Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
814/24.6YLPRT.L1-7
Relator: MICAELA SOUSA
Descritores: ARRENDAMENTO
RENOVAÇÃO
PRAZO
NORMA SUPLETIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: O artigo 1096º, n.º 1 do Código Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, é uma norma supletiva, pelo que, nos termos da liberdade contratual prevista no artigo 405º, n.º 1 do mesmo diploma legal, é válida a estipulação pelas partes, constante do contrato de arrendamento celebrado, de acordo com a qual, após o decurso do prazo inicial de um ano, o arrendamento se renovará por iguais e sucessivos períodos de um ano, sem prejuízo de o prazo mínimo garantido da vigência do contrato ser de três anos a contar da data da sua celebração, de acordo com o disposto no n.º 3 do art.º 1097º do Código Civil.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
A apresentou, em 17 de Abril de 2024, junto do Balcão Nacional do Arrendamento, requerimento de procedimento especial de despejo[1] contra B, pedindo o despejo do imóvel sito à Rua …, …, Jardins …, concelho de Cascais.
Para tanto, alegou, como fundamento do despejo, a “cessação por oposição à renovação pelo senhorio”. Juntou cópia do contrato de arrendamento e da comunicação ao requerido da oposição à renovação do contrato (cf. Ref. Elect. 25773648).
Notificado o requerido, nos termos e para os efeitos do estatuído no art.º 15º-D do Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro[2], este deduziu oposição suscitando as seguintes excepções (cf. Ref. Elect. 25773675):
=> Ineficácia da comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento com o fundamento de o réu viver em união de facto desde a data da celebração do contrato de arrendamento, que é do conhecimento da requerente, constituindo o locado a casa de morada de família, pelo que a comunicação deveria ter sido dirigida a ambos os cônjuges, sob pena de ineficácia;
=> Invalidade da oposição à renovação por referência à data de 28 de Fevereiro de 2024, porquanto o regime legal da cessação do contrato foi alterado pela Lei 13/2019, de 12-02, que entrou em vigor a 13-02-2019, de modo que, de acordo com o art.º 1096º, n.º 1 do Código Civil, interpretado como norma imperativa, o contrato deve durar por um período mínimo de (nova) duração em caso de renovação, desde que as partes nesta tenham acordado e que nunca poderá ser inferior a três anos, pelo que o contrato se renovou por mais três anos;
=> Ilegitimidade do réu, por estar em causa a casa de morada de família, devendo a acção ser intentada também contra a sua companheira, verificando-se preterição de litisconsórcio necessário.
Mais alegou, por impugnação, que a requerente pretende arrendar o imóvel por renda mais elevada, pelo que desde 2022 tem tentado que o requerido entregue o locado, sem lhe conceder o direito de preferência previsto na lei, não podendo aumentar a renda ultrapassando os limites legais.
Pugnou pela procedência das excepções deduzidas ou, assim não se entendendo, pela improcedência do procedimento e sua absolvição do pedido.
Em 7 de Junho de 2024 foi proferido despacho a convidar o requerido a esclarecer o seu estado civil e a conceder à requerente a oportunidade de se pronunciar sobre as excepções deduzidas, o que esta veio fazer, por requerimento de 24 de Junho de 2024, pugnando pela improcedência das excepções deduzidas, argumento que o art.º 1096º do Código Civil não impõe imperativamente a renovação do contrato pelo prazo de 3 anos, o que decorre da expressão “salvo estipulação em contrário” no início da norma, sendo que, de todo o modo, sempre o contrato teria chegado ao seu termo no dia 28/02/2024, porque, uma vez prevista a renovação o contrato de arrendamento, tem sempre a duração mínima de 4 anos, o que sucedeu no caso; mais sustentou que desconhecia que o réu vivesse em união de facto e que o contrato foi celebrado apenas com este último, sendo que os cônjuges apenas podem ter direito à comunicabilidade do arrendamento, contanto que estejam casados no regime de comunhão geral ou no regime da comunhão de adquiridos e o contrato tenha sido celebrado na constância do matrimónio, pelo que a comunicação apenas a ele tinha de ser dirigida, que é, por isso, parte legítima na causa (cf. Ref. Elect. 151449478 e 25883017).
Realizada a audiência de julgamento, em 22 de Julho de 2024 foi proferida sentença que julgou o presente procedimento especial de despejo procedente, com o seguinte dispositivo (cf. Ref. Elect. 152242202):
“[…] o Tribunal decide julgar a presente ação proposta por A contra B procedente por provada, e em consequência, declara-se que, sendo válida a oposição à renovação operado pela Autora, o contrato de arrendamento cessou em 28/02/2024 pelo que o R. deverá proceder à desocupação do locado e sua entrega à Autora livre de pessoas e bens, no mesmo estado de conservação em que o recebeu.”
Inconformado com esta sentença, veio o réu interpor o presente recurso, cuja motivação termina com as seguintes conclusões (cf. Ref. Elect. 26130375):
I. Vem o presente recurso interposto da sentença que declarou válida a oposição à renovação operada pela Autora, com cessação do contrato de arrendamento a 28/02/2024 e condenou o Réu a desocupar o locado e a entregar à Autora livre de pessoas e bens, no mesmo estado de conservação em que o recebeu.
II. Porque discorda de tal decisão, vem o Recorrente interpor o presente recurso, o qual versa sobre matéria de direito.
III. A sentença em crise padece de erro sobre a aplicação do direito, sendo que foi aplicado de forma incorreta a norma do art.º 1096.º, n.º 1 C.C., na versão atual, indicada pela Lei n.º 13/2019 de 12 de fevereiro e, ao considerar válida a carta de oposição à renovação por iniciativa do senhorio.
IV. Ora, no caso em apreço, o prazo de duração do contrato foi estipulado em 1 ano, com início em 1 de Março de 2020 e termo em 28 de Fevereiro de 2021, renovável por períodos sucessivos de 12 meses.
V. Na verdade, não restam dúvidas que a oposição deduzida pela Autora ocorreu após os 3 anos de duração do contrato de arrendamento celebrado entre as partes.
VI. A questão que se coloca é saber se o artigo 1096.º do Código Civil, na atual redação, conferida pela Lei 13/2019, de 12 de fevereiro, tem carácter imperativo ou supletivo no que diz respeito ao prazo de renovação.
VII. Ora, a jurisprudência maioritária, entende que a norma do artigo 1096.º n.º 1 do C.C., é imperativa no sentido de a existir cláusula de renovação automática do contrato de arrendamento, esta sempre terá de ser pelo período mínimo de 3 anos e que a expressão “Salvo estipulação em contrário”, não se refere à liberdade contratual das partes de estipularem prazos inferiores a 3 anos para a renovação do contrato, mas antes, para contratarem ou não a cláusula de renovação automática.
VIII. Veja-se os vários Acórdãos, que aqui se citam: 1. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 08/04/2021, em que é Relatora a Senhora Juiz Desembargadora Rosália Cunha; 2- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 11/02/2021, em que é relatora a Senhora Juiz Desembargadora Raques Baptista Tavares; 3 - Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 25/01/2023, em que é Relatora a Senhora Juiz Desembargadora Maria Adelaide Domingos; 4- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 04/05/2023, em que é Relatora a Senhora Juiz Desembargadora Isabel Silva; 5 - Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 08-02-2024, em que é Relatora a Senhora Juiz Desembargadora Maria Domingas Simões; 6- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (Acórdão de 17/01/2023, Processo n.º 7135/20.1T8LSB.L1.S1, relator Pedro de Lima Gonçalves);
IX. Com efeito, é entendimento do recorrente que a norma do artigo 1096.º, n.º 1 C.C., na sua versão atual, deve ser interpretada no sentido de que apenas é permitido às partes convencionarem o afastamento da automaticidade da renovação do contrato, sendo certo que, a ocorrer, terá sempre de respeitar o prazo mínimo imperativo de 3 anos, encontrando-se vedada a estipulação de prazos de prorrogação inferiores àquele.
X. Conforme supramencionado, o contrato em causa nos autos, iniciaria a 01 de março de 2020, com um prazo inicial de 1 ano, renovando-se automaticamente por períodos sucessivos de um ano.
XI. A Lei n.º 13/2019 de 12 de fevereiro já estava em vigor à data da celebração do contrato, pelo que, ainda que tenha sido celebrado pelo prazo de um ano, imperativamente a Autora só poderia deduzir oposição à renovação do contrato de arrendamento decorridos três anos de duração do contrato, nos termos do n.º 3 do artigo 1097.º do Código Civil.
XII. Não existindo dúvidas que o contrato, a 28/02/2023 renovou-se por mais três anos.
XIII. Assim, a sentença recorrida andou mal, ao considerar, desde logo, a carta de oposição à renovação válida, uma vez que, foi enviada a 14 de fevereiro de 2023, reportando-se os seus efeitos para 28 de fevereiro de 2024.
XIV. Isto porque, naquela data, o Recorrente encontrava-se ao abrigo da 1.º renovação, que segundo a lei atualmente vigente e, de acordo com a jurisprudência e doutrina dominante, imperativamente será por um período de 3 anos.
XV. Com efeito, sendo o prazo de renovação a considerar o de três anos e não de um, a comunicação de oposição à renovação deduzida pela Autora a 14/02/2023 ao Réu para entrega do locado a 28/02/2024 não é válida, uma vez que o contrato se renovou por mais três anos nos termos do disposto do n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil na redação da Lei n.º 13/2019.
XVI. A comunicação efectuada pela Autora ao Réu em 14-02-2023, onde manifestava a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento, informando que o contrato cessaria os seus efeitos em 28-02-2024, não respeita o prazo estabelecido no artigo 1096.º do Código Civil, com a redacção dada pela Lei n.º 13/2029, não produzirá assim efeitos contra o requerido pois, como já vimos, o contrato de arrendamento está em vigor até 28-02-2026.
XVII. Quer isto dizer que o decretamento do despejo do Recorrente proferido pelo douto tribunal é ilegal, uma vez que viola o artigo 1096º do Código Civil, na redação que lhe foi dada pelo artigo 2º da Lei nº 13/2019, de 12 de fevereiro, afectando gravemente o Réu, os filhos menores e todo o seu núcleo familiar, violando o direito há habitação legalmente protegido na nossa Constituição da República.
XVIII. Face a tudo o exposto, com o devido respeito por entendimento diferente, deveria o Tribunal a quo ter decidido com base na nova redacção do artigo 1096.º do Código Civil, introduzida pela Lei n.º 13/2019, de 12-02, não declarando válida e eficaz a oposição à renovação do contrato de arrendamento comunicada pela Autora e, por conseguinte, não ser o Réu condenado a proceder à entrega do imóvel, devendo sim o Réu ser Absolvido, isto, porque o contrato de arrendamento ainda está em vigor até 28-02-2026.
XIX. Pelo que, tendo decidido como decidiu, o Tribunal violou o disposto no artigo 1096.º do Código Civil.
XX. Devendo a sentença proferida pelo Tribunal “a quo” ser revogada e o presente recurso julgado procedente.
Sustenta a procedência do recurso e consequente revogação da decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que o absolva do pedido.
A autora/recorrida apresentou contra-alegações pugnando pela manutenção da decisão recorrida (cf. Ref. Elect. 26181552).
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II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil[3], é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª Edição Atualizada, pág. 135.
Na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art.º 635º, n.º 3, do CPC). Contudo, o respectivo objecto, assim delimitado, pode ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (cf. n.º 4 do mencionado art.º 635º). Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
Assim, perante as conclusões da alegação do réu/recorrente há que apreciar a regularidade da comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento, tendo presente a interpretação a efectuar da norma do art.º 1096º, n.º 1 do Código Civil.
Colhidos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos:
1. Em 07.02.2020 por documento particular denominado “contrato de arrendamento habitação com prazo certo”, J…, na qualidade de senhorio e B, na qualidade de inquilino, acordaram no arrendamento para habitação da fracção autónoma correspondente ao ….., fracção L do prédio urbano sito na Rua …, n.º …, Jardins …, União de freguesias de Carcavelos e Parede, inscrito na matriz predial urbana e descrito na Conservatória do Registo predial com o n.º …-L (cf. contrato de arrendamento junto aos autos).
2. O contrato aludido em 1. foi declarado e participado na Autoridade Tributária.
3. O prazo de duração do contrato foi estipulado em 1 ano, com início em 1 de Março de 2020 e termo em 28 de Fevereiro de 2021, renovável por períodos sucessivos de 12 meses.
4. O destino do arrendado é exclusivamente o de habitação (cláusula 3.ª).
5. No contrato de arrendamento o réu consta, na sua identificação como outorgante, como casado. – Cf. contrato de arrendamento junto aos autos.
6. O senhorio podia impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao inquilino com a antecedência mínima de cento e vinte dias, reportada ao termo do prazo de duração inicial ou da sua renovação (cláusula 11.ª).
7. O réu vive em união de facto com uma companheira, o que já ocorria na data da celebração do contrato de arrendamento entre as partes, tendo a autora conhecimento desse facto.
8. É do conhecimento da autora que o locado arrendado constitui casa de morada de família do réu e do seu agregado familiar – Cf. Doc. n.º 2 junto com a oposição.
9. Consta averbado ao Assento de Nascimento do réu junto aos autos, que foi casado catolicamente com P…, de quem se divorciou em 09/01/2008.
10. A A. A foi casada com J….
11. Pela AP. 1086 de 2023/01/03 foi registada a aquisição da fracção referida em 1., por partilha subsequente a divórcio, a favor de A, ora A. (cf. certidão permanente do imóvel junta aos autos).
12. No dia 13/02/2023 a A. enviou ao R. a Seguinte Comunicação junta aos autos:




13. No dia 14/02/2023 a senhoria A remeteu ao R. a comunicação junta aos autos com o seguinte teor:




O réu respondeu à autora enviando a seguinte comunicação junta aos autos:




14-A. O Réu não restituiu o locado até à presente data à A..
14. A Autora em meados de Dezembro de 2023, colocou um anúncio no site Idealista, c/ a ref. 32863101, onde publicitava o arrendamento do locado pelo valor de 2.900,00€ por mês.
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3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
Sustenta o apelante que o Tribunal recorrido errou na interpretação que efectuou da previsão do art.º 1096º, n.º 1 do Código Civil, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, considerando que, ao contrário do decidido, se trata de norma imperativa, que impõe que o prazo de renovação do contrato de arrendamento seja de três anos, de tal modo que, tendo o contrato início a 1 de Março de 2020, a 28 de Fevereiro de 2023 se renovou por mais três anos; mais refere que à data da comunicação de 14 de Fevereiro de 2023, em que se indicou a cessação do contrato para 28 de Fevereiro de 2024, estava em vigor a primeira renovação, pelo que tal comunicação não respeitou o prazo estabelecido na mencionada norma legal, pois que o contrato estava em vigor até 28 de Fevereiro de 2026.
Quanto ao prazo de renovação do contrato sub judice a decisão recorrida discorreu do seguinte modo:
“A Lei n.º 13/2019, em 12 de fevereiro, vindo novamente alterar a redação do art.º 1096.º do Cód. Civil, o qual passou a ter a seguinte redação:
1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 - Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática nos contratos previstos n.º 3 do artigo anterior.
3 - Qualquer das partes pode opor-se à renovação, nos termos dos artigos seguintes.”.
Na sequência desta alteração, a jurisprudência dos Tribunais Superiores tem vindo a dividir-se em duas orientações interpretativas sobre a natureza desta norma, na medida em apesar de ambas concordarem na aplicação imediata da lei às relações jurídicas em vigor (art.º 12.º, n.º 2, 2ª parte Cód. Civil), tem divergido sobre a aplicação concreta da mesma aos prazos de renovação em curso.
Atualmente, os tribunais portugueses seguem, pelo menos, três interpretações diferentes em relação ao disposto no artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, a saber, que a norma consagra (i) um prazo de renovação mínimo imperativo de três anos; (ii) um prazo de renovação mínimo supletivo; ou que (iii) além de um prazo de renovação mínimo supletivo, a norma, quando interpretada em conjugação com o disposto no artigo 1097.º, n.º 3, obriga ao decurso prévio de três anos de duração inicial antes da primeira renovação automática do contrato.
Assim, enquanto para uma parte da jurisprudência, no âmbito da qual citamos, entre outros, o recente Ac. TRL de 18.04.2024 (Jorge Esteves) P. 2197/23.2YLPRT.L1-6 (www.dgsi.pt e a extensa jurisprudência nele citada, tem sustentado que a expressão “salvo estipulação em contrário” constante do n.º 1 do art.º 1096.º do Cód. Civil quer significar que é lícito convencionar um prazo de vigência diferenciado, assumindo a norma uma natureza supletiva, devendo nessa medida prevalecer o convencionado entre as partes.
Para outra parte da jurisprudência, no âmbito da qual citamos, entre outros, o recente Ac. TRL de 16.05.2024 (Maria Calheiros) P. 1282/23.5YLPRT.L1-8 (www.dgsi.pt). a expressão “salvo estipulação em contrário” quer significar que as partes podem por convenção afastar a possibilidade de renovação, mas tendo convencionado a mesma, o prazo mínimo de renovação terá de ser o tempo mínimo de três anos, atento o caráter imperativo da norma que lhe é conferido pela lei, não podendo as partes convencionar um prazo de renovação inferior.
Sufragando a posição sustentada pelo Ac. STJ de 17.01.2023 (Pedro Gonçalves) P. 7135/20.1T8LSB.L1.S1 (www.dg.pt) , por via da qual se sustentou que a Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro visou estabelecer um conjunto de medidas com a finalidade de corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, provocada pelas renovações de curto prazo, privilegiando a posição dos primeiros, através do reforço da segurança e estabilidade do arrendamento urbano, aumentando o prazo de duração do contrato e a antecedência pela qual a revogação deveria operar.
Deste modo e seguindo de perto o supra citado acórdão, que segue aliás a posição da doutrina expressa por Rui Ataíde e António Rodrigues, deve o regime por ela estabelecido considerar-se por isso como imperativo, no sentido de que é lícito às partes afastar a renovação automática do contrato, mas uma vez convencionada a renovação, deverá a mesma obedecer aos limites mínimos previstos na lei.
Lê-se neste aresto do STJ, além do mais, que:
Por força do disposto no artigo 1080.º do Código Civil, são imperativas as normas sobre a resolução, a caducidade e a denúncia do arrendamento urbano.
O artigo 1096.º do Código Civil, conforme é entendimento dominante na doutrina, não tem carácter imperativo, pelo que é permitido às partes excluírem a renovação automática. Impõe imperativamente, porém, que, caso seja clausulada a renovação, esta tem como período mínimo uma renovação pelo período de 3 anos. Ou seja, o legislador permite às partes que convencionem um contrato de arrendamento urbano para habitação pelo período de um ou dois anos, não renovável. Mas, caso seja convencionada uma cláusula de renovação automática, terá de obedecer ao disposto neste normativo, ou seja, o contrato sofre uma renovação automática de 3 anos.
É esta a posição assumida por Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde e António Barrosos Ramalho Rodrigues (In “Denúncia e oposição à renovação do contrato de arrendamento urbano”, Revista de Direito Civil, Ano IV (2019), n.º 2, Coimbra, Edições Almedina, 2019, pp. 302 e 303.), José António de França Pitão e Gustavo França Pitão (In Arrendamento Urbano Anotado, 2-ª Edição, Quid Iuris, 2019, pp. 375 e 376.) e Edgar Alexandre Martins Valente (In Arrendamento Urbano - Comentário às Alterações Legislativas Introduzidas ao Regime Vigente, Coimbra, Edições Almedina, 2019, pp. 31 e 32.).
O Conselheiro Pinto Furtado (In Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Almedina, 2021, pp. 651 a 653.) faz uma interpretação um pouco mais restritiva deste normativo e em conjunto com o artigo 1097.º, n.º 3 do Código Civil, ao considerar que esta renovação de três anos apenas ocorre na primeira renovação, permitindo a liberdade contratual outro clausulado. Posiciona-se assim este autor, “Se, pois, se tiver estabelecido, como duração contratual, um prazo inferior a três anos, por exemplo, um ou dois anos (o que é legítimo – arts. 1095-2 e 1096-1), o que resulta, quanto a nós, do disposto no art.º 1097-3 – e insiste-se – é, tão-somente, que esses contratos serão necessariamente não renováveis (o que é legítimo – n.º 1 do presente artigo). E se, por acaso, nesses contratos de duração inferior a três anos, o arrendatário venha a permanecer no prédio após ter decorrido o período contratual, e uma sua renovação assim se verificar, então ela terá de protelar-se até o contrato durar três anos.
Depois disso, ou há cláusula estabelecendo os períodos de renovação contratual, ou não há: havendo-a, será ela que se aplica; não a havendo, regerá a parte final do n.º 1 do presente artigo e as renovações, por falta de estipulação nos referidos contratos, serão de períodos sucessivos iguais à duração contratual.
Deste modo e se bem pensamos, ultimados os três primeiros anos sobre uma celebração contratual, para a sua primeira oposição à renovação, não exige depois a lei, para nenhuma outra oposição à renovação, qualquer limite específico de duração convencional; podem, pois, as partes fixar, para estas, aquela que bem lhes parecer, salvo, claro está, se outra disposição legal, que não esta, impusesse algum limite à liberdade contrato.
Ora, já se viu que o n.º 1 do presente artigo só dispõe para o silêncio contratual e, como no art.º 1097-3 também não se estabelece qualquer dimensão para o ulterior período de renovação, em si, daí se seguirá, se bem nos parece, que, quando pretenda estabelecer-se renovação para um arrendamento habitacional de prazo certo terá de atribuir-se à própria duração desse contrato, pela aplicação conjugada dos dois preceitos, uma duração mínima de três anos.
Cremos, por conseguinte e em conclusão poder, pois, validamente estabelecer-se, ao celebrar-se um contrato, que este terá necessariamente, uma duração de três anos, prorrogando-se, no seu termo, por sucessivas renovações, de dois ou de um ano, quatro ou cinco – como, enfim, se pretender.”.
No mesmo seguimento, em comentário ao artigo 1097.º do Código Civil, o Conselheiro Pinto Furtado (In Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Almedina, 2021, pp. 656 a 657.) esclarece que a interpretação a dar ao n.º 3 deste normativo, em conjugação com artigo 1096.º, do seguinte modo, “Sendo assim, quanto aos contratos de arrendamento habitacional existentes, que se submetiam ao disposto na Lei n.º 31/2012 e, não havendo estipulação contratual, estavam a renovar-se supletivamente, sem mais, segundo períodos de dimensão igual à duração contratual, interessará considerar os celebrados por um ou dois anos.
Pelo que, aplicando esta interpretação ao caso vertente, verifica-se que na data em que a oposição à renovação comunicada pela A. produziu os seus efeitos, a renovação dos três anos foi respeitada e terminava nessa data, i.é, após a renovação pelo prazo de três anos de acordo com a nova redação da Lei n.º 13/2019, caducou na data indicada pela Autora.
Desta forma, uma vez que se mostra válida a oposição à renovação operado pela Autora, o contrato de arrendamento cessou em 28/02/2024.”
Apesar da divergência de entendimentos claramente exposta na decisão recorrida a propósito da natureza supletiva ou imperativa da norma do art.º 1096º, n.º 1 do Código Civil, com argumentos bastamente esgrimidos em abono de cada uma delas, ao contrário da posição ali seguida, não se vislumbram razões teleológicas bastantes para conferir a tal normativo, no que ao segmento do prazo de renovação diz respeito, o cariz de imperatividade.
Os art.ºs 1054º e 1055º do Código Civil estabelecem, genericamente para a locação, que, findo o prazo do arrendamento, o contrato se renova por períodos sucessivos, se nenhuma das partes o tiver denunciado no tempo e pela forma convencionados ou designados na lei, sendo o prazo da renovação igual ao do contrato, mas apenas de um ano se o prazo for mais longo, estatuindo o art.º 1055º sobre a antecedência mínima com a que a denúncia tem de ser comunicada.
Trata-se, porém, de disposições relativas à locação em geral que são afastadas no âmbito do arrendamento urbano, onde a lei distingue, actualmente, entre os arrendamentos com prazo certo (art.º 1095º e seguintes) e com duração indeterminada (art.ºs 1099º e seguintes), sendo aplicáveis aos primeiros normalmente a oposição à renovação e aos segundos a denúncia – cf. Luís Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 9ª Edição, pág. 163.
À data da celebração do contrato identificado no ponto 1. da matéria de facto provada, o art.º 1096º do Código Civil dispunha, na redacção introduzida pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, com início de vigência a 13 de Fevereiro de 2019, o seguinte:
“1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 - Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática nos contratos previstos n.º 3 do artigo anterior.
3 - Qualquer das partes pode opor-se à renovação, nos termos dos artigos seguintes.”
Atente-se que as partes acordaram, conforme cláusula 1ª do contrato, que o arrendamento é feito pelo prazo de um ano, com início em 1 de Março de 2020 e termo em 28 de Fevereiro de 2021, renovável por períodos sucessivos de 12 meses – cf. ponto 3. dos factos provados.
Importa, assim, determinar, se o prazo de duração da renovação sucessiva do contrato de arrendamento para habitação, fixado pela lei em três anos, constitui norma imperativa ou supletiva, isto é, se as partes podem afastar essa regra, ao abrigo do princípio da liberdade contratual.
A redacção da norma não é, por si, suficiente para tomar posição nessa questão, porquanto, na sua parte inicial, ressalva a estipulação em contrário, sem que se possa afirmar que o faz apenas por referência ao primeiro segmento, ou seja, para estipular tão-somente a faculdade de as partes afastarem a renovação automática, ou se também abrange o segundo segmento da norma, possibilitando que estas convencionem períodos de renovação de duração inferior ao limite mínimo de três anos aí previsto.
Sobre esta matéria, ainda que a propósito dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais (embora a lei remeta para as normas do arrendamento para habitação com prazo certo), refere Jéssica Rodrigues Ferreira, in Análise das principais alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, aos regimes da denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais, pp. 82-95[4]:
“Parece-nos que o legislador pretendeu que as partes fossem livres não apenas de afastar a renovação automática do contrato, mas também que fossem livres de, pretendendo que o contrato se renovasse automaticamente no seu termo, regular os termos em que essa mesma renovação ocorrerá, podendo estipular prazos diferentes – e menores - dos supletivamente fixados pela lei, e não, conforme poderia também interpretar-se da letra do preceito em análise – cuja redação pouco precisa gera estas dúvidas – um pacote de “pegar ou largar”, em que as partes estariam adstritas a optar entre contratos não renováveis ou, optando por um contrato automaticamente renovável no seu termo, com períodos sucessivos de renovação de duração obrigatoriamente igual à duração do contrato ou de cinco anos se esta for inferior, pois ainda que a ratio subjacente a esta alteração legislativa tenha sido reforçar a estabilidade dos contratos, se o legislador deixou ao critério das partes o mais – optar por renovar ou não o contrato – também se deve entender que lhes permite o menos – optando por renovar o contrato, regular os termos dessa renovação. Este argumento parece-nos ser ainda reforçado pela remissão operada no n.º 1 para o regime de oposição à renovação previsto para o arrendamento habitacional, regulado nos art.º 1097.º e 1098.º, onde se continuam a prever prazos de oposição à renovação específicos para os casos de duração inicial do contrato ou das suas renovações inferiores a cinco anos (al. b) e c) do n.º 1 do art.º 1097.º e al. b) e c) do n.º 1 do art.º 1098.º).
No sentido de que o prazo da renovação admite estipulação em contrário, ISABEL ROCHA, PAULO ESTIMA, Novo Regime do Arrendamento Urbano – Notas práticas e Jurisprudência, 5.ª edição, Porto, Porto Editora, 2019, p. 286 e JORGE PINTO FURTADO, Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Coimbra, Almedina, 2019, p. 579 (para o arrendamento habitacional), onde se lê, a jeito de conclusão, que se pode “validamente estabelecer, ao celebrar-se um contrato, que este terá, necessariamente, uma duração de três anos, prorrogando-se, no seu termo, por sucessivas renovações de dois, ou de um ano, quatro ou cinco, como enfim se pretender” e pp. 686- 687 (para o arrendamento não habitacional), onde se pode ler que o contrato se pode renovar por “períodos sucessivos e iguais, entre si, de um, dois, três, quatro ou, em suma, os mais anos que se pretendam”.”
Em sentido contrário, pronuncia-se Maria Olinda Garcia, in Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019[5]:
“Mais delicada é a questão de saber se as partes podem estipular um prazo de renovação inferior a 3 anos (hipótese em que o prazo legal de 3 anos teria natureza supletiva). Atendendo ao segmento literal que diz que o contrato se renova “por períodos sucessivos de igual duração”, pareceria poder concluir-se que, se o período inicial pode ser de 1 ou de 2 anos, as partes também teriam liberdade para convencionar igual prazo de renovação. Todavia, ao estabelecer o prazo de 3 anos para a renovação, caso o prazo de renovação seja inferior, parece ser de concluir que o legislador estabeleceu imperativamente um prazo mínimo de renovação. Afigura-se, assim, que a liberdade das partes só terá autónomo alcance normativo se o prazo de renovação estipulado for superior a 3 anos.
Conjugando esta disposição com o teor do artigo 1097.º, n.º 3, que impede que a oposição à renovação, por iniciativa do senhorio, opere antes de decorrerem 3 anos de duração do contrato, fica-se com a ideia de que o legislador pretende que o contrato tenha, efetivamente, uma vigência mínima de 3 anos (se for essa a vontade do arrendatário).”
Seguindo esta posição, louvando-se ainda na finalidade da Lei 13/2019, em cujo art.º 1º se alude à pretensão de correcção de situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios e ao reforço da segurança e estabilidade do arrendamento urbano, de onde retiram a intenção do legislador de, na protecção da estabilidade do arrendamento habitacional, limitar os direitos extintivos do locador e a liberdade das partes na fixação do conteúdo do contrato, encontramos diversos arestos, entre eles os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17-01-2023, processo n.º 7135/20.1T8LSB.L1.S1[6] e de 20-09-2023, processo n.º 3966/21.3T8GDM.P1.S1 (com voto de vencido) e os acórdãos dos Tribunais da Relação de Guimarães de 8-04-2021, processo n.º 795/20.5T8VNF.G1 e de 11-02-2021, processo n.º 795/20.5T8VNF.G1; da Relação de Évora, de 18-12-2023, processo n.º 607/22.5YLPRT.E1; da Relação do Porto de 25-01-2024, processo n.º 8357/23.9T8PRT.P1 e de 23-05-2024, processo n.º 38/23.0T8BAO.P1.
Aderindo à natureza supletiva da norma do n.º 1 do art.º 1096º do Código Civil, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-03-2022, processo n.º 8851/21.6T8LRS.L1-6, onde se aduz:
“A solução, na ausência de letra expressa, encontra-se na ponderação dos fins pretendidos com a alteração legislativa: a limitação imperativa à estipulação de períodos de renovação sucessiva inferiores a três anos corrige situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, reforça a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e protege arrendatários em situação de especial fragilidade? Ora, parece-nos que a resposta há-de ser negativa, pois nesse caso, o legislador «esqueceu-se» de proteger ou prosseguir tais fins com igual intensidade no período de duração inicial do contrato.
[…] imperativo é que o contrato de arrendamento tenha a duração mínima de um ano. Duração inicial ou sucessiva de um ano. Não se antevendo da Lei 13/2019 qualquer intenção de conferir maior protecção ao arrendatário no período sucessivo daquela concedida no período inicial. Desde logo, por não se demonstrar constituir o período sucessivo à renovação uma situação de maior desequilíbrio entre arrendatário e senhorio, de maior necessidade de segurança e estabilidade do arrendamento urbano e de maior fragilidade do arrendatário relativamente ao período inicial de duração do mesmo contrato de arrendamento.”
No confronto destas duas posições, tendemos para a consideração da norma em referência como tendo natureza supletiva, pelas razões supra aduzidas e que devem prevalecer no confronto com uma visão vinculística do arrendamento de que o legislador se tem vindo a apartar.
No mesmo sentido se pronuncia, Jorge Pinto Furtado, alertando para a circunstância de a norma permitir, desde logo, a celebração de um contrato de arrendamento que exclua a própria prorrogabilidade, pelo que podem convencionar que a renovação tenha a duração que entenderem. No entanto, estabelecendo elas, sem mais, uma duração de contrato, segue-se-lhe automaticamente uma renovação de três anos.
Ao conjugar esta disposição com o n.º 3 do art.º 1097º do Código Civil[7], o autor conclui que esta última se reporta à necessária duração do contrato, para que possa ter lugar a primeira oposição à renovação, sem determinar, quanto a esta, uma qualquer dimensão temporal, daí que, estando estipulada uma duração contratual por prazo inferior a três anos, tal contrato não será, em rigor, renovável, pois que, permanecendo o arrendatário no prédio, o contrato deve manter-se por três anos e quando pretenda estabelecer-se renovação para um arrendamento habitacional de prazo certo terá de atribuir-se à própria duração desse contrato, pela aplicação conjugada dos dois preceitos (art.ºs 1096º, n.º 2 e 1097º, n.º 3), uma duração mínima de três anos – cf. Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, 4ª edição, revista e actualizada, pp. 654-657.
Seguro é que não parece ser possível asseverar que o sentido da alteração introduzida pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro seja o de garantir a duração efectiva do contrato pelo prazo mínimo de três anos, quando a própria lei admite a estipulação pelas partes de uma duração inicial do contrato apenas por um ano.
E, como se refere no acórdão o Tribunal da Relação de Lisboa de 17-03-2022, processo n.º 8851/21.6T8LRS.L1-6 supra mencionado, o argumento de que a norma do art.º 1096º, n.º 2 do Código Civil é imperativa não assenta em nenhuma posição expressa da lei no sentido de um limite mínimo de três anos para a duração do contrato de arrendamento, quando é certo que esse limite mínimo imperativo é de um ano (cf. art.º 1095º, n.º 2 do Código Civil), pelo que não estando demonstrada a aludida imperatividade da norma, tem de sobressair o princípio da liberdade contratual, estabelecido no art.º 405º do Código Civil.
E numa síntese esclarecedora da posição que se adopta, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10-01-2023, processo nº 1278/22.4YLPRT.L1-7 refere:
“Em primeiro lugar, é patente que as partes são livres de estabelecer o prazo do arrendamento entre os prazos mínimos de um ano e máximo de trinta anos, conforme deflui do Artigo 1095º, nº 2, do Código, na redação da Lei nº 13/2019, de 12.2.
Em segundo lugar, da ressalva inicial do nº 2 do Artigo 1096º (“Salvo estipulação em contrário”) decorre que as partes podem, ab initio, convencionar que o contrato de arrendamento não será renovado.
Em terceiro lugar, estipulando as partes que o contrato será renovável, são livres de estabelecer prazos diferenciados de renovação, sendo o prazo de três anos (introduzido pela Lei nº 13/2019) um prazo supletivo a aplicar nos casos em que as partes não concretizem o prazo da renovação (silêncio do contrato), apesar de preverem a renovação do contrato. De facto, se a lei permite que as partes afastem, de todo, a renovação, então também permite que esta tenha uma vigência diferenciada em caso de renovação (argumento a maiori ad minus; cf. Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, Almedina, p. 443).
A tutela da posição do inquilino e da estabilidade do arrendamento, erigida como um dos propósitos da Lei nº 13/2019 não decorre neste circunspecto, em primeira linha, da nova redação do nº1 do artigo 1096º, mas sim do aditado nº 3 ao Artigo 1097º, nos termos do qual: «3- A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte.» Ou seja, a tutela do inquilino e da estabilidade do arrendamento decorre diretamente desta norma e não propriamente do nº1 do Artigo 1096º do Código Civil.
De facto, a tese acima explicitada (maioritária na jurisprudência) segundo a qual, a prever-se a renovação do contrato, esta ocorre imperativamente por um prazo mínimo de três anos sucumbe quando confrontada com o disposto no nº 3 do Artigo 1097º do Código Civil.
Na verdade, na lógica dessa tese, desde que as partes prevejam a renovação do contrato de arrendamento, este terá, inapelavelmente, uma duração sempre de quatro anos (mínimo imperativo de um ano, acrescendo renovação imperativa por mais três anos). Ora, se assim fosse, o disposto no nº 3 do Artigo 1097º não faria qualquer sentido, tratando-se de uma norma inútil e espúria porquanto os contratos de arrendamento, desde que as partes não afastassem expressamente a sua renovabilidade, teriam sempre uma duração mínima de quatro anos. Porém, o que decorre do nº 3 do Artigo 1097º é que, prevendo-se a renovação do contrato, o prazo mínimo garantido da vigência do contrato é de três anos a contar da data da celebração do mesmo! Ou seja, o direito de o senhorio opor-se à renovação do contrato, quando seja prevista a renovação do contrato, está apenas condicionado à vigência ininterrupta do contrato por um período de três anos, contado da data de celebração do contrato. A tutela da estabilidade do arrendamento está aqui e não propriamente no nº1 do Artigo 1096º.
Assim, na discussão da questão em apreço, o elemento interpretativo da lei que mais releva não é propriamente o teleológico, mas sim o sistemático.
Conforme explica Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, Almedina, 2013, p. 360: «O elemento sistemático impõe que a lei seja interpretada no respetivo ambiente sistemático, ou seja, impõe que se passe do preceito para o texto legal que o contém, deste para o respetivo subsistema e, finalmente, deste para o sistema jurídico. Desta afirmação é possível extrair que nenhuma lei deve ser interpretada isolada de outras leis com as quais ela apresenta uma conexão sistemática e que, de entre os vários significados literais possíveis, há que preferir aquele que for compatível com o significado de outras leis. Só assim se dá expressão à unidade do sistema jurídico.» E, mais adiante: «Em matéria de interpretação, a construção dessa unidade implica que deve ser dada preferência a uma interpretação que seja compatível com o maior número possível de regras do mesmo sistema jurídico. A lei interpretada é consistente com as demais do sistema jurídico quando elas se conjugarem harmonicamente entre si» (p. 366). «O contexto horizontal é particularmente importante quando se trata de interpretar uma lei especial ou excecional. A interpretação de uma lei especial deve tomar em consideração a respetiva lei geral (p. 365).
Conjugando o disposto no nº 1 do Artigo 1096º com o disposto no nº3 do Artigo 1097º do Código Civil, e acompanhando aqui Jorge Pinto Furtado, Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, 2ª ed., Almedina, 2020, p. 661, temos que: «Ora, já se viu que o nº 1 do presente artigo só dispõe para o silêncio contratual e, como no art.º 1097-3 também não se estabelece qualquer dimensão para o ulterior período de renovação, em si, daí se seguirá, se bem nos parece, que quando pretenda estabelecer-se renovação para um arrendamento habitacional de prazo certo terá de atribuir-se à própria duração desse contrato, pela aplicação conjugada dos dois preceitos, uma duração mínima de três anos.» Em síntese, e mais uma vez, a tutela da estabilidade do contrato está interpretando-se conjugadamente os preceitos, no estabelecimento de uma duração mínima do contrato de três anos, desde que as partes prevejam a renovabilidade do contrato de arrendamento sem que, nesta eventualidade, haja que fazer aceção do período de renovação expressamente convencionado.”
No mesmo sentido, cf. acórdãos dos Tribunais da Relação de Lisboa de 18-04-2024, processo n.º 2197/23.2YLPRT.L1-6, com referência a ampla jurisprudência que adopta o mesmo entendimento; de 16-05-2024, processo n.º 2807/22.9T8CSC.L1-8; de 7-05-2024, processo n.º 2363/23.0YLPRT.L1-7 e de 27-04-2023, processo n.º 1390/22.0YLPRT.L1-6; da Relação do porto, de 14-09-2023, processo n.º 1394/22.2YLPRT.P1 e de 16-01-2024, processo n.º 3223/23.0T8VNG.P1.
Realçam-se, pois, nesta questão, os seguintes pontos:
- A redacção da norma, com a ressalva “salvo estipulação em contrário” depõe no sentido de o legislador ter pretendido conferir às partes a liberdade não só para afastar a renovação automática do contrato, mas também regular os termos em que esta se processaria;
- Mesmo considerando a ratio da Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, cujo art.º 1º define como seu objectivo estabelecer medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios e reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano, seguro é que o legislador conferiu às partes a liberdade de optar ou não pela renovação do contrato, daí que não seja consonante que, tendo permitindo o mais, não lhes permita o menos, ou seja, aceitando a renovação, não aceite que os termos desta sejam regulados pelas partes;
- As partes, optando pela prorrogabilidade do contrato, são livres de estabelecer prazos diferenciados de renovação e, não o fazendo, o prazo supletivo será o de três anos;
- A tutela da posição do inquilino emerge do disposto no art.º 1097º, n.º 3 do Código Civil, de modo que, prevendo-se a renovação do contrato, o prazo mínimo garantido da vigência do contrato é de três anos a contar da data da sua celebração (e não um prazo de quatro anos, como seria se se adoptasse o entendimento contrário, ou seja, de que o contrato com uma duração de um ano, seria necessariamente renovado por três anos).
Definidos os termos da interpretação das normas dos art.ºs 1096º, n.º 2 e 1097º, n.º 3 do Código Civil e retornando ao caso dos autos, verifica-se que o contrato de arrendamento foi celebrado com o prazo de um ano, com início em 1 de Março de 2020 e termo em 28 de Fevereiro de 2021.
Face à redacção do art.º 1097º, n.º 3 do Código Civil, o contrato de arrendamento não poderia ser extinto por oposição à renovação antes de 28 de Fevereiro de 2023.
O contrato renovou-se pelo período de um ano, de 1 de Março de 2021 a 28 de Fevereiro de 2022 - cf. cláusula 2ª e art.º 1096º, nº 1 do Código Civil.
Em 1 de Março de 2022, o contrato renovou-se por novo período de um ano, ou seja, até 28 de Fevereiro de 2023.
Em 14 de Fevereiro de 2023, a senhoria a senhoria expediu, endereçada para o domicílio convencionado no contrato[8], carta de oposição à renovação do contrato de arrendamento, para produzir efeitos a 28 de Fevereiro de 2024, ou seja, com antecedência superior a 120 dias, conforme previsto no art.º 1097º, n.º 1, b) do Código Civil, razão pela qual o contrato cessaria efeitos nessa data.
A oposição da senhoria foi tempestiva e produziu os efeitos visados, porquanto, à data de 28 de Fevereiro de 2023, o contrato de arrendamento completou precisamente os três anos impostos pelo n.º 3 do referido art.º 1097º.
De todo o modo, ainda que fosse de admitir a natureza imperativa da norma do art.º 1096º, n.º 1 do Código Civil, sempre seria válida a oposição à renovação, pelo facto de a primeira renovação ter durado pelo período de três anos, o que, aliás, determinou a procedência da acção na 1ª instância.
Assim, ainda que com fundamento diverso, mantém-se inalterada a decisão impugnada, face à improcedência dos argumentos recursórios deduzidos pelo apelante.
*
Das Custas
De acordo com o disposto no art.º 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art.º 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
O recorrente decai quanto à pretensão que trouxe a juízo, pelo que as custas (na vertente de custas de parte) ficam a seu cargo.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar improcedente a apelação, mantendo, em consequência, a decisão recorrida.
As custas ficam a cargo do apelante.
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Lisboa, 10 de Setembro de 2024
Micaela Marisa da Silva Sousa
Alexandra de Castro Rocha
Ana Mónica Mendonça Pavão
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[1] Adiante designado pelo acrónimo PED.
[2] Adiante designado pela sigla NRAU.
[3] Adiante designado pela sigla CPC.
[4] Revista Eletrónica de Direito, acessível em https://cije.up.pt/client/files/0000000001/5-artigo-jessica-ferreira_1584.pdf, consultado em 15 de Julho de 2024.
[5] Revista Julgar Online, março 2019, acessível em file:///C:/Users/Admin/Documents/Ac%C3%B3rd%C3%A3os%20TRL/Arrendamento/20190305-JULGAR-Altera%C3%A7%C3%B5es-em-mat%C3%A9ra-de-arrendamento-Leis-12_2019-e-13_2019-Maria-Olinda-Garcia.pdf.
[6] Expressamente seguido na decisão recorrida.
[7] “A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte.”
[8] Cf. Cláusula 13ª, alínea b) do contrato de arrendamento e cartas expedidas, juntos com o requerimento de despejo.