Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | PAULO FERNANDES DA SILVA | ||
Descritores: | SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES PRESCRIÇÃO | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/30/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO DE APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | (artigo 663.º, n.º 7, do CPCivil) I. O serviço de telecomunicações é um serviço de comunicação eletrónica e, por isso, constitui um serviço público essencial. II. Nos termos do artigo 10.º, n.º 1, da Lei n.º 23/96, «[o] direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação». III. Trata-se de uma prescrição comum, liberatória ou extintiva, não presuntiva. IV. O prazo prescricional interrompe-se decorridos que sejam cinco dias da propositura da ação, salvo se ocorrer anteriormente citação ou a falta desta não decorrer de culpa do requerente. V. O reconhecimento do direito por parte do devedor e perante o seu credor interrompe o prazo prescricional, sendo que o reconhecimento tácito deve ser inequívoco. VI. A prescrição do direito ao recebimento do preço do serviço prestado, conforme artigo 10.º, n.º 1, da Lei n.º 23/96, acarreta também a prescrição dos respetivos juros moratórios. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I. RELATÓRIO. Em 25.08.2020 a Requerente NOS COMUNICAÇÕES, SA., apresentou requerimento de injunção contra a Requerida NETBUG INFORMATICA TELECOMUNICAÇÕES ELECTRONICA E SERVIÇOS LDA., pedindo que esta seja condenada no pagamento da quantia de €8.565,58, correspondente ao somatório do capital, €6.971,59, juros de mora, €840,99, taxa de justiça paga, €153,00, e outras quantias, €600,00. Como fundamento do seu pedido alegou, em suma, que celebrou com a Requerida «dois contratos de prestações de bens e serviços de telecomunicações» e que a Requerida deixou de pagar a respetiva contrapartida a partir de setembro de 2018 e até à data da propositura da petição inicial, o que acarretou à Requerente encargos acrescidos relacionados com a cobrança da dívida. Citada, a R. apresentou oposição, na qual referiu que «nada deve à Requerente», pois «procedeu ao pagamento de todos» os «serviços de telecomunicações» prestados pela Requerente. Referiu ainda que «os eventuais créditos da Requerente sobre a Requerida encontram-se prescritos» quanto às faturas emitidas entre agosto de 2018 e fevereiro de 2020, sendo que relativamente às demais faturas apresentadas a Requerida «desconhece a que é que dizem respeito» e «os serviços lá constantes não foram prestados à Requerida». A Requerente respondeu à oposição, alegando, em síntese, que «a alegação do pagamento, constituindo reconhecimento, traduz-se, igualmente, numa renúncia à prescrição», sendo que a Requerida solicitou à Requerente «vários acordos» de pagamento e de todo o modo sempre a prescrição invocada teria alcance mais limitado. Em 12.08.2022 o Juízo Local Cível de Lisboa pronunciou-se sobre a suscitada prescrição nos seguintes termos: «Relativamente à exceção de prescrição invocada pela R., há que atender ao disposto no art.º 10º, nº1 da Lei nº 23/96 de 26/07, na redação dada pela Lei nº 12/2008 de 26/02, prescreve que “o direito ao recebimento do preço do serviço prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação”. Conforme resulta da documentação junta aos autos, as faturas referentes a serviços prestados e não pagos, respeitam ao período compreendido entre 01.07.2018 e 31.07.2020. Tendo a injunção sido proposta em 25.08.2020, considera-se interrompida a prescrição no dia 30.08.2020, nos termos do art.º 323º, nº2 do CPC. Porém, na contagem dos prazos de prescrição há ainda que considerar que no âmbito da pandemia decorrente do Covid 19, os prazos de prescrição e caducidade estiveram suspensos entre o dia 09.03.2020 e o dia 03.06.2020 (tal como resulta do disposto no art.º 10º da Lei nº 1-A/2020 de 19.03 conjugado com o art.º 37º do Decreto-Lei nº 10-A/2020 de 13.03 e art.ºs 6º, 8º e 10º da Lei nº 16/2020 de 29 de Maio). Da mesma forma, o art.º 325º, nº 1 do Código Civil estabelece que a prescrição é interrompida pelo reconhecimento da divida, o que a R. fez quando celebrou o acordo de pagamento extrajudicial com a A., datado de 18.01.2019, bem como quando invocou que efetuou o pagamento das faturas cujo pagamento é peticionado nestes autos. Nestes termos e com estes fundamentos, julga-se improcedente a exceção de prescrição invocada. Notifique». Notificada daquela decisão, a Requerida veio dela interpor recurso, apresentando as seguintes conclusões: «A)- O douto despacho recorrido deu como improcedente a exceção de prescrição invocada pela Requerida. B)- Andou mal o tribunal “a quo” ao considerar improcedente tal exceção, aplicando erradamente o direito. C) Porquanto, basta atentar às datas das prestações dos serviços e a data em que a injunção foi intentada para perceber que os créditos peticionados, encontra-se prescritos. D) Efetivamente, desde a data dos serviços prestados, e que consta em cada uma das faturas peticionadas, e a data da entrada da injunção já decorreram mais de 6 meses. E) O artigo 10º da Lei nº 23/96 de 26/07 (na redação dada pela Lei 51/2019 de 29/07), estabelece que o direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de 6 meses após a sua prestação; F) Conclui-se que os direitos de crédito das entidades prestadoras dos serviços públicos essenciais fixados nos nºs 1 e 2 als. a) a g) do art.º 1º daquela Lei, como é o caso da aqui Requerente, devem ser exercidos no prazo de seis meses, sob pena de prescrição; e ainda que a ação ou a injunção destinada à efetivação de tais direitos de crédito, devem ser proposta, também no prazo de seis meses, sob pena de caducidade do respetivo direito de ação; G) O nº 4 do art.º 10º da referida Lei não estabelece nenhuma causa de interrupção da prescrição prevista no nº 1 desse mesmo normativo, mas sim um prazo de caducidade para o exercício da ação. H) De acordo com o nº 1 do art.º 323º, a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito. I) A aqui recorrente foi notificada para deduzir oposição à Injunção, por carta depositada em 08/09/2020, tendo sido a Injunção intentada em 31/08/2020. J) Indo pelo disposto no artigo 323, nº 2 do CC, a prescrição considera-se interrompida em 30/08/2020, pela notificação judicial à Requerida. L) Por aqui, as dividas encontra-se prescritas, porquanto ter decorrido mais de 6 meses sobre a data da prestação do serviço de a data da interrupção da prescrição, isto é 30/08/2020. M) Analisando o nosso caso, à luz do Covid 19 – DL nº 10-A/2020 de 13.03 (a suspensão dos prazo de prescrição verificou-se entre 09/03/2020 e 03/06/2020), também por aqui, encontram-se prescritas pelos menos as 14 primeiras faturas de cada contrato, ou sejas as primeiras 14 faturas descritas nos pontos 1) e as 14 primeiras faturas descritas no ponto 2) do requerimento de Injunção., porquanto, desde a data dos serviços prestados e que delas constam, até 09/03/2020, decorreram mais de 6 meses. N) Olhando os autos de acordo com o artigo 325º, nº 1 do Código Civil, que estipula a interrupção da prescrição pelo reconhecimento do direito, invoca o tribunal “a quo” um suposto plano de pagamento, outorgado entre Requerida e Requerente, em 18/01/2019, junto a estes autos por esta, mas cujos valores também se encontram prescritos O) Do contrato 5.73162 apenas figuram no tal acordo as seguintes FT 201803/291392, vencida em 06-09-2018, 722.54€; FT 201803/319331, vencida em 07-10-2018, 680.38€; FT 201803/351151, vencida em 07-11-2018, 713.21€; FT 201803/380135, vencida em 08-12-2018, 748.17€; FT 201803/402127, vencida em 06-01-2019, 628.32€; Do segundo contrato 5.73433, apenas figuram do acordo as seguintes: FT 201803/291409, vencida em 06-09-2018, 66.36€ FT 201803/319545, vencida em 07-10-2018, 66.35€ FT 201803/351202, vencida em 07-11-2018, 66.77€ FT 201803/380913, vencida em 08-12-2018, 68.16€ FT 201803/402134, vencida em 06-01-2019, 66.71€ P) Pelo que, não se verifica, por este fundamento, interrupção da prescrição quanto às outras faturas. Q) E, quanto a estas, consta do suposto acordo de pagamento, que o não pagamento de uma prestação implica o vencimento de todas as outras- clausula 3. R) Pelo valor que a Requerente peticiona, não terá sido paga qualquer prestação desse aludido acordo, sendo que assim, em 26/01/2019 venceram-se todas as supostas prestações. S) Tendo sido a injunção intentada em 30/08/2020, encontram-se, inequivocamente todas as faturas peticionadas, prescritas. Nestes termos, e nos demais de direito, que V. Exas doutamente suprirão, deverá dar-se provimento ao recurso interposto, e, por via dele, anular-se ou revogar-se o douto despacho recorrido, devendo, em consequência, ser substituída por um outro, que, alterando a matéria de direito, e com base nas alegações e conclusões que antecedem, considere como procedente a invocada exceção de prescrição. Tudo em conformidade com as alegações e conclusões que antecedem. Assim se fazendo, como se espera, JUSTIÇA» A Requerente não contra-alegou. Colhidos os vistos, cumpre ora apreciar a decidir. II. OBJETO DO RECURSO. Atento o disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPCivil, as conclusões do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de questões que devam oficiosamente ser apreciadas e decididas por este Tribunal da Relação. Nestes termos, atentas as conclusões deduzidas pela Recorrente e não havendo questões de conhecimento oficioso a apreciar, no presente recurso está em causa tão-só apreciar e decidir da prescrição do direito de crédito da Requerente, aqui Recorrida, e respetivos juros moratórios peticionados. Assim. III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO. A factualidade a considerar na motivação de direito é a que consta do relatório deste acórdão, que aqui se dá por integralmente reproduzida, bem como a seguinte: 1. Em 07.08.2018, relativamente ao período de 01.07 a 31.07.2018, a Requerente, aqui Recorrida, emitiu faturas relativas a serviços prestados à Requerida, aqui Recorrente, nos valores de €722,54 e €66,36, conforme documentos n.ºs 1 e 19 juntos com o requerimento inicial; 2. Em 07.09.2018, relativamente ao período de 01.08 a 31.08.2018, a Requerente, aqui Recorrida, emitiu faturas relativas a serviços prestados à Requerida, aqui Recorrente, nos valores de €680,38 e €66,35, conforme documentos n.ºs 2 e 20 juntos com o requerimento inicial; 3. Em 08.10.2018, relativamente ao período de 01.09 a 30.09.2018, a Requerente, aqui Recorrida, emitiu faturas relativas a serviços prestados à Requerida, aqui Recorrente, nos valores de €713,21 e €66,77, conforme documentos n.ºs 3 e 21 juntos com o requerimento inicial; 4. Em 08.11.2018, relativamente ao período de 01.10 a 31.10.2018, a Requerente, aqui Recorrida, emitiu faturas relativas a serviços prestados à Requerida, aqui Recorrente, no valores de €748,17 e €68.16, conforme documentos n.ºs 4 e 22 juntos com o requerimento inicial; 5. Em 07.12.2018, relativamente ao período de 01.11 a 30.11.2018, a Requerente, aqui Recorrida, emitiu faturas relativas a serviços prestados à Requerida, aqui Recorrente, no valores de €628,32 e €66,71, conforme documentos n.ºs 5 e 23 juntos com o requerimento inicial; 6. Em 07.01.2019, relativamente ao período de 01.12 a 31.12.2018, a Requerente, aqui Recorrida, emitiu faturas relativas a serviços prestados à Requerida, aqui Recorrente, nos valores de €627,80 e €66,33, conforme documentos n.ºs 6 e 24 juntos com o requerimento inicial; 7. Em 07.02.2019, relativamente ao período de 01.01 a 31.01.2019, a Requerente, aqui Recorrida, emitiu faturas relativas a serviços prestados à Requerida, aqui Recorrente, nos valores de €280,07 e €66,30, conforme documentos n.ºs 7 e 25 juntos com o requerimento inicial; 8. Em 07.03.2019, relativamente ao período de 01.02 a 28.02.2019, a Requerente, aqui Recorrida, emitiu faturas relativas a serviços prestados à Requerida, aqui Recorrente, nos valores de €234,02 e €66,34, conforme documentos n.ºs 8 e 26 juntos com o requerimento inicial; 9. Em 05.04.2019, relativamente ao período de 01.03 a 31.03.2019, a Requerente, aqui Recorrida, emitiu faturas relativas a serviços prestados à Requerida, aqui Recorrente, nos valores de €141,37 e €66,28, conforme documentos n.ºs 9 e 27 juntos com o requerimento inicial; 10. Em 08.05.2019, relativamente ao período de 01.04 a 30.04.2019, a Requerente, aqui Recorrida, emitiu faturas relativas a serviços prestados à Requerida, aqui Recorrente, nos valores de €15,41 e €66,27, conforme documentos n.ºs 10 e 28 juntos com o requerimento inicial; 11. Em 07.06.2019, relativamente ao período de 01.05 a 31.05.2019, a Requerente, aqui Recorrida, emitiu faturas relativas a serviços prestados à Requerida, aqui Recorrente, no valores de €15,41 e €66,35, conforme documentos n.ºs 11 e 29 juntos com o requerimento inicial; 12. Em 05.07.2019, relativamente ao período de 01.06 a 30.06.2019, a Requerente, aqui Recorrida, emitiu faturas relativas a serviços prestados à Requerida, aqui Recorrente, nos valores de €15,41 e €55,29, conforme documento n.º 12 junto com o requerimento inicial e alegado neste; 13. Em 07.08.2019, relativamente ao período de 01.07 a 31.07.2019, a Requerente, aqui Recorrida, emitiu faturas relativas a serviços prestados à Requerida, aqui Recorrente, nos valores de €15,41 e €88,35, conforme documentos n.ºs 13 e 31 juntos com o requerimento inicial; 14. Em 06.09.2019, relativamente ao período de 01.08 a 31.08.2019, a Requerente, aqui Recorrida, emitiu faturas relativas a serviços prestados à Requerida, aqui Recorrente, nos valores de €15,41 e €88,44, conforme documentos n.ºs 14 e 32 juntos com o requerimento inicial; 15. Em 07.10.2019, relativamente ao período de 01.09 a 30.09.2019, a Requerente, aqui Recorrida, emitiu faturas relativas a serviços prestados à Requerida, aqui Recorrente, nos valores de €15,41 e €88,86, conforme documentos n.ºs 15 e 33 juntos com o requerimento inicial; 16. Em 08.11.2019, relativamente ao período de 01.10 a 31.10.2019, a Requerente, aqui Recorrida, emitiu faturas relativas a serviços prestados à Requerida, aqui Recorrente, nos valores de €15,41 e €88,54, conforme documentos n.ºs 16 e 34 juntos com o requerimento inicial; 17. Em 06.12.2019, relativamente ao período de 01.11 a 30.11.2019, a Requerente, aqui Recorrida, emitiu faturas relativas a serviços prestados à Requerida, aqui Recorrente, nos valores de €15,41 e €88,36, conforme documentos n.ºs 17 e 36 juntos com o requerimento inicial; 18. Em 08.01.2020, relativamente ao período de 01.12 a 31.12.2019, a Requerente, aqui Recorrida, emitiu faturas relativas a serviços prestados à Requerida, aqui Recorrente, no valor de €15,41 e €88,32, conforme documentos n.ºs 18 junto com o requerimento inicia e 11 junto com a resposta à oposição; 19. Em 07.02.2020, relativamente ao período de 01.01 a 31.01.2020, a Requerente, aqui Recorrida, emitiu faturas relativas a serviços prestados à Requerida, aqui Recorrente, nos valores de €15,41 e €88,77, conforme documentos n.ºs 4 e 12 juntos com a resposta à oposição; 20. Em 06.03.2020, relativamente ao período de 01.02 a 29.02.2020, a Requerente, aqui Recorrida, emitiu faturas relativas a serviços prestados à Requerida, aqui Recorrente, nos valores de €15,41 e €88,66, conforme documentos n.ºs 5 e 13 juntos com a resposta à oposição; 21. Em 07.04.2020, relativamente ao período de 01.03 a 31.03.2020, a Requerente, aqui Recorrida, emitiu faturas relativas a serviços prestados à Requerida, aqui Recorrente, nos valores de €15,41 e €88,37, conforme documentos n.ºs 6 e 14 juntos com a resposta à oposição; 22. Em 08.05.2020, relativamente ao período de 01.04 a 30.04.2020, a Requerente, aqui Recorrida, emitiu faturas relativas a serviços prestados à Requerida, aqui Recorrente, nos valores de €15,41 e €88,52, conforme documentos n.ºs 7 e 15 juntos com a resposta à oposição; 23. Em 05.06.2020, relativamente ao período de 01.05 a 31.05.2020, a Requerente, aqui Recorrida, emitiu faturas relativas a serviços prestados à Requerida, aqui Recorrente, nos valores de €15,41 e €88,40, conforme documentos n.ºs 8 e 16 junto com a resposta à oposição; 24. Em 07.07.2020, relativamente ao período de 01.06 a 30.06.2020, a Requerente, aqui Recorrida, emitiu faturas relativas a serviços prestados à Requerida, aqui Recorrente, nos valores de €88,53 e €15,41, conforme documentos n.ºs 30 junto com o requerimento inicial e 9 junto com a resposta à oposição; 25. Em 07.08.2020, relativamente ao período de 01.07 a 31.07.2020, a Requerente, aqui Recorrida, emitiu faturas relativas a serviços prestados à Requerida, aqui Recorrente, nos valores de €15,41 e €88,52, conforme documentos n.ºs 10 e 18 junto com a resposta à oposição. IV. FUNDAMENTOS DE DIREITO. Os presentes autos referem-se a contratos de prestação de serviços de telecomunicações. Estão, pois, em causa serviços de comunicação eletrónica, conforme artigo 3.º, alínea ff), da Lei n.º 5/2004, de 10.02, vigente à data dos factos em causa nestes autos, entretanto revogada, e artigo 3.º, alínea ss), da Lei n.º 16/2022, de 18.08, atualmente em vigor relativamente a comunicações eletrónicas. Mais, atento o disposto no artigo 1.º, n.º 2, alínea d), da Lei n.º 23/96, de 26.07, a causa refere-se a um serviço público essencial, pelo que regulado nos termos daquele último diploma legal. 1. Da prescrição comum, liberatória ou extintiva. Ora, segundo o disposto no artigo 10.º, n.º 1, da referida Lei n.º 23/96, na redação da Lei n.º 12/2008, de 26.02, «[o] direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação». Com tal prazo prescricional de seis meses pretendeu o legislador proteger o utente/consumidor, ciente de que as operadoras de comunicação têm uma estrutura organizativa que lhes permite cobrar os seus créditos naquele prazo, em momento, pois, próximo do respetivo consumo. Considerando tal escopo e a letra perentória da lei, «prescreve no prazo de seis meses», sufraga-se o entendimento de que se trata de uma prescrição comum, liberatória ou extintiva, sem desconhecer, contudo, entendimento diverso, como o sufragado por Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, V volume, edição de 2018, página 239, que entende tratar-se de uma prescrição presuntiva. Com refere Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, edição de 2017, páginas 337 a 339, «[n]a prescrição comum, o beneficiário só precisa de invocar e demonstrar a inércia do titular do direito no seu exercício durante o tempo fixado na lei. O regime comum da prescrição é neutro em relação ao cumprimento ou incumprimento. A prescrição ocorre, quer o devedor tenha já cumprido, quer não. Se já tiver cumprido, o devedor deixa de ter de invocar e demonstrar o cumprimento, basta-lhe invocar a prescrição; se não tiver cumprido, também a invocação da prescrição lhe permite bloquear a pretensão do credor». Na Lei n.º 23/96, de 26.06 «o pagamento da prestação de serviços públicos essenciais foi sujeito a um prazo de prescrição extintiva de seis meses a contar da respetiva prestação». No mesmo sentido refere Calvão da Silva, Revista de Legislação e Jurisprudência ano 132.º, página 152, «(…) a nova lei impõe que, decorrido o prazo de seis meses, se extingam o crédito e a correlativa obrigação civil, nos termos gerais da prescrição extintiva. Apesar da brevidade do prazo, não se trata de simples prescrição presuntiva, mas de autêntica e verdadeira prescrição, ainda que de curto prazo, com a nova lei a querer evitar que o devedor continuasse, ex vi do Código Civil, vinculado à obrigação pelo longo prazo de cinco anos: agora, pela lei nova, decorridos seis meses, dá-se a liberação do devedor, sem que o credor possa impedi-lo de se prevalecer da excepção peremptória» - igual posição sufragou o mesmo autor na Revista de Legislação e Jurisprudência ano 137.º, páginas 174 e seguintes, ora à luz das alterações decorrentes das Lei n.ºs 12/2008 e 24/2008. Na matéria, também no sentido de estar em causa «uma prescrição extintiva», refere o Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 1/2010, de 03.12.2009, publicado no DR, 1.ª série, n.º 14, de 21.01.2010, que «[o] texto legal não dá abertura à qualificação, de iure constituto, como prescrição presuntiva; a duração do prazo, mais próximo dos prazos das prescrições presuntivas, não é argumento suficiente, sabendo-se que a lei pretendeu declaradamente proteger o utente. E, em bom rigor, não ocorre aqui uma das principais razões da existência das prescrições presuntivas, e que é a de corresponderem a dívidas para cujo pagamento não é habitual a exigência de recibo». No sentido de que o art.º 10 da Lei 23/96, de 23/7, consagrou uma prescrição extintiva ou liberatória, e não meramente presuntiva, na jurisprudência mais recente deste Tribunal da Relação de Lisboa vejam os acórdãos de 27.01.2022, processo n.º 67360/19.5YIPRT.L1-8, e de 26.01.2023, processo n.º 107382/20.0YIPRT.L1-8. 2. Da interrupção e suspensão do prazo prescricional. Com relevância à situação em apreço, quanto ao referido prazo prescricional de seis meses importa considerar, por um lado, regras relativas à sua interrupção decorrentes do disposto nos artigos 323.º, n.ºs 1 e 2, e 325.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CCivil, e, por outro lado, normas resultantes do regime legal excecional relativo à Covid-19. Assim. 2.1. Segundo o disposto no artigo 323.º, n.ºs 1 e 2, do CCivil, no que aqui releva, «a prescrição interrompe-se pela citação», sendo que «se a citação (…) se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias». Ou seja, o prazo prescricional interrompe-se decorridos que sejam cinco dias da propositura da ação, salvo se ocorrer anteriormente citação ou a falta desta não decorrer de culpa do requerente. 2.2. Nos termos do artigo 325.º, n.ºs 1 e 2, do CCivil, «[a] prescrição é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efetuado perante o respetivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido», sendo que «[o] reconhecimento tácito só é relevante quando resulte de factos que inequivocamente o exprimam». Isto é, o reconhecimento do direito por parte do devedor e perante o seu credor interrompe o prazo prescricional, devendo, contudo, o reconhecimento tácito ser inequívoco. 2.3. Nos termos dos artigos 7.º, n.ºs 3 e 4, e 10.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, 6.º, 8.º e 10.º da Lei n.º 16/2020, de 29.05, e 37.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13.03, em função da situação epidemiológica da Covid-19, o prazo prescricional em causa nos autos esteve suspenso entre os 09.03 e 03.06.2020, num total, pois, de 87 dias. 3. Da situação vertente. 3.1. Os documentos juntos pela Requerente com a resposta à oposição são irrelevantes à situação ora em causa. O intitulado «Acordo de Pagamento» data de «23.01.2019», refere-se a serviços anteriormente prestados e mesmo que se considere com efeitos interruptivos do prazo prescricional, conforme referido artigo 325.º, n.º 1, do CCivil, o prazo prescricional de seis meses opera de todo o modo. No que respeita ao outro documento junto com a resposta à oposição, emails de 02.10.2019, o mesmo não constitui só por si reconhecimento das prestações em causa nos autos por parte da Requerida, aqui Recorrente, pelo que não releva nos termos do artigo 325.º do CCivil. 3.2. O procedimento de injunção foi instaurado em 25.08.2020. A citação ocorreu em 09.09.2020, pelo que tem-se por interrompido o prazo prescricional em 30.08.2020, quinto dia subsequente à instauração da injunção, conforme artigo 323.º, n.º 1 e 2, do CCivil. Para atender à prescrição in casu, aos seis meses do prazo de prescrição em causa, conforme artigo 10.º, n.º 1, da Lei n.º 23/96, importa adicionar os 87 dias em que tal prazo esteve suspenso em virtude da indicada legislação Covid-19. No fundo, têm-se por prescritos as prestações relativas a serviços prestados pela Requerente, ora Recorrida, nos seis meses e 87 dias antes de 30.08.2020. Nestes termos, tem-se por prescrito o direito ao recebimento do preço dos serviços prestados pela Requerente, aqui Recorrida, até 04.12.2019, inclusive, o que corresponde à totalidade das verbas indicadas de III.1. a III.17., e a 4/31 das verbas indicadas em III.18. do presente acórdão. 4. No que respeita à prescrição dos juros peticionados. Em causa está ora saber se devem considerar-se igualmente prescritos os juros moratórios peticionados relativamente àquelas verbas. Sem desconhecer posição diversa, como a expressa no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 25.05.2017, processo n.º 28927/16.0YIPRT.L1-6, sufraga-se aqui, contudo, entendimento no sentido de que a prescrição do direito ao recebimento do preço do serviço prestado, conforme artigo 10.º, n.º 1, da Lei n.º 23/96, acarreta também a prescrição dos respetivos juros moratórios. Seria estranho que a proteção que tal regime legal confere ao utente de serviço público essencial não se aplicasse igualmente à obrigação de juros, permutando na matéria tal regime pelo decorrente do disposto no artigo 310.º, alínea d), do CCivil e olvidando a natureza eminentemente acessória e dependente do crédito de juros. É certo que o artigo 561.º do mesmo CCivil confere autonomia ao crédito de juros, mas também é certo que «[a] interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», conforme artigo 9.º, n.º 1, do CCivil. Como se refere no acórdão de 07.04.2022 deste Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 9996/21.8YIPRT.L1-6, não «se compreende que, prevendo o legislador um regime especial destinado a proteger o utente de serviços públicos essenciais, tal regime de protecção não se estenda, salvo melhor opinião, à obrigação de juros». Têm-se, pois, por prescritos os juros moratórios peticionados quanto às verbas indicadas de III.1. a III.17., e a 4/31 das verbas referidas em III.18. do presente acórdão. Procede, assim, o presente recurso. * Quanto às custas do recurso. Segundo o disposto nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil e 1.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, o recurso é considerado um «processo autónomo» para efeito de custas processuais, sendo que a decisão que julgue o recurso «condena em custas a parte que a elas houver dado causa», entendendo-se «que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção que o for». Ora, in casu procede a pretensão da Recorrente, configurando-se a Recorrida como parte vencida, pois a procedência do recurso é-lhe desfavorável. Nestes termos, as custas do recurso devem ser suportadas pela Recorrida, incluindo naquelas tão-só as custas de parte, conforme artigos 529.º, n.º 4, e 533.º do CPCivil, assim como 26.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais. V. DECISÃO Pelo exposto, julga-se procedente o presente recurso e, em consequência, considera-se prescrito o direito ao recebimento do preço dos serviços prestados pela Requerente, aqui Recorrida, até 04.12.2019, inclusive, o que corresponde à totalidade das verbas indicadas de III.1. a III.17., e a 4/31 das verbas indicadas em III.18. do presente acórdão, assim como respetivos juros moratórios peticionados. Custas, na vertente de custas de parte, pela Recorrida. Lisboa, 30 de março de 2023 Paulo Fernandes da Silva Pedro Martins Inês Moura |