Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4730/16.7T8LSB.L1-2
Relator: ARLINDO CRUA
Descritores: QUESTÃO PREJUDICIAL
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/06/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - Questão prejudicial pode definir-se como aquela cuja solução é necessária para se decidir uma outra;
- existe prejudicialidade nas situações em que o conhecimento do fundo ou mérito da acção (ou seja, para se prover sobre o petitório formulado) está dependente da prévia resolução de uma outra questão que, segundo a estrutura lógica ou o encadeamento lógico da sentença, carece de prévia decisão ;
- nos casos de extensão de competência previstos nos artigos 91º e 92º, do Cód. de Processo Civil, a questão prejudicial surge como incidente duma causa, tomada a palavra incidente no sentido lato, enquanto que na situação plasmada no artº. 272º, a questão prejudicial constitui o objecto duma acção autónoma, separada e distinta ;
- a indagação acerca da validade/legalidade das Deliberações do Banco de Portugal, tomadas na sequência da aplicação da medida de resolução ao BES, S.A., afigura-se relevante e pertinente, configurando-se como efectiva questão prejudicial, ou seja, segundo a estrutura lógica da decisão proferenda relativamente ao Réu N……., S.A., no que concerne ao petitório deduzido e tendo em atenção o defendido pelos próprios Autores, torna-se necessário decidir previamente acerca da legalidade/validade ou ilegalidade/invalidade de tais Deliberações ;
- pois, efectivamente, tal conhecimento delimita ou baliza as responsabilidades do N…….., S.A., com directa repercussão no desenlace do mérito da acção ;
- perante tal quadro de necessidade de conhecimento de tal questão incidental e prejudicial, poderia o Sr. Juiz a quo tomar uma de duas providências:
· ou conhecia de tal questão prejudicial, por efeito da extensão de competência em razão da matéria prevista no artº. 91º, do Cód. de Processo Civil, sendo que a decisão que proferisse apenas produziria caso julgado formal, limitando os seus efeitos ao presente processo ;
· ou, decidiria sobrestar em tal conhecimento, aguardando que o tribunal materialmente competente (foro administrativo) se pronunciasse, nomeadamente por impulso das partes, nos quadros do artº. 92º, do mesmo diploma ;
- estando tal questão pendente na causa prejudicial (a título principal e em foro competente) e apenas podendo ser conhecida na presente causa a título incidental, o nexo de prejudicialidade é mais frouxo ou fraco, existindo uma dependência meramente facultativa ou de pura conveniência. Mas prejudicialidade ainda, plenamente justificativa do juízo de suspensão da instância determinado, nos quadros do artº. 272º, nº. 1, do Cód. de Processo Civil, no exercício da faculdade, que não imposição, atribuída ao julgador.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]:
           
I - RELATÓRIO
1J... A... e mulher M... A..., residentes em ………., intentaram acção declarativa sob a forma de processo comum ordinário contra B..., S.A., N..., S.A. e E... C..., deduzindo o seguinte petitório:
- serem os Réus solidariamente condenados a indemnizar os Autores:
a) Dos danos patrimoniais a apurar em execução de sentença;
b) Dos danos morais, que se computam, simbolicamente, em 5.000,00 €.
Fundamentaram o alegado, essencialmente, no seguinte:
· são clientes do Réu B..., há vários anos, nomeadamente desde Agosto de 2012, tendo aberto conta na agência de Chaves com o nº. 0001 1516 6743;
· nunca quiseram investimentos arriscados, o que sempre comunicaram ao gestor de conta, que lhes propôs a abertura de uma conta a prazo de 2 anos, com uma taxa de 5,4 %;
· tendo os Autores transferido para tal conta a quantia de 50.300,00 €;
· em Agosto de 2015, quando pretenderam levantar o dinheiro, foi-lhes então dito que estava congelado;
· sendo que apenas em tal data é que souberam, através do N..., S.A., que veio substituir o B..., que a sua conta foi transferida como acções e obrigações, contrariamente às instruções e intenções dos Autores;
· assim, por influência do Réu B..., S.A., os Autores aplicaram tal quantia em 2.012 acções preferenciais da sociedade EG Premium com o ISIN: SCBES0AE0224 ao preço unitário de € 25,00;
· tendo, na mesma data, subscrito uma ordem de venda das mesmas acções com o valor total de 55.770,22 €, a liquidar em 22/09/2014;
· nunca lhes foi explicado o que era a EG Premium, nem nunca receberam qualquer informação ou ficha técnica acerca de tal aplicação;
· se soubessem que estavam a aplicar as suas poupanças de toda uma vida de trabalho em acções, nunca teriam aceite as aplicações que lhes estavam a a ser propostas;
· sendo que, na realidade, o que os Autores subscreveram foram acções preferenciais de uma sociedade veículo (SPV) com sede nas Ilhas Virgens, cujo património é constituído exclusivamente por obrigações sénior, cupão zero, sem juros, do B...;
· tais acções não são aplicações adequadas ao perfil dos Autores, nem correspondem aos interesses e à vontade destes, como era do conhecimento do gestor do B... que as impingiu aos Autores;
· tendo em atenção o contexto das declarações negociais, o B... assumiu o compromisso firme e efectivo de garantia de retorno da importância aplicada, com juros, no período convencionado;
· nos termos da lei, doutrina e jurisprudência, compete ao Banco a alegação e o ónus da prova de que prestou aos Autores a informação adequada, atento o perfil e as instruções dos Autores, de forma a tornar possível, por parte destes, o conhecimento completo e efectivo dos produtos oferecidos;
· o que o mesmo não fez, antes fornecendo informação falsa;
· o Réu B... é, assim, responsável pelos conselhos, por violação do dever de informação a cargo das instituições de crédito e dos intermediários financeiros, seja por assunção da dívida, seja por fiança;
· responsabilidade que foi transmitida para o Réu N..., S.A., por força da operação de resolução determinada pelo Banco de Portugal;
· e que é extensível ao 3º Réu, por violação gravosa dos deveres de cuidado e de lealdade para com os lesados credores do N...;
· tendo agido de forma dolosa ou agravante negligente, agindo ilicitamente causando elevados prejuízos aos ora Autores e demais lesados, pelo que se tornou igualmente responsável pelo ressarcimento de tais prejuízos, juntamente com os demais Réus;
· sendo solidária tal responsabilidade.   

2 – Citados os Réus, veio o B..., S.A., contestar, por excepção, invocando a incompetência do Tribunal em razão do valor e a inexigibilidade do cumprimento das obrigações que não tenham sido transferidas em resultado da medida de resolução aplicada ao B... por Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal e, no mais, mediante impugnação.
Conclui, nos seguintes termos:
§ que seja ordenada a notificação dos Autores para virem esclarecer se entendem que o valor do prejuízo por si incorrido supera os € 50.000,00 ou se fica aquém daquele montante;
Em todo o caso:
§ que seja julgada procedente a excepção peremptória de inexigibilidade do cumprimento da alegada obrigação de indemnização do Réu B..., absolvendo-o dos pedidos; ou
§ subsidiariamente, seja julgada improcedente a acção, por não provada, com todas as legais consequências.
3 – Por sua vez, os Réus N... S.A., e E... C..., vieram contestar, aduzindo, em súmula:
- por excepção, a incompetência relativa do Tribunal em razão do valor e a sua ilegitimidade passiva;
- a suspensão da instância, nos termos do nº. 1, do artº. 92º, do Cód. de Processo Civil, não devendo o Tribunal julgar improcedente a invocada excepção de ilegitimidade, com base na invalidade da medida de resolução, sem primeiro suspender a instância, remetendo essa competência anulatória para os tribunais administrativos;
- por impugnação.
Concluiu, nos seguintes termos:
Ø que, verificado o valor da causa, seja determinado um valor de 55.300,00 € e, em consequência, deverá o Tribunal julgar-se incompetente em razão do valor;
Ø que seja julgada procedente, por provada, a excepção de ilegitimidade passiva, absolvendo-se, em consequência, os 2º e 3º Réus do pedido ou, pelo menos, da instância;
Ø que, em qualquer caso, seja a acção julgada improcedente, por não provada, absolvendo-se, em consequência, os Réus dos pedidos.
4 – Em 21/06/2016 – cf., fls. 462 -, a Sra. Juíza proferiu o seguinte DESPACHO:
foram levantadas excepções nas contestações.
Cumpra-se desde já o disposto no art. 3º do CPC, tendo em vista o eventual conhecimento das mesmas, na prolação do despacho saneador”.
5 – Em 26/07/2016, Autores e Réu E... C... vieram apresentar requerimento no qual aqueles desistem da instância relativamente ao 3º Réu, aceitando-a este – cf., fls. 475 -, a qual foi objecto de sentença homologatória datada de 13/03/2017, que a julgou válida e regular, determinando o arquivamento do processo relativamente a tal Réu – cf., fls. 604.
6 - Notificados, vieram os Autores pronunciar-se sobre as excepções deduzidas – cf., fls. 493 a 526 -, corrigindo o valor da acção para 50.000,01 €, reiterando a transmissão das responsabilidades do B... para o N..., negando qualquer ilegitimidade passiva do Réu N..., negando a existência de qualquer questão prejudicial que, nos termos do artº. 92º, do Cód. de Processo Civil, determine a suspensão da instância e negando, igualmente, a excepção de inexigibilidade do cumprimento das obrigações por parte do B...
Concluem, pela improcedência das excepções deduzidas, reafirmando o aduzido em sede de petição inicial.
7 – Entretanto, em 16/08/2016, o Réu B..., veio apresentar requerimento, no qual, fundado na revogação da autorização para o exercício da actividade bancária, formulou a seguinte pretensão:
· que fosse declarada extinta a instância, nos termos e para os efeitos do artº. 277º, alín. e), do Cód. de Processo Civil, absolvendo-se, consequentemente, o Réu B..., da instância;
ou, caso assim não se entenda,
· que seja ordenada a suspensão da instância, nos termos do artº. 272º, nº. 1, do Cód. de Processo Civil, até que se torne definitiva a decisão do Banco Central Europeu que revogou a autorização para o exercício da actividade do B..., sendo, logo que se verifique tal definitividade, declarada extinta a instância, nos termos e para os efeitos do artigo 277º, alín. e), absolvendo-se o Réu B..., da instância.
8 – Os Autores responderam a tal requerimento, conforme fls. 538 a 551, reconhecendo terem reclamado o crédito, subjacente à presente acção declarativa, no processo de insolvência do B..., mas negando a perda de interesse da presente acção para o reconhecimento definitivo do seu crédito.
Deste modo, concluem pelo indeferimento do requerido, com as legais consequências.
9 – De acordo com o despacho datado de 13/10/2016 – cf., fls. 553 e 554 -, conheceu-se acerca da excepção de incompetência relativa do Tribunal, em razão do valor, no sentido da sua procedência, tendo-se determinado, após trânsito daquela decisão, a sua remessa ao Tribunal competente.
10 – Por decisão de 16/01/2017 – cf., fls. 601 a 603 -, foi julgada extinta a instância relativamente ao Réu B..., por impossibilidade superveniente da lide, motivada pela decisão administrativa definitiva do Banco Central Europeu que revogou a autorização desse banco para exercer a actividade bancária, a qual é legalmente equiparada à sua insolvência.
11 – Em 13/03/2017 – cf., fls. 604 a 607 -, foi proferido despacho, no qual se concluiu nos seguintes termos:
Por todo o exposto, determinamos a suspensão da instância com vista a permitir a qualquer das partes, no prazo de um mês, proporem a correspondente ação no tribunal competente relativamente à questão da legalidade dos atos administrativos produzidos pelo Banco de Portugal, traduzidos em deliberações que limitam direta ou indiretamente a responsabilidade patrimonial do N... pelos atos praticados pelo B..., nomeadamente por responsabilidade civil como intermediário financeiro na aquisição pelos seus clientes de papel comercial, sobrestando na decisão da mesma até que os Tribunais Administrativos se pronunciem sobre essa matéria, nos termos do Art. 92º n.º 1 do C.P.C.. Findo esse prazo, sem que as partes façam uso dessa faculdade, daremos andamento ao processo, nos termos do Art. 92º n.º 2 do C.P.C., apreciando as questões suscitadas com os limites próprios da jurisdição cível e com eficácia exclusiva aos presentes autos.
Notifique”.
12 – Em resposta, vieram os Autores, a fls. 611 vº e 612, alegar o seguinte:
· conforme certidão que se junta, corre uma acção popular contra o Banco de Portugal para declaração de nulidade ou anulação da deliberação de 29/12/2015 – processo nº. 679/16.1BELSB, do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, Unidade Orgânica 2;
· todavia, tal acção não deve obstar ao prosseguimento da presente, uma vez que não se peticiona nesta a declaração de invalidade das deliberações do Banco de Portugal;
· efectivamente, o que está em causa nos presentes autos é o reconhecimento de direitos patrimoniais dos Autores contra o B... e o N... e não qualquer declaração de invalidade daquelas Deliberações.
Juntaram certidão e requereram o prosseguimento da presente acção.
No identificado processo pendente no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, Unidade Orgânica 2, é formulado o seguinte petitório:
a) Ser declarada a nulidade deliberação de 29 de Dezembro de 2015 do Conselho de Administração do Banco de Portugal clarificando e rectificando a deliberação de 3 de Agosto;
Ou, quando assim se não entenda,
b) Ser anulada a mesma deliberação”.
13 – Em 06/07/2017 – cf., fls. 657 a 660 -, foi proferido DESPACHO com o seguinte teor (que ora se reproduz na íntegra):
“J… e esposa, M... vieram intentar a presente ação de condenação, em processo declarativo comum, contra o B..., o N... e E... C……, sendo certo que desistiram da instância relativamente a este último, o que foi homologado por sentença de fls 604, tendo a instância sido declarada extinta quanto ao 1.º R. por sentença de fls 601 a 603, ainda não transitada em julgado.
Pedem os A.A. que os R.R. sejam condenados a indemniza-los em danos patrimoniais a apurar em execução de sentença e danos morais que computam em €5.000,00.
Para tanto invocam que, por influência do 1.º R., através do seu gestor de conta, foram convencidos a aplicar €50.300,00 em papel comercial, com base em informação errónea, omissiva e propositadamente enganosa por parte do Banco, no quadro da sua atividade de intermediário financeiro.
Assim, o 1.º R. seria responsável perante os A.A. enquanto intermediário financeiro, sendo que com a aplicação da medida de resolução pelo Banco de Portugal e a criação do 2.º R., transmitiram-se para este último essas responsabilidades, assumindo-se este com garante do cumprimento dessas obrigações.
Citados, os R.R. N... e E... C... vieram sustentar na sua contestação conjunta que as deliberações do Banco de Portugal excluíram da transmissão dos ativos e passivos do B… as responsabilidades a que se reporta a presente ação e, por isso, não só os R.R. seriam partes ilegítimas, como o ato de resolução produzido pelo Banco de Portugal é um ato administrativo, beneficiando da presunção de legalidade, encontrando-se vedado aos tribunais comuns apreciar a validade desse ato, que apenas pode discutida perante os tribunais administrativos. Pelo que, deveria a instância ser suspensa, remetendo a apreciação da questão da validade das deliberações do Banco de Portugal para os tribunais administrativos.
Convidados a responderem a esta questão, vieram os A.A. sustentar precisamente a ilegalidade dos atos administrativos praticados pelo Banco de Portugal. No entanto, sustentam que a presente ação é de responsabilidade civil relativa a sociedades comerciais bancárias, não se verificando qualquer causa prejudicial que determinasse a suspensão da instância.
Nessa sequência veio a ser proferido o despacho de fls 604 a 607, onde se decidiu julgar sobrestar na decisão da questão da legalidade das deliberações do Banco de Portugal de que resultem o afastamento da responsabilidade do N... pelos atos praticado pelo B... nesta ação, nos termos do Art. 92º n.º 1 do C.P.C., suspendendo a instância com vista a permitir às partes a, no prazo de um mês, proponham a ação no tribunal competente.
O propósito desse despacho era permitir às partes suscitarem a questão da validade dos atos administrativos em causa junto do tribunal competente, sob pena de terem de se sujeitar à decisão que sobre a mesma matéria aqui viesse a ser proferida a título meramente incidental, nos termos do Art. 92º n.º 2 do C.P.C..
Os A.A., em conjunto com outros lesados nas mesmas condições, vieram a instaurar junto do Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa uma ação popular que corre termos como processo n.º 679/16.1BELSB (cfr. fls 612 verso a fls 656), no qual se pedem a nulidade da deliberação de dezembro de 2015 do Conselho de Administração do Banco de Portugal, clarificando e retificando a deliberação de 3 de agosto, precisamente com os mesmos argumentos que os A.A. aqui suscitam em sua defesa à exceção invocada pelos R.R..
Ora, assim sendo, mesmo sendo certo que o tribunal cível é competente para apreciar a presente ação, em função da causa de pedir que consta da petição inicial e do pedido que é formulado, a verdade é que a apreciação da questão da legalidade dos atos administrativos praticados pelo Banco de Portugal compete efetivamente aos tribunais administrativos (Art. 4º n.º 1 al.s a) e b) do ETAF) e, neste momento, existem dois processos em que se pretende que seja decidida a legalidade das deliberações do Banco de Portugal pelas quais se determinou a limitação das responsabilidades transmitidas do B... para o N..., na sequência da aplicação ao primeiro da medida de resolução. A única diferença entre os dois processos é que no Tribunal Administrativo essa questão é a questão principal, integrando o próprio pedido, enquanto que na presente ação é a mesma é uma questão incidental cuja apreciação tem todo o relevo para a apreciação da legitimidade substantiva do N... para responder pelos créditos que os A.A. aqui peticionam.
Verifica-se assim existir um outro processo pendente, onde se discute uma questão que deveria ser apreciada nesta ação, o que constitui de facto uma causa prejudicial, nos termos do Art. 272º n.º 1 do C.P.C..
Efetivamente, o Art. 272º n.º 1 do C.P.C. permite ao tribunal ordenar a suspensão da instância quando a decisão da causa esteja dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificativo.
A este propósito, cumprirá realçar que a doutrina distingue dois tipos de prejudicialidade: a verdadeira e a incidental. Citando Alberto dos Reis (in "Comentário ao Código de Processo Civil", Vol. III, pág. 269): «Segundo o Prof. Andrade, verdadeira prejudicialidade e dependência só existirá quando na primeira causa se discuta, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não pode resolver-se nesta em via incidental, como teria de o ser, desde que a segunda causa não é reprodução, pura e simples, da primeira. Mas nada impede que se alargue a noção de prejudicialidade, de maneira a abranger outros casos. Assim pode considerar-se como prejudicial, em relação a outro em que se discute a título incidental uma dada questão, o processo em que a mesma questão é discutida a título principal». Diz Alberto dos Reis que no primeiro caso o nexo de prejudicialidade é forte e a dependência necessária, no segundo o nexo de prejudicialidade é fraco e a dependência é meramente facultativa de mera conveniência.
Em qualquer das duas mencionadas situações em que a doutrina admite o nexo de prejudicialidade, parte-se sempre da premissa de que a mesma questão deve ser, pelo menos num dos processos, questão principal. Caso a questão suscitada seja em ambos os processos meramente incidental, então será resolvida em cada um, de acordo com a regra do Art. 91º do C.P.C., já que a solução dada em cada processo, não constitui caso julgado fora do mesmo (Art. 91º n.º 2 do C.P.C.).
Considerando que a ação principal que os A.A. instauraram no Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa destina-se a obter a invalidade das deliberações do Banco de Portugal, cuja invalidade os A.A. aqui também pretendem ver reconhecida para o efeito estrito do reconhecimento da improcedência das exceções invocadas pelo N..., aqueloutro processo constitui efetivamente uma causa prejudicial para o julgamento da presente ação, na modalidade de prejudicialidade fraca, justificando-se a suspensão da instância por forma a que a mesma questão mereça a mesma resposta judiciária, dando-se evidente prevalência à decisão que vier a ser proferida pela jurisdição efetivamente competente para a sua apreciação (Art. 272º do C.P.C.).
Decisão:
Por todo o exposto, julgamos determinar a suspensão da instância, nos termos do Art. 272º do C.P.C., até ser proferida sentença transitada em julgado no processo n.º 679/16.1BELSB da Unidade Orgânica 2 do Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa.
Notifique”.
14 – Inconformado com o decidido, o Réu N..., interpôs recurso de apelação, em 07/09/2017, por referência à decisão prolatada.
Apresentou, em conformidade, o Recorrente as seguintes CONCLUSÕES (que ora se transcrevem):
“1 - A impugnação em Tribunal Administrativo da medida de resolução praticada pelo Banco de Portugal não tem efeitos na sua exequibilidade.
2 - Não existe qualquer relação de dependência entre o julgamento da acção popular e o julgamento da presente acção.
3 - As decisões dos Tribunais Judiciais não estão dependentes de decisões a tomar por Tribunais Administrativos.
4 - Nenhuma das partes solicitou a suspensão da instância.
5 - O Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito de uma acção idêntica que corre os seus termos no 5º Juízo Central Cível de Lisboa sob o número 2986/16.4TBLSB, já revogou a decisão de suspensão da instância por entender que “a verdadeira prejudicialidade e dependência só existirá quando na primeira causa se discuta, em via principal, uma questão que é incidental, como teria de ser, e desde que a segunda causa não seja reprodução da primeira”.
15 – Não constam dos autos ter sido apresentadas quaisquer contra-alegações.
16 – O recurso foi admitido por despacho certificado a fls. 666.
17 – Entretanto, em 08/11/2017 – cf., fls. 672 -, os Autores apresentaram requerimento de suspensão da instância, pelo prazo de 60 dias, por ocorrência de factos que podem conduzir à extinção da presente acção, o que foi corroborado pelo Réu N..., a fls. 677, e deferido pelo nosso despacho de fls. 679.
18 – Pelo nosso despacho de fls. 683, datado de 28/02/2018, determinou-se a notificação dos Apelante e Apelados para, no prazo de 10 dias, informarem acerca da necessidade de prosseguimento da presente instância de recurso.
Concretizadas as notificações, nada foi apresentado nos autos.
19 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.
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II ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação do recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que, na ponderação do objecto do recurso interposto pelo demandado Réu, delimitado pelo teor das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina o conhecimento da seguinte questão:

I) Da alegada impertinência legal na determinada suspensão da instância, fundada na existência de causa prejudicial, nos termos do artº. 272º, nº. 1, do Cód. de Processo Civil.

O que implica, in casu, a análise das seguintes questões:
1) Da extensão da competência do tribunal no conhecimento das questões incidentais;
2) Da prejudicialidade no conhecimento de tais questões incidentais;
3) Da suspensão da instância por determinação judicial.
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III - FUNDAMENTAÇÃO

A –
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos, as ocorrências e a dinâmica processual a considerar é a aludida no precedente relatório.
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B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A decisão apelada, que foi preparatoriamente enformada pelo despacho de fls. 606 e 607, datado de 13/03/2017, teve por base o seguinte raciocínio, que ora se condensa:
  • Os Autores fundamentam o seu petitório condenatório na responsabilidade civil do demandado Réu B..., nomeadamente, e além do mais, da actividade deste como intermediário financeiro;
  • Com a aplicação da medida de resolução sobre o B..., por parte do Banco de Portugal, que determinou a criação do ora Réu N..., defendem os Autores que teriam sido transmitidas para este as responsabilidades que incidiam ou oneravam o B..., assumindo-se assim o mesmo como o garante do cumprimento dessas obrigações;
  • Segundo a posição assumida pelo demandado N..., as várias Deliberações do Banco de Portugal excluíram da transmissão dos activos e passivos do B..., as responsabilidades a que se reporta a presente acção;
  • O que teria necessárias repercussões na sua legitimidade;
  • Por outro lado, a aplicada medida de resolução, tendo a natureza de acto administrativo e beneficiando de presunção de validade, esta apenas pode ser apreciada e discutida perante os tribunais administrativos;
  • Pelo que pugna pela suspensão da instância, devendo a questão da apreciação da validade das Deliberações do Banco de Portugal ser efectuada pelos tribunais administrativos;
  • Os Autores aduzem a ilegalidade dos actos administrativos praticados pelo Banco de Portugal;
  • Os Autores, juntamente com outros lesados, intentaram junto do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa uma acção popular , na qual peticionam a nulidade da Deliberação do Banco de Portugal de Dezembro de 2015, que clarifica e rectifica a Deliberação de 03/08/2015, replicando a argumentação que suscitam na presente acção em defesa à excepção invocada pelo demandado N...;
  • Não se discutindo que o presente Tribunal é o competente para conhecer acerca da pretensão de ressarcimento dos Autores, a verdade é que a apreciação da questão da legalidade dos actos administrativos praticados pelo Banco de Portugal compete aos tribunais administrativos;
  • Existem assim, presentemente, dois processos nos quais se pretende conhecer e decidir acerca da legalidade das Deliberações do Banco de Portugal, pelas quais se limitou o âmbito das responsabilidades transmitidas do B..., para o N..., por efeito da aplicação, àquele, da medida de resolução;
  • Sendo tal questão principal no processo pendente no Tribunal Administrativo, integrando o próprio pedido em apreciação, enquanto que nos presente autos tal questão é incidental, cuja apreciação se mostra relevante para a apreciação da legitimidade substantiva do Réu N...;
  • Deste modo, na acção pendente no Tribunal Administrativo, onde os ora Autores também figuram como Autores, pretende-se a declaração de invalidade das Deliberações do Banco de Portugal, sendo que na presente acção os Autores pretendem o reconhecimento da mesma invalidade, para o estrito efeito da improcedência das excepções invocadas pelo Réu N...;
  • Pelo que aquele processo constitui uma causa prejudicial para o julgamento da presente acção;
  • O que justifica a determinada suspensão da instância, nos termos do artº. 272º, do Cód. de Processo Civil, de forma a que aquela questão mereça a devida resposta judiciária, prevalecendo assim a decisão proferenda pela jurisdição efectivamente competente.  

    Na ponderação das Conclusões recursórias, tal entendimento é questionado pelo Réu Apelante N..., com base, essencialmente, no seguinte:
    § A impugnação, em sede do Tribunal Administrativo, da medida de resolução, não tem efeitos na exequibilidade desta;
    § Não existe qualquer relação de dependência entre ambas as acções e nenhuma das partes requereu a suspensão da instância.

    - Da extensão da competência do tribunal e da prejudicialidade no conhecimento das questões incidentais

    No que concerne à competência do tribunal em razão da matéria, prevê o artº. 64º, do Cód. de Processo Civil, na previsão da competência dos tribunais judiciais, serem “da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”, enquanto o artº. 65º, do mesmo diploma, enunciando a propósito dos tribunais e secções de competência especializada, que “as leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais e das secções dotados de competência especializada” [2].
    No âmbito da extensão e modificações da competência, e prevendo acerca da competência do tribunal em relação às questões incidentais, prescreve o artº. 91º do Cód. de Processo Civil que:
    “1 - O tribunal competente para a ação é também competente para conhecer dos incidentes que nela se levantem e das questões que o réu suscite como meio de defesa.
    2 - A decisão das questões e incidentes suscitados não constitui, porém, caso julgado fora do processo respetivo, exceto se alguma das partes requerer o julgamento com essa amplitude e o tribunal for competente do ponto de vista internacional e em razão da matéria e da hierarquia”.
    Acrescenta o normativo seguinte – 92º -, ajuizando acerca das questões prejudiciais, que:
    “1 - Se o conhecimento do objeto da ação depender da decisão de uma questão que seja da competência do tribunal criminal ou do tribunal administrativo, pode o juiz sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie.
    2 - A suspensão fica sem efeito se a ação penal ou a ação administrativa não for exercida dentro de um mês ou se o respetivo processo estiver parado, por negligência das partes, durante o mesmo prazo; neste caso, o juiz da ação decidirá a questão prejudicial, mas a sua decisão não produz efeitos fora do processo em que for proferida”.
    Refere Ferreira de Almeida [3] que “em contadas situações e mediante certos requisitos, a competência de um dado tribunal pode estender-se a outras questões nele ou à margem dele suscitadas e para cujo conhecimento não teria, em princípio, competência. São as hipóteses de extensão e modificação da competência contempladas nos arts. 91º a 95º”.
    Deste modo, à regra estabelecida no artº 91º quanto às questões incidentais, o normativo seguinte prevê “uma limitação quanto às questões prejudiciais penais e administrativas, nas quais segue a regra oposta: suspensão da acção para conhecimento da questão prejudicial no tribunal criminal ou administrativo, mas com regresso à regra geral desde que a acção penal ou administrativa não seja exercida ou esteja parada durante o prazo de um mês por negligência das partes. Neste caso o juiz da acção decidirá a questão prejudicial”, ainda que sobre esta questão prejudicial ou incidental não se forme caso julgado material, ou seja, “a questão prejudicial ou incidental é objecto apenas de conhecimento «incidentaliter tantum» e não «principaliter», podendo ser objecto de nova acção, embora sem prejuízo da decisão anterior[4].
    Definindo-se questão prejudicial como aquela cuja solução é necessária para se decidir uma outra, “se o conhecimento do objecto da acção depender da decisão de outra questão que seja da competência do juízo criminal ou do tribunal administrativo, pode o juiz sobrestar na decisão (abstendo-se provisoriamente de decidir) até que o tribunal competente se pronuncie (…). Trata-se de situações em que o conhecimento do objecto (fundo ou mérito da causa) se encontra dependente da resolução prévia de uma outra questão «que faz parte do encadeamento lógico da sentença a proferir». Não se trata aqui de estender a competência do tribunal da causa, mas sim de atribuir ao juiz a faculdade de suspender (diferir) a decisão ou de sobrestar na decisão (final) a proferir até que o tribunal de competência especializada ou o tribunal especial se pronunciem sobre a questão prévia da sua própria competência. Sacrifica aqui a lei o interesse da celeridade processual em favor de uma maior garantia do acerto ou perfeição da decisão.
    (…)
    De salientar que o artº. 92º tem aplicação apenas quando o tribunal criminal ou administrativo detêm competência para o conhecimento de questão (prejudicial), tornado (esse tribunal) necessário para a decisão de outra questão que constitui objecto da ação proposta em tribunais (judiciais) cíveis[5] (sublinhado nosso).
    Deste modo, através do transcrito artº. 92º (que corresponde ao artº. 97º na anterior redacção do Cód. de Processo Civil), “amplia-se a possibilidade de suspensão da acção civil, de modo a abranger todas as questões prejudiciais que sejam do foro criminal ou administrativo e não apenas as compreendidas na primitiva redacção do art. 97º. Desde que a suspensão constitui uma simples faculdade concedida ao juiz e não um dever imposto pela lei, não há inconveniente de maior na extensão perfilhada. E pode haver algumas vantagens[6].
    Ora, uma questão prejudicial relativamente á decisão do objecto da acção, é toda aquela que, “segundo a estrutura lógica da sentença, se torna necessário decidir previamente para se poder prover sobre o pedido, enquanto que a decisão última assenta, depende, das decisões das referidas questões” (sublinhado nosso).
    E, no que se reporta à destrinça entre o artº. 91º - que alude às questões incidentais – e o artº. 92º - que se reporta às questões prejudiciais -, “a diferença está somente em que a lei apenas qualifica de questões prejudiciais aquelas que sejam normalmente da competência do tribunal criminal ou do tribunal administrativo. Apenas estas como tais são qualificadas de incidentais e abrangidas pelo normativo do art. 97º.
    Logicamente umas e outras são prejudiciais; processualmente, ambas as espécies são incidentais visto que surgem numa causa pendente cujo objecto não é constituído por qualquer delas.
    A diferença é unicamente material e respeita á natureza das mesmas questões[7].

    - Da suspensão da instância por determinação judicial

    Em articulação com os referenciados normativos, urge ainda ponderar o prescrito no nº. 1 do artº. 272º do Cód. de Processo Civil, acerca da suspensão da instância por determinação do juiz, referenciando que “o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado”.
    E, de que forma se articula o regime previsto nos três diferenciados normativos ?
    Refere Alberto dos Reis [8] que entre o regulado nos artigos 91º e 92º “há este ponto de contacto: a questão prejudicial tem o carácter de questão incidental, quer dizer surge numa causa pendente, como condição ou requisito para se decidir a matéria fundamental da causa. Pelo contrário, no caso previsto no artigo 284º [equivalente ao vigente 272º] a questão prejudicial constitui o objecto próprio duma causa distinta que pende no mesmo ou noutro tribunal.
    Tais são as semelhanças e diferenças sob o ponto de vista processual”.
    Analisada a questão sob o ponto de vista material, o artº 272º “tanto abrange os casos de a acção prejudicial ter por objecto a apreciação dum facto criminoso ou dum acto administrativo, como o de ter por objecto o julgamento duma questão da competência do tribunal comum ou de qualquer outro tribunal especial. De modo que, no aspecto material, o artigo 284º engloba os casos dos artigos 96º e 97º [equivalente aos vigentes 91º e 92º]; a diferença entre o campo de aplicação daqueles e destes está somente no aspecto processual: nos casos dos artigos 96º e 97º a questão prejudicial surge como incidente duma causa, tomada a palavra incidente no sentido lato, no caso do artigo 284º, a questão prejudicial constitui o objecto duma acção separada e distinta”.
    Entendimento que é reafirmado por Ary Elias da Costa e outros [9], ao aduzirem que “a distinção é somente de natureza processual. Logicamente não há diferença alguma pois quer aquelas questões quer estas acções são prejudiciais, visto que a decisão do objecto da acção  depende da decisão das questões ou acções prejudiciais. Materialmente também não existe qualquer diferença porque as acções a que se refere o art. 279º podem ser de qualquer natureza: civil, criminal, administrativa. Só processualmente é que há diferença pois, enquanto que as chamadas questões incidentais ou prejudiciais surgem numa causa pendente, portanto, como seu incidente, hoc sensu, as chamadas causas prejudiciais constituem o objecto de acções autónomas, independentes daquela de que são prejudiciais” (sublinhado nosso).
    Pelo que, entenda-se, o campo de aplicação do artº. 92 respeita apenas às questões prejudiciais de natureza criminal ou administrativa.
    Não às de qualquer outra natureza, e apenas às que surjam no decurso de uma causa pendente. Se forem de outra natureza estão sujeitas ao regime do art. 96º [equivalente ao vigente 91º]; se forem objecto de processo independente, ao do art. 279º [equivalente ao vigente 272º] ou do art. 275º”.
    Acrescenta Ferreira de Almeida [10] importar efectuar a distinção “entre questão jurídica prejudicial e causa prejudicial. Questão jurídica prejudicial será aquela cuja solução constituía pressuposto necessário da decisão de mérito. Causa prejudicial existirá quando uma dada questão for (a se) objecto autónomo de outra ação, como tal podendo constituir fundamento de suspensão da instância por determinação do juiz, nos termos do art. 272º”.
    Deste modo, acrescenta, “a lei dá ao juiz a faculdade, mas lhe não impõe a obrigação, de suspender a instância quando haja pendência de causa prejudicial. Poder esse balizado pelo condicionalismo imposto no preceito: a existência de causa prejudicial (quando não se verifique o caso do nº. 2) ou a ocorrência de motivo justificativo. A suspensão pode, em tais circunstâncias, ser ordenada ex-officio (logo que o juiz se aperceba do facto gerador da suspensão) ou a requerimento das partes.
    (…)
    Vem, a este propósito, assinalar que os nºs. 1 e 2 do art. 272º se reportam a toda e qualquer questão prejudicial, enquanto que o art. 92º se refere apenas à dependência da decisão da causa subordinada relativamente a uma decisão da competência do foro criminal ou administrativo.
    O critério aferidor decisivo dessa relação ou «nexo de dependência» reside em vir controvertida na causa prejudicial uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica relevante para a decisão de outro pleito” (sublinhado nosso) [11].  
    Assim, no caso do artº. 92º trata-se de “uma questão, e não de uma outra causa, de cuja decisão depende o conhecimento da acção e para a qual o juiz da causa não é normalmente competente”.
    Já na situação do artº 272º “a prejudicialidade verifica-se entre duas acções, para ambas sendo o juiz normalmente competente. Enquanto que no primeiro caso há um problema de competência, no segundo o problema é apenas de conveniência. Por outro lado, no primeiro caso o juiz remete as partes para o tribunal competente para decidir a questão prejudicial, surgida na acção; havia uma única causa que se desdobrou em duas. No segundo caso há já duas causas; a questão prejudicial já está proposta e o juiz só tem de resolver se, por esse facto, deve suspender a instância subordinada[12].
    Por fim, efectuando uma súmula do entendimento exposto, e recorrendo-se novamente ao ensinamento de Alberto dos Reis [13], a hipótese de causa prejudicial vertida no artº. 92º, do Cód. de Processo Civil traduz-se no seguinte: “propôs-se uma acção perante o tribunal civil; o juiz, ao tomar contacto com a matéria da causa, verifica que a decisão de mérito depende da solução prévia duma questão de natureza criminal ou de natureza administrativa; quere dizer, o juiz reconhece que há uma questão prejudicial a resolver, questão que normalmente é da competência do tribunal criminal ou do contencioso administrativo. Feita esta verificação, o magistrado pode tomar uma destas atitudes:
    a) Resolve suspender a instância e deferir o conhecimento da questão prejudicial ao tribunal normalmente competente, isto é, ao tribunal criminal ou ao tribunal administrativo;
    b) Resolve conhecer, ele próprio, a questão prejudicial”.
     Já na situação regulada no vigente artº. 272º, “pendem simultaneamente duas acções, uma das quais é prejudicial em relação à outra. Não é o juiz que remete as partes para o tribunal criminal ou administrativo; não é o magistrado que provoca a submissão da questão prejudicial ao tribunal normalmente competente; a questão prejudicial já está proposta e o juiz só tem de resolver se, em consequência dela, deve suspender a instância subordinada.
    Isto quanto ao aspecto formal ou processual.
    Quanto ao aspecto substancial, o artigo 284º tem alcance mais largo do que o artigo 97º. Neste a questão prejudicial é somente de natureza criminal ou administrativa; o artigo 284º abrange todas as questões prejudiciais, seja de que natureza forem. De modo que no caso do artigo 97º a causa profunda da suspensão é esta: o juiz reconhece-se incompetente em razão da matéria para conhecer da questão prejudicial; ao passo que no caso do artigo 284º não é por uma razão de incompetência que o juiz suspende a instância, é por uma razão de conveniência. Uma vez que está pendente a causa prejudicial, julga-se conveniente aguardar que ela seja decidida. O juiz da causa subordinada pode ser normalmente competente para decidir a causa prejudicial; mas como esta está proposta e o julgamento desta pode destruir a razão de ser da outra causa, considera-se razoável a suspensão da instância subordinada”.

    Relativamente à noção ou caracterização de questão ou causa prejudicial (já supra definimos a noção daquela), afirma-se que “uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda”.
    Acrescenta Alberto dos Reis [14] que “segundo o Prof. Andrade, verdadeira prejudicialidade e dependência só existirá quando na primeira causa se discuta, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não pode resolver-se nesta em via incidental, como teria de o ser, desde que a segunda causa não é reprodução, pura e simples, da primeira. Mas nada impede que se alargue a noção de prejudicialidade, de maneira a abranger outros casos. Assim pode considerar-se como prejudicial, em relação a outro em que se discute a título incidental uma dada questão, o processo em que a mesma questão é discutida a título principal.
    Estamos de acordo.
    Há efectivamente casos em que a questão pendente na causa prejudicial não pode discutir-se na causa subordinada; há outros em que pode discutir-se nesta, mas somente a título incidental. Na primeira hipótese o nexo de prejudicialidade é mais forte, na segunda, mais frouxo; na primeira há uma dependência necessária, na segunda, uma dependência meramente facultativa ou de pura conveniência”.     

    Através da presente acção condenatória, pretendem os Autores efectivar a responsabilidade civil, na parte que ora importa, do Réu N..., nomeadamente deduzindo a pretensão de condenação deste em indemnizá-los por danos patrimoniais e não patrimoniais.
    A responsabilização imputada a tal Réu decorre da medida de resolução determinada pelo Banco de Portugal e aplicada ao igualmente demandado inicial Réu B..., bem como das consequentes Deliberações tomadas pelo Banco de Portugal na concretização de tal medida de resolução, através das quais se procedeu à transferência para o N..., de um conjunto de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do B...
    Efectivamente, na presente acção os Autores apresentam, como causa de pedir, um comportamento do B..., alegadamente violador dos deveres de lealdade, prudência e boa-fé que sobre ele impendiam enquanto banco e intermediário financeiro, que o teriam feito incorrer em responsabilidade civil pré-contratual e contratual, no âmbito das relações que mantinha e manteve com os clientes Autores, levando-os a efectuar uma aplicação financeira contrária à sua vontade, ou seja, a aquisição de ações preferenciais de uma sociedade off-shore controlada pelo B... – acções preferenciais da sociedade EG Premium.
    Os Autores, ao imputarem ao Réu N..., responsabilidade solidária pelo ressarcimento pretendido, não questionam a Deliberação do Banco de Portugal que, em 3 de Agosto de 2014, criou o N..., enquanto banco de transição para quem foram transmitidos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do B...no momento da sua constituição, fazendo-o antes relativamente à constitucionalidade e legalidade das normas do regime legal das medidas de resolução, conforme foram aplicadas pelas deliberações do Banco de Portugal, na medida em que, por entendimento sufragado pelo demandado N..., o tivessem isentado da responsabilidade decorrente do seu invocado crédito.

    Vejamos o quadro legal em equação.
    O artigo 139.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras – que passaremos a identificar abreviadamente por RGICSF (aprovado pelo D.L. n.º 298/92, de 31 de Dezembro, na redacção dada pelo D.L. n.º 31-A/2012, de 10 de Fevereiro, conforme redacção vigente à data [15]), prevendo acerca dos princípios gerais de Intervenção corretiva, administração provisória e resolução, prescreve que:
    «1 - Tendo em vista a salvaguarda da solidez financeira da instituição de crédito, dos interesses dos depositantes ou da estabilidade do sistema financeiro, o Banco de Portugal pode adotar as medidas previstas no presente título.
    2 - A aplicação das medidas previstas no presente título está sujeita aos princípios da adequação e da proporcionalidade, tendo em conta o risco ou o grau de incumprimento, por parte da instituição de crédito, das regras legais e regulamentares que disciplinam a sua atividade, bem como a gravidade das respetivas consequências na solidez financeira da instituição em causa, nos interesses dos depositantes ou na estabilidade do sistema financeiro».
    Estipulando acerca da aplicação das medidas, adita o normativo seguinte - artigo 140.º do mesmo RGICSF -, que “o Banco de Portugal não se encontra vinculado a observar qualquer relação de precedência, estando habilitado, de acordo com as exigências de cada situação e os princípios indicados no artigo anterior, a combinar medidas de natureza diferente, sem prejuízo, em qualquer caso, da verificação dos respetivos pressupostos de aplicação”.
    Entre as várias medidas previstas (a intervenção correctiva, administração provisória e a resolução), o artº 145º-A estatui especificamente sobre a medida de Resolução, indicando quais as finalidades desta, aí se prescrevendo que:
    “O Banco de Portugal pode aplicar, relativamente às instituições de crédito com sede em Portugal, as medidas previstas no presente capítulo, com o objetivo de prosseguir qualquer das seguintes finalidades:
    a) Assegurar a continuidade da prestação dos serviços financeiros essenciais;
    b) Acautelar o risco sistémico;
    c) Salvaguardar os interesses dos contribuintes e do erário público;
    d) Salvaguardar a confiança dos depositantes”.
    Por sua vez, o artº. 145º-B previa acerca do princípio orientador da aplicação de medidas de resolução, nos seguintes termos:
    “1 - Na aplicação de medidas de resolução, tendo em conta as finalidades das medidas de resolução estabelecidas no artigo anterior, procura assegurar-se que:
    a) Os acionistas da instituição de crédito assumem prioritariamente os prejuízos da instituição em causa;
    b) Os credores da instituição de crédito assumem de seguida, e em condições equitativas, os restantes prejuízos da instituição em causa, de acordo com a hierarquia de prioridade das várias classes de credores;
    c) Nenhum credor da instituição de crédito pode assumir um prejuízo maior do que aquele que assumiria caso essa instituição tivesse entrado em liquidação.
    2 - O disposto no número anterior não abrange os depósitos garantidos nos termos do disposto nos artigos 164.º e 166.º
    3 - Caso se verifique, no encerramento da liquidação da instituição de crédito objeto da medida de resolução, que os credores dessa instituição cujos créditos não tenham sido transferidos para outra instituição de crédito ou para um banco de transição assumiram um prejuízo superior ao montante estimado, nos termos da avaliação prevista no n.º 6 do artigo 145.º-F e no n.º 4 do artigo 145.º-H, que assumiriam caso a instituição tivesse entrado em processo de liquidação em momento imediatamente anterior ao da aplicação da medida de resolução, têm os credores direito a receber essa diferença do Fundo de Resolução”.
    Por sua vez, o artigo 145º-C, ajuizando acerca da aplicação de medidas de resolução, prescreve o seguinte:
    “1 - Quando uma instituição de crédito não cumpra, ou esteja em risco sério de não cumprir, os requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua atividade, o Banco de Portugal pode aplicar as seguintes medidas de resolução, se tal for indispensável para a prossecução de qualquer das finalidades previstas no artigo 145.º-A:
    a) Alienação parcial ou total da atividade a outra instituição autorizada a desenvolver a atividade em causa;
    b) Transferência, parcial ou total, da atividade a um ou mais bancos de transição.
    2 - As medidas de resolução são aplicadas caso o Banco de Portugal considere não ser previsível que a instituição de crédito consiga, num prazo apropriado, executar as ações necessárias para regressar a condições adequadas de solidez e de cumprimento dos rácios prudenciais.
    3 - Para efeitos do disposto no n.º 1, considera-se que uma instituição de crédito está em risco sério de não cumprir os requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua atividade quando, entre outros factos atendíveis, cuja relevância o Banco de Portugal apreciará à luz das finalidades enunciadas no artigo 145.º-A, se verifique alguma das seguintes situações:
    a) A instituição de crédito tiver tido prejuízos ou haja fundadas razões para considerar que a curto prazo possa vir a ter prejuízos suscetíveis de consumir o respetivo capital social;
    b) Os ativos da instituição de crédito se tornem inferiores ou haja fundadas razões para considerar que a curto prazo se tornem inferiores às respetivas obrigações;
    c) A instituição de crédito estiver impossibilitada de cumprir as suas obrigações, ou haja fundadas razões para considerar que a curto prazo o possa ficar.
    4 - A aplicação de medidas de resolução não depende da prévia aplicação de medidas de intervenção corretiva.
    5 - A aplicação de uma medida de resolução não prejudica a possibilidade de aplicação, a qualquer momento, de uma ou mais medidas de intervenção corretiva”.
    Na apreciação do regime então vigente, aduzia o artigo 145.º-D, n.º 1, do mesmo diploma, que aquando da aplicação de medida de resolução ficavam suspensos os membros dos órgãos de administração e de fiscalização da instituição de crédito em causa e, caso o Banco de Portugal o decidisse, o revisor oficial de contas ou a sociedade de revisores oficiais de contas a quem compete emitir a certificação legal de contas e que não integre o respectivo órgão de fiscalização. Neste caso, o Banco de Portugal designaria para a instituição de crédito os membros do órgão de administração, nos termos do artigo 145.º-E e sem dependência de qualquer limite estatutário, e uma comissão de fiscalização ou fiscal único, que se regeria, com as necessárias adaptações, pelo disposto no artigo 143.º, ambos do RGICSF (n.º 2 do artigo 145.º-D).
    De acordo com o prescrito no artigo 145.º-F do RGICSF, na referenciada redacção, o Banco de Portugal poderia determinar a alienação, parcial ou total, de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão de uma instituição de crédito a uma ou mais instituições autorizadas a desenvolver a actividade em causa (n.º 1), convidando o Banco de Portugal os potenciais adquirentes a apresentarem propostas de aquisição, procurando assegurar, em termos adequados à celeridade imposta pelas circunstâncias, a transparência do processo e o tratamento equitativo dos interessados (n.º 2).
    Na prossecução da análise do quadro legal então vigente, os dois normativos seguintes previam acerca da transferência parcial ou total da atividade para bancos de transição – artº. 145º-G – e sobre o património e financiamento do banco de transição – artº. 145º-H.
    É o seguinte o texto do primeiro:
    “1 - O Banco de Portugal pode determinar a transferência, parcial ou total, de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão de uma instituição de crédito para um ou mais bancos de transição para o efeito constituídos, com o objetivo de permitir a sua posterior alienação a outra instituição autorizada a desenvolver a atividade em causa.
    2 - O Banco de Portugal pode ainda determinar a transferência, parcial ou total, dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão de duas ou mais instituições de crédito incluídas no mesmo grupo para um ou mais bancos de transição, com a mesma finalidade prevista no número anterior.
    3 - O banco de transição é uma instituição de crédito com a natureza jurídica de banco, cujo capital social é totalmente detido pelo Fundo de Resolução.
    4 - O capital social do banco de transição é realizado pelo Fundo de Resolução com recurso aos seus fundos.
    5 - O banco de transição é constituído por deliberação do Banco de Portugal, que aprova os respetivos estatutos, não se aplicando o disposto no capítulo II do título II.
    6 - Após a deliberação prevista no número anterior, o banco de transição fica autorizado a exercer as atividades previstas no n.º 1 do artigo 4.º
    7 - O banco de transição deve ter capital social não inferior ao mínimo previsto por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, ouvido o Banco de Portugal, e cumprir as normas aplicáveis aos bancos.
    8 - O banco de transição pode iniciar a sua atividade sem prévio cumprimento dos requisitos legais relacionados com o registo comercial e demais procedimentos formais previstos por lei, sem prejuízo do posterior cumprimento dos mesmos no mais breve prazo possível.
    9 - O Banco de Portugal desenvolve por aviso as regras aplicáveis aos bancos de transição.
    10 - O Código das Sociedades Comerciais é aplicável aos bancos de transição, com as adaptações necessárias aos objetivos e à natureza destas instituições.
    11 - Compete ao Banco de Portugal, sob proposta da comissão directiva do Fundo de Resolução, nomear os membros dos órgãos de administração e de fiscalização do banco de transição, que devem obedecer a todas as orientações e recomendações transmitidas pelo Banco de Portugal, nomeadamente relativas a decisões de gestão do banco de transição.
    12 - O banco de transição tem uma duração limitada a dois anos, prorrogável por períodos de um ano com base em fundadas razões de interesse público, nomeadamente se permanecerem riscos para a estabilidade financeira ou estiverem pendentes negociações com vista à alienação dos respetivos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob a sua gestão, não podendo exceder a duração máxima de cinco anos.
    13 - O banco de transição deve obedecer, no desenvolvimento da sua atividade, a critérios de gestão que assegurem a manutenção de baixos níveis de risco.
    14 - A transferência, parcial ou total, de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão de uma instituição de crédito para um ou mais bancos de transição para o efeito constituídos é comunicada à Autoridade da Concorrência, bem como a eventual prorrogação do prazo previsto no n.º 12, mas atendendo à sua transitoriedade não consubstancia uma operação de concentração de empresas para efeitos da legislação aplicável em matéria de concorrência”.
    Por sua vez, o segundo dos normativos – artº. 145º-H -, aduz que:
    “1 - O Banco de Portugal seleciona os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão a transferir para o banco de transição no momento da sua constituição.
    2 - Não podem ser transferidas para o banco de transição quaisquer obrigações contraídas pela instituição de crédito originária perante:
    a) Os respetivos acionistas, cuja participação no momento da transferência seja igual ou superior a 2 /prct. do capital social, as pessoas ou entidades que nos dois anos anteriores à transferência tenham tido participação igual ou superior a 2 /prct. do capital social, os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização, os revisores oficiais de contas ou sociedades de revisores oficiais de contas ou as pessoas com estatuto semelhante noutras empresas que se encontrem em relação de domínio ou de grupo com a instituição;
    b) As pessoas ou entidades que tenham sido acionistas, exercido as funções ou prestado os serviços referidos na alínea anterior nos quatro anos anteriores à criação do banco de transição, e cuja ação ou omissão tenha estado na origem das dificuldades financeiras da instituição de crédito ou tenha contribuído para o agravamento de tal situação;
    c) Os cônjuges, parentes ou afins em 1.º grau ou terceiros que atuem por conta das pessoas ou entidades referidos nas alíneas anteriores;
    d) Os responsáveis por factos relacionados com a instituição de crédito, ou que deles tenham tirado benefício, diretamente ou por interposta pessoa, e que estejam na origem das dificuldades financeiras ou tenham contribuído, por ação ou omissão no âmbito das suas responsabilidades, para o agravamento de tal situação, no entender do Banco de Portugal.
    3 - Não podem ainda ser transmitidos para o banco de transição os instrumentos utilizados no cômputo dos fundos próprios da instituição de crédito cujas condições tenham sido aprovadas pelo Banco de Portugal.
    4 - Os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão selecionados nos termos do n.º 1 devem ser objeto de uma avaliação, reportada ao momento da transferência, realizada por uma entidade independente designada pelo Banco de Portugal, em prazo a fixar por este, a expensas da instituição de crédito, devendo a mesma avaliação, para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 145.º-B, incluir também uma estimativa do nível de recuperação dos créditos de cada classe de credores, de acordo com a ordem de prioridade estabelecida na lei, num cenário de liquidação da instituição de crédito originária em momento imediatamente anterior ao da aplicação da medida de resolução.
    5 - Após a transferência prevista no n.º 1, o Banco de Portugal pode, a todo o tempo:
    a) Transferir outros ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão da instituição de crédito originária para o banco de transição;
    b) Transferir ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do banco de transição para a instituição de crédito originária.
    6 - O Banco de Portugal determina a natureza e o montante do apoio financeiro a conceder pelo Fundo de Resolução, caso seja necessário, para a criação e o desenvolvimento da atividade do banco de transição, nomeadamente através da concessão de empréstimos ao banco de transição para qualquer finalidade, da disponibilização dos fundos considerados necessários para a realização de operações de aumento do capital do banco de transição ou da prestação de garantias.
    7 - O Banco de Portugal pode convidar o Fundo de Garantia de Depósitos ou, no caso de medidas aplicáveis no âmbito do Sistema Integrado do Crédito Agrícola Mútuo, o Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo a cooperar no processo de transferência de depósitos garantidos para um banco de transição, de acordo com o disposto no artigo 167.º-A ou no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 345/98, de 9 de novembro, respetivamente.
    8 - O valor total dos passivos e elementos extrapatrimoniais a transferir para o banco de transição não deve exceder o valor total dos ativos transferidos da instituição de crédito originária, acrescido, sendo caso disso, dos fundos provenientes do Fundo de Resolução, do Fundo de Garantia de Depósitos ou do Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo.
    9 - Após a transferência prevista no n.º 1, deve ser garantida a continuidade das operações relacionadas com os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos, devendo o banco de transição ser considerado, para todos os efeitos legais e contratuais, como sucessor nos direitos e obrigações transferidos da instituição de crédito originária.
    10 - A instituição de crédito originária, bem como qualquer sociedade inserida no mesmo grupo e que lhe preste serviços no âmbito da atividade transferida, deve prestar todas as informações solicitadas pelo banco de transição, bem como garantir a este o acesso a sistemas de informação relacionados com a atividade transferida e, mediante remuneração acordada entre as partes, continuar a prestar os serviços que o banco de transição considere necessários para efeitos do regular desenvolvimento da atividade transferida.
    11 - A decisão de transferência prevista no n.º 1 produz efeitos independentemente de qualquer disposição legal ou contratual em contrário, sendo título bastante para o cumprimento de qualquer formalidade legal relacionada com a transferência.
    12 - A decisão de transferência prevista no n.º 1 não depende do prévio consentimento dos acionistas da instituição de crédito nem das partes em contratos relacionados com os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão a transferir, não podendo constituir fundamento para o exercício de qualquer direito de vencimento antecipado estipulado nos contratos em causa.
    13 - A eventual transferência parcial dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão para o banco de transição não deve prejudicar a cessão integral das posições contratuais da instituição de crédito originária, com transmissão das responsabilidades associadas aos elementos do ativo transferidos, nomeadamente no caso de contratos de garantia financeira, de operações de titularização ou de outros contratos que contenham cláusulas de compensação ou de novação”.

    No quadro legal em análise, urge ainda ponderar o teor do Aviso do Banco de Portugal nº. 13/2012, de 08/10, destinado a “definir, por aviso, as regras aplicáveis à criação e ao funcionamento dos bancos de transição, permitindo-lhe desenvolver os comandos legais em aspetos que se mostram indispensáveis à sua adequada aplicação prática” – cf., o respectivo intróito e nº. 1 do artº. 1º.
    O artº. 2º veio prever acerca do regime dos bancos de transição, estatuindo que
    1 - Os bancos de transição são instituições de crédito com duração limitada, com a natureza jurídica de banco e a forma de sociedade anónima, que se regem pelos estatutos aprovados por deliberação do Banco de Portugal, pelas disposições legais e regulamentares que lhes são especialmente aplicáveis, pelas normas aplicáveis aos bancos e, subsidiariamente, pelo Código das Sociedades Comerciais, com as adaptações necessárias aos objetivos e natureza destas instituições.
      2 - O capital social dos bancos de transição é integralmente detido pelo Fundo de Resolução, ao qual incumbe o exercício dos direitos e obrigações dos acionistas, na medida em que se mostrem compatíveis com as competências legais do Banco de Portugal.
      3 - Os bancos de transição são criados para receberem e administrarem a totalidade ou parte dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão de uma instituição originária, desenvolvendo todas ou parte das atividades dessa instituição com vista à prossecução das finalidades enunciadas no artigo 145.º-A do RGICSF. 
    4 - A denominação social do banco de transição deve conter uma menção que permita distingui-lo da instituição originária correspondente”
    Adite-se, ainda, com relevo para o caso sub júdice, o estatuído no nº. 1 do artº. 10º, acerca da selecção do património a transferir, referenciando-se que “deve constar de deliberação do Banco de Portugal uma descrição de todos os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão que são objeto de transferência da instituição de crédito originária para o banco de transição, com observância dos limites impostos nos n.os 2 e 3 do artigo 145.º-H do RGICSF”.
    Bem como o prescrito no artº. 12º - transferências para a instituição originária -, no sentido de que “para efeitos do n.º 5 do artigo 145.º-H do RGICSF, o banco de transição, sempre que considere existirem fundadas razões, deve propor ao Banco de Portugal que este determine a transferência de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão para a instituição de crédito originária, designadamente quando verifique que foram incorporados no banco de transição passivos ou outros elementos patrimoniais ou extrapatrimoniais que devam ser incluídos nas categorias previstas nos n.os 2 e 3 do artigo 145.º-H do RGICSF”. 

    Ora, perante a situação vivenciada pelo B..., o Banco de Portugal veio, desde Julho de 2014, a tomar várias Deliberações [16]. Nomeadamente, e com especial ênfase, as seguintes:
    - Deliberação do Conselho de Administração de 30 de Julho de 2014;
    - Deliberação do Conselho de Administração de 3 de Agosto de 2014 (divulgada às 23.00 horas) sobre a nomeação dos membros dos órgãos de administração e de fiscalização do Novo Banco, S.A.;
    - Deliberação do Conselho de Administração de 3 de Agosto de 2014 (divulgada às 23.00 horas) sobre a aplicação de uma medida de resolução ao B...;
    - Deliberação de 11 de Agosto de 2014 (divulgada às 23.00 horas) sobre clarificação e ajustamento do perímetro dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do B..., transferidos para o N...;
    - Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 11 de Agosto de 2014 (divulgada às 23.00 horas), sobre dispensa temporária do B... da observância de normas prudenciais e do cumprimento pontual de obrigações anteriormente contraídas;
    - Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 14 de Agosto de 2014 (divulgada às 15.00 horas), com os seguintes pontos de agenda:
    Propostas do Conselho de Administração do N..., relativas ao tratamento comercial dos clientes de retalho do B..., que sejam detentores de divida na forma de obrigações não subordinadas anteriormente emitidas pelo B...
    2. Propostas do Conselho de Administração do N..., relativas ao tratamento comercial dos clientes de retalho do B..., que tenham subscrito acções preferenciais ou unidades de participação em veículos cujos activos serão constituídos por obrigações não subordinadas emitidas pelo B...
    3. Propostas do Conselho de Administração do N..., relativas ao tratamento comercial dos clientes de retalho, que tenham subscrito títulos de divida emitidos por entidades do Grupo Espírito Santo.
    4. Revogação do Ponto 1 da deliberação tomada em Reunião Extraordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 30 de Julho de 2014 (19:00 horas) que determinou a aplicação de medidas de intervenção correctiva ao B...”;
    - Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 13 de Maio de 2015, onde se determinou que:
    A. À luz do disposto nas subalíneas (iii), (v) e (vii) da alínea (b) do parágrafo 1. do Anexo 2 da deliberação de resolução, não foram transferidas para o N... as eventuais obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências eventualmente assumidas pelo B..., nomeadamente perante clientes de retalho, na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o Grupo Espírito Santo, salvo o disposto na parte final da subalínea (vii) de acordo com a interpretação definida em B);
    B. Na subalínea (vii) da alínea (b) do parágrafo 1. do Anexo 2 da deliberação de resolução, a expressão «sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados» tem que ser entendida em termos que assegurem a sua compatibilidade com os princípios subjacentes às exclusões previstas nas outras subalíneas, designadamente na subalínea (iii), ou seja, apenas abrange:
     (i) os eventuais créditos não subordinados que fossem exigíveis à data da medida de resolução em virtude de o respetivo prazo já se ter vencido ou, sendo os créditos condicionais, em virtude de a condição (desde que apenas desta dependesse o respetivo vencimento) já se ter verificado;
     e (ii) os eventuais créditos não subordinados que resultassem de estipulações contratuais (negócios jurídicos bilaterais) anteriores a 30 de junho de 2014, que tenham cumprido as regras para a expressão da vontade e vinculação contratual do BES e cuja existência se possa comprovar nos moldes previstos na referida subalínea (vii)” (sublinhado nosso);
    - Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 29 de Dezembro de 2015, denominada de Contingências;
    - Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 29 de Dezembro de 2015, denominada de Perímetro;
    - Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 29 de Dezembro de 2015, denominada de Retransmissão.
    Na contestação apresentada, o Réu N..., defende que o teor de tais Deliberações excluiu da transmissão dos activos e passivos do B..., as responsabilidades a que se reportam a presente acção, pelo que aduz a sua ilegitimidade (fundamentalmente substantiva).
    Acrescenta que a medida de resolução decretada pelo Banco de Portugal é um acto administrativo, o qual beneficia de presunção de legalidade, encontrando-se vedado aos tribunais comuns apreciar a validade de tal acto, cuja competência pertence aos tribunais administrativos. Pelo que, acrescenta, deverá a instância ser suspensa, remetendo-se “essa competência anulatória para os tribunais administrativos (artigo 92º/1 do CPC)” – cf., artigos 67º a 71º da contestação. 
    Os Autores, na resposta apresentada, apesar de negarem existir qualquer questão prejudicial que justifique a suspensão da instância, pois aduzem fundar-se a presente acção na responsabilidade bancária civil, sustentam, porém, a ilegalidade dos actos administrativos praticados pelo Banco de Portugal, nomeadamente no que concerne à amplitude e interpretações feitas constar nas Deliberações emanadas (e não no que concerne à medida de Resolução operada).

    Prevendo acerca do âmbito de jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais, estatuem as alíneas a) e b), do nº. 1, do artº. 4º, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (Lei nº. 13/2002, de 19/02) competir “aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a:
    a) Tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais;
    b) Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos emanados por órgãos da Administração Pública, ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal”.
    Relativamente às decisões do Banco de Portugal, estatui o artº. 12º, nos seus nºs. 1 e 2, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) que:
    “1 - As ações de impugnação das decisões do Banco de Portugal, tomadas no âmbito do presente diploma, seguem, em tudo o que nele não se encontre especialmente regulado, os termos constantes da respetiva Lei Orgânica.
    2 - Nas ações referidas no número anterior e nas ações de impugnação de outras decisões tomadas no âmbito da legislação específica que rege a atividade das instituições de crédito e das sociedades financeiras, presume-se, até prova em contrário, que a suspensão da eficácia determina grave lesão do interesse público”.
    O artº. 145º-AR, do mesmo diploma [17], estatuindo acerca dos meios contenciosos e interesse público, prescreve que:
    1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 12.º, as decisões do Banco de Portugal que apliquem medidas de resolução, exerçam poderes de resolução ou designem administradores para a instituição de crédito objeto de resolução estão sujeitas aos meios processuais previstos na legislação do contencioso administrativo, com ressalva das especialidades previstas nos números seguintes, considerando os interesses públicos relevantes que determinam a sua adoção.
    2 - A apreciação de matérias que careçam de demonstração por prova pericial, relativas à valorização dos ativos e passivos que são objeto ou estejam envolvidos nas medidas de resolução adotadas, é efetuada no processo principal.
    3 - O Banco de Portugal pode, em execução de sentenças anulatórias de quaisquer atos praticados no âmbito do presente capítulo, invocar causa legítima de inexecução, nos termos conjugados do n.º 2 do artigo 175.º e do artigo 163.º do Código do Processo dos Tribunais Administrativos, iniciando-se, nesse caso, de imediato, o procedimento tendente à fixação da indemnização devida de acordo com os trâmites previstos nos artigos 178.º e 166.º daquele mesmo Código.
    4 - Notificado nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 178.º do Código do Processo dos Tribunais Administrativos, o Banco de Portugal comunica ao interessado e ao tribunal os relatórios das avaliações efetuadas por entidades independentes em seu poder que tenham sido requeridos com vista à adoção das medidas previstas no presente capítulo”.

    Constata-se, assim, de forma indubitável, que, analisada a causa de pedir invocada e petitório deduzido, o tribunal cível detém efectiva competência em razão da matéria para apreciar a presente acção.
    Efectivamente, a competência material do Tribunal afere-se pelo pedido formulado pelos Autores e pelos fundamentos por estes invocados
    Nas palavras de Manuel de Andrade [18], “são vários esses elementos também chamados índices de competência (Calamandrei).
    Constam das várias normas que provêem a tal respeito.
    Para decidir qual dessas normas corresponde a cada um deve olhar-se aos termos em que foi posta a acção – seja quanto aos seus elementos objectivos (natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto donde teria resultado esse direito, bens pleiteados, etc.), seja quanto aos seus elementos subjacentes (identidade das partes).
    A competência do tribunal – ensina Redenti (vol. I, pág. 265), afere-se pelo “quid disputatum” (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum); é o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do autor.
    E o que está certo para os elementos da acção está certo ainda para a pessoa dos litigantes”.

    Todavia, também resulta claro que uma das questões a indagar necessária apreciação prende-se com o âmbito de aplicabilidade das Deliberações emanadas pelo Banco de Portugal, pois é da análise e interpretação destas que se aferirá e concluirá se a responsabilidade imputada ao B..., foi transferida para o N..., ou seja, se a responsabilidade invocada e imputada faz parte dos passivos ou elementos extrapatrimoniais objecto de transferência para o demandado N..., como consequência da aplicação da medida de resolução. 
    Pelo que, a indagação acerca da validade/legalidade de tais Deliberações afigura-se relevante e pertinente, configurando-se como efectiva questão prejudicial, ou seja, segundo a estrutura lógica da decisão proferenda relativamente ao Réu N..., no que concerne ao petitório deduzido e tendo em atenção o defendido pelos próprios Autores, torna-se necessário decidir previamente acerca da legalidade/validade ou ilegalidade/invalidade de tais Deliberações. Efectivamente, tal conhecimento delimita ou baliza as responsabilidades do N..., com directa repercussão no desenlace do mérito da acção.
    Donde, perante tal quadro de necessidade de conhecimento de tal questão incidental e prejudicial, poderia o Sr. Juiz a quotomar uma de duas providências:
    - ou conhecia de tal questão prejudicial, por efeito da extensão de competência em razão da matéria prevista no artº. 91º, do Cód. de Processo Civil, sendo que a decisão que proferisse apenas produziria caso julgado formal, limitando os seus efeitos ao presente processo;
    - ou, decidiria sobrestar em tal conhecimento, aguardando que o tribunal materialmente competente (foro administrativo) se pronunciasse, nomeadamente por impulso das partes, nos quadros do artº. 92º, do mesmo diploma.
    Na ponderação efectuada, e no uso da faculdade legalmente atribuída, o Meritíssimo Juiz a quo, num primeiro momento, decidiu aguardar o impulso das partes em promover a pronúncia devida no foro competente. O que fez consignar por despacho de 13/03/2017 – cf., fls. 604 a 607.
    Todavia, nesse hiato de suspensão da instância, nos quadros do nº. 2, do artº. 92º, os Autores informaram o Tribunal que já havia acção proposta no foro administrativo materialmente competente [19], onde se apreciava acerca da legalidade/ilegalidade daquelas Deliberações do Banco de Portugal. E, conforme resulta de fls. 613, constata-se que tal acção, na qual os ora Autores assumem igual qualidade de demandantes (sob o nº. 198 – cf., fls. 635), foi instaurada em 22/03/2016.
    Pelo que, conforme se refere na decisão apelada, naquele processo pendente no Tribunal Administrativo tal questão tem foros ou contornos de questão principal, integra o próprio petitório, que se traduz no pedido de declaração de nulidade (ou, caso assim não se entenda, de anulação) da Deliberação de 29/12/2015, do Conselho de Administração do Banco de Portugal, clarificando e rectificando a Deliberação de 03 de Agosto.
    Enquanto que, nos presentes autos, a mesma configura-se como questão incidental e prejudicial, cuja apreciação é relevante para a determinação da legitimidade/ilegitimidade substantiva do Réu N..., em ser responsabilizado pelos créditos indemnizatórios reivindicados pelos Autores. Ou seja, nos presentes autos, o conhecimento acerca da validade ou invalidade daquelas Deliberações, e fundamentalmente no que concerne à de 29/12/2015, com âmbito mais lato e plena reafirmação do poder de retransmissão, faz parte da estrutura lógica ou do encadeamento lógico da decisão proferenda relativamente ao mérito da acção [20].
    Resulta do supra exposto que na data em que a questão de recurso ao foro administrativo competente foi colocada pelo Tribunal a quo – 13/03/2017 -, já se encontrava pendente acção em tal foro – desde 22/03/2016 -, o que justificou plenamente a invocação e recurso aos quadros do artº. 272º e suspensão da instância aí prevista.
    Pelo que, estando tal questão pendente na causa prejudicial (a título principal e em foro competente) e apenas podendo ser conhecida na presente causa a título incidental, o nexo de prejudicialidade é, nos termos supra expostos, mais frouxo, existindo uma dependência meramente facultativa ou de pura conveniência. Mas prejudicialidade ainda, plenamente justificativa do juízo de suspensão da instância determinado, no exercício da faculdade, que não imposição, atribuída ao julgador.
    Nas palavras da decisão apelada, que ora transcrevemos, “considerando que a ação principal que os A.A. instauraram no Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa destina-se a obter a invalidade das deliberações do Banco de Portugal, cuja invalidade os A.A. aqui também pretendem ver reconhecida para o efeito estrito do reconhecimento da improcedência das exceções invocadas pelo N..., aqueloutro processo constitui efetivamente uma causa prejudicial para o julgamento da presente ação, na modalidade de prejudicialidade fraca, justificando-se a suspensão da instância por forma a que a mesma questão mereça a mesma resposta judiciária, dando-se evidente prevalência à decisão que vier a ser proferida pela jurisdição efetivamente competente para a sua apreciação (Art. 272º do C.P.C.)”. 

    Por fim, duas outras considerações relativamente ao teor das conclusões recursórias apresentadas:
    - não se pode afirmar, de forma plena e incondicionada, que a impugnação, no foro administrativo, da medida de resolução decretada pelo Banco de Portugal não tenha efeitos na sua exequibilidade.
    Com efeito, o previsto no transcrito artº. 12º do RGICSF é apenas uma presunção, até ser produzida prova em contrário, de que a suspensão da eficácia nas acções de impugnação das decisões do Banco de Portugal, e de outras decisões tomadas no âmbito da legislação específica que rege a actividade das instituições de crédito, determina grave lesão do interesse público.
    Por outro lado, a tutela consignada no citado artº. 145º-AR do mesmo diploma, apenas prevê, no seu nº. 3, que o Banco de Portugal pode, em execução de sentenças anulatórias de quaisquer atos praticados no âmbito do presente capítulo, invocar causa legítima de inexecução, o que é aplicável às decisões do Banco de Portugal que apliquem medidas de resolução, exerçam poderes de resolução ou designem administradores para a instituição de crédito objeto de resolução.
    Trata-se, nos termos legais, de mera invocação facultativa, que desencadeará um procedimento tendente à fixação de indemnização, mas que não inviabiliza ou impede, logicamente, que se declare a invalidade (por nulidade ou anulabilidade) dos actos ou decisões emanadas ou proferidas pelo Banco de Portugal. E isto, independentemente da natureza que se atribua a estas, nomeadamente a de actos administrativos regulamentares [21] [22].
    - por outro lado, não corresponde á verdade que nenhuma das parte tenha solicitado a suspensão da instância, conforme aduz o Apelante na conclusão nº. 4.
    Conforme já supra expressamente afirmámos, não só tal foi requerido, como o foi pelo próprio Réu N..., ora Apelante, que ora o nega, conforme decorre dos artigos 67º a 71º da contestação apresentada – cf., fls. 140 e 141.

    Pelo exposto, e sem ulteriores delongas, afigura-se que bem andou a decisão recorrida, pelo que mais não resta do que, num juízo de improcedência da presente apelação, confirmar o teor daquela.
    *
    Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, as custas serão suportadas pelo Réu/Recorrente/Apelante.
    ***

    IV. DECISÃO

    Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo Réu/Apelante N..., confirmando-se a decisão recorrida.
    Custas a cargo do Réu/Apelante – cf., artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil.

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    Lisboa, 06 de Setembro de 2018

    Arlindo Crua - Relator
    Magda Geraldes – 1ª Adjunta (em substituição)
    Luciano Farinha Alves – 2º Adjunto (em substituição)

    [1] A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.
    [2] Miguel Teixeira de Sousa, A Nova Competência dos Tribunais Civis, Edições Lex, 1999, págs. 31-32, refere que “a competência material dos tribunais civis é aferida por critérios de atribuição positiva e de competência residual.
    Segundo o critério de atribuição positiva, pertencem à competência do tribunal civil todas as causas cujo objecto seja uma situação jurídica regulada pelo direito privado, nomeadamente civil ou comercial. (...).
    (...) Segundo o critério de competência residual, incluem-se na com­petência dos tribunais civis todas as causas que, apesar de não terem por objecto uma situação jurídica fundamentada no direito privado, não são legalmente atribuídas a nenhum outro tribunal.
    Isto é: os tribunais judiciais são os tribunais com competência material residual (art. 211º, nº1, da Constituição da República Portuguesa; art. 18º, nº1, da LOFTJ) e no âmbito dos tribunais judiciais, são os tribunais civis aqueles que possuem a competência residual – (cfr. arts. 34º e 57º LOFTJ)”.
    [3] Direito Processual Civil, Vol. I, 2ª Edição, Almedina, 2017, pág. 351.
    [4] Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. II, Almedina, 1982, pág. 44 e 45.
    [5] Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 353.
    [6] B.M.J., nº. 121, pág. 61, em observação ao projecto de articulado, após a primeira revisão ministerial, citado por Ary Elias da Costa e outros, Código de Processo Civil Anotado e Comentado, 2º Volume, Almedina, 1972, pág. 210.
    [7] Ary Elias da Costa e outros, ob. cit., pág. 211.
    [8] Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 1º, 2ª Edição, 1960, Coimbra Editora, pág. 287.
    [9] Ob. cit., pág. 212 e 213.
    [10] Ob. cit., pág. 353 e 354.
    [11] Idem, pág. 535.
    [12] Ary Elias da Costa e outros, ob. cit., 3º Volume, pág. 477.
    [13] Ob. cit., Vol. 3º, pág. 269 e 270.
    [14] Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3º, 1946, Coimbra Editora, pág. 268 e 269.
    [15] É esta a redacção ponderável, sendo que tal regime foi objecto de posteriores e sucessivas alterações, tendo em conta a necessidade de transposição da directiva comunitária de regulação do sector, sendo as mais relevantes as introduzidas pelas Leis nºs. 16/2015, de 24/02 e 23-A/2015, de 26/03.
    [16]cf.,https://www.bportugal.pt/pt PT/OBancoeoEurosistema/Esclarecimentospublicos/Paginas/DeliberacoesBes.aspx

    [17] Na vigente redacção, que tinha correspondência no antecedente artº. 145º-N, o qual prescrevia que:
    “1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 12.º, as decisões do Banco de Portugal que adoptem medidas de resolução estão sujeitas aos meios processuais previstos na legislação do contencioso administrativo, com ressalva das especialidades previstas nos números seguintes, considerando os interesses públicos relevantes que determinam a sua adopção.
    2 - Gozam de legitimidade activa em processo cautelar apenas os detentores de participações que atinjam, individualmente ou em conjunto, pelo menos 10 % do capital ou dos direitos de voto da instituição visada.
    3 - A apreciação de matérias que careçam de demonstração por prova pericial, relativas à valorização dos activos e passivos que são objecto ou estejam envolvidos nas medidas de resolução adoptadas, é efectuada no processo principal.
    4 - O Banco de Portugal pode, em execução de sentenças anulatórias de quaisquer actos praticados no âmbito do presente capítulo, invocar causa legítima de inexecução, nos termos conjugados do n.º 2 do artigo 175.º e do artigo 163.º do Código do Processo dos Tribunais Administrativos, iniciando-se, nesse caso, de imediato, o procedimento tendente à fixação da indemnização devida de acordo com os trâmites previstos nos artigos 178.º e 166.º daquele mesmo Código”.
    [18] Noções Elementares de Processo Civil, Vol. 1º, pág. 88.
    [19] A citada acção popular instaurada junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa – Processo nº. 679/16.1BELSB.
    [20] Acerca da apreciação de questão prejudicial de natureza administrativa e mecanismo a ponderar pelo julgador, cf., o douto aresto do STJ de 06/12/2016 – Processo nº. 886/15.4T8SXL.L1.S1, in www.dgsi.pt .
    [21] As Deliberações do Banco de Portugal assumem, conforme decorre do disposto no nº. 7 do artº. 112º da Constituição da República Portuguesa, a natureza de actos normativos regulamentares. Pelo que vigoram na sua plenitude na ordem jurídica portuguesa enquanto não forem revogadas, anuladas ou declaradas inconstitucionais.
    [22] Neste sentido, e exemplificativamente, o aduzido em douto aresto desta Relação de 06/07/2017 – Relator: Jorge Leal, Processo nº. 6961/16.0T8LSB.L1-2, in www.dgsi.pt -, onde se refere que no vigente artº. 145º-AR, do RGICSF “as decisões do Banco de Portugal que adotem medidas de resolução estão sujeitas aos meios processuais previstos na legislação do contencioso administrativo, com ressalva de especialidades que o legislador justifica pelos “interesses públicos relevantes que determinam a sua adopção”, em que releva a possibilidade de o Banco de Portugal poder, em caso de execução de sentenças anulatórias de quaisquer dos atos aqui referidos, invocar causa legítima de inexecução, nos termos previstos no Código do Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), iniciando-se, nesse caso, de imediato, o procedimento tendente à fixação da indemnização devida de acordo com os trâmites previstos no CPTA”.