e o que poderiam fazer, tendo por essa razão a PSP se deslocasse ao local, acompanhando a assistente e as amigas até casa, referindo que quando já se encontravam junto de casa ouvem uma mota a ligar, ao que a assistente disse ser a mota do arguido. Descreveu ainda a testemunha que dormiu algumas vezes em casa da assistente, e numa dessas ocasiões, encontravam-se no pátio quando ouviram uma mota e algum tempo depois foram passear um cão e perto do parque de estacionamento viram o arguido, pelo que retornaram a casa. Disse a depoente que viu nessa ocasião a mota e um indivíduo de blusão e capacete, os quais a assistente reconheceu. Questionada disse que a assistente sempre que se apercebia da presença do arguido ficava mais nervosa e incomodada, e por essa razão também a depoente ficava a dormir em casa daquela, por ter receio pela vida da assistente. Disse que arguido e assistente se apresentaram como namorados e que moraram juntos durante algum tempo, pelas circunstâncias da pandemia, nunca se tendo apercebido de nenhum problema na relação entre ambos, parecendo-lhe uma relação normal. Referiu a depoente que não vê qualquer problema nas tentativas de reatamento, todavia, considera que a forma usada pelo arguido já não é normal, dadas as múltiplas insistências, quer por chamada telefónica, quer por mensagem, situações que lhe foram relatadas pela assistente, esclarecendo, no entanto, que viu algumas das mensagens, mas não consegue precisar o seu teor. Relativamente ao bloqueio dos números pelos quais a assistente era contactada, disse que optaram por o fazer, pois muito embora não conhecessem os mesmos, podia ser o arguido, uma vez que uma das fotos tinha o cão da assistente. Questionada quanto ao facto de o arguido passar junto da casa dos pais da assistente disse que não achava normal. As declarações da testemunha revelaram-se claras e esclarecedoras quanto aos factos de que teve conhecimento e da forma como obteve esse mesmo conhecimento, não revelando qualquer animosidade para com o arguido, sendo merecedoras de credibilidade e permitindo ao Tribunal dar como assentes os pontos 33. e 36. a 37. (estes apenas quanto à deslocação junta da casa dos pais da assistente) dos factos provados. A testemunha DD, disse ser amiga da assistente e conhecer o arguido pelo relacionamento que teve com aquela, tendo quanto aos factos referido que apenas teve conhecimento do fim desse relacionamento num jantar em casa da assistente onde igualmente se encontrava o BB, assim como nesse dia o arguido enviou mensagens à assistente a pedir as suas coisas, as quais lhe foram entregues pela janela da sala, situação que a depoente estranhou. Mais disse que nessa altura se apercebeu de alguma instabilidade da parte do arguido, pela forma como este falava, muito depressa e aos gritos, assim como pelo facto de a assistente se deslocou à janela por três vezes, e que o fez desse modo, porque o arguido lhe ia pedindo as coisas por várias vezes. Referiu a depoente que a assistente lhe disse que o arguido a contactava amiúde, insistindo no relacionamento, sendo essa a razão pela qual lhe ofereceu a sua casa, o que foi aceite, tendo a assistente ali permanecido cerca de 3 meses, no Verão. Mais relatou uma ocasião em que foi contactada pela assistente, a qual lhe comunicou que o arguido se encontrava junto da casa dos pais daquela, não tendo a depoente desligado a chamada, pois podia ser necessário ligar à polícia, e por essa razão ouviu a voz do arguido, esclarecendo que a assistente ia muitas vezes a casa dos pais por causa do cão, referindo que esta situação perturbou a assistente. Questionada quanto ao período em que a assistente permaneceu na casa da depoente o seu marido encontrava-se ausente em trabalho, mas que após o regresso deste e as férias de Verão, a assistente ali permaneceu, tendo apenas saído da casa quando a depoente e o marido regressaram de férias. Mais relatou que nunca esteve com o arguido em jantares na casa da assistente. Disse a testemunha que o arguido lhe pediu amizade no Facebook, assim como ao seu marido, após o fim do relacionamento com a assistente, assim como se apercebeu de a assistente desligar chamadas por pensar que podia ser o arguido a contactá-la. Salientou ainda a depoente que acompanhou a assistente à PSP para formalização da queixa, desconhecendo se foi requerida medida de afastamento. As declarações da testemunha revelaram-se claras e esclarecedoras quanto aos factos de que teve conhecimento e da forma como obteve esse mesmo conhecimento, não revelando qualquer animosidade para com o arguido, sendo merecedoras de credibilidade e permitindo ao Tribunal dar como assentes os pontos 10. a 12. dos factos provados. A testemunha EE, disse ser amiga da assistente há mais de 20 anos e conhecer o arguido pelo relacionamento que este manteve com a assistente, tendo quanto aos factos referido que soube do fim do relacionamento através da assistente, sendo que durante o relacionamento o arguido frequentava a casa da depoente, salientando ter sabido de alguns problemas durante aquele. Referiu a testemunha que após a assistente ter apresentado queixa, encontrava-se com esta e com a CC, junto de um restaurante, perto da casa da assistente, onde tinham ido buscar comida, quando esta recebe um telefonema comunicando-lhe que o arguido ia ser notificado, sendo que, previamente à chamada tinham visto o arguido e posteriormente este a descer a rua, sem capacete, tendo entrado a pé e depois saído, na Vila onde a assistente reside, situação que esta comunicou logo à PSP, que surgiu no local. Disse a propósito da presença do arguido que tinham visto uma pessoa a estacionar uma mota, e, por esta ser igual à do arguido, uma vez que tinha 3 malas, bem como ter sido estacionado onde o arguido estacionava normalmente, acharam que era este. Questionada disse que toda esta situação demorou cerca de 1 hora. Mencionou a testemunha que a assistente por receio permaneceu cerca de um mês na sua casa, após a situação do restaurante, assim como ia ficando em cada de outros amigos. Relativamente ao bloqueio de chamadas, mensagens e redes sociais, disse a depoente que a assistente recebia mensagens sem qualquer identificação, mas que pelo seu teor levavam a crer ser remetidas pelo arguido, sendo que foi criado um blogue do qual constava uma fotografia da assistente e do seu cão, que apenas podia ser do arguido uma vez que afirmava que “não podia viver sem ela”, desconhecendo, no entanto, se a mesma estava nas redes sociais. Questionada quanto ao relacionamento disse que moraram juntos, no período da Covid, saindo o arguido da casa da assistente para ir trabalhar, assim como tinha na casa coisas suas, de acordo com aquilo que a assistente lhe transmitia. As declarações da testemunha revelaram-se claras e esclarecedoras quanto aos factos de que teve conhecimento e da forma como obteve esse mesmo conhecimento, não revelando qualquer animosidade para com o arguido, sendo merecedoras de credibilidade e permitindo ao Tribunal dar como assentes os pontos 9. (quanto ao bloqueio) e 36. dos factos provados. A testemunha MM, disse ser agente da PSP e ter efectuado acompanhamento no âmbito da avaliação de risco da assistente, fazendo ainda parte da equipa um outro elemento do sexo feminino, tendo quanto aos factos referido que efectuou também contactos com o arguido. No tocante ao acompanhamento da assistente, disse que era efectuado na casa desta, tendo sido numa dessas situações que lhe comunicou que o arguido estava nas imediações, tendo por essa razão o mesmo sido abordado, informando-o que por força do processo este não devia ali se encontrar. Quanto à assistente disse que esta estava em sobressalto, com receio em virtude da presença recorrente do arguido junto à sua residência, no tocante ao arguido, disse que se encontrava a 20/30 metros da casa da assistente, encontrando-se nervoso, não tendo falado muito, assumindo que ia evitar se deslocar aquela zona. A testemunha foi confrontada com fls. 266 – aditamento -, tendo confirmado o seu teor. As declarações da testemunha revelaram-se claras e esclarecedoras quanto aos factos de que teve conhecimento e da forma como obteve esse mesmo conhecimento, sendo merecedoras de credibilidade e permitindo ao Tribunal dar como assentes os pontos 37. dos factos provados. A testemunha FF, disse ser mãe da assistente e o arguido ter sido namorado desta, tendo quanto aos factos referido que o arguido começou a frequentar a sua casa várias vezes, ali tomando refeições e dormido, tendo tido conhecimento que na altura da Covid, o arguido foi para a Vila ..., onde a sua filha reside, sendo a casa da propriedade da testemunha. Disse a depoente que a filha lhe relatou ter medo do arguido após o termo da relação, nomeadamente por este lhe dizer que a matava caso ela arranjasse outra pessoa, assim como matava essa pessoa. Mencionou a depoente que sempre que a filha lhe ia levar as compras a casa, quando descia, a testemunha acompanhava-a para se certificar que o arguido não estava na rua, considerando que este frequentava amiúde a Rua ..., situação que a depoente tomava conhecimento quando ia passear o cão, assim como estacionava a mota na garagem em frente ao prédio da depoente, e frequentava o café da D. …, esclarecendo que entre Junho e Julho de 2020 ou 2021 ali se deslocava todos os dias, manhã, tarde e noite, todavia mencionou que em dada altura esteve cerca de uma semana ou um semana e meia sem aparecer. Questionada disse que o arguido nunca a abordou ou lhe dirigiu a palavra. Referiu a testemunha que o arguido lhe chegou a enviar uma mensagem dizendo que estava preocupado com o emprego, em virtude da queixa que a assistente havia apresentado contra si, tendo pedido que a depoente falasse com a filha. Questionada disse que nunca viu o arguido junto da casa da filha, assim como teve conhecimento de a filha ter ficado em casa de amigas, esclarecendo que não ficou na sua casa por causa do arguido frequentar a zona. Salientou a testemunha que chegou a ver pertences do arguido na casa da filha, em ocasiões que ali se dirigiu sem que a filha ou o arguido estivessem presentes. No tocante a comportamentos do arguido, apenas viu uma vez na sua casa este dar um pontapé num saco de roupa que haviam comprado. As declarações da testemunha revelaram-se claras e esclarecedoras quanto aos factos de que teve conhecimento e da forma como obteve esse mesmo conhecimento, sendo merecedoras de credibilidade e permitindo ao Tribunal dar como assentes os pontos 8., 32, 33. e 36. dos factos provados. A testemunha GG, disse ser pai da assistente e o arguido por ter sido namorado desta, tendo quanto aos factos referido quando do iniciou do relacionamento chegou a conversar com o arguido por o depoente ter estado na Guerra do Ultramar, mais concretamente na ..., mas nada mais. Disse que a assistente, sua filha, lhe escondia algumas coisas, mas apercebia-se “que ela não era a mesma”, tendo tido conhecimento do fim da relação. Relatou a testemunha que o arguido após as 17 horas estacionava a mota junto à porta, quer da sua casa, quer da garagem, quer do restaurante, razão pela qual o depoente, ou a mulher iam à varanda e vendo a mota comunicavam-no à assistente, situação esta que durou cerca de 4 ou 5 meses, e que terminou com a instauração do processo. O depoente referiu não ter tido mais qualquer contacto com o arguido, nem tão pouco através de mensagens, apesar de saber que a sua mulher as recebeu. As declarações da testemunha revelaram-se claras e esclarecedoras quanto aos factos de que teve conhecimento e da forma como obteve esse mesmo conhecimento, send32., 33. e 36. XXXX dos factos provados. A testemunha OO, disse ser mãe do arguido e a assistente por ter sido namorada deste, e por essa razão advertida nos termos do artigo 134.º do Código de Processo Penal, optando por prestar declarações, tendo quanto aos factos referido que não teve muito contacto com ambos enquanto existiu a relação de namoro, no entanto almoçaram algumas vezes juntos. Disse a depoente que o arguido nunca lhe confidenciou que ia residir para casa da assistente, no entanto, aceita que pudesse ficar algumas noites na casa da assistente, muito embora a residência daquele fosse no quartel, mencionando que quando o arguido se deslocava ao ..., levava-lhe sempre a roupa para lavar. Questionada quanto à mota, disse que o arguido é “muito picuinhas, pois sempre que esta apresenta qualquer risquinho a vai logo arranjar”, referindo que o arguido teve um acidente após regressar da ..., talvez no Verão de 2020, o qual lhe danificou as malas da mota. Referiu ainda que sempre que há MotoGP em Portugal, mais concretamente no ..., o arguido vai todos os anos, sendo que na altura da pandemia, viu a prova na casa da depoente. Mais disse que na altura da pandemia, alternava as estadias, ficando umas alturas em Lisboa e outras no .... Questionada quanto à relação de namoro, disse que desconhecia como a mesma era, até porque a assistente não era muito expressiva consigo. As declarações da testemunha revelaram-se claras e esclarecedoras quanto aos factos de que teve conhecimento e da forma como obteve esse mesmo conhecimento, sendo merecedoras de credibilidade e permitindo ao Tribunal dar como assentes os pontos 43. e 44. dos factos provados. A testemunha OO, disse ser amigo de infância do arguido e conhecer a assistente apenas de vista e em poucas situações, tendo descrito o arguido como um aficionado de motas, e que por essa razão sempre que lhe é possível vai assistir ao MotoGP, recordando-se, no entanto apenas da primeira vez que o fez. Referiu que em 2020, entre 20 e 23 de Novembro, decorreu o MotoGP no ..., mas à porta fechada por causa da pandemia, tendo o arguido estado consigo já que havia tirado férias, cerca de uma semana, talvez desde 16 0u 17 do mesmo mês, aludindo que se encontraram logo no primeiro dia de férias daquele. Disse ainda a testemunha ter conhecimento de o arguido ter estado de férias no ... neste Verão (2023), mas não consegue precisar por quantos dias, sendo que é normal no Verão, ir a casa dos pais ao fim de semana, tomando café com o depoente nessas alturas. As declarações da testemunha revelaram-se claras e esclarecedoras quanto aos factos de que teve conhecimento e da forma como obteve esse mesmo conhecimento, sendo merecedoras de credibilidade e permitindo ao Tribunal dar como assentes os pontos 43. a 44. dos factos provados. A testemunha PP, disse ser amigo do arguido dos tempos de escola e conhecer a assistente, quer do ..., quer de Lisboa. Relativamente ao conhecimento da assistente, disse que em Lisboa o foi por ocasião do seu aniversário, tendo sido o arguido e a assistente quem o foram buscar a casa de familiares, sendo o carro da assistente. Mais disse que o arguido é aficionado de motas e frequenta uma oficina/stand junto da casa dos avós da testemunha por problemas com a mota, mas que nunca o acompanhou, assim como o arguido frequenta a casa dos seus avós, mesmo quando o depoente ali não se encontra. Questionado disse que a assistente lhe foi apresentada talvez em 2018. Mais referiu que mesmo antes da relação com a assistente o arguido já frequentava a casa dos avós do depoente, continuando actualmente a fazê-lo, não conseguindo, todavia, concretizar com que frequência, referindo apenas que no Verão terá ido apenas uma vez porque se encontrava em missão. Disse ainda o depoente que frequenta a casa dos avós cerca de 7 a 8 vezes por ano, e que nessas ocasiões está, por norma, com o arguido. Mais aludiu ao facto de a assistente residir relativamente perto da casa dos avós do depoente. As declarações da testemunha revelaram-se claras e esclarecedoras quanto aos factos de que teve conhecimento e da forma como obteve esse mesmo conhecimento, sendo merecedoras de credibilidade e permitindo ao Tribunal dar como assentes os pontos 43. a 44. dos factos provados. A testemunha QQ, disse conhecer o arguido por intermédio de amigos comuns e conhecer a assistente de vista e pela relação com o arguido, referindo que o arguido vivia no quartel. Relativamente à mota, disse saber que o arguido frequenta um stand/oficina diferente do seu, mas que tal como o arguido efectua a manutenção da mesma no stand onde adquiriu a mota. Mais disse que o arguido teve duas quedas com a mota, uma das quais quando se encontrava estacionada na casa do depoente cerca de 1 a 3 meses, entre Setembro e Outubro de 2020, do que se recorda. Referiu que a mota estava na sua garagem e que o arguido não tinha a chave da mesma, apenas a deixou e depois a foi buscar. Referiu a testemunha que sempre que está em Lisboa se vêm e que o arguido chegou a ficar duas vezes na sua casa. Questionado disse que o fim da relação deixou o arguido “em baixo”, assim como recebeu mensagens de amigos da assistente para ele sair da rua onde ela residia e para se afastar da assistente, desconhecendo, contudo, o conteúdo concreto das mesmas, uma vez que o arguido lhas relatou após a chamada ou a recepção da mensagem. O depoente questionado acerca da relação entre arguido e assistente, disse que a mesma teve altos e baixos. As declarações da testemunha revelaram-se claras e esclarecedoras quanto aos factos de que teve conhecimento e da forma como obteve esse mesmo conhecimento, sendo merecedoras de credibilidade e permitindo ao Tribunal dar como assentes os pontos 43.a 44 dos factos provados. A testemunha RR, disse ser amigo do arguido e não conhecer a assistente, referindo que partilha com aquele o gosto pelas motas descrevendo o arguido como “muito picuinhas” com a mota, fazendo sempre a manutenção e revisão da mesma na marca onde a adquiriu por causa da garantia, julgando ser a .... Mais disse que o arguido lhe chegou a pedir que levasse a mota ao concessionário para a revisão, sendo que a casa do depoente se situa na rua atrás do concessionário. Questionado disse que se encontravam várias vezes para ver as provas do MotoGp no café/restaurante “...”, do TT, que fica na zona da residência do depoente. As declarações da testemunha revelaram-se claras e esclarecedoras quanto aos factos de que teve conhecimento e da forma como obteve esse mesmo conhecimento, sendo merecedoras de credibilidade e permitindo ao Tribunal dar como assentes os pontos 43. a 44. dos factos provados. O Tribunal teve ainda em consideração os documentos juntos aos autos, nomeadamente, auto de denúncia de fls. 2 a 4 verso; aditamentos de fls. 29, 124, 251, 254, 265, 266 e 274; cópias de fls. 57 a 80, 86 a 123 e 275, e ainda os documentos de fls. 377 a 379 (estes juntos com a contestação). Do cotejo da prova produzida em audiência com os documentos juntos aos autos resulta à saciedade que arguido e assistente mantiveram uma relação de namoro, em que durante um dado período de tempo, em virtude da pandemia, permaneceram na mesma residência, ressalvando-se desde já, que para os presentes autos não é indispensável a coabitação, bastando a mera relação de namoro, sendo que esta veio a terminar em Maio de 2020, após o período de residência em comum. Apurou-se ainda que no decurso do mês de Maio de 2020, arguido e assistente tiveram discussões que se prendiam com a infidelidade/traição do arguido, todavia, da prova efectuada em audiência, não foi possível apurar o que era dito quando das discussões, nomeadamente que o arguido apodou a assistente de “és uma puta, só queres andar é atrás de outros homens, és como as outras”, na medida em que considerando a discussão durante a qual o arguido rasgou uma embalagem de preservativos, nada mais a assistente logrou descrever. Mais se logrou apurar que o fim do relacionamento não foi aceite pelo arguido, o qual desde o fim da relação e, pelo menos até Fevereiro de 2021, tentou, por diversas vezes chegar ao contacto com a assistente, fazendo-o, por mensagens, chamadas telefónicas e, inclusive, frequentando a zona da residência da assistente e dos pais desta. A este respeito, tentou o arguido fazer transparecer que essas deslocações se prendiam apenas e tão só com a manutenção da sua mota, cuja oficina/stand se situa nas imediações, todavia, atentas as regras da lógica e da experiência comum não se afigura verossímil tal explicação, considerando mormente que as diversas vezes em que o arguido ali foi visto não se compadecem com meras “idas à revisão/manutenção” conforme quis fazer transparecer, mas antes, que o fez com a intenção de procurar a assistente, isto porque, considerando que, de acordo com as suas explicações, se deslocava às instalações da ..., sitas na Rua ..., não se vislumbra a necessidade de se deslocar à ... para o efeito, considerando ainda que a localização do café ... é próximo do stand/oficina, não se justificando qualquer proximidade da residência dos pais da assistente. Ainda no que às deslocações à zona da casa dos pais da assistente, concretamente à descrição efectuada da frequência com que a presença do arguido foi referida pela mãe desta, nomeadamente durante o dia, a mesma não se mostra compatível com alguém que trabalha, e em concreto com a actividade profissional do arguido, sujeita a regras e hierarquia, nomeadamente a necessidade de respeitar horários, sob pena de punições de acordo com o CJM e o RDM, o que não se afigura possível ocorrer concretamente durante a semana à hora de almoço, considerando o facto de o arguido se ter de desfardar e posteriormente fardar, uma vez que o Regimento …, se situa na ... e, ninguém referiu que o arguido se encontrava fardado no local, ressalvando-se a este respeito o ocorrido em 2 de Fevereiro de 2021, pelas 14.15horas, conforme consta do aditamento 16, a fls. 266, onde o arguido foi abordado pela PSP, encontrando-se este junto da residência da ofendida, alegando à abordagem que se encontrava no local por ir efectuar reparação da sua mota, no entanto, a justificação apresentada não pode colher, uma vez que, a oficina que frequenta, de acordo com as suas declarações, é perto da casa dos pais da assistente e não da residência desta, importa a este respeito referir que tomando as localizações de ambas as residências, estas não são se situam na mesma zona, pelo que, não havia qualquer necessidade de o arguido ali se ter deslocado. Já no que concerne às demais deslocações e tendo em atenção as considerações acima referidas, resulta manifesto que o arguido se deslocou à zona da residência, quer da assistente, quer dos seus pais, fazendo-o na tentativa de reatar o relacionamento, situação que se mostra suportada pelas mensagens que o mesmo enviou à assistente e devidamente documentadas a fls. 57 a 80, 86 a 123 e 275 dos autos. Ainda no que às deslocações do arguido respeita, importa apreciar a alusão do arguido que entre os dias 16 a 22 de Novembro de 2020 se encontrou no ... para assistir ao MotoGp, tendo para o efeito procedido à junção de fotos, bem como, apresentou testemunhas que corroboram a sua versão, e quanto a este ponto nada nos leva a suscitar dúvidas quanto à presença do arguido no evento, ainda que através da TV por força da pandemia, no entanto, a sua deslocação ao ... em nada colide com as datas apresentadas nos autos, porquanto, importa atentar ao período referido pelo arguido e que se situa entre uma segunda feira e um domingo, ao passo que as datas mencionadas na acusação se mostram posteriores a essas datas apresentadas, sendo que, deslocando-se o arguido para o ... a 16 de Novembro, nada impedia que nesse mesmo dia se deslocasse à zona da residência dos pais da assistente e depois saísse em direcção ao .... Volvendo às mensagens referidas nos autos, pese embora o arguido tenha negado a sua autoria, mencionando que não se revê nas mesmas, ao mesmo tempo que pretende justificar a sua negação com o facto de ter visto a sua conta bancária ser alvo de hackers, certo é que a sua versão não pode colher. Com efeito, não se duvidando da possibilidade de o arguido ter visto a sua conta bancária, por duas vezes, ser alvo de hackers, certo é que se o alvo era a sua conta ou contas bancárias, não se compreende porque foram escritas mensagens endereçadas à assistente, considerando que nada as ligava a esta, nem tão pouco seria alguém com conhecimento da vida pessoal do arguido. Por outro lado, do teor das mensagens juntas aos autos constantes de fls. 57 a 80, 86 a 123 e 275, necessariamente se conclui, atentas as regras da lógica e da experiência comum, que apenas poderiam ter sido escritas pelo arguido, na medida em que das mesmas resulta claro o conhecimento do relacionamento que arguido e assistente tiveram, bem como o fim desse mesmo relacionamento, o que, não poderia ser escrito por alguém que remotamente pretende aceder a contas bancárias. Acresce a este propósito que ainda que se possa aceitar o facto de o arguido não ter reagido da melhor forma ao fim do relacionamento, não se compreende o seu modo de actuação, mormente, pelo período alargado em que as condutas do arguido se prolongaram no tempo. Aqui chegados e muito embora se constate que as mensagens enviadas não continham qualquer teor agressivo ou inapropriado, certo é que pela cadência com que as mesmas eram enviadas, conjugando-as com as deslocações do arguido, quer à zona da residência da assistente, quer dos pais desta, necessariamente se conclui que a conduta do arguido condicionou a vida da assistente, nomeadamente na sua liberdade, porquanto levaram a assistente a sair da sua casa e permanecer em casa de uma amiga, durante o período de 3 meses, bem como necessitar da presença de amigos na sua casa de forma mais regular, chegando algumas amigas a aí pernoitarem, tudo por força da insistência verbalizada ou insinuada que criaram na assistente uma limitação na sua liberdade. E, ainda que se possa dizer que inexistiram agressões físicas ou verbais, considerando que as mesmas não resultam das mensagens e também não foram relatadas em audiência, certo é que a conduta levada a cabo pelo arguido entre Maio de 2020 e Fevereiro de 2021, constante dos pontos 3 e 7 a 37 constitui, todavia, uma agressão psicológica, porquanto alguém que terminou uma relação se ver confrontada com a presença do seu ex-namorado durante vários meses na zona da sua residência ou até da residência dos seus pais, receber amiúde mensagens com o objectivo de ser retomada a relação, afecta a vida diária de qualquer pessoa e em concreto da assistente, sendo por isso violadora da sua autodeterminação e liberdade individual. Acresce que, não podemos deixar de considerar que, atentas as regras da lógica e da experiência comum, o arguido ao actuar como actuou, ainda que imbuído pela intenção de retomar a relação de namoro com a assistente, não podia deixar de saber que essa mesma conduta era apta a criar perturbação na assistente, limitando a sua liberdade individual, mas ainda assim, conformou-se e persistiu na sua conduta, e tanto assim é que mesmo após ser abordado pela PSP junto da residência da assistente, o arguido não alterou a sua conduta, mantendo-se a mesma até Fevereiro de 2021, não revelando ainda o arguido nesta data qualquer arrependimento, negando a prática dos factos. Tudo considerado, muito embora a situação em apreço venha configurada como violência doméstica, afigura-se-nos, após a produção de prova estarmos perante o crime de perseguição, considerando as condutas tidas pelo arguido, não evidenciavam uma posição dominante por parte deste para com a assistente. No que concerne ao elemento volitivo do arguido, apoiou-se o Tribunal no conjunto da prova produzida, tomada à luz das regras de experiência comum, concluindo pela conduta intencional e esclarecida do mesmo, e ainda, por via das declarações das testemunhas inquiridas nos moldes supra mencionados. No que concerne aos antecedentes criminais do arguido os mesmos resultaram do respectivo certificado de registo criminal junto aos autos através da referência Citius n.º 39582657. Para prova das condições económicas e pessoais do arguido a convicção do Tribunal alicerçou-se, ainda, e exclusivamente no relatório social elaborado pela DGRSP constante da referência Citius n.º 36601556. No que tange à matéria de facto dada como não provada, resultou de a prova produzida ter imposto prova negativa ou não ter sido produzida qualquer prova. b) Do crime de perseguição A conduta do arguido integra a prática de um crime de perseguição, p. e p. pelo artigo 154.º-A, n.ºs 1, 3 e 4, do Código Penal. Dispõe o artigo 154.º-A, n.º 1, do Código Penal que «1 - Quem, de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, direta ou indiretamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal. 2 – A tentativa é punível. 3 - Nos casos previstos no n.º 1, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima pelo período de 6 meses a 3 anos e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção de condutas típicas da perseguição. 4 - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância. 5 - O procedimento criminal depende de queixa. (negrito nosso)» Com a incriminação tutela-se a paz jurídica da pessoa perseguida, a sua tranquilidade a sua ausência de mede e inquietação, conforme referem Simas Santos e Leal Henriques in “Código Penal anotado”, III volume, 4.ª edição, pág. 394, Editora Rei dos Livros, sendo assim protegido o bem jurídico da liberdade de decisão e acção. O crime em apreciação é um crime de perigo, como referem os mesmos autores in ob. et loc. cit., pois “a conduta de perseguição ou assédio, deve revestir carácter reiterado, repetido, portanto, deve ser directa ou indirectamente adequado, isto é idóneo, capaz de provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação da pessoa perseguida ou vítima de assédio. Perseguir significa ir no encalço de seguir ou procurar (alguém) com uma insistência que incomoda e/ou assusta; procurar prejudicar sempre que possível; é o mesmo que importunar, buscando afincadamente estabelecer contacto. (…) Pode o perseguidor rondar o espaço vivencial da vítima, aparecendo inesperadamente a cada passo, pode usar os mais variados modos de comunicação (SMS, cartas, encomendas, e-mail, telefone), pode servir-se de terceiros, que agem inocentemente, pode servir-se das redes sociais e desvendar “segredos”; tanto pode enviar presentes, como uma ambulância ou um carro funerário…». Como se refere no acórdão da Relação de Lisboa, datado de 16 de Outubro de 2018, disponível em www.dgsi.pt «I- Este novo tipo de crime, agora previsto no art.º 154º-A, n.º 1 do Código penal, tem como seus elementos constitutivos: - objectivamente, a acção do agente, consubstanciada na perseguição ou assédio da vítima, por qualquer meio, directo ou indirecto; a adequação da acção a provocar naquela medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação; e a reiteração da acção; e, - subjectivamente, o dolo, em qualquer das modalidades referidas no art.14º do C.P., constituído pelo conhecimento dos elementos objectivos do tipo e pela vontade de agir por forma a preenchê-los. II- Em traços gerais, podemos enunciar que o stalking designa um curso de condutas intrusivas e persistentes, prolongadas indeterminadamente no tempo, que podem ser compreendidas como atos persecutórios não queridos e perturbadores para a vítima. As condutas persecutórias materializam-se, portanto, em diversas “formas de comunicação, vigilância e contacto, exercidas sobre alguém que é alvo de um interesse e atenção continuados e indesejados. Diz-nos a experiência que o stalking envolve uma campanha de condutas que têm tendência a escalar em frequência e severidade ao longo do tempo. III- Assim a indesejabilidade da conduta por parte da vítima é um elemento integrante e basilar do conceito de stalking. Significa isto, que os actos persecutórios não são queridos, nem muito menos consentidos pela vítima, que repudia o contacto com o seu perseguidor. Efetivamente, este é um daqueles casos em que não se pode proteger o bem jurídico contra a vontade do seu titular, assim, se a vítima permite e consente nas investidas do stalker, não podemos sequer falar em perseguição. Tornando-se o fenómeno do stalking num crime autónomo o consentimento da vítima na perseguição será um verdadeiro acordo que exclui o tipo.» Também a este respeito se pronunciou o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 5 de Junho de 2017, igualmente disponível em www.dgsi.pt «Comete o ilícito do artº 154º-A, nº 1 do CP, com dolo directo o arguido que, de forma reiterada, contactava telefonicamente a ofendida, a horas diversas, perturbando quer o seu desempenho profissional, quer o seu descanso; deslocava-se ao seu local de trabalho, procurando encontrar-se com ela; entregava quase diariamente no local de trabalho de ofendida cartas e sacas de papel com embrulhos dentro para serem entregues àquela; deslocava-se, com frequência, à residência da ofendida, ora para colocar bilhetes no pára-brisas do seu automóvel, ora aguardando a sua chegada, quer à porta da entrada do prédio, quer à porta da garagem, ora, então, rondando-a, para controlar a sua rotina diária; agindo com o propósito de provocar à ofendida medo e prejudicar e limitar os seus movimentos, bem sabendo que desse modo a lesava na sua liberdade pessoal, como pretendeu e conseguiu.» Deste modo, constituem elementos objectivos do tipo, a perseguição ou assédio de outra pessoa, desde que praticado de modo reiterado. No que concerne ao tipo subjectivo de ilícito, o crime de perseguição apenas é punido a título de dolo - cf. artigo 13.º do Código Penal. Quanto ao dolo, o mesmo é constituído pelo elemento intelectual (conhecimento dos elementos fácticos e, na medida do conhecimento o leigo, normativos, do tipo de ilícito) e pelo elemento volitivo (que compreende a direcção de uma vontade para um determinado comportamento) e está, nos termos do artigo 14.º do Código Penal dividido em três modalidades: - Dolo directo - o agente actua querendo a realização do facto criminoso; - Dolo necessário - o agente, não terá porventura, o resultado da sua conduta como objectivo final, mas aceita-o como consequência necessária da sua conduta, a qual não se abstém de praticar; - Dolo eventual - o agente ao actuar representou como possível a produção daquele resultado criminoso e, apesar disso, actuou, não confiando que esse resultado não se produziria e, logo, conformando-se com a sua verificação. * Atenta a matéria de facto dada como provada, concluímos, desde logo, pela tipicidade da conduta do arguido: na medida em que o mesmo por um número indeterminado de vezes, dirigiu-se à zona da residência, quer da assistente, quer dos pais desta, esta última residência que era usualmente frequentada por aquela, o que era do conhecimento do arguido, por várias vezes o arguido persistiu no envio de mensagens à assistente, assim como efectuava telefonemas, e ainda, tentava o contacto através das redes sociais, fazendo com que esta bloqueasse os números pelos quais os contactos eram efectuados, sem que tal demovesse o arguido, fazendo-o como forma de alcançar o reatar da relação de namoro terminada pela assistente, ainda que sabendo que a mesma não o desejava, o que, atento um critério objectivo-individual, se conclui que tais condutas são adequadas a causar receio e inquietação na vítima, levando a mesma a permanecer em casa de uma amiga cerca de 3 meses, face à postura desenvolvida pelo agente/arguido, o que efectivamente sucedeu. Além de típica, é a conduta do arguido ilícita, porque violadora do bem jurídico tutelado pela censura penal, ou seja, a liberdade individual. E, finalmente, tal conduta é imputável a título de dolo necessário, porquanto o arguido ainda que não tendo o resultado da sua conduta como objectivo final, aceitou-o como consequência necessária da sua conduta a qual gerou receio, inquietação e intranquilidade na assistente, o que conseguiu. Deste modo, não se verificando quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, o arguido deve ser condenado pela prática do crime de perseguição.” * IV- Do mérito do recurso: - Falta de exame crítico da prova versus impugnação da matéria de facto: De acordo com o preceituado no art.º 374º nº 2 do CPPenal, a sentença inicia-se com um relatório, seguido da fundamentação “...que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.” Por seu lado, o art.º 379º, também do CPPenal, estatui: 1. É nula a sentença: a) Que não contiver as menções referidas no art.º 374º, nºs 2 e 3, al. b); ou b) Que condenar por factos diversos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358º e 359º; c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Na verdade, no art.º 127º do CPPenal está plasmado o princípio da livre apreciação da prova de que decorre que, quer a prova existente nos autos, quer a produzida em julgamento é livremente apreciada pelo julgador, evidentemente de acordo com as regras da experiência e dos critérios de lógica. Contudo, tal livre apreciação da prova não se pode confundir com livre arbítrio ou com a manifestação de simples impressões do julgador. Com efeito, na motivação da decisão de facto o juiz deve, nas palavras de MARQUES FERREIRA, Meios de Prova, in Jornadas de Direito Processual Penal – O Novo Código de Processo Penal, págs. 229 e 230, indicar as «(…) provas ou meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal mas, fundamentalmente, “a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão”. Estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum) mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência. (…) A fundamentação ou motivação deve ser tal que, intraprocessualmente, permita aos sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, pela via do recurso (...). E extraprocessualmente, a fundamentação deve assegurar pelo conteúdo, um respeito efectivo pelo princípio da legalidade na sentença e a própria independência e imparcialidade dos juízes uma vez que os destinatários da decisão não são apenas os sujeitos processuais, mas a própria sociedade. Temperando-se o sistema da livre apreciação da prova com a possibilidade de controle imposta pela obrigatoriedade de uma motivação racional da convicção formada, como parece exigir o nosso Código, evitar-se-ão situações extremas – e cremos que raras – em que se impute ao julgador a avaliação “caprichosa” ou “arbitrária”, da prova e, sobretudo, justificar-se-á a confiança no julgador ao ser-lhe conferida pela liberdade de apreciação da prova garantindo-se, simultaneamente, a credibilidade da JUSTIÇA.» O autor citado fez tais considerações a propósito do então denominado Novo Código de Processo Penal, introduzido pelo Decreto-Lei nº 78/87 de 17 de Fevereiro. Ora, no que tange ao art.º 374º, 2 do CPenal o mesmo veio a ser alterado pela Lei 59/98 de 25 de Agosto, a qual introduziu um segmento referente à necessidade de se efectuar um exame crítico da prova. Ou seja, a lei explicita que, actualmente, se deve levar a cabo uma explanação, tanto quanto possível completa, do raciocínio que levou a considerar determinada factualidade provada ou não provada e, bem assim, realizar o exame da prova produzida – designadamente no que tange à prova testemunhal – em que não basta a simples transcrição do que cada testemunha afirmou em julgamento, devendo explicitar-se de que forma os ditos depoimentos contribuíram para convencer o juiz de uma determinada versão dos factos. Como se pode ler no Acórdão do TRL, proferido no processo nº 83/22.2PKLSB.L1, datado de 07/10/2024, relatado por ANA MARISA ARNÊDO, “ao motivar, o tribunal tem de dar a conhecer “as razões – necessariamente racionais e objectivas – da decisão (…) O tribunal dará cumprimento à norma, tendo em conta o art.º 205º da CRP, ao identificar as provas que foram produzidas ou examinadas em audiência e ao expor as razões de forma objectiva e precisa porque é que determinadas provas serviram para alicerçar a convicção e porque é que outras não serviram (…) Ela destina-se a justificar, de forma racional e objectiva, a convicção formada” (Sérgio Poças, Sentença Penal – Fundamentação de Facto, Rev. Julgar, nº3). (…) «A partir da indicação e exame das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, este enuncia as razões de ciência extraídas destas, o porquê da opção por uma e não por outra das versões apresentadas, se as houver, os motivos da credibilidade em depoimentos, documentos ou exames que privilegiou na sua convicção, em ordem a que um leitor atento e minimamente experimentado fique ciente da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção» - Ac. do STJ de 30/1/2002, proc. nº 3063/01-3ª; MAIA GONÇALVES in “Código de Processo Penal Anotado e Comentado”, 13ª ed., 2002, pp. 739-740). Porém, «a lei não exige que em relação a cada facto se autonomize e substancie a razão de decidir, como também não exige que em relação a cada fonte de prova se descreva como a sua dinamização se desenvolveu em audiência, sob pena de se transformar o acto de decidir numa tarefa impossível» (Ac. do STJ de 30/6/1999 - proc. nº 285/99-3ª). Efectivamente, «a motivação da decisão de facto, seja qual for o conteúdo que se lhe dê, não pode ser um substituto do princípio da oralidade e da imediação no que tange à actividade de produção da prova, transformando-a em documentação da oralidade da audiência, nem se propõe reflectir nela exaustivamente todos os factores probatórios, argumentos, intuições, etc., que fundamentam a convicção ou resultado probatório» (Ibidem.). Daí que «a fundamentação a que se reporta o art.º 374º, nº 2, do CPP, não tem de ser uma espécie de “assentada” em que o tribunal reproduza os depoimentos das testemunhas ouvidas, ainda que de forma sintética, sob pena de violar o princípio da oralidade que rege o julgamento feito pelo tribunal colectivo de juízes». De modo que, «não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo» (Ac. do STJ de 12/4/2000, proc. nº 141/2000-3ª)» Ora, no caso dos autos, diferentemente do que defende o recorrente, foi efectuado o exame crítico da prova, constando da fundamentação da matéria de facto a enunciação dos motivos por que se considerou demonstrada a factualidade imputada ao recorrente. Na verdade, na sentença objecto de recurso faz-se uma descrição bastante pormenorizada daquilo que arguido, assistente e testemunhas disseram em julgamento, concluindo-se, em relação a cada um de tais intervenientes, pela enunciação dos fundamentos por que mereceram ou não credibilidade os respectivos depoimentos – total ou parcial, analisando-se, neste último caso, as razões que levaram o juiz a considerar unicamente uma parte do depoimento – bem como a explicitação da factualidade que foi dada como demonstrada tendo em consideração cada um dos aludidos depoimentos. Ou seja, não se verifica a ausência de exame crítico da prova, como pretende o recorrente, muito embora não suscite tal questão, de forma clara, extraindo a consequência da nulidade da sentença. Assim, é manifesto que, em tal segmento, improcede o recurso interposto. - Insuficiência da matéria de facto versus impugnação da matéria de facto: Preceitua o art.º 428º, nº 1 do CPPenal que “As relações conhecem de facto e de direito”. No que tange ao conhecimento da matéria de facto o mesmo pode ocorrer através da denominada revista alargada, prevista no art.º 410º, 2 do CPPenal, em que estão em causa os vícios aí previstos de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e de erro notório na apreciação da prova. Neste caso, qualquer um dos mencionados vícios tem de decorrer da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: isto é, o vício desta natureza tem de ser verificado sem que se recorra a elementos estranhos à decisão, como por exemplo declarações prestadas no decurso do processo ou documentos juntos durante o inquérito, a instrução ou julgamento, salientando-se também que as regras da experiência comum, no dizer de Germano Marques da Silva “não são senão as máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece, englobando as regras da lógica, os princípios da experiência e os conhecimentos científicos” ( citado no Ac. RL de 15-01-2019, in www.dgsi.pt). Está-se, nestes casos, perante vícios dimanados da decisão e não na presença de um qualquer erro de julgamento. No que tange concretamente ao vício da insuficiência da matéria de facto – invocado tabelarmente pelo recorrente através da mera enunciação da al. a), do n.º 2, do artigo 410º do CPPenal, sem que fundamente porque considera que tal vício se verifica no caso dos autos – tem-se entendido que o mesmo ocorre quando os factos dados como provados na decisão são insuficientes para que se conclua, com segurança, pela condenação ou pela absolvição; isto é, quando se verifique que os factos dados como demonstrados não são passíveis de sustentarem a decisão recorrida ou quando o tribunal a quo, devendo e podendo fazê-lo, não investigou toda a matéria de facto com relevo para a decisão da causa, resultando a factualidade dada como provada manifestamente escassa para possibilitar o enquadramento jurídico do caso sub judice. Com efeito, somente se pode falar de insuficiência para a decisão da matéria de facto, quando existe uma lacuna factual que impede a decisão de direito, ou quando se não apura o que se mostra evidente poder ter sido indagado, bem como quando o tribunal não investiga a totalidade da matéria de facto, quando podia e devia fazê-lo. Como salientam SIMAS SANTOS e LEAL-HENRIQUES in Recursos Penais, Rei dos Livros, págs. 74 e 75, a dita insuficiência ocorre quando “(…) se chega à conclusão de que com os factos dados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato nessa matéria que é preciso preencher”. Aliás, isso mesmo é referido no Ac do STJ de 99/01/13, proc. Nº 1126/98, mencionado na obra acabada de citar, pág. 75, ao exarar-se que a dita insuficiência existe quando se faz a “formulação incorrecta de um juízo” em que “a conclusão extravasa as premissas” ou quando há “o... de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão”. No mesmo sentido militam os ensinamentos de Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, Vol. III, pág. 325/326, quando afirma: “é necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada. Antes de mais, é necessário que a insuficiência exista internamente, dentro da própria sentença ou acórdão. Para se verificar este fundamento, é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito.” Todavia, no seguimento do decidido pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29/03/2011, proferido no processo nº 288/09.1GBMTJ.L1-5, em que é Relator JORGE GONÇALVES, in em www.dgsi.pt, “não se deve confundir este vício decisório com a errada subsunção dos factos (devida e totalmente apurados) ao direito, o que consubstancia um caso de erro de julgamento. Nem, por outro lado, tal vício se reconduz à discordância sobre a factualidade que o tribunal, apreciando a prova com base nas “regras da experiência” e a sua “livre convicção”, nos termos do artigo 127.º do C.P.P., entendeu dar como provada. A insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão que pertence ao âmbito do princípio de livre apreciação da prova, não é sindicável caso não seja suscitada a impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto.” Ora, no caso dos autos, face ao concreto conteúdo do recurso interposto, não pode deixar de se considerar que o que o sujeito processual pretende é impugnar a matéria de facto dada como provada, chegando a dizer-se na aludida peça que os factos elencados de 1) a 42) devem ser considerados não provados, parecendo que seria em consequência de tal alteração da matéria de facto que se invoca o sobredito vício, precisamente porque, então, a factualidade provada seria notoriamente insuficiente para condená-lo pela prática do crime que lhe foi imputado na decisão condenatória. Contudo, tal visão do vício em causa consubstancia uma completa subversão do que vem plasmado no art.º 410º, 2, al. a) do CPPenal. Isto é, pretende-se uma alteração da matéria de facto, dando a totalidade da materialidade referente à prática do crime como não provada, para depois se defender a existência de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Ou seja, sob a capa do erro da decisão, procura-se uma autêntica impugnação – e subsequente modificação – da matéria de facto dada como provada. Ora, na impugnação ampla da matéria de facto, a limitação ao texto da decisão recorrida deixa de se verificar, podendo as relações analisar a prova produzida, evidentemente com as balizas que o recorrente deve obrigatoriamente indicar, nos termos do estatuído no art.º 412º, nºs 3 e 4 do CPPenal. Na verdade, o nº 3, do citado art.º 412.º esclarece que “Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas.” Por outro lado, no nº 4 da referida norma preceitua-se que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do art.º 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação.” Isto é, resulta das normas examinadas que o recurso em que se pretende impugnar a decisão proferida relativamente à matéria de facto deve identificar individualizadamente os factos constantes da decisão objecto de recurso que se consideram indevidamente julgados, bem como mencionar o(s) concreto(s) meio(s) de prova ou de obtenção da prova cujo(s) conteúdo(s) imporia(m) decisão diversa e, finalmente, especificar quais os meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1ª instância cuja renovação é pretendida, bem como os fundamentos que justificam que se conclua que assim se evitará o reenvio do processo (cf. artigo 430º do Código de Processo Penal). Acresce que, nos termos do nº 4 do art.º 412º do CPPenal, estando a prova gravada, o recorrente deve indicar concretamente as passagens (das gravações) em que fundamenta a impugnação (não sendo suficiente a remissão para a totalidade de um ou vários depoimentos), uma vez que são os concretos segmentos indicados que serão ouvidos ou visualizados pelo tribunal de recurso para aferir do alegado erro de apreciação – sem embargo, evidentemente, do exame de outras fontes da prova que sejam consideradas relevantes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa (n.ºs 4 e 6 do artigo 412º do Código de Processo Penal). Quanto a este concreto aspecto deve ter-se em linha de conta a orientação constante do Ac. do STJ para Fixação de Jurisprudência nº 3/2012, publicado no Diário da República, Iª série, Nº 77, de 18 de abril de 2012, em que se exarou que “Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações”. Por outro lado, relativamente à reapreciação da matéria de facto deve ter-se ainda em mente que não se trata da realização de um novo julgamento, não podendo a convicção do juiz de primeira instância ser arbitrariamente modificada unicamente porque o recorrente discorda da mesma. Com efeito, a aludida reapreciação apenas poderá levar a uma alteração da matéria de facto provada quando se chegue à conclusão que os elementos de prova implicam uma decisão diversa; contudo, tal nova apreciação da prova produzida já não poderá efectuar-se quando o pretendido é unicamente a substituição da convicção do juiz da primeira instância por uma outra, com base na audição das gravações. Na realidade, com a aludida possibilidade de recurso em matéria de facto, o que se visa é unicamente “um remédio jurídico” para evitar erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como foi apreciada e ponderada a prova, tendo em consideração os concretos pontos de facto indicados pelo recorrente. Assim, o tribunal de recurso deve, desde logo, avaliar se os pontos de facto em crise têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova que o recorrente considera imporem decisão diversa. No sentido do texto existe inúmera jurisprudência de que é exemplo o Ac. da Relação de Lisboa, de 21/03/2023, relatado por SANDRA OLIVEIRA PINTO, in www.dgsi.pt, onde pode ler-se: “Na verdade, o recurso em matéria de facto não tem por finalidade a realização de um segundo julgamento, mas tão só a apreciação da decisão proferida na 1ª instância, apreciação essa limitada ao exame (controlo) dos elementos probatórios valorados pelo tribunal recorrido e feita à luz das regras da lógica e da experiência, mas sempre sem colidir com os fundamentos da decisão que só a imediação e a oralidade permitem atingir - imediação e oralidade que não estão presentes no julgamento do recurso, porque aos juízes do tribunal superior apenas são facultados registos (em suporte magnético). Por isso ao tribunal superior cumpre verificar a existência da prova e controlar a legalidade da respetiva produção, nomeadamente, no que respeita à observância dos princípios da igualdade, oralidade, imediação, contraditório e publicidade, verificando, outrossim, a adequação lógica da decisão relativamente às provas existentes. E só em caso de inexistência de provas, para se decidir num determinado sentido, ou de violação das normas de direito probatório (nelas se incluindo as regras da experiência e/ou da lógica) cometida na respetiva valoração feita na decisão da primeira instância, esta pode ser modificada, nos termos do artigo 431º do Código de Processo Penal.” No caso em análise, o recorrente refere que devem ser dados como não provados todos os factos enunciados de 1) a 42 da matéria de facto provada – precisamente os pontos da matéria de facto referentes à concreta actuação do arguido na medida em que os restantes factos elencados são referentes às suas condições de vida e à ausência de antecedentes criminais. Todavia, o recorrente não cumpre minimamente os requisitos especificados no artigo 412º, n.ºs 3 e 4, e acima elencados. De facto, o recorrente limita-se a alegar que o tribunal deu credibilidade às declarações da assistentes e de 6 testemunhas que concretamente identifica, relativamente a quem considera que não deveria ter sido dada credibilidade, na medida em que se tratava de pessoas amigas da assistente, bem como dos seus pais. Ora, desde logo, o Tribunal, como resulta da motivação da decisão de facto, não se baseou unicamente em tais elementos de prova, acolhendo outros, designadamente também o depoimento prestado pela testemunha MM, agente da PSP – que confirmou ele próprio ter constatado, já no decurso do presente processo e no exercício das suas funções, a presença do arguido nas imediações da casa da assistente – elementos documentais e mesmo as declarações de testemunhas indicadas pela defesa. Por outro lado, o recorrente, estrutura tal segmento do recurso como uma justificação da respectiva falta de adesão ao sentido da decisão em matéria de facto em função de elementos que verdadeiramente não têm qualquer relevância para a aludida decisão, ou contendo, até, elementos que nem sequer podiam ter sido valorados pelo tribunal – como, por exemplo, depoimentos prestados em sede de inquérito por intervenientes processuais. Na realidade, um dos pontos da discórdia do recorrente é a alegação de que ninguém teria logrado explicar por que motivo nunca tinha sido solicitada uma medida de afastamento, acrescentando que a assistente rejeitou a teleassistência. Ora, tal tipo de considerações em nada põe em causa os depoimentos das testemunhas que falaram daquilo que tinham efectivo conhecimento. Ou seja, do esforço examinado não decorre qualquer exercício que vise dotar o recurso apresentado das formalidades rigorosamente presentes nos preceitos legais supra mencionados. Desde logo, não vêm enumerados, com a concisão precisa exigida na lei, os segmentos factuais que se têm como incorrectamente julgados, bem como não se vislumbra que se estabeleça qualquer ligação entre específicos meios de prova produzidos que impusessem uma diferente decisão factual. De facto, o recurso não identifica minimamente os meios de prova de onde extrai que a matéria de facto dada como provada deveria ser outra, limitando-se, como refere o Ministério Público, na resposta aduzida em primeira instância, a genericamente considerar que a prova testemunhal foi incorrectamente apreciada, não indicando as razões por que esses específicos momentos probatórios imporiam diverso julgamento factual. Esta forma de actuar, como é evidente, não cumpre o ónus de impugnação a que a lei obriga o recorrente. Aliás, como decorre do que supra já se disse, na decisão proferida, é efectuada uma criteriosa análise das provas produzidas em julgamento, mostrando-se que os depoimentos de arguido, assistente e testemunhas ouvidas foram alvo de ponderado exame crítico, tendo sido devidamente percebidos e avaliados de acordo com o princípio da livre apreciação da prova. Por outro lado, estão também adequadamente justificados os motivos da respectiva falta de credibilidade de concretos segmentos das versões apresentadas. Ora, sendo assim, e contrariamente ao defendido pelo recorrente que se limita a divergir quanto ao modo como o juiz a quo teria apreciado a prova produzida, considerando que o deveria ter feito num outro sentido diferente daquele que elegeu, tem de se concluir que o recurso em matéria de facto tem de ser rejeitado por absoluto incumprimento dos requisitos que deve revestir esforço dessa espécie. * - Verificação do crime de perseguição: No recurso interposto o recorrente conclui pela sua absolvição do crime por que foi condenado em consequência da alteração da matéria de facto que pretendia que se determinasse. Preceitua o art.º 154º-A, n.º 1, do Código Penal, sob a epigrafe Perseguição que: “1 - Quem, de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, direta ou indiretamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal. 2 - A tentativa é punível. (…)” Assim, do inciso legal citado decorre que constituem elementos típicos objectivos de tal tipo de crime a acção de assédio ou perseguição, praticada pelo agente ou por intermédio de terceiro; uma reiteração da aludida conduta e que a mesma seja adequada a causar medo ou inquietação na vítima ou a prejudicar a sua liberdade de determinação. Está-se perante um ilícito criminal que pode ser praticado por qualquer meio, sendo desnecessária à respectiva consumação a produção de um dano efectivo, isto é, não se mostra exigível que a vítima sinta medo, inquietude ou se sinta prejudicada na sua liberdade. No que tange à reiteração da conduta, para que o tipo de ilícito se mostre preenchido, terá de se estar na presença de uma prática mais ou menos frequente, como tal repetida por mais do que uma vez. Na verdade, a aludida reiteração dependerá da análise das circunstâncias de cada hipótese concreta, bem como da natureza e do contexto em que as acções são praticadas. Como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 11/07/2024, relatado por PAULA CRISTINA BIZARRO, in www.dgsi.pt, que se tem vindo a seguir de perto, “A frequência da repetição da conduta conduzirá ao preenchimento do tipo legal de perseguição quando atinja um nível tal que se deva reputar como idónea e adequada a causar na vítima o sentimento de inquietude ou de medo, ou a prejudicar a sua liberdade de movimentos. Como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 05-11-2019, proferido no Processo n.º 17/16.3GBRMZ.E1 (Relator: João Amaro): A “perseguição” (ou “stalking”) é um padrão de comportamentos persistentes, que se traduz em formas diversas de comunicação, contacto, vigilância e monitorização de uma pessoa-alvo. Tais comportamentos podem consistir em ações rotineiras e aparentemente inofensivas (como, por exemplo, oferecer presentes constantemente, telefonar insistentemente), ou mesmo em ações inequivocamente intimidatórias (como, por exemplo, seguir a vítima constantemente - a pé ou em veículo automóvel -, enviar repetidas mensagens de telemóvel com conteúdo persecutório e/ou “ameaçador”, enviar correspondência escrita de idêntico conteúdo, etc.). Pela sua persistência e contexto de ocorrência, este padrão de conduta pode assumir tal frequência e severidade que afete não só o “bem-estar” das vítimas, como, mais do que isso, lhes cause medo ou inquietação ou as prejudique na sua liberdade de determinação. No Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 01-04-2020, proferido no Processo n.º 1031/18.0PIPRT.P1 consignou-se que: Stalking é uma forma de violência interpessoal alicerçada num padrão de comportamento desdobrado em múltiplas condutas de diferentes espécies ou concretizado em vários atos da mesma natureza, mas que têm de comum entre si, corresponderem a uma campanha de assédio, de vigilância, de tentativas de contacto e comunicação, de invasão da privacidade, de monitorização da vida e de indução, na vítima, de sentimentos de medo, de perigo eminente, de revolta, de impotência e ansiedade, adotado de forma reiterada e mais ou menos persistente. No Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22-09-2021, proferido no Processo n.º1025/18.5PBMAI.P1 (Relatora: Eduarda Lobo), explicita-se que: Na exposição de motivos do projeto de lei nº 647/XII que deu origem ao corpo do art.º 154º A do Código Penal, definiu-se a perseguição, ou “stalking”, como “um padrão de comportamentos persistentes, que se traduz em formas diversas de comunicação, contacto, vigilância e monitorização de uma pessoa-alvo”. Como se refere no Ac. Rel. Lisboa de 09.07.2019[22] «A perseguição consiste na vitimação de alguém que é alvo, por parte de outrem, o assediante, de um interesse e atenção continuados e indesejados, como vigilância, ou perseguição, os quais são susceptíveis de gerar ansiedade e medo na pessoa-alvo.” “O stalking pode definir-se como uma forma de violência relacional. Segundo a maioria da legislação norte-americana, o crime consiste num padrão intencional de perseguição repetida ou indesejada que uma “pessoa razoável” consideraria ameaçadora ou indutora de medo. Já a legislação australiana define o stalking como “perseguir uma pessoa, permanecer no exterior da sua residência ou em locais por ela frequentados, entrar ou interferir na sua propriedade, oferecer-lhe material ofensivo, mantê-la sob vigilância, ou agir de um modo que se poderia esperar com razoabilidade que fosse susceptível de criar stress ou medo na vítima.” - Cfr. Nuno Lima da Luz, a fls.6, da sua tese de dissertação de mestrado (disponível in http://repositorio.ucp.pt) Pode-se caracterizar também por uma série de comportamentos padronizados que consistem num assédio permanente, nomeadamente através de tentativas de comunicação com a vítima, vigilância, perseguição, etc. Embora estes comportamentos possam ser aparentemente corriqueiros se não forem percebidos no seu contexto do “stalking”, as condutas que integram o seu tipo objectivo podem ser bastante intimidatórios pela persistência e intensidade com que são praticadas, causando um enorme desconforto na vítima e atentando claramente à reserva da vida privada.» Ora, tal como refere o recorrente, muitos dos comportamentos por si assumidos, e que estão em causa nos autos, são aparentemente frequentes e banais. Contudo, os mesmos foram repetidos pelo arguido, que constantemente aparecia nos locais onde a assistente se encontrava, designadamente junto da sua casa e da casa dos seus pais – o que até a levou a ir residir por períodos de tempo relativamente longos em casa de amigas – mandando mensagens do conteúdo daquelas dadas como provadas de modo insistente, que fez com que, pela sua frequência e persistência, tenham causado medo e inquietação na assistente e prejudicado a sua liberdade de determinação. Assim, permanecendo intocada a factualidade provada na sentença, dúvidas não subsistem de que se mostram preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do crime em análise. V. Decisão: Pelo exposto, acordam os Juízes da 9ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, confirmar a sentença recorrida nos seus precisos termos. * Condena-se o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC - arts. 513º/1 do Código de Processo Penal, 8º/9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último diploma. Notifique. * Lisboa, 5 de Dezembro de 2024 Rosa Maria Cardoso Saraiva Diogo Leitão André Alves |