Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO | ||
Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO PARTICIPAÇÃO CONTRAORDENAÇÃO TRABALHADOR INDEPENDENTE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/13/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | N | ||
Texto Parcial: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | I - O art.º 624.º do NCPC, que é a disposição legal que para aqui releva, face à absolvição contraordenacional da aqui Ré, não nos reconduz, no caso dos autos, para uma situação de caso julgado material mas, tão-somente, para um cenário de presunção legal ilidível que, beneficiando a recorrente, não consente, contudo, que se possa dar a factualidade que consubstancia a decisão contraordenacional absolutória desde logo como assente e que, por outro lado, se tenha de entender como julgada e fechada definitivamente a análise e julgamento da referida existência de um contrato de trabalho entre as partes e na sequência de tal constatação factual e jurídica, da verificação de um eventual e genuíno acidente de trabalho pelo qual será responsável, em termo de reparação dos prejuízos pelo mesmo causados, a empresa aqui Apelante. II - A questão do seguro de acidente de trabalho que não terá sido celebrado pelo Apelado e aqui sinistrado, na sua qualidade de trabalhador independente, não possui grande relevância na economia da presente ação, pois o que está no cerne do litígio que divide as partes é se o Autor era ou não trabalhador subordinado da Ré e se esta, ao lhe determinar a realização da obra onde o primeiro sofreu o sinistro dos autos, se tornou responsável, direta ou indiretamente, em função da eventual celebração em seu nome de seguro de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem, pela reparação dos danos sofridos pelo seu assalariado. III - Se o Juízo do Trabalho chegar à conclusão que está face a uma relação laboral e a um acidente de trabalho pelo qual é responsável a Ré, a omissão da celebração de um contrato de seguro de acidentes de trabalho por conta própria por parte do sinistrado torna-se completamente irrelevante, dado a obrigação da celebração de tal contrato de seguro impender totalmente sobre a aqui recorrente. IV - Caso a resposta seja totalmente negativa, a Ré é absolvida dos pedidos contra si deduzidos e a alegada questão da falta de seguro de acidente de trabalho para trabalhadores independentes e as suas inerentes consequências recaem inteiramente sobre o sinistrado. V - O despacho saneador não incorreu numa qualquer nulidade por omissão de pronúncia quanto às questões suscitadas pela Ré e que sustentam esta sua arguição de nulidade, pois, por um lado, deu expressão ao estabelecido no artigo 624.º do NCPC, dando cumprimento à presunção legal aí referida, até onde estava obrigado e lhe era possível fazer, nessa fase de mera seleção da matéria de facto assente e daquela que deveria integrar os temas de prova, traduzindo-se a problemática da falta de celebração de contrato de seguro por parte do Autor num simples facto instrumental, para efeitos de formação da convicção final do juiz da causa, ou nem sequer com esse alcance e estatuto jurídico, por ser totalmente irrelevante para efeitos da decisão do conflito dos autos [diferente seria o facto contrário: a celebração pelo sinistrado de um contrato de seguro de acidentes de trabalho para trabalhadores independentes]. VI - Estando nós face a uma exceção perentória de caducidade cujo ónus de alegação e prova recai sobre a Ré [artigo 342.º, número 2, do Código Civil] e não havendo qualquer invocação de factos que pudessem colocar em dúvida a coincidência entre a data aposta na participação e a data da sua apresentação nos serviços do Ministério Público do Tribunal do Trabalho, assim como a correspondência temporal entre o dia 14/8/2017 e a data que foi colocada no despacho do mencionado Exmo. Procurador da República de turno, é legítimo afirmar que a dita Participação do Autor teria dado entrada nos serviços do Ministério Público entre o dia 9/8/2017 [inclusive] e o dia 14/8/2017 [inclusive]. VII – Logo e face ao disposto no artigo 414.º do NCPC, sendo a Ré a parte a quem o facto aproveitaria, teria de se resolver contra ela a dúvida exposta quanto ao dia exato em que deu entrada a Participação do acidente dos autos nos serviços do Ministério Público do Tribunal do Trabalho do Barreiro, ou seja, teria de entender-se que a mesma poderia ter acontecido logo no dia 9 de agosto de 2017. VIII - Tal dúvida, contudo, vem a desvanecer-se e a tornar-se numa certeza, já nesta 2.ª instância, com o envio aos autos pelos serviços do Ministério Público do E-mail do Autor de 9/8/2017, remetido aos mesmos pelas 22,02 horas desse mesmo dia e carimbado como recebido no dia imediatamente a seguir [10/8/2017]. IX - Cruzando os factos dados como assentes – v. g., com o dia em que aconteceu o acidente que vitimou o Autor e que foi o dia 9/8/2016 – com as regras de contagens de prazos do Código de Processo Civil [artigos 137.º a 142.º do NCPC e 279.º e 297.º do Código Civil [e com o prazo de caducidade de 1 não que se acha previsto no número 1 do artigo 179.º acima reproduzido], é manifesto que o prazo de caducidade dos autos teve início no dia 10/8/2016 e conheceu o seu termo à meia noite do dia correspondente ano de 2018, ou seja, às 24,00 horas do dia 10/8/2018. X - O prazo de caducidade do direito de ação cumpre-se com a propositura da respetiva ação [artigo 331.º, número 1, do Código Civil], o que significa que estes autos viram a sua instância iniciar-se no dia 9/8/2017, ou seja, um dia antes de se precludir aquele prazo de caducidade do transcrito número 1 do artigo 179.º, não se verificando assim tal exceção perentória de caducidade. XII - O n.º 1 do art.º 179.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro é claríssimo ao afirmar que «O direito de ação respeitante às prestações fixadas na presente lei caduca no prazo de um ano a contar da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado ou, se do evento resultar a morte, a contar desta», nada aí autorizando uma interpretação extensiva ou uma integração analógica que usando a mesma lógica e determinação para os acidentes de trabalho mortais, permita contar naqueles outros acidentes de trabalho não mortais o prazo de caducidade de 1 ano desde a data da verificação dos mesmos. XIII - A alta clínica não tem necessariamente de ser fixada pelos serviços clínicos da entidade responsável [seja uma Companhia de Seguros, seja uma entidade empregadora com serviços médicos próprios], bastando pensar num acidente de trabalho sofrido por um trabalhador ao serviço de uma pessoa singular ou de uma micro ou pequena empresa que simplesmente desaparecem ou encerram ou, ainda que tal não aconteça, por não terem transferido a sua responsabilidade laboral para uma Seguradora, não têm capacidade económica para suportar os encargos derivados das prestações em espécie e em dinheiro impostos pela LAT/2009. | ||
Decisão Texto Parcial: | ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I – RELATÓRIO Os autos de ação emergente de acidente de trabalho de onde deriva o presente recurso de Apelação, tiveram a sua origem no acidente ocorrido em 09/8/2016 e que, participado pelo sinistrado ao Procurador da República do Tribunal do Trabalho do Barreiro, em 9/08/2017, teria afetado AAA, nascido em (…), de nacionalidade portuguesa, NIF (…), residente na (…), quando o mesmo desempenhava as funções de carpinteiro, (alegadamente) por conta e sob as ordens, direcção e fiscalização da sua entidade patronal BBB, com o NIF (…) e com sede na Rua (…), não tendo esta última transferido a sua responsabilidade infortunística laboral para nenhuma CCC. Procedeu-se à realização do competente exame médico, em 30/4/2019 e a fls. 5 e 6, no qual foi atribuída ao trabalhador uma IPP de 90%, com IPATH, desde 10/2/2018, ao abrigo do Capítulo I 8.5.7.1 [60%] e das Instruções Gerais n.º 5, alínea a) da TNI – fator de bonificação de 1,5 [0,60 x 1,5), tendo ainda sido fixado um período de ITA entre 10/8/2016 a 10/2/2018. Realizada, no dia 29/05/2019, a tentativa de conciliação sob a presidência do Ministério Público, a fls. 53 a 55, o trabalhador e a [alegada] entidade patronal BBB não chegaram a acordo, tendo o (alegado) sinistrado aceite o que foi proposto pelo magistrado do Ministério Público, ao invés do que aconteceu com a empresa, que rejeitou em bloco e especificadamente essa mesma proposta, por entender, desde logo, que o trabalhador não sofreu um acidente de trabalho por conta e sob as suas ordens, direção e fiscalização * O sinistrado (…) veio, nessa sequência, propor, em 18/06/2019, ação contra a (…), a que atribuiu o valor de € 45.000,00, pedindo, no final da sua petição inicial (fls. 56 e seguintes), o seguinte: «Termos em que, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exa., deve a presente ação ser julgada procedente por provada, condenando-se a final a Ré na pensão mensal de € 1.000,00 mensais, correspondente a ou, em alternativa, na indemnização de não inferior a € 45.000,00, atenta a idade do Autor e os anos que lhe faltam até atingir a idade da reforma.» A Ré, na sequência da sua citação, veio apresentar a contestação de fls. 77 a 106 + Documentos de fls. 107 verso a 115 verso, onde se defendeu por exceção e impugnação e pediu, a final, o seguinte: «Termos em que se requer a V. Exa. que se digne julgar procedentes as exceções deduzidas e improcedente, por não provada, a presente ação, devendo em consequência, a Ré ser absolvida do pedido com as legais consequências decorrentes». * Foi proferido, em 21/1/2020 e a fls. 116 a 124, despacho saneador, com o seguinte teor integral: «Valor da ação: nos termos do art.º 120.º/1 do CPT, devidamente conjugado com o art.º 306.º/2 do Código de Processo Civil, aplicável por força do art.º 1.°/2/a) do CPT, fixa-se em € 45.000,00. * DESPACHO SANEADOR 1. O Tribunal é competente em razão da nacionalidade território, da matéria e da hierarquia. A petição inicial não é inepta e a forma de processo é a adequada. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e constituíram, advogado e são legítimas. Inexistem nulidades. * Pela ré foi alegada a exceção da caducidade do autor intentar a ação. Para tanto estribou-se no facto do acidente ter ocorrido 09/08/2016 e ter o autor sinistrado diligenciado, a expensas suas, por todos os tratamentos clínicos sendo certo que a ação apenas foi participada ao M.° P.° a 10/08/2017, ou seja, mais de um ano após a verificação do acidente. Desde já se dirá que não assiste qualquer razão à ré cumprindo, igualmente, referir que é a própria ré quem admite que a participação ao M.° P.° da verificação do acidente é causa bastante para se considerar como intentada a ação na precisa data de tal participação, posição que é pacificamente aceite, quer na doutrina, quer na jurisprudência. Dispõe o art.º 179,° (caducidade e prescrição), n.º 1 da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro (Lei dos Acidentes de Trabalho – LAT) que: 1 – O direito de ação respeitante às prestações fixadas na presente lei caduca no prazo de um ano a contar da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado (...). Exige, pois, a lei que, para se verificar a caducidade do direito à ação para efeitos de prestações emergentes de acidentes de trabalho, se verifiquem, cumulativamente, três pressupostos (uma vez que decorre da própria lei que tem de haver um acidente que seja, ou venha a ser declarado, como acidente de trabalho): 1.°: Que haja uma alta clínica; 2.°: Que a data dessa alta seja comunicada ao sinistrado; 3.°: Que tal comunicação seja formal. Ora, compulsados os autos constata-se que o Auto de Exame Médico de fls. 85 e segs. fixa com data da alta, a fls. 86, o dia 10/02/2018. E, além de fixar tal data, esclarece porque o faz, na fundamentação de fls. 85. Tal data foi comunicada ao sinistrado no dia 30/04/2019, através da Notificação do Resultado do Auto de Exame Médico – art.º 105.º, n.º 4 CPT de fls. 88 pelo que se como notificado da data da alta a 30/04/2019 data essa que, aliás, não foi impugnada ou, por qualquer forma, posta em causa pela ora ré. Porque assim, apenas a 01/05/2020 caducaria o prazo para se iniciar o procedimento por acidente de trabalho o qual, como resulta do carimbo aposto a fls. 3 dos autos, foi instaurado, com a participação do acidente, a 10/08/2017. Conclui-se, pois, que não se verificou o prazo de caducidade, como alegado pela ré pelo improcede a alegada exceção da caducidade (cfr., entre outros, Ac. do STJ de 22-02-2017, por unanimidade, embora proferido no âmbito da legislação anterior, sendo certo que o preceito não foi significativamente alterado: “(...) III – No âmbito do direito processual civil a regra geral que vigora no domínio do começo e desenvolvimento da instância, e que assinala o momento processual em que a acção juridicamente se considera proposta, é a de que o seu início ocorre logo que seja recebida na secretaria a respectiva petição inicial. IV – Porém, no processo de trabalho, para efectivação de direitos resultantes de acidentes de trabalho ou de doenças profissionais, a instância não se inicia, nem se desenvolve nos mesmos termos que no processo civil, exigindo a lei a participação do acidente e só com a entrada e o recebimento em juízo dessa participação é que se considera a acção proposta. V - De acordo com o nº 1, do art.º 32.º, da LAT/97 (Lei nº 100/97, de 13 de Setembro), a caducidade do direito de acção ocorre se a acção não for intentada com observância da triplicidade cumulativa que daí decorre: não ter sido proposta no prazo de um ano; a contar da data da alta clínica; alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado. VI – Tendo a Sinistrada participado o acidente, cabia ao Tribunal proceder à realização das diligências necessárias para apurar a data da “alta clínica”, através da realização da respectiva perícia médica, porque só através desta poderão ser descritas as doenças ou lesões que forem encontradas à Sinistrada, a sintomatologia apresentada e a sua relação com o acidente alegado, bem como emitida a correspondente declaração médica sobre se as lesões se mostram curadas ou se apresentam como insusceptíveis de modificação com terapêutica adequada. VII - A falta da alta clínica – mesmo em situações em que não haja incapacidade ou lesões – impede qualquer juízo jurídico valorativo sobre tal matéria, pelo que, não estando fixada a data da “alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado” não pode ter início a contagem do referido prazo legal de caducidade do direito de acção estatuído na primeira parte do n.º 1, do art.º 32.º, da LAT/97)”. * 2. Matéria de Facto 2.1. Matéria de facto que se considera assente e que resulta da tentativa de conciliação e articulados bem assim como dos documentos com força probatória plena. A. O Autor e o sócio-gerente da Ré, (…), conhecem-se há vários anos. B. No dia acordado entre Autor e Ré (09/08/2016), cerca das 08 horas, o Autor apresentou-se na obra, sita na Rua (…) onde lhe foi explicado qual o resultado que, a final, se pretendia e iniciou a execução dos trabalhos. C. A Ré deixou no local o material necessário à execução do trabalho, nomeadamente, tábuas de madeira. D. O Autor levou a sua serra elétrica. E. A ACT não considerou que o contrato foi celebrado com a “(…)”, mas, nos autos de CO n.º 171 800 288, na decisão que proferiu a final, considerou que o sinistrado (aqui Autor) “(...) trabalhava na obra para a arguida, por conta própria, como trabalhador independente, porquanto foi o representante desta que o contactou e contratou verbalmente para realizar a empreitada naquela obra e que aquele aceitou”. F. A ACT aplicou à Ré (aí arguida) uma coima, que fixou no valor de 9UC, por considerar que “(...) a arguida, como entidade contratante do sinistrado, (…) não comunicou à ACT o acidente grave que vitimou este, em 09/08/2016, na obra que decorria no estaleiro de construção civil, na Rua (…), o qual originou a amputação da mão direita deste, no prazo de 24 horas, nem o cumpriu até à presente data, desrespeitando as suas obrigações previstas no n° 1 e 2 do art.º 24.º do DL n.º 273/2003, de 29.10.” G. Por considerar que o seu comportamento (ao não comunicar o acidente à ACT), não denotou qualquer falta de cuidado ou diligência, no cumprimento das normas legais supostamente infringidas, a Ré impugnou a decisão da ACT, interpondo o respetivo recurso judicial, o qual correu termos pelo Juízo do Trabalho de Lisboa – Juiz 1, sob o n.° 25864/18.8T8LSB; H. Foi, nos autos, proferida sentença, transitada em julgado em 16 de Maio de 2019, que, entre o mais, deu por provada a seguinte factualidade (2. Fundamentação de facto/2.1. Factos provados): “(...) 7. A arguida não comunicou à ACT o referido acidente de trabalho. (...) 10. O sinistrado trabalhava na obra para a arguida, por conta própria. 11.A arguida adjudicou a execução dos referidos trabalhos de carpintaria referentes à forra de paredes em madeira ao sinistrado convicta que o sinistrado executava trabalhos em representação da empresa “(…)”, da qual seria gerente. 12. A arguida desconhecia que o sinistrado estava na obra como trabalhador por conta própria, porquanto o mesmo identificou-se como gerente da empresa “(…)”, quer pessoalmente, quer na rede LINKEDIN rede social de negócios onde o sinistrado se dá a conhecer como gerente da referida M4, no mercado desde Agosto de 1988. 13. O referido em 7. sucedeu porque a arguida não equacionou sequer que o sinistrado fosse um trabalhador independente, por estar convencida de que o sinistrado era trabalhador da sociedade. (...)”; I. Mostra-se consignado na sentença que, “(...) o que resultou provado foi que a arguida desconhecia que o sinistrado estava na obra por conta própria, como trabalhador independente e que estava convencida que o sinistrado era representante de uma empresa, precisamente porque este sempre se comportou como gerente de uma empresa “ (3. Fundamentação de Direito). J. Convicção, essa, que o Tribunal considerou não ser censurável (3. Fundamentação de Direito). K. O recurso foi julgado procedente o recurso de impugnação judicial da decisão condenatória da ACT, e, consequentemente, foi absolvida a aqui Ré da contra ordenação que lhe foi imputada. 2.2. Temas de prova I. Da tese apresentada pelo Autor a. O sócio gerente da Ré pediu ao Autor para este lhe fazer uma orçamento de carpintaria para uma obra que lhe fora confiada em Lisboa. b. O Autor respondeu-lhe que não o poderia fazer por ter cessado a sua atividade, por falta de condições para a exercer. c. Por ser uma atividade delicada, o Autor contra propôs fazer o trabalho como trabalhador do sócio gerente da Ré. d. O sócio gerente da Ré aceitou a contra proposta e acertaram que o pagamento seria de € 75,00 por dia, com o horário das 08h00 às 18h00 e um intervalo para o almoço das 12h00 às 13h00. e. O sócio gerente da Ré pediu para o Autor levar as suas ferramentas de trabalho, pelo facto das ferramentas desta estarem a ser por ela usadas. f.O local de trabalho era em Lisboa, em casa de um cliente da Ré. g. Como lhe foi ordenado pelo sócio gerente da Ré, utilizou uma serra elétrica para proceder ao corte de tábuas e outras peças em madeira. h. À chegada à obra, o Autor, como sempre havia feito, colocou a serra elétrica no chão. i. Invocando motivos de segurança, o sócio gerente da Ré impediu-o de colocar a serra no chão e, na hora e no local, construiu uma bancada, composta por sete ou oito peças de cortiça prensada, com, aproximadamente, 600cm x 600cm x 100cm, local onde deveria ser colocada a serra elétrica. j. A serra elétrica foi colocada sobre tal bancada, a qual abanava muito devido à sua fragilidade. k. O sócio gerente da Ré explicou alguns pormenores ao Autor sobre o trabalho e disse que, durante a tarde, regressaria para ver o trabalho e, se necessário, dar novas instruções. l. O acidente ocorreu pelas 14 horas, naquele local e consistiu na verificação das lesões que levaram à amputação da mão direito do Autor, quando este se encontrava a proceder ao corte de tábuas/peças em madeira mediante a utilização da serra elétrica referida. m. Após o acidente, o Autor foi conduzido de ambulância ao Hospital Francisco Xavier, em Lisboa, tendo o sócio gerente da Ré sido informado de tal pela mulher do Autor. n. Já neste Hospital, o sócio gerente da Ré disse à mulher e à filha do Autor que ia imediatamente tratar do seguro e que este não ia ficar mal. o. Já em casa, após alta em regime ambulatório, o autor pediu ao sócio gerente da Ré para trazer a sua ferramenta para que a mesma não se perdesse. p. No dia em que o sócio gerente da Ré foi entregar ao Autor a ferramenta, à saída de casa deste, entregou à mulher do Autor a quantia de €75,00, correspondente a um dia de trabalho. q. O sócio gerente da Ré telefonou ao Autor para pedir a nota de alta, para ver se podia acionar o seguro, o que nunca aconteceu. II. Da tese apresentada pela Ré a. O Autor agiu como representante da “(…)”, no mercado desde agosto de 1988. b. O Autor exercia a atividade de carpinteiro por conta desta. c. O Autor, ao longo dos anos e antes e depois da verificação do acidente, publicou nas redes sociais LINKEDIN, FACEBOOK E HOTFROG que exercia a sua atividade de carpinteiro através da “(…)”, identificando-se como gerente de uma empresa com mais de 35 anos de experiência. d. O trabalho a executar – forrar em madeira um estúdio numa casa particular de um cliente da Ré – foi adjudicado à “(…)”. e. O Autor, enquanto prestador de serviços, sempre utilizou o termo nós, a empresa e nunca eu. f. O Autor apenas fechou a conta da “(…)” no FACEBOOK após ter sido o sócio-gerente da Ré notificado pela ACT para prestar declarações, em 23/05/2018, no âmbito do proc. CO n.º 171800288, do Centro Local de Lisboa Oriental. g. Foi apenas nesta altura que o sócio gerente da Ré constatou que o Autor alegava a existência de um contrato de trabalho. h. O início das negociações ocorreu quando Autor perguntou ao legal representante da Ré se tinha algum trabalho de carpintaria para adjudicar. i. O legal representante da Ré disse que sim, referindo que se tratava de uma sub empreitada que lhe havia sido entregue pela “(…).” e que o trabalho consistia em cortar ripas de (…) envernizado. j. A execução da obra seria efetuada num período de 2 ou 3 dias. k. O Autor disponibilizou-se para apresentar o respetivo orçamento e iniciar, após aprovação, a execução desse trabalho. l. Dias mais tarde, o Autor informou que não estava em condições de apresentar o orçamento por estar a aguardar uma outra adjudicação a qual, a concretizar-se, poderia comprometer a execução dos trabalhos pretendidos pela Ré. m. No entanto, informou a Ré que estava na disponibilidade de iniciar os trabalhos, de imediato os quais poderiam, ou não, ser total ou parcialmente suspensos, consoante a referida adjudicação viesse a ser, ou não, concretizada. n. Comprometeu-se o Autor a concluir a obra ainda que demorasse mais tempo. o. O Autor propôs à Ré a quantia de €70,00/dia, a descontar ao valor final da empreitada, cujo orçamento seria, pois, a apresentar posteriormente. p. A Ré aceitou estas condições. q. O Autor levou as suas ferramentas e máquinas da sua propriedade, que entendeu serem necessárias, para o local por sua iniciativa. r. Fez-se transportar numa viatura com os dizeres “(…)” que habitualmente conduzia. s. A Ré não deu ao Autor qualquer ordem quanto ao modo como deveria executar, organizar e planear o seu trabalho. t. Não foi convencionado qualquer horário de trabalho. u. Não foi convencionada a obrigatoriedade do Autor trabalhar, semanalmente, um número determinado de dias (totais ou parciais, sucessivos ou intercalados). v. A execução do trabalho (modo, forma e tempo) dependia, unicamente, da intenção e disponibilidade do Autor. w. O autor nunca recebeu ordens da Ré, comprometeu-se a apresentar o resultado final do trabalho executado de acordo com a sua arte. x. O Autor utilizou, para a execução do trabalho, uma motosserra, inapropriada para o trabalho de corte de tábuas ou peças em madeira, a executar pelo Autor; ou, y. O Autor usou, para a execução do trabalho uma serra circular de esquadrias de marca (…) a qual é de sua propriedade e para seu uso exclusivo. z. Nunca fez qualquer manutenção ou verificação da máquina, exceto a substituição dos discos desgastados. aa. O Autor utilizou uma motosserra para a execução de outros trabalhos que não os ajustados com a Ré e fora do contexto laboral, tendo sido neste âmbito que se deu o acidente. bb. A bancada que existia no local onde se verificou o acidente, era robusta, segura, tinha dimensões superiores às alegadas e, era perfeitamente adequada à colocação da máquina, não oferecendo qualquer tipo de instabilidade. cc. O Autor é destro. dd. No manuseamento da máquina o Autor não observou as regras e procedimentos de segurança, e tal levou à verificação do acidente, nos seguintes termos: i. Quando a serra está em funcionamento, a mão direita deverá estar a segurar a pega (braço da máquina), onde se situa o botão que serve para colocar a máquina em funcionamento e para a parar, bem como a patilha de segurança (com a função de bloquear e desbloquear a máquina); ii. Permitindo, assim, ao operador, ligar e desligar a máquina, sem ter que retirar a mão da pega; iii. Antes da máquina estar em funcionamento, o braço da máquina (onde está a pega) está levantado e o disco está protegido por uma cápsula protetora que recolhe à medida que se baixa o braço da máquina, de modo a permitir que se inicie o corte; iv. Após o corte da madeira, deixa-se de pressionar o braço e o botão, levantando-se o braço da serra, e, em simultâneo (à medida que se levanta o braço da serra) a cápsula protetora volta a tapar o disco; v. Por sua vez, quando a máquina se encontra ligada e a cortar, a mão esquerda segura a tábua de madeira (que está assente na bandeja ou prato, fixado com grampos), situada do lado do disco; ee. Conclui-se que, como o traumatismo ocorreu na mão direita, não poderia, a mão esquerda do Autor, estar a segurar a pega, mas, a peça de madeira: estando de frente para a máquina, os braços teriam que estar sobrepostos um sobre o outro, segurando a mão esquerda a pega, e, a mão direita a peça de madeira, o que significa que a mão direita do Autor ficou junto ao disco de corte provocando-lhe os ferimentos documentados. ff. Consta da “NOTA DE ALTA” o seguinte: “Testemunha de (…) “ “O doente recusa aceitar transfusão sanguínea, mesmo em caso de necessidade emergente. Explicado ao doente a impossibilidade de reimplante dos dedos por: - Necessidade de transfusão sanguínea intra e pós operatória expectável; - Esfacelo muito grave das estruturas envolventes; A esposa assina declaração de isenção de responsabilidades aceitando a não reimplantação da mão”. gg. Face à posição assumida pelo Autor (e mulher), não se procedeu à cirurgia de reimplantação da mão, nem se realizaram outros tratamentos médicos incompatíveis com a posição assumida. hh. Tendo, o Autor sido, apenas, submetido a cobertura da extremidade do coto de amputação com retalho interósseo posterior e enxerto de pele parcial da coxa esquerda, cobertura do defeito do antebraço com enxerto de pele parcial da coxa esquerda. ii. Não existia qualquer contra indicação médica para a realização da cirurgia de reimplantação da mão e tal cirurgia constitui a melhor alternativa terapêutica para as amputações do membro superior; jj. A reabilitação do Autor foi condicionada por esta decisão, bem como os períodos de incapacidade, sua natureza, e coeficientes de incapacidade arbitrados. kk. Caso o Autor se tivesse submetido à cirurgia, e, caso a mesma fosse bem sucedida registar-se-ia uma melhoria funcional do membro após reimplantação. ll. Esta melhoria verifica-se na maior parte dos casos semelhantes. mm. Verifica-se a possibilidade do Autor readquirir a capacidade perdida (total ou parcialmente); nn. A opção do Autor fundamentou-se nas suas convicções religiosas como Testemunha de Jeová, em conformidade com declaração de fls. 120 v.º, donde consta: “(...) Esta declaração legal, que constitui um exercício do nosso direito de aceitar ou recusar um determinado tratamento médico para o utente, é uma decisão cuidadosamente ponderada por nós e fundamenta-se nas nossas profundas convicções religiosas como Testemunhas de Jeová e não mudará em nenhuma circunstância (...)”; oo. Caso tivesse sido realizada a cirurgia de reimplantação da mão, (com sucesso, e nada faria crer o contrário), diminuiriam as limitações funcionais de que o Autor padece (quer na prática dos atos da sua vida diária e corrente, quer na prática dos atos inerentes ao trabalho). pp. O Autor até à data de entrada da contestação em juízo nunca deixou de trabalhar por conta própria, como trabalhador independente. (…) e (…) onde esteve em Agosto de 2019, tendo publicado a imagem de pés decorativos de móveis no Google Maps. rr. Continuando a apresentar desenhos de trabalhos de carpintaria que lhe são solicitados, nomeadamente através de uma imagem que publicou em Novembro de 2018. ss. Continua a comprar ferramentas e publicando avaliações ao serviço prestado por fornecedores (que lhe respondem a agradecer, o que sucedeu há 1 mês, por referência à data da entrada da contestação em juízo). tt. Recebe, ainda à data da entrada da contestação em juízo, pedidos de orçamento, que, elabora, apresentando-os aos clientes, através do endereço eletrónico m4moreira@gmail.com. uu. Esclarecendo verbalmente de que tem muito trabalho (calendarizando a execução dos trabalhos de acordo com a sua disponibilidade profissional). vv. Disponibilizando-se a que o cliente se desloque à oficina, ou, em alternativa, ele próprio, deslocar-se à casa do cliente. ww. O Autor continua a publicitar a sua atividade como carpinteiro, nomeadamente através da (…). * Tire cópia do presente despacho e arquive em pasta própria. ** I. Requerimento de prova apresentado pelo autor: A. Admito o rol de testemunhas apresentado pelo Autor. II. Requerimento de prova apresentado pela Ré: A. Nos autos os documentos juntos; B. Admite-se o depoimento de parte do autor, devendo, no entanto, a ré, face ao despacho agora exarado quanto à matéria de facto, vir aos autos dar cabal cumprimento ao disposto no art.º 452.º, n.º 2 do CPC; C. Oficiem-se e notifiquem-se as entidades referidas em C) de fls. 119 e v.º nos termos doutamente requeridos nos termos doutamente requeridos. D. Admito a requerida perícia. Fixo, como objeto pericial, o doutamente proposto pela ré. Averigúe e informe a secção de pessoa idónea, da área da engenharia mecânica, que possa proceder à resposta aos quesitos formulados. E. Admito o rol de testemunhas, a calendarizar a sua inquirição na oportunidade. ** Realizada que seja a junta médica, será agendada a audiência de julgamento. * Foi requerido, quer pelo Autor, quer pela primeira Ré, o exame por junta médica na pessoa do Autor. Assim sendo, ordena-se o desdobramento do processo nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 131.º, 132.º/1, 126.º/1 e 140.º/2, todos do Código de Processo do Trabalho, devendo os Senhores Peritos responder à matéria constante de fls. 151v.º e 152.º, a solicitar ao IML. * Vem o Autor/sinistrado AAA, nascido no dia (…), Contribuinte Fiscal número (…), Titular do Cartão de Cidadão número (…) Beneficiário da Segurança Social número e residente na (…), requerer, ao abrigo do disposto no art.º 121.º do Código de Processo de Trabalho, a fixação provisória da pensão que lhe é devida, alegando, em síntese, que se encontram preenchidos os seus requisitos. A tal pretensão veio a Ré BBB Contribuinte Fiscal / Pessoa Coletiva número (…) com sede na Rua (…) opor-se fundando tal oposição, em síntese, no seguinte: a. Não existe um contrato de trabalho entre ela e o Autor pelo que acidente em causa não poderá ser um acidente de trabalho; b. O Autor, para além disso, não observou as regras de segurança a que estava obrigado pelo que o acidente sempre seria descaracterizado como acidente de trabalho; c. A incapacidade atribuída resultou na circunstância de o Autor ter recusado a submissão a tratamentos médicos os quais, a terem sido efetuados, levariam a uma recuperação total ou parcial; d. O Autor não está numa situação económica difícil uma vez que tem uma situação económica estável e confortável. Cumpre decidir. Nos termos do artigo 122.º do Código de Processo do Trabalho: “Pensão ou indemnização provisória em caso de falta de acordo 1 - Quando houver desacordo sobre a existência ou a caracterização do acidente como acidente de trabalho, o juiz, a requerimento da parte interessada ou se assim resultar diretamente da lei aplicável, fixa, com base nos elementos fornecidos pelo processo, pensão ou indemnização provisória nos termos do artigo anterior, se considerar tais prestações necessárias ao sinistrado, ou aos beneficiários, se do acidente tiver resultado a morte ou uma incapacidade grave ou se se verificar a situação prevista na primeira parte do n.º 1 do artigo 102.° 2 - A pensão ou indemnização provisória e os encargos com o tratamento do sinistrado são adiantados ou garantidos pelo fundo a que se refere o n.º 1 do artigo 39.° da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, se não forem suportados por outra entidade. 3 - Pode o juiz condenar imediatamente na pensão ou indemnização provisória a entidade que considerar responsável, se os autos fornecerem elementos bastantes para se convencer de que a falta de acordo na tentativa de conciliação teve por fim eximir-se à condenação provisória; se no julgamento se confirmar essa convicção, o juiz condena o réu como litigante de má-fé. 4 - Na sentença final, se for condenatória, o juiz transfere para a entidade responsável o pagamento da pensão ou indemnização e demais encargos e condena-a a reembolsar todas as importâncias adiantadas.” Tal fixação obedece a requisitos gerais. Dentro desta categoria, torna-se necessário, em primeiro lugar, que se verifique a aparência ou probabilidade de existência do direito à pensão, em segundo lugar, que ocorra o risco de a demora da ação poder provocar dificuldades económicas consideráveis para o beneficiário e, finalmente, que a decisão do juiz possa assentar numa apreciação sumária da matéria controvertida. Além daqueles requisitos gerais, devem verificar-se, igualmente, requisitos especiais que variam de acordo com a situação em causa (mormente se houver ou não acordo quanto à existência e caracterização do acidente, para o efeito se convocando, consoante as situações, o art.º 121.º ou o art.º 122.º, do Código de Processo de Trabalho). No caso em apreço, decorre dos autos que a entidade empregadora não aceita a existência de um contrato de trabalho nem, consequentemente, a verificação de um acidente de trabalho; não aceita o acidente verificado como de trabalho, por se encontrar descaracterizado e, finalmente, não aceita que se verifique uma situação económica débil, por parte do autor. Certo é que não existe um seguro de responsabilidade por acidentes de trabalho válido e eficaz pelo que a entidade responsável será o FAT, sem prejuízo de vir a ser reembolsado pela entidade responsável pelo pagamento da pensão [[1]]. Resulta apenas assente, e resultante do Auto de Não Conciliação bem assim como do pedido de apoio judiciário formulado pelo Autor, que: A. No dia 09/08/2016 por volta das 14:00 horas na ocasião em que se encontrava no n.º (…) da Rua (…)e procedia ao corte de tábuas/peças em madeira mediante a utilização de uma serra elétrica sofreu as lesões que se mostram examinadas no auto de exame médico de fls. 85 a 87, que aqui se dá por integralmente reproduzido. B. O acidente ocorreu quando o sinistrado desempenhava as funções inerentes à categoria profissional de Carpinteiro. C. A ré não tinha a sua responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho transferida para qualquer Seguradora. D. Como consequência direta e necessária do acidente resultaram para o sinistrado, as lesões e sequelas examinadas e descritas no auto de exame médico de fls. 85 a 87 que aqui se dá e uma vez mais por integralmente reproduzido. E. No aludido auto de exame médico foi arbitrada ao sinistrado a IPP de 90 %, com IPATH a partir do dia 10/02/2018, data da alta definitiva. F. O sinistrado desembolsou €20,00 (€ 10,00 X 2), com transportes nas suas deslocações à Procuradoria deste Tribunal para realização de exame médico e tentativa de conciliação. G. O agregado familiar é composto por ele e pela mulher (…) H. Tem em seu nome os seguintes bens imóveis, todos eles por compra: i. Prédios urbanos: • Casa de morada de família, sita em (…); • Segunda habitação, em (…); • Garagem em (…); ii. Prédios rústicos: • (…); I. Tem em seu nome os seguintes bens móveis sujeitos a registo, todos eles por compra: • Mercedes C220, do ano de 2002; • Peugeot Boxer, do ano de 2007; • Peugeot 206+, do ano de 2009; J. Para o ano de 2018 declarou um rendimento anual de €5.828,00. Pese embora não tenha ficado provado que o autor auferisse a remuneração de que se arroga, míster é concluir-se que, face às funções que desempenhava – carpintaria, que exige um conhecimento já elevado nessa arte – a remuneração por ele indicada tem de ser considerada como boa (cfr. art.º 121.º, nº 4 do CPT) pelo que resulta suficientemente indiciado que: K. À data do acidente o sinistrado auferia a título de retribuição a seguintes quantia de € 75,00 D X 22 D/M X 14 M, a que corresponde a retribuição anual de € 23.100,00. Tais factos encontram-se comprovados documentalmente. Por um lado, o Autor encontra-se em situação económica difícil, ponderando o valor do seu rendimento, bem como do agregado familiar, sendo de considerar as prestações necessárias ao sinistrado, ou aos beneficiários, atendendo ao, comummente, conhecido elevado do custo de vida no nosso país. Certo é que tem um considerável parque automóvel, por um lado e, por outro, vários prédios urbanos e um rústico. Aqui, importa salientar as seguintes circunstâncias: 1ª: As viaturas já são de 2002, 2007 e 2009, ou seja, já velhas; 2ª: os prédios poderão ter sido adquiridos em tempos de melhor fortuna do sinistrado; 3.ª: a sua arte de carpintaria está intimamente relacionada com a construção civil a qual, como é facto público e notório, sofreu uma gravíssima e profunda crise há cerca de 10 que, inevitavelmente, se repercutiu no rendimento do autor; 4.ª: A IPP com IPTAH de que anda portador é suficientemente grave de, só por si, impedir que exerça a sua profissão. Por outro lado, verifica-se o desacordo sobre a existência ou a caracterização do acidente como acidente de trabalho. Acresce que, atenta a fase processual em que nos encontramos, a data que na oportunidade será designada para a realização do julgamento, a previsível interposição de recurso da decisão final, é de prever, perante o cenário supra descrito, que ocorra o risco de a demora da ação poder provocar dificuldades económicas consideráveis para o sinistrado. Também se verifica a aparência ou probabilidade de existência do direito à pensão, uma vez que não é posta em causa a existência de acidente, ou da verificação de uma IPP do autor, estando apenas em causa a sua caracterização e quantificação. Porque assim, no entender do Tribunal mostram-se claramente reunidos todos os requisitos gerais supra enunciados, sendo de deferir a atribuição da pensão provisória, ao abrigo do disposto no art.º 122.º, do Código de Processo de Trabalho. Nesta medida verifica-se a aparência ou probabilidade de existência do direito à pensão, em segundo lugar, existe também o risco de a demora da ação poder provocar dificuldades económicas consideráveis para o sinistrado, atenta a remuneração normalmente por ele percebida, o grau de incapacidade de que indiciariamente padece, a sua natureza e, concretamente, a profissão que exerce de carpinteiro. Será, pois, com base nos elementos supra referidos que o Tribunal fixará uma pensão provisória. Nestes termos, tudo ponderado e ao abrigo dos arts. 47.º, n.º 1, al.ª b), 52.º, n.ºs 1, 2 e 4, 97.º, n.ºs 2 e 3 e 107.º, n.º 1 da Lei n.º 98/2009, de 04/09: Uma pensão anual, devida desde o dia seguinte ao da alta, ou seja, 11/02/2018 calculada em função da retribuição a que se alude sob o artigo 3.º e a I.P.P. de 90 %, com IPATH no .º, n.º 2, do Código de Processo de Trabalho e art.º 82.º da LAT, devendo ser paga nos termos do art.º 72.º, n.ºs 1 e 2 da Lei 98/2009, de 04/09, ou seja, as pensões anuais serão pagas, adiantada e mensalmente, até ao 3.º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual sendo os subsídios de férias e de Natal, no valor de 1/14 cada da pensão anual, pagos nos meses de Maio e de Novembro e devendo a seguradora fazer prova nos autos de ter procedido ao pagamento das quantias já, entretanto, vencidas. ** No mais, afigura-se controversa a matéria discutida, a qual será objeto de ulterior decisão, considerando a disparidade das versões apresentadas pelas partes, sendo certo que os autos não fornecerem elementos bastantes para se concluir que nos encontramos perante a situação prevista no artigo 122.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho, a pensão será adiantada pelo fundo a que se refere o n.º 1 do artigo 39.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, uma vez que se ocorre fundado conflito sobre quem recai o dever de indemnizar, sem prejuízo de o FAT vir a ser reembolsado pela entidade responsável pelo pagamento da pensão[2]2. Mais se consigna que, caso venha a final a ser proferida sentença absolutória, nomeadamente por não ter ficado provada a verificação de um acidente de trabalho, o autor deverá a restituir o que lhe tiver sido pago, a título de reparação provisória do dano[3]3..» * A Ré BBB, inconformada com vertentes decisórias de tal despacho saneador veio, a fls. 125 e seguintes, interpor recurso de Apelação do mesmo, que foi admitido a fls. 141 a 143, como de Apelação, a subir de imediato, em separado e com efeito meramente devolutivo, tendo o correspondente despacho abordado outras questões que para aqui não relevam. * A Apelante apresentou, para o efeito, as competentes alegações, tendo formulado as seguintes conclusões (fls. 133 e seguintes): (…)* O Autor não veio apresentar contra-alegações dentro do prazo legal, apresar de ter sido notificada para o efeito. * O relator do presente recurso de Apelação, por ter dúvidas quanto à data da participação do acidente dos autos aos serviços do Ministério Público, por inexistir qualquer carimbo que comprovasse a entrada da mesma em tais serviços, determinou, por ordem verbal, conforme ficou lavrada em cota pela secção de processos, que se solicitasse a esses serviços informação mais detalhada sobre tal matéria, o que veio acontecer, com a remessa aos autos de cópia de um E-mail do Autor, datado de 9/8/2017 e remetido ao Ministério Público do Tribunal do Trabalho do Barreiro pelas 22,02 horas, com menção aos documentos que já constam da ação como anexos, tendo sido aposto um carimbo com data de 10/8/2017 pelos mencionados serviços do MP. * Foi igualmente determinada por ordem verbal a notificação de tal documento, quer ao Ministério Público, como às partes, a fim de o primeiro se debruçar, querendo, sobre o mesmo, no seu Parecer e as segundas, quando notificadas deste último e do dito documento, se pronunciarem em conjunto sobre ambos no prazo de 10 dias. * O ilustre magistrado do Ministério Público deu parecer no sentido da improcedência do recurso de Apelação (fls. 150), não tendo o Autor se pronunciado acerca do mesmo, dentro do prazo legal, apesar de notificado para o efeito, ao contrário do que veio fazer a Ré que, a fls. 156 a 159, veio sustentar o provimento do recurso por si interposto, aí tendo já em consideração o novo elemento documental entretanto junto aos autos por determinação do relator do recurso. * Tendo os autos ido aos vistos, cumpre apreciar e decidir. II – OS FACTOS O tribunal da 1.ª instância considerou provados os seguintes factos, em sede de despacho saneador [que, embora não respeitem diretamente ao objeto do recurso de Apelação, podem ter algum interesse para o julgamento do mesmo]: «2.1. Matéria de facto que se considera assente e que resulta da tentativa de conciliação e articulados bem assim como dos documentos com força probatória plena. A. O Autor e o sócio-gerente da Ré, (…), conhecem-se há vários anos. B. No dia acordado entre Autor e Ré (09/08/2016), cerca das 08 horas, o Autor apresentou-se na obra, sita na Rua (…) , onde lhe foi explicado qual o resultado que, a final, se pretendia e iniciou a execução dos trabalhos. C. A Ré deixou no local o material necessário à execução do trabalho, nomeadamente, tábuas de madeira. D. O Autor levou a sua serra elétrica. E. A ACT não considerou que o contrato foi celebrado com a “(…)”, mas, nos autos de CO n.º (…), na decisão que proferiu a final, considerou que o sinistrado (aqui Autor) “(…) trabalhava na obra para a arguida, por conta própria, como trabalhador independente, porquanto foi o representante desta que o contactou e contratou verbalmente para realizar a empreitada naquela obra e que aquele aceitou”. F. A ACT aplicou à Ré (aí arguida) uma coima, que fixou no valor de 9UC, por considerar que “(…) a arguida, como entidade contratante do sinistrado, (…), não comunicou à ACT o acidente grave que vitimou este, em 09/08/2016, na obra que decorria no estaleiro de construção civil, na Rua (…), o qual originou a amputação da mão direita deste, no prazo de 24 horas, nem o cumpriu até à presente data, desrespeitando as suas obrigações previstas nos n.ºs 1 e 2 do art.º 24.º do DL n.º 273/2003, de 29.10.” G. Por considerar que o seu comportamento (ao não comunicar o acidente à ACT), não denotou qualquer falta de cuidado ou diligência, no cumprimento das normas legais supostamente infringidas, a Ré impugnou a decisão da ACT, interpondo o respetivo recurso judicial, o qual correu termos pelo Juízo do Trabalho de Lisboa – Juiz 1, sob o n.º 25864/18.8T8LSB; H. Foi, nos autos, proferida sentença, transitada em julgado em 16 de Maio de 2019, que, entre o mais, deu por provada a seguinte factualidade (2. Fundamentação de Facto/2.1. Factos provados): “(…) 7. A arguida não comunicou à ACT o referido acidente de trabalho. (…) 10. O sinistrado trabalhava na obra para a arguida, por conta própria. 11.A arguida adjudicou a execução dos referidos trabalhos de carpintaria referentes à forra de paredes em madeira ao sinistrado convicta que o sinistrado executava trabalhos em representação da empresa “(…)”, da qual seria gerente. 12. A arguida desconhecia que o sinistrado estava na obra como trabalhador por conta própria, porquanto o mesmo identificou-se como gerente da empresa “(…)”, quer pessoalmente, quer na rede LINKEDIN rede social de negócios onde o sinistrado se dá a conhecer como gerente da referida M4, no mercado desde Agosto de 1988. 13. O referido em 7. sucedeu porque a arguida não equacionou sequer que o sinistrado fosse um trabalhador independente, por estar convencida de que o sinistrado era trabalhador da sociedade. (…)”; I. Mostra-se consignado na sentença que, “(…) o que resultou provado foi que a arguida desconhecia que o sinistrado estava na obra por conta própria, como trabalhador independente e que estava convencida que o sinistrado era representante de uma empresa, precisamente porque este sempre se comportou como gerente de uma empresa” (3. Fundamentação de Direito). J. Convicção, essa, que o Tribunal considerou não ser censurável (3. Fundamentação de Direito). K. O recurso foi julgado procedente o recurso de impugnação judicial da decisão condenatória da ACT, e, consequentemente, foi absolvida a aqui Ré da contra ordenação que lhe foi imputada.» * III – OS FACTOS E O DIREITO (…) Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos, face à data em que se verificou o acidente de trabalho - 11/05/2018 - terem todos ocorrido na vigência das normas constantes do Código do Trabalho de 2009 - que entrou em vigor em 17/02/2009 - relativas aos acidentes de trabalho (artigos 281.º e seguintes) e da legislação especial que veio a encontrar a luz do direito com a Lei n.º 98/2009, de 4/09 e que, segundo os seus artigos 185.º, 186.º e 187.º, revogou o regime anterior e está em vigor desde 1/01/2010 e para eventos infortunísticos de carácter laboral ocorridos após essa data. B – OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES PRÉVIAS A Ré, em jeito de conclusão e a propósito da invocação das normas violadas pelo despacho saneador recorrido, suscita as seguintes questões: «-a), n.º 1 do art.º 595.º do CPC: sempre que as partes suscitem exceções dilatórias impõe-se o seu conhecimento no despacho saneador. Não obstante, nestes autos, o Meritíssimo Juiz a quo não conheceu das exceções dilatórias de autoridade de caso julgado e falta de seguro (e sua obrigatoriedade) por parte do sinistrado, violando a referida norma jurídica, o que implica a nulidade do despacho saneador (al. d), n.º 1 do art.º 615.º do CPC); - N.º 2 do art.º 205 da Constituição da República Portuguesa: A sentença proferida no Proc. n.º 25864/18.8T8LSB, cujos termos correram pelo Juízo do Trabalho de Lisboa - Juiz 1 (já transitada), definiu que o Apelado trabalhava na obra dos autos por conta própria, e não como trabalhador subordinado da Apelante. Esta decisão tem natureza obrigatória (para todas as entidades públicas e privadas), e prevalece sobre a decisão de quaisquer outras autoridades. Face ao exposto, considerando a relação de prejudicialidade existente entre aquela sentença e a matéria que se insere no objeto destes autos, o Meritíssimo Juiz a quo teria, logo no despacho saneador, que reportar-se ao facto do sinistrado não ser trabalhador subordinado da Apelante, e, nessa conformidade, deveria, desde logo, absolver a Apelante do pedido, logo no despacho saneador. Não o tendo feito, violou, claramente a norma contida no n.º 2 do art.º 205.º da Constituição da República Portuguesa, colocando em crise a estabilidade e certeza das relações jurídicas e o prestígio e coerência das próprias instituições judiciárias; - N.º 1 do art.º 1.º do DL 159/99, de 11/05: como trabalhador por conta própria, o Apelado tem que contratar seguro (obrigatório), a fim de beneficiar das prestações definidas na Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, para os trabalhadores por conta de outrem e seus familiares. O Apelado não contratou tal seguro, pelo que, não pode beneficiar de tal proteção (ele próprio reconheceu a inexistência de seguro nas declarações que prestou na ACT – fls. 68/69). Porém, o Meritíssimo Juiz a quo, não só não se pronunciou sobre esta matéria, como, nem sequer a contextualizou, ordenando o prosseguimento dos autos, nomeadamente para se apurar se o Apelado era, ou não, trabalhador subordinado da Apelante, o que colide com toda a factualidade já apurada;» Importa talvez recordar que nos encontramos na fase de saneamento da presente ação emergente de acidente de trabalho e que se mostra controvertida muita matéria de facto com relevância para o julgamento do litígio dos autos, sendo portanto prematuro tentar forçar já neste momento adjetivo a decisão final e definitiva do litígio dos autos. Feita essa chamada de atenção, não ignoramos que a Ré pretende extrair conclusões igualmente definitivas da circunstância de ter sido contra ela insaturado um procedimento contraordenacional que, com base em determinada factualidade ali dada como assente, veio a absolver aqui Apelante e a ali arguida da contraordenação que lhe era imputada. Com interesse para o que aqui releva, impõe-se dar como reproduzida a matéria de facto dada como assente [ainda que importe realçar que a mesma foi objeto de reclamação, por não fazer qualquer menção à falta de seguro do sinistrado, assim como os temas de prova foram impugnados por a demandada entender que abarcavam factos que se deveriam levar já à matéria de facto dada como provada, com fundamento na referida sentença judicial prolatada no recurso de contraordenação antes mencionado): «E. A ACT não considerou que o contrato foi celebrado com a “(…), mas, nos autos de CO n.º 171 800 288, na decisão que proferiu a final, considerou que o sinistrado (aqui Autor) “(…) trabalhava na obra para a arguida, por conta própria, como trabalhador independente, porquanto foi o representante desta que o contactou e contratou verbalmente para realizar a empreitada naquela obra e que aquele aceitou”. F. A ACT aplicou à Ré (aí arguida) uma coima, que fixou no valor de 9UC, por considerar que “(…) a arguida, como entidade contratante do sinistrado, (…), não comunicou à ACT o acidente grave que vitimou este, em 09/08/2016, na obra que decorria no estaleiro de construção civil, na Rua (…), o qual originou a amputação da mão direita deste, no prazo de 24 horas, nem o cumpriu até à presente data, desrespeitando as suas obrigações previstas nos n.ºs 1 e 2 do art.º 24.º do DL n.º 273/2003, de 29.10.” G. Por considerar que o seu comportamento (ao não comunicar o acidente à ACT), não denotou qualquer falta de cuidado ou diligência, no cumprimento das normas legais supostamente infringidas, a Ré impugnou a decisão da ACT, interpondo o respetivo recurso judicial, o qual correu termos pelo Juízo do Trabalho de Lisboa – Juiz 1, sob o n.º 25864/18.8T8LSB; H. Foi, nos autos, proferida sentença, transitada em julgado em 16 de Maio de 2019, que, entre o mais, deu por provada a seguinte factualidade (2. Fundamentação de Facto/2.1. Factos provados): “(…) 7. A arguida não comunicou à ACT o referido acidente de trabalho. (…) 10. O sinistrado trabalhava na obra para a arguida, por conta própria. 11.A arguida adjudicou a execução dos referidos trabalhos de carpintaria referentes à forra de paredes em madeira ao sinistrado convicta que o sinistrado executava trabalhos em representação da empresa “(…)”, da qual seria gerente. 12. A arguida desconhecia que o sinistrado estava na obra como trabalhador por conta própria, porquanto o mesmo identificou-se como gerente da empresa “(…)”, quer pessoalmente, quer na rede LINKEDIN rede social de negócios onde o sinistrado se dá a conhecer como gerente da referida (…), no mercado desde Agosto de 1988. 13. O referido em 7. sucedeu porque a arguida não equacionou sequer que o sinistrado fosse um trabalhador independente, por estar convencida de que o sinistrado era trabalhador da sociedade (…). (…)”; I. Mostra-se consignado na sentença que, “(…) o que resultou provado foi que a arguida desconhecia que o sinistrado estava na obra por conta própria, como trabalhador independente e que estava convencida que o sinistrado era representante de uma empresa, precisamente porque este sempre se comportou como gerente de uma empresa” (3. Fundamentação de Direito). J. Convicção, essa, que o Tribunal considerou não ser censurável (3. Fundamentação de Direito). K. O recurso foi julgado procedente o recurso de impugnação judicial da decisão condenatória da ACT, e, consequentemente, foi absolvida a aqui Ré da contra ordenação que lhe foi imputada.» A primeira questão que tem de ser aqui colocada é a seguinte: qual o valor jurídico de tal decisão judicial de absolvição da aqui Ré no âmbito da presente ação emergente de acidentes de trabalho? Inexistindo norma especial que, no quadro do Código de Processo do Trabalho ou até no âmbito do Regime Processual Aplicável às Contraordenações Laborais e de Segurança Social, regule tal problemática, importa por força do artigo 1.º, número 2, alínea c) do primeiro diploma legal referenciado, socorrer-nos do regime constante dos artigos 623.º e 624.º do Código de Processo Civil de 2013, que rezam o seguinte: Artigo 623.º Oponibilidade a terceiros da decisão penal condenatória A condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer ações civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infração. Artigo 624.º Eficácia da decisão penal absolutória 1 - A decisão penal, transitada em julgado, que haja absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui, em quaisquer ações de natureza civil, simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova em contrário. 2 - A presunção referida no número anterior prevalece sobre quaisquer presunções de culpa estabelecidas na lei civil. O artigo 624.º do NCPC, que é a disposição legal que para aqui releva, face à absolvição contraordenacional da aqui Ré, não nos reconduz, no caso dos autos, para uma situação de caso julgado material [que era desde logo afastado pelas regras que regem o instituto da exceção de caso julgado e que constam dos artigos 580.º e 581.º daquele mesmo texto legal, dado não haver uma identidade de sujeitos, pedidos e causas de pedir entre ambas as ações] mas, tão-somente, para um cenário de presunção legal ilidível [o legislador fala-nos de «uma simples presunção legal», sendo que, nos termos do artigo 350.º do Código Civil, tais presunções são, geralmente, «juris tantum»] que, beneficiando a Ré e recorrente nestes autos, não consente, contudo, que se possa dar a factualidade que consubstancia a decisão contraordenacional absolutória desde logo como assente e que, por outro lado, se tenha de entender como julgada e fechada definitivamente a análise e julgamento da referida existência de um contrato de trabalho entre as partes e na sequência de tal constatação factual e jurídica, da verificação de um eventual e genuíno acidente de trabalho pelo qual será responsável, em termo de reparação dos prejuízos pelo mesmo causados, a empresa aqui Apelante. A prova inerente a tais questões fulcrais na economia desta ação assim como a definição da factualidade assente e não assente [que terá de levar, naturalmente, na devida e pertinente consideração a referida presunção legal e a sua ilisão ou não por parte do Autor] e correspondente aplicação do direito à mesma terão de ser feitas, respetivamente, em Audiência Final e, depois, em sede da sentença final. Não se verifica assim, ao contrário do que esforçadamente defende a recorrente qualquer formação de caso julgado material no que respeita aos factos concernentes à relação profissional estabelecida entre as partes [prestação de serviços] assim como à qualificação do sinistro sofrido pelo Autor como acidente de trabalho por conta própria [e não por conta de outrem - a aqui Ré], que acarrete a sua imediata absolvição dos pedidos formulados nesta ação em sede de saneador/sentença. A ser assim, como nos parece manifesto, não se pode falar em qualquer inconstitucionalidade cometida pelo despacho saneador dado a sentença proferida no recurso de contraordenação em que a aqui Ré foi absolvida não tem a eficácia de caso julgado material que é perseguida pela mesma, numa incorreta e excessiva interpretação do regime jurídico regulador dos efeitos de sentenças penais [aqui se integrando, em nosso entender, as de natureza contraordenacional] absolutórias em ações cíveis pendentes que abordem as mesmas questões de facto e de direito. Tal condenação imediata nunca poderia ser consentida pelo regime legal e até constitucional aplicável, com base na simples circunstância de o aqui Autor não ter sido ali parte [mas apenas testemunha, se é que o foi sequer] e, nessa medida, não ter tido oportunidade de contrapor e fazer ouvir a sua versão dos factos e a sua interpretação do direito no quadro daqueles autos contraordenacionais. A questão do seguro de acidente de trabalho que não terá sido celebrado pelo Apelado e aqui sinistrado, na sua qualidade de trabalhador independente, em nosso entender e num juízo sumário não possui a importância [se é que possui alguma] que a Apelante lhe quer dar [pensamos mesmo e salvo o devido respeito pelo raciocínio aí exposto, que há uma certa confusão de conceitos e uma deficiente interpretação das normas legais aplicáveis ao pleito dos autos], pois o que está no cerne do litígio que divide as partes é se o Autor era ou não trabalhador subordinado da Ré e se esta, ao lhe determinar a realização da obra onde o primeiro sofreu o sinistro dos autos, se tornou responsável, direta ou indiretamente, em função da eventual celebração em seu nome de seguro de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem, pela reparação dos danos sofridos pelo seu assalariado. Logo, para além de poder constituir um indício factual desfavorável à posição da Ré [o Autor não celebrou contrato de seguro por conta própria porque não tinha esse dever, que impendia antes sobre os ombros da Ré], sempre essa questão da obrigatoriedade da celebração do seguro próprio por parte do recorrido depende da forma como fáctica e juridicamente forem apreciadas e decididas a montante da mesma as referidas matérias da celebração de um contrato de trabalho entre Autor e a Ré e de, no âmbito do mesmo e quando o primeiro desempenhava funções juridicamente subordinadas por conta e em benefício da segunda, sofreu a amputação parcial da sua mão direita. Se o Juízo do Trabalho do Barreiro chegar à conclusão que está face a uma relação laboral e a um acidente de trabalho pelo qual é responsável a Ré, a omissão da celebração de um contrato de seguro de acidentes de trabalho por conta própria por parte do sinistrado torna-se completamente irrelevante, dado a obrigação da celebração de tal contrato de seguro impender totalmente sobre a aqui recorrente. Caso a resposta seja totalmente negativa, a Ré é absolvida dos pedidos contra si deduzidos e a alegada questão da falta de seguro de acidente de trabalho para trabalhadores independentes e as suas inerentes consequências recaem inteiramente sobre o sinistrado. Logo, nos moldes antes explanados, nunca se poderá falar numa qualquer violação de caso julgado material, quer no respeita às inexistência de contrato de trabalho entre as partes, quer no que respeita à desqualificação jurídica do acidente dos autos como de trabalho, quer finalmente no que toca à falta de celebração por parte do Apelado do tal seguro de acidentes de trabalho como trabalhador independente. C – NULIDADE DE SENTENÇA A Apelante veio ainda arguir a nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia, nos termos e para os efeitos do artigo 615.º, número 1, alínea d) (“É nula a sentença quando: d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;”) e 666.º do Novo Código de Processo Civil, ao passo que o artigo 608.º, número 2, do mesmo estatui que “O juiz deve resolver todas as questões que nas partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”. A argumentação jurídica desenvolvida pelo Reclamante mostra-se sintetizada na seguinte conclusão: «1. No despacho saneador, o Meritíssimo Juiz a quo julgou improcedente a deduzida exceção de caducidade do autor intentar a ação (art.ºs 1.º a 14.º da contestação), não se pronunciando, porém, relativamente às exceções de autoridade de caso julgado (art.º 76.º a art.º 90.º da contestação) e da obrigatoriedade do seguro e sua falta pelo Apelado (art.º 91.º a art.º 106.º da contestação); 2. Relativamente à exceção de autoridade de caso julgado, verifica-se que no Proc. n.º 25864/18.8T8LSB/Juízo do Trabalho de Lisboa - Juiz 1, foi, anteriormente, proferida sentença, já transitada (documentada através da certidão judicial a que corresponde o Doc. 5 junto com a contestação encontrando-se a data do trânsito atestada através do Doc. 5A), que considerou que o Apelado trabalhava na obra por conta própria: a Apelante adjudicou os trabalhos convencida que o Apelado executava trabalhos como gerente da empresa “(…)” a Apelante nem sequer equacionou que o Apelado fosse um trabalhador independente (estando convencida que era trabalhador da sociedade “(…)”); essa convicção por parte da Apelante não merece qualquer censura; 3. Quanto a esta matéria, o Meritíssimo Juiz a quo limitou-se a integrar essa factualidade - por referência à sentença proferida no Proc. n.º 25864/18.8T8LSB - na matéria de facto que considerou assente no despacho saneador (pontos E) a K) da matéria de facto que considerou assente); 4. Porém, considerando a prova já existente nos autos, impunha-se, desde logo, ao Meritíssimo Juiz da 1.ª instância conhecer, no despacho saneador (al. a), n.º 1 do art.º 595.º do CPC) do mérito da deduzida exceção de autoridade de caso julgado, o que, por não ter acontecido, acarreta, nesta parte, a nulidade do despacho saneador (al. d), n.º 1 do art.º 615.º do CPC); 5. Sem prescindir, segundo a sentença já proferida (cit. Proc.º n.º 25864/18.8T8LSB), a relação contratual existente entre as partes, não tem natureza laboral, consubstanciando-se, antes, numa mera prestação de serviços (sem qualquer subordinação); 6. Tal decisão judicial integra-se, assim, no objeto dos presentes autos (existindo uma relação de prejudicialidade), obstando, assim, a que "(...) a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade prevista no art.º 581.º do CPC" - Ac. TRP de 11/10/2018/Relator Desembargador Jerónimo Freitas - Proc. 23201/17.8T8PRT.P1 - in www.dgsi.pt; 7. Caso assim não fosse, na eventualidade da ação intentada pelo Autor/Apelado vir a ser julgada procedente (reconhecendo-lhe a qualidade de trabalhador da Ré/Apelada), ficaríamos perante duas sentenças absolutamente contraditórias, que, decerto, colocariam "(...) em causa o prestígio dos tribunais e a certeza e segurança jurídica das decisões judiciais - Ac. STJ de 21-03- 2013; Relator: Conselheiro Álvaro Rodrigues - Proc.º 3210/07.6TCLRS.L1.S1 - in www.dgsi.pt; 8. Ora, a isso obsta, precisamente, a autoridade de caso julgado suscitada nos autos pela Apelada, e que, conforme alegação supra, não mereceu, até ao momento, qualquer decisão por parte do Meritíssimo Juiz a quo, pelo que, não poderá deixar de existir pronúncia nesta sede, absolvendo-se a Ré/Apelante, do pedido, o que se requer; 9. Relativamente à deduzida exceção da falta de seguro obrigatório (pelo Apelado), cumpre referir que o Autor/Apelado, como trabalhador por conta própria, está obrigado a celebrar contrato de seguro de acidentes de trabalho (art.º 1.º do DL n.º 159/99 de 11/05), como forma de garantir e poder beneficiar das prestações definidas na Lei dos Acidentes de Trabalho para os trabalhadores por conta de outrem e seus familiares; 10. A regulamentação relativa ao seguro obrigatório de acidentes de trabalho dos trabalhadores independentes consta de diploma próprio (que continua a ser o DL 159/99, de 11/05) – art.º 184.º da NLAT; 11. Nesta conformidade, trabalhando o Autor/Apelado, na obra dos autos, por conta própria, ou seja, como trabalhador independente, teria obrigatoriamente de ter efetuado um seguro de acidentes de trabalho de modo a garantir as prestações definidas na Lei 100/97, e, ocorrendo um acidente (como o dos autos), teria que acionar a respetiva apólice, responsabilizando a seguradora, e, não a Apelante como fez, que nenhuma responsabilidade tem no ocorrido, devendo, por isso, ser, desde já absolvida do pedido; 12. Porém, também sobre esta exceção o Meritíssimo juiz a quo não se pronunciou, como se impunha - al. a), n.º 1 do art.º 595.º do CPC) -, pelo que, é, também, neste segmento, o despacho saneador nulo (al. d), n.º 1 do art.º 615.º do CPC), o que deverá ser declarado com todas as suas legais consequências que terão que passar pela absolvição da Ré/Apelante;» Acerca de tal vício de natureza formal, convirá ouvir, ainda que no âmbito do anterior regime processual comum, FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA [[4]], quando afirma o seguinte: “À omissão de pronúncia alude a 1.ª parte da alínea d) do número 1 do artigo 668.º e traduz-se na circunstância de o juiz se não pronunciar sobre questões que devesse apreciar, ante o estatuído na 1.ª parte do número 2 do artigo 660.º. Trata-se da nulidade mais invocada nos tribunais, originada na confusão que se estabelece com frequência entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos no decurso da demanda. (…)”. Será conveniente chamar aqui de novo à colação o disposto no número 3 do artigo 5.º do Novo Código de Processo Civil, quando determina que “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”. ABÍLIO NETO [[5]] sustenta que “Pelo que respeita ao direito, o juiz move-se livremente. (…) Pode ir buscar regras diferentes daquelas que as partes invocaram (indagação); pode atribuir às regras invocadas pelas partes sentido diferente do que estas lhe deram (interpretação); pode fazer derivar das regras de que as partes se serviram efeitos e consequências diversas das que estas tiraram (aplicação) (…)”, defendendo, por seu turno, JOÃO DE CASTRO MENDES, em “Direito Processual Civil”, Volume I, Edição da AAFDL, 1980, págs. 218 e seguintes que «Estabelece-se que o Juiz não está sujeito à vontade das partes quanto às soluções de direito (art.º 664.º). Isto porque, em princípio, se pretende que a solução dada à hipótese presente ao Tribunal seja a realmente verdadeira (princípio da verdade material) e não apenas aquela que se justifica em face da maneira como decorreu o processo (princípio da verdade formal). Neste campo o Juiz só é limitado pela lei, não pela vontade das partes». Importa por, outro lado, relembrar aqui que as questões a que alude a transcrita alínea d) do número 1 do art.º 615.º do Novo Código de Processo Civil são as concernentes ao pedido e à causa de pedir que suportam a demanda judicial e não a todas e cada uma das razões, fundamentos, motivações ou meios de prova apresentados pelas partes ao longo da tramitação dos autos, defendendo, a este propósito, o Professor Lebre de Freitas, em “Código de Processo Civil Anotado”, volume 2.º, Coimbra Editora, pág. 670, que o juiz deve “(…) conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, …, não podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de exceções na exclusiva disponibilidade das partes…”, ao passo que o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.01.2000, publicado no BMJ n.º 493.º, páginas 385 e seguintes, “… Questões para este efeito são, desde logo, as que se prendem com o pedido e a causa de pedir. São, em primeiro lugar, todas as pretensões formuladas pelas partes, que requerem decisão do juiz, qualquer que seja a forma como são deduzidas (pedidos, exceções, reconvenção) …”. Tendo como pano de fundo tal doutrina e jurisprudência e sem perder de vista o que se deixou dito no Ponto anterior, não vemos como terá incorrido o despacho saneador numa qualquer omissão de pronúncia quanto às questões suscitadas pela Ré e que sustentam esta sua arguição de nulidade, pois, por um lado, deu expressão ao estabelecido no artigo 624.º do NCPC, dando cumprimento à presunção legal aí referida, até onde estava obrigado e lhe era possível fazer, nessa fase de mera seleção da matéria de facto assente e daquela que deveria integrar os temas de prova, traduzindo-se a problemática da falta de celebração de contrato de seguro por parte do Autor num simples facto instrumental, para efeitos de formação da convicção final do juiz da causa, ou nem sequer com esse alcance e estatuto jurídico, por ser totalmente irrelevante para efeitos da decisão do conflito dos autos [diferente seria o facto contrário: a celebração pelo sinistrado de um contrato de seguro de acidentes de trabalho para trabalhadores independentes] Logo, não se verifica nenhuma nulidade do despacho saneador por omissão de pronúncia, assim se indeferindo a mesma. D – CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO Resta-nos abordar a exceção perentória da caducidade do direito de ação do Autor que foi invocada pela Ré e que foi julgada improcedente pelo Tribunal do Trabalho do Barreiro, insurgindo-se a demandada e aqui Apelante contra ela nos seguintes moldes: «17. Relativamente à exceção de caducidade do direito de ação, verificamos que o acidente ocorreu em 9 de Agosto de 2016 e a participação ao tribunal foi feita pelo Apelado em 18 de Agosto de 2016 - ainda que datada de 9 de Agosto de 2016 (art.º 7.º da p.i./participação de fls. 3 e Auto de Não Conciliação de fls. 93); 18. Por não ser seu trabalhador, a Ré/Apelante nunca, quanto ao mesmo, transferiu a sua responsabilidade por acidente de trabalho, pelo que, nunca participou, (nem podia, logicamente, participar) a ocorrência deste acidente; 19. Em consequência, o Autor/Apelado nunca foi encaminhado para a seguradora, tendo, ele próprio, diligenciado na prestação do apoio médico, medicamentoso, tratamentos e exames de diagnóstico necessários; 20. Neste caso, conhecedor da descrita situação, a faculdade de participação do acidente ao Tribunal, por parte do sinistrado, constitui um verdadeiro poder/dever, com consequências jurídicas pelo seu não exercício. O incumprimento deste poder/dever de participado, tem que ter, em nosso entender, consequências jurídicas, ao nível da caducidade do direito de intentar a ação, que se devem traduzir na aplicação do disposto no art.º 179.º, n.º 1 do Lei 98/2009" - entre outros: Ac. TR Porto de 24/09/2018; Relator Desembargador Rui Penha; Proc. 1057/13.0TTMTS.P1; 21. Entendimento contrário (como o que se fez consignar no despacho saneador) tem como consequência que a Apelante (ou um qualquer outro suposto responsável) permaneça por tempo indefinido numa situação de incerteza e insegurança jurídica, à mercê da atitude que o sinistrado possa, ou não, vir a tomar, isto, sem prejuízo dessa situação impossibilitar, ou pelo menos dificultar seriamente, a possibilidade de análise e impugnação da ocorrência do acidente, face ao decurso do tempo, o que não é admissível; 22. Vertendo para os autos, não tendo o Apelado sido encaminhado para uma seguradora para quem estivesse transferida a responsabilidade, "(…) logo perceberia, diremos até, forçosamente, que não fora feita qualquer comunicação aquela entidade nem qualquer participação ao tribunal” pelo que, “(...) para que se configure uma situação em que seja relevar-te a data da alta clínica e a entrega do boletim da alta - para se saber quando se inicia a contagem do preço de caducidade - é necessário que o sinistro tenha sido levado ao conhecimento da seguradora e que tenha havido acompanhamento do sinistrado por parte dos serviços médicos daquela" - por todos : Ac. TRL de 11/03/2015 - Proc. 4765/12.9TTLSB.L-1-4 - Relator: Jerónimo Freitas - in www.dqsi.pt); 23. Nestes autos nada disso aconteceu, pelo que, não tendo o sinistrado participado o acidente ao tribunal antes de decorrido um ano sobre a data do acidente, manifestamente caducou o direito de ação por decurso do prazo legal (cit. Acórdãos do TRP e TRL), cujo prazo se iniciou no dia do próprio acidente de trabalho (e não dia da alta ou da sua comunicação) - não se suspendendo ou interrompendo pela falta de participação (por todos: Ac. TRP de 23/05/2016 - Relator: Desembargador Jorge Loureiro - Proc.2325/15.1T80ZA.P1 - in www.dgsi.pt); 24. Face ao exposto, tendo a participação do acidente (ainda que datada de 9 de Agosto de 2017), dado entrada nos autos, apenas, em 18 de Agosto de 2017 (fls. 3) através de comunicação subscrita pelo próprio trabalhador, afigura-se-nos, por todas as razões expostas, que a sua apresentação é manifestamente extemporânea (cit. n.º 1 do art.º 179.º da LAT), encontrando- se, assim, caducado o direito de ação por parte do sinistrado (cit. n.º 1 do art.º 179.º da LAT), e, que, para os devidos efeitos, desde já, se invoca! 25. Versando o presente recurso sobre matéria de direito, passam-se a indicar a normas jurídicas violadas e o sentido com que deveriam ter sido interpretadas e aplicadas (als. a) e b), n.º 2 do art.º 639.º do CPC): […] - N.º 1 do art.º 179.º da Lei 98/2009: Face a este normativo, para que se configure uma situação em que seja relevante a data da alta clinica e a entrega do boletim da alta é necessário que o sinistro tenha sido levado ao conhecimento da seguradora e que tenha havido acompanhamento do sinistrado por parte dos serviços médicos daquela. Ora, não tendo essa situação ocorrido (nestes autos), o que ganha relevância não é a data da alta (e sua comunicação), mas a data do acidente, contando-se, a partir daí o prazo de 1 ano definido na norma. Este entendimento é o único que afasta situações de incerteza e insegurança jurídica decorrentes do tempo indefinido que pode levar o trabalhador a participar o acidente, tempo, esse que pode, também, prejudicar a análise e impugnação da ocorrência do acidente. Nestes termos e nos mais de direito, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., reapreciando os factos e por aplicação do direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência ser designada data para realização de exame pericial e posteriormente agendamento de data para realização de audiência de julgamento. Termos em que, se requer a V. Exas que se Dignem conceder provimento ao presente recurso, devendo, em consequência, revogar-se o despacho saneador, que, face aos fundamentos invocados, deverá ser declarado nulo, Julgando-se procedentes as exceções deduzidas declarando-se, em consequência, a absolvição da Apelante, tudo com as legais consequências decorrentes. Assim sendo V. Exas farão, como sempre, a costumada e habitual Justiça!» Importa, mais uma vez e quanto a tal matéria, atender ao que foi dado como assente pelo Tribunal da 1.ª instância [sendo certo que a impugnação levada a cabo pela Ré quanto à seleção dessa matéria de facto não focou tais factos]: «A. O Autor e o sócio-gerente da Ré, (…), conhecem-se há vários anos. B. No dia acordado entre Autor e Ré (09/08/2016), cerca das 08 horas, o Autor apresentou-se na obra, sita na Rua (…), onde lhe foi explicado qual o resultado que, a final, se pretendia e iniciou a execução dos trabalhos. C. A Ré deixou no local o material necessário à execução do trabalho, nomeadamente, tábuas de madeira. D. O Autor levou a sua serra elétrica.» F. A ACT aplicou à Ré (aí arguida) uma coima, que fixou no valor de 9UC, por considerar que “(…) a arguida, como entidade contratante do sinistrado, (…), não comunicou à ACT o acidente grave que vitimou este, em 09/08/2016, na obra que decorria no estaleiro de construção civil, na Rua (…), o qual originou a amputação da mão direita deste, no prazo de 24 horas, nem o cumpriu até à presente data, desrespeitando as suas obrigações previstas nos n.ºs 1 e 2 do art.º 24.º do DL n.º 273/2003, de 29.10.”. Partindo apenas de tal cenário adjetivo e factual [o originalmente existente nos autos, quando o processo subiu a este Tribunal da Relação de Lisboa] e sabendo assim que o sinistro sofrido pelo Autor [no fundo, o alegado acidente de trabalho] ocorreu no dia 9/08/2016 e que, conforme ressaltava dos autos, o sinistrado apresentara uma participação ao Ministério Público do Tribunal do Trabalho do Barreiro através de uma missiva elaborada e assinada por si e datada de 9/08/2017, verificava-se que não havia contudo carimbo de entrada nos serviços do Ministério Público do recebimento da mesma, que não tem indicação, por outro lado, de ter sido remetida pelo correio [não há envelope junto]. Tendo o dia 9/8/2017 sido uma quarta-feira e o dia 14/8/2017 uma segunda-feira [coincidido naturalmente os dias 12/8 e 13/8 com um sábado e um domingo] e estando os tribunais judiciais em situação de férias judiciais entre os dias 16/7/2017 e 31/8/2017, não podíamos, desde logo, afirmar, como faz a recorrente, que a presente ação emergente de acidente de trabalho teve início apenas no dia 18/8/2017 (sexta-feira), quando foi registada, distribuída e autuada, por duas ordens de razões: a) A primeira era e é de natureza jurídica e radica-se no número 4 do artigo 26.º do Código de Processo do Trabalho quando determina que «Na ação emergente de acidente de trabalho, a instância inicia-se com o recebimento da participação»; b) A segunda era de carácter factual e prendia-se com o despacho que foi proferido pelo Exmo. Procurador da República que estava de turno, no canto inferior esquerdo, com data de 14/8/2017: «RDA como acidente de trabalho. * B. 14.08.17 [assinatura]» Logo, estando nós face a uma exceção perentória de caducidade cujo ónus de alegação e prova recai sobre a Ré [artigo 342.º, número 2, do Código Civil] e não havendo qualquer invocação de factos que pudessem colocar em dúvida a coincidência entre a data aposta na participação e a data da sua apresentação nos referidos serviços assim como a correspondência temporal entre o dia 14/8/2017 e a data que foi colocada no despacho do mencionado Exmo. Procurador da República de turno, pensamos ser legítimo afirmar que a dita Participação do Autor teria dado entrada nos serviços do Ministério Público entre o dia 9/8/2017 [inclusive] e o dia 14/8/2017 [inclusive]. Ora, a resposta para tal dúvida temporal, na ausência de mais prova que permitisse ultrapassar a mesma encontrava-se no disposto no artigo 414.º do NCPC, quando estatui o seguinte: Artigo 414.º Princípio a observar em casos de dúvida A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita. Logo, sendo a Ré a parte a quem o facto aproveitaria, teria de se resolver contra ela a dúvida exposta quanto ao dia exato em que deu entrada a Participação do acidente dos autos nos serviços do Ministério Público do Tribunal do Trabalho do Barreiro, ou seja, teria de entender-se que a mesma poderia ter acontecido logo no dia 9 de agosto de 2017. Tal dúvida, contudo, vem a desvanecer-se e a tornar-se numa certeza com o envio aos autos pelos serviços do Ministério Público do Tribunal do Trabalho do Barreiro, na sequência de pedido formulado nesse sentido pelo relator deste recurso, do E-mail do Autor de 9/8/2017, remetido aqueles serviços pelas 22,02 horas desse mesmo dia e carimbado como recebido no dia imediatamente a seguir [10/8/2017]. A ser assim, como nos parece manifesto, importa chamar então à colação o estatuído nos artigos 1789.º e 180.º da Regulamentação do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais [Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro]: Artigo 179.º Caducidade e prescrição 1 - O direito de ação respeitante às prestações fixadas na presente lei caduca no prazo de um ano a contar da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado ou, se do evento resultar a morte, a contar desta. 2 - As prestações estabelecidas por decisão judicial ou pelo serviço com competências na área da proteção contra os riscos profissionais, prescrevem no prazo de cinco anos a partir da data do seu vencimento. 3 - O prazo de prescrição não começa a correr enquanto os beneficiários não tiverem conhecimento pessoal da fixação das prestações. Artigo 180.º Contagem de prazos Os prazos fixados para as normas relativas aos acidentes de trabalho contam-se nos termos previstos no Código de Processo Civil e os previstos para as doenças profissionais são contados nos termos do Código do Procedimento Administrativo. Cruzando os factos dados como assentes – v.g., com o dia em que aconteceu o acidente que vitimou o Autor e que foi o dia 9/8/2016 – com as regras de contagens de prazos do Código de Processo Civil [artigos 137.º a 142.º do NCPC e 279.º e 297.º do Código Civil [e com o prazo de caducidade de 1 ano que se acha previsto no número 1 do artigo 179.º acima reproduzido], é manifesto que o prazo de caducidade dos autos teve início no dia 10/8/2016 e conheceu o seu termo à meia noite do dia correspondente do ano de 2018, ou seja, às 24,00 horas do dia 10/8/2018. O prazo de caducidade do direito de ação cumpre-se com a propositura da respetiva ação [artigo 331.º, número 1, do Código Civil], o que significa que estes autos viram a sua instância iniciar-se no dia 9/8/2017, ou seja, um dia antes de se precludir aquele prazo de caducidade do transcrito número 1 do artigo 179.º, não se verificando assim tal exceção perentória de caducidade. Existe, naturalmente, uma segunda linha de abordagem e argumentação jurídicas que foi a seguida pelo despacho saneador recorrido e com o qual temos de concordar, pois o número 1 do artigo 179.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro é claríssimo ao afirmar que «O direito de ação respeitante às prestações fixadas na presente lei caduca no prazo de um ano a contar da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado ou, se do evento resultar a morte, a contar desta», nada aí autorizando uma interpretação extensiva ou uma integração analógica que usando a mesma lógica e determinação para os acidentes de trabalho mortais, permita contar naqueles outros acidentes de trabalho não mortais o prazo de caducidade de 1 ano desde a data da verificação dos mesmos. Importa dizer que a alta clínica não tem necessariamente de ser fixada pelos serviços clínicos da entidade responsável [seja uma Companhia de Seguros, seja uma entidade empregadora com serviços médicos próprios], basta pensar num acidente de trabalho sofrido por um trabalhador ao serviço de uma pessoa singular ou de uma micro ou pequena empresa que simplesmente desaparecem ou encerram ou, ainda que tal não aconteça, por não terem transferido a sua responsabilidade laboral para uma Seguradora, não têm capacidade económica para suportar os encargos derivados das prestações em espécie e em dinheiro impostos pela LAT/2009. Em casos como esses de debilidade ou insuficiência económica das entidades responsáveis, tem de ser o Serviço Nacional de Saúde, com o apoio da Segurança Social, a tratar e a recuperar até onde for possível o estado clínico do trabalhador sinistrado, o que implica que também tem de ser os médicos do SNS que acompanharam o doente a declarar a alta clínica do mesmo e a emitir o competente boletim de alta ou caso tal não tenha acontecido formalmente, como é exigido pelo artigo 35.º da Regulamentação do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais, pelo próprio perito do tribunal [como veio a ocorrer nesta ação]. Não deixa de nos impressionar, nessa hipótese de contagem do prazo de 1 ano desde a data do acidente de trabalho e não sobre a data da alta clínica, a possibilidade de trabalhadores que, tendo sofrido um acidente de trabalho e que tendo ficado em coma [induzido ou não] ou até mergulhados em situações de depressão profunda, psicose ou outra doença fisiológica ou psicológica incapacitante, sem que se lhes conheça a entidade responsável pela reparação das consequências do sinistro, possam vir a ser surpreendidos pela invocação da exceção de caducidade do seu direito de ação quando estejam aptos a acioná-lo, apenas porque o seu estado não permitiu fazer oportunamente a necessária participação nem havia qualquer familiar para os substituir e ninguém responsável pelo mesmo acionou os mecanismos legais a que estava obrigado. Importa também não olvidar o regime contido no artigo 97.º da LAT/2009, que consente que um dado trabalhador esteja num cenário de tratamentos continuados, que implicam um regime ininterrupto de Incapacidades Temporárias diversas, até um período máximo de 18 meses ou 2 anos e meio [30 meses], sem que haja sido declarada qualquer alta clínica e sem que, não obstante, também não haja lugar à caducidade dos respetivos direitos. Por tudo o que se deixou exposto, tem o presente recurso de Apelação de ser julgado improcedente, com a inevitável confirmação do despacho saneador. IV – DECISÃO Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 663.º do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente o presente recurso de apelação interposto por BBB confirmando-se, nessa medida, o saneador recorrido. * Custas do recurso a cargo da Apelante – artigo 527.º, número 1 do Novo Código de Processo Civil. Registe e notifique. Lisboa, 13 de Julho de 2020 José Eduardo Sapateiro Alves Duarte Maria José Costa Pinto _______________________________________________________ [1] «Neste sentido v. o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10/07/2006 in www.dgsi.pt» – NOTA DE RODAPÉ DO TEXTO TRANSCRITO COM O NÚMERO 1. [2] «Neste sentido v. o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10/07/2006 in www.dgsi.pt» – NOTA DE RODAPÉ DO TEXTO TRANSCRITO COM O NÚMERO 2. [3] «Neste sentido v. o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23/01/2013 in www.dgsi.pt» – NOTA DE RODAPÉ DO TEXTO TRANSCRITO COM O NÚMERO 3. [4] Em “Manual dos Recursos em Processo Civil”, Setembro de 2005, 6.ª Edição, Almedina, páginas 52 e seguintes. [5] Em «Código de Processo Civil Anotado», 19.ª Edição atualizada, Setembro de 2007, EDIFORUM, Lisboa, página 857, Nota 4 ao artigo 664.º do C.P.C./1961, por referência à posição sustentada pelo Prof. Alberto dos Reis, em “Código de Processo Civil Anotado”, volume V, Coimbra Editora, 1981, páginas 93 e 453. | ||
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Decisão Texto Integral: |