Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4254/14.7TBCSC.L1-7
Relator: LUÍS ESPÍRITO SANTO
Descritores: CO-AVALISTAS
DIREITO DE REGRESSO
PENHOR
SUB-ROGAÇÃO
IMPUGNAÇÃO PAULIANA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I– A prestação de penhor constituído apenas por um dos sócios da sociedade, tendo finalisticamente a ver com a sustentibilidade financeira desta, mas que não envolve a co-participação da outra sócia, a qual não é co-obrigada nessa operação comercial e financeira, não gera a titularidade de qualquer direito de regresso relativamente ao acto (voluntário) de mobilização de depósito bancário, determinado pela anterior constituição do penhor.

II– A garantia real (penhor) voluntariamente prestada pelo A. reporta-se à responsabilidade da sociedade de que este era garante, nada tendo a ver com o âmbito restrito e confinado do relacionamento interno entre sócios (pessoas jurídicas diversas do ente societário no qual detêm a sua participação social).

III– O exercício dos direitos em que o A. se pretende subrogado e que antes competiriam à credora instituição bancária devem ser exercidos contra a sociedade responsável pela dívida garantida e desse modo satisfeira, e não contra um dos sócios que não é pessoalmente devedor nessa relação jurídica e que, nessa mesma medida, pela mesma não responderá pessoalmente com o seu património (não tendo sido accionada qualquer garantia que, nesse mesmo contexto, houvesse prestado).

IV– A devedora será sempre o ente societário beneficiário desse cumprimento e liberado, por essa via, da obrigação que lhe competia satisfazer, sendo que esse mesmo crédito que foi transmitido era o direito subjectivo que tinha por devedor o sujeito passivo nessa relação jurídica, e não outra entidade que não respondia primitivamente nessa relação jurídica, dado não ocupar nela tal posição devedora, o que igualmente resulta da regra da limitação de responsabilidade que envolve a própria concessão de personalidade jurídica à sociedade comercial e a imputação subjectiva dos actos jurídicos por ela praticados.

V– O artigo 516º do Código Civil estabelece um presunção legal igualitária (ilidível), aplicação ao exercício do direito de regresso entre co-avalistas, contempla o afastamento da presunção igualitária, com base em convenção expressa – de verificação pouco frequente - e nos casos em que da relação jurídica entre eles existentes resulte que são diferentes as suas partes.

VI– Encontrando-se demonstrado nos autos que os avales que foram prestados em favor da sociedade e tiveram como subscritores os dois sócios que detinham em partes iguais o conjunto das quotas que constituíam o capital da sociedade e a ora A., em função da relação matrimonial que mantinha com o seu marido (sócio), sendo os pagamentos aos credores realizados, face ao accionamento das garantias pelos credores da sociedade, pelos AA., enquanto casal, sem qualquer destrinça entre eles, actuando naturalmente na prossecução dos interesses associados à sua comunhão conjugal, não há razão para estabelecer, para efeitos de direito de regresso, uma divisão tripartida de responsabilidades, tal como se a pessoa de cada um dos AA. mantivesse uma situação autónoma e diferenciada, do ponto de vista da diversidade de actuação negocial, relativamente ao seu cônjuge com o qual forma uma espécie de “bloco indivisível de interesses”.

VII– Fazendo parte do conhecimento geral que a intervenção de um(a) avalista, casado(a) em regime diverso do da separação de bens, com um dos responsáveis – enquanto sócio(a) – de uma sociedade subscritora de uma livrança, constitui uma exigência comum e corrente por parte do tomador do título, que normalmente coloca a prestação desse aval como uma condição sine qua non da concessão do financiamento, desta concreta relação jurídica resulta que a responsabilidade em termos do exercício do direito regresso entre co-avalistas deverá respeitar a qualidade em que cada um interveio no acto de prestação de garantia junto de terceiros, o mesmo é dizer, se enquanto sócio da sociedade, ou diferentemente, apenas e só enquanto cônjuge de um dos devedores.

VIII– Nesta situação é incontornável a constatação de que temos de um lado um grupo de interesses autónomo formado pelo A. e pela seu cônjuge, que actuam na prossecução de uma posição comum, perfeitamente definida e indossociável e, do outro, a Ré, que representa precisamente o interesse contratual contraposto, neste universo específico e próprio de co-avalistas que são, por força da lei, devedores solidários do credor da sociedade subscritora do título.

IX– O direito de regresso constitui-se ex novo no momento do pagamento por um dos co-avalistas dos montantes exigidas pela tomadora do título.

X– Pretendendo os AA. que o Tribunal condene a Ré no pagamento das quantias que se vierem a apurar com fundamento na constituição de um direito de regresso, trata-se apenas de uma probabilidade, ainda que porventura elevada de constituição do direito de regresso.

XI– Existindo a possibilidade de que tal aconteça, não há fundamento para ter como necessário que tal se verifique, bastando que nenhum outro credor accione as garantias de que os AA são co-devedores com a Ré; que estes, por qualquer motivo, entendam não satisfazer desta vez o exigido; que o seu património se torne incapaz de responder pelos débitos que lhes vão sendo sucessivamente exigidos; ou mesmo que a Ré entenda fazer ela o pagamento em causa.

XI– Não existindo no momento da prolação da sentença da 1ª instância certezas quanto à constituição do direito de regresso que assiste aos peticionantes, não pode haver lugar a qualquer tipo de condenação genérica relativamente a novos créditos que provavelmente se venham a constituir no futuro, na medida em que o incidente de liquidação visa apenas quantificar o valor devido e não apreciar ou discutir, em termos declarativos, a verificação dos pressupostos constitutivos do direito de crédito – que terão que se encontrar já previamente definidos.

XII– Para efeitos do instituto da impugnação pauliana, quando estão em causa direitos de crédito resultantes do exercício do direito de regresso entre co-avalistas no título, a anterioridade dos actos depende da data do pagamento a partir do qual se considera constituído o direito de regresso respectivo.

XIII– Não se verifica o requisito da má fé exigido nos termos do artigo 612º do Código Civil se, para além de não se provar que os contraentes agiram com o intuito de prejudicar o credor impugnante, se provou ainda que o produto da venda do imóvel foi aplicado pelo vendedor no pagamento da divída hipotecária que havia contraído.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa(7ªSecção).


I–RELATÓRIO:


Instauraram A, e mulher B, residentes na Rua João Bosco, N.º .., Mem Martins,  acção declarativa sob a forma de processo comum contra
a)  C, residente na Travessa de Aveiro, …. – 3.º A, 2775-537 Carcavelos;
b)  D, residente na Travessa de Aveiro, …. 3.º AG, 2775-537 Carcavelos:
c) E, residente na Rua Alberto de Serpa, Lote …., 2820-358 Charneca da Caparica;
d) F, residente na Travessa de Aveiro, 31 – 3.º B, 2775-537 Carcavelos;
e) G, residente na Travessa de Aveiro, ….. 3.º B, 2775-537 Carcavelos;
f) H, residente na Rua Alberto de Serpa, Lote ….., 2820-358 Charneca da Caparica.
Alegaram, essencialmente que:
O A. A  e  a 1ª R.  C  foram sócios da sociedade comercial “Spe Duci, Lda.”.
Em 12 de Outubro de 2011, os AA. A  e  B  (uma vez que são casados entre si no regime de comunhão de adquiridos), cederam a sua quota na referida sociedade comercial à 1ª R.. C.
Entre 22 de Dezembro de 2009 e 12 de Outubro de 2011, a sociedade“Spe Duci, Lda.” celebrou contratos de diversa natureza, junto de várias instituições bancárias, tendo os AA. A  e  B prestado garantias pessoais no âmbito dos mesmos, nomeadamente, avalizando as responsabilidades assumidas pela sociedade comercial.
Os AA. procederam ao pagamento de quantias garantidas pelos avales prestados, pelo que têm direito de regresso face à 1.ª R. C, co-avalista, de metade das quantias por si efectivamente pagas, as quais totalizam, a quantia de € 126.563,72, acrescida dos valores entretanto penhorados na pensão do A. marido, desde Outubro de 2014.
São também titulares do direito de regresso face à 1.ª R. de todas as quantias que ainda venham a pagar, referente a garantias prestadas por ambos, e que excedam a sua quota-parte de responsabilidade como co-avalistas, quer relativamente a capital, quer a juros, bem como custas judiciais, despesas e honorários com agente de execução, relativamente às dívidas que sejam cobradas coercivamente.
A Spe Duci, Lda. requereu a sua Insolvência, junto do Tribunal de Comércio de Lisboa, na data de 27 de Março de 2012, a qual veio a ser declarada, na data de 18 de Abril de 2012, no âmbito do processo que correu termos no 2.º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, sob o n.º 572/12.7 TYLSB.
Na data de 1 de Março de 2013, foi proferida decisão de encerramento do processo, determinada por insuficiência da massa insolvente, nos termos do disposto nos Artigos 230.º, n.º 1, alínea d) e 232.º, n.º 2, do CIRE, pelo que os AA. se viram impossibilitados de ver o seu crédito ressarcido, pois a Spe Duci, Lda. não dispõe de bens para tal.
Foi a 1ª R. C que requereu a insolvência da Spe Duci, Lda, em nome e representação desta e fê-lo com o propósito de que, bem sabendo das garantias prestadas pelos AA., estes não tivessem qualquer forma de ver os seus créditos ressarcidos, pela Spe Duci, Lda., após efectuar o pagamento aos credores da sociedade.
Sendo co-avalista da Spe Duci, Lda., tal como os AA., a 1.ª R. bem sabia que, incumprindo a sociedade com as suas obrigações, os credores interpelariam os garantes para pagamento, tanto mais que se trata de uma responsabilidade solidária.
Com o intuito de esvaziar o seu património pessoal, e, assim, impedir a satisfação do direito de regresso dos AA. A  e  B  , a Ré C, dispôs do seu património, transmitindo o mesmo.
Nas datas de 30 de Março de 2012 e 17 de Abril de 2012, a 1.ª R. C procedeu à partilha de bens imóveis deixados por óbito de seu pai, com os restantes herdeiros.
Na partilha efetuada, todos os bens imóveis foram adjudicados às irmãs da 1.ª R. C, e esta declarou já ter recebido as tornas a que teria direito.
A 1.ª R. C era, igualmente, proprietária da fracção autónoma identificada com as letras “AP”, do prédio urbano descrito sob o n.º 3343, freguesia de Carcavelos, na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, e inscrito na matriz urbana sob o artigo 3717.
Por escritura pública outorgada na data de 7 de Novembro de 2011, a 1ª R. C vendeu a referida fração autónoma a H,  6º R..
Ao fazer a partilha naqueles moldes e a venda da fração acima identificada a 1ª Ré agiu com o propósito de impossibilitar que os AA. pudessem vir a ser ressarcidos do seu crédito futuro.
Os restantes herdeiros, 2.º a 5.º RR, agiram de conluio com a 1ª Ré, pois eram conhecedores de toda a situação da Spe Duci,Lda., eram conhecedores da situação financeira desta, das dívidas existentes e da responsabilidade da 1ª Ré perante as mesmas e de que esta tinha todo o interesse em não ter qualquer património na sua esfera jurídica.
Com a mesma intenção agiu o adquirente, 6.º R. H, pois, atentas as relações familiares existentes entre ambos, este era conhecedor de toda a situação da Spe Duci, Lda, e da necessidade da 1ª Ré dispor do seu património, para não ser, no futuro, chamada a pagar qualquer dívida.
A partilha e a venda supra referidas, implicaram uma diminuição da garantia patrimonial, tendo sido efetuada para evitar que aos AA. fosse possível a restituição das quantias por si pagas para além da sua quota-parte de responsabilidade.
Sendo os referidos bens imóveis os únicos bens da 1.ª R. C, a disposição dos mesmos, por esta, como ocorreu, impossibilita a satisfação integral dos créditos dos AA..
Todos os RR. agiram de forma consciente do prejuízo que causavam aos AA. ao esvaziar o património da 1ª R. C, pois todos sabiam que os credores iriam reclamar os seus créditos perante os garantes e que, caso a 1ª R. não possuísse qualquer tipo de património os AA seriam chamados a pagar a totalidade das dívidas, não tendo como, posteriormente, ver ressarcidos os seus créditos em sede de direito de regresso.

Concluem pedindo:
a)- o reconhecimento do direito de crédito dos AA. face à 1ª Ré, no montante de € 63.281,86, acrescido de metade dos valores entretanto penhorados ao A. marido, desde Outubro de 2014, acrescida dos competentes juros moratórios desde a data da citação, até efetivo e integral pagamento;
b)- o reconhecimento do direito de crédito futuro dos AA. face à 1ª Ré, relativamente a quaisquer quantias que este venha a pagar, referentes aos créditos identificados nos artigos 22.º e 28.º, em tudo o que exceda a quota-parte de que são responsáveis, em montante a liquidar em execução de sentença;
c)- ser julgada procedente, por provada, a impugnação pauliana, e assim ser decretada a ineficácia, em relação aos AA., dos actos de partilha referidos e descritos nos artigos 71.º e 72.º do presente articulado, devendo ainda ser ordenado às RR. C, D, E, F e G, a restituição dos identificados bens imóveis, de modo a que os AA. se possam pagar à custa desses bens na medida em que tal restituição venha a ser necessária para a satisfação do direito de credito dos AA.;
d)- ser julgada procedente, por provada, a impugnação pauliana, e assim ser decretada a ineficácia, em relação aos AA, do acto de venda referido e descrito no artigo 98.º do presente articulado, devendo ainda ser ordenado ao R. Enrique ...., a restituição da identificada fração autónoma, de modo a que os AA. se possam pagar à custa desses bens na medida em que tal restituição venha a ser necessária para a satisfação do direito de crédito dos AA.;
e)- ser reconhecido aos AA. o direito de executar os bens imóveis identificados nas alíneas anteriores no património dos RR. ou de terceiros, livres de quaisquer ónus ou encargos, bem como praticar os atos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei;
f)- ser ordenado, nos termos do disposto no artigo 8.º do Código do Registo Predial, o cancelamento dos registos de aquisição a favor dos 2.º a 5.º RR., do registo de ónus que por força da aquisição dos mesmo hajam sido averbados e dos registos ou averbamentos deles consequente e/ou dependentes, caso venha a ser necessário.
Os RR. apresentaram contestação por excepção e impugnação.
 
Alegaram essencialmente que:
Desconhecem quem efectuou alguns dos pagamentos alegados, a sua realização, que relativamente à C.G.D. esta mobilizou o depósito sobre o qual incidia penhor constituído pelos AA.
Nunca houve intenção, nem conluio, na realização da partilha, com o propósito de esvaziar o património da 1ª Ré, no sentido de prejudicar eventuais credores daquela, mas apenas e só, dispor e usufruir dos bens que lhes cabiam por direito, como consequência do óbito do seu pai e marido.
Os créditos face à 1ª Ré só nascem na esfera jurídica daquela em momento posterior às escrituras de partilha.
Por esse facto, as 2ª a 5ª RR, desconheciam, se iram vencer-se ou não, os créditos ora reclamados, nem tinham que conhecer os créditos dos credores da 1ª Ré, e muito menos, da sociedade invocada e de que a 1ª Ré C e os AA foram sócios.
Com parte do dinheiro que recebeu a título de tornas, efectuou o pagamento de algumas dívidas pessoais contraídas para a sua sobrevivência e do seu filho menor, e para pagamento de algumas dívidas da sociedade.
O 6º R. adquiriu formalmente à 1ª Ré C a referida fração porquanto tinha interesse em investir em imobiliário.
As negociações com vista à aquisição daquele imóvel iniciaram-se e foram negociadas e concluídas em data muito anterior à sua formalização.
O valor acordado para a venda foi de 100.000,00 euros, tendo o 6º R iniciado as entregas do sinal e princípio do pagamento do preço à medida que ia disponibilizando dinheiro, muito antes da data da celebração da escritura e com esta procedeu ao pagamento do restante.
A promessa de venda e a sua concretização, efectuou-se porque 1ª Ré C estava numa situação pessoal e financeira difícil, sem rendimentos para se sustentar a si e ao seu filho menor, situação que nunca lhe permitiriam vir a pagar a dívida do empréstimo hipotecário que recaia sobre este imóvel.
À data da escritura, o 6º R. desconhecia, nem tinha que conhecer, que negócios jurídicos foram celebrados entre a 1ª Ré, os AA e/ou outros credores.
Não houve qualquer consciência ou intenção, nem da 1ª R., nem do 6º Ré, de impossibilitar os AA. de virem a ser ressarcidos dos seus créditos, até porque desconhecia-se a sua existência.
A 1ª Ré C, juntamente com a 2ª a 5ª RR são proprietárias em comunhão com outros herdeiros, de um prédio constituído pela parcelas A, inscrito na matriz sobre o art. 132 secção S, sito em Varge Mondar, concelho de Sintra, descrito na C.R.Predial de Sintra sob o n.º 1218 da freguesia de Rio de Mouro, cujo valor comercial rondará os 500.000,00 euros.
Concluem pela procedência da excepção de nulidade, absolvendo-se os RR. da instância.
Caso assim não se entenda, concluem pela improcedência dos pedidos.
Por requerimento de 3 de Agosto de 2016 os AA. vieram requerer a ampliação do pedido.

Alegaram, essencialmente:
Quanto aos valores em dívida ao Banco Santander Totta referentes ao contrato de aluguer de longa duração (Contrato n.º 5069163) o A. marido efetuou, na data de 13 de Julho de 2016 o pagamento do remanescente em dívida, no montante de € 3.939,06, pelo se encontra paga pelos AA. a totalidade da quantia peticionada no âmbito dos autos executivos melhor identificados no Artigo 36.º da PI, tendo sido paga por aqueles a quantia total de € 11.646,83, tendo, consequentemente sido declarada extinta a referida execução.
Face ao exposto, as quantias já pagas pelos AA. referidas no Artigo 38.º da PI ascendem na presente data a € 138.210,55.

Assim, no que se refere ao pedido na PI, constante na alínea a) do peticionado, deve o mesmo ser ampliado, nos termos do disposto no Artigo 265.º, n.º 2, do CPC passando a constar o seguinte:
a)- ser reconhecido o direito de crédito dos AA. face à 1ª Ré, no montante de € 69.105,27, acrescida dos competentes juros moratórios desde a data da citação, até efetivo e integral pagamento.

O peticionado na alínea b) deverá ser retificado, na medida em que atento o pagamento acima referido, apenas um dos créditos em causa se mantém como crédito futuro, passando a constar que:
b)- ser reconhecido o direito de crédito futuro dos AA. face à 1ª Ré, relativamente a quaisquer quantias que este venha a pagar, referentes ao crédito identificado no artigo 22.º, em tudo o que exceda a quota-parte de que são responsáveis, em montante a liquidar em execução de sentença.
Os RR. responderam pugnando pela improcedência, por os documentos juntos não comprovarem que o A. tenha procedido ao alegado pagamento.
Por decisão proferida em 17 de Março de 2017 foi a ampliação do pedido admitida.
Por requerimento de 20 de Novembro de 2017 os AA. vieram requerer a ampliação do pedido.
Alegaram, essencialmente que:
Quanto aos valores em dívida ao Banco Espírito Santo referentes ao Contrato de Mútuo n.º 60009434072, foi instaurada acção executiva, na qual os AA. são Executados, e que corre termos no Juízo de Execução de Sintra - Juiz 3, da Comarca de Lisboa Oeste, sob o n.º 3740/17.1T8SNT, no âmbito da qual, foi penhorada a pensão auferida pelo A. marido, junto da Caixa Geral de Aposentações, até ao limite da quantia de € 18.265,65, estando a ser penhorado desde Junho de 2017 a quantia mensal de € 331,69.
Assim, por conta dessa dívida ao A. já foi penhorada ao A. a quantia de € 1.990,14 (valor penhorado de Junho a Novembro de 2017).
Acresce que relativamente às dívidas pagas à Caixa Geral de Depósitos, os AA., para além do valor de € 122.045,02 pago através da mobilização do penhor constituído em garantia, efectuaram ainda, em data posterior à instauração da presente acção, o pagamento das quantias remanescentes, dado que a mobilização do penhor não foi suficiente para pagar todos os valores em dívida.
A quantia total em dívida à Caixa Geral de Depósitos e paga pelos AA., ascendeu a € 134.006,75, pelo que, os AA. pagaram ainda e para além dos depósitos mobilizados, a quantia de € 11.961,73.

Assim, no que se refere ao pedido na PI, constante na alínea a) do peticionado, deve o mesmo ser ampliado, nos termos do disposto no Artigo 265.º, n.º 2, do CPC passando a constar o seguinte:
a)- ser reconhecido o direito de crédito dos AA. face à 1ª Ré, no montante de € 76.081,21, acrescida dos competentes juros moratórios desde a data da citação, até efetivo e integral pagamento.
Os RR. responderam pugnando pela improcedência.
Por decisão proferida em 10 de Janeiro de 2018 foi a ampliação do pedido admitida.
Os AA., espontaneamente, apresentaram resposta à excepção de ineptidão, pugnando pela sua improcedência.
Mais impugnaram a factualidade relativa à suficiência de património da 1ª R. C.
Procedeu-se ao saneamento dos autos conforme fls. 379 a 384.
Realizou-se audiência de julgamento.
Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a 1ª R. C a reconhecer o direito de crédito dos AA. que sobre si impende, no montante de € 7.040,94 (sete mil e quarenta euros e noventa e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa anual de 4%, desde a data da citação, até efectivo e integral pagamento e absolveu os RR. do demais peticionado (cfr. fls. 482 a 500).
Apresentaram os AA. recurso contra esta decisão, o qual foi admitido como de apelação (cfr. fls. 539).

Juntas as competentes alegações, a fls. 501 a 520 , formularam os apelantes as seguintes conclusões:
A)- Relativamente ao penhor prestado pelos AA. – Pontos 11 a 15 da matériade facto dada como provada – entendeu o Tribunal a quo que não assiste aos AA. direito de regresso face à 1.ª R., não tendo, contudo, o Tribunal a quo fundamentado tal decisão.
B)- Ainda relativamente a esse penhor, e atentos os factos dados como provados e acima referidos, nem sequer o Tribunal a quo retirou dos mesmos qualquer consequência, ou conferiu aos mesmos outra qualificação jurídica, para responder ao que havia sido peticionado pelos AA. e que era a devolução de metade da quantia por estes suportada com o accionamento do penhor pelo credor CGD.
C)- Quanto ao penhor, não podem os AA. concordar com o entendimento do Tribunal a quo de que não lhes assiste direito de regresso pois, atentas as características deste tipo de garantia a mesma pode ser equiparada a uma garantia próxima da fiança, pelo que àquele que constituiu o penhor, e caso este pague a dívida – voluntariamente ou pelo acionamento da garantia por parte do credor – assiste-lhe um duplo direito: a) o de sub-rogação legal, quanto ao devedor, b) o direito de regresso face aos restantes garantes.
D)- Donde, sempre teriam os AA. direito a ser ressarcidos, por parte da 1.ª R., de metade da quantia por aqueles suportada, a qual ascendeu a € 122.045,02 (cento e vinte e dois mil e quarenta e cinco euros e dois cêntimos), devendo, em consequência, o Tribunal a quo ter reconhecido o direito de crédito dos AA. face à 1.ª R. no montante de € 61.022,51 (sessenta e um mil e vinte e dois euros e cinquenta e um cêntimos).
E)- Ou, ao entender que não era de aplicar a figura do direito de regresso, o Tribunal a quo, atentos os factos trazidos a julgamento e dados como provados, sempre teria o Tribunal quo de entender que, ao ser accionado o penhor constituído pelos AA., estes ficaram sub-rogados na posição do credor: «Sendo o penhor constituído por terceiro e paga a dívida à custa da venda dos bens dados em penhor, fica o terceiro sub-rogado nos direitos do credor contra o devedor e contra terceiros, nos termos que resultem das relações internas entre eles, conforme o regime instituído no art. 592.º do CC» (sumário), vide Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 02-07-2009.
F)- Pois, se um dos avalistas, que também prestou penhor, se vir desapossado desse depósito, em execução do penhor pelo credor, este fica sub-rogado nos direitos desse banco credor, ficando investido em todos os direitos e com todas as garantias, ou seja e no caso, com a garantia do património do outro garante do banco, o seu sócio e também avalista – no caso a aqui 1.ª R. – que também tinha garantido a dívida, uma vez que as garantias acompanham a dívida transmitida.
G)- Em suma, atenta a factualidade dada como provada, e mesmo que não tenham os AA. invocado a figura da sub-rogação, deveria o Tribunal a quo ter-se decidido pela aplicação deste instituto, caso entendesse, como entendeu, ainda que sem o fundamentar, que não existe um verdadeiro direito de regresso, tanto mais que o Tribunal não está refém da qualificação jurídica que as partes dão aos factos por si alegados.
H)- Errou, assim, o Tribunal a quo na subsunção dos factos ao direito, fazendo uma errada apreciação das normas a aplicar, ao decidir que, no que se refere ao penhor, os AA. não têm o direito a ser ressarcidos da quota parte que pagaram a mais.
I)- No que à repartição das responsabilidades entre os co-avalistas diz respeito, não podem os AA. concordar com o entendimento defendido pelo Tribunal a quo, pois o mesmo, viola o regime legal supletivo previsto no Art. 516.º do CC, que estabelece como regra supletiva a regra da repartição igualitária tem como pressuposto que “…da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes”.
J)- No caso em apreço, a quota parte de responsabilidade entre os três co-avalistas não pode ser obtida pela mera operação aritmética de dividir a unidade por três , como fez o Tribunal a quo, pois, tal não vai ao encontro da real e fática relação existente entre os co-avalistas e entre estes e a sociedade avalizada.
K)- Já que, o A. marido e a 1.ª R. eram sócios da Sociedade avalizada, em partes iguais, ou seja, cada um detinha uma quota correspondente a 50% do capital social, e a A. mulher, apenas avalizou as livranças aqui em causa pelo facto de ser casada com um dos sócios, e não por deter ela própria a qualidade de sócia (Ponto 1 da matéria data como provada).
L)- Pelo que, os AA. representam um todo incindível, no que se refere à repartição da responsabilidade que advém da garantia prestada, pois só assim é respeitada a relação jurídica existente entre estes e a 1.ª R., no que à sua relação com a Sociedade avalizada diz respeito.
M)- O entendimento defendido pelo Tribunal a quo não só viola a ratio da lei ao determinar a posição igualitária entre todos os co-avalistas, pois ignora o trecho do normativo que refere que tal regra apenas se aplica “…sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes…”, bem como ignora os factos dados como provados e que permitem afastar a presunção de igualdade prevista no Art. 516.º do CC.
N)- Tanto mais que, a posição igualitária nas relações internas entre avalistas, sempre terá de ser determinada pela posição que cada um dos avalistas detém face à Sociedade avalizada. E essa posição é igual entre o A. marido e a 1.ª R. já que cada um detinha, à data, metade do capital social da referida Sociedade avalizada.
O)- Errou, pois, o Tribunal a quo ao considerar que o aval prestado pela A. mulher deve ser sopesado de forma autónoma entendendo que se existiram três avales então a responsabilidade é repartida por três, fazendo, assim, uma errada aplicação do disposto no Art. 516.º do CC, por não atender ao facto de que a A. mulher apenas prestou aval por ser mulher do A. marido e não por ter qualquer qualidade de sócia da Sociedade avalizada, o que, obviamente terá de influir na repartição das responsabilidades entre todos os avalistas, já que a posição desta não pode ser considerada igualitária face aos restantes dois avalistas, estes sim sócios da Sociedade avalizada.
P)- Assim, deve a sentença recorrida ser substituída por outra que decida que os AA. têm direito a ser ressarcidos de todas as quantias que ultrapassem a sua quota parte de responsabilidade, sendo esta equivalente a metade dos valores das dívidas em causa.
Q)- No que à divida ao BES diz respeito, o Tribunal a quo deu como provado que: “Por conta dessa dívida ao A. marido foi penhorada a quantia de € 1.990,14 (valor penhorado de junho a novembro de 2017).”
R)- Ao apenas dar como provada essa quantia, correspondente à penhora que incidiu sobre a pensão do A. marido entre os meses de Junho a Novembro de 2017, errou o Tribunal a quo na apreciação que fez da prova documental produzida, em concreto do documento junto como Documento 29, com o requerimento apresentado pelos AA. na data de 20 de Novembro de 2017.
S)- Pois, da referida prova documental resulta que foi ordenada a penhora na pensão que o A. marido aufere até ao pagamento da quantia de € 18.265,65 (dezoito mil duzentos e sessenta e cinco euros e sessenta e cinco cêntimos), e sendo descontado mensalmente a quantia de € 331,69 (trezentos e trinta e um euros e sessenta e nove cêntimos), desde Junho de 2017, tal desconto mensal não se verificou apenas até Novembro de 2017, mas verifica-se até hoje, já que ainda não foi alcançado o valor total em dívida.
T)- Assim, face à prova documental produzida, o Tribunal a quo sempre teria de dar como provados os pagamentos decorrentes das penhoras mensais pelo menos desde Junho de 2017 até à data da prolação da sentença, em Fevereiro de 2019, pois tais pagamentos foram efectuados, pois a penhora mensal é automaticamente realizada pela entidade pagadora da pensão ao A. marido, pelo que assistia aos AA. direito de regresso quanto aos mesmos.
U)- Em suma, atenta a prova documental produzida – Documento 29, com o requerimento apresentado pelos AA. na data de 20 de Novembro de 2017 – no que se refere ao Ponto 22 da matéria de facto dada como provado o Tribunal a quo sempre teria de ter decidido que por conta daquela dívida já foi penhorada ao A. marido a quantia de € 6.965,49 (seis mil novecentos e sessenta e cinco euros e quarenta e nove cêntimos), entre Junho de 2017 e Fevereiro de 2019.
V)- E, em resultado, ter reconhecido, quanto a esta dívida em concreto, que os AA. são detentores de um direito de crédito, face à 1.ª R., na presente data, no montante de € 3.482,74 (três mil quatrocentos e oitenta e dois euros e setenta e quatro cêntimos).
W)- No que ao direito de regresso diz respeito, o Tribunal a quo entendeu que “Com efeito, o direito de regresso apenas nasce com o pagamento. Antes deste não existe crédito.”, para fundamentar a decisão de julgar improcedente a alínea b) do pedido formulado pelos AA..
X)- Não podem os AA. aceitar tal entendimento, pois, o que foi peticionado foi o mero reconhecimento do direito de crédito dos AA., condicionado, obviamente, ao efetivo pagamento por parte destes, e não o reconhecimento do direito de regresso, sem mais, e sem estar condicionado à demonstração, a efectuar pelos AA. em sede de execução de sentença, da efectividade de tal pagamento.
Y)- Tanto mais que, só assim se acautelarão os legítimos direitos dos AA., pois, caso contrário, ver-se-ão forçados a instaurar várias ações declarativas, ao longo do tempo, e sempre sujeitos aos prazos prescricionais para o exercício dos seus direitos, para nas mesmas virem reclamar o reconhecimento dos seus direitos de crédito, face aos montantes que no futuro irão pagar.
Z)- Não é aceitável, nem é o que resulta do disposto no Art. 524.º do CC, que o A. se veja forçado a instaurar inúmeras acções ao longo do tempo, para reclamar de forma parcelar o seu direito, por se ver impedido de formular um pedido genérico de condenação dos RR. como fez na presenta acção.
Violou, assim, o Tribunal a quo, o disposto no Art. 524.º do CC, ao julgar improcedente o peticionado pelos AA. na alínea b) do pedido formulado.

AA)- Não podem os AA. aceitar o entendimento do Tribunal a quo de que: “Ora, os AA. não lograram demonstrar, como lhes competia (Art. 342.º do CC) o dolo da 1.ª R. nem a má-fé dos RR. (Cfr. alíneas f) a t) dos factos não provados), pelo que não se verificando estes requisitos da impugnação pauliana a acção tem de soçobrar.”
BB)- Não podem os AA. concordar com este entendimento do Tribunal a quo, pois, resulta da prova produzida, nomeadamente do depoimento das testemunhas Maria …. – depoimento de dia 17.10.2018, das 9h 49m 07s às 9h 58m 57s, Maria …..– depoimento de dia 10.10.2018 das 10h 18m 17 s às 10h 42m 46s, Ana Cristina ….. e Cunha ….. – depoimento de dia 10.10.2018, das 9h 56m 47s às 10h 17m 14 s, Andreia ….. – depoimento de dia 26.09.2018, das 9h 26m 49 s às 10h 00m 25s, não só o dolo da 1.ª R., como a má fé dos restantes RR., pelo que, deveria o Tribunal a quo ter dado como provados os factos vertidos nas alíneas f) a t), e w) dos factos não provados.
CC)- Resulta de tais depoimentos que a 1.ª R. agiu com dolo, pois esta bem sabia que, decorrente da insolvência da Sociedade e uma vez que no âmbito desta os credores não foram ressarcidos, estes iriam acionar as garantias de que eram titulares para acautelarem os seus direitos; bem sabia a 1.ª R. que ao proceder como procedeu, não sendo titular de qualquer bem, atenta a partilha realizada e a venda concretizada, ficaria com o seu património protegido de qualquer tentativa por parte dos credores em fazerem-se pagar por conta desse património, bem sabia que os AA. haviam prestado penhor relativamente ao crédito concedido pela CGD e, como tal, bem sabia que sendo acionada tal garantia o pagamento seria feito, pois o depósito dado de penhor não era passível de mobilização, suportando os AA, na íntegra, tal prejuízo.
DD)- A 1.ª R. agiu de forma consciente e dolosa, com o único propósito de acautelar o seu património, de forma a não permitir que este fosse afetado pelos credores, bem sabendo que com este seu comportamento, por um lado, os AA. seriam chamados a pagar a totalidade dos valores em dívida, e, por outro lado, quando os AA. viessem reclamar o pagamento da sua quota parte nas responsabilidades em causa, não teriam qualquer meio de verem os seus legítimos créditos ressarcidos.
EE)- Pelo que, errou o Tribunal a quo na apreciação da prova testemunhal produzida, pois tivesse o Tribunal realizado uma correta apreciação da prova testemunhal acima referida e teria dado como provadas as alíneas f) a t) da matéria de facto não provada.
FF)- Ademais, tudo o atrás dito, foi assim entendido pelo Tribunal a quo ao dar como provados os Pontos 43, 44, 47 e 48, da matéria dada como provada.
GG)- Tendo o Tribunal a quo chegado a tal conclusão de forma clara, e inequívoca, face ao encadear de factos que lhe foram apresentados e com recurso a uma presunção judicial.
HH)- Ora, não se entende como o Tribunal a quo, não considerou demonstrado o dolo da 1.ª R. ao outorgar as referidas escrituras, e não considerou demonstrado que esta apenas agiu com o propósito de prejudicar a garantia dos credores, e de inviabilizar o ressarcimento de qualquer crédito, passado, presente ou futuro.
II)- Já que, a factualidade acima referida e na qual o Tribunal a quo assentou a sua fundamentação para dar tais factos como provados – Pontos 43, 44, 47 e 48, da matéria dada como provada – é a mesma que permite concluir, sem margem para dúvidas que a 1.ª R. agiu de forma dolosa, de forma a voluntariamente impossibilitar que o credor obtivesse a satisfação integral do seu crédito.
JJ)- Mais, a sentença é contraditória ao dar como provados os Pontos 44 e 48 da matéria dada como provada, e como não provados os factos vertidos nas alíneas f), g), h), i), l), m), n), o), p), q), t), e w), da matéria de facto não provada, pois a mesma factualidade vertida nos autos que permitiu ao Tribunal realizar a presunção judicial para prova dos Pontos 44 e 48 da matéria dada como provada, é a mesma que permitiria ao Tribunal a quo, realizar o mesmo raciocínio e socorrer-se da mesma presunção judicial para dar como provados os factos vertidos nas alíneas f), g), h), i), l), m), n), o), p), q), t), e w), da matéria de facto não provada.
KK)- Errou, pois o Tribunal a quo, ao não considerar verificada a conduta dolosa da 1.ª R..
LL)- Dito isto, sempre se dirá que de qualquer modo, nem era necessário aos AA. provarem o dolo do devedor, pois, ao contrário do entendido pelo Tribunal a quo, os créditos aqui em causa não são posteriores aos actos impugnados, mas sim anteriores, já que, o momento relevante é o momento da subscrição e avalização das livranças e da constituição do penhor aqui em causa, pelo que, tais créditos são manifestamente anteriores aos atos impugnados.
MM)- Assim, a anterioridade do crédito para efeitos da al. a), do Art. 610.º do CC,  afere-se pela data da sua constituição e não pela data do seu vencimento e que o crédito resultante da assinatura de uma livrança constitui-se na data da respetiva emissão e não na do vencimento desta. O mesmo se diga relativamente ao penhor.
NN)- Donde, deveria ter o Tribunal a quo considerado os créditos aqui em causa como anteriores aos actos impugnados, considerando verificado os requisitos da impugnação pauliana previsto na alínea a), do Art. 610.º do CC.
OO)- No que à má fé dos RR. diz respeito, exigida nos termos do disposto no Art. 612.º do CC, já se os actos impugnados se tratam de actos gratuitos, entendeu o Tribunal a quo que os AA. não lograram provar a má fé dos RR.
PP)- Atentos os depoimentos atrás vertidos Maria …. – depoimento de dia 17.10.2018, das 9h 49m 07s às 9h 58m57s, Maria Madalena …… – depoimento de dia 10.10.2018 das 10h 18m 17 s às 10h 42m 46s, Ana Cristina ……. – depoimento de dia 10.10.2018, das 9h 56m 47 s às 10h 17m 14s, Andreia ….. – depoimento de dia 26.09.2018, das 9h 26m 49 s às 10h 00m 25s, não podem os AA. concordar com esse entendimento, pois de tal prova resulta que os RR., como outorgantes dos actos lesivos, representaram que esse acto afetaria a satisfação do crédito do credor. Resulta mais, já que resulta mesmo que, não só representaram tal possibilidade, como desejaram tal resultado.
QQ)- Se os RR. tinham conhecimento das dívidas da Sociedade e de que esta foi declarada insolvente sem que os credores fossem pagos, então é de concluir que também tinham conhecimento de que estes, não sendo pagos, iriam atacar o património dos garantes para verem os seus créditos ressarcidos.
RR)- Pelo que, é de concluir que os RR., no mínimo, tinham consciência do prejuízo causado aos credores, entre eles aos aqui AA., com a outorga dos actos impugnados. Assim, errou o Tribunal a quo ao dar como não provados os factos constantes das alíneas j), k), r) e s), da matéria de facto não provada.
SS)- No que à diminuição da garantia patrimonial do crédito decorrente dos atos praticados diz respeito, entendeu o Tribunal a quo que se encontra preenchido o requisito previsto no Art. 611.º do CC, por entender que foi demonstrado que “…o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor.”.
TT)- Porém, relativamente ao alegado bem a que o Tribunal se refere a 1.ª R. é apenas titular de uma quota ideal em metade do mesmo, a qual não é quantificável até tal bem ser partilhado, o que não se sabe quando ocorrerá e a ocorrer sempre poderá dar-se o caso de à 1.ª R. não ser adjudicado o bem, ou vir esta afirmar que já recebeu as tornas a que teria direito. Quota ideal essa que, atento o número e qualidade dos restantes herdeiros corresponderá a 18,75%, dessa metade do referido imóvel, ou seja, 9,375% da totalidade do mesmo, o qual tem um valor patrimonial de € 279,55 (duzentos e setenta e nove euros e cinquenta e cinco cêntimos).
UU)- Mais, o valor de mercado que teria a quota ideal a que a 1.ª R. tem direito é nulo, pois, ninguém quererá adquirir uma quota ideal num terreno, ficando sujeito às vontades dos restantes herdeiros. Pelo que, nunca será possível obter qualquer produto deste bem que satisfaça os legítimos créditos dos AA..
VV)- Face ao exposto, é notório que não é o facto de a 1.ª R. ser titular de uma quota ideal em metade deste bem imóvel, a qual representa 9,375% da totalidade do bem, que afasta o preenchimento dos requisitos da impugnação pauliana, pois, tal quota ideal, não tem a virtualidade de ser suficiente para ressarcir os AA..
WW)- Pelo que, errou o Tribunal a quo ao entender que se encontra preenchido o requisito previsto no Art. 611.º do CC.
XX)- Face ao supra exposto, é, pois, de concluir que se encontram preenchidos os requisitos cumulativos da impugnação pauliana pelo que deveria o Tribunal a quo ter julgado procedentes as alíneas c), a f), do pedido formulado pelos AA..  
   
Contra-alegaram os RR. pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida. 

Apresentaram as seguintes conclusões:
I.- Em nosso entender, a sentença proferida não merece qualquer censura, sendo a decisão sobre a matéria de facto irrepreensível. A convicção do juiz é livre e está devidamente fundamentada, nada havendo a apontar ao douta e criteriosamente decidido.
II.- Aos pedidos dos AA a Meritíssima Juiz “a quo” na sua douta sentença decidiu: “Julgar a acção parcialmente procedente e em consequência:
– condena-se a 1ª R. a reconhecer o direito de crédito dos AA. que sobre si impende, no montante de € 7.040,94 (sete mil e quarenta euros e noventa e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa anual de 4%, desde a data da citação, até efectivo e integral pagamento;
2.– absolver-se os RR. do demais peticionado.
III.- Face ao pedido dos AA, o Tribunal a quo entendeu que os AA, relativamente aos créditos provenientes de avales prestados, têm direito de regresso contra a 1ª Ré, o mesmo não se passando com o penhor constituído pelos AA.
IV.- Os AA nunca invocaram o instituto da sub-rogação, e nesse sentido nunca requereram que fosse reconhecido aos AA que com o pagamento através do penhor ficaram sub-rogados na posição do credor CGD.
V.-Quanto à repartição das responsabilidades entre os co-avalistas, o Tribunal entendeu, e bem, que ao contrário do alegado deve recair “sobre cada avalista a sua quota-parte de responsabilidade, que se presume ser igual para todos, e existindo a prestação de três avales nas livranças em causa, o direito de regresso sobre a 1ª R. é relativamente a 1/3 – e não 1/2 (artº 516º do C.C.).”
VI.- O aval prestado pela A. mulher não deve ser sopesado de forma autónoma, entendendo, que se existiram três avales então a responsabilidade é repartida por três.
VII.- Relativamente à factualidade dada como provada no ponto 22 e por referência à dívida ao BES, o Tribunal a quo deu como provado que: “Por conta dessa dívida ao A. marido foi penhorada a quantia de € 1.990,14 (valor penhorado de junho a novembro de 2017).”
VIII.- Não existe prova nos autos que aquela penhora se tenha concretizado para além daquele valor. O facto de ter sido ordenada a penhora não pode, sem mais, servir para provar que outros valores foram efectivamente penhorados a esse título.
IX.- Cabia aos AA fazer prova das penhoras efectivamente realizadas, o que não aconteceu.
X.- Acresce, que para apurar a responsabilidade da 1ª Ré, apenas poderíamos atender a 1/3 daquela quantia, ou seja 2.321,83€ e não os 3.482,72€ como pretendem os AA.
XI.- Não é possível reconhecer o direito de crédito futuro dos AA. face à 1ª Ré, relativamente a quaisquer quantias que este venha a pagar, referentes aos créditos identificados nos artigos 22.º e 28.º, em tudo o que exceda a quota-parte de que são responsáveis, em montante a liquidar em execução de sentença.
XII.- O direito de regresso contra co-devedor, nos termos do art. 524º do CC, só nasce após satisfação do credor por parte do devedor; pago pelo A/devedor ao Banco/credor a quantia devida emergente do dito aval, nesse momento nasceu o seu direito de regresso contra o co-devedor.
XIII.- Face aos pagamentos que os AA ainda não efectuaram inexiste qualquer direito de regresso dos AA. O crédito per si só vai nascer com o efectivo pagamento, podendo dar-se o caso de nem nascer.
XIV.- Os AA. não lograram demonstrar, como lhes competia (artº 342º do C.C.) o dolo da 1ª R. nem a má-fé dos RR. (cfr. alíneas f) a t) dos factos não provados), pelo que não se verificando estes requisitos da impugnação pauliana a acção tem de soçobrar.”
XV.- Não resulta dos depoimentos das testemunhas Maria …., Maria ……, Ana ….. e Cunha ….. e Andreia …… nem que a 1.ª R. agiu com dolo nem resulta provada a má-fé dos RR.
XVI.- O Tribunal a quo esteve bem na apreciação da prova testemunhal produzida, porquanto nenhum dos depoimentos contraria os factos dados como não provados nas al. f) a t) dos factos não provados.
XVII.- O requisito do artigo 610º do Cód.Civil não está preenchido, pois os actos impugnados não foram dolosa ou, conscientemente realizados para prejudicar a satisfação do crédito dos AA.
XVIII.- Não existe qualquer contradição do tribunal ao considerar como provados os pontos 43, 44, 47 e 48, e a matéria de facto não provada das alíneas f), g), h), i), l), m), n), o), p), q), t), e w.
XIX.- Os bens partilhados não eram exclusivamente da 1ª Ré; e o imóvel que a 1ª Ré vendeu ao 6º R. tinha uma hipoteca voluntária liquidada no acto da escritura pelo montante de 76.174,00 €, pelo que mesmo esse imóvel, porque onerado, nunca poderia ser usado para garantir pagamentos como garante.
XX.- Os AA. não lograram demonstrar, como lhes competia (artº 342º do C.C.) o dolo da 1ª R. nem a má-fé dos RR. (cfr. alíneas f) a t) dos factos não provados), pelo que não se verificando estes requisitos da impugnação pauliana a acção não pode proceder conforme peticionado pelos AA.
XXI.- É requisito da impugnação pauliana a anterioridade do crédito face ao ato impugnado, e caso seja posterior, que tenha sido dolosamente realizado para prejudicar a satisfação do crédito futuro.
XXII.- Os actos impugnados (partilhas e compra e venda) foram celebrados em 30/03/2012, 17/04/2012 e 07/11/2011, pelo que se conclui que os créditos dos AA. são posteriores (pagamentos efectuados de 21/08/2012 a 21/12/2012 à Sofinloc, de junho a novembro de 2017 ao Novo Banco/BES, de Outubro de 2014 a 13/07/2106 ao Santander e em 22/12/2014 à C.G.D.), sendo, pois, exigível o dolo do devedor (artº 610º, al. a) do C.C.).
XXIII.- Sendo a acção intentada por um co-avalista – e não pelo Banco titular da livrança – não pode dizer-se que o crédito daquele sobre outro avalista tenha surgido na data em que a livrança foi subscrita e avalizada por não existir qualquer direito de crédito entre avalistas enquanto não ocorrer o pagamento, voluntário ou coercivo, daquela.
XXIV.- Na relação entre co-avalistas dos presentes autos, estamos perante uma obrigação contratual, em o crédito de um co-avalista sobre outro, concernente à parte que lhe cabe na divisão da responsabilidade, apenas nasce com o mencionado pagamento, não se aplicando às referidas relações o disposto no art. 32.º, § 3.º, da LULL.
XXV.- Vigorando entre os co-avalistas a solidariedade, o direito de regresso que um deles adquire quando paga a livrança apenas se constitui nesse momento e não no momento em que foi prestado o aval.
XXVI.- Não houve qualquer erro do Tribunal a quo ao dar como não provados os factos constantes das alíneas j), k), r) e s), da matéria de facto não provada.
XXVII.- As 2ª a 5ª Rés com realização das escrituras de partilhas autos, nada mais pretenderam senão exercer um direito que se lhes assiste, a partilha bens comuns, para que cada um pudesse livremente dispor do seu património, o que foi exigido por todos os que estavam em comunhão.
XXVIII.- Nunca houve intenção, nem conluio, na realização da partilha, com o propósito de esvaziar o património da 1ª Ré, no sentido de prejudicar os eventuais credores daquela, mas apenas e só, dispor e usufruir dos bens que lhes cabiam por direito, como consequência do óbito do seu pai e marido.
XXIX.- A 1ª Ré não era única e exclusiva proprietária dos bens partilhados, pois que nas partilhas invocadas concorreram a 5ª Ré na qualidade de cônjuge sobrevivo, e as 1ª a 4ª Rés, na qualidade de filhas do de cuius.
XXX.- O crédito dos AA é posterior tanto à venda como às partilhas nestes autos impugnadas, e, por esse facto, as 1ª a 5ª RR, desconheciam se iram vencer-se ou não, os créditos reclamados; aliás, as 2ª a 5ª RR nem tinham que conhecer os créditos dos credores da 1ª Ré, e muito menos, da sociedade invocada e de que a 1ª Ré e os AA foram sócios.
XXXI.- Desconhecendo, e sem obrigatoriedade de conhecer, as 3ª a 5ª RR não podem ser acusadas de, juntamente com a 1ª Ré, intencionalmente prejudicar os credores daquela, até porque, repete-se, estamos a falar da partilha de bens comuns e não de bens próprios da 1ª Ré.
XXXII.- Com o acto de partilha, o património da 1ª Ré não foi esvaziado, como pretendem fazer valer os AA, tanto assim que a 1ª Ré, apesar de não ter ficado com os imóveis partilhados, recebeu as tornas a que efectivamente tinha direito.
XXXIII.- Quanto à venda, o 6º R. adquiriu formalmente a fracção autónoma identificada na PI na data de 07.11.2011 porquanto tinha interesse em investir em imobiliário.
XXXIV.- Quando o 6º R. reuniu o capital necessário para concluir o negócio da compra e venda da fracção, foi agendada a escritura, tendo o 6º R emitido o cheque visado sobre o BBVA com o n.º 3804055881, sacado da sua conta pessoal, em nome da 1ª Ré no montante de 76.200,00 euros. Montante que foi depositado na conta da 1ª Ré e imediatamente transferido para o credor hipotecário pagando-se, deste modo, a dívida hipotecária.
XXXV.- À data da escritura, o 6º R. desconhecia, nem tinha que conhecer, que negócios jurídicos foram celebrados entre a 1ª Ré, os AA e/ou outros credores.
XXXVI.- Não houve qualquer consciência ou intenção, nem do 6º R., nem da 1ª Ré, de impossibilitar os Autores de virem a ser ressarcidos dos seus créditos, até porque como se disse, desconhecia-se a sua existência.
XXXVII.- Os factos constantes das alíneas j), k), r) e s), da matéria de facto não provada, não podem por isso ser considerados como provados.
XXXVIII.- Com a outorga dos actos impugnados os RR., não tinham consciência do prejuízo causado aos credores, entre eles aos AA.
XXXIX.- Está preenchido o requisito previsto no art. 611.º do CC, por se entender que está demonstrado que a 1ª Ré possui bens penhoráveis de igual ou maior valor.
XL.- A 1ª R. é detentora de um direito sobre um prédio, não da totalidade, de valor comercial entre € 71.000 e € 641.000., tem 12.582,00 m2, e face à especulação do mercado imobiliário o seu valor tem vindo a aumentar, encontra-se numa zona urbanizada, pelo que o produto da quota ideal a que a 1.ª R. tem direito irá facilmente satisfazer os legítimos créditos dos AA.
XLI.- Não se encontrando preenchidos os requisitos cumulativos da impugnação pauliana pelo não merece qualquer censura a decisão do Tribunal a quo que julgou improcedentes por não provadas as alíneas c), a f), do pedido formulado pelos AA.
XLII.- Pelo Exposto, nada há a criticar na douta sentença recorrida, a qual é de manter in totum.
XLIII.- A decisão sobre a matéria de facto, além de correcta e criticamente fundamentada, é irrepreensível.
XLIV.- Deve por conseguinte, manter-se a douta sentença recorrida nos exactos termos proferidos por não merecer qualquer censura.

II–FACTOS PROVADOS.

Foi dado como provado em 1ª instância:
1.- O A. marido e a 1.ª R. foram sócios da Sociedade Comercial “Spe Duci, Lda”, pessoa coletiva número 5.......5, com sede social na Av. ….., N.º , Galerias Central Park, Loja 1.28, 2795 – 193 Linda-a-Velha.
2.- Por escritura de 12 de Outubro de 2011, os AA. (casados no regime de comunhão de adquiridos), cederam a sua quota, de valor nominal de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), na referida sociedade comercial à 1ª R., acto inscrito no registo comercial em 12 de Outubro de 2011.
3.- O A. foi sócio da referida sociedade comercial entre 22 de Dezembro de 2009 e 12 de Outubro de 2011.
4.- A Spe Duci celebrou contratos de diversa natureza, junto de várias instituições bancárias, tendo os AA. prestado garantias pessoais no âmbito dos mesmos.
5.- Entre a Spe Duce e SOFINLOC – Instituição Financeira de Crédito, SA foi celebrado um locação financeira n.º 651752, conforme documento junto a fls. 35 e ss., cujo teor aqui se dá por reproduzido.
6.- No âmbito do aditamento ao referido contrato de locação financeira outorgado em 11 de Setembro de 2009, os AA., prestaram aval à Spe Duci, Lda., tal como a 1.ª R., assinando uma livrança em branco a favor da SOFINLOC.
7.- Atento o incumprimento por parte da Spe Duci, Lda., a SOFINLOC – Instituição Financeira de Crédito, SA, rescindiu o contrato de locação financeira acima referido, e em consequência de tal rescisão contratual procedeu, na data de 25 de Julho de 2012, ao preenchimento da referida livrança, pelo montante então em dívida, o qual totalizava a quantia de € 4.518,70, e foi nela aposta, como data de vencimento, a data de 16 de Agosto de 2012.
8.- Por carta datada de 25 de Julho de 2012 a SOFINLOC – Instituição Financeira de Crédito, SA, comunicou ao A., além do mais, referindo-se ao contrato de locação nº 651752, que “na sequência da rescisão do contrato supra referido e em virtude de permanecerem valores em dívida, vimos por este meio informar que completámos nesta data o preenchimento da livrança avalizada por V. Exª e subscrita por SPE DUCI, Lda que nos fora entregue em branco para garantia de todas as responsabilidade decorrentes do referido contrato.
Mais informamos que o valor da livrança é de EUR 4.518,70 e o seu vencimento ocorrerá aos 16/08/2012, data até à qual nos deverá ser paga (...) sob pena de imediata execução judicial. (...) Caso pretenda continuar a refugiar-se no silêncio, lamentamos informá-lo que daremos instruções imediatas aos nossos advogados para perseguirem a cobrança judicial da dívida. Esse processo implica a intervenção do Tribunal e dos Senhores Solicitadores de Execução e passará pela penhora de bens ou de direitos até que a dívida e todas as despesas de cobrança se encontrem pagas.(...)”
9.- Para obviar que contra os AA. fosse instaurada qualquer acção executiva para cobrança coerciva desta quantia, os AA. efetuaram o pagamento da totalidade da mesma à entidade credora.
10.- Tendo efetuado o pagamento em prestações mensais e sucessivas, de 21 de Agosto de 2012 a 21 de Dezembro de 2012, para pagamento integral da quantia acima referida.
11.- Em 5 de Abril de 2011 a Spe Duci, Lda. celebrou com a Caixa Geral de Depósitos o contrato de abertura de crédito em Conta Corrente nº PT 00350217001877492 e Empréstimo MLP n.º PT 00350217001878891, conforme documentos nºs. 6 e 7 anexos à p.i., cujo teor aqui se dá por reproduzido.
12.- Nestes contratos, os AA. prestaram aval à Spe Duci, Lda., tal como a 1.ª R..
13.- Os AA. constituíram, ainda, um penhor sobre o depósito n.º 0217006264934 efetuado na Caixa Geral de Depósitos, por si titulado, para garantia das duas mencionadas operações.
14.- Em virtude dos incumprimentos das referidas operações, a Caixa Geral de Depósitos, na data de 4 de Setembro de 2013, mobilizou do depósito titulado pelos AA., a quantia total do mesmo, no montante de € 122.045,02, assim liquidando na totalidade a dívida relativamente à operação PT 00350217001877492 e efetuando o pagamento parcial da quantia em dívida referente à operação PT 00350217001878891.
15.- Os AA. efetuaram em 22 de Dezembro de 2014, o pagamento da quantia de € 2.967,16, assim liquidando na totalidade a operação PT 00350217001878891.
16.- Na data de 31 de Agosto de 2010, a Spe Duci, Lda. celebrou um contrato de mútuo (Contrato n.º 60009434072), com o Banco Espírito Santo.
17.- Nesse contrato de mútuo, os AA. prestaram aval à Spe Duci, Lda., tal como a 1.ª R., assinando uma livrança em branco a favor do Banco Espírito Santo.
18.- Em virtude de se encontrar por regularizar o valor de 11.710,03, o Banco Espírito Santo, na data de 23 de Abril de 2012, comunicou ao A. que deveria proceder à regularização da dívida, sob pena de o processo ser enviado para o departamento de contencioso.
19.- E nessa sequência foi instaurada ação executiva, com base na referida livrança., emitida em 31 de Agosto de 2010 e vencida em 4 de Novembro de 2016, no valor de € 16.409,83, na qual os AA. e a 1ª R. são executados, e que corre termos no Juízo de Execução de Sintra - Juiz 3, da Comarca de Lisboa Oeste, sob o n.º 3740/17.1T8SNT.
20.- No âmbito dessa ação executiva, foi penhorada a pensão auferida pelo A. marido, junto da Caixa Geral de Aposentações, até ao limite da quantia de € 18.265,65.
21.- O A. marido aufere uma pensão ilíquida de € 1.151,50, sendo que foi ordenada a penhora de 1/3 da mesma, estando a ser penhorado desde junho de 2017 a quantia mensal de € 331,69.
22.- Por conta dessa dívida ao A. foi penhorada a quantia de € 1.990,14 (valor penhorado de Junho a Novembro de 2017).
23.- Relativamente a esse mesmo mútuo existe outro valor em dívida, à LISGARANTE, no montante de € 8.593,75.
24.- O mútuo concedido pelo Exequente acima referido à sociedade Spe Duci, Lda., e o qual foi avalizado pelos AA., foi celebrado no âmbito de uma linha de crédito de apoio às PME, denominada Linha PME Invest VI.
25.- E, no âmbito desse contrato, para além da livrança avalizada pelos AA. e pela 1ª R. foi, ainda, constituída a favor do mutuário uma garantia autónoma, até ao montante máximo de € 12.500,00, pela Lisgarante – Sociedade de Garantia Mútua, S.A..
26.- O mutuário, em virtude do incumprimento da devedora principal, acionou tal garantia autónoma à primeira solicitação, tendo recebido, por conta da mesma, por parte da Lisgarante – Sociedade de Garantia Mútua, SA, a quantia de € 8.593,75.
27.- A Lisgarante interpelou o A., por carta de 5 de Março de 2018, para efetuar o pagamento daquela quantia.
28.- Na data de 1 de Janeiro de 2009, a Spe Duci, Lda. celebrou um contrato de aluguer de longa duração (Contrato n.º 5069163) referente a um veículo automóvel com a matrícula ...-...-..., de marca HYUNDAI, modelo Santa Fé 2.2 CRDI, com o Banco Santander Totta.
29.- Relativamente a esse contrato, os AA. prestaram aval à Spe Duci, Lda., tal como a 1.ª R., assinando uma livrança em branco a favor do Banco Santander Totta.
30.- A Spe Duci, Lda., procedeu à entrega voluntária do referido veículo automóvel, não tendo, porém, efetuado o pagamento das quantias referentes às mensalidades vencidas e não pagas, e da indemnização devida pela resolução do contrato, bem como das despesas de cobrança e de contencioso, cujo montante global, em 17 de Fevereiro de 2014, ascendia à quantia de € 8.901,79.
31.- Em virtude do não pagamento da quantia supra referida, o Banco Santander Totta, na data de 6 de Maio de 2014, comunicou aos AA. que iria proceder ao preenchimento da livrança em branco.
32.- A referida livrança foi preenchida pelo montante de € 9.765,14, e foi nela aposta, como data de vencimento, a data de 14 de Maio de 2014.
33.- O Banco Santander Totta instaurou acção executiva contra os AA. e a 1ª R., com base na referida livrança, a qual corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Instância Central – 2.ª Secção de Execução – Juiz 2, sob o processo n.º 3120/14.0TBOER, no âmbito da qual foi ordenada a penhora de 1/3 da pensão auferida pelo A. marido.
34.- Penhora essa que teve início em Outubro de 2014, ascende a € 317,30 mensais, até ao pagamento da quantia previsível de € 11.216,14.
35.- O A. marido efetuou, na data de 13 de Julho de 2016 o pagamento do remanescente em dívida, no montante de € 3.939,06.
36.- Os AA. pagaram a totalidade da quantia peticionada no âmbito dos autos executivos melhor identificados no item 33 supra, tendo sido paga por aqueles a quantia total de € 11.646,83, tendo, consequentemente sido declarada extinta a referida execução.
37.- A 1ª R. , em nome e representação da sociedade Spe Duci, Lda. requereu a Insolvência desta, junto do Tribunal de Comércio de Lisboa, na data de 27 de Março de 2012, a qual veio a ser declarada, na data de 18 de Abril de 2012, no âmbito do processo que correu termos no 2.º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, sob o n.º 572/12.7 TYLSB.
38.- E, na data de 1 de Março de 2013, foi proferida decisão de encerramento do processo, determinada por insuficiência da massa insolvente, nos termos do disposto nos Artigos 230.º, n.º 1, alínea d) e 232.º, n.º 2, do CIRE.

39.- A 1.ª R. era titular de uma quota-parte indivisa, em virtude do óbito de seu pai, José ...., falecido a 17 de Março de 1997, nos seguintes bens imóveis:
a)- Prédio urbano descrito sob o n.º 3..., da freguesia de Carcavelos, na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, e inscrito na matriz urbana sob o artigo ...3;
b)- Metade das frações autónomas designadas pelas letras “A”, “E”, e “G”, do prédio urbano descrito sob o n.º 2..., freguesia de Carcavelos, na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, e inscrito na matriz urbana sob o artigo ...6.

40.- Por escrituras de partilha outorgadas em 30 de Março de 2012 e 17 de Abril de 2012, as 1.ª a 5ª RR., enquanto herdeiras, procederam à partilha do imóvel identificado em a) do item anterior (partilha de 30 de Março de 2012) e da metade das frações identificadas na alínea b) do item anterior (partilha de 17 de Abril de 2012).
41.- Na partilha outorgada em 30 de Março de 2012 o usufruto do bem imóvel foi adjudicado à R. Lucinda ...., e a nua propriedade às restantes herdeiras (2ª a 4ª RR.) e a 1.ª R. declarou já ter recebido as tornas a que teria direito.
42.- Na partilha outorgada em 17 de Abril de 2012 foi adjudicado à R. F a metade da fração autónoma “A”, à R. D, a metade da fração “E”; à R. E a fração “G”, tendo a R. G declarado que prescinde de tornas e a 1.ª R. declarou já ter recebido as tornas a que teria direito.
43.- Na data em que foi realizada a partilha, a 1.ª R. como única sócia e gerente da Spe Duci, Lda., já sabia que os credores da sociedade não iriam ser pagos no âmbito do processo de insolvência, pois bem sabia que não existiam bens para tal.
44.- E que não sendo os credores pagos pela massa insolvente iriam exigir o pagamento aos garantes.
45.- A 1.ª R. era, igualmente, proprietária da fração autónoma identificada com as letras “AP”, do prédio urbano descrito sob o n.º 3343, freguesia de Carcavelos, na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, e inscrito na matriz urbana sob o artigo ...7.
46.- Por escritura pública outorgada na data de 7 de Novembro de 2011, a 1ª R. vendeu a referida fração autónoma a Enrique .....
47.- Na data em que foi realizada a venda, a 1.ª R. como única sócia e gerente da Spe Duci, Lda., já sabia que esta não iria cumprir com as suas obrigações, e que a sociedade não dispunha de bens para fazer face aos créditos existentes
48.- Sabia, ainda, que em consequência, os credores iriam reclamar os seus créditos junto dos garantes.
49.- O 6.º R. é marido/companheiro da 3ª R.
50.- Após a venda a 1ª Ré continua a residir na fração.
51.- Os resultados líquidos de exercício da sociedade, relativos aos anos de 2009 e 2010, já apresentavam resultados negativos.
52.- À Spe Duci foram aplicadas coimas devidas à AT pela falta de entrega de imposto exigível nos meses de Julho, Agosto e Setembro de 2011.
53.- A Spe Duci não efetuou o pagamento das rendas de ambos os estabelecimentos da sociedade, devidas desde Fevereiro de 2011.
54.- A insolvência da sociedade Spe Duci foi qualificada como fortuita por sentença proferida em 22 de Outubro de 2012, no apenso F – do Incidente de qualificação insolvência.
55.- Também contribuiu para o declínio da sociedade que, após a saída do 1º A, este tivesse interposto contra a sociedade uma execução, do qual resultou penhorado o recheio do único estabelecimento que a sociedade ainda tinha aberto.
56.- A 1ª Ré, por conta da partilha a efectuar, já tinha solicitado a algumas das RR. adiantamentos de capital para ir liquidando dívidas da sociedade (cfr. pagamentos efetuados pela 2ª Ré, a pedido da 1ª Ré, como adiantamento de capital, à Segurança Social, devidos pela sociedade SPE DUCI, no montante global de 8.402,02 euros em Outubro de 2011; pagamentos devidos pela sociedade SPE DUCI, no montante global de 14.629,84 euros à Autoridade Tributária e efetuados pela 5ª Ré) e pessoais, sendo que as RR. tinham conhecimento de dívidas da sociedade.
57.- O 6º R. efectuou a entrega de parte do preço da compra antes da data da celebração da escritura.
58.- A venda efectuou-se porque a 1ª Ré estava numa situação pessoal e financeira difícil, sem rendimentos para se sustentar a si e ao seu filho menor, situação que nunca lhe permitiria pagar a dívida do empréstimo hipotecário que recaia sobre este imóvel.
59.- Na data da escritura o 6º R emitiu o cheque visado sobre o BBVA com o n.º 3804055881, sacado da sua conta pessoal, em nome da 1ª Ré no montante de 76.200,00 euros.
60.- Esse montante foi depositado na conta da 1ª Ré e imediatamente transferido para pagamento de empréstimo que esta havia contraído junto de entidade bancária, no montante de € 76.174,00.
61.- Entre o 6º R. e a 5ª R. foi celebrado um contrato de arrendamento em 7 de Novembro de 2011, no qual o 6ª R. deu de arrendamento à 5ª R. o imóvel descrito no item 45, no qual foi prestada fiança por terceiros, e por via deste, a 1ª R. continua a residir no imóvel.
62.- Mostra-se inscrita, em 2 de Setembro de 1998, a favor das 1ª a 5ª Rés a aquisição, por dissolução da comunhão conjugal e sucessão, de ½ de um prédio constituído pela parcela A, inscrito na matriz sobre o art. 132 secção S, sito em Varge Mondar, concelho de Sintra, descrito na C.R.Predial de Sintra sob o n.º 1.... da freguesia de Rio de Mouro, cujo valor comercial se situa entre € 71.000 e € 641.000.    
 
III–QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.

São as seguintes as questões jurídicas que importa dilucidar:
1– Impugnação da decisão de facto. Alteração do ponto 22 dos factos dados como provados. Modificação para provada da resposta negativa dada pelo Tribunal aos pontos referenciados nas alíneas f), g), h), i), j), k), l), m), n), o), p), q), r), s), t) e w).
2– Titularidade de direito de regresso dos AA. sobre a Ré. relativamente ao penhor prestado pelos primeiros e que determinou a mobilização de um depósito bancário – que constituía o respectivo objecto – por parte da Caixa Geral de Depósitos. Crédito de € 61.022,51. Figura da subrogação não invocada pelos AA. no seu articulado. Inêxistência de responsabilidade pessoal da sócia da sociedade relativamente à dívida garantida pelo penhor constituído por um dos sócios com vista a garantir dívidas da sociedade.
3– Divisão de responsabilidade entre co-avalistas. Interpretação do artigo 516º do Código Civil. Presunção igualitária. Casos de afastamento da presunção. Medida de responsabilidade de cada um.
4– Dívida ao BES. Alcance temporal de condenação pretendido pelos apelantes (de Junho de 2017 até à prolação da sentença). Constituição do direito de regresso. Necessidade de pagamento efectivo. Pedido de condenação genérica. Prestações futuras.
5– Impugnação pauliana. Prova do dolo e da má fé. Natureza anterior ou posterior do acto impugnado em relação à constituição da dívida perante os impugnantes. Situação particular do exercício do direito de regresso entre co-avalistas, dependente do pagamento realizado ao credor por um dos co-obrigados.

Passemos à sua análise:
1– Impugnação da decisão de facto. Alteração do ponto 22 dos factos dados como provados. Modificação para provada da resposta negativa dada pelo Tribunal aos pontos referenciados nas alíneas f), g), h), i), j), k), l), m), n), o), p), q), r), s), t) e w).

Está em causa a análise dos seguintes factos dados como provados e não provados pelo juiz a quo.

Factos provados:
“Por conta dessa dívida ao A. foi penhorada a quantia de € 1.990,14 (valor penhorado de Junho a Novembro de 2017)”.

Factos não provados:
Alínea f): “Foi a 1.ª R. quem provocou a situação financeira da Spe Duci, Lda., com o propósito de que, bem sabendo das garantias prestadas pelos AA., estes não tivessem qualquer forma de ver os seus créditos ressarcidos, pela Spe Duci, Lda., após efetuar o pagamento aos credores da sociedade”.
Alínea g): “Bem sabia a 1.ª R. que, se esvaziasse o seu património, o A. não teria forma de ver ressarcidos os seus créditos”.
Alínea h): “A partilha, realizada da forma como o foi, teve, apenas e exclusivamente, em vista prejudicar os AA., obstando a que estes obtivessem o pagamento das quantias de que são credores”.
Alínea i): “A 1.ª R. sabia que seria o A. como avalista e garante a efetuar o pagamento das dívidas em causa”.
Alínea j): “Todas as 2.º a 5.º RR, agiram de conluio com a 1ª Ré, pois sabiam que a 1ª Ré tinha todo o interesse em não ter qualquer património na sua esfera jurídica”.
Alínea k): “Bem como eram conhecedores do prejuízo que seria causado aos AA. com toda esta situação, pois atenta a incapacidade da sociedade ressarcir os seus credores, aqueles seriam chamados a efetuar o pagamento das dívidas que haviam garantido”.
Alínea l): “A forma como a partilha foi efectuada – sendo a 1.ª R. a única das filhas do falecido a quem não foi adjudicado qualquer bem imóvel – teve como propósito esvaziar o património desta de qualquer bem que pudesse garantir o crédito do A.”.
Alínea m): “Bem sabia a 1ª Ré que esse crédito futuro dos AA. face a si iria nascer assim que a Spe Duci, Lda fosse declarada insolvente, pois seria apenas uma questão de tempo até que os credores fossem reclamar as quantias junto dos garantes”.
Alínea n): “Os actos de partilha foram praticados com a única intenção de prejudicar ou impossibilitar de todo a satisfação do crédito futuro dos AA”.
Alínea o): “Ao proceder à venda da supra identificada fração autónoma a 1.ª R. teve como propósito esvaziar o seu património de qualquer bem que pudesse garantir o crédito dos AA”.
Alínea p): “Na data em que foi realizada a venda face à situação da Spe Duci a 1º R. sabia que seria o A. como avalista e garante a efetuar o pagamento das dívidas em causa”.
Alínea q): “Ao fazer a venda da fração acima identificada a 1ª Ré agiu com o propósito de impossibilitar que os AA. pudessem vir a ser ressarcidos do seu crédito futuro”.
Alínea r): “Com a mesma intenção agiu o adquirente, o aqui 6.º R., pois era conhecedor de toda a situação da Spe Duci, Lda, e da necessidade da 1ª Ré dispor do seu património, para não ser, no futuro, chamada a pagar qualquer dívida”.
Alínea s): “Bem sabiam todos os RR. que se a 1.ª R. se esvaziasse o seu património os AA. não teriam forma de ver ressarcidos os seus legítimos créditos”.
Alínea t): “Ao realizar a partilha e a venda de tais bens, a 1.ª Ré pretendeu, unicamente, evitar ser proprietária de qualquer bem que pudesse satisfazer o montante em dívida resultante dos créditos reclamados nos presentes autos”.
Alínea u): “A 1ª Ré, com parte do dinheiro que recebeu a título de tornas, efetuou o pagamento de algumas dívidas pessoais contraídas para a sua sobrevivência e do seu filho menor, e para pagamento de algumas dívidas da sociedade”.
Alínea v): “Devido ao referido em 56 a 1ª Ré declarou já ter recebido as tornas a que tinha direito”.
Alínea w): “Sendo os referidos bens imóveis os únicos bens da 1.ª R., a disposição dos mesmos, por esta, como ocorreu, impossibilita a satisfação integral dos créditos dos AA”.

Apreciando a impugnação de facto:
Ponto 22 dos Factos dados como Provados, ou seja, “Por conta dessa dívida ao A. foi penhorada a quantia de € 1.990,14 (valor penhorado na execução respectiva e quanto ao período de Junho a Novembro de 2017)”.

Invocou essencialmente o apelante que:
No que à divida ao BES diz respeito, o Tribunal, ao apenas dar como provada essa quantia (€ 1.990,14), correspondente à penhora que incidiu sobre a pensão do A. marido entre os meses de Junho a Novembro de 2017, errou na apreciação que fez da prova documental produzida, em concreto o documento junto como nº 29 com o requerimento apresentado pelos AA. na data de 20 de Novembro de 2017 (ampliação do pedido).
Da referida prova documental resulta que foi ordenada a penhora na pensão que o A. marido aufere até ao pagamento da quantia de € 18.265,65 (dezoito mil duzentos e sessenta e cinco euros e sessenta e cinco cêntimos), e sendo descontado mensalmente a quantia de € 331,69 (trezentos e trinta e um euros e sessenta e nove cêntimos), desde Junho de 2017, tal desconto mensal não se verificou apenas até Novembro de 2017, mas verifica-se até hoje, já que ainda não foi alcançado o valor total em dívida.
Assim, face à prova documental produzida, o Tribunal a quo sempre teria de dar como provados os pagamentos decorrentes das penhoras mensais pelo menos desde Junho de 2017 até à data da prolação da sentença, em Fevereiro de 2019, pois tais pagamentos foram efectuados, pois a penhora mensal é automaticamente realizada pela entidade pagadora da pensão ao A. marido, pelo que assistia aos AA. direito de regresso quanto aos mesmos.
Atenta a prova documental produzida – Documento 29, com o requerimento apresentado pelos AA. na data de 20 de Novembro de 2017 – no que se refere ao Ponto 22 da matéria de facto dada como provado o Tribunal a quo sempre teria de ter decidido que por conta daquela dívida já foi penhorada ao A. marido a quantia de € 6.965,49 (seis mil novecentos e sessenta e cinco euros e quarenta e nove cêntimos), entre Junho de 2017 e Fevereiro de 2019.

Apreciando:
A prova da factualidade em causa, tal como o impugnante a pretende ver modificada, assentará no teor do documento de fls. 417, junto em 12 de Abril de 2018, no qual, por referência ao processo nº 3740/17.1T8SNT, se alude à penhora no vencimento do executado Hélder ...., no período compreendido entre 20 de Junho de 2017 e 20 de Março de 2018, perfazendo o total de € 3.333.14,00.
Neste ponto, a decisão recorrida limitou-se a consignar como provada a quantia penhorada e respeitante ao período entre Junho e Novembro de 2017, o que perfaz o total de € 1.990,14.
Ora, não terá, porventura, o impugnante atentado em que a alegação da factualidade respectiva foi trazida para os autos através do requerimento de ampliação do pedido apresentado pelos AA., que entrou em juízo em 20 de Novembro de 2017, não havendo, a este propósito, tido o cuidado de renovar a ampliação do seu pedido relativamente às  quantias que se foram acumulando no âmbito dos descontos mensais realizados no dito processo executivo.
Isto é, e no que concerne à ampliação do pedido com fundamento na penhora realizada no processo executivo em referência relativamente à dívida contraída junto do Banco Espírito Santo, S.A., alegaram concretamente os AA. que:
“1.º-Relativamente aos factos alegados pelos AA. nos Artigos 22.º a 27.º da PI, ou seja, quanto aos valores em dívida ao Banco Espírito Santo referentes ao Contrato de Mútuo n.º 60009434072, não foi aceite, por aquela entidade bancária o acordo proposto pelos AA.
2.º-E foi instaurada ação executiva, na qual os AA. são Executados, e que corre termos no Juízo de Execução de Sintra - Juiz 3, da Comarca de Lisboa Oeste, sob o n.º 3740/17.1T8SNT (Cfr. Documento 28).
3.º-No âmbito dessa ação executiva, foi penhorada a pensão auferida pelo A. marido, junto da Caixa Geral de Aposentações, até ao limite da quantia de € 18.265,65 (dezoito mil duzentos e sessenta e cinco euros e sessenta e cinco cêntimos) (Cfr. Documento 29).
4.º-O A. marido aufere uma pensão ilíquida de € 1.151,50 (mil cento e cinquenta e um euros e cinquenta cêntimos), sendo que foi ordenada a penhora de 1/3 da mesma, estando a ser penhorado desde junho de 2017 a quantia mensal de € 331,69 (trezentos e trinta e um euros e sessenta e nove cêntimos) (Cfr. Documento 29).
5.º-Assim, e até à presente data, por conta dessa dívida o A. já foi penhorada ao A. a quantia de € 1.990,14 (valor penhorado de junho a novembro de 2017).
6.º- Face ao exposto, há que retificar o que foi alegado no Artigo 27.º da PI, pois, se naquela data, os AA. ainda não haviam efetuado pagamentos por conta desta dívida, na presente data já foram feitos pagamentos, atentas as penhoras acima referidas, pelo A. marido, no montante de € 1.990,14 (valor penhorado de junho a novembro de 2017)”
Refere-se no mesmo, em conclusão:
“Assim, no que se refere ao pedido na PI, constante na alínea a) do peticionado, deve o mesmo ser ampliado, nos termos do disposto no Artigo 265.º, n.º 2, do CPC passando a constar o seguinte:
a)- ser reconhecido o direito de crédito dos AA. face à 1ª Ré, no montante de € 76.081,21, acrescida dos competentes juros moratórios desde a data da citação, até efetivo e integral pagamento;”

Asssim sendo, a consignação da matéria dada como provada resulta exactamente da alegação constante desse requerimento e que se transcreveu supra, bem como do momento temporal em que tal ampliação é concretamente apresentada no processo, com elas coincidindo rigorosamente.
Neste sentido, e perante a presente impugnação da decisão de facto, verifica-se que os impugnantes laboram num patente equívoco.
O seu pedido de condenação da Ré, ampliado em conformidade com o requerimento citado, não abrange formalmente os montantes que vieram a ser sucessivamente descontados no âmbito do dito processo de execução.
O documento que serve agora de suporte à impugnação da decisão de facto foi trazido aos autos em momento posterior à ampliação com esse fundamento, sendo certo que até ao encerramento da discussão da causa não voltou a ser junto pelos AA. um novo requerimento de ampliação que os incluísse.
Logo tal matéria (os novos descontos entretanto realizados) – que não foi objecto de nova ampliação do pedido - dependerá, logicamente, da eventual procedência da pretensão formulada na alínea b) da petição inicial, em que se refere o “reconhecimento do direito de crédito futuro dos AA. face à 1ª Ré, relativamente a quaisquer quantias que este venha a pagar, referentes aos créditos identificados nos artigos 22.º e 28.º, em tudo o que exceda a quota-parte de que são responsáveis, em montante a liquidar em execução de sentença”;

Ou seja, a prova dos factos – penhora da pensão que o executado auferia – delimitada ao período entre Junho e Novembro de 2017 atende, de forma precisa, circunscrita e rigorosa, ao concretamente alegado pelos AA. na sua ampliação do pedido, na qual expressamente aludem ao total indicado, e que circunscreve naturalmente a sua pretensão em termos quantitativos (vide artigo 5º do citado requerimento).
Cumpre ainda tomar em consideração que o documento de fls. 417, junto com o requerimento apresentado pelos AA. em 12 de Abril de 2018, constitui o cumprimento do despacho judicial proferido em 23 de Março de 2018 (cfr. fls. 384) no qual se ordenou a notificação dos AA. para “juntarem as livranças a que aludem na petição inicial bem como as peças dos processos executivos para prova de factos alegados (aquelas que ainda não juntaram), bem como para comprovarem o registo da presente acção”.

O que significa que os AA. não apresentaram, como se disse, ampliação concreta do pedido relativamente às penhoras efectuadas em data posterior ao seu requerimento entrado em juízo em 20 de Novembro de 2017, como naturalmente poderiam ter feito, mas não fizeram.
Assim sendo, a fixação da matéria provada neste tocante só podia ser a que foi.
Pelo que se indefere a impugnação neste particular.

Factos não provados:
Este tribunal de recurso ouviu atentamente – como lhe competia - o registo integral, por gravação, dos depoimentos testemunhas prestados durante a audência de julgamento, havendo analisado a demais documentação junta aos autos, encontrando-se assim em perfeitas condições para sindicar o juízo de facto emitido em 1ª instância.
O que passa a fazer.
Alínea f): “Foi a 1.ª R. quem provocou a situação financeira da Spe Duci, Lda., com o propósito de que, bem sabendo das garantias prestadas pelos AA., estes não tivessem qualquer forma de ver os seus créditos ressarcidos, pela Spe Duci, Lda., após efectuar o pagamento aos credores da sociedade”.

Não foi produzida prova rigorosamente alguma sobre esta concreta factualidade, com o sentido e o significado que enformam a sua alegação pelos AA.

Encontrando-se embora adquirido que foi a Ré C quem, enquanto sócia e gerente da sociedade Spe Duci, Lda., requereu a insolvência desta, face à insuficiência do respectivo património para suportar o volume dos créditos vencidos com que se viu confrontada, impeditivos da normal prossecução da sua actividade comercial, não há contudo prova absolutamente alguma de que o seu real propósito fosse o de impedir que os AA. obtivessem o ressarcimento dos créditos de que eram titulares à custa dos bens da empresa.

Ainda que uma das consequências práticas do requerimento de apresentação à insolvência e a subsequente declaração judicial de insolvência da Spe Duci, Lda., seja o de impedir a execução singular do património social, proporcionando a sua liquidação universal, daí não se retira que o propósito real e concreto da Ré  C fosse o que atingir desfavorávelmente, prejudicando, as faculdades legais que assistiriam aos AA. de investirem em termos executivos contra a sociedade, sua devedora.

Verificando-se, como comprovadamente se verificava, uma situação económica altamente deficitária por parte da sociedade Spe Duci, Lda., justificativa da declaração judicial da sua insolvência, constituía naturalmente dever da sócia gerente requerer tal procedimento, inclusivamente de forma a exonerar-se da responsabilidade resultante da não apresentação, ou da apresentação tardia, à insolvência, com o inerente prejuízo para o conjunto dos seus credores da sociedade (vide artigo 18º do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas).

De resto, não faz sentido sequer que os AA. se queixem (implicitamente) de terem a (desfavorável) concorrência de outros credores da sociedade no âmbito do processo de insolvência entretanto aberto, procurando obter a satisfação dos seus créditos em detrimento daqueles.

Pelo que improcede a impugnação neste ponto.
Alínea g): “Bem sabia a 1.ª R. que, se esvaziasse o seu património, o A. não teria forma de ver ressarcidos os seus créditos”.
Esta afirmação abstracta e genérica, reveste um carácter inconclusivo e inócuo que nada releva para a decisão dos autos.
Com efeito, não reveste alcance útil algum dar como provado ou não provado o que a Ré sabia ou não sabia relativamente ao modo de frustrar a possibilidade de ressarcimento dos créditos de que os AA. eram titulares.
É evidente que qualquer pessoa minimamente instruída tem a consciência de que se não for titular de bens penhoráveis não poderá o seu património servir como meio de ressarcir os seus credores, os quais não obterão assim a efectivação dos seus créditos que desejariam.
Só que tal consciência, em si, nada importa.
O que é fundamental saber é se, na situação factual que nos ocupa, tal consciência serviu como estratégia real e concreta, concertada com terceiros, com o propósito de inutilizar a garantia de efectivação dos créditos destes seus credores, materializando-se em actos que prosseguiram e materializaram especificamente esse desígnio.
Pelo que não há justificação para dar como provada tal mera afirmação de“tomada de consciência ou conhecimento abstracto”.
A impugnação improcede neste particular.
Alínea h): “A partilha, realizada da forma como o foi, teve, apenas e exclusivamente, em vista prejudicar os AA., obstando a que estes obtivessem o pagamento das quantias de que são credores”.
Alínea i): “A 1.ª R. sabia que seria o A. como avalista e garante a efetuar o pagamento das dívidas em causa”.
Alínea j): “Todas as 2.º a 5.º RR, agiram de conluio com a 1ª Ré, pois sabiam que a 1ª Ré tinha todo o interesse em não ter qualquer património na sua esfera jurídica”.
Alínea k): “Bem como eram conhecedores do prejuízo que seria causado aos AA. com toda esta situação, pois atenta a incapacidade da sociedade ressarcir os seus credores, aqueles seriam chamados a efetuar o pagamento das dívidas que haviam garantido”.
Alínea l): “A forma como a partilha foi efectuada – sendo a 1.ª R. a única das filhas do falecido a quem não foi adjudicado qualquer bem imóvel – teve como propósito esvaziar o património desta de qualquer bem que pudesse garantir o crédito do A.”.
Alínea m): “Bem sabia a 1ª Ré que esse crédito futuro dos AA. face a si iria nascer assim que a Spe Duci, Lda fosse declarada insolvente, pois seria apenas uma questão de tempo até que os credores fossem reclamar as quantias junto dos garantes”.
Alínea n): “Os actos de partilha foram praticados com a única intenção de prejudicar ou impossibilitar de todo a satisfação do crédito futuro dos AA”.
Alínea s): “Bem sabiam todos os RR. que se a 1.ª R. se esvaziasse o seu património os AA. não teriam forma de ver ressarcidos os seus legítimos créditos”.
Alínea t): “Ao realizar a partilha e a venda de tais bens, a 1.ª Ré pretendeu, unicamente, evitar ser proprietária de qualquer bem que pudesse satisfazer o montante em dívida resultante dos créditos reclamados nos presentes autos”.
Alínea u): “A 1ª Ré, com parte do dinheiro que recebeu a título de tornas, efetuou o pagamento de algumas dívidas pessoais contraídas para a sua sobrevivência e do seu filho menor, e para pagamento de algumas dívidas da sociedade”.
Alínea v): “Devido ao referido em 56 a 1ª Ré declarou já ter recebido as tornas a que tinha direito”.

Está aqui em causa, neste conjunto de pontos ora impugnados, o circunstancialismo fáctico que envolveu a partilha dos bens deixados pelo falecido pai da Ré C.

Sobre tal matéria, cumpre desde já deixar salientado que nenhuma das testemunhas inquiridas se pronunciou no sentido propugnado pelos apelantes, confirmando (ainda que circunstancialmente) a sua versão dos acontecimentos ou permitindo infirmar que a mesma correspondesse à realidade ou dela se aproximasse.

Não houve uma única testemunha que fornecesse ao Tribunal qualquer elemento objectivo que indiciasse o propósito de que, com a divisão do acervo hereditário realizada naqueles moldes, se tentasse inviabilizar a possibilidade de efectivação dos créditos de que os AA. seriam titulares com base no exercício do direito de regresso, enquanto co-avalistas, contra a Ré Teresa .....

Bem pelo contrário, a testemunha Maria …. afirmou a este respeito que foram as irmãs da Ré C que pressionaram a mãe para a realização das partilhas, o que aconteceu num contexto de alegados problemas havidos com duas das irmãs, face a um certo mal estar pelo facto de mãe da Ré a ajudar constantemente em termos financeiros, entregando-lhe património que deveria, na opinião delas, ser objecto de divisão entre todos, no âmbito da partilha a proceder.

No mesmo sentido, a testemunha Ana …., amiga de infância da Ré e que sempre conviveu com toda a sua família, contou ao Tribunal que falou com a mãe de C, sobre a realização das ditas partilhas (na altura a testemunha havia experienciado, na sua vida pessoal, um problema relacionado com partilhas).

Segundo o que lhe foi narrado, a mãe de C sempre a ajudou muito esta filha, condoída com as suas dificuldades e com a circunstância de ter a ser cargo um filho menor com relevantes problemas de saúde.
Os restantes filhos, ou pelo menos alguns deles, não gostavam desta situação por estar em causa um património hereditário ainda indiviso (resultante da sucessão do então falecido pai).
No entender desta testemunha, os valores de que C beneficiou por via das ajudas de sua mãe foram certamente tomados em linha de conta aquando da realização da partilha, explicando-a de certo modo.
Para além destes depoimentos, nenhuma outra testemunha demonstrou ter conhecimento directo e pessoal de circunstâncias explicativas da divisão hereditária que teve lugar, ou dos reais propósitos que à mesma presidiram.
Do documento junto a fls. 86 a 97, intitulado “Partilha”, resulta que a escritura foi formalizada no dia 30 de Março de 2012 e 17 de Abril de 2012, tendo a Ré C apenas recebido as tornas a que tinha direito (que declarou já lhe terem sido pagas), sendo a nua propriedade do bem imóvel aí referenciado partilhado unicamente entre as restantes filhas do de cujus e o seu usufruto adjudicado em favor da ex- cônjuge do autor da herança.
Acontece que os pagamentos efectuados pelos AA. e que estão na base do exercício do direito de regresso em apreço são todos posteriores à realização da dita escritura de partilha.
Logo, dificilmente poderiam ter sido tomados em consideração no momento em que os herdeiros decidiram legitimamente pôr termo à situação de indivisão do património hereditário de seu  pai que havia falecido em 15 de Julho de 1997.
Ou seja, não só assistia, há décadas, aos respectivos herdeiros o direito a que se procedesse à divisão do património hereditário, como, e em especial, não assenta em qualquer tipo de prova segura e fiável a ideia de que tal divisão visou especificamente impedir a efectivação do direito de regresso dos AA. sobre Ré C, o qual nessa altura nem sequer era conhecido, não sendo provável inclusivamente que os herdeiros tivessem consciência e conhecimento da possibilidade de exercício desse direito de regresso com fundamento em subscrição de livranças em branco respeitantes ao giro comercial da sociedade Spe Duci, Lda..
Fazem os apelantes, neste âmbito, apelo ao recurso a presunções judiciais (artigo 351º do Código Civil), pretendendo nessa base e com tal fundamento dar como provada alguma desta factualidade que o juiz a quo considerou não demonstrada.
Nos termos do artigo 349º: “presunções judicias são ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”.
Sobre a figura das presunções que o Tribunal da Relação pode retirar, vide, entre muito outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Novembro de 2014 (relator Pinto de Almeida), de 6 de Dezembro de 2018 (relator Bernardo Domingos), de 13 de Novembro de 2018 (relator Roque Nogueira), 14 de Julho de 2016 (relator Tomé Gomes) e de 30 de Abril de 2019 (relator Manso Rainho), todos publicados in www.dgsi.pt.
Na situação sub judice, não é possível encontrar qualquer facto conhecido a partir do qual seja possível firmar a prova da intenção de prejudicar directamente os AA. nos termos afirmados na petição inicial.
Poderá talvez sustentar-se, com base nas regras da experiência comum e de normalidade social, que a circunstância de a Ré C ser a única das filhas à qual não foi adjudicado o bem imóvel objecto da partilha se tenha porventura ficado a dever à débil situação económica desta e à eventualidade de actuação de qualquer credor contra o património obtido pela devedora por via sucessória.
Seria então uma forma de resguardar a intangibilidade de um bem imóvel que pertencera à família e que ninguém quereria ver afectado pelos credores de uma das herdeiras (sendo aí perfeitamente aceitável que, tratando-se de uma família cujos membros tinham um relacionamento muito próximo e assíduo entre si – conforme referiram várias das testemunhas inquiridas -, todos os herdeiros soubessem das dificuldades económicas que a Ré C atravessava).
É perfeitamente possível e talvez mesmo algo provável.
Só que tal mera possibilidade, à luz da prova efectivamente produzida nos autos e de todo o circunstancialismo que se deixou consignado supra, é absolutamente insuficiente para justificar, com a certeza e a segurança inerentes a uma decisão de facto emitida em juízo, a resposta afirmativa ao conjunto de factos englobados nas alíneas em referência.
Pelo que improcede a impugnação neste tocante.
Alínea o): “Ao proceder à venda da supra identificada fração autónoma a 1.ª R. teve como propósito esvaziar o seu património de qualquer bem que pudesse garantir o crédito dos AA”.
Alínea p): “Na data em que foi realizada a venda face à situação da Spe Duci a 1º R. sabia que seria o A. como avalista e garante a efectuar o pagamento das dívidas em causa”.
Alínea q): “Ao fazer a venda da fração acima identificada a 1ª Ré agiu com o propósito de impossibilitar que os AA. pudessem vir a ser ressarcidos do seu crédito futuro”.
Alínea r): “Com a mesma intenção agiu o adquirente, o aqui 6.º R., pois era conhecedor de toda a situação da Spe Duci, Lda, e da necessidade da 1ª Ré dispor do seu património, para não ser, no futuro, chamada a pagar qualquer dívida”.
Está aqui em causa a venda realizada através da escritura documentada a fls. 117 a 120, datada de 7 de Novembro de 2011,  e que teve por objecto a casa onde residia e ainda hoje reside a Ré C.

Sobre esta matéria, pronunciaram-se as seguintes testemunhas:
Maria …., a qual relatou que a mãe da Ré C, sabendo de dificuldades económicas da filha, “pediu ajuda ao seu genro Enrique.....
Este, sendo padrinho do filho de C, o qual sofre de consideráveis problemas de saúde, concordou em comprar o imóvel em que aquela residia, sem o ir ocupar, antes permitindo a continuação ininterrupta da normal utilização deste pela vendedora, sua cunhada.
Tratar-se-ia, por conseguinte, de um acto de solidariedade familiar.
Segundo a testemunha, os problemas financeiros de C “eram com o Banco” (e portanto nada teriam a ver nessa altura com os AA.).
- A testemunha Ana …. manifestou não ter conhecimento de que a Ré C tivesse vendido a casa dela, sendo para si uma novidade. Afirmou não saber do negócio firmado com o cunhado da C.
- A testemunha Maria …., que trabalhou com o Réu Enrique.... durante cerca de oito anos, até ao ano de 2015, tendo a responabilidade de proceder aos movimentos financeiros da empresa, deu a conhecer ao Tribunal que foi ela que realizou o movimento contabilístico que permitiu o pagamento da aquisição do andar à ora Ré Teresa ...., acrescentando que o R. H procedeu à restituição desse dinheiro à empresa.
Acrescentou que essa aquisição teve a ver com a satisfação de um pedido da mãe de C ao R. H e que o mesmo nunca foi habitar tal imóvel, sendo titular de outros.
Nenhuma outra testemunha se pronunciou sobre esta questão.
Cumpre salientar, ainda e a este respeito, que:
- nas alegações de recurso das AA., na parte relativa ao depoimento da testemunha Maria …., parcialmente transcrito, verifica-se a omissão do contexto em que a mãe da Ré C se prontificou a auxiliá-la: como se disse supra, teve a ver com “um problema com o Banco”, sem a menor referência ou menção à situação dos ora AA., enquanto seus credores.
- a testemunha Andreia …., em que a impugnação de facto igualmente se funda, demonstrou nada saber quanto à matéria relativa às transmissões de bens do património da Ré C e à divisão do património hereditário do pai desta Ré.
Trata-se de uma pessoa que trabalhou para a Ré C na firma Spe Dulce; que manteve uma relação de alguma intimidade e confiança com a família desta Ré, tendo chegado a dormir em casa desta e tomado refeições servidas pela mãe da Ré; que posteriormente se zangou com a Ré C afirmando que a mesma lhe ficou a dever salários e comissões; que neste momento não fala com a Ré C, demonstrando óbvio ressentimento contra a mesma.
Quanto à questão da partilha mencionada: “só ouviu falar, em conversas”, nada adiantando de concreto sobre o assunto.
Apenas sabia que a Ré C era muito ligada à família e que vários membros desta residiam no mesmo prédio - praticamente nada mais.
Ora, tendo em conta a data da realização da escritura – 7 de Novembro de 2011 – e o momento da constituição do direito de regresso aqui em causa – bastante mais tarde -, não há prova alguma de que a transmissão do imóvel tenha sido feita com o premeditado propósito de prejudicar os ora AA., tendo em mente a eventualidade do exercício do direito de regresso em causa (que no momento não se havia constituído, nem se sabe se seria ou não constituído).
Embora a presente situação revista inegavelmente os condimentos específicos dos actos tipicamente sujeitos à impugnação pauliana – venda de um imóvel a um familiar próximo que dele não necessita; que não o pretende rentabilizar, nem  fixar nele habitação, com a manutenção da utilização em poder do vendedor, nada se modificando no plano real do quotidiano deste -, o certo é que não foi produzida prova suficiente dos propósitos que os AA. imputam aos intervenientes no negócio, no que concerne à intenção de inutilização prática do direito que mais tarde lhes deveria ser reconhecido e exercitável contra o património da Ré.
A prova produzida nos autos não revela elementos seguros de que este negócio de “venda a pedido” tivesse em mente, estrategicamente, obsctaculizar ao exercício do direito de regresso de que os AA. viessem a ser titulares contra a Ré Teresa .....
Improcede a impugnação neste particular.
Alínea w): “Sendo os referidos bens imóveis os únicos bens da 1.ª R., a disposição dos mesmos, por esta, como ocorreu, impossibilita a satisfação integral dos créditos dos AA”.
Outrossim não foi produzida prova alguma desta factualidade.
Nenhuma testemunha a referenciou com conhecimento de causa, nem qualquer prova documental a comprova.
Improcede a impugnação neste ponto.
2– Titularidade de direito de regresso dos AA. sobre a Ré. relativamente ao penhor prestado pelos primeiros e que determinou a mobilização de um depósito bancário – que constituía o respectivo objecto – por parte da Caixa Geral de Depósitos. Crédito de € 61.022,51. Figura da subrogação não invocada pelos AA. no seu articulado. Inêxistência de responsabilidade pessoal da sócia da sociedade relativamente à dívida garantida pelo penhor constituído por um dos sócios com vista a garantir dívidas da sociedade. 

Concluiu-se na decisão recorrida, a este propósito:
“Os AA. constituíram, ainda, um penhor sobre o depósito n.º 0217006264934 efetuado na Caixa Geral de Depósitos, por si titulado, para garantia das duas operações mencionadas no item 11 supra. Em virtude dos incumprimentos das referidas operações, a Caixa Geral de Depósitos, na data de 04/09/2013, mobilizou do depósito titulado pelos AA., a quantia total do mesmo, no montante de € 122.045,02, assim liquidando na totalidade a dívida relativamente à operação PT 00350217001877492 e efetuando o pagamento parcial da quantia em dívida referente á operação PT 00350217001878891. Os AA. efetuaram em 22/12/2014, o pagamento da quantia de € 2.967,16, assim liquidando na totalidade a operação PT 00350217001878891.
Os AA. fizeram tais pagamentos (com exceção da verba relativa à mobilização do depósito sobre que incidia penhor) enquanto avalistas de livranças que garantiam as obrigações da referida sociedade, a devedora principal.
Com efeito, o pagamento à C.G.D. da quantia de € 122.045,02 decorre do penhor que os AA. constituíram para garantia das mencionadas operações, garantia esta independente do aval prestado. Assim, apenas a parte restante, no valor de € 2.967,16, é imputado aos AA. a título de avalistas e apenas relativamente aos créditos provenientes de avales prestados os AA. têm direito de regresso contra a R.”.

Em sentido oposto, sustentam os recorrentes que:
“Relativamente ao penhor prestado pelos AA. – Pontos 11 a 15 da matéria de facto dada como provada – entendeu o Tribunal a quo que não assiste aos AA. direito de regresso face à 1.ª R., não tendo, contudo, o Tribunal a quo fundamentado tal decisão.
 Ainda relativamente a esse penhor, e atentos os factos dados como provados e acima referidos, nem sequer o Tribunal a quo retirou dos mesmos qualquer consequência, ou conferiu aos mesmos outra qualificação jurídica, para responder ao que havia sido peticionado pelos AA. e que era a devolução de metade da quantia por estes suportada com o accionamento do penhor pelo credor CGD.
Quanto ao penhor, não podem os AA. concordar com o entendimento do Tribunal a quo de que não lhes assiste direito de regresso pois, atentas as características deste tipo de garantia a mesma pode ser equiparada a uma garantia próxima da fiança, pelo que àquele que constituiu o penhor, e caso este pague a dívida – voluntariamente ou pelo acionamento da garantia por parte do credor – assiste-lhe um duplo direito: a) o de sub-rogação legal, quanto ao devedor, b) o direito de regresso face aos restantes garantes.
Donde, sempre teriam os AA. direito a ser ressarcidos, por parte da 1.ª R., de metade da quantia por aqueles suportada, a qual ascendeu a € 122.045,02 (cento e vinte e dois mil e quarenta e cinco euros e dois cêntimos), devendo, em consequência, o Tribunal a quo ter reconhecido o direito de crédito dos AA. face à 1.ª R. no montante de € 61.022,51 (sessenta e um mil e vinte e dois euros e cinquenta e um cêntimos).
Ou, ao entender que não era de aplicar a figura do direito de regresso, o Tribunal a quo, atentos os factos trazidos a julgamento e dados como provados, sempre teria o Tribunal quo de entender que, ao ser accionado o penhor constituído pelos AA., estes ficaram sub-rogados na posição do credor: «Sendo o penhor constituído por terceiro e paga a dívida à custa da venda dos bens dados em penhor, fica o terceiro sub-rogado nos direitos do credor contra o devedor e contra terceiros, nos termos que resultem das relações internas entre eles, conforme o regime instituído no art. 592.º do CC» (sumário), vide Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 02-07-2009.
Pois, se um dos avalistas, que também prestou penhor, se vir desapossado desse depósito, em execução do penhor pelo credor, este fica sub-rogado nos direitos desse banco credor, ficando investido em todos os direitos e com todas as garantias, ou seja e no caso, com a garantia do património do outro garante do banco, o seu sócio e também avalista – no caso a aqui 1.ª R. – que também tinha garantido a dívida, uma vez que as garantias acompanham a dívida transmitida.
Em suma, atenta a factualidade dada como provada, e mesmo que não tenham os AA. invocado a figura da sub-rogação, deveria o Tribunal a quo ter-se decidido pela aplicação deste instituto, caso entendesse, como entendeu, ainda que sem o fundamentar, que não existe um verdadeiro direito de regresso, tanto mais que o Tribunal não está refém da qualificação jurídica que as partes dão aos factos por si alegados.
Errou, assim, o Tribunal a quo na subsunção dos factos ao direito, fazendo uma errada apreciação das normas a aplicar, ao decidir que, no que se refere ao penhor, os AA. não têm o direito a ser ressarcidos da quota parte que pagaram a mais”.
Encontra-se dado como provado, quanto a esta matéria:
“11.- Em 5 de Abril de 2011 a Spe Duci, Lda. celebrou com a Caixa Geral de Depósitos o contrato de abertura de crédito em Conta Corrente nº PT 00350217001877492 e Empréstimo MLP n.º PT 00350217001878891, conforme documentos nºs. 6 e 7 anexos à p.i., cujo teor aqui se dá por reproduzido.
12.- Nestes contratos, os AA. prestaram aval à Spe Duci, Lda., tal como a 1.ª R..
13.- Os AA. constituíram, ainda, um penhor sobre o depósito n.º 0217006264934 efetuado na Caixa Geral de Depósitos, por si titulado, para garantia das duas mencionadas operações.
14.- Em virtude dos incumprimentos das referidas operações, a Caixa Geral de Depósitos, na data de 4 de Setembro de 2013, mobilizou do depósito titulado pelos AA., a quantia total do mesmo, no montante de € 122.045,02, assim liquidando na totalidade a dívida relativamente à operação PT 00350217001877492 e efetuando o pagamento parcial da quantia em dívida referente à operação PT 00350217001878891.
15.- Os AA. efetuaram em 22 de Dezembro de 2014, o pagamento da quantia de € 2.967,16, assim liquidando na totalidade a operação PT 00350217001878891”.

Apreciando:

Contrariamente ao afirmado pelos recorrentes, o juiz a quo conheceu directamente desta questão jurídica, expondo com suficiência as razões que determinaram, na sua perspectiva, a respectiva improcedência.
Conforme resulta da transcrição supra, concluiu que apenas relativamente aos créditos resultantes da prestação de aval era possível juridicamente aos AA. exercerem o competente direito de regresso, o que não se verificava no que concerne à mobilização de um depósito bancário no âmbito da prestação de um penhor constituído unicamente pelo A..
Não viu assim fundamento para reconhecer o crédito que foi peticionado neste particular.

Vejamos:

A figura do penhor reveste a natureza de direito real de garantia o qual confere ao credor o direito a satisfazer-se do crédito de que é titular pelo valor da coisa ou direito empenhado, sendo-lhe concedida preferência sobre os demais credores, nos termos gerais do artigo 666º, nº 1 e 749º do Código de Processo Civil.

Na situação sub judice, esta garantia foi efectivamente prestada pelo A., exclusivamente em favor da sociedade Spe Duci, Lda, única parte no contrato de financiamento em causa, não havendo prova de qualquer participação ou conhecimento por parte da Ré quanto à sua efectiva prestação ou à assumpção da posição de entidade devedora neste mesmo contrato.

A citada “prestação do aval” da Ré – que foi dada formalmente como provada -, com conexão ao contrato mencionado, nada tem a ver com o concreto pagamento realizado em virtude da anterior constituição de penhor, o qual se reporta unicamente a uma dívida da sociedade e não – pessoalmente – da outra sócia dela.
Não é, portanto, pensável nem concebível, relativamente ao acto (voluntário) de mobilização de depósito bancário, a titularidade de qualquer direito de regresso – única figura jurídica utilizada pelos peticionantes nesta acção.
Cumpre, a este propósito, salientar que a figura da sub-rogação e do direito de regresso entre devedores solidários revestem natureza essencialmente diversa, não se confundindo, obedecendo aliás a regimes jurídicos distintos.
Sobre a diferenciação entre um e outro destes dois institutos jurídicos, vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Janeiro de 2017 (relator Gabriel Catarino), publicado in www.dgsi.pt. onde pode ler-se:
“A solução normativa postulada no artigo 589ºdo Código Civil (Sub-rogação) estatui que: “o credor que recebe a prestação de terceiro pode sub-rogá-lo nos seus direitos, desde que o faça expressamente até ao momento do cumprimento da obrigação.”
“A sub-rogação pode, assim, definir-se, segundo um critério puramente descritivo, com a substituição do credor, na titularidade de uma obrigação fungível, pelo terceiro que cumpre em lugar do devedor ou que faculta a este os meios necessários para cumprimento.”
Já o direito de regresso – que segundo Antunes Varela algumas legislações configuram como compatíveis ou sobrepostas – tem uma raiz distinta e decorre de situações que não atinam com a substituição do devedor por terceiro mas de uma situação que surge ex novo, v. g. no caso de pagamento por um condevedor solidário.
Expressando de forma lapidar a dissemelhança jurídico-funcional das figuras em análise, refere o preclaro Mestre que: “A sub-rogação, sendo uma transmissão das obrigações, coloca o sub-rogado na titularidade do mesmo direito de crédito (conquanto limitado pelos termos do cumprimento) que pertencia ao credor primitivo. O direito de regresso é um direito nascido ex novo na titularidade daquele que extinguiu (no todo ou em parte) a relação creditória anterior ou daquele á custa de quem a relação foi considerada extinta.
A sub-rogação envolve um benefício concedido (umas vezes, por uma ou outra das partes; outras pela lei) a quem, sendo terceiro, cumpre, por ter interesse na satisfação do direito do credor. O direito de regresso, no caso de solidariedade passiva, é uma espécie de direito de reintegração (ou de direito à restituição) concedido por lei a quem, sendo devedor perante o accipiens da prestação, cumpre, todavia, para além do que lhe competia no plano das relações internas.”
Enquanto que no caso da sub-rogação (legal) o crédito de que o accipiens da prestação é titular se transmite na íntegra para a titularidade do solvens, mantendo a totalidade da sua etiologia, características e funcionalidades, v. g. garantias constituídas etc. , no caso do direito de regresso, porque o direito inicial se extingue – nascendo ex novo um direito de crédito na titularidade do solvens – o direito (de crédito) que exsurge adquire uma nova configuração e cria uma relação obrigacional nova entre o autor do cumprimento e aquele que mercê do cumprimento efectuado fica colocado na posição de obrigado. O direito transmitido confere ao solvens (novo credor) o mesmo amplexo de poderes e deveres jurídicos que se encontrava na esfera do credor originário, enquanto que no caso dos direito de regresso, por se tratar de um direito que nasce de uma situação extintiva do direito (de crédito) inicial, o accipiens da nova relação creditícia estabelece com o obrigado à nova prestação creditória um novo vínculo e uma obrigação de prestar nos termos em que o direito surgido se configura. O titular do direito de regresso encontra-se, tal como aqueles contra quem pretenda exigir o cumprimento da obrigação (creditória) que, entretanto, haja satisfeito, numa posição devedor (solidário e passivo), pelo que quando exerce o direito de regresso a sua pretensão jurisdicional traduz-se na alegação de uma relação obrigacional (interna) donde decorreria um dever de prestação, solidariamente assumido, e que por os co-obrigados terem deixado de cumprir a parte que lhes era imputada no crédito comum aceite, o autor do pagamento da divida adquire o direito de ser reintegrado ou restituído da parte que, pela natureza da obrigação constituída perante o credor, o seu património ficou despojado e diminuído.
Se assim nos casos de solidariedade passiva, chamemos-lhe perfeita ou própria, já nos casos em que a solidariedade se baseia na impropriedade ou imperfeição nas respectivas relações internas a questão assume contornos específicos.
Dando palavra ao doutrinado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2 de Julho de 2015, (acórdão de uniformização de jurisprudência nº 11/2015, publicado no Diário da República nº 183/2015, Série I, de 18 de Setembro de 2015, quanto ao direito de regresso, nos casos em que a seguradora pede ao lesante – responsável pelos danos ocasionados na esfera do lesado pela prática de uma conduta ilícita e culposa – a indemnização que houvera pago em substituição, decorrente da vinculação contratual a que estava obrigada, “Como é sabido, no âmbito institucional do Direito das Obrigações a figura do direito de regresso, prevista no art. 524º do CC, situa-se no campo das obrigações solidárias, visando – no plano das relações internas entre os vários obrigados - reequilibrar as relações patrimoniais entre eles, afectadas pelo facto de o condevedor a quem foi exigida a prestação ter pago montante superior à sua quota na relação obrigacional comum; e tal direito de regresso traduz-se, como é sabido (ao contrário do que ocorre na mera novação subjectiva que é típica da figura da sub-rogação), na atribuição de um direito novo ao condevedor que, não podendo opor ao credor o benefício da divisão, teve de realizar a prestação por inteiro – direito esse constituído sequencialmente à extinção da primitiva relação obrigacional solidária, como decorrência da integral satisfação do interesse do credor.”.


No mesmo sentido, no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24 de Setembro de 2013 (relator Henrique Antunes), publicitado in www.jusnet.pt, sublinha que: “Ao contrário do credor- sub-rogado, que antes da satisfação do direito do credor era terceiro, alheio ao vínculo obrigacional, o titular do direito de regresso é um devedor com outros, o direito nasce ex novo, com a extinção da obrigação a que também ele estava vinculado”.

Vejamos, então, o que haverá a referir a propósito do exercício do direito do A., enquanto credor pretensamente sub-rogado num direito de crédito contra a pessoa da ora Ré.

A mobilização do citado depósito bancário correspondeu, como se disse, a um acto voluntário e exclusivamente determinado pela vontade dos ora AA., desconhecendo-se sequer se o mesmo foi comunicado à Ré, e em que circunstancialismo.

Embora a prestação desta garantia real tivesse finalisticamente a ver com a sustentibilidade financeira da sociedade Spe Duce, Lda, de que o A. marido era então sócio, o certo é que não existe neste concreto relacionamento negocial, envolvendo a credora Caixa Geral de Depósitos e a sociedade Spe Duci, Lda, qualquer co-participação da Ré C, não sendo esta última directamente co-obrigada nessa operação comercial e financeira.

Alegam os apelantes, unicamente em sede de alegações de recurso, que através do pagamento da dívida da sociedade por via do penhor constituído, será aplicável o disposto no artigo 593º, nº 1, do Código Civil, segundo o qual: “o sub-rogado adquire, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competiam”, responsabilizando a Ré pela parte da dívida que lhe incumbe em relação a tal pagamento a um terceiro.

Como se disse, na sua petição, os AA. não fizeram qualquer menção ao seu propósito de exercerem a dita sub-rogação, o que apenas fazem, inovatoriamente, em sede de recurso, fazendo apelo ao disposto no artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil.

Ou seja, segundo a sua perspectiva, o pagamento por si satisfeito ao credor Caixa Geral de Depósitos, por via da mobilização de um depósito bancário dado em penhor, poderia habilitá-lo automaticamente a, servindo-se do instituto da subrogação - e não do exercício do direito de regresso –, substituir o credor na sua posição activa face à Ré (sócia) no contrato base a que se reporta.
Não lhe assiste razão.

A devedora do crédito de que é titular a Caixa Geral de Depósitos é naturalmente a Sociedade Spe Duci, Lda., e não directamente a pessoa da Ré, mera sócia desta.

Embora se tenha dado como provado que a Ré “prestou aval neste contrato” está em causa uma relação jurídica perfeitamente distinta e autónoma, diferente da que se terá constituído, ou não, no domínio estritamente cartular.

A garantia real voluntariamente prestada pelo A. reporta-se à responsabilidade da sociedade de que este era garante, nada tendo a ver com o âmbito restrito e confinado do relacionamento interno entre sócios (pessoas jurídicas diversas do ente societário no qual detêm a sua participação social).

Não se vê portanto, não se tratando aqui - como não se trata - do exercício de qualquer direito de regresso entre sócios co-obrigados no mesmo título cartular, qual o fundamento em que os AA. se estribam para procurar, por esta via, obter a condenação da sócia Ré.

Conforme refere Mário Júlio Almeida e Costa in “Direito das Obrigações”, Coimbra Editora, 1984, página 560: “Verifica-se a sub-rogação quando um terceiro, que cumpre uma dívida alheia ou que para tal empresta dinheiro ou outra coisa fungível, adquire do credor originário em relação a respectivo devedor”.

Conforme refere Antunes Varela in “Das Obrigações em Geral”, Volume II, Almedina, 1990, a página 324 “a subrogação visa apenas compensar o sacrifício que o terceiro chamou a si com o cumprimento da obrigação alheia”.
No acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24 de Setembro de 2013, citado supra, enfatizou-se que: “A sub-rogação, sendo uma forma de transmissão da obrigação, coloca o sub-rogado na titularidade do mesmo direito de crédito, ainda que limitado em termos de cumprimento, que pertencia ao credor primitivo, e envolve um benefício concedido, designadamente pela lei, a quem, sendo terceiro, cumpre, por ter interesse na satisfação do crédito”.

Como se disse, na situação sub judice, pretende o A. exercer os direitos que competiam ao Banco, por via da transmissão do mesmo crédito de que aquele fora titular, não sobre a sociedade, sua única e indiscutível devedora, mas sobre a pessoa de uma outra sócia desta que não assume tal posição passiva nessa concreta relação jurídica (respeitante às Contas Correntes nº PT 00350217001877492 e  PT 00350217001878891).

Logo, o exercício dos direitos em que o A. se vê subrogado e que antes competiriam à credora Caixa Geral de Depósitos só podem ser exercidos contra a sociedade responsável pela dívida garantida e satisfeira e não contra um dos sócios que não é pessoalmente devedor nesta relação jurídica e que, nessa mesma medida, pela mesma não responderá com o seu património pessoal (não sendo contra si accionada qualquer garantia que, nesse mesmo contexto, houvesse prestado).

De resto, em termos gerais, o sócio que decide, motu proprio, através do seu património pessoal, satisfazer dívidas que incumbem exclusivamente à sociedade, sem nenhum tipo de acordo firmado com os outros sócios (que até podem, por hipótese, desconhecer a iniciativa), não adquire, à partida e automaticamente, qualquer direito de crédito sobre eles que os obrigue a responder pessoalmente, com frustração da regra da limitação de responsabilidade que envolve a própria concessão de personalidade jurídica à sociedade comercial e a imputação subjectiva dos actos jurídicos por ela praticados.

A devedora será sempre, nestas circunstâncias, o ente societário beneficiário desse cumprimento e liberado, por essa via, da obrigação que lhe competia satisfazer.

Já a mera sócia da sociedade, a quem não competia proceder pessoalmente a tal pagamento, não passa a ficar responsabilizada pelo mesmo em virtude dessa iniciativa unilateral do outro sócio que sozinho entendeu garanti-lo perante terceiro, por via da constituição de uma garantia real, sem nada acertar nesse domínio com a sua co-sócia.

O mesmo crédito que lhe foi transmitido era o direito subjectivo que tinha por devedor o sujeito passivo nessa relação jurídica, e não outra entidade que não respondia primitivamente nessa relação, dado não ocupar nela a posição devedora.

Note-se que – contrariamente ao sucede no direito de regresso – esse crédito não se constitui ex novo, sendo antes objecto de um fenómeno de simples transmissão entre credores.

Apresenta o apelante em seu abono o acórdão do Tribunal de Relação de Lisboa de 2 de Julho de 2009 (relatora Fátima Galante), publicado in www.dgsi.pt.

Acontece que a situação factual concreta aí versada é substancialmente diferente daquele que é abordada nestes autos.
Nessa situação particular, trata-se de uma determinada sociedade que havia acordado com o Banco uma operação de crédito.

A sócia, aí Ré, havia solicitado a um terceiro, de quem era muito amiga, a garantia do financiamento.

Nesta sequência, o terceiro e o seu cônjuge deram de garantia ao Banco uma carteira de títulos, depositada na instituição bancária.

Tal carteira de títulos que serviu de caução à gestão de tesouraria em nome da sociedade foi vendida por força do incumprimento da sociedade.

Acontece que a sócia, aí Ré, comprometeu-se pessoalmente, na qualidade de única sócia e gerente da sociedade, a cumprir os compromissos decorrentes da versada operação de crédito, quer perante o Banco, quer perante os AA.

Tal crédito foi-lhe exigido, reconhecido, mas não cumprido pela Ré sócia.

Na situação sub judice, e muito diferentemente, não se trata do cumprimento de qualquer obrigação pessoal da Ré C, mas da entidade directamente obrigada perante a instituição bancária, a sociedade Spe Duci, Lda., que assim deveria responder perante o credor subrogado, uma vez transmitido, entre credores, o referido direito de crédito.

Pelo que improcede a apelação neste ponto.

3– Divisão de responsabilidade entre co-avalistas. Interpretação do artigo 516º do Código Civil. Presunção igualitária. Casos de afastamento da presunção. Medida de responsabilidade de cada um.

Escreveu sobre esta questão o juiz a quo:
“Dúvidas não restam que os AA. têm direito de regresso sobre a 1ª R (artºs 524º e 516º do C.C.), relativamente aos contratos e livranças acima referidas.
Porém, diversamente do alegado, recaindo sobre cada avalista a sua quota-parte de responsabilidade, que se presume ser igual para todos, e existindo a prestação de três avales nas livranças em causa, o direito de regresso sobre a 1ª R. é relativamente a 1/3 – e não 1/2 (artº 516º do C.C.).
Como se refere no Ac.R.C. de 03-06-2014, base citada:
“Em comentário ao acórdão, diz CAROLINA CUNHA – “ Em suma, no plano das relações internas entre os diversos avalistas de um mesmo avalizado o direito de regresso do (ou dos) solvens tem fonte legal no art. 524 do CC, pelo que o seu exercício dispensa a existência e prova de qualquer convenção extracambiária. Quanto à repartição interna da responsabilidade entre os diversos avalistas, o regime legal supletivo é o da igualdade: na ausência (agora sim) de convenção ou de outra relação especial entre eles, comparticipam na dívida em partes iguais ( art. 516 do CC ). Portanto, do ponto de vista processual, será aos avalistas demandados pelo solvens que cabe alegar e provar a existência de desvios à regra da repartição igualitária” (Cadernos de Direito Privado, nº40, Outubro/Dezembro de 2012, pág. 41 e segs.) .”
Assim, tendo os AA. pago o montante global de € 21.122,83 a este título, o seu direito de crédito sobre a 1º R. ascende a € 7.040,94, procedendo parcialmente o pedido formulado na alínea a)”.

Dispõe o artigo 516º do Código Civil:
“Nas relações entre si, presume-se que os devedores ou credores solidários comparticipam em partes iguais na dívida ou no crédito, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes, ou que um só deles deve suportar o encargo da dívida ou obter o benefício do crédito”.

Na situação sub judice, resulta documentalmente demonstrado nos autos que a sociedade Spe Duci, Lda., tinha como únicos sócios, em 22 de Dezembro de 2009, a ora Ré C, titular de uma quota no valor de € 25.000,00, e o ora A. A, casado com a ora A. B, titular de uma quota no valor de € 25.000,00 (cfr. documento junto a fls. 21 a 26).

Ou seja o capital estava dividido em duas participações, em igual percentagem, numa posição social igualitária entre o A. marido e a Ré C.

Em 12 de Outubro de 2011, o sócio Hélder …., casado com Maria …., cedeu a sua quota à sócia, e ora Ré, C.

Discute-se, agora, a medida em que deverá ser exercido o direito de regresso entre co-avalistas da mesma avalizada, na sequência de livrança em que intervieram nessa qualidade os dois AA. e a Ré C.

Não há dúvidas de que o artigo 516º do Código Civil, respeitante ao regime da solidariedade das obrigações, directamente avocado para definir a medida do exercício do direito de regresso entre avalistas da mesma avalizada, na sequência do acórdão de uniformização de jurisprudência nº 7/2012, de 5 de Junho de 2012 (relator Abrantes Geraldes), tirado em revista ampliada, publicado in www.dgsi.pt, no qual se concluiu que “sem embargo de convenção em contrário, há direito de regresso entre os avalistas do mesmo avalizado numa livrança, o qual segue o regime previsto para as obrigações solidárias”, estabelece uma presunção igualitária (naturalmente ilidível, nos termos do artigo 350º, nº 2, do Código Civil).

A disposição legal estabelece que “nas relações entre si, presumem-se que os devedores ou credores solidários comparticipam em partes iguais na dívida ou no crédito, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes, ou que um só deles deve suportar o encargo da dívida ou obter o benefício do crédito”.

Sobre esta matéria, e em anotação a este mesmo acórdão uniformizador de jurisprudência, escreveu Carolina Cunha, in “Pluralidade de avalistas e direito de regresso”, artigo publicado nos “Cadernos de Direito Privado”, nº 40, Outubro/Dezembro de 2012, páginas 41 a 67:
“Quanto à repartição interna da responsabilidade entre os diversos avalistas, o regime legal supletivo é o da igualdade: na ausência (agora sim) de convenção ou de outra relação especial entre eles, comparticipam na dívida em partes iguais (artigo 516º do CC). Portanto, do ponto de vista processual, será aos avalistas demandados pelo solvens que cabe alegar e provar a existência de desvios à regra da repartição igualitária”
(...) somos da opinião que, se é correcto afirmar que entre os obrigados solidários medeia (pelo menos) sempre a relação jurídica delineada pelo regime legal da solidariedade, o qual, no que toca à concreta medida do direito de regresso, implica a divisão da responsabilidade em partes iguais (artigo 516º do CC), não é menos verdade que este regime é acessível à autonomia privada e pode ser afastado todas as vezes que “da relação jurídica” entre os obrigados existentes “resulte que são diferentes as suas partes, ou que só um deles deve suportar o encargo da dívida (artigo 516º, in fine).
Claro que tudo será mais simples e fácil de determinar se os obrigados solidários houverem pactuado, de forma explícita, o modo como tencionam repartir entre si o encargo económico da quantia a satisfazer ao credor. Mas para lá destes casos, existe toda uma (frequente, a julgar pelos casos que chegam a tribunal) “zona cinzenta” de hipóteses em que, apesar dos diversos avalistas do mesmo avalizado nada terem acordado explicitamente quanto à repartição interna da responsabilidade proveniente do pagamento do título, pré-existente entre eles, ou entre alguns deles e o avalizado, algum tipo de relação, em especial uma relação de índole societária, que sugere a possibilidade de se considerar tacitamente afastada a regra igualitária do artigo 516º do CC. Saber até que ponto essa sugestão se confirma é algo que depende dos contornos específicos de cada situação concreta, mas podemos, com inspiração na praxis, seleccionar algumas situações tipo.
Desde logo, a situação em que a dívida avalizada resulta de um título cambiário subscrito por uma sociedade e, de entre os avalistas, apenas um não é sócio-gerente nem tem qualquer ligação à sociedade, tendo concordado em prestar o seu aval a pedido dos outros, por meras razões de amizade. Até que ponto não será de considerar que, no plano interno, a anuência em prestar o aval neste contexto traduz uma convenção tácita de isenção de responsabilidade.
Ou pense-se na hipótese de ambos os avalistas serem sócios da sociedade avalizada, mas deterem participações sociais de peso muito diverso – por exemplo, numa sociedade por quotas, de respectivamente 80% e 20%. Será que, mesmo na ausência de convenção expressa nesse sentido, a relação de socialidade entre eles pré-existente não aponta para um decisivo afastamento da regra da repartição igualitária da responsabilidade?”.

In casu, não foi celebrada qualquer convenção definindo o regime de responsabilidade entre co-avalistas caso viesse a ser exercido, entre eles, o direito de regresso, afastando, nesse caso, expressamente a regra igualitária estabelecida, enquanto presunção legal, nos termos do artigo 516º do Código Civil.

Sempre se dirá que serão relativamente invulgares as situações em que os co-obrigado no título se lembrem, dentro de um contexto corrente de ausência de conflito entre eles, no momento em que decidem, enquanto sócios ou cônjuges de sócios, avalizar livranças em branco exigidas pelas entidade financiadora de modo a viabilizar o giro comercial da sociedade avalizada, proceder entre si à dita convenção expressa, antevendo cautelar e preventivamente o futuro e não desejado incumprimento pela sociedade dos compromissos contratuais assumidos perante terceiros.

Todavia, a disposição legal em apreço contempla o afastamento da presunção igualitária nos casos em que da relação jurídica entre eles existentes resulte que são diferentes as suas partes.

Vejamos:

Está demonstrado com clareza dos autos que os avales que foram prestados em favor da sociedade Spe Duci, Lda., e tiveram como subscritores os dois sócios que detinham em partes iguais o conjunto das quotas que constituíam o capital da sociedade e a ora A. B, este obviamente em função da relação matrimonial que mantinha com o seu marido (sócio da sociedade).

Os pagamentos realizados, face ao accionamento das garantias pelos credores da sociedade, são realizados pelos AA., enquanto casal, sem qualquer destrinça entre eles, actuando naturalmente na prossecução dos interesses associados à sua comunhão conjugal e económica, como bem se compreende.

Logo, não se vê razão para estabelecer, para efeitos de direito de regresso, uma divisão tripartida de responsabilidades, tal como se a pessoa de cada um dos AA., casados entre si, mantivesse uma postura puramente autónoma e diferenciada, do ponto de vista da diversidade de actuação negocial, relativamente ao cônjuge com o qual forma uma espécie de “bloco indivisível de interesses”.

Importa sublinhar que o aval prestado e que está agora em causa teve unicamente a ver com a qualidade de sócios do ora A. e da ora Ré, que eram, nessa altura, os únicos sócios da sociedade, dividindo em partes iguais o respectivo capital social.

Necessitando a sociedade de capital para sustentar a sua actividade, de forma a rentabilizar os seus projectos, assegurando a cada um dos dois sócios os lucros que no futuro houvesse que repartir (no plano igualitário que resulta da divisão em partes iguais do seu capital social), é óbvio que ambos foram directamente chamados pela instituição financeira a garantir pessoalmente, com o seu património, a obrigação de restituição dos montantes adiantados à avalizada.

Já a posição do cônjuge do sócio, que não detém esta última qualidade, surge neste panorama, em princípio e segundo a normalidade das situações, indirectamente, por via da comunhão patrimonial que mantém com o respectivo cônjuge sócio.

Ora, não foi alegado nos autos que a ora A. B se houvesse disposto a avalizar as livranças em causa por motivos alheios à circunstância fundamental de ser casada com o A. sócio da sociedade, em regime de comunhão de adquiridos.

Faz parte do conhecimento geral que a intervenção de um(a) avalista, casado(a) em regime diverso do da separação de bens, com um dos responsáveis – enquanto sócio(a) – de uma sociedade subscritora de uma livrança, constitui uma exigência comum e corrente por parte do tomador do título, que normalmente coloca a prestação desse aval como uma condição sine qua non da concessão do financiamento.

Ou seja, desta concreta relação jurídica resulta que a responsabilidade em termos do exercício do direito regresso entre avalistas deverá respeitar a qualidade em que cada um interveio no acto de prestação de garantia junto de terceiros, o mesmo é dizer, se enquanto sócio da sociedade, ou diferentemente, apenas e só enquanto cônjuge de um dos sócios da devedora.

Cumpre não olvidar que as presentes responsabilidades foram assumidas para garantir o funcionamento da sociedade de que eram únicos sócios, o ora A. e a o Ré, detendo uma participação social igual (50% cada).

Ou seja, não é possível dissociar o acto de assumpção da responsabilidade enquanto avalista da circunstância essencial de se tratar da garantia pessoal prestada por cada um dos sócios da sociedade.

Já a intervenção da 2ª A., enquanto avalista nos títulos, reveste uma natureza absolutamente diversa.

Não surge em função da qualidade de sócia, que não detém, mas apenas e só por se tratar do cônjuge de um dos sócios, casada com este em regime de comunhão de adquiridos.

Ora, nas relações internas entre co-avalistas deverá naturalmente atender-se à repartição de responsabilidades assumidas em virtude das participações sociais em causa.

Pelo que, a responsabilidade interna entre co-avalistas deverá cindir-se, neste caso, entre o sócio da sociedade que assume tal qualidade e o conjunto incindível formado pelo restante sócio com igual participação e o seu cônjuge (não havendo notícia nos autos de ter intervindo no acto fora do contexto de necessidade de viabilização do projecto de financiamento concedido à sociedade subscritora do título).

Analisando a presente situação é incontornável a constatação de que temos de um lado um grupo de interesses autónomo formado pelo A. e pela seu cônjuge, que actuam na prossecução de uma posição comum, perfeitamente definida e indossociável e, do outro, a Ré, que representa precisamente o interesse contratual contraposto, neste universo específico e próprio de co-avalistas que são, por força da lei, devedores solidários do credor da sociedade subscritora.

Neste preciso sentido, vide acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21 de Fevereiro de 2006 (relator Hélder Alves Almeida), publicitado in www.jusnet.pt, onde se salienta que:
“Na sua douta alegação em exame defendem ainda os Recorrentes que a responsabilidade pelo débito satisfeito à CGD é de um terço por cada sócio, correspondente à quota de cada um deles no capital social da "Coimb.". Com esta asserção, têm os mesmos uma vez mais em vista tese doutamente advogada pelo R. no seu articulado de defesa, agora no sentido de que tendo as fianças relativas a ambos os contratos sido prestadas por cinco pessoas/fiadores e não por três, cada um deles responde na respectiva proporção (1/5) com o seu património pessoal.
Ressalvando sempre o muito respeito, afigura-se-nos ser esta última a orientação insubsistente.
Sob a epígrafe "Participação nas dívidas e nos créditos", prescreve o art. 516° do CC. que "Nas relações entre si, presume-se que os devedores ou credores solidários comparticipam em partes iguais na dívida ou no crédito, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes, ou que um só deles deve suportar o encargo da dívida ou obter o beneficio do crédito."
Ora, atentando nos factos provados, verifica-se que, conquanto as fianças tenham sido subscritas por cinco pessoas -AA. e RR.-, apenas o A. marido e os RR. C. e E. são sócios, em partes iguais, da devedora afiançada, a firma "Coimb."- Factos 1) e 4).
Assim sendo, e destinando-se os valores garantidos ao giro da dita empresa, pensamos ser de presumir que unicamente para satisfazer mais que previsível exigência da credora CGD, ambas as Rés tomaram parte nos contratos, assumindo tais garantias.
Bem diferentemente, nas relações entre eles (relações internas), terá sempre estado em perspectiva a repartição das responsabilidades assumidas apenas em função das respectivas participações sociais, até porque, a não ser assim, tal redundaria em indiscutível benefício do sócio solteiro, o aqui R. E, sem que fundamento ou razão para tal se antolhe plausível.
Destarte, e tal como adiantámos, pensamos que em vista da determinação da medida ou quota de responsabilidade de cada um dos co-fiadores se tem de arrancar do fraccionamento tripartido do capital pago pelos AA. à CGD, sendo assim o direito de regresso destes a exercer, em partes iguais, sobre o R. E. de um lado, e sobre o casal dos demais RR., do outro.
Nesta decorrência, ascendendo a importância desembolsada pelos AA. a favor da credora CGD a € 271.349, 48 -Facto 23)-, tendo em conta os juros vencidos à data da propositura da acção -€ 347.37-, cifra-se no valor reclamado pelos AA. a quantia a pagar por cada um daqueles RR., seja, € 90.598,10, pelo R. E. e igual soma pelo aludido casal”.

Para estes concretos efeitos e no âmbito deste processo judicial, não importa ficcionar, especulando, a questão que se colocaria se eventualmente os AA., não actuassem em conjunto ou houvesse cessado entre eles o vínculo conjugal.

O que está aqui unicamente em causa é a situação de facto que se verificou e não outra que poderia ter acontecido, mas que na verdade não aconteceu.

E o certo é que a exigência da prestação de aval não se pode desligar da causa da subscrição das livranças em branco exigidas pela entidade financeira e que se prende com a sustentabilidade económica e comercial da sociedade avalizada que tem apenas como sócios o A. marido e a Ré, em igualdade de posições societárias.

A A. mulher apenas é “arrastada” (perdoe-se-nos a expressão) para o círculo de co-obrigados no título por força do regime matrimonial de bens que vigorava na sua relação conjugal.

De resto, produzindo a sociedade os seus dividendos estes não seriam seguramente divididos em três partes iguais, como é óbvio.

Assim, esta responsabilidade efectivada por via do direito de regresso entre co-obrigados deverá, pela natureza especial da relação jurídica sub judice, traduzir a sua medida de vinculação em função do grupo autónomo de interesses entre o conjunto de avalistas que é possível claramente destrinçar.

Discordando neste ponto do decidido pela 1ª instância, estabelece-se que o direito de regresso exercido pelos AA. contra a Ré terá como montante do crédito o valor global de € 10.561.01 (dez mil, quinhentos e sessenta e um euros e um cêntimo).

Procederá a apelação neste ponto.
4– Dívida ao BES. Alcance temporal de condenação pretendido pelos apelantes (de Junho de 2017 até à prolação da sentença). Constituição do direito de regresso. Necessidade de pagamento efectivo. Pedido de condenação genérica. Prestações futuras.

Escreveu-se na decisão recorrida:
“Os AA. vieram pedir, ainda, o reconhecimento do direito de crédito futuro dos AA. face à 1ª Ré, relativamente a quaisquer quantias que este venha a pagar, referentes aos créditos identificados nos itens 16 e 28, em tudo o que exceda a quota-parte de que são responsáveis, em montante a liquidar em execução de sentença.
Por via das ampliações do pedido os AA. vieram concretizar/atualizar o pedido da alínea a), em face aos pagamentos entretanto efetuados (o que já foi considerado acima), reduzir o pedido da alínea b) (excluindo o crédito relativo ao contrato com o Santander por ter ocorrido o pagamento integral) e ampliar este pedido no tocante ao contrato com o BES.
Quanto a este aspeto os AA. vieram alegar que relativamente a esse mútuo existe outro valor em dívida, à LISGARANTE, no montante de € 8.593,75, pois, no âmbito daquele contrato, para além da livrança avalizada pelos AA. foi, ainda, constituída a favor do mutuário (BES) uma garantia autónoma, até ao montante máximo de € 12.500,00, pela Lisgarante – Sociedade de Garantia Mútua, S.A..
O BES, em virtude do incumprimento da devedora principal, acionou tal garantia autónoma à primeira solicitação, tendo recebido, por conta da mesma, por parte da Lisgarante – Sociedade de Garantia Mútua, SA, a quantia de € 8.593,75.
A Lisgarante interpelou o A. marido a efetuar o pagamento daquela quantia.
Previsivelmente, a LISGARANTE, na ausência de pagamento voluntário das partes devedoras, irá acionar a livrança em branco que se encontra na sua posse.
Ora, não se provou que a verba reclamada pela Lisgarante tenha sido liquidada na pendência da causa, o mesmo sucedendo relativamente aos valores eventualmente pagos após novembro de 2017 no âmbito do processo executivo movido pelo Novo Banco (nº 3740/17.1 T8SNT), e ainda que o venham a ser posteriormente à presente sentença não pode ser atendida, nos termos formulados. Nesta parte (alínea b) o pedido tem de improceder.
Com efeito, o direito de regresso apenas nasce com o pagamento. Antes deste não existe crédito”.

Apreciando:

Concordamos naturalmente com a posição assumida pela juiz a quo neste particular.
Os AA. formularam nos autos o seguinte pedido:
“a)- o reconhecimento do direito de crédito dos AA. face à 1ª Ré, no montante de € 63.281,86, acrescido de metade dos valores entretanto penhorados ao A. marido, desde Outubro de 2014, acrescida dos competentes juros moratórios desde a data da citação, até efetivo e integral pagamento;
b)- o reconhecimento do direito de crédito futuro dos AA. face à 1ª Ré, relativamente a quaisquer quantias que este venha a pagar, referentes aos créditos identificados nos artigos 22.º e 28.º, em tudo o que exceda a quota-parte de que são responsáveis, em montante a liquidar em execução de sentença”.

Na alínea b) trata-se de um pedido de condenação em prestações futuras, concretamente aquelas em que o exercício do direito de regresso ainda não foi constituído (dado as quantias em causa ainda não terem sido pagas pelos co-devedores, ora AA.) e que resultará (hipoteticamente) do accionamento das garantias prestadas pelos AA. em favor da sociedade Spe Duci, Lda., e à medida em que, por via disso, aqueles se vejam obrigados a responder pelas dívidas da sociedade para além da quota que, no âmbito das relações internas entre co-obrigados, lhes compete.

Neste tocante alegaram os apelante que:
“o que foi peticionado foi o mero reconhecimento do direito de crédito dos AA., condicionado, obviamente, ao efectivo pagamento por parte destes, e não o reconhecimento do direito de regresso, sem mais, e sem estar condicionado à demonstração, a efectuar pelos AA. em sede de execução de sentença, da efectividade de tal pagamento.
Tanto mais que, só assim se acautelarão os legítimos direitos dos AA., pois, caso contrário, ver-se-ão forçados a instaurar várias acções declarativas, ao longo do tempo, e sempre sujeitos aos prazos prescricionais para o exercício dos seus direitos, para nas mesmas virem reclamar o reconhecimento dos seus direitos de crédito, face aos montantes que no futuro irão pagar.
Não é aceitável, nem é o que resulta do disposto no Art. 524.º do CC, que o A. se veja forçado a instaurar inúmeras acções ao longo do tempo, para reclamar de forma parcelar o seu direito, por se ver impedido de formular um pedido genérico de condenação dos RR. como fez na presenta acção.
Violou, assim, o Tribunal a quo, o disposto no Art. 524.º do CC, ao julgar improcedente o peticionado pelos AA. na alínea b) do pedido formulado”.

Vejamos:

Dispõe o artigo 524º do Código Civil: “O devedor que satisfizer o direito do credor para além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra cada um dos condevedores, na parte que a estes compete”.
Escrevem sobre este ponto Pires de Lima e Antunes Varela in “Código Civil Anotado”, Volume I, Coimbra Editora Limitada, 1987, a página 539:
“Para que nasça o direito de regresso, é necessário, como a lei diz, que o devedor satisfaça o direito do credor ou que haja mesmo constituído qualquer garantia especial a favor do credor”.

Sobre este mesmo ponto, vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Julho de 2010 (relator Helder Roque), publicado in www.dgsi.pt, onde se salienta que ao avalista que pague (não àquele que poderá vir a ter que pagar) a livrança assistirá direito de regresso sobre os demais avalistas, através de uma acção causal de direito comum.

Ou seja, não há dúvidas de que, conforme resulta da petição inicial e foi sublinhado na sentença recorrida, o direito de regresso aqui em causa – quanto aos pagamentos futuros - ainda não se constituiu, não sendo uma realidade no plano jurídico.

Pretendem os demandantes, por esta via, prevenir situações futuras e prováveis em que, sendo obrigados a efectuar pagamentos enquanto garantes e para além da quota que lhes compete nas relações internas entre co-devedores, se constitua então (e só então) o respectivo direito de regresso nos exactos moldes e termos dos descritos na presente acção.

Propoêm-se, neste contexto e pressuposto, proceder à sua liquidação em execução, segundo nessa altura dos termos prevenidos nos artigos 358º a 361º do Código de Processo Civil.

Apreciando:

Ora, a situação sub judice não integra qualquer uma das hipóteses de admissão da formulação de um pedido genérico, nos termos do artigo 556º do Código de Processo Civil; igualmente não comporta a possibilidade de dedução de pedidos indemnizatórios futuros, nos termos do artigo 564º, nº 2, do Código Civil; nem tem a ver com a previsão do artigo 569º do Código Civil.

Note-se que os AA. pretendem que o Tribunal condene a Ré no pagamento das quantias que se vierem a apurar com fundamento na constituição de um direito de regresso, cuja natureza é constituir-se ex novo e que não existe ainda, nem se sabe se alguma vez se constituirá, tratando-se apenas de uma probabilidade, ainda que porventura elevada.

Existindo a possibilidade de que tal aconteça, não há fundamento para ter como necessário que tal se verifique.

Basta que nenhum outro credor accione as garantias de que os AA são co-devedores com a Ré; que estes, por qualquer motivo, entendam não satisfazer desta vez o exigido; que o seu património se torne incapaz de responder pelos débitos que lhes vão sendo sucessivamente exigidos; ou mesmo que a Ré entenda fazer ela o pagamento em causa.

Ou seja, encontramo-nos aqui no domínio dos cenários hipotéticos.

Não existindo no momento da prolação da sentença da 1ª instância certezas quanto à constituição do direito de regresso que assiste aos peticionantes, não pode haver lugar a qualquer tipo de condenação genérica, na medida em que, inclusivamente, o incidente de liquidação visa apenas quantificar o valor devido e não apreciar ou discutir, em termos declarativos, a verificação dos pressupostos constitutivos do direito de crédito – que terão que se encontrar já definidos previamente.

Não havendo ainda a constituição do direito de regresso, não há fundamento para a condenação da Ré quanto aos importâncias que hipoteticamente possam vir a ser seu objecto no futuro.

Improcede, portando, a apelação neste tocante.

5– Impugnação pauliana. Prova do dolo e da má fé. Natureza anterior ou posterior do acto impugnado em relação à constituição da dívida perante os impugnantes. Situação particular do exercício do direito de regresso entre co-avalistas, dependente do pagamento realizado ao credor por um dos co-obrigados.

Em termos gerais, o Código Civil determina, como requisitos da impugnação pauliana no respectivo artigo 610º, do Código Civil:
a)- Ser o crédito anterior ao acto ou, sendo posterior, ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor;
b)- Resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade do crédito do embargado.

Quanto à natureza jurídica da acção de impugnação pauliana, trata-se de uma acção declarativa desviante de dois princípios basilares do direito das obrigações: o da autonomia privada e o da responsabilidade patrimonial, revestindo a natureza de acção pessoal, onde se faz valer apenas um direito de crédito[1].

Conforme refere Henrique Mesquita, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 128, pag. 223, trata-se de “ uma acção de responsabilidade ou indemnizatória, não podendo os bens ou direitos adquiridos pelo terceiro ser atingidos senão na medida do necessário ao ressarcimento do prejuízo sofrido pelo credor impugnante “.

O acto que cai na previsão pauliana é um acto finalisticamente destinado a prejudicar o credor, como salienta Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, Vol. II, pag. 491, sendo essencialmente caracterizador da má-fé que o devedor e o terceiro tenham consciência do prejuízo que a operação causa aos credores.

Os efeitos da impugnação pauliana encontram-se indicados no artº 616º, nº 1, do Cod. Civil, que estabelece que: “Julgada procedente a impugnação, o credor tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição e praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei“.

A restituição que resulta da procedência da impugnação pauliana tem o significado de permitir que sejam executados bens que o devedor alienou, existentes, por isso, e agora, no património do terceiro/ adquirente, na exacta medida do necessário para a satisfação do interesse do credor/ impugnante[2].

Pelo que, embora plenamente válida a alienação efectuada, tal acto translativo da propriedade tem a sua eficácia restringida ao interesse do impugnante - respondendo (mormente em sede executiva) pela dívida da executada para com aquela.

Debruçando-nos, agora, sobre a situação sub judice:
Em primeiro lugar, cumpre referir que os actos objectos da presente impugnação pauliana – a partilha que teve lugar em 30 de Março e 14 de Abril de 2012 e o contrato de compra e venda de um bem imóvel celebrado entre a Ré C e o Réu H que aconteceu em 7 de Novembro de 2011são anteriores à constituição do créditos de que os AA., por via do exercício do direito de regresso, são titulares sobre a Ré C.

O que significa que foram praticados num momento temporal em que os AA. não eram ainda titulares de qualquer direito de crédito sobre a Ré C, o qual só se veio a constituir com o pagamento das mencionadas livranças.

Neste preciso sentido vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Abril de 2017 (relator João Trindade, publicado in www.dgsi.pt), que pela sua primordial importância para a presente decisão aqui se transcreve:
“Não há vozes discordantes no sentido de que a anterioridade do crédito, para efeitos da acção pauliana, deve reportar-se ao tempo da constituição da relação obrigacional.
Portanto o que cumpre indagar é saber quando se constitui a relação obrigacional nos casos em que o co-avalista procedeu ao pagamento da quantia de € 40.752,25 em 27 Outubro 2015, no âmbito da acção executiva com processo nº 1380/13.3 TBSTS, ao banco beneficiário portador da livrança, subscrita em 18 Julho de 2007 e avalizada pelo Autor e lº Réu, entre outros.
(...) Invoca a sustentar esta posição o acórdão do STJ de 12.03.2015, proferido no processo n.º 4023/11.6/TCLRS.L1.S1, com o seguinte sumário: “ II - A anterioridade do crédito, para efeitos da alínea a) do art. 610.º do CC, afere-se pela data da sua constituição e não pela data de vencimento do título de crédito. III - O crédito, em relação ao avalista, constitui-se no momento em que presta o seu aval. A partir de então associa-se à situação cambiária daquele a favor do qual deu a sua garantia.”
A Relação concorda com este entendimento quando refere que não está em causa que é entendimento pacífico que a anterioridade do crédito para efeitos da al. a) do art. 610º do CC se afere pela data da sua constituição e não pela data do seu vencimento e que o crédito resultante da assinatura de uma livrança constitui-se na data da respectiva emissão e não na do vencimento desta.
No entanto desvia, e bem, o núcleo da questão invocando que no caso quem está a intentar a acção de impugnação não é o Banco titular da livrança (ou além a que quem tivesse sido endossada a livrança) mas um co-avalista.
Na sequência considera que é incorrecto considerar que o crédito do A para com o 1º R, ambos avalistas da livrança, surgiu em 18.07.2007, quando a livrança foi subscrita e avalizada pelo A e 1º R. .
Nessa data nasceu a obrigação cambiária da sociedade subscritora da livrança e dos avalistas para com o Banco, portador da livrança. Entre os co-avalistas não há qualquer direito de crédito, enquanto nenhum deles voluntária ou coercivamente pagar a livrança. Assim em rigor o crédito do A. apenas nasceu quando pagou a livrança, ou seja, conforme ficou provado, com base em documento por ele apresentado, em 27.10.2015.
Considera assim que o crédito é posterior ao acto impugnado e como tal não se verifica, um dos requisitos da impugnação paulina, que o crédito do A seja anterior ao ato impugnado e se for posterior, tem de se provar, ter sido dolosamente praticado com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor, nos termos do art. 610º al. a) do Código Civil.
Aderimos á tese defendida pela Relação.
Na verdade há que atender ao momento da constituição do crédito e no caso, esse momento reporta-se não à subscrição do aval, mas ao pagamento de 27.10.2015
Toda a argumentação e jurisprudência citada na 1ª instância assenta na subscrição de uma livrança, o que não corresponde á situação em apreço.
É certo que este STJ ([1]) tem vindo a defender que“ o crédito resultante do aval constante da livrança ….. constituiu-se no momento da emissão dessa livrança, pois, como se decidiu no Acórdão do S.T.J. de 22-6-04 (www.dgsi.pt.jstj) “é, pelo menos, então que a prestação na relação subjacente é posta à disposição do devedor o que, quando levado á relação cartular, significa que a obrigação cambiariamente nasce e fica constituída e que a responsabilidade do subscritor pelo respectivo pagamento, na data do vencimento, fica estabelecida com e pelo acto de subscrição da livrança (arts 75-I, 78 -1 e 28 - I da LULL) “.
Não obsta ao exercício da impugnação o facto de o direito do credor não ser ainda exigível, por o vencimento dessa livrança só ocorrer …….depois da outorga da escritura de doação, face ao disposto no art. 614, nº1, do C.C.
A solução aí consagrada é paralela à fixada no art. 607, do C.C., em matéria de sub-rogação.
Também Vaz Serra (Responsabilidade Patrimonial, nº 49, Bol. 75), justifica a solução do nº1, do citado art. 614º, escrevendo que o “direito do credor já é certo e este pode ter interesse legítimo em impugnar o acto antes de vencido o seu crédito, para impedir que os bens se percam ou se inutilizem as provas a produzir na acção “ .
A este respeito refere igualmente Antunes Varela ([2]) que “não é necessário que o crédito já se encontre vencido para que o credor possa reagir contra os actos (de impugnação da garantia patrimonial) anteriores ao vencimento, contanto que a constituição do crédito seja anterior ao acto”.
No entanto no caso, a responsabilidade do avalista é contratual e não cambiária.
Em suma, não é o momento da assinatura dos avalistas que estes se obrigaram a pagar, em regime de solidariedade com a subscritora, a quantia inscrita na livrança, na data do respectivo vencimento, que conta .
A decisão da 1ª instância labora em equívoco quando assenta todo o seu raciocínio de que só na data do vencimento livrança devia ser pago o montante titulado pela mesma. Na relação entre os co-avalistas não estamos, repetimos, perante uma obrigação cambiária.
Assim não podemos estar mais de acordo com o acórdão recorrido quando defende que o avalista que paga não tem uma acção cambiária contra os avalistas do mesmo grau para realizar parte da soma que lhe cabe na divisão da responsabilidade. Nas relações entre os co-avalistas não se aplica o art.32 §3º LULL (" Se o dador de aval paga a letra, fica sub-rogado nos direitos emergentes da letra contra a pessoa a favor de quem foi dado o aval e contra os obrigados para com esta em virtude da letra").
Resta apreciar a questão da sub-rogação voluntária.
Diremos a propósito que o regime do art. 589º do CC apenas é de aplicar a terceiros que efectuam o pagamento ao credor, o que não sucedeu com o A., já que era avalista e, por isso, responsável solidário para com o banco credor.
Por outro lado vigorando entre os coavalistas a solidariedade, quando um paga ao credor da livrança adquire direito de regresso que se constitui apenas nesse momento e não na ocasião em que foi prestado o aval”.

De referir, outrossim, que ambos os actos jurídicos em apreço revestem a natureza de actos onerosos - e não gratuitos -, implicando contrapartidas a suportar pelas respectivas contrapartes.

Relativamente à consideração da partilha como acto oneroso para estes precisos efeitos (acção de impugnação pauliana), vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Abril de 2005 (relator Oliveira Barros), publicado in www.dgsi.pt, onde se alude à circunstância relevante de serem devidas tornas ao interessado a quem é imputada a sua realização com o propósito de evitar a efectivação do crédito de que é devedor.

No mesmo sentido, vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Fevereiro de 2012 (relator Hélder Roque), publicado in www.dgsi.pt, onde se salienta que:
“(…) a partilha é um acto de divisão modificativo de direitos, em que se opera uma transformação de que resulta a cedência, por cada um dos condividentes, de um direito indiviso sobre uma totalidade que têm em relação aos bens em geral, em troca do direito exclusivo sobre uma parte daqueles que lhe são assinados, correspondendo à saída de um direito a entrada de um outro, na esfera jurídica de todos os participantes, devendo, portanto, ser considerada como um acto, a título oneroso.
De todo o modo, tendo havido declaração formal da obrigatoriedade do pagamento de tornas pelo excesso recebido, por parte da ré CC, a favor do réu BB, independentemente da sua efectividade, a respetiva partilha dos bens do casal constitui um inequívoco acto oneroso”.

De todo o modo, sendo o acto praticado antes da constituição do crédito cuja salvaguarda justifica o recurso ao instituto da impugnação pauliana, é mesmo indiferente que o revista a natureza de oneroso ou gratuito.

Assim sendo, a presente impugnação pauliana encontra-se sujeita ao regime previsto no artigo 610º, alínea a), 2ª parte, do Código Civil, dependendo a sua procedência da prova de que os actos impugnados – a divisão hereditária através de partilha e o contrato de compra e venda do imóvel onde a Ré reside – foram realizados dolosamente com o intuito de frustrar o futuro crédito do impugnante.

Ora, in casu, tal não se provou, não havendo os AA. logrado, por via da sua impugnação da decisão de facto, modificar o quadro factual que, a este propósito, foi estabelecido em 1ª instância.

De salientar, ainda, que, relativamente ao contrato de compra e venda celebrado entre os RR. C e H, ficaram provados os seguintes factos, que não foram objecto de impugnação por parte dos AA.:
“57.- O 6º R. efectuou a entrega de parte do preço da compra antes da data da celebração da escritura.
58.- A venda efectuou-se porque a 1ª Ré estava numa situação pessoal e financeira difícil, sem rendimentos para se sustentar a si e ao seu filho menor, situação que nunca lhe permitiria pagar a dívida do empréstimo hipotecário que recaia sobre este imóvel.
59.- Na data da escritura o 6º R emitiu o cheque visado sobre o BBVA com o n.º 3804055881, sacado da sua conta pessoal, em nome da 1ª Ré no montante de 76.200,00 euros.
60.-Esse montante foi depositado na conta da 1ª Ré e imediatamente transferido para pagamento de empréstimo que esta havia contraído junto de entidade bancária, no montante de € 76.174,00”.

Conforme doutrina expressa no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Janeiro de 2017 (relator Abrantes Geraldes), publicado in www.dgsi.pt, não se verifica o requisito da má fé exigido nos termos do artigo 612º do Código Civil se, para além de não se provar que os contraentes agiram com o intuito de prejudicar o credor impugnante, se provou ainda que o produto da venda do imóvel foi aplicado pelo vendedor no pagamento da divída hipotecária que havia contraído.

É basicamente o que sucede na situação sub judice.

Pelo que improcederá o pedido de impugnação pauliana, sem necessidade de abordar as restantes questões jurídicas conexas com esta temático e cujo conhecimento quedou prejudicado pela inexistência dos requisitos gerais para a aplicação in casu daquele instituto jurídico.

A apelação improcede neste tocante, confirmando-se nesta parte a decisão recorrida.

IV–DECISÃO: 

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, alterando a decisão recorrida e condenando agora a Ré C a pagar aos AA. A e B a quantia de  € 10.561.01 (dez mil, quinhentos e sessenta e um euros e um cêntimo), acrescida de juros desde a data da citação até ao efectivo e integral pagamento, à taxa legal; na parte sobrante, confirmar a sentença recorrida.
Custas pelos AA. apelante e pela Ré C, na proporção de ¾ (três quartos) pelos primeiros e ¼ (um quarto) pela segunda.


 
Lisboa, 19 de Novembro de 2019.


Luís Espírito Santo
Isabel Salgado.
Conceição Saavedra.



[1]Vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 2013 ( relator Tavares de Paiva ), publicitado in www,jusnet.pt, onde se alude a que “ a acção de impugnação pauliana não é uma acção rescisória ou recuperatória ou de anulação ou de nulidade, antes tem um carácter pessoal com escopo indemnizatório “ ; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 2008 ( relator Urbano Dias ) , acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Junho de 1998, publicado in Colectânea de Jurisprudência/ Acórdãos do STJ, Ano VI, tomo II, pags. 127 a 129 ; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Fevereiro de 1998, publicado in Colectânea de Jurisprudência/ Acórdãos do STJ, Ano VII, tomo I, pags. 100 a 101, onde se refere : “ ( ... ) em face do regime estabelecido no nº 1, do artº 616º, do Código Civil, e como escreve o Prof. M. Henrique Mesquita, na Ver. de Leg. Jur., Ano 128, pag. 223 : “ Este meio de defesa, porém, não se destina a reagir contra actos nulos, como sucede na hipótese do artigo 605º, nem contra a inércia ou passividade do devedor, como sucede nos casos em que se aplica a acção subrogatória. Destina-se, sim, a reagir contra actos positivos do devedor que não enfermam de qualquer vício interno, mas que causam prejuízo aos credores. Trata-se, portanto, de uma acção de responsabilidade ou indemnizatória, não podendo os bens ou direitos adquiridos pelo terceiro ser atingidos senão na medida do necessário ao ressarcimento do prejuízo sofrido pelo credor impugnante “. Para depois rematar com a afirmação de que o regime legal vigente “ não deixa a menor dúvida de que se trata de uma acção pessoal, com escopo indemnizatório – e não de declaração de nulidade ou de anulação “ ; acórdão da Relação de Évora de 1 de Junho de 1999, in Colectânea de Jurisprudência, Ano XIV, tomo III, pags. 278 a 282 ; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Novembro de 1998, in BMJ nº 481, pag. 45, onde pode ler-se : “ O que é essencial e determinante, por consequência, para se poder considerar preenchido o requisito da má-fé é que o devedor e o terceiro tenham consciência do prejuízo que a operação causa ao credor, sendo bastante a “ mera representação da possibilidade da produção de resultado danoso em consequência da conduta do agente “ ; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Dezembro de 1996, in BMJ nº 462, pag. 421 ; na doutrina, vide, entre outros, Almeida e Costa, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 127º, pags. 247-278 ; Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, pag. 452.
[2]Vide entre outros, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Fevereiro de 1993, in BMJ nº 424, pag. 615 ; ( no acórdão da Relação de Évora de 17 de Junho de 1999, in Colectânea de Jurisprudência, Ano XXIV, tomo III, pag. 281: “Na acção pauliana o pedido a formular pelo Autor é o da restituição, material e jurídica, dos bens alienados, ao património dos alienantes e devedores e não o da rescisão do contrato celebrado ; os bens não têm que sair, necessariamente, do património do obrigado à restituição, onde o credor poderá executá-los e praticar sobre eles os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei“.