Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
906/20.0T8EVR.L1-6
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: DOAÇÃO
ACEITAÇÃO DE DOAÇÃO
TRADIÇÃO DA COISA
ANIMUS DONANDI
ALTERAÇÃO DE CONTA BANCÁRIA SINGULAR PARA SOLIDÁRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1 - O contrato de doação constitui um negócio jurídico bilateral receptício, que só fica perfeito, ressalvada a situação prevista no n.º 2 do art. 951.º do CC, com a aceitação pelo donatário, sendo que, até que se verifique esta última, não existe senão uma mera proposta de doação.
2. - A aceitação não carece de ser expressa, podendo ser tácita, sendo como tal havida a “tradição” para o donatário, em qualquer momento, da coisa móvel doada, ou do seu título representativo, o que tudo deve todavia verificar-se  durante a vida do doador.
3. - A “tradição” é uma forma de conferir a alguém a posse de determinado bem, sendo que, por regra, com mesma o antigo possuidor demite-se da sua situação anterior e entrega a coisa ao novo possuidor, ao adquirente, constituindo-o na situação de facto própria da posse;
4. – Não obstante o referido em 6.3., e designadamente em sede de doação verbal de valores pecuniários existentes em contas bancárias de depósitos, pode a tradição não desencadear a cessação da relação material com a coisa por parte do doador e primeiro possuidor ;
5. – O referido em 6.4. tem lugar v.g na transmutação da conta singular em conta colectiva solidária, constituindo aquela meio idóneo para se operar a tradição de valores depositados para o donatário, assim se consumando uma doação, maxime desde que acompanhada - a transmutação da conta - do animus donandi do doador;
6. - Tendo-se provado que o falecido desejava doar o montante, sua propriedade, depositado em conta bancária singular, a uma sua irmã, para tanto incluindo-a como co - titular da referida conta, tendo doravante esta última passado a a dispor do dinheiro como entendeu, v.g. adquirindo bens pessoais, designadamente peças de roupa, justifica-se qualificar o referido quadro factual como consubstanciando a concretização de uma efectiva doação, na modalidade de “ tradição ” de coisa móvel doada.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de LISBOA
                                   
1.Relatório.    
A, solteira, maior, B, solteira, maior, e C, solteiro, maior, intentaram acção declarativa de condenação contra D , solteira, deduzindo o seguinte PEDIDO:
A condenação da ré a pagar aos autores a quantia de € 91.500,00, acrescida de juros à taxa legal, desde a data da citação até real e integral reembolso ”.
1.1. – Alegaram os AA,  para tanto e em síntese, que :
- Em 31/12/2015, veio a falecer JL, à data divorciado e pai dos AA  A,  B e C ;
- À data do seu decesso, era o JL titular da conta bancária n.° ..., da agência do Clavário/Lisboa, do Banco Millennium - BCP, aberta em 2011, vindo mais tarde e ainda em vida do falecido, a D, irmã de JL, a ser incluída também como titular dessa conta em virtude do agravamento do estado de saúde de JL, o que sucedeu apenas e tão só para que esta pudesse diligenciar pelo pagamento de despesas relacionadas com os gastos do falecido JL;
- Sucede que, à data do óbito de JL, dispunha a referida conta a quantia monetária de €49.365,18 , na conta à ordem , e €1.002,16 , na conta a prazo ;
- Ademais, e nos meses que antecederam a morte JL, veio a Ré D, irmã daquele a efectuar transferências bancárias da referida conta em valores que totalizaram 41.500,00€, e isto, bem sabendo que tais quantias monetárias não lhe pertenciam, por pertencerem na totalidade a JL e por sua morte, aos seus herdeiros legitimários, os ofendidos e ora AA;
- Com a referida conduta, veio a Ré a causar aos AA danos não patrimoniais, de valor não inferior a € 50.000,00, o tudo perfaz a quantia total, devida pela Ré aos Autores SEUS SOBRINHOS, de € 91.500,00 . acrescida de juros vincendos desde a data de citação e até integral e efectivo pagamento.
1.2. – Citada a Ré D , veio a mesma CONTESTAR, fazendo-o por excepção [ invocando a INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ; a INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL e a PRESCRIÇÃO ] e por impugnação motivada [ aduzindo v.g. que o falecido JL doou à R. o montante global de 47.900€, manifestando expressamente a vontade de não deixar qualquer montante para os seus filhos, porquanto, considerava que os aqui Autores, o haviam desprezado, e pugnando pela condenação dos AA a título de litigância de má fé ], e deduzindo PEDIDO RECONVENCIONAL [ Peticionando a condenação dos AA a indemnizar a Ré no montante de 8.810,71€, acrescidos de juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento.
1.3. – Após Réplica dos AA, foi proferida DECISÃO que, julgando verificada a exceção dilatória de incompetência relativa , foi declarado o Juízo Local Cível de Évora incompetente, em razão do território, para conhecer a presente ação, e determinado o envio, após trânsito, dos autos ao Juízo Central Cível de Lisboa.  
1.4. – Designada a realização da audiência prévia , foi no âmbito da mesma proferido despacho que fixou o valor da causa, proferido saneador tabelar e, bem assim, desatendidas as excepções da INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL e da PRESCRIÇÃO .
Ainda em sede de audiência prévia , foi identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova, não tendo havido reclamações.
1.5. - Por fim, chegado o dia designado [ dia 9/06/2022 ] para a AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO, à mesma se procedeu com observância do legal formalismo e, após o respectivo encerramento e conclusos os autos para o efeito, foi proferida a competente SENTENÇA, sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor:
“(…)
Face ao exposto e sem necessidade de outras considerações:
Julgo parcialmente procedente por parcialmente provada a acção e, em consequência, condeno a ré D a entregar aos autores A,B, e C, na qualidade de únicos e universais herdeiros de JL a quantia de €41.500,00 ( quarenta e um mil e quinhentos euros), acrescida de juros a contar da citação e até integral pagamento ;
• No mais, julgo improcedente por não provada a acção e absolvo a ré do pedido;
• Julgo improcedente por não provado o pedido reconvencional;
•  Julgo improcedentes por não provados os pedidos ( dos autores e da ré ) de condenação como litigantes de má fé.
Custas por ambas as partes na proporção do decaimento.
Registe e notifique.
31.1.2023”
1.6. - Notificada da sentença identificada em 1.5., da mesma discordando e inconformada, veio a Ré D interpor a competente apelação, sendo que, a justificar a alteração do julgado, aduziu a recorrente as seguintes conclusões  :
I - O Ponto b) da matéria de facto dado como NÃO PROVADA deveria ter sido dado como PROVADO:
b) Que a ré tenha aquando da realização das transferências bancárias tenha agido “com o intuito de se fazer seus aqueles valores monetários”, uma vez que na convicção da própria o dinheiro já lhe pertencia desde data anterior.
II - o Tribunal a quo na sua própria Sentença não tem dúvidas em reconhecer que a Recorrente todas as transferências bancárias que efetuou, por referência à conta bancária …344, fê-lo perfeitamente convencida que os montantes existentes nessa conta bancária lhe pertenciam.
III -  É o próprio Tribunal a quo, na página 28 da sua Sentença, último parágrafo , a fazer constar que:
Assim, impende sobre a ré a obrigação de devolver à herança a quantia que movimentou ( no convencimento de que lhe pertencia )…”
IV - A prova deste facto vem, igualmente no seguimento de que a Recorrente havia aceite a doação efetuada pelo seu irmão agindo como se todo o dinheiro lhe pertencesse, pontos 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54 e 55 da matéria de facto dada como provada.
V - A prova deste facto resulta, ainda das declarações das seguintes testemunhas:
- F…, cujo depoimento se encontra gravado no Ficheiro de origem: 20220609141040_20208268_2871032, em 09/06/2022, entre as 14:10:40-15:04:11, passagens 00:13:45 a 00:16:12 e 00:20:58 a 00:23:05;
- G, filho da Recorrente, cujo depoimento se encontra gravado no sistema existente no tribunal Ficheiro de origem: 20220609150640_20208268_2871032, de 09/06/2022, entre as 15:06:41-15:16:40, passagens 00:03:51 a 00:05:07;
VI - Por fim, importa, ainda, atentar nas declarações da própria Recorrente, D, cujas declarações se encontram gravadas no sistema existente no tribunal Ficheiro de origem: 20220609151833_20208268_2871032, dia 09/06/2022, entre as 15:18:34-15:39:16, passagens 00:03:35 a 00:05:15; 00:06:13 a 00:07:02; 00:19:16 a 00:20:50;
VII- Em face da matéria de facto dada como provada, o Tribunal a quo andou mal ao decidir como decidiu.
VIII - A matéria de facto dada como provada, nomeadamente, os pontos 5, 6, 11, 12, 13, 14, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 49, 50, 51, 52, 53, 54 e 55, impunham a conclusão de que efetivamente todos os montantes existentes na conta bancária ... foram doados à Recorrente.
IX - Considerou o Tribunal a quo que a Recorrente não aceitou a doação efetuada. Contudo, não é isso que se retira da matéria de facto dada como provada, nem foi efetivamente isso que aconteceu. Aquilo que resulta da matéria de facto é precisamente, que a Recorrente aceitou essa doação e agiu como verdadeira titular do montante doado.
X - Conforme resulta do ponto 49 da matéria de facto dado como PROVADO, a Recorrente apenas não aceitou que o dinheiro fosse transferido para uma conta unicamente sua:
49. A ré não aceitou que o dinheiro referido em 46 fosse transferido para uma conta bancária unicamente sua;
XI - A Recorrente não aceitou que o dinheiro fosse transferido para uma conta unicamente sua, mas aceitou a doação, ficando o dinheiro que lhe fora doado também em nome do seu irmão.
XII - A Recorrente, a partir da doação, agiu como verdadeira titular desse dinheiro, conforme resulta dos pontos 13, 14, 51, 52, 53, 54 e 55 da matéria de facto dada como provada.
XIII - No caso sub judice, conforme resulta da matéria de facto dada como provada, foi a Recorrente quem, em função da doação efetuada pelo seu irmão, determinou que o montante doado viesse a ser gasto pelos dois:
50. A R. apoiava o seu irmão, e dando-lhe força dizia-lhe que ele iria viver muitos anos e que então iriam gastar o dinheiro juntos;
XIV - A Recorrente não só aceitou a doação da totalidade do dinheiro, como foi ela que, a partir dessa aceitação, definiu como e quem iria gastar esse dinheiro.
XV - Estamos, sem margem para qualquer dúvida perante uma doação acompanhada de tradição do bem doado. E existe tradição uma vez que o animus domandi é acompanhado duma entrega, a associação da Recorrente à conta bancária e a posterior disposição da totalidade do montante aí depositado, ou seja um meio susceptível de tornar efectivo o apossamento, nos termos atrás consignados.
XVI - Ao decidir como decidiu, considerando que a Recorrente não aceitou a doação, o Tribunal a quo violou os artigos 940º, 945º e 1263º, todos do Código Civil.
XVII - Em face do que se encontra exposto deveria o Tribunal a quo ter absolvido totalmente a Recorrente do pedido contra si deduzido pelos Recorridos.
Por outro lado,
XVIII - Provando-se, como acima se referiu, que existiu uma doação do dinheiro depositado na conta bancária …344 e que, portanto todo esse montante era propriedade da Recorrente, por um lado, e por outro que:
56. Os Autores sabendo que a R. era co-titular da conta bancária n.º …344, junto do Banco Comercial Português em 18/02/2016 procederam a uma transferência bancária para conta por eles controlada no montante de 8.810,71€.
57. Os Autores não eram titulares da conta bancária n.º …344 do Banco Comercial Português;
58. Os Autores não tinham qualquer autorização para poderem movimentar a conta bancária n.º …344 do Banco Comercial Português;
XIX - Deveriam os Recorridos ter sido condenados conforme peticionado pela Recorrente, no seu pedido Reconvencional ou seja, condenados a pagar à Recorrente o montante de 8.810,71€ (oito mil oitocentos e dez euros e setenta e um cêntimos), acrescidos de juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento.
XX - Ao ter absolvido os Recorridos do pedido Reconvencional deduzido o Tribunal a quo violou os artigos 483º, 562º, 940º, 945º e 1263º, todos do Código Civil.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas, mui doutamente suprirão deve o presente Recurso obter provimento e, em consequência, deve a Sentença proferida pelo Tribunal a quo ser substituída por douto Acórdão que decida:
a) Julgar totalmente improcedente o pedido apresentado pelas Recorridas absolvendo a Recorrente totalmente do pedido; b) Julgar totalmente procedente por provado o pedido Reconvencional apresentado pela Recorrente e, em consequência, condenar os Recorridos, solidariamente, a pagar à Recorrente o montante de 8.810,71€ (oito mil oitocentos e dez euros e setenta e um cêntimos), acrescidos de juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento. Assim decidindo farão v. Exas. a tão costumada e esperada JUSTIÇA!
1.7.- Tendo os AA apelados A, B e C, contra-alegado, vieram todos impetrar a confirmação do julgado, concluindo do seguinte modo :
1. Não se conformando com a douta decisão proferida a fls. e seg.s dos autos, veio a recorrente interpor o presente recurso, por entender, sumariamente:
I - que o Tribunal a quo fez uma errada apreciação da prova e julgou incorretamente o ponto b), da factualidade não provada, o qual, devia ter sido julgado como provados;
II – bem como que a douta sentença recorrida, ao condenar a Ré/recorrente, violou o disposto nos art.s 940.º, 945.º e 1263.º, todos do Cód. Civil, devendo, consequentemente, revogar-se a sentença em crise e decidir-se pela absolvição da Ré do pedido;
III – ademais de ter violado o preceituado nos art.s 483.º, 562.º, 940.º 945.º e 1263.º, todos do Cód. Civil, ao absolver os AA do pedido reconvencional deduzido, devendo, em consequência, condenar-se os AA/Recorridos no pedido reconvencional deduzido.
2. Ab initio a recorrente assenta as suas alegações de recurso e conclusões (as que, aliás, delimitam a sua apreciação), na REAPRECIAÇÃO DA PROVA, para alegar que o facto constante da alínea b) dos factos não provados, deveria ter sido dado como provado.
3. Para fundamentar a alteração da matéria de facto não provada, a recorrente invoca passagens dos depoimentos do seu filho, do seu companheiro e das suas próprias declarações.
4. A recorrente não indica todos os meios de prova de que o Tribunal a quo se socorreu para dar como não provado aquele facto, designadamente, com recurso a todos as provas produzidas, incluindo, toda a prova testemunhal, a documental e declarações de parte, das duas partes.
5. A este respeito, sublinhemos, que, ao contrário do que a recorrente invoca, as declarações da parte, a si favoráveis, só por si, não comprovam o facto probando afirmado ; só relevando como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas.
6. Acrescendo que o próprio Tribunal recorrido alegou que olvida-se a recorrente, que a própria, em sede de declarações de parte, afirmou em juízo o reproduzido pela Meritíssima Juiz a quo, aquando da fundamentação da sentença, designadamente, que:
Não obstante, por razões que se terão prendido com a circunstância de o doador ser seu irmão e se encontrar gravemente doente e com a perspectiva de uma vida futura muito ameaçada, a ré decidiu não aceitar a entrega daquela quantia, argumentando junto do irmão que viriam gastar o dinheiro juntos. Acabaram por decidir que a titularidade da conta bancária de JL seria alterada, adicionando-se como titular a ré, o que fizeram. A ré passou a dispor da quantia em depósito como entendeu mas, de igual forma, o seu irmão manteve-se com a disponibilidade daquela quantia e também a usou como entendeu, sendo que apenas o dinheiro pertença deste alimentou o saldo positivo da conta.”
7. Destarte, a recorrente era ciente de que o dinheiro não lhe pertencia desde data anterior ao decesso de seu irmão.
8. A omissão daquele ónus, supra referido, implica a rejeição do recurso da decisão da matéria de facto, o que se peticiona, louvando-se a decisão recorrida, que deve ser mantida nos seus precisos termos.
9. Caso não seja este o douto entendimento de V.as Ex.as e considerando que o recorrente invoca a existência de varias exegeses das disposições legais invocadas pelo Tribunal a quo, bem como a violação de outras, a este respeito cabe sublinhar que bem andou o Tribunal recorrido ao decidir como o fez, porquanto, a própria Ré afirmou em Juízo que não aceitara a doação do irmão, pelo que foi dado integral cumprimento, pela decisão recorrida ao disposto nos art.s 945.º, n.º 1 e 473.º, n.º 1, ambos do Cód, Civil; alias, já neste sentido, ia a decisão instrutória, junta a estes autos; inexistindo, pois, qualquer violação dos artigos invocados pelo recorrente.
10. Ademais, recordemos que todas as provas se acham sujeitas a serem livremente apreciadas pelo Tribunal a quo, que, subliminarmente, cumpriu o ónus que sobre si impedia de proceder a um exame crítico das provas, ainda que, o resultado, não seja o pretendido pela recorrente; inexistindo, pois, qualquer violação dos artigos invocados por esta.
11. Devendo, consequentemente, confirmar-se, na íntegra, a decisão recorrida.
12. Quanto à alegada violação, pelo Tribunal recorrido, da apreciação do pedido reconvencional, basta verificarmos que a própria Ré alega que tudo ocorrera, em termos da sua inclusão na conta do falecido, sem conhecimento dos filhos do mesmo, para concluirmos pela inexistência de qualquer mera culpa ou dolo na movimentação de conta do falecido, pelos seus herdeiros legitimários, que importe a obrigação de ressarcirem a recorrente; bem como que o valor que se encontrava na conta por aquele titulada era apenas proveniente de rendimentos seus, tal como bem frisa o Tribunal a quo, para concluir que apenas aos seus herdeiros legitimários incumbia o direito à respectiva propriedade e movimentação. Louvando-se, mais uma vez, a decisão recorrida.
Donde, não deve ser dado provimento ao presente recurso interposto e, em consequência, deve manter-se a douta decisão recorrida, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!
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Thema decidendum
1.8. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a decidir  são as seguintes;
I) Se deve este Tribunal ad quem introduzir alterações/modificações na decisão proferida pelo tribunal a quo sobre a matéria de facto, designadamente ;
a) Se o ponto de facto com o nº 2.60. (b) ,da motivação de facto do presente Ac. se impõe ser julgado “Provado”;
II - Se deve a sentença apelada, maxime em razão da alteração da decisão relativa à matéria de facto proferida pelo a quo e em consequência da impugnação da apelante, ser revogada, sendo a acção julgada improcedente ou, independentemente de qualquer modificação do quadro factual a ter em conta, deve ainda assim ser diverso o seu enquadramento jurídico a ponto de a acção dever ser julgada improcedente ;
III - Se deve a sentença apelada, ainda que não seja a decisão de facto alterada, ser substituída por decisão que julgue procedente o pedido Reconvencional apresentado pela Recorrente e, em consequência, condenar os Recorridos, solidariamente, a pagar à Recorrente o montante de 8.810,71€, acrescidos de juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento.
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2.- Motivação de Facto.
Pelo tribunal a quo foi fixada a seguinte factualidade:
A) PROVADA
2.1. - JL faleceu no dia 31 de Dezembro de 2015, na freguesia de Santo António, concelho de Lisboa
2.2. -  Faleceu no estado de divorciado.
2.3. - Era pai dos autores A,  B  e C .
2.4. - E irmão da ré D.
2.5. - À data do seu decesso, JL era titular da conta bancária n.° …344, da agência do Clavário/Lisboa, do Banco Millennium — BCP, aberta em 2011.
2.6.- À data do óbito de JL a ré era também titular dessa conta.
2.7. - JL era aposentado e auferia, a esse título e à data do seu falecimento, cerca de €2.481,34 mensais.
2.8. - Em Dezembro de 2014, mercê da invalidez que por motivos de saúde lhe foi fixada, a Mapfre Seguros liquidou ao falecido, a título de prémio de seguro, os valores monetários de €15.0028,76 e €32.886,27.
2.9. - Em Julho de 2015 o falecido JL vendeu, pelo valor de €14.500,00, uma viatura automóvel, valor que entrou na sua conta n.° …344, na data de 7 de Julho de 2015.
2.10. - JL havia adquirido aquela viatura, meses antes, por cerca de € 24.000,00.
2.11. - A conta supra referida dispunha, à data do óbito de JL, a quantia monetária de €49.365,18 (quarenta e nove mil, trezentos e sessenta e cinco euros e dezoito cêntimos), na conta à ordem e €1.002,16 ( mil e dois euros e dezasseis cêntimos ) na conta a prazo.
2.12. - A ré D acompanhou e ajudou JL nos meses que antecederam a sua morte, dando-lhe apoio na doença de que o mesmo padecia - doença cardíaca e tumor na bexiga -e até ao falecimento daquele.
2.13. - No dia 4 de Janeiro de 2016, a ré efectuou as seguintes transferências bancárias,: €3.500,00 da conta nº …344 para conta …005, titulada por B do BCP SA; €35.000,00 da conta n.° …344 para conta por si titulada nº …005, junto do BCP,SA ; €3.000,00, da conta n.° …344 para a conta n. …505, do BCP e titulada pela sua mãe H…  .
2.14. - Fê-lo no uso dos seus poderes como co-titular daquela conta.
2.15. - A autora B sofreu em 17 de Julho de 2015 um AVC que a deixou sem andar e sem falar, com um prognóstico futuro reservado em termos de locomoção e coordenação motora.
2.16. - Ao tempo, esta A. trabalhava em Lisboa e, após o AVC e os internamentos a que esteve sujeita, acabou deixou de trabalhar e foi residir para casa da sua mãe, em Évora, por não ter capacidade de, sozinha, prover ao seu sustento, habitação e vestuário, aliado a toda a necessidade de fisioterapias, das mais diversas índoles e demais tratamentos com vista a uma possível recuperação, pelo menos, a nível da fala e motor.
2.17. - A B teve de passar a ser auxiliada pela sua mãe, que, do seu vencimento, teve de suportar todas as despesas inerentes aos tratamentos que a B necessitava e necessita.
2.18. - Ao tempo, a autora B esteve internada seis semanas no Hospital de S. José, em Lisboa, dois meses e meio no Hospital Curry Cabral, em Lisboa e três meses no Hospital de S. João de Deus, em Montemor-o-Novo.
2.19. - Ao tempo, foi sugerido, por pessoa cuja identidade se desconhece, que a B se deslocasse a Cuba, por forma a ter tratamentos intensivos de recuperação.
2.20. - O que não fez por não ter disponibilidade financeira.
2.21. - Apesar do AVC, a capacidade intelectual da autora B não foi afectada.
2.22. - Quando pai faleceu, a A. A estava a terminar o estágio da sua licenciatura e acabou por não poder fazer o mestrado.
2.23. - A autora A trabalhou numa livraria.
2.24. - Quando o seu pai faleceu, o autor C trabalhava no Teatro S. Jorge auferindo trezentos euros mês.
2.25. - Após terminar o seu contrato de trabalho não teve capacidade económica para se manter em Lisboa e teve de regressar para Évora e passar a residir em casa da sua mãe.
2.26. - Os autores são os únicos e universais herdeiros do seu pai.
2.27. - A R. era a única irmã de JL ;
2.28. - O irmão da R. exercia a atividade de médico;
2.29. - A R., e o marido desta, FJ…, sempre mantiveram uma relação de grande proximidade com o pai dos autores, visitando-o com frequência, nomeadamente, em Évora;
2.30. - Numa relação de grande cumplicidade e amizade.
2.31. - Em 21 de outubro de 2010 o irmão da R. JL, divorciou-se da mãe dos autores, M…
2.32. - Em consequência desse divórcio os Autores afastaram-se completamente do pai.
2.33. - Passando a contactá-lo quase unicamente quando precisavam de alguma ajuda financeira;
2.34. - O que muito entristecia o irmão da ré, pelo que, a relação com os seus filhos tornou-se distante;
2.35. - Mesmo após terem sido detetadas ao JL as graves doenças de que padecia, e os filhos serem informados dessa situação, nunca lhe prestaram qualquer atenção e cuidado.
2.36. - JL recebia o seu rendimento mensal na sua conta bancária à ordem n.º …344, do Banco Comercial Português.
2.37. - Aconteceu aquela conta ter saldo negativo: no dia 15/01/2014 com um saldo negativo de 277,75€; no dia 14/02/2014 com um saldo negativo de 317,08€; no dia 19/03/2014 com um saldo bancário positivo de 19,06€; no dia 14/04/2014 com um saldo bancário negativo de 15,83€; no dia 07/05/2014 com um saldo bancário negativo de 20,43€; no dia 19/06/2014 com um saldo bancário negativo de 17,51€; no dia 17/07/2014 com um saldo bancário negativo de 9,37€; no dia 16/09/2014 com um saldo bancário negativo de 12,98€; no dia18/12/2014 com um saldo bancário negativo de 39,03€.
2.38. - O irmão da R. pedia à ré dinheiro emprestado, bem como ao seu marido e à sua mãe, para fazer face a algumas despesas que iam surgindo.
2.39. - A R. e o seu marido sempre lhe emprestaram o dinheiro que aquele necessitava.
2.40. - E procederam ao pagamento do advogado contratado por JL para tratar do processo de partilhas com a sua ex-mulher mãe dos autores.
2.41. - Ao irmão da R. foi diagnosticada uma “cardiomiopatia dilatada não isquémica”, apresentando indicação para transplante cardíaco;
2.42. - Confrontado com esta situação JL acionou o seu seguro de vida;
2.43. - Em 22/12/2014 foi transferido pela MAPFRE para a conta bancária n.º …344 no Millenium BCP as quantias de 15.028,76€ e 32.886,27€
2.44. - No Natal de 2014 JL informou a ré que todo o montante que recebeu iria transferi-lo para uma conta bancária desta.
2.45. - JL tinha a noção que se não surgisse um coração que lhe permitisse efetuar um transplante, poderia morrer a qualquer momento;
2.46. - Pretendia compensar a irmã pelo apoio dado e restituir todos os montantes que ao longo dos últimos anos lhe tinham sido emprestados
2.47. - Manifestando a vontade de não deixar qualquer montante para os seus filhos.
2.48. - Em consequência da patologia e do pagamento de seguro que lhe foi diagnosticada, a casa que foi a morada de família com a mãe dos autores, sita na freguesia Horta as Figueiras, fracção “FA2”, descrita na Conservatória do Registo Predial de Évora, com o artigo …4, ficou integralmente liquidada;
2.49. - A ré não aceitou que o dinheiro referido em 2.46 fosse transferido para uma conta bancária unicamente sua;
2.50. - A R. apoiava o seu irmão, e dando-lhe força dizia-lhe que ele iria viver muitos anos e que então iriam gastar o dinheiro juntos;
2.51. - O Dr. JL fez questão que a R. se deslocasse com este ao Millenium BCP, balcão do Calvário, onde tinha sediada a sua conta bancária e onde incluiu a R. como co - titular da conta;
2.52. - Passando a R. a partir da referida data a dispor do dinheiro como entendeu;
2.53. - Adquirindo bens pessoais, designadamente peças de roupa.
2.54. - Apesar dos autores residirem em Évora e aí terem toda a sua vida JL foi sepultado em Lisboa;
2.55. - Pagando a ré todas as despesas fúnebres do irmão, de montante não apurado.
2.56. - Os Autores sabendo que a R. era co-titular da conta bancária n.º …344, junto do Banco Comercial Português em 18/02/2016 procederam a uma transferência bancária para conta por eles controlada no montante de 8.810,71€.
2.57. - Os Autores não eram titulares da conta bancária n.º …344 do Banco Comercial Português;
2.58. - Os Autores não tinham qualquer autorização para poderem movimentar a conta bancária n.º …344 do Banco Comercial Português;
B) NÃO PROVADA
2.59. – (a) a inclusão da Ré na conta do falecido sucedesse apenas e tão só para que esta pudesse diligenciar pelo pagamento de despesas relacionadas com os gastos do falecido JL, o qual, devido ao agravamento contínuo do seu estado de saúde, se mostrava incapaz de diligenciar nesse sentido, inclusivamente, devido aos sucessivos internamentos hospitalares que antecederam o seu falecimento
2.60. – (b) Que a ré tenha aquando da realização das transferências bancárias tenha agido “com o intuito de se fazer seus aqueles valores monetários”, uma vez que na Convicção da própria o dinheiro já lhe pertencia desde data anterior.
2.61. – (c) Que a ré tenha agido “ bem sabendo que tais quantias monetárias não lhe pertenciam, por pertencerem na totalidade a JL e por sua morte, aos seus herdeiros legitimários”.
2.62. – (d) Que a ré soubesse “ que por morte do seu irmão, e proprietários daquelas quantias monetárias, tais valores integravam a herança de JL.”
2.63. – (e) Que a autora A não tenha feito o mestrado “por falta de capacidade económica.”
2.64. – (f) Que a ré e o marido pagassem ao JL impostos, despesas de água, eletricidade e gás;
2.65. – (g) Que a quantia emprestada pela ré e as despesas suportadas pela R. seu marido e sua mãe o valor ascendesse a 20.000€
2.66. – (h) Que fosse intenção de JL efetuar a partilha do imóvel sito na freguesia Horta as Figueiras, fracção “FA2”, descrita na Conservatória do Registo Predial de Évora, com o artigo …4 em vida de forma a não deixar qualquer montante aos Autores
2.67. – (i) Que a ré usando a conta nº …344 Millenium BCP tivesse procedido ao pagamento de despesas de água, eletricidade, tv cabo, ou tivesse procedido ao levantamento de dinheiro em terminais de ATM;
2.68. – (j) Que a autora B tenha passado a viver em permanente angústia, revolta, desalento e tristeza por não ter como se curar, pelo facto da usa tia ter decidido retirar-lhe o dinheiro que a ajudaria a voltar a ter uma "vida normal".
2.69. – (k) Que a mesma autora tivesse prescindido de outros tratamentos por falta de capacidade económica que a ré lhe tenha cerceado.
2.70. – (l) Que o autor tenha passado a acordar de noite e não adormecesse pensando no facto de a ré os “ter provado de tanto” e “hipotecado o futuro”.  
*
3.- Da impugnação pela Ré [ D ] recorrente da decisão proferida pelo tribunal a quo e relativa à matéria de facto.
Compulsadas as alegações e conclusões da Ré/apelante, e no que à decisão relativa à matéria de facto proferida pelo tribunal a quo diz respeito, pacífico é que no âmbito das referidas peças impugna a recorrente uma resposta da primeira instância dirigida a concreto ponto de facto controvertido julgado “Não provado[ o correspondente ao nº 2.60. – (b) , do presente Acórdão, rezando ele que aquando da realização das transferências bancárias “agiu a Ré com o intuito de fazer seus aqueles valores monetários, uma vez que na Convicção da própria o dinheiro já lhe pertencia desde data anterior ” ].
Para o referido efeito, e mais exactamente nas alegações recursórias, alega a Recorrente que foi erroneamente julgado o ponto de facto nº 2.60. – (b), e isto porque , no seu entender, deveria ter sido ele dado como provado.
E, ainda no âmbito das alegações recursórias, alega também a Recorrente que o reclamado julgamento “positivo”, além de se justificar em face da globalidade da demais factualidade provada, impunha-se outrossim em razão da prova testemunhal produzida [ a qual indica, quer com referência à identificação das testemunhas, quer também com referência ao timing das passagens relevantes dos respectivos depoimentos gravados ].
Já em sede de conclusões recursórias, vem a Ré recorrente, mais uma vez, especificar qual o ponto de facto que no seu entender se mostra erradamente julgado, o que faz indicando qual a decisão que deve este tribunal de recurso proferir e, bem assim, concretizando qual o meio probatório que – desde que devidamente valorado – impõe a prolação da decisão diversa reclamada.
Ora, no seguimento do acabado de expor, temos para nós que nada obsta, em rigor, a que proceda este Tribunal da Relação à análise do “mérito” da solicitada/impetrada – pela recorrente - alteração da  resposta ao ponto de facto indicado e impugnado, revelando-se a nosso ver destituída de pertinência aceitável a pretensão dos apelados no sentido de se justificar in casu a rejeição da impugnação da decisão de facto proferida pelo tribunal a quo .
É que, convenhamos, mostram-se pela Ré observados todos os ónus a que alude o artº 640º, nºs 1 e 2, do CPC, a saber, quer a indicação do concreto pontos de facto que considera como tendo sido incorrectamente julgado, quer a especificação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo de gravação nele realizada, que impunham uma decisão diversa da recorrida, quer, finalmente, a indicação da diferente resposta que deveria o tribunal a quo ter proferido, e , ademais, porque gravados os depoimentos das testemunhas pela impugnante indicadas, procedeu a mesma , outrossim , à indicação do inicio e termo da respectiva gravação relevante.
Neste conspecto, cabe salientar que não faz qualquer sentido a alusão – pela apelante - de que “não invocou a Ré/recorrente a totalidade da prova de que se socorreu o Tribunal recorrido”, e isto porque de ónus se trata que não consta do mencionado nº 2, alínea a), do artº 640º, do CPC - não constando sequer e também do nº 1, alínea b), do artº 640º, do CPC.
Acresce que, como bem se chama à atenção em douto Ac. do STJ (1), na “ verificação do cumprimento do ónus de alegação previsto no art.º. 640º do CPC, os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade”.
Ademais, sempre se acrescenta que, porque é nossa convicção  que, paulatinamente, tem vindo o nosso mais Alto Tribunal a revelar uma maior abertura e flexibilidade em sede de aferição de cumprimento pelos recorrentes dos diversos ónus especificados no artº 640º, do CPC , a que acresce que, a regra da dupla conforme ( a qual tem lugar quando o tribunal da Relação confirma o sentenciado em 1.ª instância ), não obsta à admissibilidade da revista para o STJ quando dirigida para a aferição da efectiva/real não observância  pelos apelantes do ónus específico fixado no art. 640.º, n.º 1, do NCPC (2013),  ad cautelam e visto o disposto no artº 8º, nº3, do Código Civil , mais se justifica conhecer do mérito da impugnação deduzida pela apelante.
E , conhecendo …
3.1. - Se o ponto de facto com o nº 2.60. (b) ,da motivação de facto do presente Ac. se impõe ser julgadoProvado”.
No ponto de facto ora em apreciação, diz-se que “a ré, aquando da realização das transferências bancárias, agiu com o intuito de fazer seus aqueles valores monetários, uma vez que na convicção da própria o dinheiro já lhe pertencia desde data anterior” [ tendo a redacção que da sentença consta sido por nós corrigida, de modo a ser mais perceptível e mais consentânea com um “português” correcto em função das regras anteriores ao Acordo Ortográfico ].
Já as transferências bancárias e às quais se refere o ponto de facto em causa , e compulsada a decisão de facto, apenas serão as identificadas em 2.13, totalizando o valor de 41.500,00€, e todas elas realizadas a 4 de Janeiro de 2016, ou seja, já após a morte de JL   .
Ora, tendo o ponto de facto objecto da impugnação deduzida pela apelante sido julgado “Não Provado”, importa antes de mais salientar que, analisando-se a decisão proferida pelo Primeiro Grau e em cumprimento do disposto no nº 4, do artº 607º, do CPC, fica-se por perceber quais as efectivas razões que conduziram ao respectivo julgamento “negativo”, e isto porque em sede da explicação daquele – julgamento – limita-se a Exmª julgadora a enunciar/descrever ( qual resumo do que foi dito ) o essencial dos depoimentos e declarações prestadas em audiência, não especificando já os reais motivos da convicção subjacente ao julgamento negativo proferido.
Neste conspecto, aludindo o referido dispositivo legal à “ especificação dos fundamentos que foram decisivos para a sua convicção”, é claro que deve o Julgador especificar e esclarecer porque razão merecia o ponto de facto ora em causa ser julgado “Não Provado”, só assim podendo este tribunal de recurso controlar e sindicar a razoabilidade da convicção formada e isto em razão designadamente da prova produzida e outrossim da aplicação das regras da ciência, da lógica e da experiência.
Porque em causa não está, ainda assim e em rigor, um facto essencial para a decisão da causa [ cfr. artº 5º,nº1, do CPC ], eis a razão porque , relativamente ao mesmo, se considere não se justificar que se lance mão do “remédio” a que alude a alínea d), do nº 2, do artº 662º, do CPC.
Dito isto, sabemos que a justificar a recondução ao elenco dos factos provados do ponto de facto nº 2.60. (b), socorre-se a apelante da demais factualidade já julgada PROVADA, e , ainda, de depoimentos de testemunhas [ de  F…, e de G… ], e também das declarações da própria Recorrente, D.
Ora, podendo o vício de contradição entre julgamentos ser ultrapassado através de uma melhor conjugação da globalidade das respostas conferidas aos pontos de facto controvertidos, temos para nós que nada obsta a que um concreto julgamento seja outrossim alterado com base v.g. em regras da experiência ( ou presunção judicial – artº 349º, do CC ) decorrentes de outro ou outros factos provados e não impugnados.
De resto, integrando o ponto de facto impugnado e ora em análise um facto essencialmente do foro psicológico [ actuação da Ré “na convicção de que o dinheiro já lhe pertencia desde data anterior” ] , pacífico é que em regra, os factos de foro psicológico, incluindo os de feição conjectural, não se revelam de forma directa, mas por inferência de factos instrumentais dos quais, à luz das regras da experiência comum, se pode concluir, por via de presunção judicial, no sentido da sua verificação” e, ademais, qualquer “inferência ou conclusão presuntiva inscreve-se ainda no domínio do julgamento de facto, segundo o regime da prova livre” e, como tal, “o facto psicológico essencial consubstancia um juízo probatório de natureza factual, que não mera conclusão de direito”. (2)
Para o referido efeito, basta que “ perante os factos (ou um facto preciso) conhecidos, se adquira ou se admita a realidade de um facto não demonstrado, na convicção, determinada pelas regras da experiência, de que normal e tipicamente ( id quod plerumque accidit ) certos factos são a consequência de outros” (3),  sendo que na passagem do facto conhecido para a aquisição (ou para a prova) do facto desconhecido “ têm de intervir, pois, juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido”.
Isto dito, e da conjugação da factualidade provada e inserta nos itens de facto nºs 2.44, 2.46, 2.47., e 2.49 a 2.53, não é de afastar [ bem pelo contrário ] o entendimento de que pelo menos a partir do facto inserto em 2.51 [ “O Dr. JL fez questão que a R. se deslocasse com este ao Millenium BCP, balcão do Calvário, onde tinha sediada a sua conta bancária e onde incluiu a R. como co-titular da conta] tenha a Ré/apelante passado doravante a agir na convicção de que o dinheiro depositado na conta em causa também lhe pertencia , podendo livremente movimentar a conta bancária n.º …344 no Millenium BCP .
Tal é o que resulta , e pelo menos na qualidade de pertinentefacto presumido ”, da circunstância de “ No Natal de 2014 ter JL informado a ré que todo o montante que recebeu iria transferi-lo para uma conta bancária desta” – item 2.44. -,  de “ Pretender o JL compensar a irmã pelo apoio dado e restituir todos os montantes que ao longo dos últimos anos lhe tinham sido emprestados“” – item 2.46. - ,  de O Dr. JL ter feito questão que a R. se deslocasse com este ao Millenium BCP, balcão do Calvário, onde tinha sediada a sua conta bancária e onde incluiu a R. como co - titular da conta” - item 2.51 – e de “a partir da referida data ter a Ré passado a dispor do dinheiro como entendeu, adquirindo bens pessoais, designadamente peças de roupa ”- itens de facto nºs 2.52 e 2.53.
Acresce que, se é jurisprudencialmente aceite que quando na presença de valores depositados e associados a contas bancárias, “ a questão da propriedade de tais valores não se confunde ou reconduz à questão de saber quem são os titulares das contas bancárias em que tais disponibilidades e valores monetários se encontram depositadas, sendo hoje pacífica a distinção entre a titularidade dos depósitos e a propriedade dos fundos depositados ”,  sendo que na conta coletiva “solidária”, o direito que está em causa, em relação ao banco, é o direito que qualquer dos titulares tem de poder movimentar sozinho e livremente a conta, direito este, dissociado da propriedade das quantias depositadas, certo é todavia que que a referida propriedade “se deve presumir igual entre todos os titulares da conta” - (cfr. artigo 516.º do Código Civil). (4)
Em suma, em face da factualidade assente em 2.44, 2.46, 2.47., e 2.49 a 2.53, é de considerar como sendo natural ou resultar com toda a probabilidade próxima da certeza, de que de a partir do facto inserto em 2.51 tenha a Ré/apelante passado doravante a agir na convicção de que o dinheiro depositado na conta em causa também lhe pertencia .
Por outra banda, se não obstante dispor a Ré/apelante do direito - como co-titular da conta - de poder movimentar sozinha e livremente a conta, vem a enveredar pelo comportamento identificado em 2.13., e outrossim de acordo com as regras da experiência, lícito é inferir que aquando da realização das transferências bancárias, agiu inequivocamente a Ré com o intuito de fazer – integralmente - seus os valores monetários transferidos.
A referida conclusão/ inferência, de resto, foi pelos AA alegada na petição [ no artº 12º, da petição ] e, além de não contrariada validamente pela Ré na contestação [ pois que de inferência se trata relativamente à qual a Ré  não tomou posição definida ,nos termos do nº 1, do artº 574º, do CPC , limitando-se a confessar a realização das transferências em causa ] , vem também em sede de instância recursória a considerá-la como  exacta.
Tudo visto e ponderado, tanto basta [ sendo que , relativamente à questão de facto ora em análise, os depoimentos de F… e de G…, e também as declarações da própria Recorrente, D, revelaram-se inconclusivos, todos eles apontando apenas para a “tese” de que todos os valores depositados - à data do decesso de JL  - na conta bancária n.° …344, da agência do Clavário/Lisboa, do Banco Millennium — BCP, aberta em 2011, foram doados à Ré/apelante ] para, com base em diversa convicção da formada pelo tribul a quo, atender em parte [ porque com diversa redacção ] a impugnação da decisão de facto proferida pelo Tribunal a quo.
Destarte, deve portanto o item de facto nº 2.60.-(b) [ com a redacção de “Aquando da realização das transferências bancárias identificadas em 2.13, agiu a Ré com o intuito de se fazer seus os valores monetários daquelas objecto , e na Convicção da própria de que o dinheiro também já lhe pertencia desde data anterior ”.
A propósito ainda da bondade da alteração determinada, recorda-se que é o próprio tribunal a quo que, em sede de fundamentação de direito, refere/conclui a dado passo que “ Assim, impende sobre a ré a obrigação de devolver à herança a quantia que movimentou (no convencimento de que lhe pertencia ) e de que se apropriou dando-lhe o destino que entendeu, uma vez que não tem causa justificativa para se enriquecer à custa da herança (cfr. artº 473º nº 1 do C.Civil) ”.
***
4. - Motivação de direito.
4.1. - Se deve a sentença apelada, maxime em razão da alteração da decisão relativa à matéria de facto proferida pelo a quo e em consequência da impugnação do apelante, ser revogada, sendo a acção julgada improcedente.
Percorrida a sentença apelada, constata-se que o pedido na acção deduzido [ o  de condenação da ré a pagar aos autores a quantia de € 91.500,00, acrescida de juros à taxa legal, desde a data da citação até real e integral reembolso] pelos autores/apelados foi parcialmente atendido, tendo a acção sido julgada parcialmente procedente e a Ré D condenada “a entregar aos autores A.B e C, na qualidade de únicos e universais herdeiros de JL. a quantia de €41.500,00 , acrescida de juros a contar da citação e até integral pagamento”.
A sustentar a decisão referida, recorda-se, alinhou o Primeiro Grau, no essencial, os seguintes fundamentos :
Primus – Provado nos autos que o falecido JL pretendeu entregar à Ré parte do seu património – parte de quantia monetária que se mostrava depositada em conta da qual era único titular - , efectuando uma disposição gratuita, certo é que provado ficou também que a Ré decidiu não aceitar a entrega da referida quantia [ colocando-a em conta bancária apenas sua ], acabando de seguida ambos por decidir que a titularidade da conta bancária de JL seria então alterada, adicionando-se como titular a ré, o que fizeram ;
Secundus –  Não tendo a Ré , em rigor, aceitado a proposta de JL de doação da quantia depositada, e mantendo-se o mesmo JL também na posse da quantia em causa, então não existiu e rigor a aceitação da proposta de doação nos termos do artº 945º nº 1 do C. Civil ;
Tertius - No seguimento do referido em secundus, importava considerar que a proposta de doação caducou - uma vez que não foi aceite em vida do doador - , não tendo acontecido a tradição para o donatário da coisa que se pretendia doar ( cfr. artº 945º nº 1 do C. Civil ), e isto porque não quis a Ré que a quantia em dinheiro em causa ficasse apenas na sua disponibilidade ;
Quartus - Ainda em face do referido em tertius, isto é, permanecendo a quantia depositada na disponibilidade dos dois [ JL e Ré ] usando-a ambos de forma livre, o “doador” irmão da ré não dispôs assim de uma coisa à custa do seu património, uma vez que o dinheiro continuou a fazer parte integrante dele, apenas configurando a actuação do irmão da ré e desta pequenas “doações”, pois só quando a ré despendeu parcelas da quantia que foi colocada à sua disposição, o doador se viu delas desapossado;
Quintus  - Da conjugação de tudo o referido de Primus a Quartus, forçoso era concluir que não logrou a Ré provar que as quantias depositadas na conta bancária n.º …344 no Millenium BCP foi in totum doada à Ré e, porque eram as mesmas apenas propriedade do falecido JL [ resultando de créditos baseados apenas em direitos do autor – os relativos ao vencimento ou pensão de reforma, o produto da venda de um automóvel e o pagamento do prémio de seguro ], inevitável era a obrigação da Ré de devolver à herança a quantia que movimentou (no convencimento de que lhe pertencia) e de que se apropriou.
Em termos conclusivos, dir-se-á que no entender do Primeiro Grau não chegou a concluir-se entre a apelante D e o falecido JL um qualquer negócio jurídico de doação – existindo apenas uma mera proposta que não chegou a ser objecto de aceitação.
Discordando a apelante D do sentenciado pelo Primeiro Grau, e a suportar a alteração do julgado, socorreu-se a recorrente da faculdade da modificação da decisão de facto e, ainda e independentemente de qualquer modificação do quadro factual a ter em conta, de um diverso enquadramento jurídico da factualidade pelo primeiro Grau fixada.
Assim, para a apelante, o que se impunha concluir em face da matéria de facto julgada provada é que existiu uma efectiva e inequívoca/perfeita doação , tendo a Recorrente aceitado a mesma e agiu como verdadeira titular do montante doado.
Em suma, para a apelante, pacifico é que a factualidade provada revela a existência de uma doação acompanhada de tradição do bem doado, e isto porque o animus domandi é acompanhado duma entrega, a associação da Recorrente à conta bancária e a posterior disposição da totalidade do montante aí depositado, ou seja um meio susceptível de tornar efectivo o seu apossamento, logo, ao decidir como decidiu, considerando que a Recorrente não aceitou a doação, o Tribunal a quo violou os artigos 940º, 945º e 1263º, todos do Código Civil.
Conhecidos os contornos do dissídio, temos assim que o que importa doravante esmiuçar é, em face da factualidade assente, se efectivamente permite/obriga a factualidade assente a concluir que entre  JL e a Ré/apelante D foi outorgado um contrato susceptível de integrar a previsão do artº 940º, do CC [ e tendo por objecto os montantes depositados na conta n.° …344, da agência do Clavário/Lisboa, do Banco Millennium — BCP, aberta em 2011 apenas em nome de JL ], caso em que a acção deveria ter sido julgada improcedente.
Ora Bem.
Apenas provando [ cfr. artº 342º, nº2, do CC ] a Ré apelante que as quantias identificadas em 2.13. lhe foram doadas pelo falecido JL ( e que a ele pertenciam ) , podia/devia a acção ter sido julgada improcedente, tal como a reclamante o entende e o reclamada .
Ora,  a doação , como o refere o artº 940º, do CC, consubstancia um efectivo “ contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente”.
A propósito da natureza contratual da doação, explicam PIRES de LIMA e ANTUNES VARELA (5) que no nosso direito pátrio a qualificação da doação como acto e não como contrato nunca se chegou a equacionar, “ quer em virtude do conceito amplo de contrato que foi adoptado ( cfr. artº 405º, do CC )”, quer porque em rigor o “ ciclo negocial só se completa com a adesão do donatário, mediante um acto de aceitação, não existindo até esse momento senão uma simples proposta contratual ( cfr. artº 945º), quer por causa da própria expansão que se deu à figura da doação ”.
Ainda PIRES de LIMA e ANTUNES VARELA (6), caracterizando-a, ensinam que uma doação pressupõe [ segundo o artº 940º, do CC ] a verificação de três requisitos, a saber :
a) Disposição gratuita de certos bens ou direitos, ou assunção de uma dívida, em benefício do donatário, ou seja, a atribuição patrimonial sem correspectivo;
b) Diminuição do património do doador ;
c) Espírito de liberalidade.
E, com referência ao elemento/propósito da disposição gratuita, e com acuidade, “advertema dado passo PIRES de LIMA e ANTUNES VARELA (7) que v.g. “ a mera constituição de um depósito bancário em nome conjunto do doador e de uma ou mais pessoas, para que funcionem como depositantes solidários, não representa necessariamente uma doação, enquanto se não conhecer a intenção do dono do dinheiro depositado. Em si mesma, a operação negocial é a atribuição incolor, que tanto pode assentar sobre um empréstimo ou uma doação, como sobre um puro mandato,etc ”.
O acabado de aduzir, a fortiori, há-de valer também para o caso dos autos, ou seja, em situação que [ cfr. item de facto nº 2.51 ] o pretenso doador  - o Dr. JL – e em relação a conta bancária do Millenium BCP, balcão do Calvário e da qual era à data o único titular, veio mais tarde a incluir a Ré como sendo co - titular da mesma, podendo doravante também movimentá-la .
Dir-se-á que, para que se conclua por uma real doação, que exista uma efectiva disposição ou atribuição patrimonial em benefício do donatário, e à custa do património do doador, mais exactamente que um enriquecimento dum contraente ( o donatário ) seja feito à custa do património do outroo do doador. (8)
Regressando à questão da natureza contratual da doação, e de harmonia com a mesma, não é assim de estranhar que, no artº 945º, do CC, e sob a epígrafe de “ Aceitação da doação”, se venha a dispor que :
1.A proposta de doação caduca, se não for aceita em vida do doador.
2. A tradição para o donatário, em qualquer momento, da coisa móvel doada, ou do seu título representativo, é havida como aceitação.
3. Se a proposta não for aceita no próprio acto ou não se verificar a tradição nos termos do número anterior, a aceitação deve obedecer à forma prescrita no artigo 947.º e ser declarada ao doador, sob pena de não produzir os seus efeitos”.
Ou seja, é pelo acto de aceitação do donatário que o contrato se completa, sendo pois o acordo de vontades de doador e donatário sempre necessário - como seu elemento essencial -, nos termos do artº 232º, do CC,  permitindo-se todavia que aquele – acto de aceitação  -  não seja expresso, podendo ser outrossim tácito, maxime se existe  tradição para o donatário, em qualquer momento  [ mas sempre antes da morte do doador ], da coisa móvel doada, ou do seu título representativo.
Por último, e em face do disposto no nº 3, do referido artº 945º, do CC, caso  a proposta não seja aceite no próprio acto ( aceitação contratual ) ou não se verifique a tradição, então carece ( para ser válida )  já a aceitação de ser declarada – por escrito - ao doador, sob pena de ineficácia. (9)
É que, como dispõe o artº 947º, do CC – para o qual remete o nº 3, do referido artº 945º- , temos que :
1-Sem prejuízo do disposto em lei especial, a doação de coisas imóveis só é válida se for celebrada por escritura pública ou por documento particular autenticado.
2 - A doação de coisas móveis não depende de formalidade alguma externa, quando acompanhada de tradição da coisa doada; não sendo acompanhada de tradição da coisa, só pode ser feita por escrito.
A necessidade de escrito, para a doação de móveis, quando não seja manual, funda-se – no entender de BAPTISTA LOPES (10) “na conveniência de evitar doações levianas, atitudes imponderadas e precipitadas, pois o escrito chama a atenção do doador para o acto pelo qual, doando móveis sem os entregar ao donatário, desfalca o seu património de uma maneira não visível materialmente. Havendo tradição, esta chama já por si mesma essa atenção
Em suma, e socorrendo-nos de Acórdão proferido por este mesmo Tribunal da Relação de Lisboa (11), temos então que das disposições legais acabas de referir decorre que , “Se a doação tem por objecto bens móveis, a lei exige a forma escrita, a menos que ocorra a tradição da coisa concomitantemente ao acto. A dispensa da forma escrita apenas ocorre na doação de coisas móveis acompanhada da tradição da coisa, constituindo porém, nesse caso a tradição uma formalidade essencial ao contrato, não se podendo considerar válida a doação se esta não se verificar – cfr. artigo 497º, 2 do C.Civil ”.
E, já a tradição (a se) da coisa doada, traduzir-se-á no “ acto materialmente translativo que atribui ao accipiens o domínio efectivo e empírico sobre a coisa ; ele é o produto da confluência, por um lado, de uma vontade negativa do possuidor de deixar a relação material que exercia ao abrigo da posse, e por outro, da vontade positivamente manifestada do promissário ( in casu do donatário ) em iniciar essa mesma relação material ”. (12)
Aqui chegados, descendo ao concreto, e com relevância para aferir a verdadeira intenção do falecido JL quando em vida se deslocou ao Millenium BCP, onde tinha sediada uma sua conta bancária , tendo então incluído a Ré como co - titular da mesma [ item de facto nº 2.51], constata-se que anteriormente ao referido acto, mais exactamente no Natal de 2014, informou a ré D, sua irmã ,que todo o montante que recebeu iria transferi-lo para uma conta bancária desta, e isto porque pretendia compensá-la pelo apoio dado e restituir-lhe todos os montantes que ao longo dos últimos anos lhe tinham sido emprestados, manifestando ainda a vontade de não deixar qualquer montante para os seus filhos.[ cfr. itens de facto nºs 2.44, 2.46, e 2.47 ].
A referida factualidade, à luz de uma interpretação conforme com o disposto no art 236º, do CC, não pode deixar de traduzir uma verdadeira declaração/proposta de doação de JL dirigida à Ré/apelante, porque além de corresponder à vontade – manifestada à declaratária - real do declarante , é também com o referido sentido que um declaratário normal – colocado nas mesmas circunstâncias - assim a deduziria.
Ocorre que, informa-nos também a factualidade provada, que a referida proposta de doação de JL não foi pela declaratária aceite, antes [ cfr. item de facto nº 2.49. ] foi pela ré expressamente recusada, não aceitando que o dinheiro referido em 2.46 fosse transferido para uma conta bancária unicamente sua [ caso em que ,então sim, existiria uma real doação, porque efectuada uma efectiva disposição ou atribuição patrimonial em benefício da donatária, e à custa do património do doador , o JL ].
Ou seja, em face da factualidade provada, tudo aponta para que tendo existido uma proposta de doação, não se lhe seguiu porém uma declaração expressa de aceitação nos termos preconizados pelo doador [ ou seja, nos termos identificados em 2.44, caso em que deixava  doravante o doador de manter qualquer relação material com a coisa/dinheiro depositado, e sendo a Ré em exclusivo empossada na respectiva titularidade/disponibilidade ] o que obriga a concluir pela não formação/conclusão de um perfeito acordo de vontades entre JL e a Ré no âmbito de outorga de um contrato de doação.
Não obstante o acabado de concluir, sabemos também que, apesar da ausência de uma aceitação expressa por parte da Ré [ no sentido de aceitar que o dinheiro depositado em conta de JL fosse transferido para uma conta bancária unicamente da titularidade da Ré ], certo é que mais tarde veio porém já a Ré e por acordo de ambos a anuir em ser incluída -  agora como co/titular  - em conta bancária de JL , passando a partir da referida data a dispor do dinheiro na mesma depositado como entendeu, v.g. adquirindo bens pessoais, designadamente peças de roupa [ cfr. itens de facto nºs 2.51 a 2.53. ].
Ora, será que, por si só, a última factualidade referida obriga a concluir pela existência de um acordo de vontades dirigido para a outorga de uma doação, tendo existido a posteriori à factualidade inserta em 2.49 [ porque não tem de existir no momento da proposta , podendo ocorrer num momento posterior, desde que antes da morte do doador – cfr. artº 945º,nº1, do CC ] uma declaração tácita – através da figura da tradição ,nos termos do artº 945º,nº2,do CC por parte da Ré de aceitação de proposta de doação da parte do JL?
Ou seja, será que, com o acto identificado em 2.51. , acaba o JL por dispor de uma – a favor da ora ré - coisa à custa do seu património, uma vez que ao associar a Ré como contitular de uma conta por si anteriormente constituída, e ,sendo seu propósito pretender  compensar a irmã pelo apoio anteriormente dado, em rigor acaba por operar a tradição – para a Ré - da coisa depositada, ultimando-se portanto a almejada doação, tanto assim que passou a Ré a partir da referida data a dispor do dinheiro como entendeu, adquirindo bens pessoais, designadamente peças de roupa ?
Adiantando desde já o nosso veredicto e, na linha do entendimento que veio a ser perfilhado pelo STJ em douto Acórdão de 16/6/2016 (13), estamos em crer que da conjugação da factualidade inserta nos itens de facto nºs 2.44, 2.46, 2.47, e 2.51 a 2.53, se impõe/justifica concluir pela verificação do tatbstand o nº 2, do artº 945º, do CC, o que o mesmo é dizer, por uma tradição para a donatária de coisa móvel doada, mostrando-se provado não só o animus donandi de JL, como outrossim pertinente materialidade direcionada para a alteração da titularidade de uma conta bancária, passando doravante a Ré a poder dispor dos fundos na mesma provisionados como, pelo menos, contitular dos mesmos.
Neste conspecto [ e seguindo-se doravante de perto o doutamente explanado no Acórdão do STJ de 16/6/2016 ], não se olvida que como se refere no acórdão do STJ, de 06/10/2005, proferido no processo 04B2753 (14), “o simples facto de se consentir na constituição de um depósito bancário, solidário, em nome simultaneamente, do dono do dinheiro e de terceiro não permite, sem mais, concluir no sentido da ocorrência de animus donandi, por banda do primeiro”, mas já poderá a constituição de uma conta solidária por iniciativa do primeiro, em nome de ambos, a par da prova do animus donandi, levar à conclusão de que foi intenção daquele depositar o seu numerário para que o valor correspondente passasse a pertencer também ao outro contitular”.
De igual modo, e como se considerou outrossim no acórdão do STJ, de 03/03/2005, proferido no processo 04B3711 (15), certo é que “A conta bancária conjunta é meio idóneo para efectuar a tradição da quantia depositada, se, simultaneamente, se provar o animus donandi ”.
Mais recentemente, o mesmo STJ, agora em Acórdão de 25/6/2015 (16), vem a  considerar - na linha do defendido por Pires de Lima e Antunes Varela - que se “ a mera constituição de um depósito bancário em nome conjunto do doador e de uma ou mais pessoas, para que funcionem como depositantes solidários, não representa necessariamente uma doação, enquanto se não conhecer a intenção do dono do dinheiro depositado”, diferente poderá ser porém a realidade, v.g. se “ foi intenção do titular que depositou o dinheiro que este passasse a ser propriedade do outro contitular, podendo dele dispor como entendesse”, caso em que, nestas circunstâncias, então sim ,“estamos, de facto, face a uma doação acompanhada de “tradição” do bem doado, pois que a conta conjunta funciona como meio idóneo para tornar efectivo o apossamento das quantias depositadas ”.
O entendimento sufragado nos citados 4 últimos acórdãos, todos do STJ, é outrossim aquele que, já em 27/3/2023, veio a ser perfilhado pelo Tribunal da Relação do Porto (17) nele se concluindo que “Tendo havido uma doação verbal de valores pecuniários existentes em contas de depósitos (à ordem ou a prazo), e sendo inequívoco o animus donandi da doadora, a transmutação das contas singulares em contas colectivas solidárias constitui meio idóneo para operar a tradição desses valores e assim perfectibilizar a doação”, ou seja, provado o animus donandi expresso do titular inicial e único de conta bancária, a conversão da mesma de conta singular em conta solidária com a corresponde atribuição à donatária da contitularidade dos valores depositados , não pode deixar de traduzir uma tradição, nos termos e para efeitos do nº 2, do art.º 945º, do CC, impondo-se concluir pela aceitação de doação.
É que, considera-se no referido Acórdão de 27/3/2023, verifica-se então  uma correspondência entre o animus donandi do titular inicial e único da conta bancária e a materialidade consistente na alteração da titularidade da mesma existindo assim efectiva tradição da coisa doada, necessária para que possa considerar-se consumada a doação dos valores pecuniários na conta bancária depositados .
Pelo mesmo sentido, enveredou o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, em 20/1/2020 (18), nele se considerando que se a simples co-titularidade em contas colectivas e solidárias não pode e não deve  consubstanciar, por si só, a intenção de doar o saldo dessas contas no exacto momento da atribuição dessa co-titularidade, já diversa deverá ser a conclusão quando, a par  da constituição de um depósito bancário, solidário, em nome da dona do dinheiro e de uma outra pessoa, se demonstrar a efectiva existência da intenção de doar, caso em que imperioso é a  conclusão de que houve uma doação por parte da primeira à segunda.
Aqui chegados, em face de tudo o acabado de expor,  porque nos revemos na jurisprudência citada por último e, porque para além da demonstração da efectiva existência da intenção de doar da parte de JL,  se provou também a conversão de uma conta singular daquele em conta solidária com a corresponde atribuição à donatária/Ré da contitularidade dos valores naquela depositados, e passando doravante esta última a agir como se fosse dona do dinheiro depositado, com o conhecimento do doador, temos por adequado reconhecer o direito da Ré/apelante – traduzido ele em contrato de doação de depósito bancário , e tendo aquela ( doação ) sido objecto de aceitação através de efectiva tradição, porque tornou esta última efectivo o apossamento da coisa/dinheiro por parte da Ré D .
Dir-se-á que, subjacente à conversão [ identificada em 2.51 ] de uma conta singular em conta colectiva e solidária mostra-se o “animus donandi ” do respectivo e único titular inicial [ identificado em 2.44 ], este último por sua vez justificado em face das razões explicitadas em 2.46 e 2.47 .
Em suma, logrou a Ré, como lhe competia, provar que as quantias depositadas em conta bancária lhe foram doadas pelo único titular inicial, a tal não obstando o facto de o doador continuar a figurar como contitular da conta, continuando assim as coisas doadas também na sua posse [ e não existindo sequer qualquer contradição entre a presente conclusão e a factualidade assente em 2.49, porque neste ponto de facto se diz que “ a ré não aceitou que o dinheiro referido em 2.46 fosse transferido para uma conta bancária unicamente sua”, o que não equivale a dizer que não aceitou de todo que o dinheiro em causa lhe fosse doado pelo JL ] .
Destarte, tudo visto e ponderado [ e porque é a doação um contrato de eficácia real (quod effectum), no sentido de que a transferência da propriedade ou da titularidade do direito se verifica em consequência do próprio contrato - cfr. art. 408.º ] a apelação, quanto à reclamada improcedência da acção, só pode e deve proceder, .
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5.- Do Pedido Reconvencional
Reclama outrossim a apelante que seja a sentença recorrida substituída por decisão que julgue procedente o pedido Reconvencional e, em consequência, condenados os Recorridos, solidariamente, a pagar à Recorrente o montante de 8.810,71€, acrescidos de juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Para tanto, sustenta que provado que existiu uma doação do dinheiro depositado na conta bancária …344 e, consequentemente, também o montante de 8.810,71€ que os Autores daquela retiraram - sem qualquer autorização – à Ré pertence, razão porque deveriam os Recorridos ter sido condenados a pagar à Recorrente o montante de 8.810,71€ , acrescidos de juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento.
O pedido Reconvencional apresentado pela Recorrente, recorda-se, foi pelo Primeiro Grau julgado improcedente, o que decorre [ estamos em crer, no pressuposto implícito de se ter considerado não ter logrado a Ré provado a perfeição de uma doação, e isto porque dirigido especificamente ao pedido reconvencional mostra-se a sentença recorrida destituída de pertinente fundamentação, não tendo em todo o caso sido arguida a subjacente nulidade – cfr. artº 615º,nº1, alínea b), do CPC ] prima facie em face das mesmas razões que justificavam a procedência parcial da acção.
Acontece que, perante o entendimento de facto e de direito por nós perfilhado [ aduzido no item nº 4 do presente Acórdão e para o qual se remete ] a sustentar a decidida procedência da apelação no que à reclamada revogação da sentença - na parte em que julgou a acção parcialmente procedente – concerne,  e em coerência com  o mesmo, inevitável é outrossim a revogação da sentença na parte em que julga o pedido reconvencional improcedente.
Com efeito, consubstanciando a doação ( assim como a sucessão)  uma forma de transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito (artigos 1316.º e 954.º, al. a), do CC) e, não provado [ como lhes competia -  cfr. artºs  343º,nº2 e 1311º, ambos do CC ]  pelos AA disporem de um qualquer direito relativamente à quantia identificada em 2.56. [ “ Os Autores sabendo que a R. era co-titular da conta bancária n.º …344, junto do Banco Comercial Português em 18/02/2016 procederam a uma transferência bancária para conta por eles controlada no montante de 8.810,71€ ”], forçosa é a procedência da apelação outrossim quanto ao pedido RECONVENCIONAL.
Impõe-se, portanto, condenar os Recorridos, solidariamente, a pagar à Recorrente o montante de 8.810,71€, acrescidos de juros de mora desde a data da notificação da reconvenção, e até efectivo e integral pagamento
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6.  - Em conclusão ( cfr. artº 663º, nº7,  do CPC)
6.1 - O contrato de doação constitui um negócio jurídico bilateral receptício, que só fica perfeito, ressalvada a situação prevista no n.º 2 do art. 951.º do CC, com a aceitação pelo donatário, sendo que, até que se verifique esta última, não existe senão uma mera proposta de doação.
6.2. - A aceitação não carece de ser expressa, podendo ser tácita, sendo como tal havida a “tradição” para o donatário, em qualquer momento, da coisa móvel doada, ou do seu título representativo, o que tudo deve todavia verificar-se durante a vida do doador.
6.3. - A “tradição” é uma forma de conferir a alguém a posse de determinado bem, sendo que, por regra, com mesma o antigo possuidor demite-se da sua situação anterior e entrega a coisa ao novo possuidor, ao adquirente, constituindo-o na situação de facto própria da posse;
6.4. – Não obstante o referido em 6.3., e designadamente em sede de doação verbal de valores pecuniários existentes em contas bancárias de depósitos, pode a tradição não desencadear a cessação da relação material com a coisa por parte do doador e primeiro possuidor ;
6.5. – O referido em 6.4. tem lugar v.g na transmutação da conta singular em conta colectiva solidária, constituindo aquela meio idóneo para se operar a tradição de valores depositados para o donatário, assim se consumando uma doação, maxime desde que acompanhada - a transmutação da conta - do animus donandi do doador;
6.6. - Tendo-se provado que o falecido desejava doar o montante, sua propriedade, depositado em conta bancária singular, a uma sua irmã, para tanto incluindo-a como co - titular da referida conta, tendo doravante esta última passado a a dispor do dinheiro como entendeu, v.g. adquirindo bens pessoais, designadamente peças de roupa, justifica-se qualificar o referido quadro factual como consubstanciando a concretização de uma efectiva doação, na modalidade de “ tradição ” de coisa móvel doada.
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7. -  Decisão.
Em face do supra exposto,
acordam os Juízes na 6 Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em, concedendo provimento à apelação da Ré D :
7.1. - Revogar a sentença recorrida;
7.2. -  Julgar a acção improcedente, porque não provada ;
7.3. -  Julgar o pedido reconvencional procedente, porque provado, sendo os AA/Recorridos, condenados, solidariamente, a pagar à Ré/recorrente o montante de 8.810,71€, acrescidos de juros de mora vencidos desde a notificação da reconvenção, e vincendos até efectivo e integral pagamento.
7.4. - Manter no mais, a sentença apelada [ maxime no tocante à decisão de não condenação , dos autores e da ré , como litigantes de má fé ].
Custas – na acção e apelação - , a cargo dos AA e apelados.
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(1) In Ac. de 28/4/2016, Proc. nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1, sendo Relator ABRANTES GERALDES, e in www.dgsi.pt..
(2) Cfr. Ac. do STJ de 7/6/2018, proferido no Proc. nº 6155/15.2T8GMR.G1.S2, sendo Relator o Cons.º TOMÉ GOMES, e  in www.dgsi.pt .
(3) Cfr. Ac. do STJ de 6/10/2010, proferido no Proc. nº 936/08.JAPRT, sendo Relator o Cons.º HENRIQUES GASPAR e  in www.dgsi.pt .
(4) Cfr. Ac. do STJ de 24/5/2022, proferido no Proc. nº 4482/20.6T8LSB.L1.S1, sendo Relator o Cons.º ANTÓNIO BARATEIRO MARTINS e  in www.dgsi.pt .
(5)  Em CC anotado, 2ª EDIÇÃO, II VOLUME , 2ª EDIÇÃO, 228.
(6) Ibidem, pág.  228 .
(7) Ibidem, pág.  229.
(8) Cfr. PIRES de LIMA e ANTUNES VARELA, Ibidem, pág.  230.
(9) Cfr. PIRES de LIMA e ANTUNES VARELA, Ibidem, pág.  238.
(10) Em das “Doações”, pág.44, e citado no Acórdão do STJ de 16/06/2016, proferido no Proc. nº 865/13.6TBDL.L1.S1, sendo Relator o Cons.º TOMÉ GOMES, e  in www.dgsi.pt .
(11) Cfr. Ac. de 17/12/2015, proferido no Proc. nº 865/13.6TBPDL.L1-8, e  in www.dgsi.pt .
(12) Cfr. acórdão de 10/12/2013, do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo n.º 1729/12.6TBCTB-B.C1, e acessível in www.dgsi.pt.
(13) Proferido no Proc. nº 865/13.6TBPDL.L1-8, sendo Relator TOMÉ GOMES e o qual veio a revogar o Acórdão da relação de Lisboa identificado na nota nº 11,  ambos acessíveis em www.dgsi.pt .
(14) Sendo Relator PEREIRA da SILVA, e acessível em www.dgsi.pt .
(15) Sendo Relatar BETTENCOURT FARIA, e acessível e acessível em www.dgsi.pt .
(16) Proferido no Proc. nº 26118/10.3T2SNT.L1.S1, sendo Relator GREGÓRIO SILVA JESUS e acessível em www.dgsi.pt .
(17) Proferido no Proc. nº 1550/21.0T8PVZ.P1, e acessível em www.dgsi.pt .
(18) Proferido no Proc. nº 1818/17.0T8STB.E1, e acessível em www.dgsi.pt .
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LISBOA, 14/9/2023
António Manuel Fernandes dos Santos
Adeodato Brotas
Teresa Soares