Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
602/17.6T8MFR.L1-7
Relator: LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA
Descritores: REIVINDICAÇÃO DE IMÓVEL
PRESUNÇÃO DA TITULARIDADE
REGISTO PREDIAL
FACTORES DESCRITIVOS
PRIVAÇÃO DE USO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/02/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I. A presunção do Artigo 7º do Código de Registo Predial não abrange fatores descritivos, como as áreas, limites ou confrontações dos prédios, cingindo-se apenas à existência do direito e à sua pertença às pessoas em cujo nome se encontra inscrito.
II. «As inscrições matriciais não fazem prova plena da localização, da área, da composição, dos limites e das confrontações dos prédios a que se referem, pois que nenhum desses elementos concernentes à identificação física destes é atestado pela autoridade ou funcionários competentes com base nas suas perceções.»
III. Havendo um facto principal alegado que foi julgado não provado, sendo que os apelantes se conformaram com tal decisão de facto (não pedindo a reversão do facto de não provado para provado),  não tem qualquer utilidade nem faz sentido ponderar o aditamento como provado de um facto instrumental/indiciário do facto principal cuja não prova está adquirida no processo, sendo que tal corresponderia a uma forma enviesada de reverter a não prova do facto principal, quando, por regra, a prova do facto instrumental é menos exigente do que a prova do facto principal.
IV. Os factos instrumentais são objeto de absorção e consunção pelo facto principal atinente.
V. Numa ação de reivindicação em que o autor radica a causa de pedir não numa forma de aquisição originária da propriedade, mas apenas na presunção legal de propriedade derivada do registo a seu favor do imóvel, remetendo na petição para a certidão respetiva, não pode ser relevado um averbamento à descrição predial logrado pelo autor na pendência da ação, nos termos do qual foi aumentada a área do prédio vertida na descrição predial.
VI. Tal corresponderia a uma alteração encapotada e inadmissível da causa de pedir e, por inerência, do pedido formulado inicialmente, sendo que o autor não formulou qualquer articulado superveniente para introduzir tal factualidade no processo.
VII. No que tange à ressarcibilidade do proprietário de imóvel privado do seu uso, existem na doutrina e jurisprudência essencialmente duas posições: uma segunda a qual o lesado deve alegar e provar uma concreta utilização relevante do bem; outra segunda a qual basta a alegação e prova da simples privação do uso para se reconhecer o direito a indemnização, reservando-se o não reconhecimento daquele direito para situações em que tenha ficado provado que a concreta privação do uso do bem não traduz, na esfera do respetivo titular, um dano patrimonial relevante.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO:
 AA intentou acção declarativa sob forma de processo comum contra BB e CC pedindo que:
- se reconheça o direito de propriedade do Autor sobre o prédio sito na Rua (...) n.° 79, freguesia de Mafra, descrito na Conservatória de Registo Predial de Mafra sob o n.° (...) e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Mafra sob o artigo (...) e se condene os Réus na sua restituição ao Autor;
- se condene os Réus a reporem o muro que delimitava o logradouro dos prédios, bem como a pagarem ao Autor a quantia de 50,00/dia, a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia que decorre desde a citação até à finalização das necessárias obras;
- se condene os Réus no pagamento ao Autor da quantia de € 10 000,00, acrescida de juros pelo dano de privação do uso e danos morais decorrentes da situação causada pelos Réus.
Para tanto alega o Autor que:
- é dono e legitimo proprietário do prédio sito na Rua (...) n.° 79, o qual lhe foi adjudicado por partilhas por óbito da sua mãe NN, estando a aquisição registada através da Ap. 2512 de 2017/04/06;
- o referido prédio confronta a nascente com o prédio urbano sito na Rua de (...), n.° 77, 77ª, inscrito sob o artigo (...) na matriz predial rústica de Mafra, o qual foi adquirido por leilão no âmbito de uma execução fiscal que correu termos no Serviço de Finanças de Espinho;
- aquando da tomada de posse do prédio por si adquirido, os Réus ocuparam igualmente o prédio do Autor, o que fizeram arrombando portas, mudando fechaduras e deitando para o lixo todos os bens existentes no seu interior, não obstante terem sido avisados por populares;
- os réus prosseguiram com a sua conduta e partiram o muro que dividia ambas as propriedades, com vista a unir ambas as propriedades por forma a dar a aparência que pertenciam ao mesmo prédio, demolindo igualmente dois anexos existentes no logradouro do prédio do Auto;
- com tal atitude o Autor ficou proibido e privado de entrar e aceder ao seu imóvel, bem como de dispor de tudo quanto estava no seu interior e que constituíam pertences da sua mãe, assim como de um veículo que lá se encontrava;
- a isto acresce que o Autor em 2016 colocou o imóvel à venda junto da mediadora West Life, tendo surgido interessados que, em virtude da ocupação do prédio por parte dos Réus desistiram do negócio.
- mais alegam danos causados com a privação do uso, assim com danos morais provenientes do stress e desgosto causados no Autor por esta situação.
Contestando, argumentaram os Réus que:
- o Autor se serve da presente acção para se apropriar abusivamente de uma parcela de terreno que pertence ao domínio municipal;
- uma vez que a área exterior é um logradouro público e que nunca pertenceu ao Autor;
- que o prédio cuja propriedade o Autor se arroga não tem 220 m2;
- os Réus adquiriram um prédio com dois números -77 e 77A - , pelo que a porta ou o 77 A é a porta seguinte à porta existente no imóvel dos Réus ou a porta desapareceu;
- se o prédio que o Autor se roga proprietário é o n.º 79, então existem dois números 79 na mesma Rua;
Terminam assim os Réus requerendo a intervenção principal do Município assim como a improcedência da presente acção e absolvição do pedido.
Foi admitida a intervenção principal do Município de Mafra, o qual veio apresentar o seu articulado a fls. 86v. e ss., pugnando pela propriedade do imóvel como sendo do Autor e não do Município.
Após julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Face ao exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência:
a) - reconheço o autor como proprietário do prédio urbano sito em Mafra, na Rua  (...), n.° 79, composto de barracão com lagar e logradouro e JDC..., sul com herdeiro de MSS..., nascente com o prédio dos Réus e poente com JDC..., inscrito na respectiva matriz sob o n.° (…) e descrito na Conservatória de Registo Predial de Mafra sob o n.° (...)/2010519 e condeno os Réus a reconhecê-lo e a se absterem da prática de quaisquer actos lesivos do direito de propriedade do Autor;
b)- condena-se, em definitivo, os Réus a restituírem ao autor o prédio referido em a);
c) condena-se os Réus a reporem o muro que delimitava o logradouro do prédio assim como a pagarem ao Autor a quantia de € 50/dia, a título de sanção pecuniária compulsória, por casa dia de atraso nessa reposição, desde o transito em julgado da presente decisão até essa mesma reposição;
d) condena-se os Réus no pagamento ao Autor de uma indemnização pelos danos decorrentes da privação do uso da sua propriedade no valor de € 2000,00 (dois mil euros), a que acrescem juros de mora à taxa legal até efectivo e integral pagamento.»
*
Não se conformando com a decisão, dela apelou o requerente, formulando, no final das suas alegações, as seguintes CONCLUSÕES, que se reproduzem:
A) No que à cautelar antecedente respeita, foi formulado a final do requerimento inicial da providência, o pedido de não audiência prévia do Requerido e, sem despacho que o sustente ou fundamente, (eventualmente, por aplicação e ao abrigo do disposto no artigo 378° do C.P.C.), foi concretamente excecionada a regra imposta pelo n.º 1 do artigo 366° do mesmo diploma legal e, precisamente por essa razão, a audiência dos ora apelantes apenas foi concretizada após a restituição;
B) Pelo teor da respetiva Oposição deduzida pelos ora apelantes, veio claro ao Tribunal a existência de fundadas dúvidas sobre a realidade de facto a que corresponderia o direito de propriedade invocado pelo ali Requerente contra os, ali, requeridos, razão pela qual optou o Julgador por manter a providência decretada, exclusivamente com fundamento em presunção registal;
C) Contudo, o momento chave do litígio sub judice poderá ter sido o empossamento do Apelado, ato concretizado por Oficial de Justiça, do Serviço Externo do Tribunal, na total ausência dos Apelantes, em cumprimento de sentença judicial, pois, foi sobre o mesmo que recaiu a concretização material, no terreno e de facto, da realidade correspondente ao bem cuja propriedade vinha reclamada pelo aqui Apelado;
D) Árdua tarefa, na medida em que o mesmo Oficial de Justiça mostrava-se desacompanhado de meios (e conhecimentos, no rigor) técnicos para aferir a dimensão do prédio cuja devolução vinha ordenada e objeto da investidura reportada a fls. 24 da providência apensa - o qual, objetivamente, não tinha os 42 m2 de superfície coberta predialmente descritos e matricialmente inscritos à data -, mas cerca de 150 m2;
E) Pior, tal ato de investidura, naquelas circunstâncias, condiciona todo o processado posterior, razão pela qual não pode deixar de se valorar o mesmo;
F) Certa a decisão de indeferimento do pedido de inversão de contencioso, vem a presente ação proposta na sequência do deferimento e execução da providência - reivindicação típica fundada, apenas e só, numa única causa de pedir - a presunção registal;
G) O prédio reivindicado, mostrava-se predialmente descrito sob a ficha (...)/20110519, também referenciando a situação na Rua (...), n.º 79 (fls. 8v e 9 do Apenso, a que corresponde fls. 16 do processo principal);
H) Matricial e predialmente, a localização é idêntica, referenciando o n.º 79 da Rua (...);
I) Bem assim, em ambos os casos, o prédio é descrito como “barracão com lagar com 42 m2 e logradouro”;
J) A divergência entre matriz e descrição predial, à data da propositura da ação, prende-se apenas com a dimensão total do prédio em causa, sendo que na Conservatória havia descrita a área total de 178 m2, ao passo que na Caderneta Predial mostrava-se inscrita a área de 220 m2, desde 2012 (cf. fls 7 verso da cautelar apensa), a área de 220 m2. Note-se que 220 é a soma de 178 com 42, podendo esta divergência constituir mero erro material;
K) A certidão predial constitui documento autêntico, de acordo com a definição constante do n.º 1 e 2, primeira parte, do artigo 369° do Código Civil, fazendo prova plena dos factos praticados pela autoridade pública, nos precisos termos do n.º 1 do artigo 371° do mesmo diploma legal;
L) Tendo os Apelantes afirmado que a entrega havia ocorrido sobre bem da sua propriedade, e demonstrado a fls. 43 a 44, a existência de uma outra descrição predial que referencia o mesmo número de Polícia, isto é, o número 79 da Rua (...), bem andou o Julgador, a fls. 53, ao ordenar o Ofício da Câmara Municipal de Mafra para clarificar a questão;
M) Em resposta a esse mesmo Ofício, veio a ser junta a informação de fls. 56, em cujo verso se mostra anexa pelo Município planta de localização, que identifica os números de polícia afixados, designadamente, o número 75 - prédio que antecede o da propriedade dos Apelantes - e o número 79, afastado umas dezenas de metros, pois interpõe-se um muro de vedação, até às outras construções antigas, dum só piso, que ostentam os ditos números 79;
N) O número 79 certificado pela edilidade não corresponde, de forma alguma, ao prédio entregue ao Apelado, facto absolutamente visível pela não contiguidade dos prédios implantados pelo Município;
Em consequência,
O) O objeto do litígio passará por conhecer e decidir a qualificação do prédio imediatamente contíguo ao aceite pelos litigantes como correspondente ao n.º 77 da Rua (...), como pertencente ao mesmo prédio, com o n.º 77 A (como sempre alegam os Apelantes), ou ao prédio da propriedade do Autor, tal como identificado na certidão no registo predial, ao tempo da propositura da ação;
P) Quanto ao ponto 1 dos factos provados, encontra-se fundamentado na certidão predial ajuizada a fls. 16, à data da petição, razão pela qual, e no sentido de evitar contradições no julgamento da matéria de facto (por exemplo, quanto ao ponto 8 dos factos provados e a alínea k) dos factos não provados), deverá ser acrescido da especificação da data do facto invocado, uma vez que, no decurso da ação, o Autor obteve averbamento com diferente composição no mesmo prédio;
Assim,
Q) À data da entrada da petição inicial e de conformidade com os documentos de fls. 16 e 17, já existia uma divergência na área total do prédio da propriedade do Autor, mas ambos continham uma área de construção de 42 m2, pois, o prédio do Autor tinha a área total de 178 m2 e em sede matricial, o mesmo prédio tinha a área de 220 m2;
R)   Em ambas, descrição e inscrição, o mesmo prédio apenas tinha uma entrada sita na Rua (...), antiga Rua (…), a que correspondia o número de polícia 79 - ainda que não afixado por cima de qualquer porta;
S) Mas este facto, alegado na petição, foi unilateralmente alterado pelo Autor, à margem do processo, conforme decorre do teor da atual descrição predial n.º (...)/20110519, constante da certidão ajuizada a fls. 199 e seguintes, de onde se pode ver que, por averbamento, requerido sobre a AP. 2913 de 22.09.2017;
T) O Autor, aqui apelado, introduziu um facto jurídico muito diferente, com consequências no plano substantivo e no adjetivo. Na verdade, alterou o título em que sempre tinha alicerçado os seus pedidos e com base na presunção resultante dele, o Tribunal sempre lhe deferiu as pretensões e alterou a causa de pedir e o pedido, na medida em que o objeto do litígio - a propriedade reivindicada - passaria a incidir sobre composição completamente diferente da mesma descrição predial;
Em consequência,
U) E em obediência à tutela da presunção predial, termos de matéria de facto, não pode manter-se a redação dada ao facto provado sob o número 1, sem especificar a referência temporal do documento probatório que suporta a resposta conferida;
V) Tenha-se, ainda, em atenção, que esta factualidade não foi alegada pelo Autor na petição inicial, designadamente, não veio dizer que a composição do registo predial continha qualquer erro e imprecisão, cujo suprimento se propunha fazer;
W) Também não fez a invocação e prova dos factos inerentes à composição do prédio, à desconformidade das áreas, incluindo a justificação da divergência sobre a superfície descoberta e coberta, que lhe caberiam de forma inequívoca, na ação em curso, para beneficiar da respetiva presunção registal;
Logo,
X) A indicada presunção apenas permite afirmar a propriedade sobre 42 m2 de construção, nem mais, nem menos, sendo este o pedido típico da reivindicação;
Acresce que,
Y) O mesmo Autor confessa - confissão judicial a que corresponde declaração confessória, nos precisos termos das disposições conjugadas do artigo 352°, n.º 1 do artigo 356° e n.º 1 do artigo 357°, todos do Código Civil -, fazendo prova plena contra o confidente, de acordo com o n.º 1 do artigo 357° do C.C., conhecer e reconhecer que o prédio dos Réus tem duas entradas, duas portas, a que correspondem os números 77 e 77 A;
Razão pela qual,
Z) O pedido formulado a final da mesma petição é desconforme com tal realidade reconhecida, pois o prédio no qual o Autor foi investido, por força do procedimento cautelar apenso, não corresponde, de todo, a um prédio composto de barracão com lagar com 42 m2 e logradouro;
Porquanto,
AA) O aludido prédio, no qual o Autor foi investido, corresponde àquele desenhado no levantamento topográfico que constitui o documento 11 junto com a petição inicial, a fls. 25, que pela planta se percebe, ao calcular as respetivas áreas, ter uma superfície de construção superior - 220 m2, de acordo com a dimensão declarada no mesmo documento de fls. 25 - à totalidade da composição da descrição predial de fls. 16, isto é, de mais de 178 m2;
BB) Tais divergências fulcrais e de enorme dimensão, sendo conhecidas pessoalmente pelo Autor, deveriam ser explicadas e justificadas, porque o pedido típico da reivindicação não é a alteração dos prédios objeto de sequela, por imposição específica da repartição do ónus da prova e os pedidos inerentes à tipicidade da ação sub judice;
Não o tendo feito,
CC) Haverá que alterar o ponto 8 dos factos provados, pois a confrontação nascente do prédio da propriedade do Autor não tem apenas a confrontação nascente que ali se mostra expressa;
DD) Aliás, a manter-se a redação conferida a tal ponto da matéria de facto, o mesmo é contraditório com o mencionado no ponto 1 dos factos provados, em que se refere duas confrontações a nascente do prédio do Autor;
EE) Do aludido documento de fls. 16, consta a indicação de que o prédio da titularidade do Autor confronta a “nascente com logradouro público e MM” - cf. fls. 16;
FF) Mais consta a fls. 16 que o prédio descrito sob a ficha n.º (...)/20110519, advém da “DESCRIÇÃO EM LIVRO N.º 11103, Livro N.º: 32”, descrição essa que consta a fls. 64, junta como documento 2 da dita Contestação, na qual se mostra explícito “(...) e pelo Nascente com casas e quintal de FMP… e recanto da dicta rua.”, referencia final reportada à, então, Rua (…), atual Rua (...);
GG) Do depoimento das testemunhas que se mostram transcritos no corpo da alegação, em cumprimento do artigo 640° do C.P.C., inquiridas no sentido de comprovar a composição do prédio do Autor, rapidamente se conclui que a realidade física do imóvel em causa e que identificam é, de facto, um quadrado, de caraterísticas bem diversas do pretendido pelo Autor;
HH) Confrontando diretamente a prova testemunhal retro transcrita, conjugado com a certidão predial de fls. 64, bem como o documento 11, junto com a petição a fls. 25, haverá que alterar a resposta ao facto 8, para que passe a constar: “8 - O prédio referido em 1, descrito em 1893, confrontava a nascente com o casas e quintal de FMP… e recanto da dita rua, atualmente confrontando com o prédio urbano sito na Rua (...), 77, 77A, sendo este último constituído por prédio de 6 divisões e sótão, quintal com poço, casas de arrecadação, telheiro e pocilga, inscrito sob o artigo (...) na matriz predial de Mafra, e recanto da mesma rua.”;
II) A referência ao recanto é fulcral, por duas ordens de razão: a primeira, e mais evidente, é porque os 42m2 de construção desde sempre inscritos - e até 2017 - correspondem, à evidência, pelo facto da menção ao recanto e dimensão medida, ao quadrado desenhado como casa de habitação que o levantamento topográfico de fls. 25;
JJ) A segunda e não menos importante, é porque o título aquisitivo invocado pelo Autor é, concretamente, o registo predial, e não qualquer outro meio aquisitivo legalmente previsto;
KK) Aliás, temos para nós que a única forma de compatibilizar os factos provados com a boa decisão de integrar no elenco dos factos não provados a alínea            
k), quanto à composição do mesmo prédio do Autor, será precisamente alterar as respostas - facto 1 e 8 -, nos termos supra expostos;
LL) No mesmo sentido, veja-se a evidência da irrelevância do número de Polícia para a identificação do imóvel em causa, uma vez que do registo predial consta outro prédio urbano com o mesmo número, conforme certidão de fls. 71 e 72 do procedimento cautelar apenso;
Acresce que,
MM) Considerando a certidão predial de fls. 209 verso, na descrição do prédio dos Réus, atual ficha (...) da freguesia e concelho de Mafra, mas proveniente da descrição n.º 13.793, do Livro n.º 39, sempre constou: “Casas de altos e baixos, cocheira, quintal e poço.”, pelo que, sendo a cocheira contígua à casa de habitação, e necessariamente com acesso à via pública, tendo o averbamento dos números de polícia 77 e 77 A sido formulado nos termos impostos pelos supra identificados normativos, o segundo número atribuído corresponderia a uma segunda unidade de ocupação autónoma pertencente ao mesmo prédio;
NN) Como se pode ver do averbamento à descrição do prédio dos Apelantes, que se mostra junta pelo Apelado aos autos a fls. 210, em 1953, MM, então proprietário inscrito, obteve, com base em certidão camarária, a inserção dos números de polícia 77 e 77 A, que subsistem no registo predial;
OO) Esta alteração estava, nos termos do Código do Registo Predial, então, vigente (e à semelhança do que ainda hoje vigora), sujeita a estrito controlo de legalidade feito através de certidão emitida pela Câmara Municipal. Nessa altura, o então proprietário, MM, alterou da toponímia do prédio, inserido, em lugar da antiga Rua (...), n.º 30, a atual Rua (...) e os n.º 77 e 77 A;
PP) Existindo fisicamente três portas para a Rua (...), sendo a primeira com o n.º 77, e três números de polícia constantes de duas descrições do registo predial, não podem suscitar-se dúvidas quanto ao efeito presuntivo que resulta do artigo 7. ° do C.R.P., no sentido de que o prédio que beneficia, na sua composição, das portas com os números de polícia 77 e 77 A correspondem à porta da habitação e da cocheira do mesmo prédio;
QQ) A terceira porta, corresponderá ao número 79, mencionado na outra descrição do registo predial, sendo a porta do prédio cuja construção tem 42 m2 e se aceita pertencer ao Apelado;
RR) O recanto, bem como os demais elementos inseridos no esquema, constam, entre outros, do levantamento topográfico e das fotografias juntas pelo Apelado;
SS) O muro de vedação e o segundo 79 constam da certidão camarária e de muitos outros elementos dispersos pelos autos e não estão questionados por nenhuma das partes;
TT) Ou seja, três portas para três números de polícia, em plena conformidade com os elementos do registo predial;
Por outro lado,
UU) É igualmente certo que a construção identificada no levantamento topográfico de fls. 25 como garagem e arrumos, não foi edificada depois de 2012, ano em que foi outorgada a escritura de permuta que titula a aquisição do Autor e da irmã ao Município;
Logo,
VV) O prédio pertencente ao Autor tem 178 metros quadrados, dos quais 42 m2 correspondem à área da única construção nele edificada e titulada pelo título aquisitivo por si invocado, sendo que o princípio do pedido e da preclusão, impedem o conhecimento pelo Julgador de qualquer outra forma aquisitiva, cujo reconhecimento não haja sido peticionado;
Ainda que assim se não entenda, E sem conceder,
WW) Em face do requerimento do Autor, ajuizado em 16.12.2019, sob a referência CITIUS 16013093, consta dos autos e está documentado que a atual composição da descrição predial e matricial, afirmada na decisão, é total e integralmente diversa daquela que consta no elenco dos factos provados;
XX). Pior, é precisamente aquela que consta negada pelos factos não provados, que o Tribunal a quo tão bem ajuizou;
YY) Primariamente, por violação das regras de repartição do ónus da prova, em face do disposto no n.º 1 do artigo 342° do Código Civil: o Autor sustentou a sua aquisição na presunção registal, única e exclusivamente, pelo que o Julgador bem andou ao afirmar que lhe deve ser reconhecido o direito aos 42 m2 de construção, na área total de 178 m2 que se mostravam conservados à data da propositura da ação, tal como decorrentes da permuta e subsequente partilha com a irmã do prédio urbano em causa nos presentes autos;
ZZ) E era, claramente, o Autor, em cumprimento do mesmo ónus, quem haveria de comprovar, sem margem para qualquer dúvida, a dimensão do respetivo prédio, com base no qual reivindica;
AAA) Ao permitir, pela decisão proferida, que o Autor adquira não o prédio de 178 m2 de área total, com 42 m2 de construção, o qual reivindicada e inscrito a seu favor em 2017, na data da propositura da ação, mas sim o mesmo prédio, atualmente composto por 220 m2, sendo 171,70 m2 de construção e 48,30 m2 de logradouro, constitui um erro de julgamento que, nem mesmo o artigo 611° do C.P.C. admite;
BBB). Mais, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 265° do C.P.C., o Autor tinha o dever e até a obrigação - levado ao extremo o princípio da cooperação e o dever de boa-fé processual - de, ao documentar a alteração da composição do prédio reivindicado - no supra identificado requerimento, prévio ao início da audiência de discussão e julgamento -, fundamento factual da ação, e requerer a alteração do pedido formulado, para que desse lugar à aplicação do artigo 611° do C.P.C.;
CCC) Não o tendo feito, entendemos que o direito se mostra precludido, por violação de norma legal expressa, designadamente, o n.º 1 do artigo 611° e o artigo 265°, ambos do C.P.C.;
DDD) Não nos parece, pois, que a decisão seja nula, na sua essência, nos termos do artigo 615° do C.P.C., mas haverá que declarar o erro na decisão de mérito, quando da mesma resulta a invocada contradição entre o julgamento de facto e o sentenciado;
Por fim,
Quanto ao dano da privação de uso;
EEE) Entende a Meritíssima Juiz a quo aplicável a única corrente jurisprudencial que permitiria o arbitramento de indemnização por via da equidade, por entender a aludida privação como a perda de um direito - utilidade - em si mesmo;
FFF). Salvo o devido respeito por opinião contrária, e tendo o Autor incumprido o ónus da prova dos factos que poderiam consubstanciar um dano concreto, que demonstrasse essa mesma perda de utilidade, parece-nos, que também tal pretensão haveria de proceder, in totum.
Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V Exas., deverá a sentença em crise ser revogada e substituída por decisão que declare procedente a reivindicação, relativamente ao prédio urbano com a composição constante da descrição do registo predial que constitui o doc 1 junto a fls. 16 com a douta Petição Inicial, confirmando nessa parte a restituição provisória ordenada e determinando o desapossamento do Apelado da área coberta cuja porta se situa entre os números de polícia 77 e 79, por ser esta a que presumivelmente se reporta o número 77 A, e absolvendo-se os Apelantes do demais peticionado, julgando assim a ação parcialmente procedente, com custas na proporção, na ação e seus apensos, de % para o Autor, o aqui Apelado, e 'A para os Réus, aqui Apelantes, assim se fazendo a tão costumada, JUSTIÇA!»
Contra-alegou o apelado, propugnando pela improcedência da apelação (fls. 376-390).
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito.[2]
Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes:
i. Impugnação da decisão de facto (conclusões U) e CC) a HH));
ii. Erro de julgamento (AAA a DDD);
iii. Indemnização pela privação de uso (EEE e FFF).
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1. Encontra-se descrito na Conservatória de Registo Predial de Mafra, sob o n.º (...)/20110519 o prédio urbano, sito em Mafra, na Rua (...), 79, com a área total de 178 m2, composto de barracão com lagar com 42 m2 e logradouro, que confronta a norte com Rua (...) e JDC...; sul com herdeiro de MSS..., nascente com logradouro público e MM e poente com JDC..., inscrito na respectiva matriz sob o n.° (...).
2. O referido prédio encontra-se inscrito a favor do Autor por Ap. 2512 de 2017/04/06 por partilha de herança de NN.
3. Previamente o referido prédio esteve inscrito a favor de EE e AA tendo como causa de aquisição permuta celebrada com o Município de Sintra.
4. O referido prédio foi até Março de 1966 de Jaime Hugo Marques, altura em que, por escritura de 25-03-1966 foi adquirido pelo Município de Mafra.
5. Na escritura referida em 4. foi referida, por lapso, a aquisição pelo Município do prédio inscrito na matriz sob o n. (...), quando na realidade a vontade de compradores e vendedores se referida ao prédio inscrito sob o n.° 1255.
6. Não obstante o constante da escritura celebrada e 25-03-1966, o Município de Sintra nunca pretendeu adquirir o prédio sito na Rua De (...), o qual continuou na posse de Jaime José Marques e, posteriormente, dos seus sucessores.
7. Aquando do falecimento de Rui Marques e Nazarena Marques, os herdeiros destes tentaram regularizar a situação do referido prédio tendo o Município de Sintra em reunião de 11 de Junho de 2012 deliberado “A Câmara Municipal, face à factualidade descrita na informação em apreço, e que se considera devidamente fundamentada,(...) que seja celebrada escritura entre o Município de Mafra e VV e GG, permutando o prédio com o artigo matricial (...) da Rua de (...) com o prédio com o artigo matricial 1255 da mesma rua, por ser esta a situação que corresponde à realidade de facto e ter sido sempre esta a vontade expressa do Município”.
8. O referido prédio confronta a nascente com o prédio urbano sito na Rua de (...) 77, 77A, constituído por prédio de 6 divisões e sótão, quintal com poço, casas de arrecadação, telheiro e pocilga, inscrito sob o artigo (...) na matriz predial de Mafra.
9. Os Réus adquiriram em 16-12-2015, por adjudicação em Leilão no âmbito do processo de execução fiscal que correu termos no Serviço de Finanças de Espinho com o n.° (…)o prédio sito na Rua (...) n.° 77, 77A, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Mafra sob o art. (...).
10. Aquando a tomada de posse do imóvel referido em 9., os Réus ocuparam também o prédio referido em 1.
11. Mudando fechaduras e retirando o que se encontrava no seu interior.
12. Assim como levantando o chão existente no logradouro do imóvel.
13. Os Réus foram avisados por populares de que o imóvel pertencia ao Autor tendo prosseguido a sua conduta.
14. Os Réus partiram o muro que dividia o seu prédio (referido em 9) do prédio do Autor (referido em 1.)
15. Tendo igualmente procedido à demolição de anexos localizados no logradouro do prédio.
16. Desde então – e até à decisão tomada em sede de procedimento cautelar – que o Autor ficou privado de aceder ao seu imóvel.
17. Tendo sido retirados do imóvel todos os bens que lá se encontravam e que maioritariamente consistiam em pertences pessoais da sua mãe e bens que um amigo seu lá havia colocado.
18. O Autor chegou a colocar o imóvel à venda junto da imobiliária West Life Lda.
19. Tendo surgido interessados na sua aquisição.
20. Com a aparecimento do litígio com os Réus o Autor resolveu aguardar pela resolução do mesmo.
21. Os Réus chegaram a retirar uma placa localizada no imóvel que anunciava a sua venda.
22. O imóvel adquirido pelos Réus tem a área total descrita de 454 m2, sendo 158 m2 de construção, correspondentes ao r/c e 1.° andar para habitação, sendo ainda composto de quintal com poço, casa de arrecadação, telheiro e pocilga, os quais se situam nas traseiras da casa.
23. O imóvel propriedade do Autor situa-se na lateral do imóvel dos Réus.
24. Nos prédios pertença de Autor e Réus não se encontram afixados números de polícia.
25. O prédio anterior ao dos Réus, do lado nascente, tem o número de polícia 75.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Impugnação da decisão de facto
Sustentam os apelantes que não pode manter-se a redação para o facto provado sob 1 (conclusão U)), devendo acrescer-se a «especificação da data do facto invocado, uma vez que, no decurso da ação [o Autor] obteve diferente composição do mesmo prédio» (fls. 356 v.).
Mais pretendem os apelantes que a redação do facto 8 seja alterada para: «8 - O prédio referido em 1, descrito em 1893, confrontava a nascente com o casas e quintal de FMP… e recanto da dita rua, atualmente confrontando com o prédio urbano sito na Rua (...), 77, 77A, sendo este último constituído por prédio de 6 divisões e sótão, quintal com poço, casas de arrecadação, telheiro e pocilga, inscrito sob o artigo (...) na matriz predial de Mafra, e recanto da mesma rua», constituindo a parte sublinhada o aditamento pretendido ao facto provado sob 8.
Mais sustentam que o facto provado sob 8 é contraditório com o facto provado sob 1, na medida em que neste se refere não uma, mas duas confrontações a nascente do prédio do autor (CC) e DD)).
No que tange a esta apontada contradição, a mesma é aparente e não real. Com efeito, o que está provado no facto provado sob 1 é o teor textual da descrição predial junta a fls. 16, sendo nesta que o tribunal a quo se fundou essencialmente para dar esse facto como provado (cf. fls. 331).
 Questão diversa é a de saber se as confrontações aí indicadas estão atualizadas e corretas, sendo que a certidão predial não faz – de per si -  disso prova. Conforme é jurisprudência pacífica, «A presunção registral não abrange fatores descritivos, como as áreas, limites ou confrontações, cingindo-se apenas à existência do direito e à sua pertença às pessoas em cujo nome se encontra inscrito» (Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18.1.2018, José Rainho, 668/15, de 28.9.2017, Fernanda Isabel Pereira, 809/10). Com pertinência, refira-se também a doutrina do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.12.2019, Graça Amaral, 1808/03, segundo o qual: «VI- As inscrições matriciais não fazem prova plena da localização, da área, da composição, dos limites e das confrontações dos prédios a que se referem, pois que nenhum desses elementos concernentes à identificação física destes é atestado pela autoridade ou funcionários competentes com base nas suas perceções. / VII – Os levantamentos topográficos, as declarações dos municípios e as cartas e plantas cadastrais apenas provam que foram feitas as declarações aí documentadas ou que constam das cartas o que nelas está assinalado, mas já não que corresponda à verdade o seu conteúdo, constituindo documentos sujeitos, nessa parte, à livre apreciação do julgador.» O valor probatório de tais elementos não é vinculativo, mas sujeito à livre apreciação: «(…) nada obsta obviamente a que o juiz, ao decidir a ação real, tenha em conta o teor da descrição predial, enquanto elemento coadjuvante da livre formação da sua convicção acerca da efetiva fisionomia e titularidade dos imóveis em causa» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.2.2016, Lopes do Rego, 6500/07).
Ora, no facto provado sob 8, o tribunal a quo dá como provada a atual confrontação a nascente do prédio a que se reporta o facto 1. Pode argumentar-se apenas que a confrontação a nascente enunciada em 1 está desatualizada, sendo que existem documentos registrais dos quais decorre que, em 28.12.1998, o prédio nº 13793 foi averbado a favor de JJ (fls. 215 e 267), sendo que os Réus adquiriram tal prédio em execução fiscal movida contra os herdeiros daquele (cf. facto 9 e fls. 209 v.). Deste modo, os factos 1 e 8 são complementares e não contraditórios, devendo o dispositivo articulá-los (cf. infra).
O aditamento peticionado ao facto 8 é inócuo porquanto pouco haverá a inferir de uma descrição predial de 1893, sendo certo que a mesma não faz prova por si das confrontações (cf. supra). O que os apelantes poderiam ter impugnado, e não o fizeram, foi o facto não provado sob l) com este teor: «que a área exterior do prédio do autor seja um logradouro público». Este é que é o facto essencial alegado pelos Réus na sua contestação (cf. artigos 23º a 54º da contestação, o qual determinou mesmo a intervenção principal do Município de Mafra). O aditamento pretendido ao facto 8, decorrente designadamente da alegação do artigo 33º da contestação, constitui um facto meramente instrumental/indiciário do facto principal alegado, qual seja, o de que a área exterior do prédio do autor constitui um logradouro público.  Havendo um facto principal alegado que foi julgado não provado, sendo que os apelantes se conformaram com tal decisão de facto (não pedindo a reversão do facto não provado em provado),  não tem qualquer utilidade nem faz sentido ponderar o aditamento como provado de um facto instrumental/indiciário do facto principal cuja não prova está adquirida no processo, sendo que tal corresponderia a uma forma enviesada de reverter a não prova do facto principal, quando, por regra, a prova do facto instrumental é menos exigente do que a prova do facto principal. Os factos instrumentais são objeto de absorção e consunção pelo facto principal atinente (cf. Artigos 5º, nº1, e nº2, al. a), 572º, al. c) e 574º, nº2, parte final, do Código de Processo Civil).
Ademais, a impugnação da decisão de facto – mesmo que procedesse nos termos enunciados pelos apelantes – não é suscetível de interferir na decisão final de mérito, consoante se verá infra no ponto seguinte.
E o direito à impugnação da decisão de facto não subsiste a se mas assume um caráter instrumental face à decisão de mérito do pleito. Deste modo, por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação for insuscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente.[3] Dito de outra forma, o princípio da limitação dos atos, consagrado no Artigo 130º do Código de Processo Civil ,  deve ser observado no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto se a análise da situação concreta evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projete na decisão de mérito a proferir – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.5.2017, Isabel Pereira, 4111/13.
Erro de julgamento
Em 3.5.2017, o autor intentou esta ação de reivindicação contra os Réus, formulando como primeiro pedido o seguinte: «ser reconhecido o direito de propriedade do autor sobre o prédio sito na Rua (...), nº79, freguesia de Mafra, concelho de Mafra, distrito de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o nº (...) e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Mafra, sob o artigo (...), e que corresponde ao prédio restituído provisoriamente pelo tribunal, e os réus sejam condenados a restituírem ao autor, em definitivo, o aludido prédio e se absterem da prática de quaisquer atos lesivos do direito de propriedade do autor».
O pedido assim formulado integra um pedido típico de uma ação de reivindicação.
A ação de reivindicação corresponde à tutela e defesa por excelência do direito de propriedade, tendo a sua consagração legal no Art. 1311º do Código Civil nos termos do qual "O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence". Deste modo, a ação de reivindicação caracteriza-se por dois pedidos: o reconhecimento do direito de propriedade (pronuntiatio) e pela restituição da coisa (condemnatio).
  Nos termos do Art. 581º, nº4, do Código do Processo Civil, a causa de pedir na ação de reivindicação é complexa abrangendo o ato ou facto jurídico de que deriva o direito de propriedade do Autor e a ocupação abusiva do Réu. Assim, se o Autor invocar como título do seu direito uma forma de aquisição originária da propriedade, v.g., usucapião, acessão ou ocupação, incumbe-lhe o ónus de provar os factos de que emerge o seu direito. Tratando-se de uma forma de aquisição derivada, v.g. compra, doação, incumbe ao Autor provar que o direito já existia no transmitente (dominium auctoris) pois quer a compra e venda quer a doação não são constitutivas do direito de propriedade, mas apenas translativas desse direito (nemo plus juris ad alium transferre postest, quam ipse habet). Assim sendo, quando a aquisição for derivada como sucede no caso de transmissão por compra e venda, têm de ser provadas as sucessivas aquisições dos antecessores até à aquisição originária, exceto nos casos em que se verifique a presunção legal da propriedade como a resultante da posse (Art. 1268º do Código Civil) ou a resultante do registo (Art. 7º do Código de Registo Predial). «No âmbito das ações de reivindicação, a prova do direito de propriedade terá de ser feita através de factos dos quais resulte demonstrada a aquisição originária do domínio por parte do reivindicante ou de qualquer dos antepossuidores; quando a aquisição for derivada, terão de ser provadas as sucessivas aquisições dos antecessores até à aquisição originária (exceto nos casos em que se verifique a presunção legal da propriedade, como a resultante da posse ou do registo)» - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5.5.2016, Paulo Sá, 5562/09.
Quanto à presunção da propriedade derivada do registo, dispõe o Art. 7º do Código de Registo Predial que os titulares inscritos no registo predial beneficiam da presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito nos precisos termos em que o registo o define. Ou seja, o registo definitivo do direito de propriedade a favor de uma pessoa constitui presunção de que ela adquiriu o prédio registado de quem era seu legítimo dono e, por isso, a certidão comprovativa do registo supre a falta de alegação de que a coisa reivindicada era propriedade do transmitente.
E na ação de reivindicação compete ao Autor provar que é proprietário do imóvel e que este está na posse ou detenção do demandado e compete a este, se for o caso, provar que é titular de um direito que legitima a recusa de restituição (art. 342º, nº2, do CC). «O ónus da prova respeita aos factos da causa distribuindo-se entre as partes, cabendo ao autor a prova dos momentos constitutivos do facto jurídico (simples ou complexo) que representa a causa desse direito, sendo que o réu não carece de provar que tais factos não são verdadeiros, competindo-lhe, isso sim, a prova dos factos impeditivos ou extintivos do direito do autor, traduzindo-se para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantagens de se ter líquido o facto contrário, quando não logrou realizar essa prova, ou sofrer as consequências, se os autos não tiverem prova bastante desse facto» - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8.10.2020, Oliveira Abreu, 17259/17.
Ora, no caso em apreço, o autor não radicou a causa de pedir numa forma de aquisição originária da propriedade, mas apenas na presunção legal de propriedade derivada do registo a seu favor do imóvel – cf. artigos 1º a 4º da petição. Apesar de referir que «Tal prédio foi herdado da mãe do autor uma vez que já pertencia aos seus avós» (art. 3º), certo é que o autor não alegou cabalmente os factos conducentes à aquisição originária por usucapião.
Em consonância com a causa de pedir adotada, o autor juntou com a petição certidão do registo predial atinente ao prédio reivindicado, inscrito a seu favor. O teor textual de tal certidão foi vertido nos factos provados na sentença sob 1 e 2.
Sucede que, na pendência da ação, o autor logrou levar ao registo, através da Ap. 2913 de 22.9.2017, um averbamento à descrição predial do prédio reivindicado, nos termos do qual passou a constar que: «Área total: 220 m2; Área coberta: 171,7 m2; Área descoberta: 48,3 m2» (certidão junta a fls. 254). Na certidão junta com a petição inicial, a menção correspondente é singelamente: «Área total: 178 m2» (fls. 16).
Radicando a causa de pedir adotada pelo autor na presunção legal de propriedade assente e derivada do registo predial com inscrição a seu favor, o autor só poderia alterar a causa de pedir nos termos enunciados no Artigo 265º, nº1, do Código de Processo Civil, ou seja, «Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação.» No caso em apreço, inexiste qualquer confissão dos réus que desse azo à alteração da causa de pedir.
Assim, o autor – ao formular o requerimento probatório de 16.12.2019, em que requer a junção de múltiplos documentos com um arrazoado de 41 artigos, incluindo nesses documentos a certidão do prédio reivindicado com o averbamento atinente ao aumento da área (fls. 244 e ss.) – mais não fez, neste circunspecto, do que uma alteração encapotada e inadmissível da causa de pedir e, por inerência, do pedido formulado inicialmente. Note-se que o autor não formulou qualquer articulado superveniente para introduzir tal factualidade no processo (cf. Arts. 588º, nº1, e 611º, nº1, do Código de Processo Civil; ABRANTES Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, I Vol., 2020, 2ª ed., Almedina, p. 758).
Deste modo, o tribunal – em obediência ao princípio do dispositivo – não podia conhecer de pedido diverso do legalmente formulado inicialmente (Artigo 615º, nº1, al. e), do Código de Processo Civil) nem conhecer de causa de pedir diferente da invocada pelo autor na petição (cf. Art. 5º, nº1, do Código de Processo Civil). Ou seja, a causa de pedir ficou delimitada pelo autor na petição inicial, louvando-se o autor no teor da certidão predial (que indica uma área total para o prédio de 178 m2) e invocando também a caderneta predial urbana de fls. 17, a qual atribui ao prédio uma área total de 220 m2.
O tribunal a quo, no facto provado sob 1, ateve-se apenas ao teor da certidão predial, sendo certo que deu como não provado que: «k- que o prédio do autor tenha a área de 220 m2». O autor conformou-se com a factualidade provada e não provada na sentença, não apresentando sequer impugnação de tal ponto de facto, o que poderia ter feito (cf. Art. 636º, nº2, do Código de Processo Civil).
Os Réus/apelantes aceitam que o prédio do autor tem uma área total de 178 m2 (cf. artigos 19º, 20º, 76º, 84º da contestação e conclusão VV)), sendo essa a área que está enunciada no facto provado sob 1 (cf. Artigos 607º, nº4, e 663º, nº2, do Código de Processo Civil). O autor não logrou provar que o prédio tem uma área de 220 m2 e conformou-se com tal decaimento. Por sua vez, os Réus não lograram provar: «l) que a área exterior do prédio do autor seja um logradouro público» e conformaram-se com tal facto não provado, não peticionando a sua reversão em facto provado. Na contestação apresentada, o Município de Mafra opôs-se, fundamentadamente, a que tal logradouro se integre no domínio público (fls. 86 e ss.). 
Ora, «Para a procedência da ação de reivindicação não é relevante a demonstração da configuração do prédio reivindicado, sendo bastante a sua localização e área» - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.5.2010, Bettencourt de Faria, 7849/09.
De tudo o que fica exposto decorre que a ação de reivindicação deve proceder, mas balizada pela causa de pedir e pelo pedido enunciados na petição inicial, apenas.
Em conformidade, o dispositivo adotado pela 1ª instância («a) - reconheço o autor como proprietário do prédio urbano sito em Mafra, na Rua (...), n.° 79, composto de barracão com lagar e logradouro e JDC..., sul com herdeiro de MSS..., nascente com o prédio dos Réus e poente com JDC..., inscrito na respectiva matriz sob o n.° (…) e descrito na Conservatória de Registo Predial de Mafra sob o n.° (...)/2010519 e condeno os Réus a reconhecê-lo e a se absterem da prática de quaisquer actos lesivos do direito de propriedade do Autor«) deve ser alterado para: «a) – reconhece-se o autor como proprietário do prédio urbano identificado no facto provado sob 1, consignando-se que, atualmente, tal prédio confina a nascente apenas com o prédio referido no facto provado sob 8, e condena-se os Réus a reconhecê-lo e a absterem-se da prática de quaisquer actos lesivos do direito de propriedade do Autor.»
No petitório das conclusões, peticionam os Réus que este Tribunal da Relação determine «o desapossamento do apelado da área coberta cuja porta se situa entre os números 77 e 79, por ser esta a que presumivelmente se reporta o número 77 A».
Em primeiro lugar, inexistem factos provados dos quais decorra (seja aferível) a  área coberta cuja porta se situa entre os nos. 77 e 79 (cf. factos 1,  8, 9). Em segundo lugar, o pedido formulado integra uma questão nova que não foi colocada ao tribunal de 1ª instância e, conforme já se viu supra, não cabe ao tribunal de recurso apreciar questões novas sob pena de violação do contraditório e do direito de defesa da parte contrária (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2014, Fonseca Ramos, 97/12).
Assim sendo, improcede este pretensão recursória.
Nas conclusões A) a F), os apelantes tecem várias considerações sobre o procedimento cautelar intentanto pela apelado contra os apelantes.
Nesta ação principal, não cabe a este Tribuna da Relação apreciar questões atinentes ao procedimento cautelar, as quais deverão ser aí impugnadas, quando tal for admissível. E, sobretudo, nem o julgamento da matéria de facto, nem a decisão final proferida no procedimento cautelar, têm qualquer influência no julgamento da ação principal (Artigo 364º, nº4, do Código de Processo Civil).
Indemnização pela privação de uso.
Os apelantes sustentam que, não tendo o autor provado um dano concreto que demonstrasse a perda de utilidade do imóvel, o pedido de indemnização pela privação de uso terá de improceder.
Neste circunspecto, a fundamentação adotada pelo tribunal a quo foi essencialmente a seguinte:
«A respeito do dano de privação do uso, à semelhança do que ocorre com a doutrina, também a jurisprudência se dividiu, conhecendo a questão maiores desenvolvimentos em sede de indemnização dos danos decorrentes de acidente de viação relativamente aos veículos automóveis que, definitiva ou temporariamente, ficaram inutilizáveis.
E percorrendo a jurisprudência surpreendemos, essencialmente, duas correntes jurisprudenciais distintas:
i) para uns a simples privação do uso constitui, por si só, um dano indemnizável já que representa, para o seu proprietário, a perda de uma utilidade que é a de usar a coisa quando e como lhe aprouver.
Com efeito, o art.º 1305.º, do C.C. reconhece ao proprietário o direito de gozar de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, direito que só conhece os limites e as restrições legalmente impostos. E no que se refere aos veículos automóveis, como nos dá conta o Ac. do S.T.J. de 29/11/2005, enquanto uns caracterizam este dano, de impossibilidade de dispor do veículo, como não patrimonial, outros defendem que ela consubstancia um dano patrimonial (que cita vasta jurisprudência nesse sentido, in C.J., Acs. do S.T.J., ano XIII, Tomo III págs. 152-153); seguiram esta corrente, ainda v. g. o Ac. do S.T.J. de 28/09/2011 (proferido no Proc.º 2511/07.8TACSC. L2.S1, Cons.º Oliveira Mendes, in www.dgsi.pt); o Ac. da Rel. do Porto de 17/03/2011 (proferido no Proc.º 530/09.9TBPVZ.P1, Desemb. Freitas Vieira); e o Ac. desta Relação de Guimarães de 11/11/2009 (Proc.º 8860/06.5TBBRG.G1, Desemb.ª Isabel Fonseca, também in www.dgsi.pt).
ii) a outra corrente defende que a privação do uso de uma coisa por parte do seu proprietário, que um terceiro cause, somente será ressarcível se aquele cumprir com o ónus da prova do dano concreto e efectivo que decorreu da privação. Para estes a mera privação não é indemnizável.
Exemplares desta corrente, v.g., o Ac. do S.T.J. de 30/10/2008, onde se escreveu: “o dano como a diferença entre o património actual realmente existente e aquele que existiria se não fosse a lesão danosa do artº 566º do C. Civil, implica que apenas sejam indemnizáveis os danos em concreto realmente verificados” e prossegue “a privação duma utilidade do património pode ou não constituir um dano, conforme acabe por diminuir ou não o mesmo acervo patrimonial” (in Proc.º 08B2662, Cons.º Bettencourt de Faria, com texto integral in www.dgsi.pt). O Ac. do mesmo Alto Tribunal de 15-11-2011 (Processo: 6472/06.2TBSTB.E1.S1, Cons.º MOREIRA ALVES, também em www.dgsi.pt), que vem assim sumariado (na parte que ora importa): I - A privação injustificada do uso de uma coisa, pelo respectivo proprietário, pode constituir um ilícito susceptível de gerar obrigação de indemnizar, uma vez que, na normalidade dos casos, o impedirá do exercício dos direitos inerentes ao domínio, isto é, impede-o de usar a coisa, de fruir as utilidades que ela normalmente lhe proporcionaria, de dela dispor como melhor lhe aprouver, violando o seu direito de propriedade. II - Podem configurar-se situações em que o titular não tem interesse em usar a coisa, não pretende retirar dela as utilidades ou vantagens que a coisa lhe poderia proporcionar ou, pura e simplesmente, não usa a coisa. III - Se o titular não aproveita das utilidades que o uso normal da coisa lhe proporcionaria, também não existirá prejuízo ou dano decorrente da privação ilícita do uso, visto que, na circunstância, não existe uso e, não havendo dano, não há obrigação de indemnizar. IV - Competindo ao lesado provar o dano ou prejuízo que quer ver indemnizado, não chega alegar e provar a privação da coisa, mostrando-se ainda necessário alegar e provar que a usava normalmente, que dela retirava as utilidades (ou alguma delas) que lhe são próprias e que deixou de poder usá-la, em virtude da privação ilícita.
Encontra-se ainda o que pode ser havida como uma via intermédia, ou corrente iii) segundo a qual a simples privação do uso do bem não basta para justificar a indemnização mas também o essencial é que se prove a frustração de um propósito real e concreto de proceder à sua utilização, não se exigindo a prova de danos efectivos.
Exemplo desta terceira via é o Ac. do S.T.J. de 06/05/2008 (Proc.º 08A1389, Cons.º Sebastião Póvoas, in www.dgsi.pt) que decidiu: A mera privação (de uso) do prédio reivindicado, impedindo, embora, o proprietário do gozo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição nos termos do artigo 1305.º do Código Civil, só constitui dano indemnizável se alegada e provada, pelo dono, a frustração de um propósito, real, concreto e efectivo de proceder à sua utilização, os termos em que o faria e o que auferiria, não fora a ocupação-detenção, pelo lesante.
Sem embargo, temos para nós, ressalvado o devido respeito por entendimento divergente, que a simples privação do uso, como na situação sub judicio, ostensivamente contra a vontade do proprietário, consubstancia um dano porque só ele tem o direito de fruir a coisa que lhe pertence e de a utilizar quando lhe aprouver.
Do exposto se conclui que a Apelante tem direito a ser ressarcida do dano consubstanciado na privação do uso do terreno, sendo apodíctico o nexo de causalidade entre este dano e a acção cometida pela Ré.
(…)
Sendo o princípio o da reconstituição natural e se esta não for possível ou não reparar integralmente os danos ou for excessivamente onerosa para o devedor recorrer-se-á à fixação de uma importância em dinheiro - cfr. artº. 566º., ainda do C. C.
(…)
Posto que a equidade, pressupondo que se julgue dentro dos limites que se tiverem por provados, permite fazer a justiça do caso concreto, considerando que a culpa leve dos Réus, o tempo decorrido desde a aquisição do prédio até ao momento, vamos ficcionar uma importância residual de valor locativo do barracão, o que até à presente data perfaz a quantia de € 2 000,00 (dois mil euros).»
O dano da privação do uso tem vindo a ser analisado pela doutrina e jurisprudência a propósito da privação do uso por parte do proprietário de imóvel.
Conforme se sintetiza no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.7.2018, Acácio das Neves, 2875/10, na doutrina existem basicamente duas posições: «(…) uma, no sentido dominante, segundo a qual, para além da prova da privação do uso, deve o lesado alegar e provar uma concreta utilização relevante do bem (citando nesse sentido, Paulo Mora Pindo, in Interesse Contratual Positivo e Interesse Contratual Negativo, I, 594 e ss., e Maria da Graça Trigo in Responsabilidade Civil, Temas Especiais, 64; e na jurisprudência, entre outros, os ac.s do STJ de 10-1-2012 e 3-5-2011, ambos in www.dgsi.pt.): - e outra que defende que basta a alegação e prova da simples privação do uso para se reconhecer o direito a indemnização, reservando-se o não reconhecimento daquele direito para situações em que tenha ficado provado que a concreta privação do uso do bem não traduz, na esfera do respetivo titular, um dano patrimonial relevante (segundo Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, I, 11ª ed., 301, e Abrantes Geraldes, in CDPrivado, Responsabilidade Civil, 137 e ss., e, entre outros, os ac.s do STJ de 16-6-2009 e 6-5-2008, in www.dgsi.pt).». Neste mesmo aresto, é afirmado que a posição dominante no STJ é a de que a mera privação do uso da coisa não é indemnizável, devendo o lesado alegar e provar a privação do uso da coisa por ato ilícito de terceiro e a existência de uma concreta utilização relevante da coisa.
Paulo Mota Pinto, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, Vol. I, pp. 594-596, afirma que: «O dano da privação do gozo ressarcível é, assim, a concreta e real desvantagem resultante da privação do gozo, e não logo qualquer perda da possibilidade de utilização do bem – a qual (mesmo que resultante de uma ofensa direta ao objeto, e não apenas de uma lesão no sujeito) pode não ser concretizável numa determinada situação.»
Na jurisprudência, são múltiplos os arestos em que a questão já foi analisada, referindo-se de seguida alguns que se têm por mais relevantes.
 Temos como judiciosa e pertinente a análise feita no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.3.2003, Abrantes Geraldes, 683/03, www.colectaneadejurisprudencia.com que passamos a transcrever:
“O ressarcimento da privação do uso de um bem, como dano autónomo de natureza patrimonial, é questão que, malgrado a sua frequência na sociedade, permanece bastante arredada da discussão doutrinal ou judiciária em torno dos pressupostos da responsabilidade civil.
Tal questão já foi objeto de mais alargadas considerações noutro local,( (1) ) bastando coligir os argumentos que, relativamente ao caso concreto, tenham mais pertinência.
A respeito dela se divisam duas conceções antagónicas:
- A defendida pelos apelantes, no sentido de que a indemnização exige que o lesado prove a concreta existência de prejuízos decorrentes do não recebimento de rendas que o imóvel lhe teria proporcionado caso o mesmo não estivesse ocupado pelos RR;( (2) )
- A outra, assumida na sentença, assente no pressuposto de que a simples privação ilegal do uso já integra um prejuízo de que o proprietário deve ser compensado, em última análise, com recurso às regras da equidade.( (3) )
3. A questão genericamente enunciada aflora mais frequentemente em sede de acidentes de viação de que resulta para o lesado a privação do uso de veículos. Porém, a vida real comporta outras situações onde a mesma irrompe, designadamente quando uma das partes incumpre a obrigação de entrega à outra da coisa vendida (responsabilidade contratual) ou quando, como no caso concreto, alguém retém ilegitimamente um imóvel pertencente a outrem.
A resposta que tem sido dada parte basicamente da aplicação da teoria da diferença:
- Quando a indemnização é negada alega-se a falta de prova de uma diferença patrimonial entre a situação constatada no momento da decisão e a que existiria se não ocorresse o evento;
- Inversamente, a afirmação é sustentada pela constatação naturalística de que a privação do uso de uma coisa, inibindo o proprietário ou detentor de exercer sobre a mesma os inerentes poderes, constitui uma perda patrimonial que deve ser considerada, tudo se resumindo à deteção do método mais adequado para a quantificação da indemnização compensatória.
4. Contra a admissibilidade da indemnização do dano da privação do uso invoca-se frequentemente a sua natureza abstrata, contraposta ao facto de a responsabilidade civil exigir a produção de um dano concreto cuja medida serve para quantificar a indemnização.
É um facto que só os danos concretos merecem ser ressarcidos. Todavia, isso não significa que o chamado "dano da privação do uso" deva incluir-se na categoria do dano abstrato, sob pena de se afrontarem juízos assentes em padrões de normalidade.
Esta integração é contrariada pela simples verificação de que a impossibilidade de fruição de um bem próprio, em consequência de uma atuação ilícita de outrem, determina um corte temporal no legítimo direito de fruição. Reportando-se a privação a um determinado período e sendo o direito de propriedade também integrado pelo direito de fruição, aquela traduz-se, em termos práticos, num corte temporalmente definido e naturalmente irrecuperável nesse poder de fruição.
Quanto às dificuldades suscitadas pela adoção da teoria da diferença, como critério determinativo da indemnização, podem ser superadas se se evidenciar que o plano da quantificação não deve confundir-se com o da ressarcibilidade em que, por ora, nos situamos. No percurso metodológico da aplicação da lei este situa-se a montante, sendo reflexo da mera perda, ainda que temporária, dos poderes de fruição; já a quantificação comporta uma mera operação material, situada a jusante, destinada a avaliar, em termos pecuniários, o desequilíbrio patrimonial causado pela privação.
5. A simples invocação das regras da experiência quando se estabelece a comparação entre a situação do proprietário que manteve intacto o seu poder de fruição e a de um outro que dele seja privado temporariamente permite concluir que não existe entre ambas uma equivalência substancial. Verificando-se uma lacuna de natureza patrimonial, correspondente à fatia de poderes de que o proprietário ficou privado, é com naturalidade que deve ser encarada a atribuição de uma compensação monetária, face à constatação de que o simples reconhecimento da ilegitimidade da privação e a condenação na restituição do bem são insuficientes para repor a situação do lesado no estado em que se encontraria caso não tivesse existido tal privação.
Uma vez que o sistema atribui ao lesado o direito à reconstituição natural da situação, a recomposição da situação danosa reclama que, pela única via então possível, ou seja, pela atribuição de um equivalente pecuniário, o lesado consiga ser reintegrado. Dito de outro modo, se a privação do uso do bem durante um determinado período origina a perda das utilidades que o mesmo era suscetível de proporcionar e se tal perda não pode ser reparada mediante a forma natural de reconstituição, impõe-se que o responsável compense o lesado na medida equivalente.
A prova da ocorrência de danos concreta e diretamente imputáveis à privação é solução que se justifica quando o lesado pretenda obter o ressarcimento dos lucros cessantes, pelos "benefícios que deixou de obter", nos termos do art. 564º, nº 1, do CC. Porém, não se esgotam aí as possibilidades de ressarcimento que abarca também, com os danos emergentes, no segmento normativo referente ao "prejuízo causado", a privação do uso.
Considerando que o direito de propriedade integra, como um dos seus elementos fundamentais, o poder de exclusiva fruição, e que isso envolve até o direito de não usar,( (4) ) a privação do uso reflete o corte definitivo e irrecuperável de uma "fatia" desses, justificando-se, assim, o ressarcimento que supra a modificação negativa que a privação do uso determina na relação entre o lesado e o seu património.
6. A análise mais detalhada do problema foi da iniciativa de Júlio Gomes que num Estudo intitulado "O Dano da Privação do Uso"( (5) ) deixou subentendida a adesão à valoração autónoma daquele dano no âmbito da nossa ordem jurídica.( (6) )
Ainda que a questão permaneça algo adormecida na doutrina e na jurisprudência nacionais, a tese que assumimos é defendida expressamente assumida por Menezes Leitão.( (7) )
E numa época em que a globalização também se reflete no modo como são regulamentados certos institutos jurídicos, ganha especial relevo o modo como a questão tem sido abordada noutros quadrantes jurídicos.
Ora, na Alemanha, perante textos legais inconclusivos e face às dificuldades de superação dos obstáculos impostos à integração da privação do uso na categoria de danos de natureza não patrimonial, a jurisprudência alemã avançou com a sua ressarcibilidade a título de danos patrimoniais, atribuindo ao seu titular um quantitativo correspondente ao valor comercial ou corrente do uso de que o lesado tenha ficado privado.( (8) )
Também assim, em Itália,( (9) ) França, ( (10) ) Espanha ( (11) ) e Reino Unido. ( (12) )
7. Em suma, desde que a violação do direito de propriedade, acompanhada da privação do uso, constituem facto ilícito deve, em regra, conceder-se ao lesado a correspondente indemnização.( (13) )
A medida do ressarcimento pode variar de acordo com os reflexos casuisticamente imputáveis ao evento. Mas, salvo situações excecionais resultantes de factos concretamente apurados, àquela situação de carência corresponderá a atribuição de uma compensação monetária.”
Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, a ressarcibilidade do dano da privação de uso tem sido acolhida, mas nem sempre de modo uniforme. A título exemplificativo, enumeram-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, por ordem cronológica.
Acórdão de 7.4.2005, Alves Velho, Revista 306/05: «O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direito de uso, fruição - aproveitamento dos frutos materiais e jurídicos - e disposição das coisas que lhe pertencem, respondendo o possuidor de má fé perante aquele pelo valor dos frutos que um proprietário diligente poderia ter obtido - art.ºs 1305 e 1271 do CC. Está, deste modo, legalmente estabelecido o critério indemnizatório do ato ilícito cometido pelo possuidor de má fé, por remissão para o valor dos frutos que a coisa podia produzir. Consequentemente, valor locativo (renda) de um prédio urbano é elemento do cômputo do dano resultante da privação do respetivo gozo, correspondente aos frutos civis que a coisa podia produzir.»
Acórdão de 23.9.2008, Moreira Camilo, 2363/08, www.colectaneadejurisprudencia.com, foi adotado o seguinte entendimento:
“O dano consubstancia-se, assim, na privação do gozo da coisa pela respetiva proprietária.
O valor locativo (renda) é apenas um elemento de cálculo desse dano, correspondente aos frutos civis que a coisa é suscetível de produzir (artigo 212º, nº 2, do Código Civil).
Tudo isto decorre do disposto nos artigos 1305º e 1271º do mesmo Código.
Na verdade, o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição - aproveitamento dos frutos materiais e jurídicos - e disposição das coisas que lhe pertencem, respondendo o possuidor de má fé perante aquele pelo valor dos frutos que um proprietário diligente poderia ter obtido.
Mostra-se, pois, legalmente estabelecido o critério indemnizatório do facto ilícito cometido pelo possuidor de má fé, por remissão para o valor dos frutos que a coisa podia produzir, de harmonia com o que, em termos gerais, se prescreve nos preceitos referentes à responsabilidade por factos ilícitos e à obrigação de indemnização (cf. artigos 483º a 498º e 563º e 564º, nº 1, do Código Civil).
Infere-se, assim, que não é necessário que o lesado alegue e demonstre quais os concretos fins ou utilidades que visava com o bem, assim como os reflexos que isso teve no seu património.”
Acórdão de 10.9.2009, Oliveira Vasconcelos, 331/09, www.colectaneadejurisprudencia.com , “A indemnização pelo não uso é devida, independentemente da prova de qualquer dano sofrido pelo proprietário”.
No Acórdão de 12.1.2010, Paulo Sá, 314/06, entendeu-se que o proprietário privado por terceiro do uso de uma coisa tem, por esse simples facto e independentemente da prova cabal da perda de rendimentos que com ela obteria, direito a ser indemnizado por essa privação, indemnização essa a suportar por quem leva a cabo a privação em causa. A privação do uso constitui uma ofensa ao direito de propriedade na medida em que a livre disponibilidade do bem é inerente ao direito de propriedade constitucionalmente consagrado (Artigo 62º da Constituição).
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3.10.2013, Orlando Afonso, 9074/09: «A privação de um bem (no caso um imóvel), por turbação ou esbulho não confere, sem mais, direito a indemnização ao possuidor restituído, havendo este que fazer prova da existência de prejuízos reparáveis, quer na forma de danos emergentes, quer de lucros cessantes ou ainda de danos não patrimoniais.»
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.4.2019, Hélder Roque, 685/03: «A questão da ressarcibilidade da «privação do uso» não pode ser apreciada e decidida, em abstrato, aferida pela mera impossibilidade objetiva de utilização da coisa, porquanto a mera privação do uso do bem, independentemente da demonstração de factos reveladores de um dano específico emergente ou de um lucro cessante, é insuscetível de fundar a obrigação de indemnização, no quadro da responsabilidade civil.»
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.5.2019, Graça Amaral, 14/14: «O direito de indemnização por parte do proprietário de imóvel ocupado ilegitimamente encontra respaldo no instituto do enriquecimento sem causa quando não tenha sido possível demonstrar a existência de dano enquanto pressuposto da responsabilidade civil extracontratual.»
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.10.2019, Olindo Geraldes, 2458/15: «O dano, pela privação do uso, resulta do facto ilícito e culposo, de modo que, enquanto subsiste aquele facto, há sempre dano, porquanto quem, com legitimidade, vinha fruindo a coisa, está impedido de o fazer, nomeadamente por efeito do facto ilícito.»
No caso em apreço, estão preenchidos os requisitos da posição mais exigente acima enunciada, a qual demanda a prova de uma concreta utilização relevante do imóvel. Com efeito, o autor tinha bens no imóvel, designadamene pertences pessoais da sua mãe e bens lá colocados por um amigo, os quais foram removidos pelos Réus que, inclusivamene mudaram as fechaduras ( factos 10, 11, 17). O autor chegou a colocar o imóvel à venda numa imobiliária, tendo surgido interessados, mas o autor não deu seguimenteo a esse intuito porquanto com o aparecimento do lítigio, o autor resolveu aguardar pela resolução do mesmo ( factos 18 a 20). Ou seja, houve uma privação efetiva da concreta fruição que o autor fazia do imóvel, bem como uma restrição aos poderes de disposição do imóvel, determinada pela ocupação e litígio derivado da conduta dos Réus.
Não se tendo apurado o valor exato dos danos, haverá que fixar a indemnização por equidade (cf. Artigo 566º, nº3, do Código Civil).
Nas palavras de MENEZES CORDEIRO, “A decisão segundo a equidade”, in O Direito, Ano 122º, 1990, I, pp. 272-273, o julgamento de equidade, pese embora o maior empirismo e intuição que apresenta , será «(...) em última análise, sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar determinado problema perante um conjunto articulado de proposições objetivas”, proposições essas que estarão na base de qualquer convencibilidade da própria decisão de equidade e que o próprio Direito permite conhecer. E continua:” É, assim, possível fazer apelo ao razoável, ao equilíbrio entre as partes e à justa repartição de encargos. De modo paralelo, afastar-se-ão os obstáculos formais ou os argumentos hábeis mas, predominantemente, técnico-jurídicos, procurando antes ponderar os interesses globais das partes.”
Julgar segundo a equidade implica, de acordo com a especificidade do caso concreto, suprir a parcial falta de factos com os princípios gerais de justiça e os ditames da consciência do julgador, sem que se chegue a um livre arbítrio – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.7.97, Sousa Inês, BMJ nº 469, p. 524.
Nesta senda, o valor fixado pelo tribunal a quo de € 2.000 afigura-se-nos adequado e proporcionado face aos danos causados ao autor.
A fundamentação autónoma da condenação em custas só se tornará necessária se existir controvérsia no processo a esse propósito (cf. art. 154º, nº1, do Código de Processo Civil; Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 303/2010, de 14.7.2010, Vítor Gomes, e 708/2013, de 15.10.2013, Maria João Antunes).
DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência:
a) Revoga-se o dispositivo da sentença impugnada sob a));
b) Reconhece-se o autor como proprietário do prédio urbano identificado no facto provado sob 1, consignando-se que, atualmente, tal prédio confina a nascente apenas com o prédio referido no facto provado sob 8, e condena-se os Réus a reconhecê-lo e a absterem-se da prática de quaisquer actos lesivos do direito de propriedade do Autor;
c) Mantém-se, no mais, o decidido em primeira instância.
Custas pelos apelantes e pelo apelado, na vertente de custas de parte, na proporção de 1/5 e 4/5, respetivamente (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº6 e 663º, nº2, do Código de Processo Civil).

Lisboa, 2.2.2021
Luís Filipe Sousa
Carla Câmara
José Capacete                           
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[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., 2018, p. 115.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 119.
Neste sentido, cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, de 10.12.2015, Melo Lima, 677/12, de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, de 17.11.2016, Ana Luísa Geraldes, 861/13, de 22.2.2017, Ribeiro Cardoso, 1519/15, de 25.10.2018, Hélder Almeida, 3788/14.
[3] Cf.: Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 24.4.2012, Beça Pereira, 219/10, de 14.1.2014, Henrique Antunes, 6628/10, de 27.5.2014, Moreira do Carmo, 1024/12; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 3.10.2019, Paulo Reis, 582/17; Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23.1.2020, Tomé Gomes, ECLI:PT:STJ:2020:4172.16.4T8FNC.L1.S1., de 24.9.2020, Graça Trigo, 127.16, ECLI; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14.7.2020, Rita Romeira, 1429/18.