Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | PAULO RAMOS DE FARIA | ||
Descritores: | ACÇÃO EXECUTIVA INDEFERIMENTO LIMINAR DECISÃO SURPRESA OBRIGATORIEDADE DO CONTRADITÓRIO MANIFESTA DESNECESSIDADE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/03/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE COM * DEC VOT | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1. A circunstância de uma decisão poder ou dever ser proferida liminarmente, isto é, antes da citação do demandado, não obsta a que o tribunal ouça o demandante, parte contra a qual decide, sobre a questão objeto da sua pronúncia, na satisfação do disposto no n.º 3 do art.º 3.º do Cód. Proc. Civil. 2. A “manifesta desnecessidade” (art.º 3.º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil) de oferecimento do contraditório prévio à decisão de uma questão com influência “no exame ou na decisão da causa” é de verificação (ocorrência) absolutamente excecional. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa A. Relatório A.A. Identificação das partes e indicação do objeto do litígio Comunicações, S.A., instaurou a presente ação executiva, com processo comum, contra SCCA, com base num requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória. Antes de citada a executada, o tribunal a quo julgou extinta a execução, concluindo nos seguintes termos: “(…) Entende, assim, este tribunal não dispor a exequente de título executivo eficaz, por a pretensão formulada não se ajustar à finalidade do procedimento de injunção. Decisão: Em face de todo o exposto, por verificação da exceção dilatória da falta de título executivo, decido rejeitar a presente execução (cf. artigos 734.º, n.º 1, e 726.º, n.º 2, al. a), do CPC)”. Inconformada, a exequente apelou desta decisão, concluindo, no essencial: “4. (…) [A] lei não habilita o tribunal a quo a conhecer oficiosamente de exceções dilatórias relacionadas com o conteúdo do título executivo; 5. Das causas admissíveis de indeferimento liminar do requerimento executivo constantes do artigo 726.º do CPC não resulta o uso indevido do procedimento de injunção; 6. Permitir-se ao juiz da execução pronunciar-se ex officio relativamente à exceção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção esvaziaria de função o artigo 14.º-A n.º 2 do DL 269/98, de 1 de setembro, e atentaria contra o princípio da concentração da defesa ínsito no artigo 573.º do CPC; 7. Sem prescindir, o entendimento de que a cláusula penal as despesas de cobrança não podem integrar o procedimento injuntivo não determina que a extinção total da instância executiva, mas somente a recusa do título executivo relativamente à parte que integra tais valores. 8. A sentença recorrida foi ainda proferida sem a apelante ter sido convidada a oferecer o devido contraditório, o que consubstancia uma violação do artigo 3.º do Cód. Proc. Civil”. A apelada não contra-alegou. Sem que a apelante tenha invocado a nulidade da sentença prevista no art.º 615.º do Cód. Proc. Civil, o tribunal a quo emitiu despacho nos termos previstos no art.º 617.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, indeferindo a (inexistente) reclamação de nulidade. A.B. Questões que ao tribunal cumpre solucionar São três as questões de direito suscitadas pela apelante: a) violação do princípio do contraditório, por não ter sido a exequente previamente convidada a pronunciar-se sobre o fundamento da extinção da execução. b) inadmissibilidade do conhecimento oficioso da inidoneidade do título executivo apresentado (requerimento de injunção ao qual foi aposta a fórmula executória), por o procedimento de injunção não ser apropriado para a cobrança do concreto crédito invocado; c) idoneidade do título executivo apresentado para servir de base à execução na parte em que não se refere ao crédito indevidamente objeto do procedimento de injunção; Sublinhamos, desde já, que a apelante não invoca nas suas conclusões a admissibilidade da cobrança de uma cláusula penal por meio de um procedimento de injunção (questão de fundo). Apenas sustenta, conforme foi acima destacado, que tal suposto vício não pode ser conhecido oficiosamente pelo juiz da execução. * B. Fundamentação B.A. Factos provados (conforme considerado pelo tribunal ‘a quo’) 1 – Comunicações, S.A., instaurou a presente ação executiva, com processo comum, contra SCCA, com base em procedimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória. 2 – No formulário que constitui o requerimento de injunção, o campo intitulado “Exposição dos factos que fundamentam a pretensão” foi preenchido com os seguintes dizeres: “A Req.te (Rte), celebrou com o Req.do (Rdo) um contrato de prestação de bens e serviços telecomunicações a que foi atribuído o n.º 844651667. No âmbito do contrato, a Rte obrigou‑se a prestar os bens e serviços solicitados pelo Rdo, e este obrigou-se a efetuar o pagamento tempestivo das faturas, a devolver com a cessação do contrato os equipamentos da Rte e a manter o contrato pelo período acordado, sob pena de, não o fazendo, ser responsável pelo pagamento de cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato. Das faturas emitidas, permanece(m) em dívida a(s) seguinte(s): € 64.9 de 05/11/2019, € 64.35 de 05/12/2019, € 62.88 de 05/01/2020, € 60.59 de 05/02/2020, € 2.5 de 05/03/2020, € 971.82 de 05/06/2020, vencidas, respetivamente, em 28/11/2019, 28/12/2019, 28/01/2020, 27/02/2020, 28/03/2020 e 28/06/2020. Enviada(s) ao Rdo logo após a data de emissão e apesar das diligências da Rte, não foi(ram) a(s) mesma(s) paga(s), constituindo-se o Rdo em mora e devedor de juros legais desde o seu vencimento. Mais, é o Rdo devedor à Rte de € 245.41, a título de indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida. Termos em que requer a condenação do Rdo a pagar a quantia peticionada e juros vincendos.” 3 – Na sua segunda intervenção no processo – versando a primeira sobre o levantamento do sigilo fiscal solicitado pelo agente de execução –, o tribunal a quo proferiu a decisão impugnada – cujo dispositivo já foi acima transcrito –, quando a executada ainda não se encontrava citada. 4 – Na fundamentação da decisão, o tribunal a quo apresentou a seguinte fundamentação, no essencial: “(…) [A] exequente (…) intentou (…) a presente execução com base em requerimento de injunção ao qual foi aposta força executiva por secretário de justiça (…). // A causa de pedir assenta no incumprimento do “contrato de prestação de bens e serviços de telecomunicações” celebrado entre as partes, aí se incluindo o valor correspondente ao da cláusula penal. (…) “O procedimento de injunção é aplicável às obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contratos (…). // Este regime processual (…) não tem a virtualidade de servir para a exigência de obrigações pecuniárias resultantes, por exemplo, de responsabilidade civil, contratual ou extracontratual (…). (…) // Ou seja, as injunções, incluindo as decorrentes de transação comercial, (…) não são a via processual adequada para acionar a cláusula penal, mesmo que compulsória, decorrente da mora ou de qualquer vicissitude na execução do contrato (…). “Assim, [no caso dos autos] relativamente ao pedido de pagamento do montante correspondente à cláusula penal/indemnizatória, foi lançado mão de uma forma processual que legalmente não é a prevista para tutela jurisdicional respetiva. (…) “A exequente (…) deu causa à verificação de uma exceção dilatória inominada (…). Tal exceção atinge e contagia todo o procedimento de injunção, (…) e não apenas o pedido referente ao valor da cláusula penal peticionada (…). (…) // Caso tivesse sido submetido a apreciação jurisdicional, deveria ter tido lugar um juízo de improcedência total do pedido (sic) (…). (…) “[O] recurso ao procedimento de injunção quando este não se ajusta à pretensão formulada, porque acarreta exceção inominada (…), pode esta ser conhecida em sede execução (…). // Por outro lado, a omissão ou insuficiência de título executivo são de conhecimento oficioso e podem ser apreciadas e declaradas até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados (…). (…) “Entende, assim, este tribunal não dispor a exequente de título executivo eficaz, por a pretensão formulada não se ajustar à finalidade do procedimento de injunção”. B.B. Análise dos factos e aplicação da lei São as seguintes as questões de direito parcelares a abordar: 1. Prolação de decisões-surpresa, em geral 2. Prolação de uma decisão-surpresa, em concreto 2.1. Recurso à injunção para o exercício de responsabilidade civil contratual 2.2. Possibilidade de aproveitamento parcial do título executivo 2.3. Inexistência de “manifesta desnecessidade” de oferecimento do contraditório 3. Efeitos da violação da proibição da prolação de decisões-surpresa 4. Responsabilidade pelas custas 1. Prolação de decisões-surpresa, em geral A primeira questão suscitada pela apelante a enfrentar, por ser prejudicial relativamente às restantes, é a da alegada violação da proibição de prolação de decisões-surpresa – conclusão n.º 8 da alegação de recurso. Vejamos se com mérito. Decisão-surpresa é a decisão proferida em violação da segunda norma enunciada no art.º 3.º, n.º 3, de conteúdo proibitivo: não é lícito ao juiz, “salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”. Na decisão-surpresa é, pois, inovadoramente, adotada uma “terceira via”, afastando-se o tribunal das soluções que as partes consideraram nos seus atos ou sobre as quais foram convidadas a se pronunciarem – seguimos de perto Paulo Ramos de Faria e Nuno de Lemos Jorge, «As outras nulidades da sentença cível», Julgar Online, setembro de 2024, sem outra menção de fonte. Não se pode dizer que a norma enunciada no art.º 3.º, n.º 3, segunda parte, estabelece um limite ao princípio iura novit curia, dado que o conhecimento oficioso da questão não se confunde com a necessidade da sua discussão prévia à decisão, a não ser na exata medida em que, por regra, a possibilidade de discussão prévia é uma condição de regularidade do conhecimento pelo tribunal de qualquer questão, quer oficiosamente suscitada, quer a requerimento. Assim, por exemplo, o juiz pode decidir uma questão com base numa norma não invocada pelas partes (art.º 5.º, n.º 3), mas não o deve fazer sem que antes estas tenham tido a possibilidade de se pronunciarem sobre esse enquadramento jurídico. Em suma, o poder de conhecimento oficioso apenas deve ser exercido depois de a potencial relevância da norma para a decisão resultar clara na ação, dispondo as partes de oportunidade para a discutir. Para tanto, se necessário, o tribunal deverá proporcionar um contraditório específico sobre a questão. Isto vale para a decisão liminar – isto é, proferida antes da citação do réu ou executado –, como vale para a decisão proferida ulteriormente. Repisa-se, a circunstância de o despacho ser (ou dever) ser proferido liminarmente em nada contraria esta afirmação. Liminar significa aqui, apenas, antes da citação do réu (ou do executado). O juiz pode decidir oficiosamente uma questão de conhecimento oficioso antes de citado o réu, mas não o poderá fazer sem antes ouvir o demandante negativamente afetado pela decisão. Só assim não sucederá quando seja manifesto que o tribunal irá necessariamente conhecer oficiosamente de uma questão concreta, assentando a sua pronúncia sobre um dos possíveis enquadramentos jurídicos com que a parte podia razoavelmente contar, tendo esta disposto de uma oportunidade para se pronunciar. Neste caso, não é a decisão de qualificar como decisão‑surpresa, pois a parte, agindo com a diligência devida, já teve a possibilidade de participar na discussão da questão abordada pelo tribunal. 2. Prolação de uma decisão-surpresa, em concreto No caso dos autos, verificamos que o tribunal a quo não convidou o exequente a, querendo, se pronunciar sobre a questão que levou à extinção da execução. Não obstante, estamos perante uma matéria complexa, que se desenvolve por vários níveis. Por um lado, pode ser discutido se o vício invocado é de conhecimento oficioso. Por outro lado, não é líquido que o procedimento de injunção nunca pode visar a cobrança de créditos ressarcitórios. Finalmente, não é seguro que o uso indevido do procedimento de injunção quanto a um dos créditos determine a extinção da execução relativamente aos restantes créditos. Se a apreciação da primeira questão referida se pode considerar abrangida pela ressalva prevista no n.º 3 do art.º 3.º do Cód. Proc. Civil – “salvo caso de manifesta desnecessidade” –, o mesmo já não será de dizer da apreciação das restantes. 2.1. Recurso à injunção para o exercício de responsabilidade civil contratual Quanto à segunda questão enunciada, cobra aqui relevo notar que o poderoso e (quase) incontroverso entendimento de acordo com o qual os “procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos” previstos no Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, não são apropriados à formulação de pedidos de indemnização (responsabilidade civil contratual) cede, com estrondo, sob uma leve pressão da realidade jurídica. Com efeito, é incontroverso, parece-nos, que o pedido de pagamento de juros moratórios – e não apenas remuneratórios contratualmente estipulados – é admissível nestes procedimentos. Ora o juro moratório não é coisa diferente de uma indemnização (responsabilidade civil contratual) pelo dano resultante do atraso culposo no cumprimento da obrigação – isto é, por uma forma de incumprimento pontual da obrigação. Se assim não se entender, isto é, se se obrigar o credor a instaurar uma diferente ação para reclamar uma indemnização pelo mero atraso no cumprimento da a obrigação – pedindo o pagamento de juros moratórios –, de pouco servirão, na prática, os referidos procedimentos. Somos, pois, obrigados a concluir que não é exato afirmar, sem mais, que os procedimentos previstos no Decreto-Lei n.º 269/98 não são apropriados para a formulação de (nenhum) pedido de natureza ressarcitória, fundado em responsabilidade civil contratual. Aliás, parece decorrer diretamente do regime aprovado por este diploma legal que a reclamação de tais juros tem cabimento nestes procedimentos – cfr. os arts. 10.º, n.º 2, al. e), 13.º, n.º 1, al. d), 18.º e 21.º, n.ºs 2 e 3, do regime referido. Poder-se-ia dizer que este dano moratório tem a particularidade de ser legalmente liquidado com base numa taxa fixada por um ato normativo, previamente conhecida. No entanto, nada no regime em análise permite concluir que apenas o juro moratório legal está abrangido pelas referidas normas, e já não o juro convencionalmente fixado (art.º 806.º, n.º 2, do Cód. Civil). Ainda assim – reconhecendo-se a possibilidade de reclamação de juros moratórios convencionados –, poder-se-á dizer que a taxa contratualmente fixada também é previamente conhecida, permitindo uma liquidação manifestamente simples. Mas se assim se deve entender, como inquestionavelmente se deve, cabe perguntar por que razão se recusa a possibilidade de reclamar o pagamento de uma cláusula penal por via de um destes procedimentos, quando a fixação de um juro moratório convencional mais não é do que a fixação de uma clausula penal ressarcitória (e, ou, compulsória) pelo mero atraso na satisfação da obrigação pecuniária. Ainda sobre a adequação destes procedimentos à formulação de uma pretensão ressarcitória, constata-se que os arts. 7.º e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio, permite que neles seja pedida uma “indemnização pelos custos de cobrança da dívida”. Movimentamo-nos aqui, obviamente, nos quadros da responsabilidade civil contratual. Não é irrelevante, todavia – e sem querer aprofundar a discussão, deslocada na economia deste aresto –, a circunstância de, também aqui, estarmos, por regra, perante um valor facilmente liquidável, quando se pretenda obter o montante prévia e legalmente fixado (€ 40,00). Dizemos “por regra”, pois não é seguro que que resulte da lei que a “indemnização superior correspondente” referida no primeiro artigo mencionado não possa ser reclamada por meio de um procedimento de injunção, nos termos previstos no segundo artigo referido. Não é, pois, evidente e incontroverso que seja inadmissível a cobrança de um crédito estabelecido por uma cláusula penal, quando o seu valor é fixo (invariável) ou resulta da mera aplicação de uma taxa fixa (invariável) sobre o valor da obrigação pecuniária (prestação contratual) em dívida. 2.2. Possibilidade de aproveitamento parcial do título executivo No que toca à terceira questão a enfrentar, a controvérsia justificativa da prévia audição da parte pode ser evidenciada mediante a mera invocação dos Acs. do TRL de 10-09-2024 (13136/21.5T8SNT.L1), desta 7.ª Secção, e do TRP de 08-11-2022 (901/22.5T8VLG-A.P1), este até mencionado na decisão impugnada. Nestes arestos é claramente admitido o prosseguimento parcial da execução, baseada num requerimento de injunção executório, depois de extinta a instância na parte referente à exigência da satisfação de uma cláusula penal, para cobrança dos outros créditos titulados. 2.3. Inexistência de “manifesta desnecessidade” de oferecimento do contraditório Podemos aceitar que, em determinados casos, a decisão de uma questão com influência “no exame ou na decisão da causa” (usando-se aqui a fórmula enunciada no art.º 195.º do Cód. Proc. Civil) pode ser subsumida à citada ressalva aberta no enunciado do n.º 3 do art.º 3.º do Cód. Proc. Civil (“manifesta desnecessidade” de oferecimento do contraditório) – por exemplo, na demanda de uma sociedade extinta ou na instauração de uma ação de divórcio perante um juízo do comércio. No entanto, estes casos constituem a exceção, e não a regra. Deve, pois, ser reiterada a jurisprudência desta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa sobre esta questão, concluindo-se que estamos perante um caso de violação da proibição de prolação de decisões-surpresa. Em suma, “a prolação de decisão de rejeição da execução, nos termos previstos no art.º 734.º do Cód. Proc. Civil, sem prévia audição das partes, configura uma decisão-surpresa” – cfr. os Acs. do TRL de 22-10-2024 (5757/24.0T8SNT.L1-7) e de 26-09-2023 (7165/22.9T8LSB.L1-7). 3. Efeitos da violação da proibição da prolação de decisões-surpresa No enquadramento desta ilegalidade no art.º 615.º do Cód. Proc. Civil, sustentam uns ocorrer uma omissão de pronúncia, enquanto outros apontam para um excesso de pronúncia. Outros, ainda, sustentam que a ilegalidade presente na decisão-surpresa resulta da sua contrariedade a um princípio ou norma de ordem superior, a justificar, pela sua gravidade, a aplicação do art.º 615.º ao caso (nele não previsto), assim se abrindo as portas da apelação. Finalmente, há também quem sustente que estamos aqui perante um error in judicando em matéria de direito adjetivo – sobre estes enquadramentos, cfr. Paulo Ramos de Faria e Nuno de Lemos Jorge, «As outras nulidades da sentença cível», Julgar Online, setembro de 2024. Tal como enfatizou Miguel Teixeira de Sousa, o essencial é que se perceba que o vício presente se situa na própria pronúncia, e não a montante dela, devendo a decisão ser atacada por via de recurso (quando seja recorrível) – cfr. o comentário «“As outras nulidades da sentença cível” – resposta a uma crítica», de 27 de setembro de 2024, publicado no Blog do IPPC. O mesmo é dizer que, não sendo viável a intervenção deste tribunal em regime de substituição (art.º 665.º do Cód. Proc. Civil), por nunca ter sido proporcionado o contraditório devido à exequente – nunca se tendo esta pronunciado espontaneamente, designadamente, sobre a admissibilidade da cobrança de uma cláusula penal por meio de um procedimento de injunção –, nada mais resta do que revogar a decisão apelada e ordenar que a decisão a proferir sobre a questão seja precedida do oferecimento do contraditório à exequente – contraditório que agora, tendo sido entretanto citada a executada, a esta se deve estender. 4. Responsabilidade pelas custas Esta instância recursiva não tem nenhuma autonomia relativamente à instância principal, no que toca aos interesses em discussão. Por assim ser, e porque só ulteriormente se poderá conhecer com segurança quem deu causa à ação – e em que medida –, não é possível fixar, desde já, em definitivo quem deve responder pelas custas da apelação. A responsabilidade pelas custas cabe, pois, provisoriamente à apelante (art.º 527.º do Cód. Proc. Civil), por, por ora, ter tirado proveito do recurso (não se podendo ter a apelada por parte vencida), sem prejuízo de ulterior correção, de modo a corresponder à proporção do decaimento na decisão a proferir pelo tribunal a quo sobre a regularidade do título. C. Dispositivo C.A. Do mérito do recurso Em face do exposto, na procedência da apelação, acorda-se em revogar a decisão recorrida, determinando-se que tribunal a quo profira nova decisão sobre o mesmo objeto, depois de proporcionar às partes o exercício do direito de contraditório. C.B. Das custas Custas provisoriamente a cargo da apelante, nos termos acima enunciados. * Notifique. Lisboa 3/12/2024 Paulo Ramos de Faria Cristina Silva Maximiano Rute Alexandra da Silva Sabino Lopes (Com a declaração de voto concordante que se segue) No caso dos autos, contrariamente ao caso tratado no Ac. do TRL de 22-10-2024 (5533/24.0T8SNT.L1-7), a decisão apelada foi proferida depois de o juiz já ter intervindo no processo em data anterior. Isto revela que, por identidade de razão, nada impedia que tivesse (também) uma outra uma intervenção liminar de conteúdo não decisório (um convite ao exercício do direito de contraditório). Ou seja, revela que o juiz entendeu que a possibilidade de proferir a decisão impugnada não era afastada pela circunstância de se ter desenvolvido anteriormente uma atividade processual por si determinada (como também sucederia com a aceitação do referido convite). Em coerência, deveria o juiz ter determinado que, previamente à decisão, fosse o exequente ouvido sobre a questão. RASSL |