Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | RUI MIGUEL TEIXEIRA | ||
Descritores: | CONFISSÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/09/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | –Não é toda e qualquer confissão que releva positivamente para a determinação da medida da pena. –A confissão, enquanto atitude colaborante do arguido, pode traduzir-se ou não numa circunstância atenuante de carácter geral, influindo directamente na determinação da medida concreta da pena, ou relevando indirectamente, ao nível da valoração das exigências de prevenção especial, se no contexto em que for feita transmitir indicações positivas relativamente à atitude / /personalidade do agente. –O seu valor processual, em termos práticos, acaba por variar na razão directa da sua relevância, podendo assumir um vasto leque de graduações que vão da confissão extremamente relevante (a que permite ultrapassar acentuadas dúvidas ou ter como assentes factos para os quais não existe outra prova) à confissão absolutamente irrelevante (a título de exemplo, a confissão feita após concluída a produção da prova, quando todos os factos confessados se oferecem já como manifestamente provados; a confissão do óbvio, quando tiver havido prisão em flagrante delito), podendo ainda ser subjectivamente valorada na determinação da atitude interna do agente relativamente aos factos praticados e à interiorização da gravidade da sua conduta. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes que compõem a 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa I–Relatório: Inconformado com a decisão que ditou a sua condenação como autor material de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3º, nº 1 e 2, do DL nº 2/98, de 03/01, na pena de 3 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 (um) ano, nos termos do artigo 50.º do Código Penal, apresenta-se a recorrer perante este Tribunal da Relação o arguido JCMV______, com os sinais nos autos, formulando, após motivação, as seguintes conclusões: I–O presente recurso tem como objecto toda a matéria de facto e de direito da sentença condenatória proferida nos presentes autos que condenou a Recorrente pela prática do crime de desobediência. II–Sucede que a aplicação da pena se revelou injusta e extremamente rigorosa contra o Recorrente, isso porque o mesmo foi condenado numa pena de 3 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 (um) ano, nos termos do artigo 50.º do Código Penal. III–Ocorre que o Recorrente prestou a sua confissão integral e sem reservas, bem como revelou sentimento de arrependimento demonstrado pelo Recorrente, mas que acabaram por ser mitigados pelo Juízo. IV–A confissão do Recorrente deveria ter sido devidamente valorada, pelo que o presente Recurso não admite a mitigação feita pela r. Sentença. V–Ao ser ouvido em Audiência, o Recorrente revelou sinceridade, honestidade e arrependimento, questões que não foram bem observadas quando da prolação da r. Sentença. VI–A pena de prisão aplicada pela Sentença deverá ser reformada, pois revela-se impertinente e extremamente injusta contra o Recorrente, atenta a todas as peculiaridades do caso e a confissão integral e sem reservas prestada pelo arguido, que se demostrou verdadeiramente arrependido. VII–Portanto, o presente recurso deverá ser admitido nos autos por despacho e os autos de recurso enviados ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, concretamente para que seja revista tal condenação e modificada a pena que lhe foi imposta. VIII–Deverá ser ponderado ainda a inserção social do arguido, ora Recorrente, que vive pacificamente em sociedade, tem uma família constituída e responsabilidades, bem como tem uma profissão. IX–Em sede de Audiência, o Recorrente demonstrou o seu sincero arrependimento, o que tudo somado permite concluir que assumiu a responsabilidade pelos seus actos, num verdadeiro arrependimento, bem como numa manifestação de humildade, pois assumiu que falhou, desculpando-se pelos seus erros, e bem assim, assumindo-o perante a sociedade, representada aqui pelo Tribunal. X–Assim, ao ponderar a matéria de facto dada como provada, entendemos que a pena aplicada não levou em consideração, suficientemente, as circunstâncias que depõem a favor do arguido, ora Recorrente, o facto de este estar adequadamente inserido na sociedade. XI–Sendo de concluir que o ora recorrente denota grande consciência, embaraço e arrependimento em relação ao crime que cometeu, o que resulta inequívoco da vontade manifestada em sede de audiência de julgamento a maneira humilde como se portou. XII–Ainda sobre a medida da pena concreta aplicada ao Recorrente, argumentamos que a pena que lhe foi cominada é excessiva, desajustada e injusta, pois não foram devidamente ponderadas as circunstâncias que devem presidir à determinação da fixação da pena concreta a que alude o nº 2 do Artigo 71º do Código Penal, designadamente, porque não foi dado o justo relevo atenuativo às circunstâncias que depõem a seu favor e às suas condições pessoais e de integração social. XIII–Os ideais que devem presidir à determinação da medida concreta da pena são de que as finalidades da aplicação de uma pena residem, primordialmente, na tutela dos bens jurídicos, na inserção do arguido na comunidade e a de que a pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa. XIV–Deverá o Tribunal ter também em conta o invocado arrependimento do arguido, bem como a sua confissão integral e sem reservas quanto aos factos e a intenção de se retratar, bem como devem ser consideradas as suas condições pessoais, já que o arguido está inserido na sociedade. XV–Não restou provado, de forma robusta e contundente, que o Recorrente tenha sido interveniente em qualquer acidente de viação, tampouco provou-se que qualquer pessoa tenha sofrido lesão física ou qualquer outra espécie de dano capaz de ser atribuído à pessoa do arguido. XVI–O Recorrente reconheceu que agiu mal, mas revelou estar profundamente arrependido, demonstrando capacidade e vontade de vivência de acordo com os valores ético, sociais, juridicamente protegidos. XVII–Ao condenar o Recorrente na pena de prisão, ainda que suspensa na sua execução, constatamos que a referida Sentença foi excessiva e injusta, sendo imprescindível a sua reforma, especificamente para, no máximo, aplicar uma pena de multa ou mesmo para que lhe seja possibilitada a realização de trabalho a favor da comunidade, espécies de sanções que, certamente, serão cumpridas pelo Recorrente e se revelaram eficazes. XVIII–Portanto, acresce que a medida da pena a que o Recorrente foi condenado é excessiva, quer em função da culpa deste, quer face às necessidades de prevenção e reprovação criminal, do caso concreto. XIX–Pelo exposto, a Sentença não interpretou, nem aplicou, correctamente o disposto nos artigos 203.º e 210.º, do Código Penal, sendo imperiosa a imediata reforma da decisão condenatória proferida, sobretudo para afastar a pena de prisão e determinar a incidência, no máximo, de uma pena de multa ou mesmo para que seja possibilitado ao Recorrente a realização de trabalho a favor da comunidade. Termos em que e nos demais de direito deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, a pena de prisão deverá ser reformada, pois se revelou excessiva e injusta, diante das peculiaridades do caso, da realização de confissão integral e sem reservas, bem como pela demonstração de arrependimento e cooperação, pelo facto de o recorrente não ter sido interveniente em qualquer acidente de viação, tampouco ter causado danos à terceiros, fazendo-se, assim, a habitual e necessária justiça.” Ao assim recorrido veio responder o Ministério Público pugnado pela manutenção do decidido. Os autos subiram a este Tribunal e neles o Ministério Público teve vista e lavrou douto parecer onde fez constar “Sublinhe-se a manifesta indiferença do arguido perante a proibição legal, sendo certo que já fora condenado pela prática de factos de idêntica natureza, por sentenças transitadas. A circunstância de ter cometido, de novo, o mesmo crime, sugere ser acentuada a necessidade de prevenção especial. Assim, não se descortinando que o procedimento adoptado para a aferição da medida da pena se mostre incorrecto ou que se tenham eleito factores que não se deviam ter em conta para a quantificar, deve a pena escolhida deve manter-se intocada, Consequentemente, se pugna pela improcedência do recurso”. Os autos foram a vistos e à conferência. *** II–Do âmbito do recurso e da decisão recorrida O âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, só sendo lícito ao Tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410º, nº2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. Ac. do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19/10/1995, DR I-A Série, de 28/12/1995 e artigos 403º, nº1 e 412º, nºs 1 e 2, ambos do Código do Processo Penal). No caso concreto, analisadas as conclusões recursais, as questões a decidir são: a)-A alteração da matéria de facto; b)-A medida da pena. Vejamos, contudo, o que ficou provado e não provado e a sua fundamentação (transcrição): 1)- No dia 21/08/2021, cerca das 9H00, o arguido conduziu o automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula A…-……-…G na via pública, mais concretamente na Rua ..... ....., em C_____, sem que fosse titular de documento que o habilitasse ao exercício dessa condução, mormente carta de condução; 2)- O arguido tinha conhecimento de que conduzia esse veículo na via pública, bem como não tinha carta de condução que o habilitasse a tal e teve vontade de agir dessa forma; 3)-O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, tendo consciência de que a condução de automóveis na via pública sem se ser titular de carta de condução era proibida por lei e tinha capacidade para se determinar de acordo com tal. Mais se provou: 4)- O arguido foi interceptado pelas autoridades policiais numa operação de fiscalização de rotina, estando a chegar a casa na altura, vivendo na Rua ..... ....., em C____, onde foi interceptado, não se tendo apurado que tenha lesado pessoas ou bens com o seu comportamento; 5)- O veículo automóvel conduzido pelo arguido é pertença da sua mãe; 6)- O arguido trabalha na construção civil, por conta do seu tio, auferindo mensalmente cerca de € 400,00; 7)- O arguido vive com o irmão, a quem entrega mensalmente a quantia de € 100,00 como contribuição para as despesas da casa; 8)-O arguido está inscrito em escola de condução desde 6-1-2020, tendo efectuado somente aulas teóricas tendo em vista obter carta de condução; 9)- O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos de que foi acusado; 10)-O arguido tem antecedentes criminais, tendo sido condenado pela prática, em 4-10-2019, de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de falsificação de documento e em 15-9-2020, de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena única de 350 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, perfazendo o montante global de € 1750,00, por sentença proferida no Proc. n.º 647/19.1PALGS do Juiz 2 do Juízo de Competência Genérica de Lagos, transitada em julgado em 5-5-2021. Factos não provados: Não se provou com relevância para a decisão nenhuma da factualidade que não se compagina com a supra escrita. Motivação: O Tribunal formou a sua convicção, estribando-se na análise crítica das declarações do arguido produzida em audiência de julgamento, o qual confessou integralmente e sem reservas os factos, bem como na prova documental vertida nos autos, nos termos que se passam a expor. O arguido admitiu a prática de todos os factos pelos quais havia sido acusado, não sustentando minimamente a negação que deles constava na contestação que apresentou, ou seja, foi claro e peremptório em assumir que, no dia 21-8-2021, pelas 9 horas, levou a cabo a condução do veículo automóvel com a matrícula A…-......-...G na Rua ..... ....., C_____ artéria onde vive, sem que fosse titular de carta de condução ou outro título que legalmente o habilitasse a levar a cabo tal actividade na via pública. Mais disse o arguido que foi interceptado pelas autoridades policiais quando conduzia tal veiculo automóvel vindo da zona de C_____ e estando a chegar a casa, não tendo havido nenhum acidente de viação, sendo tal viatura pertença da sua mãe. Por fim, o arguido alegou que está já inscrito em escola de condução tendo em vista obter habilitação legal para conduzir, conforme documento que apresentou nos autos, não tendo ainda realizado exame teórico, mas somente aulas teóricas, e que estava arrependido de ter adoptado este comportamento. Conjugando tais declarações confessórias do arguido com: - o auto de notícia de fls. 2 e 3, onde o agente da PSP que o lavrou consignou que, em 21-9-2021, pelas 9H00, interceptou o arguido a conduzir o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula A…-......-...G na Rua ..... ....., em C____, tendo-lhe despertado a atenção pelo facto de estar a estacionar a viatura rapidamente e que o mesmo, sendo abordado, não lhe apresentou nenhum titulo que legalmente o habilitasse a tal, tendo depois a sua identificação sido atestada pelo seu pai; - o resultado da pesquisa na base de dados do IMT de fls. 11, de acordo com o qual o arguido não era titular de carta de condução, à data de 23-8-2021; - a cópia da factura de fls. 23, atestando que o arguido se inscreveu em escola de condução, em Albufeira, em 6-1-2020; O tribunal considerou que todos os factos de que o arguido foi acusado estavam demonstrados (e por decorrência, não demonstrado, por antagónico, o que alegou na sua contestação). Por fim, no que concerne às condições pessoais e de vida do arguido, o tribunal teve em consideração o que resultou das suas declarações, e quanto aos antecedentes criminais atendeu ao certificado de registo criminal actualizado junto aos autos.” *** III– Da análise dos fundamentos do recurso Como é sabido, e resulta do disposto nos art.º 368º e 369º ex-vi art.º 424º nº 2 , todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem: Em primeiro lugar das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão. Seguidamente das que a este respeitem, começando pelas atinentes à matéria de facto, e, dentro destas, pela impugnação alargada, se tiver sido suscitada e depois dos vícios previstos no artº 410º nº 2 do Código do Processo Penal. Por fim, das questões relativas à matéria de Direito. Em primeiro lugar e como nota prévia o arguido não foi condenando pela comissão de um crime de desobediência como refere nas suas alegações recursórias. Terá sido um lapso. Ora, começando pela questão da matéria de facto temos que o arguido não impugnou de forma válida a matéria de facto assente. Na verdade, o arguido nem sequer pugna validamente pela alteração da matéria assente limitando-se a referir que a sua confissão e arrependimento não foram considerados na imposição da pena. Impugnar a matéria de facto é referir que este e aquele facto estão erradamente assentes ou este e aquele facto foram desconsiderados ou este e aquele facto estão fora de ordem ou não ocorreram da forma descrita. Ora, nada disto acontece nestes autos pelo que a matéria de facto permanece inalterada. O arguido insurge-se ainda contra o tipo e a medida da pena. O Tribunal justificou a pena da seguinte forma: “Conforme já referido, prevê o artigo 3.º, n.º 2 do Decreto-lei n.º 2/98, a aplicação de uma pena de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias. Com relevância nesta sede temos o seguinte: - O grau de ilicitude do facto, dentro da moldura de danosidade ao bem jurídico tutelado, assume uma gravidade ainda mediana, pois o arguido violou claramente a proibição de conduzir sem habilitação legal, mas não se apurou que tenha lesado efectivamente pessoas ou bens com o seu comportamento; - O dolo com que o arguido actuou foi intenso, apresentando-se na modalidade de dolo directo; - O veículo automóvel conduzido pelo arguido é pertença da sua mãe, tendo o mesmo alguma facilidade em a ele aceder; - o arguido está socialmente integrado, já que trabalha na construção civil, angariando dessa forma o seu sustento e vive com o irmão, gozando de apoio familiar; - o arguido é pessoa de condição económica modesta, auferindo mensalmente cerca de € 400,00 e entrega € 100,00 como contribuição para as despesas ao seu irmão, com quem vive; - o arguido está inscrito em escola de condução desde 6-1-2020, tendo efectuado somente aulas teóricas tendo em vista obter carta de condução; - o arguido confessou integralmente e sem reservas os factos de que foi acusado; - o arguido tem antecedentes criminais, tendo sido condenado pela prática, em 4-10-2019, de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de falsificação de documento e em 15-92020, de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena única de 350 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, perfazendo o montante global de € 1750,00, por sentença proferida no Proc. n.º 647/19.1PALGS do Juiz 2 do Juízo de Competência Genérica de Lagos, transitada em julgado em 5-5-2021. Quanto ao tipo de pena a aplicar, tendo em atenção que já são altos os índices de criminalidade da região e que este tipo de crime é muito frequente, contribuindo para um clima de insegurança na circulação rodoviária, a qual é marcada no nosso país por uma elevada sinistralidade, é de concluir que são consideráveis as necessidades de prevenção geral positiva. Quanto às necessidades de prevenção especial que se fazem sentir neste caso, as mesmas assumem uma densidade elevada, pois apesar do arguido “inscrito em escola de condução e socialmente integrado, não só tem fácil acesso a uma viatura automóvel, o que lhe facilita a adopção deste tipo de comportamento, como não podemos deixar de atentar nos seus antecedentes criminais, que evidenciam não só uma impermeabilidade do arguido ao respeito devido para com os comandos penais, mas também uma propensão para a prática de actos lesivos da segurança rodoviária, sendo este o 4.º crime que comete num hiato temporal inferior a dois anos e o 3.º contra aquele bem jurídico. Note-se que o arguido comete o 1.º crime de condução sem habilitação legal em 4-10-2019, o 2.º em 159-2020, sendo condenado por ambos por sentença que transita em julgado em 5-5-2021 e em 21-8-2021, pouco mais de 3 meses depois de tal solene juízo de censura por sentença transitada em julgado volta a recair no mesmo tipo de actos, como se fosse algo corriqueiro, revelando até sentimento de impunidade e de que não interiorizou devidamente que não pode conduzir sem estar legalmente habilitado. Perante tal, entendo que actualmente uma pena de multa claramente já não surtirá o efeito desejado de fazer o arguido abandonar de uma vez por todas este tipo de condutas e respeitar o bem jurídico segurança rodoviária, impondo as necessidades de prevenção geral e especial supra descritas a aplicação de uma pena de prisão. Atendendo aos contornos do crime praticado, que determinam exigências de prevenção geral elevadas, entendo que as mesmas apenas ficarão satisfeitas com uma pena de prisão situada acima dos 2 meses, sendo o limite máximo dessa moldura 6 meses de prisão. No que respeita à culpa do arguido, entendo que o juízo de censura a verter sobre a sua conduta é elevado, atentos os contornos da prática do facto, designadamente, a intensidade do seu dolo e a facilidade revelada na adopção deste tipo de actos, pelo que limita assim a pena a um máximo de 4 meses de prisão. Face a tal, bem como às necessidades de prevenção especial, também algo elevadas, julgo adequada a aplicação ao arguido de uma pena de 3 (três) meses de prisão. Em face da culpa do arguido e das necessidades de prevenção geral e especial já expostas, afigura-se-me que não deverá haver lugar à aplicação do disposto no artigo 45.º, n.º 1, do Código Penal, ou seja, a substituição de pena de prisão por multa, porquanto só a aplicabilidade da primeira permitirá que os fins das penas fiquem devidamente assegurados. Na verdade, tendo o arguido sido já condenado pelos dois anteriores crimes de condução sem habilitação legal em pena de multa, cerca de 3 meses depois da sentença condenatória está a cometer o crime destes autos, não tendo essa pena o efeito desejado de o afastar de uma vez por todas deste tipo de comportamento, nem a comunidade não sentiria que o respeito pela norma jurídica violada se mantinha. Contudo, também se nos afigura excessivo que a pena de prisão ora aplicada seja alvo de execução e sobretudo atentando sobretudo no facto do arguido estar socialmente integrado e inscrito em escola de condução. Tendo tal em consideração e também que: - a pena em questão é inferior a 5 anos, - o arguido confessou integralmente e sem reservas os factos de que se encontra acusado; Afigura-se-me que é de lhe dar uma oportunidade, e que a simples censura e a ameaça da prisão realizam ainda, neste momento, de forma adequada as finalidades da punição, permitindo fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao arguido, no sentido que tal evitará de forma suficiente que o mesmo volte a recair neste tipo de comportamentos. Assim, por estarem reunidos os pressupostos do artigo 50.º, n.ºs 1 e 5, do Código Penal, decido suspender a execução dessa pena de 3 meses de prisão pelo período de 1 (um) ano.” Ora, analisada a fundamentação nada encontramos na imposição da pena que haja de ser alterada em favor do arguido. Aliás, a decisão é até benévola salientando factores que não assumem a relevância que lhes é dada (a confissão) e não fazendo ressaltar outros (como os antecedentes criminais e a ineficácia da advertência anteriormente dada ao arguido). Diga-se que todos os factores que o arguido invoca em seu benefício (arrependimento e confissão integral) ou não estão provados ou foram considerados na decisão e não assumem sequer especial relevância. Assim: o arrependimento não está provado. Nada nos autos demonstra arrependimento. Na verdade, o arguido está arrependido é de ter sido fiscalizado. Para se considerar que o arguido estava arrependido (arrependimento activo) ter-se-ia de dar como provado alguma acção ou omissão que permitisse concluir que o arguido arrepiou caminho e não iria repetir a conduta. Nada disso existe. Aliás, se algo resulta do auto de notícia é que o arguido tentou não ser fiscalizado. E no que tange à confissão como já tivemos ocasião de dizer no Ac. de 30.10.2019 desta secção, tirado no processo 69/18.1PTAGH.L1 citando o Ac. da Rel. de Coimbra de 15.02.2012, (proc. 363/10.0PBCBR.C1), acessível em www.dgsi.pt “Não é toda e qualquer confissão que releva positivamente para a determinação da medida da pena. A confissão, enquanto atitude colaborante do arguido, pode traduzir-se ou não numa circunstância atenuante de carácter geral, influindo directamente na determinação da medida concreta da pena, ou relevando indirectamente, ao nível da valoração das exigências de prevenção especial, se no contexto em que for feita transmitir indicações positivas relativamente à atitude/personalidade do agente. O seu valor processual, em termos práticos, acaba por variar na razão directa da sua relevância, podendo assumir um vasto leque de graduações que vão da confissão extremamente relevante (a que permite ultrapassar acentuadas dúvidas ou ter como assentes factos para os quais não existe outra prova) à confissão absolutamente irrelevante (a título de exemplo, a confissão feita após concluída a produção da prova, quando todos os factos confessados se oferecem já como manifestamente provados; a confissão do óbvio, quando tiver havido prisão em flagrante delito), podendo ainda ser subjectivamente valorada na determinação da atitude interna do agente relativamente aos factos praticados e à interiorização da gravidade da sua conduta. À luz destes princípios há que convir que a limitadíssima confissão do arguido não se reveste do relevo que este pretende ver-lhe atribuída, se este se limita à confissão do óbvio, que foi precisamente aquilo que o arguido, na sua estratégia de defesa, optou por assumir, certamente por ser difícil de negar por forma credível em função das circunstâncias concretas do caso, resultando manifestamente, não de um sentido e sincero arrependimento, mas da expectativa de minorar as consequências penais da sua actuação, revestindo-se, por essa razão, de nulo valor atenuativo.” Este é, mutatis mutandis o caso dos autos. A confissão integral e sem reservas neste caso é quase irrelevante. Na verdade, da mesma nada resulta pois que mesmo que o arguido tivesse negado os factos a prova é de tal forma categórica que o arguido seria sempre condenado. A vantagem foi passar de imediato para a fase de alegações e por tal facto já o arguido foi beneficiado em sede de custas. *** V–Dispositivo: Por todo o exposto, acordam os juízes que compõem a 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar não provido o recurso interpostos e, consequentemente, confirmar na íntegra a douta decisão recorrida. Custas pelo recorrente que se fixam em 3 (três) U.C. Notifique.
Lisboa e Tribunal da Relação, 9 de Fevereiro de 2022
Rui Miguel de Castro Ferreira Teixeira Cristina Almeida e Sousa -1ª Adjunta-
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