Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | RUI MANUEL PINHEIRO DE OLIVEIRA | ||
Descritores: | IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO PROPRIEDADE HORIZONTAL DANOS EM FRACÇÃO AUTÓNOMA INFILTRAÇÕES PROVENIENTES DE OUTRA FRACÇÃO OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO ÓNUS DA PROVA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/05/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | Sumário (da responsabilidade do relator): I – Na impugnação da decisão de facto, é ao impugnante que cumpre convencer o tribunal de recurso que a primeira instância violou as regras de direito probatório aquando da apreciação dos meios de prova, procedendo, ele próprio, a uma análise crítica da apreciação do tribunal a quo, demonstrando em que pontos o mesmo se afastou do juízo imposto pelos princípios e pelas regras legais, da racionalidade, da lógica ou da experiência comum, não bastando uma mera contraposição de meios de prova; II – A alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação, quando, fazendo actuar o princípio da livre apreciação das provas, seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro de apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados; III – O proprietário de uma fracção autónoma de um prédio constituído em propriedade horizontal tem o dever de vigiar o seu estado de conservação e responde pelos danos provocados noutra fracção autónoma do mesmo prédio decorrentes de infiltrações com origem na sua fracção, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa, nos termos do art.º 493.º, n.º 1 do CC; IV – Ao proprietário da fracção autónoma que sofreu os danos basta provar que os mesmos decorreram de infiltrações de águas provenientes da outra fracção, não tendo que provar a razão ou causa concreta dessas infiltrações (v.g., falta de impermeabilização ou rupturas na canalização); V – A actualização do valor da indemnização, correspondente ao custo da reparação de um dano já verificado à data da propositura da acção, carece de ser pedida (arts. 569.º do CC e 265.º, n.º 2 do CPC), pelo que, não o sendo, não pode o tribunal condenar em quantidade superior (art.º 609.º, n.º 1 do CPC); VI – É fungível a obrigação de «…fazer, na sua fracção, as obras necessárias para extinguir a fonte das infiltrações na fracção do Autor (…), designadamente a impermeabilização da fracção e supressão de fugas na respectiva canalização», uma vez que, em caso de incumprimento, o credor pode requerer, no processo executivo, que o facto seja prestado por si ou por outrem à custa do devedor (art.º 828.º do CC e 868.º do CPC). | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes na 8.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I – RELATÓRIO 1.1. M intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra F, pedindo a sua condenação: «- No pagamento da quantia de €6.076,20, corresponde aos danos já ocorridos na fracção do Autor; - No pagamento dos danos que venham a verificar-se na fracção do Autor; - Na reparação dos defeitos actuais e futuros, na impermeabilização e na canalização da sua fracção, bem como outros defeitos que se venham a apurar; - A abster-se da prática de todos e quaisquer actos dolosos ou negligentes, que possam provocar danos na fracção do Autor; - No pagamento de sanção pecuniária compulsória, no montante que V. Exa. doutamente fixar, por cada dia incumprimento». Alega, para tanto e em síntese, que a fracção autónoma propriedade do R., que se encontra imediatamente por cima da fracção autónoma de que é proprietário, padece de falta de impermeabilização nas zonas das casas de banho e cozinha e de rupturas na sua canalização, o que tem vindo a originar prejuízos na fracção do A. 1.2. O R. contestou, declinando qualquer responsabilidade, defendendo, em suma, que os problemas que causam danos e prejuízos advêm de infiltrações e entulhos acumulados no telhado do prédio, cuja reparação é da responsabilidade do condomínio. 1.3. Foi realizada a audiência prévia, onde foi saneada a causa, fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova, sem reclamações. 1.4. Procedeu-se à audiência final, após o que foi proferida sentença, que culminou com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto: (i) Condena-se o Réu F a fazer, na sua fracção, as obras necessárias para extinguir a fonte das infiltrações na fracção do Autor M, designadamente a impermeabilização da fracção e supressão de fugas na respectiva canalização; (ii) Condena-se o Réu a pagar ao Autor o montante de €6.076,20 (seis mil e setenta e seis euros e vinte cêntimos); (iii) Absolve-se o Réu do demais peticionado; (iv) Condenam-se as partes em custas, na proporção de 90% para o Réu e 10% para o Autor». 1.5. Inconformado apelou o R., pedindo que tal sentença seja revogada e o R. absolvido de todos os pedidos, formulando, para tanto, as seguintes conclusões: «UM: O facto constante do elenco dos factos julgados como provados como nº 4 deverá ser julgado como não provado. DOIS: A menção à configuração dos imóveis foi efectuada pelo Autor, de forma pouco perceptível e intercalada com outras alegações, nos artigos 18º e 21º da Petição Inicial. TRÊS: O artigo 18º da Petição Inicial foi impugnado, em sede de Contestação, ainda que parcialmente. QUATRO: O facto em questão está em oposição com a defesa no seu conjunto, dado que a defesa apresentada pelo Réu (aqui Recorrente) consiste no facto de a origem das infiltrações ocorridas na fracção do Autor (as quais não ocorreram apenas no quarto e na cozinha, como se explicará infra) ser as deficiências existentes no telhado do prédio, as quais provocaram infiltrações na fracção do Réu e, subsequentemente, na do Autor, tratando-se, não de infiltrações localizadas numa localização determinada, mas de infiltrações que se alastram pela generalidade da fracção do Réu e, subsequentemente, da fracção do Autor (o que é incompatível com a definição específica da localização de determinados espaços em ambas as fracções). CINCO: A configuração espacial de ambas as fracções é um facto que apenas poderia ser provado por prova documental, pelo que não poderia ter sido admitido por acordo. SEIS: As plantas juntas pelo Autor como Documentos nºs 9 e 10 com a Petição Inicial foram incorrectamente elaboradas e não correspondem à realidade dos factos, conforme foi confirmado pelo Réu, em sede de declarações de parte. SETE: Os factos constantes do elenco dos factos julgados como provados como 5., 6., 7., 9., 10., e 11. deverão ser julgados como não provados. OITO: Embora a prova produzida permita verificar que existem infiltrações na fracção do Autor, não permite concluir que estas tenham origem na fracção do Réu (e não, por exemplo, no telhado). NOVE: Não existe qualquer prova que permita concluir que existe qualquer tipo de falta de impermeabilização na fracção autónoma do Réu e/ou qualquer tipo de rotura na canalização da mesma. DEZ: Os Documentos juntos pelo Autor não permitem extrair qualquer conclusão relativamente à alegada existência de qualquer patologia na fracção autónoma do Réu, não se podendo, portanto, considerar provado que exista qualquer patologia. ONZE: Face aos depoimentos das testemunhas e ainda ao depoimento de parte do Réu, é manifesto que não é possível concluir que a origem das infiltrações existentes na fracção autónoma do Autor seja na fracção autónoma do Réu e, muito menos, que pudesse ser causada por algum tipo de deficiência, quer nas canalizações, quer na impermeabilização da referida fracção. DOZE: Os depoimentos das várias testemunhas são totalmente contraditórios, no que se reporta ao tipo de água existente na fracção autónoma do Autor, não sendo possível extrair qualquer conclusão relativamente à origem das infiltrações. TREZE: A testemunha MR alegou que estava a cair água, com uma tonalidade creme, acastanhada, mas não sentiu que tivesse qualquer cheiro. CATORZE: A testemunha MD (a qual produziu o relatório que foi junto como Documento nº 20 com a Petição Inicial, relatório esse que se revela ser extremamente parcial) referiu que a água não estava límpida (porque teria atravessado estruturas de madeira) e que tinha cheiro a sabonete ou a champô. QUINZE: A testemunha R, mulher do Autor, alegou que a água em questão teria origem nos esgotos e continha dejectos. DEZASSEIS: O depoimento da testemunha MS foi semelhante ao depoimento da testemunha MR, tendo esta mencionado que se tratava de água amarelada (ainda que limpa). DEZASSETE: Embora existam infiltrações em duas divisões diferentes, não é credível que possamos estar perante três tipos diferentes de água: água limpa (mas amarelada devido à passagem pelas estruturas de madeira), água com sabonete/champô e água com dejectos. DEZOITO: Dado que a água estaria sempre amarelada, devido à passagem pelas estruturas de madeira, seria sempre possível que a mesma água também tivesse como origem a existência de infiltrações no telhado, que pudessem ter passado para o 4º Andar (fracção autónoma do Réu) e, subsequentemente, para o 3º Andar (fracção autónoma do Autor). DEZANOVE: Os depoimentos das testemunhas apresentadas pelo Autor foram contraditórios e, no essencial, pouco credíveis. VINTE: No que se reporta ao depoimento da testemunha R, não se compreende o motivo pelo qual o douto Tribunal a quo relevou esse depoimento (e desconsiderou totalmente as declarações de parte do Réu), quando a testemunha em questão, embora não seja formalmente parte, por o Autor ter adquirido a sua fracção autónoma, no estado de solteiro, é mulher deste e reside na fracção autónoma em questão, tendo interesse directo na causa. VINTE E UM: O depoimento em questão, para além de contraditório com os restantes, demonstrou que os problemas na fracção do Autor já existiam muito antes de 2017 (como também está demonstrado através do Documento nº 19 junto com a Petição Inicial). VINTE E DOIS: O que está em consonância com o referido pelo Réu, em sede de declarações de parte, que confirmou a existência de infiltrações, na sua fracção autónoma e na do Autor, com origem no telhado, desde que tinha adquirido a mesma. VINTE E TRÊS: O depoimento da testemunha MD, que referiu ter apenas estado na fracção autónoma do Autor cerca de duas ou três vezes (e nunca ter estado na fracção autónoma do Réu), foi igualmente contraditório, pouco credível e até parcial (se for possível confirmar que a testemunha seja, igualmente, o perito que subscreveu a confirmação de vistoria junta como Documento nº 6 com a Petição Inicial, o que parece provável). VINTE E QUATRO: A referida testemunha (que elaborou o relatório junto como Documento nº 20 com a Petição Inicial, o qual indicava como origem de um dos pontos das infiltrações uma base de duche), posteriormente, alegou que nunca tinha falado numa base de duche e mencionou que o seu depoimento se baseava na leitura do seu próprio relatório (o que confirma que não tinha sequer memória do que teria, efectivamente, ocorrido). VINTE E CINCO: A testemunha MR, por outro lado, referiu que tinha estado na cozinha da fracção autónoma do Autor, num único dia, num período de quinze minutos ou mesmo inferior a isso. VINTE E SEIS: A testemunha JT confirmou que não existia forma de confirmar se as infiltrações existentes na fracção autónoma do Autor advém da fracção autónoma do Réu ou do telhado, sem vistoriar a fracção autónoma do Réu. VINTE E SETE: O depoimento da testemunha JS é irrelevante, relativamente à questão da origem das infiltrações, dado que a testemunha confirmou que apenas esteve na fracção autónoma do Autor uma única vez e nunca esteve na fracção autónoma do Réu. VINTE E OITO: Quer o Réu, nas suas declarações de parte, quer as testemunhas MS, MG e AO confirmaram não ter verificado a existência de nenhuma deficiência na fracção autónoma do Réu. VINTE E NOVE: Os factos constantes do elenco dos factos julgados como não provados como a) e b) deverão ser julgados como provados. TRINTA: A existência de infiltrações na fracção autónoma do Réu está confirmada pela prova documental produzida. TRINTA E UM: Através dos Documentos nºs 1 e 3 juntos com a Contestação, é possível verificar que o Réu denunciou a existência de infiltrações na sua fracção autónoma, com origem no telhado, junto da Administração do Condomínio, tendo juntado fotos comprovativas da existência dessas infiltrações. TRINTA E DOIS: Através dos Documentos nºs 2, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 12 e 13 juntos pelo Réu com o requerimento datado de 11 de Dezembro de 2022, às 22:28:11 (UTC+00:00 Europe/Lisbon), REFª 44116000, é possível verificar que o Réu voltou a denunciar a existência de infiltrações na sua fracção autónoma, com origem no telhado, junto da Administração do Condomínio, tendo juntado fotos comprovativas da existência dessas infiltrações, e tendo mencionado que essas infiltrações seriam também a causa das infiltrações no 3º Andar (fracção autónoma do Autor). TRINTA E TRÊS: Também através dos Documentos nºs 14 (fotografia) e 15 (vídeo) juntos pelo Réu com o requerimento datado de 11 de Dezembro de 2022, às 22:28:11 (UTC+00:00 Europe/Lisbon), REFª 44116000, é possível confirmar a existência de infiltrações na fracção autónoma do Réu. TRINTA E QUATRO: Através dos Documentos nºs 1 a 6 juntos pelo Réu com o requerimento datado de 4 de Março de 2024, às 11:41:49 (UTC+00:00 Europe/Lisbon), REFª 48158673, é possível confirmar o ressurgimento das infiltrações na fracção autónoma do Réu (o que é compatível com as declarações de parte do Réu, em que este refere que, embora o telhado tivesse sido reparado, não estava perfeito, e a situação poderia ocorrer novamente, como se referirá infra). TRINTA E CINCO: Também através da prova testemunhal e de declarações de parte produzida, é possível confirmar a existência de infiltrações na fracção autónoma do Réu, com origem no telhado. TRINTA E SEIS: Em sede de declarações de parte, o Réu explicou, detalhadamente, as infiltrações existentes na sua fracção autónoma e a respectiva origem, as queixas dos seus hóspedes, a cessação do problema, em 2022, bem como a inexistência de queixas por parte do Autor, desde essa data, as múltiplas interpelações efectuadas pelo Réu à Administração do Condomínio e ainda a possibilidade de as infiltrações voltarem a surgir, dado que a reparação não foi perfeita. TRINTA E SETE: A testemunha do Autor, JT, confirmou o mau estado do telhado (tendo sido a própria testemunha que foi contratada para efectuar a reparação), tendo confirmado ainda que a consequência desse mau estado do telhado era a entrada de água, quer para a fracção autónoma do Réu (4º Andar), quer para as fracções que estivessem por baixo. TRINTA E OITO: A testemunha do Réu, MS, confirmou a existência de infiltrações na fracção autónoma do Réu, bem como confirmou que tentava colocar baldes e limpar a água, para que não infiltrasse para a fracção autónoma do Autor, tendo ainda mencionado que o Réu contactou, diversas vezes, a Administração do Condomínio relativamente a esse assunto. TRINTA E NOVE: A testemunha MG confirmou igualmente a existência de infiltrações na fracção autónoma do Réu, com origem no telhado. QUARENTA: A testemunha do Réu, AO, confirmou a existência de infiltrações na fracção autónoma do Réu, nas duas casas-de-banho, com origem no telhado. QUARENTA E UM: O depoimento da testemunha JS é pouco credível e contraditório com a prova documental produzida. QUARENTA E DOIS: A douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 342º, nº 1, 483º, nº 1, 493º, nº 1, 1421º, nº 1, 1422º, nº 1, e 1436º, nº 1, alínea g), do Código Civil, e nos artigos 414º e 574º, nº 2, do Código de Processo Civil. QUARENTA E TRÊS: Ao contrário do entendido pelo douto Tribunal a quo, a conduta ilícita não é do Réu, mas do Condomínio, pois é a este que cabe o dever de vigiar as partes comuns. QUARENTA E QUATRO: Decorre da prova produzida nos autos que a origem dos danos provocados na fracção autónoma do Autor não é qualquer deficiência na fracção do Réu, mas no telhado do prédio. QUARENTA E CINCO: Quem é titular do dever de vigiar o telhado do prédio é o Condomínio e não o Réu. QUARENTA E SEIS: Assim sendo, quem poderia violar esse dever seria o seu titular (in casu, reitera-se, o Condomínio). QUARENTA E SETE: Verificando-se que a origem dos danos provocados na fracção autónoma do Autor é o telhado, a responsabilidade pela sua reparação é do Condomínio, e não do Réu. QUARENTA E OITO: Refere-se ainda, por mera cautela de patrocínio que, caso, por algum motivo se viesse a entender que possa não estar provado que a origem dos danos provocados na fracção autónoma do Autor é a existência de deficiências no telhado do prédio (o que não se concede), sempre se dirá que, em qualquer caso, o Autor não logrou provar a existência de qualquer deficiência na fracção autónoma do Réu que pudesse ser a causa de quaisquer danos. QUARENTA E NOVE: Cabendo o ónus da prova relativamente à origem dos danos causados na fracção do Autor ao próprio Autor, a dúvida existente relativamente à (escassa e contraditória) prova produzida deveria ter sido resolvida contra o Autor, e não contra o Réu. CINQUENTA: O Autor aponta múltiplas hipóteses para a origem dos danos causados (a impermeabilização da banheira e/ou da base de duche, a canalização, que poderá ser da base de duche e/ou da instalação sanitária e, ainda, eventualmente, também da cozinha), não conseguindo chegar a qualquer conclusão, relativamente a nenhuma das hipóteses mencionadas, porque não existe prova que o permita. CINQUENTA E UM: Mesmo a própria douta sentença recorrida é demonstrativa da inexistência de provas concretas, quanto à alegada existência de qualquer deficiência na fracção do Réu, ao condenar o Réu, genericamente, a fazer, na sua fracção, “as obras necessárias para extinguir a fonte das infiltrações, na fracção do Autor (…)”, as quais são definidas como sendo “designadamente” (poderão ser também outras, não especificadas?) “a impermeabilização da fracção e supressão de fugas na respectiva canalização”. CINQUENTA E DOIS: Mas a impermeabilização de que partes da fracção autónoma? E a supressão de quais fugas, em qual canalização? CINQUENTA E TRÊS: Pretenderá o douto Tribunal a quo que o Réu impermeabilize a totalidade da fracção autónoma e substitua toda a canalização, em busca de uma hipotética deficiência, que possa ter hipoteticamente causado algum dano, a qual, segundo a (falta de) prova produzida nos autos, não deverá sequer existir? CINQUENTA E QUATRO: O artigo 493º, nº 1, do Código Civil apenas consagra uma presunção de culpa, cabendo ao lesado a prova relativamente aos restantes elementos da responsabilidade civil aquiliana (a saber, o facto voluntário, a ilicitude, o dano, e o nexo de causalidade entre o facto e o dano). CINQUENTA E CINCO: Embora o Autor tenha produzido prova da existência de danos, não produziu prova que permita concluir o que causou os mesmos danos, sendo ao Autor que cabia o ónus da prova, relativamente a esses factos. CINQUENTA E SEIS: O Autor não logrou provar a existência de qualquer deficiência na fracção autónoma do Réu que pudesse ter provocado danos na sua fracção autónoma. CINQUENTA E SETE: É indiscutível que não está provado que exista qualquer deficiência na fracção autónoma do Réu que pudesse provocar danos na fracção autónoma do Autor. CINQUENTA E OITO: É também indiscutível que o ónus da prova, no que se reporta à origem dos danos, cabia ao Autor. CINQUENTA E NOVE: Deverá a acção ser julgada totalmente improcedente, por não provada, absolvendo-se o Réu de todos os pedidos». 1.6. O A. contra-alegou e interpôs recurso subordinado, pedindo que: «a) Seja negado provimento ao recurso interposto pelo Réu e, consequentemente, mantida a sentença recorrida no que diz respeito aos factos provados números 4, 5, 6, 7, 9, 10 e 11, negando-se o pedido de reapreciação da prova formulado pelo Réu; b) Seja negado provimento ao recurso interposto pelo Réu e, consequentemente, mantida a sentença recorrida no que diz respeito aos factos não provados identificados como a) e b), negando-se o pedido de reapreciação da prova formulado pelo Réu; c) Seja dado provimento ao presente recurso subordinado e, em consequência: i) Seja reapreciada a matéria de facto, alterando-se a redação do artigo 16 dos factos provados, nos seguintes termos: “O valor global estimado das reparações já efectuadas e das necessárias a eliminar as patologias descritas era em Maio de 2022 de €5.560,50, acrescido de IVA, num total de €6.839,42.” ii) Adicionalmente, devem ainda ser dados como provados os seguintes factos: 17. Após a instauração da presente acção, ocorreu uma infiltração no dia 30/01/2022 na cozinha da fracção do Autor, que implicou a deslocação do Regimento dos Sapadores Bombeiros da Câmara Municipal de Lisboa, tendo sido por estes tentado o acesso à fracção do Réu, sem sucesso, o que motivou o corte do abastecimento da água daquela fracção. 18. As infiltrações na cozinha e no quarto do filho do Autor não se encontram resolvidas, mantendo-se os problemas, sendo que relativamente à cozinha as infiltrações são mais esporádicas e quanto ao quarto do filho do Autor são recorrentes. iii) Seja condenado o Réu no pagamento da quantia de €6.839,42, e bem assim no pagamento dos danos que venham a verificar-se na fracção do Autor. iv) Seja revogada a sentença sob recurso, na parte em que absolveu o Réu do pedido de condenação do Réu no pagamento de sanção pecuniária compulsória pelo atraso no cumprimento das obrigações, e substituída por outra que condene o Réu no pagamento de sanção pecuniária compulsória pelo atraso no cumprimento das obrigações em montante a fixar pelo douto Tribunal». Para tanto, formulou as seguintes conclusões: «I. Das Contra-Alegações De Recurso: 1. A douta sentença de 29/04/2024, aqui posta em crise não enferma dos vícios alegados pelo Recorrente. 2. Quanto ao pedido de reapreciação do facto provado número 4, bem decidiu o Tribunal a Quo, pois o mesmo não foi impugnado pelo Réu na sua defesa, devendo como tal considerar-se confessado e provado. 3. Adicionalmente, o mesmo resulta provado pelos documentos 9 e 10 juntos com a PI, que igualmente não foram impugnados pelo Réu, e bem assim, pela confissão do Réu em sede de declarações de parte e pelo depoimento das testemunhas R e JT. 4. Relativamente ao pedido de reapreciação dos factos provados números 5, 6, 7, 9, 10 e 11 também não poderiam ter deixado de ser dados como provados, tal como foram, uma vez que, da prova testemunhal e documental produzida pelo Autor resultaram demonstrados os danos na fracção do Autor, e bem assim que a origem dos mesmos provém da fracção do Réu e não do telhado do edifício conforme pretende o Réu. 5. Para tanto, mostra-se relevante o depoimento da testemunha MD, engenheiro civil, o qual foi peremptório na afirmação de que a origem das infiltrações seria as instalações sanitárias da fracção do Réu, tendo fundamentado as suas conclusões, com base nos diversos testes efectuados, com recurso a um Higrómetro de impedância, um Higrómetro de pontas e uma câmara térmica de infravermelhos. 6. A referida testemunha indicou ainda que na data em que foram efectuados os testes não chovia há 20 dias, pelo que era impossível que as infiltrações na fracção do Autor fossem decorrentes de pluviosidade, tal como alega o Réu. 7. Já o Réu confessou em sede de declarações de parte, que ocorreram infiltrações em dias sem precipitação, o que o motivou a efectuar “testes” na sua fracção, testes esses que não foram efectuados por qualquer técnico habilitado, mas tão somente pelo próprio Réu e pela sua governante, a aqui testemunha MS, e resumiam-se à abertura e fecho das torneiras das instalações sanitárias. 8. Relativamente ao facto provado número 9, o mesmo é expressamente confessado pelo Réu na sua Contestação, pelo que não poderia deixar de ser considerado como provado. 9. E foi igualmente confirmado, pela testemunha MS, que expressamente referiu ter sido contratado um empreiteiro para arranjar a fracção do Réu e que comunicou ao Réu a ocorrência da infiltração na fracção do Autor. Contudo, alegou que não tinha competência para ordenar a reparação dos danos na fracção do Autor, o que foi contrariado em sede de declarações de parte. 10. Adicionalmente, resultou provado que o Condomínio iniciou obras de reparação do telhado, que incluíam a substituição de todas as janelas da fracção do Réu. Contudo, tendo a obra sido concluída há mais de dois anos, permanecem por instalar 3 janelas na fracção do Réu, uma vez que este impede o acesso à sua fracção para aquele efeito. 11. Salienta-se que as mencionadas janelas são da propriedade exclusiva do Réu, e que a conservação e reparação das mesmas é da sua responsabilidade. 12. Resultou provado nos presentes autos que as janelas eram velhas, estavam mal montadas e incompletas, uma vez que lhes faltavam os elementos necessários para vedar a entrada de água. 13. Em face do exposto, fica demonstrada que a versão apresentada pelo Réu é inverosímil e falsa. 14. Relativamente aos factos não provados identificados como a) e b), e ao contrário do que é alegado pelo Réu, não foi junto qualquer documento, ou efectuada qualquer prova no sentido indicado. 15. Na verdade, os documentos juntos ou são anteriores ao período de tempo em discussão ou não permitem aferir quando ocorreram as alegadas infiltrações, nem em que local, ou a sua proveniência, motivo pelo qual os factos indicados como a) e b) não poderiam ser dados como provados, como pretende o Réu. 16. Acresce que, os documentos foram deturpados, uma vez que é junta a mesma imagem em e-mail alegadamente enviado em 2017 e posteriormente novamente em comunicação alegadamente remetida em 2019. 17. Finalmente, também não assiste razão ao Réu quando alega que o Autor não cumpriu o ónus de prova da origem dos danos / infiltrações. 18. Pois foi provado pelo Autor que as águas que inundaram e danificaram o seu apartamento provieram do interior do apartamento do Réu. 19. Por esse motivo, está preenchido o ónus da prova relativamente à origem do facto danoso. 20. Encontra-se igualmente provado que o Réu é o proprietário da fracção que causa as infiltrações e que por esse motivo estaria o mesmo obrigado à sua vigilância. 21. Assim, tendo ocorrido as infiltrações, o Réu violou tal dever de vigilância. 22. Sendo que, por outro lado, ao invés do que defende o Réu, não competia ao Autor provar a razão das infiltrações (isto é, quais os defeitos existentes na casa do Réu), e por maioria de razão, especificamente quais as obras que o Réu terá que efectuar na sua fracção de modo fazer cessar as infiltrações na fracção do Autor. 23. Pelo que, deve ser julgado improcedente o recurso do Recorrente. II. Do Recurso Subordinado 1. Na sentença recorrida foi o Réu condenado apenas no pagamento ao Autor do montante de €6.076,20 (seis mil e setenta e seis euros e vinte cêntimos), tendo absolvido o Réu relativamente ao pedido de pagamento dos danos futuros. 2. Para suportar tal entendimento o Tribunal a Quo considerou que o Autor não havia alegado e provado a ocorrência de danos supervenientes. 3. Salvo o devido respeito que é muitíssimo, não assiste razão ao doutro Tribunal porquanto o Autor apresentou, em 19/05/2022, requerimento comunicando e documentando a ocorrência de nova infiltração em 31/01/2022, tendo igualmente junto orçamento actualizando o valor das reparações necessárias para o montante de €6.839,42. 4. Ora, o mencionado valor foi dado como provado, conforme resulta do artigo 16 dos factos provados, mas entendeu o Tribunal a Quo que apenas poderia condenar no valor inicialmente peticionado (€6.076,20). 5. Resulta provada a ocorrência de infiltrações supervenientes à petição inicial, e de novos danos, bem como agravamento dos já existentes na fracção do Autor. 6. Para além do valor inicialmente peticionado, o Autor solicitou a condenação do Réu na reparação dos danos que se viessem a verificar na sua fracção. E efectivamente, foram apurados e provados por documento e em sede de audiência de julgamento novos danos. 7. Nos termos do artigo 609º nº 1 do CPC deveria o Réu ter sido condenado no pagamento da quantia actualizada de €6.839,42. 8. Adicionalmente, nos termos do artigo 609º nº 2 do CPC, verificando o Tribunal não dispor dos elementos necessários para fixar o objeto ou a quantidade, deveria condenar no que viesse a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida. 9. Ora, foi alegado e provado em sede de audiência de julgamento que as infiltrações continuam a ocorrer, provocando que os danos se agravem. Adicionalmente, foi provado que o valor necessário para a reparação dos danos havia sofrido um agravamento, em virtude do aumento do custo das materiais de construções e da mão de obra. 10. Pelo que, considerando toda a prova documental e testemunhal, é falso que não hajam sido alegados e provados danos supervenientes na fracção do Autor, tal como mencionado na sentença recorrida. 11. Mas mais, o artigo 16 dos factos provados indica que o valor global estimado das reparações já efectuadas e das necessárias é de €6.839,42, mas é omisso na indicação de que tal valor foi apurado em Maio de 2022, carecendo da respectiva actualização. 12. Assim, o referido artigo 16º deverá ser alterado nos seguintes termos: “16. O valor global estimado das reparações já efectuadas e das necessárias a eliminar as patologias descritas era em Maio de 2022 de €5.560,50, acrescido de IVA, num total de €6.839,42.” 13. Adicionalmente, devem ainda ser dados como provados os seguintes factos: “17. Após a instauração da presente acção, ocorreu uma infiltração no dia 30/01/2022 na cozinha da fracção do Autor, que implicou a deslocação do Regimento dos Sapadores Bombeiros da Câmara Municipal de Lisboa, tendo sido por estes tentado o acesso à fracção do Réu, sem sucesso, o que motivou o corte do abastecimento da água daquela fracção. 18. As infiltrações na cozinha e no quarto do filho do Autor não se encontram resolvidas, mantendo-se os problemas, sendo que relativamente à cozinha as infiltrações são mais esporádicas e quanto ao quarto do filho do Autor são recorrentes.” 14. Em sede de petição inicial o Autor efectuou também o pedido de condenação do Réu no “pagamento de sanção pecuniária compulsória no montante a fixar pelo Tribunal, por cada dia de incumprimento”. 15. Sucede, porém, que o Tribunal a Quo na sentença recorrida decidiu que “nada tendo sido alegado no sentido da infungibilidade das prestações em que o réu é condenado (…) tem de concluir-se pela aplicação da regra geral. Face ao exposto, falha um pressuposto da previsão normativa que atribui ao julgador a faculdade de condenar em sanção pecuniária compulsória, razão pela qual improcede o pedido do autor, nesta parte.” 16. O artigo 829º- A do CC estipula “nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo as que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor condenar o devedor no pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento de cada infracção conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso,” 17. No caso dos autos, o Réu foi condenado a efectuar na sua fracção, as obras necessárias para extinguir a fonte das infiltrações na fracção do Autor, designadamente a impermeabilização da fracção e supressão de fugas na respectiva canalização. 18. Sucede, porém, que conforme se encontra demonstrado nos autos, o Réu não faculta o acesso ao interior da sua fracção pelo que, ainda que o Autor pretendesse, em caso de incumprimento da sentença, recorrer à execução específica daquela, nomeadamente contratando um Terceiro para efectuar as reparações dos defeitos na fracção do Réu, não lograria o seu intuito. 19. Assim, não poderá deixar de se concluir que a mencionada obrigação, apesar de ser de carácter positivo, é infungível, devendo por isso ser o Réu condenado no pagamento de sanção pecuniária compulsória pelo atraso no cumprimento das obrigações. 20. Diga-se, ainda que, enquanto os defeitos na fracção do Réu não forem eliminados, extinguindo-se assim a origem das infiltrações, será inútil proceder à realização de qualquer obra na fracção do Autor. Isto porque, as infiltrações continuam a ocorrer e vão continuar a provocar danos na fracção do Autor. 21. Assim, mesmo relativamente às obras na sua fracção encontra-se o Autor impedido de contratar Terceiros para as efectuar, até que sejam efectuadas as obras na fracção do Réu, mostrando-se também por isso justificada a necessidade de compelir o Réu à realização das mencionadas obras, através da aplicação da sanção pecuniária compulsória. 22. Em face do exposto, e relativamente a este pedido, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que condene o Réu em sanção pecuniária compulsória a fixar pelo Tribunal, o que se requer». 1.7. O R. apresentou contra-alegações ao recurso subordinado, que sintetizou nas seguintes conclusões: «UM: O Autor, na verdade, não interpõe um recurso subordinado, mas contra-alega e recorre, ao mesmo tempo, juntando os fundamentos das contra-alegações e do recurso subordinado, num articulado híbrido, pouco claro e de difícil compreensão. DOIS: O Autor não faz qualquer referência à espécie, ao efeito ou ao modo de subida do recurso interposto, e, no mesmo requerimento, demonstra a sua intenção de contra-alegar e de recorrer subordinadamente. TRÊS: Mesmo no próprio articulado, não há uma verdadeira distinção entre as contra-alegações e o recurso subordinado, uma vez que o Autor intercala a motivação das contra-alegações com a motivação do recurso subordinado e, subsequentemente, intercala as conclusões das contra-alegações com as contra-alegações do recurso subordinado. QUATRO: Após as alegações do recurso subordinado, o Autor não apresenta as conclusões do mesmo recurso subordinado, mas, em vez disso, apresenta as conclusões das contra-alegações e, só após as conclusões das contra-alegações é que se seguem as conclusões do recurso subordinado. CINCO: As contra-alegações apresentadas pelo Autor confundem-se com o recurso subordinado, estando um articulado misturado com o outro, de forma desordenada. SEIS: Mesmo no âmbito da motivação do recurso subordinado, a impugnação da matéria de facto foi incorporada na primeira parte da matéria de direito, não existindo uma diferenciação clara entre ambas. SETE: O recurso subordinado interposto pelo Autor viola o disposto nos artigos 637º, 639º e 640º do Código de Processo Civil, pelo que não deverá ser admitido. OITO: Sem prejuízo do já exposto, quanto à inadmissibilidade do recurso subordinado, verifica-se ainda que o Autor procedeu ao pagamento de uma única taxa de justiça. NOVE: Quer as contra-alegações de recurso, quer o recurso subordinado, estão sujeitos ao pagamento de taxa de justiça, pelo que, tendo o Autor apenas procedido ao pagamento de uma taxa de justiça, apenas se poderá considerar como paga a taxa de justiça relativa às contra-alegações de recurso, não existindo o pagamento de qualquer taxa de justiça, relativamente ao recurso subordinado. DEZ: Deverá o Autor ser notificado, nos termos do artigo 642º, nº 1, do Código de Processo Civil, para proceder ao pagamento da taxa de justiça relativa ao recurso subordinado, acrescida de multa de igual montante, sob cominação do disposto no nº 3 do mesmo artigo (desentranhamento das alegações de recurso subordinado). ONZE: O recurso subordinado interposto pelo Autor não merece provimento. DOZE: No que se reporta ao invocado pelo Autor, em sede de recurso subordinado, a douta sentença do Tribunal a quo fez integral e correcta aplicação da lei, inexistindo qualquer erro de julgamento relativamente à matéria de facto ou de direito, pelo que deverá ser totalmente confirmada». 1.8. Colhidos os vistos, importa decidir. II – QUESTÃO PRÉVIA Nas contra-alegações ao recurso subordinado interposto pelo A., o R. defendeu que tal recurso é inadmissível, por violação do disposto nos arts. 637.º, 639.º e 640.º do CPC, por o A. contra-alegar e recorrer ao mesmo tempo num único articulado, sem distinguir as contra-alegações e o recurso subordinado e sem fazer referência à espécie, ao efeito e ao modo de subida do recurso interposto. Refere, ainda, que o A. procedeu ao pagamento de um única taxa de justiça, quando é certo que, quer as contra-alegações, quer o recurso subordinado estão sujeitos ao pagamento de taxa de justiça, pelo que deverá ser dado cumprimento ao disposto no art.º 642.º do CPC. Ambos os recurso foram admitidos pelo tribunal a quo, sem qualquer pronuncia sobre as sobreditas questões. Sucede que é manifesta a falta de razão do R./recorrido no recurso subordinado. É que inexiste qualquer obstáculo legal à apresentação das contra-alegações ao recurso principal e das alegações do recurso subordinado num único articulado, desde que, quer as alegações propriamente dias, quer as respectivas conclusões estejam, devidamente autonomizadas, como sucede no caso dos autos. Analisado o referido articulado, também não se vislumbram as imputadas falta de clareza e dificuldades de compreensão, não correspondendo, minimamente, à verdade, que se verifique “junção” de fundamentos, que o A. “intercale” as conclusões das contra-alegações com as conclusões do recurso subordinado e que umas se confundam com as outras ou que misture os articulados de forma desordenada. Relativamente à falta de indicação da espécie, do efeito e do modo de subida do recurso subordinado, a mesma era completamente desnecessária, por seguirem o regime do recurso principal. Finalmente, e no que respeita ao pagamento da taxa de justiça, olvida o R. que o valor da acção foi fixado no despacho saneador em € 12.915,62. Por conseguinte, a taxa de justiça devida no recurso era de 1,5 UC (cfr. art.º 7.º, n.º 2 do RCP e tabela I-B anexa). Ora, com a apresentação das contra-alegações ao recurso principal interposto pelo R. e com a interposição do recurso subordinado, o A. autoliquidou a quantia correspondente a 3 UC, pelo que se mostram pagas as taxas de justiça devidas. Nada impedia, pois, a admissão do recurso subordinado, improcedendo toda a argumentação do R. a esse respeito. III – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Decorre do disposto nos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do CPC, que as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (cfr., neste sentido, Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pág. 105 a 106). Assim, atendendo às conclusões supra transcritas, são as seguintes as questões essenciais a decidir: I – Recurso principal a) das alterações à matéria de facto provada e não provada; b) dos pressupostos da responsabilidade civil, nomeadamente, o ilícito perpetrado e o nexo de causalidade. II – Recurso subordinado a) dos aditamentos à matéria de facto provada; b) da indemnização por danos futuros; c) da sanção pecuniária compulsória. IV – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 4.1. A sentença sob recurso considerou provada a seguinte matéria de facto: «1. O autor encontra-se inscrito como proprietário da fracção autónoma … correspondente ao 3.º andar, do prédio urbano sito …., descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º ….; 2. O réu encontra-se inscrito como proprietário da fracção autónoma …., correspondente ao 4.º andar, do prédio urbano sito …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º …; 3. A fracção do réu encontra-se imediatamente por cima da fracção do autor; 4. Sendo que duas casas de banho da fracção do réu se localizam uma por cima do quarto destinado ao filho do autor e outra por cima da cozinha do autor; 5. A fracção do réu padece de falta de impermeabilização na zona das casas de banho e cozinha e de rupturas na sua canalização; 6. As patologias descritas resultaram em infiltrações de água que, a partir de Maio de 2018, provocaram a deterioração dos tectos do quarto do filho do autor e da cozinha, documentadas nas fotografias e vídeos juntos com a petição inicial e que se dão por reproduzidos; 7. Em Maio de 2018, o quarto do filho do autor sofreu deterioração devido às infiltrações da fracção do réu, conforme fotografias juntas como doc. 4 da petição inicial, que se dão por reproduzidas; 8. O autor procedeu à sua reparação, tendo liquidado a quantia de €150,00; 9. No dia 25-02-2019, a infiltração proveniente da fracção do réu teve como consequência a queda de água de forma ininterrupta na cozinha do autor - conforme imagem junta como doc. 7 e vídeos n.ºs 1 a 3 da petição inicial, que se dão por reproduzidos -, que só parou de cair no dia seguinte, depois da intervenção da EPAL; 10. Em data não concretamente apurada, posterior à descrita em 7., o quarto do filho do autor voltou a sofrer deterioração decorrente de infiltrações na casa de banho da fracção do réu, conforme fotografias juntas como doc. 12 e vídeo n.º 4, todos da petição inicial, que se dão por reproduzidos; 11. Em data posterior à descrita em 10., a queda de água no quarto do filho do autor, proveniente da fracção do réu, retomou, conforme imagens constantes do doc. 17 e vídeo n.º 6, juntos com a petição inicial, que se dão por reproduzidos; 12. No dia 05-10-2019, pelas 05h15m, voltou a verificar-se água que caía no quarto do filho do autor; 13. O autor solicitou a elaboração de um orçamento para reparação das patologias na sua fracção, datado de 09-07-2019; 14. Que importava, na cozinha do autor, proceder à remoção total do tecto, bem como à revisão e tratamento das madeiras, para evitar a propagação de fungos, e, por fim, proceder à colocação de novo tecto e à pintura do mesmo e das paredes; 15. E, no quarto do filho do autor, a remoção das matérias deformadas da zona da estrutura circundante da escotilha e reconstrução das mesmas, bem como a sua pintura; 16. O valor global estimado das reparações já efectuadas e das necessárias a eliminar as patologias descritas é de €5.560,50, acrescido de IVA, num total de €6.839,42». 4.2. A sentença sob recurso considerou não provada a seguinte matéria de facto: «a) Que as patologias verificadas na fracção do autor sejam provenientes de infiltrações e entulhos acumulados no telhado do prédio, que provocam inundações e se infiltram na fracção do réu, paredes e chão, e que descem, infiltrando-se na fracção do autor; b) Que o telhado esteja muito deteriorado, entupido de entulho e betão do prédio contíguo, sem manutenção e sem limpeza das caleiras, provocando que sempre que chove, a chuva entre violentamente pela cobertura, destruindo o tecto da fracção do réu; c) [por referência ao facto 9 da factualidade assente] a queda de água foi causada por um tubo que se encontrava mal apertado na sanita de uma das casas de banho da fracção do réu; d) [por referência ao facto 10 da factualidade assente] que tal facto tenha ocorrido em Março e Abril de 2019; e) [por referência ao facto 10 da factualidade assente] cuja banheira não se encontra impermeabilizada». V – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO 5.1. Recurso Principal 5.1.1 Comecemos pela impugnação da decisão relativa à matéria de facto. Como é consabido, o regime processual vigente restringe a possibilidade de revisão da matéria de facto a questões de facto controvertidas, relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente, admitindo-se, apenas, a reapreciação de concretos meios probatórios relativos a determinados pontos de facto impugnados. Rejeitaram-se, desta forma, quer soluções maximalistas que determinam a repetição de julgamentos ou a reapreciação de todos os meios de prova anteriormente produzidos, quer a possibilidade de recursos genéricos contra a decisão de facto (cfr. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 7.ª ed., 2022, p. 194 e segs.). Assim, versando o recurso sobre a decisão relativa à matéria de facto, o art.º 640.º do CPC estabelece que o recorrente deve, obrigatoriamente, indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões) e, fundando-se a impugnação em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, especificar, na motivação, aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos, devendo, ainda, consignar, na motivação do recurso, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos (cfr. Abrantes Geraldes, Ob. Cit., p. 197 e 198). O recorrente cumpriu, suficientemente, os referidos ónus, pelo que cumpre apreciar do mérito do recurso. Vejamos, então, cada um dos pontos de facto impugnados. a) Pretende o recorrente que o facto provado sob o n.º 4 seja considerado não provado, defendendo, para tanto, que: - tal facto foi impugnado pelo R. e está em oposição com a defesa no seu conjunto; - a configuração das fracções apenas pode ser provada por documento; - as plantas juntas pelo A. como documentos n.ºs 9 e 10 foram alteradas e não é possível aferir da sua origem; - o R. afirmou, em declarações de parte, que tais plantas não correspondem à realidade. É a seguinte a redacção do referido n.º 4: «Sendo que duas casas de banho da fracção do Réu se localizam uma por cima do quarto destinado ao filho do Autor e outra por cima da cozinha do Autor». A sentença recorrida considerou que o facto em causa está assente por acordo ou confissão, por não ter sido especificadamente impugnado. E, com efeito, assim é: o R. não impugnou, especificadamente, os factos alegados na petição inicial relativos à configuração das duas fracções autónomas, nem a genuinidade e teor dos documentos n.ºs 9 e 10 juntos pelo A. para prova dessa configuração, sendo certo que tais factos também não resultam impugnados pela defesa no seu conjunto, posto que esta centrou-se a este respeito, apenas, na origem das infiltrações. 1 Desta forma, os factos mencionados tinham que ter-se por provados por acordo, inexistindo qualquer disposição ou princípio legal que imponha que a prova da concreta configuração de uma fracção autónoma só possa fazer-se por documento (até porque uma fracção pode ser modificada ao longo do tempo e deixar de apresentar a configuração originária constante dos projectos de construção ou a composição descrita no título constitutivo da propriedade horizontal, não estando, obviamente, a prova dessas modificações dependente de prova documental) . Acresce que, contrariamente ao que o recorrente ora pretende fazer crer, das suas declarações de parte apenas não resultou confirmada a posição de uma sanita instalada numa das casas de banho da sua fracção, tudo o mais tendo sido corroborado quanto à referida configuração. Improcede, pois, o recurso nesta parte. b) Sustenta, ainda, o recorrente que os factos provados sob os n.ºs 5, 6, 7, 9, 10 e 11 sejam considerados não provados, defendendo, para tanto, que: - os documentos juntos pelo A. não permitem extrair qualquer conclusão relativamente à alegada existência de patologias na fracção do R.; - os depoimentos das testemunhas não permitem concluir que a origem das infiltrações seja a fracção do R. ou que as mesmas sejam causadas por qualquer tipo de deficiência nas respectivas canalizações ou impermeabilização, sendo contraditórios quanto ao tipo de água existente na fracção do A. e pouco credíveis, nomeadamente, o depoimento da testemunha R, que é mulher do A. e residente na fracção, tendo interesse directo na causa; - quer o R., quer as testemunhas MS, MG e AO confirmaram a inexistência de deficiências na fracção do R. Os factos impugnados têm a seguinte a redacção: «5. A fracção do réu padece de falta de impermeabilização na zona das casas de banho e cozinha e de rupturas na sua canalização; 6. As patologias descritas resultaram em infiltrações de água que, a partir de Maio de 2018, provocaram a deterioração dos tectos do quarto do filho do autor e da cozinha, documentadas nas fotografias e vídeos juntos com a petição inicial e que se dão por reproduzidos; 7. Em Maio de 2018, o quarto do filho do autor sofreu deterioração devido às infiltrações da fracção do réu, conforme fotografias juntas como doc. 4 da petição inicial, que se dão por reproduzidas; 9. No dia 25-02-2019, a infiltração proveniente da fracção do réu teve como consequência a queda de água de forma ininterrupta na cozinha do autor - conforme imagem junta como doc. 7 e vídeos n.ºs 1 a 3 da petição inicial, que se dão por reproduzidos -, que só parou de cair no dia seguinte, depois da intervenção da EPAL; 10. Em data não concretamente apurada, posterior à descrita em 7., o quarto do filho do autor voltou a sofrer deterioração decorrente de infiltrações na casa de banho da fracção do réu, conforme fotografias juntas como doc. 12 e vídeo n.º 4, todos da petição inicial, que se dão por reproduzidos; 11. Em data posterior à descrita em 10., a queda de água no quarto do filho do autor, proveniente da fracção do réu, retomou, conforme imagens constantes do doc. 17 e vídeo n.º 6, juntos com a petição inicial, que se dão por reproduzidos». O tribunal a quo motivou a sua decisão da seguinte forma: «Quanto à matéria da origem das infiltrações na fracção do autor, emerge das regras da experiência comum que, existindo indícios da presença de água (que resultam da matéria de facto dada como provada), esta tem de provir de uma qualquer fonte; ademais, que, em virtude da influência da gravidade, esta tenderá a deslocar-se para lugares que se situam em níveis inferiores ao da sua origem. No caso dos autos, foram dadas duas justificações para essa realidade: o autor sustenta que a origem das infiltrações se situa na fracção do réu (em virtude de deficiente impermeabilização/defeitos nas canalizações); o réu, que a fonte da água é a cobertura do edifício que «inunda» a sua fracção em dias de chuva, escorrendo depois para a fracção do autor. A título de conclusão preliminar, com vista a facilitar a compreensão da análise feita infra, importa dizer que a versão veiculada pelo autor é a única que apresenta adesão à prova produzida, considerada na sua globalidade, bem como às mais elementares regras da experiência comum. Concretizando, a este propósito, afigura-se-nos imprescindível mencionar, em primeiro lugar, o depoimento de R, mulher do autor, que habita com este a fracção do último. Sem prejuízo da relação próxima com a parte, a testemunha foi consistente, franca, narrando os factos de forma circunstanciada, sendo as suas declarações marcadas pelo evidente (e compreensível) desespero que a situação descrita lhe causou e causa (e que presenciou pessoalmente). A testemunha mencionou quer a existência de infiltrações de água, que escorria para a sua cozinha, contendo dejectos, quer as permanentes infiltrações de água no tecto do quarto do filho, onde se viram obrigados a construir um tecto falso, com espaço para conter um recipiente, visando recolher a água que escorre do andar de cima. Mais, que tais infiltrações acontecem desde a data descrita nos factos (ou até antes), sendo, no caso do quarto do filho, permanentes (obrigando à constante recolha de água) e, no caso da cozinha, ocasionais (muito embora não ocorram apenas quanto chove). Enquadrou, ainda, no tempo e no espaço, as fotografias e vídeos que foram juntos com a petição inicial (e que serão abordados a propósito dos factos a que respeitam) e a intervenção da EPAL (mencionada infra), que são absolutamente coerentes com a descrição que fez sobre o tipo de infiltrações sofridas na fracção do autor. Acresce, em segundo lugar, o relatório de inspecção, datado de Outubro de 2019, elaborado por MD, também testemunha (que, não tendo qualquer interesse na causa, prestou um depoimento circunstanciado e pormenorizado, merecendo credibilidade), de onde decorre, em coerência com o relatado por R, quanto às infiltrações no quarto do filho do autor, «a zona actualmente mais afectada consiste no quarto nordeste da fracção onde o problema de infiltração de águas assume proporções gravíssimas. Verifica-se o recorrente e sistemático repasse de água que está a causar problemas de odores e humidades no quarto referido, e para salvaguarda de bens e edifício obriga a um constante trabalho de recolha de águas que impede a ausência do segurado por mais de 3 a 5 dias de casa, período em que normalmente é recolhida uma quantidade de 2 a 4 litros de água num recipiente colocado sobre o tecto falso do apartamento. A infiltração que se reporta nas fotografias acima está actualmente activa e decorre de uma deficiência proveniente da fracção 4ºAndar que, sobre este quarto, possui uma instalação sanitária. Decorrente da utilização do duche, verifica-se a queda de água. Não foi permitida a entrada no local, no entanto o som escutado e o tipo de água recolhida, permite identificar a água como sendo proveniente de base de duche. Considera-se que a avaria poderá estar nos isolamentos do equipamento ou no mau estado do sistema de drenagem do equipamento. As medições higrométricas recentemente efectuadas na fracção, nomeadamente à data de 30 de Setembro de 2019 permitem confirmar a rotura/repasse activo, estando os barrotes humedecidos e tendo sido possível recolher uma bandeja de água apenas nos dias anteriores. É possível observar a olho nu o gotejamento proveniente do piso superior. Ainda no local, foi efectuada análise termográfica aos tectos tendo obtido resultados que revelam com exuberância de variação de temperatura nas zonas de tecto molhadas, resultado directo da infiltração proveniente do piso superior. Ressalva-se que à data da última vistoria o repasse e gotejamento activo era evidente e não houve qualquer registo de pluviosidade na zona de Lisboa nos 20 dias anteriores, excluindo-se assim a hipótese de as humidades e infiltração de água provirem de alguma forma da cobertura do edifício ou de algum sistema de drenagem pluvial que pudesse existir e atravessar a fracção 3ºAndar na zona de danos. A fracção 4ºAndar é a única fracção sobreposta ao apartamento do 3ºAndar». Já quanto à cozinha, também em absoluta concordância com o relatado pela mulher do autor, «devido a um repasse com origem em rotura na fracção superior houve um alagamento da fracção segura, com danos evidentes em tectos de cozinha que permanecem até aos dias de hoje». Deve notar-se que a menção a «encontrando-se alegadamente resolvida a origem do problema pois os tectos actualmente estão secos» é uma conclusão do autor do relatório, não alterando a convicção deste tribunal sobre a manutenção de problemas, tal como relatado por R (e que se justifica por, nesta divisão, as infiltrações não serem permanentes, como acontece no quarto do filho do autor). Acrescem os depoimentos das testemunhas H (que trabalha em empresa que ocupa o 1.º e 2.º andar do prédio das partes, não tendo relação com o litígio dos autos), tendo observado as infiltrações e danos na cozinha do autor em 2019, confirmando que não chovia, e JT (que fez obras no prédio e fracção do autor, não tendo relação com o litígio), que, tendo feito várias reparações na casa do autor (incluindo do tecto falso), observou as infiltrações de água (água a pingar no quarto e na cozinha); confirmando ambos a natureza e extensão dos danos. A versão em causa é ainda coerente com a localização dos danos documentados na fracção do autor (cf. fotografias e vídeos juntos pelo autor na petição inicial), que se situam precisamente por baixo de duas casas de banho do réu (não se estendendo a outras zonas do imóvel). Já a versão veiculada pelo réu apresenta demasiadas inconsistências com a restante prova produzida bem como uma flagrante incongruência com as mais elementares regras da experiência comum. Com efeito, de acordo com a versão do réu, os problemas verificados na fracção do autor teriam origem na cobertura do prédio, que, por deficiente impermeabilização, permitiria a passagem da água para a fracção do réu (que inundava frequentemente) e, por sua vez, para a do autor. Ora, é desde logo difícil de conceber que uma fracção destinada a alojamento local (e que, como bem referido pelo réu, implica ter «tudo impecável» para receber hóspedes, o que acontecia na altura a que o litígio respeita) sofra o tipo de infiltrações de água da dimensão descrita (implicando a utilização de baldes para a conter) – questão que o réu, mesmo quando perguntado, não foi capaz de esclarecer cabalmente. Por outro lado, o réu pretendeu passar uma imagem de «revolta» perante a inacção do condomínio e de «intuito persecutório» do autor, que, para além de revelar algum interesse em desviar a inquirição de factos objectivos, é dificilmente compatível com o depoimento de JS (gestor do condomínio do prédio onde se localizam as fracções das partes, que mereceu acolhimento na convicção do Tribunal, pela isenção e objectividade), que relatou a permanente indisponibilidade daquele para a realização de intervenções que, no contexto descrito, seriam do seu interesse (em particular a substituição de janelas na cobertura). Por outro lado, é da própria prova junta pelo réu (em particular, o vídeo que consta do requerimento de 11-12-2022) que resulta que a eventual entrada de água na sua fracção tem origem nas janelas da cobertura (por razões que se desconhecem, mas aparentam estar relacionadas com a deficiente selagem dos caixilhos). Por outro lado, a ideia de que as infiltrações de água têm origem na cobertura contraria frontalmente (i) a forma localizada como se manifestam na fracção do autor, documentada em fotografias e vídeos já mencionados, e (ii) a natureza da água infiltrada, que já incluiu dejectos (não apresentando, por isso, natureza pluvial). Acresce que a prova testemunhal arrolada pelo réu foi marcada pela proximidade relacional com aquele e evidente comprometimento – v.g., MS, que trabalhava para o réu há mais de uma década, fez um depoimento vago, marcado pela descrição de factos eventualmente favoráveis ao réu e a resposta «que eu me lembre não», quando confrontada com outros que lhe eram desfavoráveis; a testemunha MG, amiga do réu há mais de vinte anos, que apresentou uma postura corporal de manifesto nervosismo desde o momento em que prestou juramento legal (pouco compatível com a natureza relativamente inócua dos factos em discussão); a testemunha AO, amiga do réu há mais de uma década, que relatou ter estado no imóvel desde durante cerca de 5 meses entre 2018 e 2019, relatando infiltrações, muito embora, no contexto global da prova produzida, seja impossível contribuir para dar alguma consistência à inconsistente versão do réu. Quanto às fotografias e vídeos juntos no requerimento de 04-03-2024, não só não mostram infiltrações, como não foram enquadradas no tempo e no espaço, não permitindo saber onde se localizam e em que data foram observadas. A restante prova produzida não infirmou as conclusões expostas. Assim, pelos motivos descritos, resultou assente a versão plasmada no ponto 5 (por se tratarem das fontes plausíveis das infiltrações descritas, considerando quer a sua localização, quer a natureza das águas infiltradas), bem como o nexo com as patologias verificadas na fracção do autor (facto 6), respeitando a data mencionada à primeira que se mostra documentada, em particular pelas razões identificadas na análise sobre o facto 7. E, consequentemente, não provada a versão alvitrada pelo réu, plasmada nos pontos a) e b) da motivação de facto. Para além da fundamentação já enunciada, quanto aos factos que se seguem, foram considerados ainda os elementos que se enunciam: (i) O facto 7 resultou demonstrado, para além do já descrito, em virtude das imagens juntas como doc. 4 junto com a petição inicial, a factura emitida em 16-05-2018 (doc. 5) e a participação do sinistro, junta como doc. 6; (…) (iii) O facto 9 tem apoio, para além do já descrito, no doc. 8 junto com a petição inicial (pedido de intervenção apresentado à EPAL), bem como nas imagens juntas como doc. 7 na petição inicial e os vídeos n.ºs 1 a 3, também anexos àquela peça; (iv) O facto 10 encontra apoio no doc. 12 (fotografias), junto com a petição inicial, e o vídeo n.º 4 da mesma peça; (v) O facto 11, no documento 17 (fotografias) junto com a petição inicial e vídeo 6 anexo à mesma peça processual (…)». Adiantamos, desde já, que não vislumbramos que o tribunal a quo tenha violado qualquer regra de direito probatório aquando da apreciação dos meios de prova, antes tendo procedido a uma análise conjugada, crítica e exaustiva de toda a prova produzida, observando e aplicando as normas legais, os princípios e as regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum que se impunham. Não podemos esquecer-nos que, de acordo com o disposto no art.º 607.º, n.º 5 do CPC o «juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto», com exclusão, apenas, dos factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, bem como daqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes. O princípio da livre apreciação da prova impõe que o julgador proceda a uma valoração de cada meio de prova produzido, interligando-o com os demais elementos probatórios que constem dos autos, socorrendo-se dos conhecimentos científicos adquiridos e das regras de experiência comum da vida (cfr. Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à luz do Código Revisto, Coimbra, 1996, p. 157 e segs., e Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II, p. 209). A prova é, assim, apreciada segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, com recurso às regras da experiência e critérios de lógica. Neste sentido, escreve Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, 1993, p. 384, que «segundo o princípio da livre apreciação da prova o que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo (bem como da conduta processual das partes) e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens; não a pura e simples observância de certas formas legalmente prescritas». A prova idónea a alcançar um tal resultado é a prova suficiente, isto é, a que conduz a um juízo de certeza jurídica (e não uma certeza absoluta): a prova visa, apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto. Tal não significa que a livre apreciação da prova se reconduza a arbitrária apreciação da prova. Na verdade, o julgador tem que identificar os concretos meios probatórios em que baseou a sua convicção, explicitando as razões justificativas da sua opção em face, nomeadamente, dos meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto (referindo, por exemplo, por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra; por que razão se convenceu mais da veracidade da versão relatada por uma parte em detrimento da outra; por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos, etc.). E, a este respeito, por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece ou não, o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que teve ou não teve, à naturalidade e tranquilidade que teve ou não (vide Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 325). É, por isso, comumente aceite que o juiz da 1ª Instância, perante o qual a prova é produzida, está em posição privilegiada para proceder à sua avaliação, e, designadamente, detectar no comportamento das testemunhas e das partes elementos relevantes para aferir da espontaneidade e credibilidade dos depoimentos, o que, frequentemente, não transparece da respectiva gravação. Conforme se escreveu, lapidarmente, no acórdão da RC de 02.04.2019, in www.dgsi.pt «estando em discussão a matéria de facto nas duas instâncias, nada impede que o tribunal superior, fundado no mesmo princípio da livre apreciação da prova, conclua de forma diversa do tribunal recorrido, mas para o fazer terá de ter bases sólidas e objectivas. Não se pode olvidar que existe uma incomensurável diferença entre a apreciação da prova em primeira instância e a efectuada em tribunal de recurso, ainda que com base nas transcrições dos depoimentos prestados, a qual, como é óbvio, decorre de que só quem o observa se pode aperceber da forma como o testemunho é produzido, cuja sensibilidade se fundamenta no conhecimento das reacções humanas e observação directa dos comportamentos objectivados no momento em que tal depoimento é prestado, o que tudo só se logra obter através do princípio da imediação considerado este como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes de modo a que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da decisão. As consequências concretas da aceitação de tal princípio definem o núcleo essencial do acto de julgar em que emerge o senso; a maturidade e a própria cultura daquele sobre quem recai tal responsabilidade. Estamos em crer que quando a opção do julgador se centre em elementos directamente interligados com o princípio da imediação (v. g. quando o julgador refere não foram (ou foram) convincentes num determinado sentido) o tribunal de recurso não tem grandes possibilidades de sindicar a aplicação concreta de tal princípio. Na verdade, o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, reacções imediatas, o contexto em que é prestado o depoimento e o ambiente gerado em torno de quem o presta, não sendo, ainda, despiciendo, o próprio modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo isso contribuindo para a convicção do julgador. (…) Então, perguntar-se-á, qual o papel do tribunal de recurso no controle da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento? Este tribunal poderá sempre controlar a convicção do julgador na primeira instância quando se mostre ser contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos. Para além disso, admitido que é o duplo grau de jurisdição em termos de matéria de facto, o tribunal de recurso poderá sempre sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico. Porém, o tribunal de recurso encontra-se impedido de controlar tal processo lógico no segmento em que a prova produzida na primeira instância escapa ao seu controle porquanto foi relevante o funcionamento do princípio da imediação. Tudo isto, sem prejuízo, como acima já referido, de o Tribunal de recurso, adquirir diferente (e própria) convicção (sendo este o papel do Tribunal da Relação, ao reapreciar a matéria de facto e não apenas o de um mero controle formal da motivação efectuada em 1.ª instância)». Também Ana Luísa Geraldes, Impugnação e Reapreciação da Decisão sobre a Matéria de Facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, I, p. 609, refere que «em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte». Desta forma, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando este possa concluir, com a necessária segurança, que a prova produzida aponta em sentido diverso e impõe uma decisão diferente da que foi proferida pelo tribunal a quo, isto é, quando tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto. Ora, no caso dos autos, após ouvidos os depoimentos produzidos e analisados os mesmos, criticamente e de forma conjugada, com a prova documental junta aos autos, não podemos deixar de aderir à fundamentação aduzida pelo tribunal a quo. Já o recorrente não logrou rebater a motivação da decisão recorrida, com a qual concordamos, pela sua assertividade, e que se insere-se numa linha coerente de julgamento. Na verdade, o recorrente, nas suas alegações, não demonstra em que pontos o Tribunal a quo se afastou do juízo imposto pelas regras legais, dos princípios, das regras da racionalidade e da lógica ou da experiência comum, sendo certo que as passagens isoladas dos depoimentos que invocou ou os documentos que refere não permitem colocar essa apreciação em dúvida. O recorrente procede a uma análise meramente singular e restrita de cada documento junto aos autos, para concluir que, de cada um deles isoladamente considerado, não decorre que as infiltrações tenham origem na fracção do R., esquecendo que a análise da prova deve ser conjugada e crítica, decorrendo a convicção do julgador da ponderação conjunta e complementada de todos os documentos. Alude a contradições na prova testemunhal produzida, mas, concretamente, só logra apontar contradições relativas ao tipo de água existente na fracção do A. (o que não chega para abalar a credibilidade e consistência dos depoimentos em causa, por essas supostas contradições resultarem da percepção subjectiva de cada testemunha quanto ao tipo de água que observaram e uma vez que tais observações respeitam a momentos temporais diversos e a locais também distintos) e, no que concerne ao depoimento da testemunha MD, quanto ao facto de a origem das infiltrações ser a base do duche (contradição essa que, no entanto, não se verifica, tendo esta testemunha deposto de forma determinada, objectiva e convicta quanto à origem das infiltrações – cfr., ainda, o relatório subscrito por esta testemunha, junto com a petição inicial como documento n.º 20). Refere, genericamente, que os depoimentos testemunhais foram pouco credíveis, mas, concretamente, só alude ao depoimento da testemunha R, por ser mulher do A. e tal a tornar interessada no desfecho da causa, o que, mais uma vez, não chega para abalar a consistência, segurança e sinceridade do depoimento, suficientemente explicitados pelo tribunal a quo, sendo evidente a fluidez do depoimento e a riqueza de pormenores que contêm, que constituem um forte contributo para que o tribunal, com base nele, forme uma prudente convicção sobre a verdade ou a plausibilidade dos factos probandos. Faz conjecturas e levanta suspeitas sobre a imparcialidade do autor do documento n.º 20 (relatório técnico de inspecção subscrito por MD), mas não deduz qualquer facto concreto que as sustente ou demonstre. Cita passagens isoladas dos depoimentos das testemunhas MR e JT, que, claramente, não possuem as decorrências e impactos que pretende e que, ao invés, são coerentes com a restante prova referida. No que concerne às declarações de parte do R., foram patentes as suas incongruências e a debilidade e improbabilidade da versão relatada, tal como foi sobejamente demonstrado pelo tribunal a quo e dispensa análises acrescidas, mostrando-se desacreditadas pela restante prova produzida. O mesmo sucedeu com a fragilidade, vacilação, comprometimento e contradições verificadas nos depoimentos das testemunhas MS, MG e AO, patentes, por exemplo, nas passagens citadas pelo recorrido nas suas contra-alegações. Enfim, nada tendo sido aduzido, em concreto, pelo recorrente, susceptível de infirmar o juízo probatório formulado pelo tribunal a quo, mantêm-se inalterados os factos em causa, improcedendo o recurso nesta parte. c) Advoga, finalmente, o recorrente que os factos não provados sob as alíneas a) e b) sejam considerado provados, defendendo, para tanto, que: - os documentos juntos pelo R. demonstram a existência de infiltrações na sua fracção; - as declarações de parte do R. e a prova testemunhal produzida (JT, MS, MG, AO) confirmaram a existência de infiltrações na fracção do R.; - o depoimento da testemunha JS resultou pouco credível e contraditório com a prova documental produzida, no que concerne às queixas apresentadas pelo R. à administração do condomínio e relativas a infiltrações na sua fracção. É a seguinte a redacção das referidas alíneas: «a) Que as patologias verificadas na fracção do autor sejam provenientes de infiltrações e entulhos acumulados no telhado do prédio, que provocam inundações e se infiltram na fracção do réu, paredes e chão, e que descem, infiltrando-se na fracção do autor; b) Que o telhado esteja muito deteriorado, entupido de entulho e betão do prédio contíguo, sem manutenção e sem limpeza das caleiras, provocando que sempre que chove, a chuva entre violentamente pela cobertura, destruindo o tecto da fracção do réu». O tribunal a quo justificou a sua decisão quanto a estes factos nos termos supra citados, com os quais, pelas razões também já referidas, se concorda. De resto, e contrariamente ao que defende o recorrente, os documentos por si juntos não demonstram, em absoluto, que as infiltrações ocorridas na fracção do A. provenham de deficiências no telhado do prédio, sendo certo que, tal como bem salienta o recorrido, os documentos em causa são anteriores aos factos descritos nos n.ºs 5 e seguintes do factos provados, nada têm que ver com tais factos ou constituem fotografias e vídeos não enquadrados espácio-temporalmente (sendo que num dos vídeos se visualiza, apenas, a entrada de água por uma janela, alegadamente, da fracção do R., o que não corrobora a versão de que existem problemas de impermeabilização no telhado, mas sim na referida janela, decorrentes, porventura, da situação relatada pelas testemunhas JS e JT). Nada pode, pois, retirar-se, valida e seguramente, da prova documental junta pelo R. quanto à ocorrência das infiltrações na sua fracção, nem do local onde terão ocorrido e, muito menos, da sua proveniência. Quanto às declarações de parte do R. e aos depoimentos testemunhais de MS, MG e AO, valem aqui as considerações já supra tecidas na al. b). Aqui também, o recorrente não procede, como era seu ónus, a uma análise crítica da apreciação feita pelo tribunal a quo, não demonstrando em que medida o mesmo se afastou dos princípios e regras de direito probatório, nem das regras da racionalidade e experiência comum, limitando-se a sustentar a sua pretensão nos meios de prova que apresentou e ignorando todos os demais. Destarte, os factos descritos nas alíneas a) e b) não poderiam ser dados como provados, como pretende o R., improcedendo o recurso. 5.1.2. Vejamos, agora, se, em face da facticidade provada, a sentença recorrida fez uma correcta aplicação do Direito. O recorrente considera que, ao contrário do decidido pelo tribunal a quo, não se verifica qualquer facto ilícito perpetrado pelo R., mas sim pelo condomínio do prédio em causa, a quem cabe o dever de vigiar as partes comuns. Tal entendimento do recorrente pressupunha, todavia, a modificação da decisão de facto pelo mesmo propugnada, que, como se viu, não mereceu acolhimento. Nada na factualidade provada - e ora consolidada - permite concluir que os danos verificados na fracção do A. tenham origem no telhado do prédio, antes evidenciando que provêm da fracção do R., sendo certo que, tal como se escreveu na sentença recorrida, «as emissões de água não resultam de uma utilização normal da fracção, constituindo antes um elemento patológico na dinâmica da propriedade horizontal». Acresce que, contrariamente ao que o recorrente defende, o A. não necessitava de provar a existência de uma concreta deficiência da fracção do R., bastando-lhe provar a ocorrência de infiltrações na sua fracção, causadoras de danos, com origem na fracção do R. Por conseguinte, não merece censura a sentença recorrida, quando, a propósito do disposto no art.º 493.º, n.º 1 do CC, afirma que: «A jurisprudência tem aliás entendido que o preceito em análise abarca casos de infiltrações ocorridas numa fracção, com efeitos na fracção contígua; veja-se a título de exemplo, o Ac. do STJ de 07-10-2014, proc. 2009/11.0TVLSB.L1.S1, em que se plasmou que “o art.º 493.º, n.º 1, do CC, é aplicável no caso de uma inundação de uma fracção autónoma, motivada pela ruptura de um terminal de uma conduta de água de climatização, noutra fracção, uma vez que o respectivo proprietário tem em seu poder o toalheiro e tubagens aí existentes, tendo o dever de vigiar esse conjunto, de forma a tomar as medidas necessárias tendentes a evitar o risco de ocorrência de algum sinistro”. Ou ainda o Ac. STJ de 14-09-2010, proc. 403/2001.P1.S, “se o autor prova que as águas que inundaram e danificaram o seu apartamento provieram do interior do apartamento dos réus, mostra-se preenchido o ónus da prova (art.º 342.º do CC) de que o facto danoso teve origem ou causa na coisa sob vigilância dos réus (art.º 493.º, n.º 1, do CC), não lhe cumprindo provar ainda a razão (sub-causa) da inundação (uma eventual ruptura da canalização, uma torneira deixada a correr por mera incúria ou distracção, etc. II - O proprietário que tenha o imóvel em seu poder tem o dever de vigiar o seu estado de conservação e responde pelos danos originados no imóvel (infiltrações de águas, incêndios, etc.) salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa (art.º 493.º, n.º 1, do CC)”. Ora, tendo em conta que o autor invoca a ocorrência de danos, que se consideraram provados, torna-se evidente que o dever de a vigiar foi violado, presumindo-se a culpa do réu». In casu, o A. provou que as infiltrações tiveram origem na fracção autónoma do R., que estava obrigado à vigilância da mesma, pelo que está preenchido o ónus da prova relativamente ao facto ilícito e danoso, sendo certo que o R. não ilidiu a presunção de culpa decorrente do art.º 493.º, n.º 1 do CC. Soçobram, assim, todas as conclusões recursivas. O recorrente suportará as custas do recurso, por ter ficado vencido (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC). 5.2. Recurso subordinado 5.2.1. Comecemos, aqui também, pela impugnação da decisão relativa à matéria de facto. a) Pretende o recorrente que seja alterada a redacção do n.º 16 dos factos provados, nos seguintes termos: «16. O valor global estimado das reparações já efectuadas e das necessárias a eliminar as patologias descritas era em Maio de 2022 de €5.560,50, acrescido de IVA, num total de €6.839,42». Defende que o referido n.º 16, embora indique o valor global estimado das reparações já efectuadas e das necessárias na fracção do A., é omisso na indicação da data em que tal valor foi apurado, o que, no entender do recorrente, se mostra relevante tendo em conta que o A. peticionou, também, a condenação do R. na reparação do danos que viessem a verificar-se na sua fracção, após a propositura da acção. O referido n.º 16 tem a seguinte redacção: «16. O valor global estimado das reparações já efectuadas e das necessárias a eliminar as patologias descritas é de €5.560,50, acrescido de IVA, num total de €6.839,42». A propósito deste n.º 16, escreveu-se na sentença recorrida que: «O facto 16 mostra-se documentado pelo relatório pericial junto à petição inicial como doc. 20, posteriormente actualizado quanto aos valores, em 2022 (cf. requerimento de 19-05-2022)». É, pois, evidente que a sentença recorrida considerou que o valor em causa se reporta ao custo estimado das reparações apurado no ano de 2022, sendo, por isso, desnecessária a alteração pretendida. Acresce que tal alteração resulta, ainda, inócua, sendo que, de acordo com a jurisprudência uniforme dos nossos tribunais superiores, a apreciação da impugnação da matéria de facto não subsiste por si, assumindo um carácter instrumental face à decisão de mérito do pleito. Por isso, só se justifica nos casos em que da modificação da decisão possa resultar algum efeito útil relativamente à resolução do litígio no sentido propugnado pelo recorrente. Já quando a modificação pretendida não interfere no resultado declarado pela 1.ª instância, é dispensável essa reapreciação (cfr., neste sentido, os acórdãos do STJ de 23.01.2020 e 28.01.2020, in www.dgsi.pt). Ou seja, por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for(em) insusceptível(veis) de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente (cfr., neste sentido, o acórdão da RC de 27.05.2014, in www.dgsi.pt, onde e escreveu que “se, por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for irrelevante para a solução da questão de direito e para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente destituído de qualquer eficácia, por não interferir com a solução de direito encontrada e com a decisão tomada”). No caso dos autos, como se demonstrará infra, mostra-se inútil a reapreciação da decisão relativa à matéria de facto, uma vez que o facto que o recorrente pretende ver aditado no n.º 16 é irrelevante para a decisão pelo mesmo preconizada, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito. b) Propugna, ainda, o recorrente pelo aditamento aos factos provados dos seguintes factos: «17. Após a instauração da presente acção, ocorreu uma infiltração no dia 30/01/2022 na cozinha da fracção do Autor, que implicou a deslocação do Regimento dos Sapadores Bombeiros da Câmara Municipal de Lisboa, tendo sido por estes tentado o acesso à fracção do Réu, sem sucesso, o que motivou o corte do abastecimento da água daquela fracção. 18. As infiltrações na cozinha e no quarto do filho do Autor não se encontram resolvidas, mantendo-se os problemas, sendo que relativamente à cozinha as infiltrações são mais esporádicas e quanto ao quarto do filho do Autor são recorrentes». Sustenta que tais factos decorrem do depoimento da testemunha R e do documento junto em 19.05.2022, consistente num relatório do Regimento dos Sapadores Bombeiros. O recorrido apôs a tal aditamento, defendo que «(…) o Autor nada alegou quanto à existência de novos danos, em 2022, nem quanto ao agravamento dos danos alegadamente existentes, desde a instauração da acção, a 8 de Janeiro de 2020. Efectivamente, o Autor, através de requerimento datado de 19 de Maio de 2022 (…), veio juntar documentação aos autos alegadamente referente à existência de novos danos e ao aumento do valor da reparação dos danos alegadamente existentes. Contudo, para alegar novos factos, teria o Autor de ter apresentado um articulado superveniente. O que não ocorreu. Para que se pudesse proceder a qualquer alteração ao facto constante do elenco dos factos julgados como provados como nº 16 ou aditar novos factos ao elenco dos factos julgados como provados, caberia ao Autor o ónus de ter alegado tais factos. Não tendo o Autor alegado quaisquer novos factos, e cabendo ao Autor o ónus dessa alegação, não poderia o douto Tribunal a quo ter julgado como provados os factos que apenas agora vem o Autor alegar». E, com efeito, assim é. Na petição inicial, apresentada em juízo em 08.01.2020, o A. peticionou, para além do mais, a condenação do R. «No pagamento dos danos que venham a verificar-se na fracção do Autor». Visando o A., através do referido pedido, efectivar a responsabilidade civil extracontratual do R., constituíam factos essenciais todos os que fossem demonstrativos dos pressupostos daquela responsabilidade, nomeadamente, o dano. É, comummente, entendido que a causa de pedir é o acto ou facto jurídico concreto de onde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer e que é legalmente idóneo para o condicionar ou produzir (art.º 581.º, n.º 4 do CPC). Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas (arts. 5.º, n.º 1 e 552.º, n.º 2 al. d), do CPC), entendendo-se por “factos essenciais” aqueles que integram o núcleo primordial da causa de pedir e que desempenham uma função individualizadora da mesma. Ora, no caso dos autos, e conforme decorre do exposto, os factos essenciais, integradores e individualizadores da causa de pedir são os atinentes aos pressupostos da responsabilidade civil, da qual o A. retira o direito de indemnização que pretende fazer valer. Os factos que o A. ora pretende ver aditados integram-se, pois, no núcleo dos factos essenciais que compõem a causa de pedir da acção, tal como foi configurada na petição inicial, constituindo factos novos, que não foram alegados, nem objecto de uma oportuna ampliação da causa de pedir, nos termos do art.º 558.º do CPC, não podendo, por isso, ser atendidos (de resto, o pretendido n.º 18 nunca poderia ser acolhido, por conter conceitos vagos, genéricos e conclusivos, que não encerram em si qualquer realidade concreta, apreensível pelo intelecto, não podendo ser considerados “factos” em sentido técnico-jurídico). Refira-se que, através do requerimento de 19.05.2022, o A. limitou-se a requerer a junção aos autos de dois documentos, sem deduzir, expressa e claramente, qualquer facto superveniente constitutivo do seu direito, como deveria ter feito, caso dele pretendesse beneficar. E nem se diga que os factos em causa assumem a natureza de meros factos concretizadores, pois que os mesmos não têm como propósito pormenorizar, densificar ou explicitar o quadro fáctico exposto, antes cumprindo uma nova função individualizadora do tipo legal. De resto, ainda que se entendesse que os factos em causa são, meramente, complementares ou concretizadores da causa de pedir invocada e que decorreram da instrução da causa, nomeadamente, do documento junto em 19.05.2022 e do depoimento da testemunha R, o certo é que sobre os mesmos as partes não tiveram oportunidade de se pronunciar (art.º 5.º, n.º 2 al. b) do CPC), o que impediria que esta Relação se substituísse à 1.ª instância e os considerasse, dando-os como provados, com base nos elementos probatórios constante dos autos e não contraditados pelas partes nisso interessadas. Improcede, assim, o recurso nesta parte. 5.2.2. Analisemos, de seguida, se, à luz da matéria de facto provada, a sentença recorrida fez uma correcta aplicação do Direito no que concerne à absolvição do R. do pedido de pagamento de danos futuros e da sanção pecuniária compulsória. Era a seguinte a pretensão do A.: «o Réu deverá indemnizar o Autor pelos danos ocorridos na fracção melhor identificada em 1º supra, e que se cifram na presente data no valor de € 6.076,20 (conforme Documento 20), e bem assim os prejuízos futuros, a liquidar em sede de execução de sentença». A sentença recorrida condenou o R. a pagar ao A. a referida quantia de € 6.076,20, a título de indemnização pelos danos causados na fracção do A., correspondente ao custo da respectiva reparação. Refere-se na referida sentença que «Estando orçamentada a reparação, o primeiro réu é responsável pelo pagamento do montante respectivo, calculado em €6.839,42, mas reduzido ao concreto valor peticionado (€6.076,20, que nunca foi objecto de ampliação), correspondente à indemnização por equivalente. Cumpre aqui notar que o autor não fez qualquer pedido de actualização do valor orçamentado, nem solicitou a condenação em quantia a liquidar em sede de sentença (que é um pedido diverso do descrito na secção que se segue, uma vez que respeita a danos presentes); razão pela qual, ao contrário do que invocou em sede de alegações, o Tribunal não pode condenar em objecto superior ao pedido, cf. arts. 3.º, n.º 1 e 615.º, n.º 1, al. e) do CPC». Esta conclusão não merece reparos. O A. pediu a condenação do R. a pagar-lhe a quantia líquida de € 6.076,20, a título de indemnização pelos danos já ocorridos na sua fracção. Em 19.05.2022, o A. juntou um orçamento actualizado relativo ao custo das reparações necessárias, mas não procedeu a qualquer ampliação do pedido que desse cobertura à alegada actualização de valores (arts. 569.º do CC e 265.º, n.º 2 do CPC). Contrariamente ao que o recorrente ora pretende fazer crer, a actualização ou acréscimo em causa não respeita a um dano posterior ao alegado na petição inicial e verificado só após a propositura da acção (dano futuro). Analisados ambos os orçamentos ou estimativas de valores (o que foi junto com a petição inicial sob o n.º 20 e o que foi apresentado com o requerimento de 19.05.2022), logo se conclui que os trabalhos de reparação em causa são, rigorosamente, os mesmos, situando-se a diferença entre os orçamentos, apenas, nos valores de cada rúbrica, em virtude de uma actualização dos preços (veja-se, neste sentido, o depoimento da testemunha M, que elaborou os referidos orçamentos). Desta forma, estando em causa a reparação de um dano já verificado e não tendo o A. ampliado o pedido, não podia o tribunal a quo condenar em quantidade superior à pedida (art.º 609.º, n.º 1 do CPC), improcedendo o recurso nesta parte. O mesmo se diga no que respeita à pretendida condenação do R. no «pagamento dos danos que venham a verificar-se na fracção do A.». A condenação em indemnização por danos futuros só é admissível quando estes sejam previsíveis (art.º 564.º do CC). Conforme se escreveu no acórdão da RL de 22.11.2022, in www.dgsi.pt, «1. Por dano futuro deve entender-se aquele prejuízo que o sujeito do direito ofendido ainda não sofreu no momento temporal que é considerado, ou seja, nesse tempo já existe um ofendido, mas não existe um lesado. 2. Os danos futuros podem dividir-se em previsíveis e imprevisíveis: o dano futuro é previsível quando se pode prognosticar, conjeturar com antecipação ao tempo em que acontecerá, a sua ocorrência; no caso contrário, isto é, quando o homem medianamente prudente e avisado o não prognostica, o dano é imprevisível, desconsiderando-se o juízo do timorato; o dano imprevisível não é indemnizável antecipadamente, o que significa que o sujeito do direito ofendido só poderá pedir a correspondente indemnização depois de o dano acontecer, depois de lesado». Ora, nada na factualidade provada permite entender que a fracção do A. continuará, no futuro, a sofrer danos, nada se podendo conjeturar ou antecipar, legitimamente, a este respeito, do mero comportamento anterior do R. Finalmente, no concerne à sanção pecuniária compulsória, entende o recorrente que a obrigação do R. de efectuar na sua fracção as obras necessárias para extinguir as fontes das infiltrações na fracção do A. é infungível, na medida em que «(…) o Réu não faculta o acesso ao interior da sua fracção pelo que, ainda que o Autor pretendesse, em caso de incumprimento da sentença, recorrer à execução específica daquela, nomeadamente contratando um Terceiro para efectuar as reparações dos defeitos na fracção do Réu, não lograria o seu intuito» e que «(…) relativamente às obras na sua fracção encontra-se o Autor impedido de contratar Terceiros para as efectuar, até que sejam efectuadas as obras na fracção do Réu, mostrando-se também por isso justificada a necessidade de compelir o Réu à realização das mencionadas obras, através da aplicação da sanção pecuniária compulsória». O recorrente não coloca em causa que a sanção pecuniária compulsória se aplique, apenas, às obrigações de facto infungíveis (art.º 829.º-A, n.º 1 do CC). Ensina Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, I, Almedina, 10.ª ed., p. 97, que «a prestação diz-se fungível, quando pode ser realizada por pessoa diferente do devedor, sem prejuízo do interesse do credor (caiar um muro, pintar uma casa , pagar uma quantia, lavrar um terreno); será não fungível no caso de o devedor não poder ser substituído no cumprimento por terceiro (..). São as obrigações em que ao credor não interessa apenas o objecto da obrigação, mas também a habilidade, o saber, a destreza, a força, o bom nome ou outras qualidades pessoais do devedor». Ora, as obrigações em que o R. foi condenado («…a fazer, na sua fracção, as obras necessárias para extinguir a fonte das infiltrações na fracção do Autor M, designadamente a impermeabilização da fracção e supressão de fugas na respectiva canalização») são, inequivocamente, fungíveis. Não invalida tal qualificação o facto de o R. poder incumprir essa obrigação, posto que, nesse caso, o A., credor, sempre poderá requerer, no processo executivo, que o facto seja prestado por si ou por outrem à custa do devedor (art.º 828.º do CC e 868.º do CPC), dispondo a lei processual dos mecanismos necessários a permitir o acesso à fracção do R., caso este não o faculte voluntariamente. Bem andou, pois, a sentença recorrida ao entender que «Nada tendo sido alegado no sentido da infungibilidade das prestações em que o réu é condenado (que, aliás, mesmo no caso das prestações de facto, podem ser realizadas por terceiro, cf. arts. 868.º e ss do CPC), tem de concluir-se pela aplicação da regra geral. Face ao exposto, falha um pressuposto da previsão normativa que atribui ao julgador a faculdade de condenar em sanção pecuniária compulsória, razão pela qual improcede o pedido do autor, nesta parte». Improcede, desta forma, in totum o recurso. O recorrente suportará as custas do recurso, por ter ficado vencido (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC). VI – DISPOSITIVO Pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar totalmente improcedentes os recursos principal e subordinado, confirmando-se, por consequência, a sentença recorrida. Custas de cada um dos recursos pelos respectivos recorrentes. Notifique. * Lisboa, 05.12.2024 Os Juízes Desembargadores, Rui Oliveira Vítor Ribeiro Carla Matos |