Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANA MARISA ARNÊDO | ||
Descritores: | QUEIXA PARTICIPAÇÃO CRIMINAL PRAZO DE CADUCIDADE TERMO DO PRAZO NO FIM DE SEMANA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/02/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
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Sumário: | (da responsabilidade da relatora): I. Tem sido entendido unanimemente na doutrina e na jurisprudência que o prazo para o exercício da queixa é um prazo de caducidade, de natureza substantiva (por contraposição aos prazos de natureza processual ou judicial) e, por conseguinte, sujeito às regras de contagem insertas no art. 279º do C.C. II. Se é certo que o art. 279º do C.C. não previne regra específica a propósito das situações em que o termo do prazo ocorre num Sábado (ao invés do que se verifica relativamente aos Domingos e feriados), a verdade é que a jurisprudência tem vindo a sustentar, em uníssono, que tal omissão se deve, única e exclusivamente, à circunstância de, aquando da aprovação do Código Civil, as secretarias judiciais estarem abertas aos Sábados, impondo-se, pois, a plena equiparação do Sábado aos Domingos e Feriados, para os efeitos do regime previsto na al. e) do citado art. 279º. III. A possibilidade de apresentação da queixa junto do O.P.C. em qualquer dia ou hora, por se tratar de uma faculdade e não de uma obrigatoriedade, não obsta a que também se conclua que coincidindo o termo do prazo legal para a apresentação da queixa-crime com um Sábado (de acordo com as regras da hermenêutica, por identidade de ratio normativa com o prevenido relativamente aos Domingos e feriados) o mesmo se transfere para o primeiro dia útil seguinte. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: I. RELATÓRIO 1. Nos autos em referência, em 9 de Janeiro de 2024, foi proferido pela Sra. Juíza de Instrução, a seguinte decisão instrutória: «Declaro encerrada a instrução. *** I – Relatório Nos presentes autos a arguida AA, requereu a abertura de instrução na sequência da prolação do despacho de acusação que lhe imputou a prática em autoria material, de 1 (um) crime de ofensa à integridade física por negligência, p e p pelo art. 148º, nº 1 do Código Penal. Como fundamentos, invocou a caducidade do direito de queixa, alegando que os factos destes autos terão ocorrido no dia 29-4-2022, data em que a queixosa BB tomou conhecimento dos mesmos. A queixa crime foi apresentada através de carta com carimbo de expedição de 31-10-2022, que deu origem aos presentes autos, é extemporânea atendendo a que o prazo de seis meses a que alude o art. 115º, nº 1 do Código Penal, ocorreu às 24 horas do dia 29-10-2022. Conclui que, quando a queixosa apresentou queixa crime, já o seu direito havia caducado. Mais alegou que, face à caducidade do direito de queixa, carecia o Ministério Público de legitimidade para instaurar o presente procedimento criminal. Em acréscimo, entende a arguida que não se verificam os elementos do tipo de crime de que vem acusada. Conclui pugnando pela prolação de despacho de não pronúncia. * * Não tendo sido determinada a realização de quaisquer actos de instrução/diligências de prova, procedeu-se a debate instrutório com observância das formalidades legais, conforme melhor se alcança da respectiva acta. * II - Saneamento O Tribunal é competente. * Da invocada caducidade do direito de queixa: Cumpre apreciar e decidir, se a queixa constante dos autos é, ou não, extemporânea. Resulta dos autos que: - Os factos denunciados pela ofendida, ocorreram no dia 29-04-2022, data em que a mesma tomou conhecimento dos mesmos; - A ofendida apresentou queixa crime em 31-10-2022 (cfr. fls. 41). * Como sabemos, no nosso sistema penal, o legislador considerou que, relativamente a certos crimes (de natureza particular e semi-públicos, como é o crime de ofensa à integridade física por negligência, p e p pelo art. 148º, nº 1 do Código Penal, de que a arguida vem acusada), a existência de um procedimento criminal respectivo em tribunal está dependente da existência de uma queixa apresentada (em regra) pela respectiva pessoa ofendida, dentro do prazo de 6 meses a contar (em regra) da data em que essa teve conhecimento do facto e dos seus autores – conforme preveem expressamente o art.º 50º, nº 1, do Código de Processo Penal e os art.ºs 113º, nº 1, e 115º, nº 1, do Código Penal. Nestes casos, a queixa da pessoa ofendida é um pressuposto positivo indispensável para uma eventual punição do agressor, na medida em que sem ela nem sequer haverá procedimento criminal. Sendo a queixa feita através de requerimento no qual a pessoa ofendida exprime a sua vontade de que se verifique procedimento penal por alegado crime cometido contra ela. Sendo atendida como data da queixa aquela que conste como data de registo de entrada da queixa em tribunal. Sendo que, para efeitos de cálculo, esse prazo é um prazo de caducidade (conforme prevê o art.º 298º, nº 2, do Código Civil), de natureza substantiva uma vez que (até haver queixa) ainda não existe um processo. Estando a sua contagem sujeita ao disposto no art.º 279º “ex vi” do art.º 296º ambos do CC, nomeadamente, quanto ao seu início de contagem, onde não se inclui o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr e, quanto ao seu termo, tal como resulta do Acórdão de fixação de jurisprudência do STJ, de 18/4/2012 (do Exmº. Juiz Conselheiro relator Pires da Graça) publicado na dgsi, este prazo de 6 meses termina às 24 horas do dia que no sexto mês subsequente, corresponda ao próprio dia em que o respetivo titular tiver tido conhecimento do facto e do seu autor, que não no dia seguinte àquele. Findo esse prazo, extingue-se o respectivo direito de queixa do ofendido. Sendo esse prazo de 6 meses aquele que o legislador considerou suficiente para que o ofendido, conhecendo os factos e os seus autores, decida se quer, ou não, formular uma queixa crime respectiva contra os mesmos. E, em caso afirmativo, impondo-se que o faça dentro desse prazo, cujo termo inicial é aquele simples conhecimento naturalístico dos alegados factos e dos alegados autores. Pois, atenta a natureza dos alegados crimes, não se justificaria que o titular do direito de queixa pudesse exercê-lo a todo o tempo, sem qualquer limite temporal, nomeadamente por ódio ou vingança. Do supra exposto resulta que o exercício do direito de queixa, não é um acto processual e a queixa é um pressuposto processual positivo da punição. Assim, voltando ao caso dos autos, o evento que determina o inicio da contagem do prazo de seis meses a que alude o art. 115º, nº 1 do Código Penal, é o dia 29 de Abril de 2022, e o seu términus corresponde ao dia 29 de Outubro de 2022, (cfr. Acórdão do STJ de fixação de jurisprudência de 18-4-2012), consequentemente, em 31 de Outubro de 2022 a queixa crime foi apresentada pela denunciante para além do prazo legal de 6 meses, sendo, por isso, manifestamente extemporânea. Nos crimes semipúblicos e particulares a promoção do procedimento criminal pelo Ministério Público, está condicionada pela queixa das pessoas para tal legitimadas; sem a queixa o Ministério Público carece de legitimidade para promover o processo. Sendo procedente a invocada caducidade do direito de queixa, nos termos supra expostos, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no requerimento de abertura de instrução. * III - Decisão Em face do exposto, julgando procedente a caducidade do direito de queixa, decido NÃO PRONUNCIAR, a arguida AA, pela prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p e p pelos arts. 148º, nº 1 do Código Penal. * * Sem custas. Oportunamente, arquive-se» 2. A assistente BB interpôs recurso desta decisão. Extrai da respectiva motivação as seguintes conclusões: «1. Vem o presente recurso interposto da decisão instrutória de 09.01.2024, que julgou procedente a caducidade do direito de queixa, decidindo não pronunciar a Arguida pela prática de um crime de ofensa à integridade física, por negligência, de que a mesma vinha acusada, previsto e punível pelos artigos 1480, fl.o 1, do Código Penal. 2. A decisão recorrida não se pronunciou sobre a verdadeira questão de fundo que estava em causa, e que havia sido invocada pela Arguida no requerimento de abertura de instrução, fundamentando-se num acórdão para fixação de jurisprudência que versa sobre uma questão diferente de direito. 3. Os factos denunciados pela Assistente, ocorreram no dia 29.04.2022, data em que a mesma tomou conhecimento dos mesmos, sendo certo que a mesma apresentou queixa crime em 31.10.2022 (segunda-feira). 4. O Tribunal de Instrução limitou-se a considerar que o prazo de 6 (seis) meses para apresentação da queixa, a que alude o artigo 115º, n.º 1, do Código Penal, terminou "... às 24 horas do dia que no sexto mês subsequente corresponda ao próprio dia em que o respectivo titular tiver tido conhecimento do facto e do seu autor, que não no dia seguinte àquele", ou seja, o terminus do prazo ocorreu no dia 29.10.2022. 5. Para fundamentar esta decisão, o Tribunal recorrido invocou o artigo 279º do Código Civil, bem como o já referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18.04.2012, no qual se fixou a seguinte jurisprudência: "O prozo de seis meses para o exercício do direito de queixa, nos termos do artigo 115º, n.º 1, do Código Penal, terminava às 24 horas do dia que corresponde, no sexto mês seguinte, do dia em que o titular desse direito tiver tido o conhecimento do facto e dos seus autores; mas, se nesse último mês não existir dia correspondente, o prazo finda às 24 horas do último dia desse mês." 6. O prazo de 6 (seis) meses para apresentação de queixa é um prazo de caducidade, de natureza substantiva, sendo que as regras relativas à sua contagem vêm determinadas no artigo 279º do Código Civil, e, de acordo com o disposto nas als. b) e c), o dia a quo é o dia 29 de Abril de 2022, data em que ocorreram os factos denunciados pela Ofendida, e o dia ad quem será o dia 29 de Outubro de 2022, por ser esse o dia que corresponde, no sexto mês seguinte, ao dia em que a Ofendida teve conhecimento dos factos. 7. Sucede que o dia 29 de Outubro de 2022 corresponde a um sábado, tendo a queixa crime sido apresentada no primeiro dia útil seguinte (segunda-feira, dia 31 de Outubro de2022), pelo que a questão que está em causa no caso sub judice é a de saber se, no caso do dia ad quem coincidir com um sábado, há-de o mesmo transferir-se para o primeiro dia útil seguinte, à semelhança do previsto no artigo 279º al. e) do Código Civil, para os domingos e feriados. B. Quanto à contagem do prazo, nomeadamente no que respeita à determinação do dia ad quem, não é a unânime a interpretação dada pela doutrina e na jurisprudência às als. b) e c) do artigo 279º do Código Civil, já que são muitos os autores e acórdãos que defendem que, tendo em conta que o prazo apenas se inicia no dia seguinte ao dia do conhecimento do evento, tal prazo terminará às 24 horas do dia em que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, ao dia em que começou a contar (ou seja, o dia seguinte ao conhecimento do facto). 9. Se aderirmos a este entendimento, verificamos que, no caso em apreço, a prazo terminou no dia 30 de Outubro de2022, que corresponde a um domingo, pelo que, nos termos da al. e) do artigo 279º do Código Civil, se transferiria para o primeiro dia útil seguinte (segunda-feira, dia 31 de Outubro). 10. Sendo, assim, forçoso concluir pela tempestividade do exercício do direito de queixa, apresentada no dia 31 de Outubro de 2022. 11. Mas mesmo que se entenda que o dia ad quem ocorreu às 24 horas do dia correspondente ao sexto mês seguinte ao dia em que o titular do direito tiver tido conhecimento do facto, ou seja, no dia 29 de Outubro de 2022 (sábado), teríamos sempre que considerar que a queixa apresentada no primeiro dia útil seguinte (segunda-feira) foi tempestiva. 12. Isto porque os sábados, enquanto dias não úteis, são equiparáveis, nos termos e para efeitos da citada disposição legal, aos domingos e feriados. 13. A jurisprudência dos tribunais portugueses tem sido unânime em considerar que a aplicação do preceito legal aos sábados é evidente, pois a razão de ser da lei é a mesma dos feriados e domingos, já que o sábado é um dia não útil em que as secretarias judiciais se encontram encerradas. 14.Para se compreender a razão de ser do artigo 279º, al. e), do Código Civil, é fundamental analisá-lo à luz do contexto histórico existente aquando da sua elaboração, sendo que, tal como é salientado pelo Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 13.03.1991, "O citado artigo 279" não prevê o sábado no termo do prozo, pois no domínio do Código Civil, as secretarias judiciais estavam abertos aos sábados. Tal só veio a ser alterado pela lei 35/80, de 29 de Julho. Mas a aplicação do preceito aos sábados é evidente, pois que a razão de ser da lei é o mesmo dos feriados e domingos, e por estarem fechadas os secretarias judiciais." 15. Com efeito, resulta do artigo 9º do Código Civil que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir o pensamento legislativo, tendo, sobretudo, em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. 16. Veja-se, igualmente, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido no proc. 2325/11.7TASTB-A.E1, de 25.05.2012, que se pronunciou precisamente sobre uma situação em que o terminus do prazo para o exercício do direito de queixa ocorria num sábado, considerando-se que o prazo se transferia para o primeiro dia útil seguinte, citando-se, em nota de rodapé, o já referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 18.04.2012, referindo-se que o mesmo "...uniformizou jurisprudência no sentido acabado de decidir". 17. Se o legislador pretendia, em 1966, que o prazo para o exercício do direito de queixa, que terminava num domingo ou dia feriado, se transferisse para o 1º dia útil seguinte (não obstante, então como agora, os postos policiais estivessem abertos nesses dias) tal só poderia ter como razão válida o facto de as secretarias judiciais se encontrarem, nesses dias, encerradas. 18. Assim, encontrando-se actualmente as secretarias judiciais fechadas aos sábados, uma interpretação actualista do artigo 279º do Cód. Civil, obriga a que se dê idêntico tratamento ao prazo que termine nesse dia. 19. Também o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 08.10.2014, proferido no proc.548/14, considerou que o artigo 279º, al. e) do Código Civil, quando se refere aos domingos e feriados, deve ser interpretado como incluindo os sábados, ou seja, todos os dias não úteis, sendo que omissão do sábado na letra da lei, encontra a sua explicação no contexto histórico existente aquando da sua elaboração e entrada em vigor. 20. Mais recentemente, o Tribunal da Relação de Évora, no Acórdão proferido em 14.09.2023, no proc.330/21.BTBLAG.E2, considerou, igualmente, que "se o termo do prazo para intentar uma acção - de caducidade - coincidir com um sábado, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte." 21.E não se diga, como defende a Arguida, que estando em causa o prazo para apresentação de uma queixa, que a mesma poderá ser apresentada numa esquadra da PSP ou num departamento da PJ, por estarem abertas ao sábado, pois as mesmas encontram-se igualmente abertas aos domingos e feriados e, no entanto, se o prazo para o exercício do direito de queixa terminar a um domingo ou feriado, dúvidas não restam de que o termo do mesmo se transfere, ao abrigo do artigo 279º, al. e) do Código Civil, para o primeiro dia útil seguinte. 22. Não fazia qualquer sentido que fosse dado um tratamento jurídico diferente ao prazo de caducidade para apresentação do direito de queixa do tratamento que é dado aos outros prazos de caducidade ou prescrição, sendo que os princípios da igualdade, bem como da segurança e certeza jurídicas, reclamam que seja dada idêntica solução legal para situações que são manifestamente idênticas, com um grau de confiança e certeza de que a interpretação das normas será a mesma quando estamos perante a mesma situação de facto. 23. Resta referir que o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fixação de jurisprudência, de 18.04.2012, a que alude a decisão recorrida, cujo objecto consiste na determinação do termo final - dies ad quem - do prazo de seis meses para o exercício do direito de queixa - em nada colide com o entendimento aqui sufragado, de equiparação do sábado, enquanto dia (actualmente) não útil, aos domingos e feriados. 24.A decisão recorrida interpretou e aplicou erradamente o disposto no artigo 279º, als. b) e c) do Código Civil, desconsiderou o disposto na alínea e) da citada disposição, bem como desconsiderou o artigo 9º, n.º 1, do mesmo Código. Termos em que devem V. Exas. Conceder provimento ao presente recurso, sendo revogada a decisão instrutória recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que reconheça a tempestividade do exercício do direito de queixa e pronuncie a Arguida pela prática do crime de que vem acusada» 3. O recurso foi admitido, por despacho de 26 de Janeiro de 2024. 4. A arguida AA apresentou resposta ao recurso interposto pela assistente. Aparta da motivação as seguintes conclusões: «A - A recorrente afirma que o Tribunal a quo "não se pronunciou sobre a verdadeira questão de fundo que estava em causa e que havia sido invocada pela arguida no requerimento de abertura de instrução, fundamentando-se num acórdão para fixação de jurisprudência que versa sobre uma questão de direito". B - É nosso entendimento que não se pronunciou nem tinha de pronunciar-se, porquanto a caducidade do direito de queixa prejudica o conhecimento de outras questões de facto e de Direito que houvesse de conhecer. C - A recorrente refere, para efeitos de contagem do prazo de caducidade e quanto à determinação do dies ad quem, que "não é unânime a interpretação dada pela doutrina e na jurisprudência das als. b) e c) do artigo 279.° do Código Civil, de tal forma que o prazo para a apresentação de queixa terminou em 30/10/2022, domingo, considerando tempestiva a apresentação da queixa-crime em 31/10/2022, segunda-feira, por força da aplicação do disposto na alínea e) do artigo 279.° do Código Civil (CC). D - Discorda-se de tal posição da recorrente: desde logo, não especifica quem são os autores e qual a jurisprudência a que se refere, o que inviabiliza a pronúncia quanto à bondade dos fundamentos de tais autores e de tal jurisprudência. E - Ademais, a Jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 18/04/2012, disponível em http://www.dgsi.pt, decidiu que "O prazo de seis meses para o exercício do direito de queixa, nos termos do art. 115° nº 1, do Código Penal, termina as 24 horas do dia que corresponda, no sexto mês seguinte, ao dia em que o titular desse direito tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores", ou seja, mutatis mutantis, o dies ad quem é o dia 29/10/2022, sábado e não 30/10/2022, domingo. F - Mais defende a Recorrente que, mesmo que assim não se entendesse, os sábados, enquanto dias não úteis, são equiparáveis aos domingos e feriados, pois, o actual artigo 279.° do CC foi pensado em 1966 e à luz dos tempos em que as secretarias judiciais estavam abertas aos sábados, devendo fazer-se uma interpretação com recurso à reconstituição do pensamento legislativo e às circunstâncias em que a lei foi elaborada, pugnando, a final, pela tempestividade da queixa-apresentada em 31/10/2022. G - Em abono da sua tese, cita diversa jurisprudência, da qual, concretamente analisada, resulta que, em nenhum dos acórdãos, está em causa uma situação sequer semelhante à dos presentes autos, excepto quanto a um dos Arestos citados, no qual, ainda assim, o Relator teve muitas reservas por trata-se dum acto que pode ser praticado junto de um qualquer órgão de polícia criminal. H - No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/03/1991, estava em causa a propositura de uma acção emergente do contrato individual de trabalho por parte de um trabalhador contra a sua entidade patronal, relativamente ao qual os Venerandos Conselheiros decidiram que "para a interrupção das prescrições se exigem actos judiciais, não bastando o exercício extrajudicial do direito", (negrito nosso). (...) "Como o dia 11 era sábado e a acção foi proposta no dia 13, há que concluir que se não verifica a prescrição", salvaguardaram, assim, a necessidade de o acto que interrompe a prescrição ter de ser praticada em juízo. E, em 1991, a única forma de uma acção entrar em juízo era através da entrega realizada pessoalmente nas secretarias dos Tribunais ou através do envio por correio. I - O que não se passa no caso dos presentes autos: a tramitação de uma acção proposta na jurisdição civil e laboral, além de já ter sofrido inúmeras alterações desde 1991, não é sequer equiparável à dos presentes autos, como ainda ocorreu há mais de 30 anos. J - No caso do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 08/10/2024, proferido no processo n.º 548/14, o acto que haveria de ser praticado e sob análise era a celebração de uma escritura pública; e é nosso entendimento que decidiu bem o STA, na medida em que, mesmo não se tratando dum acto a praticar em juízo, trata-se dum acto jurídico-material que, por norma, não é praticado aos sábados e que é a realização duma escritura pública, tendo considerado tempestivamente realizada numa segunda-feira, apesar de o prazo ter terminado no sábado anterior. K - No caso do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 14/09/20223, processo n.º 330/21.8T8LAG.E2, estava em causa a propositura de uma acção de anulação de deliberação adoptada numa assembleia de condóminos de 13 de Abril de 2021, cujo prazo para a propositura da acção é de 60 dias. A acção foi proposta em 14/06/2021. L - O Tribunal fundamentou a decisão, referindo que "quando estiver em causa a propositura de uma acção em Juízo, se o prazo terminar em dia não útil, poderá transferir-se para o 1° dia útil seguinte, sem que fique caducado o respectivo direito de agir. (...) M - É nosso entendimento que decidiu bem o Tribunal, pois trata-se de um acto sujeito a prazo que tiver de ser praticado em juízo, mais referindo expressamente o termo do prazo para intentar uma acção. N - No caso do acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 29/05/2012, apesar de ter o Relator decidido pela tempestividade da apresentação de queixa, é o próprio que suscita e apresenta as suas reservas quanto ao facto de tratar-se da apresentação duma queixa-crime e, bem assim, não se tratar, por excelência, dum acto que tenha impreterivelmente de ser praticado em juízo. O - Defendemos, sim, tal como é citado no acórdão de fixação de jurisprudência, de 18-04- 2012, que a "'Queixa, como ensina FIGUEIREDO DIAS «é o requerimento, feito segundo a forma e no prazo prescritos, através do qual o titular do respetivo direito (em regra o ofendido). exprime a sua vontade de que se verifique procedimento penal por um crime cometido contra ele ou contra pessoa com ele relacionada». A queixa, assim, difere da denúncia, simples comunicação em regra ao alcance de qualquer pessoa (sem embargo de poder ser obrigatória para certas entidades ou categorias), livre de exigências de forma ou de prazo, e na posição de meio de habilitar a entidade competente com a chamada «noticia do crime». Surge, de resto, em casos especiais, sob a forma de participação (cfr. artigos 188°, n° 1, 198°, 319°, п° 2, 324° e 383° n° 2)(5] P - No mais, no acórdão fundamento, que merece, a final, o acolhimento dos Venerandos Conselheiros, esse, sim, igual ao caso dos presentes autos, é referido: "Na verdade, não restam dúvidas que tendo os factos denunciados e conhecidos pelo denunciante. ocorrido em 23/08/01 - dia que, obviamente, não é contado (cfr. al. b) desse artigo 279°) - tal prazo de 6 meses terminou às 24 horas do dia 23/02/02 (Sábado), cfr. al. c) desse artigo. E, assim, manifesto o erro em que incorre o recorrente ao dizer que o prazo só terminou no dia 24/02/02. Dito isto, também é evidente que não pode proceder, aqui e agora, a pretendida aplicação do regime da al. e) desse art. 279° do CC, pela singela razão de que não se está perante tal hipótese, o aludido dia 23/02/02 era Sábado, e não Domingo. Q - Pelo que o vertido no acórdão de fixação de jurisprudência do STJ colide, sim, com o entendimento de que a alínea e) do artigo 279.° do CC deverá aplicar-se também aos casos em que o prazo de caducidade do direito de queixa termine num sábado, R - Já que trata, de igual modo, dum prazo de caducidade para a apresentação de queixa cujo dies ad quem calha num sábado, pugnando pela intempestividade da queixa apresentada na segunda-feira seguinte, tal como o caso dos autos, cujo exercício do direito já havia caducado em 31/10/2022, tendo decidido muito bem o Tribunal a quo. Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, deverão V. Ex.ªs, Venerandos Juízes Desembargadores, negar provimento ao presente recurso e, bem assim, manter, na integra, a sentença proferida pelo Tribunal a quo» 5. O Ex.mo Magistrado do Ministério Público respondeu, também, ao recurso interposto. Extraia da respectiva minuta estas conclusões: «1. Seguindo-se a fundamentação vertida pelo S.T.J. no acórdão de fixação de jurisprudência n.° 4/2012, de 18.04.2012, publicado em D.R., I Série, de 21.05.2012, que fixou jurisprudência no sentido de que "O prazo de seis meses para o exercício do direito de queixa, nos termos do art.° 115.º, n.° 1, do Código Penal, termina às 24 horas do dia que corresponda, no sexto mês seguinte, ao dia em que o titular desse direito tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores; mas, se nesse último mês não existir dia", o prazo para a apresentação da queixa do presente processo findou às 24 horas do dia 29.10.2022, ou seja, um sábado. 2. A al. e) do art.° 279.° do Código Civil refere que "o prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, se o ato sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo", ou seja, a norma em apreço não se reporta aos prazos terminados ao sábado. 3. Não estamos perante um ato carecido de ser praticado em juízo, podendo a queixa ser apresentada perante qualquer entidade diversa do Ministério Público, mas com a obrigação legal de a transmitir àquele, nos termos do disposto nos artigos 49.°, n.° 2, 244.° e 245.° do Código de Processo Penal, nomeadamente, junto dos órgãos de polícia criminal, a qualquer dia e hora da semana; o mesmo se diga, aliás, relativamente à apresentação junto do Ministério Público de qualquer queixa, tendo em conta a possibilidade da mesma ser apresentada por correio eletrónico também em qualquer dia e hora da semana. 4. Tal situação, numa interpretação atualista, e contrariamente ao que invoca a recorrente, levaria a que pudéssemos considerar a parte inicial da redação da al. e) do art.279.° do Código Civil por tacitamente revogada quando a caducidade operasse em processo judicial aos domingos e feriados face a essa possibilidade de dar entrada em juízo de qualquer peça processual em qualquer dia e hora da semana, independentemente do horário de funcionamento da secretaria judicial. 5. Em face do exposto, não se justifica qualquer interpretação extensiva do regime previsto na al. e) do Código Civil às situações em que o prazo de caducidade termine a um sábado, não tendo, por isso, o mesmo, seja em função da expressa previsão legal, seja por esforço interpretativo de qualquer espécie, possibilidade de ser praticado no primeiro dia útil seguinte sem a consequência legal da passagem do prazo de caducidade. 6. Pelo que o prazo para a apresentação de queixa face aos factos denunciados terá efetivamente caducado às 24 horas do dia 29.10.2022» 6. Neste tribunal, a Sra. Procuradora-Geral Adjunta, louvada na resposta apresentada na primeira instância, é de parecer que o recurso deve ser julgado improcedente. 7. Cumprido o disposto no art. 417º, n.º 2 do C.P.P., não houve resposta. 8. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir. II – FUNDAMENTAÇÃO 1. O objecto do recurso, tal como demarcado pelo teor das conclusões da respectiva motivação, reporta à questão de saber se a Sra. Juíza de Instrução incorreu em erro de jure ao declarar a caducidade do direito de queixa e, em consequência, extinto o procedimento criminal, por falta de legitimidade do Ministério Público para promover a acção penal. 2. Preliminarmente, urge consignar que, como decorre pacificamente dos autos: - Os factos denunciados pela ofendida ocorreram no dia 29 de Abril de 2022, data em que a mesma tomou conhecimento dos mesmos; - A ofendida apresentou queixa-crime em 31de Outubro 2022; - O dia 29 de Outubro de 2022 corresponde a um Sábado. A questão invocada pela defesa da arguida e que logrou acolhimento da Sra. Juíza do Tribunal a quo respeita, assim, à questão de saber se o prazo para apresentação da queixa terminou no dia 29 de Outubro de 2022, tendo, em consequência, caducado, independentemente de se tratar de um Sábado. Vejamos, então. Nos crimes de natureza semi-pública (e também naqueles que assumem natureza particular) a queixa assume-se como um verdadeiro pressuposto processual1. «A queixa é, pois, entendida como uma manifestação inequívoca de vontade do titular do direito de perseguir os eventuais responsáveis pelo facto naturalístico ilícito, sendo, neste sentido, uma verdadeira condição objectiva de procedibilidade de natureza processual «que põe em movimento a máquina judicial» na feliz expressão do STJ»2 «O direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores, ou a partir da morte do ofendido, ou da data em que ele se tiver tornado incapaz», conforme determina o art. 115º do C.P. No que à natureza deste prazo respeita, tem sido entendido unanimemente na doutrina e na jurisprudência que se trata de um prazo de caducidade, de natureza substantiva3 (por contraposição aos prazos de natureza processual ou judicial) e, por conseguinte, sujeito às regras de contagem insertas no art. 279º do C.C. Volvendo ao caso, tendo os factos ocorrido e deles tomado conhecimento a titular do direito de queixa no dia 29 de Abril de 2022, afigura-se inequívoco que, tal como consignado no despacho revidendo, o termo final do prazo legal de seis meses ocorreu às 24 horas do dia 29 de Outubro de 20224. Todavia, como invoca a recorrente e é objectivo, o referido dia 29 de Outubro de 2022 corresponde a um Sábado. A dissonância centra-se, pois, na questão de saber se o termo do prazo se esgota, mesmo assim sendo, no referido dia 29 de Outubro de 2022 ou se, como propugna a recorrente, se transfere para o primeiro dia útil seguinte. Dispõe o art. 279º do C.C. que: «À fixação do termo são aplicáveis, em caso de dúvida, as seguintes regras: a) Se o termo se referir ao princípio, meio ou fim do mês, entende-se como tal, respectivamente, o primeiro dia, o dia 15 e o último dia do mês; se for fixado no princípio, meio ou fim do ano, entende-se, respectivamente, o primeiro dia do ano, o dia 30 de Junho e o dia 31 de Dezembro; b) Na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia, nem a hora, se o prazo for de horas, em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr; c) O prazo fixado em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data; mas, se no último mês não existir dia correspondente, o prazo finda no último dia desse mês; d) É havido, respectivamente, como prazo de uma ou duas semanas o designado por oito ou quinze dias, sendo havido como prazo de um ou dois dias o designado por 24 ou 48 horas; e) O prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo» Ora, se é certo que o art. 279º do C.C. não previne regra específica a propósito das situações em que o termo do prazo ocorre num Sábado (ao invés do que se verifica relativamente aos Domingos e feriados), a verdade é que a jurisprudência tem vindo a sustentar, em uníssono, que tal omissão se deve, única e exclusivamente, à circunstância de, aquando da aprovação do Código Civil, as secretarias judiciais estarem abertas aos Sábados, impondo-se, pois, a plena equiparação do Sábado aos Domingos e Feriados, para os efeitos do regime previsto na al. e) do citado art. 279º.56 Tal como enfaticamente se anota no Acórdão do S.T.A. de 8 de Outubro de 2014, processo n.º 0548/14, in www.dgsi.pt.: « É doutrina uniforme deste Supremo Tribunal que, o prazo que termine num sábado se transfere para o dia útil seguinte, por se dever fazer uma interpretação actualista do disposto no art. 279º, al. e), 1ª parte, do Código Civil, cfr., entre outros, os acórdãos datados de 28/11/2007, 23/01/2008 e 16/04/2008, respectivamente recursos, n.ºs 0533/07, 0701/07 e 0846/07. No essencial, a argumentação deste STA tem sido a seguinte: A alínea e) do art. 279.º do Código Civil estabelece que «o prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo». A norma pode decompor-se em dois segmentos, o primeiro até ao ponto e vírgula e o segundo depois dele. Da letra da primeira parte da norma resulta que o termo de qualquer prazo, incluindo o de prescrição, que caia em domingo ou feriado, se transfere para o primeiro dia útil seguinte. Isto é assim para todos os prazos, sem razão para excluir o prescricional, de acordo, aliás, com o artigo 296.º do mesmo diploma, que estabelece serem «aplicáveis, na falta de disposição especial em contrário, aos prazos e termos fixados por lei», as regras do artigo 279º. Mas, além disso – segunda parte da norma –, quando o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo, o termo do prazo transfere-se para o primeiro dia útil após férias. A alínea em análise nada prevê relativamente ao termo do prazo que ocorra ao sábado. Todavia, deve interpretar-se a norma, quando se refere aos domingos e feriados, como incluindo os sábados, ou seja, todos os dias não úteis. Assim entendeu, em jurisprudência já do ano corrente, este Tribunal, nos processos nºs 360/07, 359/07, 613/07 e 538/07, de 20 de Junho, 5 de Julho, 10 de Outubro, e 17 de Outubro, respectivamente. O Código Civil foi aprovado pelo Decreto-Lei nº 47344, de 25 de Novembro de 1996, para vigorar a partir de 1 de Junho de 1967, como se dispõe no nº 1 do seu artigo 2º. Nesse tempo, a vulgarmente chamada «semana inglesa» não estava generalizada, e muito menos a «semana americana». Ou seja, o sábado era um dia útil, ou, ao menos, parte dele. Os tribunais só a partir de 1980 passaram a encerrar ao sábado, por determinação do artigo 3º da Lei nº 35/80, de 29 de Julho. Assim, o legislador, ao determinar a transferência do termo do prazo de prescrição para um dia útil, quando este termo caísse em dia não útil, identificando como tais os domingos e feriados, exprimiu o mesmo que, se fosse hoje, significaria com uma referência aos sábados, domingos e feriados (veja-se o artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil). Como, aliás, fez em 1985, ao alterar o Código de Processo Civil, cujo artigo 145º aludia, na versão inicial, apenas, aos domingos e dias feriados» No caso em apreço, se é certo que, como rebatem o Ministério Público e a arguida nas respostas ao recurso interposto pela assistente, a queixa-crime poderia ter sido efectuada junto de um qualquer O.P.C., em qualquer dia e hora, a verdade é que, como ocorreu, também podia ser apresentada nos serviços do Ministério Público. É que, como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13 de Julho de 2011, processo n.º 773/08.2TAVRL.P1, in www.dgsi.pt. «No que respeita à apresentação da queixa (condição de procedibilidade nos crimes semi-públicos e particulares) a lei atribui ao ofendido a faculdade de a efectuar verbalmente ou por escrito, quer perante o Ministério Público, quer perante um órgão de polícia criminal. Há que atender, porém, que enquanto os órgãos de polícia criminal, designadamente as entidades policiais, têm condições objectivas para receber uma queixa a qualquer hora e em qualquer dia da semana, uma vez que os postos policiais se encontram permanentemente de serviço, já nos serviços do Ministério Público, sujeitos ao horário de funcionamento das secretarias judiciais, os interessados estão naturalmente impedidos de apresentar queixa aos sábados, domingos e feriados e após as 16 horas nos dias úteis. Se o ofendido optar por apresentar queixa nos serviços do Mº Público, caso o termo do prazo de seis meses previsto no artº 115º nº 1 do C.Penal ocorra num sábado, ninguém questionará que esse dies ad quem se transfere para o primeiro dia útil seguinte. Ora, tal solução não se altera pelo facto de o ofendido ter a possibilidade de apresentar a queixa num posto policial no último dia do prazo, ou seja, no sábado. Principalmente, se atendermos a que o Ministério Público é o titular da acção penal e a quem a denúncia efectuada àquele órgão de polícia criminal deverá ser transmitida no mais curto prazo, não superior a dez dias (artº 245º do C.P.P.). Mal se compreenderia, por isso, que o termo do prazo se transferisse para o primeiro dia útil seguinte se a queixa fosse apresentada nos serviços do Mº Público e o mesmo não ocorresse se tivesse lugar num posto policial» Vale tudo por dizer que, a possibilidade de apresentação da queixa junto do O.P.C. em qualquer dia ou hora, por se tratar de uma faculdade e não de uma obrigatoriedade, não obsta a que também se conclua que coincidindo o termo do prazo legal para a apresentação da queixa-crime com um Sábado (de acordo com as regras da hermenêutica, por identidade de ratio normativa com o prevenido relativamente aos Domingos e feriados) o mesmo se transfere para o primeiro dia útil seguinte7. Como já atrás consignado, na situação dos autos, o termo do prazo de seis meses ocorreu no dia 29 de Outubro de 2022, que coincidiu com um Sábado. Assim, transferindo-se o referido termo para o primeiro dia útil seguinte (ou seja, para o dia 31 de Outubro de 2022) outra conclusão não resta senão a de que a queixa in casu é tempestiva, já que foi apresentada precisamente nesse dia. Termos em que, merece e reclama provimento o recurso interposto pela assistente. III – DISPOSITIVO Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se: Conceder provimento ao recurso interposto pela assistente BB e, em consequência, revogar a decisão recorrida, determinando-se que seja proferida nova decisão instrutória que, designadamente, conheça das demais questões suscitadas no requerimento de abertura de instrução. Notifique. Lisboa, 2 de Maio de 2024 Ana Marisa Arnêdo Nuno Matos Jorge Rosas Castro _______________________________________________________ 1. Figueiredo Dias, Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pág. 663, refere a propósito que se trata de um pressuposto processual que «contende com o próprio direito substantivo, na medida em que a sua teleologia e as intenções político-criminais que lhe presidem têm ainda a ver com condições de efectivação da punição, que nesta mesma encontram o seu fundamento e razão de ser» 2. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2/10/2014, processo n.º 20/13.5SOLSB.L1-9, in www.dgsi.pt. 3. Entre outros, na doutrina, Figueiredo Dias, Consequências Jurídicas do Crime, pág. 674, Leal Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, I. Volume, pág. 812, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2008, anotação 10ª ao art. 115º, Vítor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette, Código Penal Anotado e Comentado, pág. 307 e na jurisprudência os Ac. do S.T.J de 15/12/94, T.R.P. de 15/9/99, CJ, Ano XXIV, Tomo 4, pág. 239; T.R.E. de 8/11/2005. 4. «O prazo de seis meses para o exercício do direito de queixa, nos termos do artº 115º nº 1, do Código Penal, termina às 24 horas do dia que corresponda, no sexto mês seguinte, ao dia em que o titular desse direito tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores; mas, se nesse último mês não existir dia correspondente, o prazo finda às 24 horas do último dia desse mês», Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 98/2012, publicado no D.R., I Série, 21 de Maio de 2012 5. Entre muitos outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 13/7/2011, processo n.º 773/08.2TAVRL.P1, do Tribunal da Relação de Évora de 29/5/2012, processo 2425/11.7TASTB-A.E1 e do S.T.A. de 8/10/2014, processo n.º 0548/14, todos in www.dgsi.pt. 6. Neste sentido também o art. 5º da Convenção Europeia sobre o Cômputo dos Prazos, ratificada pelo Decreto n.º 31/82, de 9 de Março, D.R. Série I, 9/3/1982 (revogado pelo Decreto n.º 49/84, de 17 de Agosto, D.R. Série I, 17/8/1984) estabelece que: «No cômputo do prazo são considerados os sábados, domingos e dias feriados. No entanto, sempre que o dies ad quem seja um sábado, domingo ou dia feriado, o prazo transfere-se para o primeiro dia útil» 7. Ademais, «Trata-se de interpretar a norma de modo a que a mesma possa ser aplicada a uma generalidade de casos», na expressão do Acórdão do S.T.A. de 8 de Outubro de 2014, processo n.º 0548/14, in www.dgsi.pt. |